Metodologia e pr谩tica da Hist贸ria no Ensino Fundamental
Metodologia e pr谩tica da Hist贸ria no Ensino Fundamental
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Nadyer, Denize Reimão de Souza Metodologia e prática da História no Ensino Fundamental./ Denize Reimão de Souza Nadyer. – Salvador: UNIFACS, 2014. 165 p.; 18,3 x 23,5cm. ISBN 978-85-8344-046-8 1. História - Estudo e ensino. 2. Prática de ensino. I. Título. CDD: 372.89
S umário ( 1 ) O ensino de história: um breve relato, 11 ( 2)O
conhecimento histórico: características e importância social, 21
( 3 ) Principais
história, 31
conceitos do estudo de
3.1 Fato histórico, 35 3.2 Sujeito histórico, 38 3.3 Tempo histórico, 43
( 4)A
voz do passado, 53
( 5 ) Construindo
o agente histórico na educação infantil e no ensino fundamental, 65 ( 6 ) Conteúdos e
sugestões, 77
6.1 Critérios de seleção e organização de conteúdos, 79 6.2 Sugestões de conteúdos para a educação infantil, 88 6.3 Sugestões de conteúdos para os anos iniciais do ensino fundamental, 95 ( 7 ) Tempos
históricos e culturais. Diversidade cultural: um novo olhar, 111 7.1 Ensino de história e cultura Afrobrasileira e Africana: Lei10.639/2003, 123 ( 8)A
transversalidade no ensino de História, 135 8.1 Os saberes históricos escolares e os temas transversais, 148
(1)
O ensino de hist贸ria: um breve relato
N ossa primeira unidade
será
uma retrospectiva do ensino de História no nosso país e no mundo, para que possamos compreender seu percurso, sua influência nas nossas atitudes e importância para a educação atual, pois é observando o passado que podemos entender as ações do presente. Se pudéssemos voltar ao tempo observaríamos com grande espanto as inúmeras modificações ocorridas em nossa vida pessoal e na sociedade: objetos que deixaram de existir, outros que foram transformados e outros inventados; as transformações na vida das pessoas, suas relações familiares, com os vizinhos e com o mundo. Foram muitas as mudanças. Hoje vivemos em um mundo tecnológico em que a informação é veloz, se altera o tempo todo e a televisão dita regras e modas.
Neste contexto de transformações, você está aí aprendendo através do computador. Algo impensado há poucos anos, não é mesmo? E a escola? Você se lembra dela tempos atrás? E os conhecimentos que você acumulou durante este tempo, estão presentes em sua memória? Pois é, muita coisa mudou e o ensino de História também percorreu um longo caminho com o passar dos tempos. Recebeu e ainda recebe vários nomes: Ciências Sociais, Estudos Sociais, Moral e Civismo, História, de acordo com as finalidades e interesses apresentados em cada época; ela tornou-se, nos dias atuais, uma disciplina que tem como perspectiva a construção da identidade do sujeito a partir do “eu” e do “outro” em uma visão de alteridade. Vejamos agora um pouco da trajetória do ensino de História no nosso país. O conhecimento histórico como disciplina escolar começou a ser moldado em 1827 com a primeira lei promulgada sobre a educação nacional do Império do Brasil. Seu conteúdo estabelecia a Constituição do Império e a História do Brasil como textos preferenciais para o ensino da leitura. Nesta época, a escola elementar tinha como objetivo transmitir uma formação moral cristã e os conhecimentos primários sobre política, ou seja, as ideias morais, religiosas, políticas e Metodologia e prática da História no Ensino Fundamental
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culturais eram a base do currículo, contudo, não estavam formalizadas como disciplina. Antes do Império, a educação no Brasil colônia estava voltada apenas para a erudição, ou seja, para que a elite aprendesse e não se desvinculasse da cultura branca europeia, nesta época não havia nenhuma preocupação com a realidade social. Aos índios e filhos de colonos destinava-se apenas o ensino religioso oferecido pelos jesuítas e a aprendizagem
das primeiras letras. Cursavam o ensino médio, os filhos das elites e concluíam seus estudos na Europa, para os que queriam ser religiosos havia os seminários com o ensino de Teologia e Filosofia. Você deve estar se perguntando: E o que estudavam os negros e homens livres pobres? Como você já deve ter imaginado, a estes membros da sociedade, a escola era inacessível, não ofereciam lugar a eles. “Assim, a educação no período colonial foi marcada pelo desejo da elite de adquirir a cultura branca europeia e diferenciar-se dos nativos e dos negros. A estes últimos reservavase o trabalho manual e, à elite, o estudo das questões do “espírito”.” (NEMI, 1996 p. 13).
Com a criação durante o Império, do primeiro colégio secundário do país - Colégio Pedro II, em 1837 - a História passou a ser uma disciplina escolar autônoma de acordo com o modelo francês: permaneceu a História Sagrada, mas o predomínio passou a ser da História Universal. Já a história do Brasil começou a fazer parte do currículo em 1855, inicialmente nas escolas secundárias e depois nas escolas elementares e a História Sagrada continuou presente no conteúdo da educação moral e cívica. Ao final de 1870, iniciaram-se muitas discussões sobre no laico, essa atmosfera de mudanças sociais que influenciou novas transformações no currículo escolar. O desejo de anular o poder da Igreja Católica sobre o Estado fez com que a História Sagrada fosse eliminada e a História Profana ganhasse espaço. No entanto, na sala de aula esta continuava sendo uma disciplina optativa e geralmente era descartada para que a História Sagrada tivesse seu espaço garantido.
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o fim da escravidão, a insatisfação com o Império e o ensi-
A memorização e a repetição foram as bases do ensino que tinham como objetivo transmitir as grandes ações históricas e seus heróis. O livro didático era o único recurso a que o professor tinha acesso, além da própria voz, e seguia o modelo utilizado nos catecismos (com perguntas e respostas), para facilitar as arguições em que o papel do aluno era repetir as lições recebidas. Com a proclamação da República, os conteúdos históricos passaram a formar o tripé da nacionalidade junto com a Geografia e a Língua Nacional, cujo objetivo era desempenhar o papel civilizatório e o patriótico na construção do cidadão. A separação entre a Igreja e o Estado tornou possível a substituição da História Universal que privilegiava o estudo bíblico da criação, pela História da Civilização (marcada pelo estudo da Antiguidade do Egito e da Mesopotâmia), em que prevalece a ideia de um estado forte. A História Nacional tinha por intuito enaltecer o passado glorioso e homogêneo. Juntamente com seus heróis, o civismo toma o lugar da religião e inicia as comemorações cívicas, como o desfile de 7 de Setembro e o culto aos símbolos da Pátria. No início do Século XX, o modelo oficial de ensino começa a ser questionado e novas propostas são lançadas baseadas nos princípios das lutas sociais, logo reprimidas pelo governo republicano. E hoje, como se processa o ensino de História nas escolas? Metodologia e prática da História no Ensino Fundamental
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O ensino de História passou a ser único em todo o território nacional na década de 1930, com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública. Neste período, as discussões influenciadas pelo movimento escolanovista propunham retirar as disciplinas História e Geografia e introduzir os Estudos Sociais nos currículos. A História Geral ocupava um espaço maior ficando o Brasil e a América como um acessório da civilização ocidental.
Vale ressaltar que os livros traziam a democracia racial como realidade brasileira e a metodologia continuava pautada na memorização e nas festividades pátrias. Com o fim da Segunda Grande Guerra, novas modificações ocorreram no ensino de história e seu aprendizado voltou-se para os avanços tecnológicos, científicos e culturais da humanidade e o desenvolvimento econômico com o objetivo de formar cidadãos pacíficos. A cultura norte-americana começou a influenciar os programas nacionais para a escola elementar, e estas deixaram para trás seu conteúdo cívico e moralizante. O mesmo aconteceu no ensino secundário com a presença soberana da História dos Estados Unidos. Durante o período militar, os Estudos Sociais foram estabelecidos através da Lei n. 5.692/71 (BRASIL, 1971); os conteúdos foram dissolvidos, o ufanismo nacionalista introduzido e a preocupação em organizá-los em etapas sucessivas do concreto para o abstrato. O acesso à escola foi ampliado, mas a qualidade continuou diminuindo. Com os anos de 1980, surgiram novas alterações. A História Tradicional e sua organização espaço temporal foram questionadas e substituídas pela História Crítica, cujo conteúdo era constituído de acordo com as necessidades apresentadas no cotidiano; os estudantes passaram a ser vistos como construtores de sua história e passaram a ter uma particificou claro para os professores e professoras que era impossível transmitir todos os conhecimentos históricos acumulados pela humanidade. Hoje percebemos com maior clareza a contribuição desta disciplina na construção de sujeitos críticos e reflexivos que compreendam a História como conhecimento necessário para que possamos entender a realidade social e exercer
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pação mais ativa. É importante destacar que nesse período
a cidadania e não como uma mera transmissora de fatos fragmentados e tendenciosos. Pois como afirma Gadotti (apud NEMI, 1996. p. 8): “A utopia propõe o retorno à comunidade. Para realizá-la é preciso que a comunidade a defenda como defende o acesso aos eletrodomésticos, ao transporte, ao esgoto, ao asfalto, à moradia, ao trabalho, enfim, que ela defenda a educação como fundamental para a sua qualidade de vida.”
As discussões continuam. Ainda existem controvérsias quanto ao seu objeto de estudo e abrangência dada à relação interdisciplinar com outras áreas de conhecimento (geografia, antropologia, sociologia etc.). Daí a necessidade de melhor conhecermos esta área de conhecimento tão importante na educação.
SÍNTESE Com esta unidade, foi possível acompanhar o caminho histórico percorrido por essa disciplina, as inúmeras transformações por que o ensino de História passou no nosso país e no mundo, assumindo, em cada época, o papel exigido pela sociedade de acordo com seus interesses e necessi-
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dades. Na próxima unidade, prosseguiremos nossos estudos sobre o conhecimento histórico enfocando suas características e importância social.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Conhecer o percurso que a História percorreu possibilita uma melhor compreensão desta disciplina?
LEITURA INDICADAS BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC, 1997.
SITES INDICADOS BRASIL. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa diretrizes e bases para o ensino de 1° e 2º graus, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/L5692.htm>. Acesso em: 17 out. 2008. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais: pluralidade cultural, orientação sexual. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro101.pdf>. Acesso em 12 jul. 2007.
REFERÊNCIAS BRASIL. Lei no 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa diretrizes e bases para o ensino de 1° e 2º graus, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/L5692.htm>. Acesso em: 17 out. 2008. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/SEF. Parâme-
FONSECA, S. G. Didática e prática do ensino de história: experiências, reflexões e aprendizagens. Campinas: Papirus, 2003 - (Coleção Magistério: Formação e trabalho pedagógico).
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tros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC, 1997.
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O conhecimento histĂłrico: caracterĂsticas e importância social
Agora que já sabemos o caminho percorrido pelo saber histórico escolar para alcançar o posto de disciplina autônoma, reconhecida por sua importância social para a construção do presente, do passado e do futuro, prosseguiremos com nossas reflexões acerca das características e da importância social do conhecimento histórico escolar. As diversas pesquisas e discussões realizadas nos últimos anos nos revelam muitos questionamentos importantes a respeito do conhecimento histórico. Eis algumas questões que desafiam os historiadores, professores e professoras interessados em ampliar e transformar o conhecimento histórico: • Quem são os agentes da história? Grandes heróis, autores de fatos formidáveis? Ou indivíduos comuns cujos nomes não são registrados nos livros?
• Quais os povos que devem ser eleitos para fazer parte dos estudos históricos? • O que é relevante estudar na vida desses povos? • Que fontes podemos utilizar para embasar nossos estudos? Os livros são relatos fiéis dos fatos históricos? • Como devemos apresentar os conhecimentos históricos aos estudantes? Dos mais simples aos mais complexos? Qual a organização temporal mais apropriada para ordenarmos os conhecimentos históricos? Considerando novas correntes de pensamento sobre a história substituiu-se o grande homem — o herói —, por indivíduos, grupos ou classes sociais agentes de uma transformação social. É relevante lembrar que os homens considerados “importantes”, os protagonistas do passado e do presente, são constituídos de acordo com os interesses da sua época e a realidade social na qual está inserido. Além disso, devemos também nos lembrar que os fatos não ocorrem isoladamente, mas são consequências de ações, muitas vezes, coletivas. Ao aprofundarmos nossa análise veremos que o herói é um indi-
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víduo que se destacou durante esses acontecimentos, mas não o realizou sozinho. Atualmente, a presença da economia, da sociologia, da antropologia e das ciências políticas favoreceu um novo e amplo olhar para os conteúdos escolares de história. O enfoque na diversidade de culturas e povos em tempos e espaços diversos possibilitou uma reflexão mais crítica em relação ao destaque dado apenas para algumas parcelas da sociedade na produção histórica por serem, estas, consideradas autoras da evolução política e econômica, desmerecendo a participação de diferentes grupos sociais nesses avanços.
A multiplicidade dos povos e sua riqueza cultural mostram aos estudantes que existem várias formas de viver e de se organizar no mundo em diferentes tempos e espaços. Conhecer o mundo é um direito que nos auxilia na construção de um mundo menos preconceituoso e mais igualitário, como recomendam os PCNs de Pluralidade Cultural (BRASIL, 1997, p. 23). “Mudar mentalidades, superar o preconceito e combater atitudes discriminatórias são finalidades que envolvem lidar com valores de reconhecimento e respeito mútuo, o que é tarefa para a sociedade como um todo. A escola tem um papel crucial a desempenhar neste processo.”
Pois é, a importância do nosso papel como professores e professoras, formadores de opiniões, de conceitos e preconceitos é muito grande. Precisamos reavaliar nossa participação na construção das realidades do passado, do presente e do futuro. Outro ponto que precisamos discutir são as fontes documentais. O que nos leva a acreditar que apenas os documentos escritos são verdadeiros? Será que quem os escreveu é o dono vamente desta forma? Ao tratar de documentos históricos temos que nos lembrar que eles nem sempre são produzidos com o intuito de registrar para as gerações futuras os fatos e acontecimentos vividos. Além do mais, esses documentos são estudados e analisados por pesquisadores que, como qualquer ser humano, atribui o sentido e o significado que deseja, seja consciente ou inconscientemente. Muitas vezes ignoramos que, além da escrita, os homens utilizam a linguagem oral, gestual, figurada, musi-
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da verdade? A comunicação entre os homens ocorre exclusi-
cal e rítmica para comunicar seus sentimentos, suas verdades e ponto de vista. Na sala de aula, temos que nos lembrar dessas possibilidades e criar/buscar novos instrumentos de comunicação que estimulem os estudantes a compararem e analisarem outras fontes documentais. De acordo com a maioria dos estudiosos podemos classificar as fontes documentais em cinco tipos diferentes: escritas, visuais, orais, sonoras e cultura material. Escritas – São documentos em que existem registros das ideias, sentimentos, impressões e conhecimentos. Neste item se encaixam não só os conhecidos livros e textos escritos em papel, argila ou pergaminho, mas incluem-se também certidões de casamento e nascimento, cartas, periódicos, letras de músicas, diários entre outros. Visuais – Também são os registros das ideias, sentimentos, impressões e conhecimentos, mas estes registros são feitos através das pinturas, fotografias, desenhos, esculturas etc. Com a leitura destas imagens, podemos conhecer os fatos vividos ou registrá-los para as futuras gerações. A observação das pinturas das rupestres, por exemplo, permite-nos conhecer como os homens que habitavam a caverna pensavam,
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como era a cultura, que objetos utilizavam para caçar, como era a sua religiosidade. Orais – Transmitir a história através da oralidade é muito comum em sociedades ágrafas, nas quais os mais velhos são responsáveis em transmitir seus conhecimentos e as tradições, muitas vezes seculares, aos mais novos. Contudo, em sociedades letradas como a nossa, ainda utilizamos a tradição oral, ao cantamos músicas de ninar para as nossas crianças ou quando contamos histórias que nossos pais e avós nos contavam, por exemplo.
Sonoras – São os registros dos sons, das melodias, ou seja, as músicas e ritmos. Seu estudo pode nos informar sobre o modo de vida de épocas passadas, já que geralmente costumamos cantar em verso e prosa nossas aflições, problemas e alegrias. Cultura material – Observando brinquedos, roupas, móveis, ferramentas, utensílios domésticos, entre outros, podemos conhecer o modo de vida das pessoas. E foi através destes objetos que os historiadores puderam realizar seus estudos e compreender o passado. Dessa maneira, ampliamos as possibilidades de análise e favorecemos aos estudantes um olhar mais apurado em relação à realidade e seus objetos, pois passamos a extrair informações e conhecimentos de variadas fontes, favorecendo a comparação entre os diversos portadores históricos e possibilitando o questionamento dos documentos escritos como fontes inquestionáveis. Ao levarmos uma foto para a sala de aula, por exemplo, temos a oportunidade de inferir diversas informações sobre o passado: comportamento das pessoas, vestimentas utilizadas etc., sem precisarmos recorrer a documentos escritos. Os questionamentos continuam também em relação às Será que existe um único tempo para toda a humanidade? O tempo é sempre contínuo e evolutivo? Podemos depreender a concepção de tempo que usualmente é utilizada para transmitir os conteúdos históricos escolares às crianças e jovens, mas nem sempre é a mais adequada. A realidade na qual estamos inseridos é construída não só por um tempo contínuo e evolutivo, mas também pelas descontinuidades, rupturas, permanências e transformações rápidas e lentas em toda sociedade.
27 O conhecimento histórico: características e importância social
concepções de tempo.
Há muita diferença entre a história que nos foi ensinada nas escolas e a atual visão do conhecimento historicamente produzido. Assim, cabe à escola e a nós, educadores e educadoras, inserirmos a dinâmica dos processos sociais com suas mudanças e descontinuidades, com um passado e um presente em constante movimento no currículo de todos os níveis de ensino.
SÍNTESE Nesta unidade, pudemos conhecer melhor algumas características importantes do ensino de História. Refletimos sobre a diversidade das fontes documentais, o tempo histórico e sua importância social.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO E você, como professor (a), já refletiu sobre esses pontos ao formular seu plane-jamento? Qual o seu posicionamento diante dessas questões?
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LEITURAS INDICADAS BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC, 1998. STEPHANOU, M. Instaurando maneiras de ser, conhecer e interpretar. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01881998000200002> Acesso em: 28 nov. 2006.
ZAMBONI. E. Representações e linguagens do ensino de História. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0102-01881998000200005>. Acesso em: 17 nov., 2008.
REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC, 1997. FONSECA, S. G. Didática e prática do ensino de história: experiências, reflexões e aprendizagens. Campinas: Papirus, 2003 - (Coleção Magistério: Formação e trabalho pedagógico. KARNAL, L. (Org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2005. NEMI, A. L. L.; MARTINS, J. C. Didática de história: o tempo vivido: uma outra história? São Paulo: FTD, 1996. - (Conteúdo e metodologia). PINSKY, J. (Org). O ensino de história e a criação do fato. 12. 29 O conhecimento histórico: características e importância social
ed. São Paulo: Contexto, 2006. (Coleção Repensando o Ensino).
(3)
P rincipais conceitos do estudo de hist贸ria
D epois de compreender e aprofundar nossas discussões sobre as características e a importância social do conhecimento histórico, prosseguiremos nos estudos considerando melhor um dos principais conceitos do estudo de história e sua importância para a construção do presente e a formação dos indivíduos. Antes, entretanto, vamos pensar um pouco sobre a diferença entre saber histórico e saber histórico escolar. Você já percebeu que na maioria das vezes acrescentamos a palavra escolar ao saber histórico? Sabe por que isso acontece? Pode parecer que o acréscimo desta palavra seja apenas uma escolha para nomear a disciplina, mas falar de saber histórico e saber histórico escolar demonstra uma diferencia-
ção básica. Enquanto o primeiro refere-se ao campo de pesquisa e produção de conhecimentos realizados pelos historiadores, o segundo, saber histórico escolar, utiliza a produção destes especialistas, reelaborando e selecionando de acordo com os seus objetivos e interesses sociais algumas partes dos resultados acadêmicos. Essa reelaboração é necessária, pois ao adentrar à instituição escolar esses conhecimentos passam a ser chamados de conteúdos e, como sabemos, todo saber escolar tem seus objetivos preestabelecidos. O conhecimento produzido na instituição escolar (saber escolar) também é modificado para que possa incluir a vivência das crianças, jovens, educadores (as), através das aprendizagens realizadas no meio em que vivem e nas informações agregadas pelos meios de comunicação, passando a apresentar um conjunto de “representações sociais” do mundo e da história, tornando-se, desta forma, o saber histórico escolar. No entanto, o saber histórico e o saber histórico escolar
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se relacionam e delimitam três conceitos centrais que orientam e determinam a concepção de história utilizada na instituição de ensino. Esses conceitos são fundamentais para que possamos compreender os acontecimentos históricos e nos posicionar diante da realidade em que estamos inseridos. • Fato histórico; • Sujeito histórico; • Tempo histórico. Você saberia conceituá-los e identificá-los nos conteúdos escolares que você aprendeu ou leciona?
Esses conceitos podem ser identificados de duas maneiras diferentes, de acordo com a concepção de ensino que o norteia. A partir da concepção que escolhemos para direcionar as nossas aulas estaremos oferecendo uma visão de mundo para nossas crianças e jovens. Por essa razão é importante refletir bem sobre o que estamos fazendo com nossos estudantes e que tipo de pessoa estamos querendo formar. Se pessoas passivas, que não conseguem relacionar fatos e acreditam que eles são desvinculados do momento que vivemos, ou pessoas atuantes e capazes de compreender que todos os fatos históricos influenciam de alguma maneira as nossas vidas. Então para que possamos fazer nossas escolhas conscientes do papel que de-sempenhamos como formadores de opiniões, conheceremos esses conceitos mais detalhadamente a partir das definições de Nemi e Martins (2000) e assim aprofundar nossas reflexões.
3.1
Concepção 1: nesta concepção, os fatos históricos podem estar relacionados a eventos políticos, festas cívicas, atos heroicos isolados, como por exemplo: A Independência do Brasil e o Descobrimento do Brasil. Esses fatos são apresentados aos estudantes completamente dissociados do contexto histórico dos personagens, nem possibilitam outra versão dos fatos. É apresentada apenas a visão oficial, aquela que está nos livros, e não apresentam nenhuma relação com os fatos presentes, ou seja, não é importante saber quais as con-
Principais conceitos do estudo de história
Fato histórico
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sequências que esse acontecimento teve para as outras sociedades e gerações, inclusive a nossa. O critério utilizado para a sua escolha é o conhecimento do passado, os estu-dantes precisam conhecer a história, saber as datas desses fatos e os heróis que dele fizeram parte. Por essa razão, não é importante saber quais as razões que levaram D. Pedro I a proclamar a Independência do Brasil nem como era a vida no Brasil Colônia. As crianças precisam saber apenas que no dia 7 de setembro D. Pedro I chegou às margens do Ipiranga e gritou: “Independência ou Morte” e assim o Brasil tornou-se independente. Muitas vezes, elas nem sabem o que é o Ipiranga, mas repetem tudo que a educadora falou e tiram nota 10 na prova, pois de acordo com esta concepção é a repetição que promove a aprendizagem. Para avaliar se os conteúdos transmitidos realmente foram adquiridos, o educador aplica questionários e provas com perguntas objetivas em que normalmente só existe uma possibilidade de resposta.
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Concepção 2: nesta concepção, são apresentadas ações humanas significativas, podendo ser individuais ou coletivas (arte, religião, modos de produção, comportamentos, políticas etc.). As ações são escolhidas com o intuito de possibilitar análises de determinados momentos históricos. Na primeira concepção de ensino, os fatos históricos, geralmente, são feitos grandiosos que promovem a evolução e são realizados, na maioria das vezes, isoladamente pelos homens brancos e poderosos, por isso devem ser cultuados, lembrados e idolatrados. Na segunda, percebemos que a história é construída diariamente a partir de pequenos ou grandes feitos realizados por pessoas ou grupos comuns que não pertencem às classes dominantes, indivíduos como eu e você. Esses feitos
não são realizados com o intuito de escrever o nome na história, mas ocorrem de acordo com as necessidades e circunstâncias da vida diária. O papel central das escolas, hoje, é ensinar a contextualizar e não transmitir fatos isolados que dificultam a compreensão da realidade social. O estudante deve ser incentivado a situar um fato, situação ou problema com relação a outros que o ajude a entender a realidade nos seus aspectos social, político, cultural, econômico, ideológico e espacial. Sabemos que a concepção da história como a ciência do passado, hoje muito criticada, foi, durante muito tempo, enaltecida por ser a depositária das verdades indiscutíveis, imutáveis, definitivas e universais, preocupando-se apenas com os acontecimentos passados, ao mesmo tempo em que desprezava o presente. Na prática, no entanto, os educadores, autores e historiadores continuam divulgando os fatos históricos estabelecidos como importantes pelos livros didáticos, sem estabelecerem um espaço de reflexão que possibilitem ao dermos por que um fato é considerado histórico e muitos outros são descartados. Como nos sugere Jaime Pinsky na apresentação do livro por ele organizado, partindo do princípio de que a história é construída por gente, qual a medida utilizada para definir: “(...) por que um fato é muito histórico, outro menos e um terceiro sem importância histórica de vez? Quem determina a historicidade de um fato, aceitando-se que um historiômetro objetivo ainda não foi inventado? Por que os livros “estabelecem” fatos e os repetem seguidamente, de maneira acrítica? Quem definiu seus nomes, sua importância e por quê?”(PINSKY, 2006, p. 9).
37 Principais conceitos do estudo de história
menos algumas indagações pertinentes para compreen-
Após essas reflexões, estaremos mais seguros para tentar pensar o saber histórico acumulado pela humanidade de uma maneira mais realista, ou seja, será mais “fácil” perceber que o fato histórico escolhido não é neutro, mas cercado de interesses que visam privilegiar ou mesmo enaltecer uma classe ou pessoa. Com essa afirmação não queremos descartar a importância do fato histórico, mas apenas ressaltar o seu valor como ponte de entendimento do presente. Como nos sugere Karnal: “Compromisso com o passado é pesquisar com seriedade, basear-se nos fatos históricos, não distorcer o acontecido, como se esse fosse uma massa amorfa à disposição da fantasia do seu manipulador. Sem o respeito ao acontecido a História vira ficção. Interpretar não pode ser confundido com inventar.”(KARNAL ,2005).
O estudo do fato histórico favorece que entremos em contato com a nossa história e possamos compreender e atuar no presente de forma crítica, mas não podemos tê-lo como
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verdade absoluta. Por isso destacamos a importância da pesquisa e do estudo para que possamos evitar distorções e manipulações com seriedade e compromisso.
3.2 S ujeito histórico Se considera um sujeito histórico? Conhece as concepções que rodeiam esse conceito? Então, que tal conhecê-las? Assim, teremos mais autonomia nas nossas escolhas.
Concepção 1: esta concepção apresenta o sujeito individual, heróis, anti-heróis, poderosos (reis, militares etc.). Nesta concepção, o povo é excluído da história, ou seja, não é considerado como um agente, um sujeito do processo histórico, apenas os heróis ocupam este papel. Estes sujeitos são, geralmente, indivíduos pertencentes à classe dos poderosos, da elite, merecedores de serem estudados e exaltados. Esses heróis são registrados como indivíduos descontextualizados do seu tempo e espaço, seus atos e ações são sempre relatados no singular, suas obras são consideradas produções individuais. Concepção 2: aqui os sujeitos históricos são os indivíduos, grupos ou classes sociais, agentes de uma transformação social. Para ocupar o lugar do herói surge uma grande variedade de sujeitos históricos, representados pelos trabalhadores, patrões, escravos, reis, camponeses, velhos, crianças, mulheres etc. Pessoas comuns que fazem parte da sociedade e com seus atos e atitudes modificam ou alteram o rumo da história.
Enquanto a primeira concepção acredita que a História é construída a partir das ações isoladas e de vontades individuais de poucos homens, geralmente, poderosos, na segunda, o sujeito social é todo aquele que se revela como fonte significativa para estudos históricos escolhidos com fins didáticos, sejam poderosos ou pobres, brancos, índios ou negros, entre outros. Veja o que pensa Ana Lúcia Nemi em seu livro O tempo Vivido: Uma outra história
Principais conceitos do estudo de história
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Qual das concepções de sujeito histórico você considera a mais adequada? Nas duas, os grupos e setores que formam a sociedade são considerados e valorizados?
“Vimos que a história que tem sido ensinada no Brasil pouco se preocupa com a realidade dos educandos. Ela privilegia acontecimentos e fatos isolados, deixando de lado as relações entre os diferentes grupos sociais ao longo dos tempos. Além disso, é dominada pelas elites governantes: o povo não é visto como agente do processo histórico.Assim, os nomes dos “heróis”, as datas e circunstâncias históricas aparecem descontextualizadas, como se fossem obras de alguns indivíduos e não uma construção e desconstrução coletiva.” (NEMI, 1996, p. 20).
Dessa maneira, além de todos os alertas que vimos até aqui, Nemi ressalta que ao explorarmos nas aulas de História apenas os heróis, deixamos de lado a realidade, o tempo vivido pelos estudantes. Estes, por sua vez, começam a achar que suas atitudes não podem influenciar ou alterar o processo histórico, já que este é determinado pelos grandes heróis do passado, explicitando, para muitos, o equívoco de que o presente não
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possui nenhuma relação com o passado. Veja o que Pinsky nos afirma sobre a alienação causada aos estudantes pelo ensino que privilegia apenas os heróis, os reis e poderosos: “Histórias de reis, heróis e batalhas, redutoras do homem à categoria de objeto ínfimo no universo de monstros grandiosos que decidem o caminho da humanidade e o papel de cada um de nós. O caráter alienador dessa história manifesta-se mesmo através daqueles que a apreciam, pois, na verdade, apreciam na história o seu caráter alienante.” (PINSKY, 2006, p.18).
E agora, já é capaz de responder? Você se considera um sujeito histórico? E as crianças que estão em sua classe também podem ser consideradas sujeitos históricos?
Atualmente, percebemos que independentemente da cor, classe social, religião ou idade todos nós somos construtores da história, nossas atitudes e ações podem influenciar, modificar ou não o tempo vivido. Podemos transformar a vida e as ideias de muitas pessoas ou simplesmente continuar transmitindo os conhecimentos acumulados pelas gerações da mesma maneira que aprendemos há anos. Compreender os motivos, as intenções, os sonhos, a participação e a marginalização dos sujeitos históricos envolvidos nos eventos estudados, percebendo que as respostas, explicações e expectativas não são iguais para todos os envolvidos, devem fazer parte dos objetivos dos professores e professoras. em que vivemos e uma dessas maneiras é construindo relações mais democráticas, mostrando para as crianças que elas são construtoras da história, assim como os grandes heróis. Uma sugestão é explorar na sala de aula a linha do tempo ou linha da vida, utilizando fotos, objetos que contém a história de cada uma delas. A pesquisa da história do nome, quem escolheu e porque são etapas interessantes, desenho de fatos que aconteceram no seu passado, no presente e que pensam que irá acontecer no futuro. Para encerrar, fique com esse trecho dessa belíssima história de Ana Maria Machado (1983, p.56):
41 Principais conceitos do estudo de história
Está em nossas mãos modificar, transformar o mundo
Bisa Bia, Bisa Bel
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- Então, está bem – Dona Sônia encerrava a aula, tinha passado tão depressa. – Cada um vai para casa e pensa nisso até a próxima vez, conversa com a família, com os amigos, imagina, sonha. A ideia é ótima. Vamos todos trabalhar esse tema – dos bisavôs aos bisnetos. E então eu soube, eu descobri. Assim de repente. Descobri que nada é de repente. Dessa vez, a pesquisa no colégio não é só nos livros nem fora de mim. É também na minha vida mesmo, dentro de mim. Nos meus segredos, nos meus mistérios, nas minhas encruzilhadas escondidas, Bisa Bia discutindo com Neta Beta e eu no meio, pra lá e pra cá. Jeitos diferentes de meninos e meninas se comportarem, sempre mudando. Mudanças que eu mesma vou fazendo, por isso é difícil, às vezes dá vontade de chorar. Olhando para trás e andando para frente, tropeçando de vez em quando, inventando moda. É que eu também sou inventora, inventando todo dia um jeito novo de viver. Eu, Bel, uma trança de gente, igualzinho a quando faço uma trança no meu cabelo, dividindo em três partes e vou cruzando uma com as outras, a parte de mim mesma, a parte de Bisa Bia dela, e com alguma bisneta que não dá nem para eu sonhar direito. E sempre assim. Cada vez melhor. Para cada um e para todo mundo. Trança de gente. Foi só por isso que eu resolvi contar o segredo que ninguém desconfia, sabe? Contar que Bisa Bia mora comigo. Mas quando eu me animo, não consigo parar, e acabei contando tudo. Até Neta Beta entrou na dança. E nós três juntas somos invencíveis, de trança em trança. MACHADO, A. M. Bisa Bia, Bisa Bel. Rio de Janeiro: Salamandra, 1983. Capa do livro Bisa Bia, Bisa Bel Link: <http://www.anamariamachado.com/livros/capas/ bisabiabisabel.jpg>
3.3 Tempo histórico Por muito tempo eram considerados sujeitos históricos apenas algumas pes-soas escolhidas, com base em fatores econômicos e políticos que variavam de acordo com os interesses daqueles que se encontravam no poder. Vimos, no entanto, que a tendência atual é ampliar esse leque e mostrar às crianças não só os “heróis” que fazem parte do conhecimento acumulado pela humanidade, mas principalmente pessoas comuns, como eu e você, que ajudamos a construir a História a cada dia, com pequenas transformações e escolhas que fazemos a cada dia ou com a aceitação passiva dos acontecimentos que experienciamos. O importante é levar para a sala de aula acontecimentos e situações que façam os estudantes perceberem que os “heróis” não são pessoas com “poderes” especiais, mas agennas mais um sujeito dentre os muitos que se uniram em prol de um objetivo comum. Vamos aprofundar nossas reflexões acerca de mais um dos conceitos principais de História: O Tempo Histórico.
Você sabe o que é tempo histórico? Por que esse conceito é tão importante para a História?
Assim como os outros conceitos, o Tempo Histórico também possui duas concepções diferentes. Vamos conhecê-las?
43 Principais conceitos do estudo de história
tes de transformações sociais em que, muitas vezes, foi ape-
Concepção 1: Nesta concepção, o tempo histórico é delimitado pelo tempo cronológico, calendário e datas em uma perspectiva linear, regular e uniforme. São as famosas datas símbolos muito utilizadas nas escolas. O tempo aqui é percebido como único e deveria ser seguido por todos os po-vos, sugerindo, assim, que os povos devem caminhar juntos, seguindo os mesmos caminhos. Aquela tribo ou cultura que trilha o seu percurso de forma diferente é rotulada de atrasada, já que o tempo presente é considerado evoluído todas as culturas devem seguir este padrão. Concepção 2: O tempo histórico, nesta outra concepção, revela uma complexidade com diferentes níveis e ritmos. Como por exemplo: o tempo biológico.
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Esta concepção percebe o calendário, os dias e os meses como produtos culturais e os utiliza por considerar o seu valor e importância para a marcação dos fatos e acontecimentos, mas também explora outras formas e maneiras de perceber a passagem do tempo, ou seja, diferentes durações temporais, seus ritmos e níveis, identificando e marcando as mudanças através de transformações econômicas, implantação de uma lei, revolução cultural entre outros. Qual das duas concepções você julga a mais adequada? Será que existe apenas uma maneira de medir o tempo?
Vamos ler essa música de Caetano Veloso e refletir sobre a passagem do tempo e os mistérios que a cercam, atentando para os termos escolhidos por ele para falar sobre o tempo.
És um senhor tão bonito Quanto a cara do meu filho Tempo tempotempotempo Vou te fazer um pedido Tempo tempotempotempo... Compositor de destinos Tambor de todos os rítmos Tempo tempotempotempo Entro num acordo contigo Tempo tempotempotempo... Por seres tão inventivo E pareceres contínuo Tempo tempotempotempo És um dos deuses mais lindos Tempo tempotempotempo... Que sejas ainda mais vivo No som do meu estribilho Tempo tempotempotempo Ouve bem o que te digo Tempo tempotempotempo... Peço-te o prazer legítimo E o movimento preciso Tempo tempotempotempo Tempo tempotempotempo... De modo que o meu espírito Ganhe um brilho definido
Tempo tempotempotempo E eu espalhe benefícios Tempo tempotempotempo... O que usaremos prá isso Fica guardado em sigilo Tempo tempotempotempo Apenas contigo e comigo Tempo tempotempotempo... E quando eu tiver saído Para fora do teu círculo Tempo tempotempotempo Não serei nem terás sido Tempo tempotempotempo... Ainda assim acredito Ser possível reunirmo-nos Tempo tempotempotempo Num outro nível de vínculo Tempo tempotempotempo... Portanto peço-te aquilo E te ofereço elogios Tempo tempotempotempo Nas rimas do meu estilo Tempo tempotempotempo... Disponível em: <http://letras.terra.com.br/ caetano-veloso/44760/>
45 Principais conceitos do estudo de história
Oração ao Tempo (Caetano Veloso)
De acordo com a primeira perspectiva, o tempo histórico é único e apresenta o mesmo percurso, devendo ser seguido por todos os povos; aqueles que apresentam um caminho diferenciado são considerados “atrasados” ou “não civilizados”, pois limitam as ações humanas a uma ordem evolutiva. A segunda perspectiva explora não só o tempo cronológico, mas também percebe outros níveis e duração de tempo. Escolher datas-símbolos como forma de representação de eventos ou fatos que foram importantes para a história da humanidade é importante para que possamos organizar a história, mas será que realmente eles são imprescindíveis no processo de aprendizagem da mesma? Acreditamos que as datas símbolos devem ser exploradas como ponto de partida para que os estudantes consigam localizar-se no tempo, mas não devem constituir-se como um fim em si mesma. Ou seja, saber que o Brasil tornou-se independente no dia 7 de setembro possibilita a compreensão da importância socioeconômica e cultural desta data para a sociedade brasileira ontem e hoje?
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As diferentes culturas apresentam formas diferentes de contar o tempo. Qual delas você considera a mais correta? Por que contamos o tempo utilizando o calendário cristão europeu e não igual aos índios, por exemplo? Ao analisarmos criticamente veremos que a contagem do tempo e sua apropriação ocorrem de maneiras diferentes porque é um produto cultural, ou seja, o homem, a partir de suas descobertas, inventou uma maneira de contar o tempo de sua tribo, aldeia, cidade. Mas mesmo utilizando oficialmente o calendário cristão-europeu podemos contar o tempo de formas variadas. A exemplo:
• O tempo do acontecimento breve: é marcado por uma data pontual (nascimento, fundação de uma cidade, início de uma guerra, atentado etc.). • O tempo da conjuntura: pode prolongar-se por uma ”vida” (tempo de uma guerra, efeitos de uma epidemia, crise ou regime político etc.) • O tempo de estrutura: nesse período as mudanças ocorrem lentamente, tornando-se, muitas vezes, pouco visíveis para as pessoas (o período da escravidão, hábitos religiosos, o uso de moedas etc.) Quando enfocamos apenas o tempo cronológico induzimos os estudantes ao erro, pois acreditarão que a passagem do tempo ocorre apenas de uma maneira e não conseguirá compreender que a “passagem” do tempo pode apresentar permanências e transformações. Os processos sociais são dinâmicos e apresentam mudanças e continuidades, ou seja, o passado e o presente estão em constante movimento. Não podemos pensar e commaneira que não podemos olhar o passado sem perceber seus reflexos no presente. Compreender o fenômeno tempo não é tarefa fácil para as crianças, especialmente para as crianças menores. Compreender o ontem, o hoje e o amanhã não é simples. Ao contrário, elas percorrem um longo e complexo percurso até que consiga compreender que Beatriz é mais nova mesmo nascendo em abril e Lorena que nasceu em outubro é mais velha. As crianças marcam a passagem do tempo utilizando-se de fatos que foram importantes para elas como a data
47 Principais conceitos do estudo de história
preender o presente sem refletir sobre o passado da mesma
do aniversário, o Natal ou a Páscoa e ao serem questionadas sobre o que lembram desta data muitas justificam que não lembram mais, pois faz muito tempo. Mesmo que tenha sido há dois meses. Justamente por toda a complexidade que envolve o fenômeno tempo é que ele deve ser explorado na sala de aula com propostas simples, mas eficazes para que as crianças possam perceber sua passagem. Uma atividade indispensável é explorar diariamente a rotina, nela o educador colocará marcos temporais, ou seja, momentos que não se modificam, como a hora do lanche, da história e da saída, que além de auxiliar a criança a perceber a passagem do tempo, contribui para que sejam mais seguras e organizadas, pois poderão acompanhar tudo que irá acontecer durante o período em que se encontram na escola. Outro bom instrumento para explorar a passagem do tempo com as crianças é o calendário, em que o educador pode marcar eventos importantes da classe que irá acontecer, aniversários, passeios etc. E a cada dia pode questionar às
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crianças: O que fizemos ontem? E hoje é dia de quê? Quantos dias faltam para o aniversário de Mário? A partir destas e de outras atividades a criança conseguirá compreender o significado do ontem, hoje, amanhã, passado, presente e futuro e certamente, não dirão frases como estas: “- Amanhã eu fui à praia.” ou “- Ontem podemos ver os coelhinhos?” Para concluirmos esta etapa deixarei você com um “delicioso” trecho do livro A colcha de retalhos de Conceil Corrêa da Silva e Nye Ribeiro da Silva. (1995, p. 21).
“Ali, deitado sobre a colcha, Felipe passou algum tempo lembrando-se de histórias. Observou um retalho de brim azul. -Foi quando papai e mamãe viajaram de férias e eu fiquei lá na casa da vovó. Um dia, fui subir na jabuticabeira e levei o maior tombo. Ralei o joelho, fiquei com o bumbum dolorido e o short rasgado... que vergonha! Vovó veio correndo lá de dentro. Me pegou no colo com carinho e, depois, nesse mesmo dia, resolveu fazer um short novo para mim. E fez um short deste pano aqui, de brim azul. De repente, Felipe começou a sentir uma coisa estranha dentro do peito. E aquilo foi aumentando, aumentando... Felipe foi atrás de sua mãe: -Me leva na casa da vovó?” SILVA, C. C. da; SILVA, N. R. da. A colcha de retalhos. São Paulo: Editora do Brasil, 1995.
SÍNTESE Nesta unidade, compreendemos que existem diferenmos sua inter-relação. Identificamos um dos conceitos cen-
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trais, o fato histórico, que tem sua exploração orientada e
Principais conceitos do estudo de história
ças entre saber histórico e saber histórico escolar e percebe-
determinada de acordo com a concepção de história utilizada na instituição de ensino. Também ampliamos nossas reflexões sobre o sujeito histórico e as concepções que cercam esse conceito. Compreendemos o que existe por trás de cada uma dessas concepções e percebemos que podemos, a partir do trabalho em sala de aula, mostrar às crianças que elas e todos nós fazemos história. Por fim, conhecemos o tempo histórico compreendendo que existem diversas maneiras de marcar a passagem do tempo e não apenas o tempo cronológico, pois este é um pro-
duto cultural. Destacamos, também, a importância de desenvolvermos atividades que explorem a construção do fenômeno tempo com as crianças.
QUESTÕES PARA REFLEXÃO Após estudarmos sobre estas duas concepções do fato histórico ficou claro para você o que essas diferenças representam para a aprendizagem dos nossos estudantes? Tente perceber os objetivos que elas trazem. Diante de tantas reflexões sobre o sujeito histórico, qual o papel do educador e da educadora? Qual a concepção que você utiliza em suas aulas de história? Você já pensou que atualmente o tempo ocidental capitalista faz com que tenhamos uma concepção equivocada da dinâmica da vida? E que com base nessa visão estamos sempre com pressa e associando, cada vez mais, rapidez a progresso e desenvolvimento? Será que isso é mesmo verdadeiro ou positivo para a sociedade? O que você acha? Como pode-
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mos explorar o fenômeno tempo em sala de aula? Crianças pequenas são capazes de compreendê-lo?
LEITURAS INDICADAS KARNAL, L. (Org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2005. BARRETO, F. S. Sobre representações sociais e o tempo histórico. Disponível em: www.ppgcomufpe.com.br/lamina/ artigo-chico.pdf. Acesso em: 24 nov., 2008. MACHADO, A. M. Bisa Bia, Bisa Bel. Rio de Janeiro: Salamandra, 1983.
SITE INDICADO <http://www.educador.brasilescola.com/trabalho-docente/ sujeito-historico.htm>
REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC, 1997. CABRINI, C.; CIAMPI, H., VIEIRA, M. P.; PEIXOTO, M. R.; BORGES, V. P. O ensino de história: revisão urgente. São Paulo, Brasiliense, 1987. FONSECA, S. G. Didática e prática do ensino de história: experiências, reflexões e aprendizagens. Campinas: Papirus, 2003 - (Coleção Magistério: Formação e trabalho pedagógico. KARNAL, L. (Org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2005. NEMI, A. L. N.; MARTINS, J. C. Didática de história: o tempo vivido: uma outra História? São Paulo: FTD, 2000. PINSKY, J. (Org.). O ensino de história e a criação do fato. 12. ed. São Paulo: Contexto, 2006. (Coleção Repensando o Ensino). MACHADO, A. M. Bisa Bia, Bisa Bel. Rio de Janeiro: Salamandra, 1983. SILVA, C. C.; SILVA, N. R. A colcha de retalhos. São Paulo: Editora do Brasil, 1995.
Principais conceitos do estudo de história
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A voz do passado
Agora que compreendemos que o saber histórico escolar reelabora e seleciona o saber histórico a partir dos seus objetivos, adequando-o aos seus interesses socioculturais; percebemos também que esses saberes se relacionam e delimitam o conceito de fato histórico, tempo histórico e sujeito histórico como fundamentais para determinar a concepção de história utilizada na instituição de ensino. Essas descobertas podem nos induzir a pensar que os fatos históricos devem ser abolidos do currículo, por isso convido você para aprofundarmos nossos estudos refletindo um pouco mais sobre a função e importância do passado. Todas as reflexões realizadas nas unidades anteriores podem conduzir à interpretação de significar que os fatos históricos, suas datas e seus heróis devem ser retirados dos conteúdos escolares. Esse entendimento, porém, está equivocado. O que pretendemos ressaltar é que os dados e os fatos
não devem ser transmitidos isolados, soltos, ou seja, fora do contexto no qual estão inseridos, pois dificultam ou mesmo impedem que o estudante perceba-os como fatos associados ao seu contexto social. Saber apenas quando e quem proclamou a República do Brasil não fornece in-formações e ferramentas suficientes para compreender o alcance deste acontecimento para os dias atuais e para a vida de cada um de nós. Quando você era criança, entendia a importância destas datas? Saberia dizer, naquela época, qual a influência deste acontecimento para sua vida, sua história? Como estudantes nós fomos obrigados a decorar datas e nomes de pessoas ditas importantes, mas ninguém se preocupava em relacioná-los aos acontecimentos do presente ou nos informarmos por que deveríamos aprender e conhecer prova e, frequentemente, esquecíamos ou apenas guardáva-
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tais fatos. E o que acontecia? Decorávamos, escrevíamos na 56
mos na memória sem entendermos sua importância para nossas vidas, pois não eram aprendizagens significativas. É importante ressaltar que cabe a escola organizar e aprofundar os conhecimentos que as crianças e jovens adquirem no seu cotidiano através dos meios de comunicação, das conversas dos familiares ou das leituras que realiza e transforma essas informações em formação. Nos dias atuais não podemos mais solicitar que os estudantes decorem nomes e datas, sem compreenderem o alcance desses eventos para a vida de cada um de nós, nem a dimensão dos fatos passados para a humanidade e sua repercussão no presente e no futuro. Atualmente, o objetivo central do ensino do conhecimento histórico escolar é possibilitar que as crianças e jovens iniciem a longa jornada que irá aproximá-los da compreensão da realidade social.
Partindo desse pressuposto, é importante que os educadores e educadoras ensinem não só os fatos e os dados (nomes de batalhas, datas, acidentes geográficos, personagens históricos etc.), mas também favoreçam aprendizagens de conceitos e ideias que os ajudem a organizar e dar sentido a essas informações. Afinal o objetivo central das aulas de história não é apenas conhecer o passado, mas problematizá-lo, para que os estudantes compreendam e analisem o presente a partir da cultura, das lutas sociais, da política e do seu próprio cotidiano. Uma aprendizagem pautada no ensino do fato histórico, seus dados, conceitos e as ideias que o originaram favorecerá aos estudantes o estabelecimento de relações, a compreensão da realidade em toda a sua complexidade e a formulação de atitudes positivas para com seu contexto social e a construção da sua própria história. É o que também nos recomenda os PCNs de História e Geografia1 (BRASIL, 1998, p. 39). “A escolha metodológica representa a possibilidade de orientar trabalhos com a realidade presente, relacionando-a e comparando-a com momentos significativos do passado. Didaticamente, as relações e as comparações entre o presente e o passado permitem uma compreensão da realidade em uma dimensão histórica, que extrapolam as explicações sustentadas apenas no passado ou só no presente imediato.”
Pautados em estudos que ressignifiquem o passado e possibilitem um novo olhar sobre o presente, em que as noções de diferença e semelhança, de permanência e continuidade, no tempo e no espaço, certamente serão
1. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais: história e geografia. Brasília: MEC, 1998.
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elementos didáticos que nos auxiliarão na construção da identidade social. Como podemos estabelecer essa relação com o passado?
Estes estudos podem ser realizados a partir de temas relacionados ao dia a dia dos estudantes, como descobrir a história do bairro ou da escola, fotografias da família ou ainda comparar os brinquedos do tempo dos avós com os brinquedos utilizados hoje. Também devemos lançar um novo olhar sobre os fatos históricos. Dessa maneira, podemos continuar lembrando do dia 19 de abril como o dia do Índio. No entanto, temos que ir além, pensando em oferecer sempre uma aprendizagem crítica e significativa, na qual fatos e datas serão explorados, conde de podermos planejar uma aula rica em possibilidades de
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tudo não terão um fim em si mesmo, mas sim a oportunida58
ampliação da percepção e da compreensão dos estudantes em relação ao mundo no qual está inserido. Assim, como sugestão, podemos iniciar o trabalho sobre os índios a partir da música Curumim Chama Cunhatã Que Eu Vou Contar (Todo dia era dia de Índio) de Jorge Ben Jor: Jês, Kariris, Karajás, Tukanos, Caraíbas, Makus, Nambikwaras, Tupis, Bororós, Guaranis, Kaiowa, Ñandeva, YemiKruia, Yanomá, Waurá, Kamayurá, Iawalapiti, Suyá, Txikão, Txu-Karramãe, Xokren, Xikrin, Krahô, Ramkokamenkrá, Suyá Hey! Hey! Hey! Hey! Hey! Hey! Curumim chama cunhatã que eu vou contar Cunhatã chama curumim que eu vou contar Curumimmm, Cunhataaaã
Disponível em: <http://letras.terra.com.br/jorge-ben-jor/86240/> Após ouvir e cantar a música de Jorge Ben Jor, podemos questionar as crianças e jovens se concordam com ela, qual a situação dos índios atualmente, neste contexto, podemos trazer ou solicitar que tragam textos de jornal que relatem a situação atual dos índios e sua luta pela demarcação das terras. Também é uma ótima oportunidade de explorarmos textos de épocas, como esse do Século XVI de Fernão Cardim (1980, p.87-106):
59 A voz do passado
Cunhataaaaã, Curumimmm Antes que os homens aqui pisassem nas ricas e férteis Terras brasilis Que eram povoadas e amadas por milhões de Índios Reais donos felizes da terra do pau Brasil Pois todo dia e toda hora era dia de índio Mas agora eles têm só um dia Um dia dezenove de abril Amantes da pureza e da natureza Eles são de verdade incapazes De maltratarem as fêmeas Ou de poluir o rio, o céu e o mar Protegendo o equilíbrio ecológico Da terra, fauna e flora, pois na sua história O índio é exemplo mais puro Mais perfeito mais belo Junto da harmonia da fraternidade E da alegria, da alegria de viver Da alegria de amar Mas no entanto agora O seu canto de guerra É um choro de uma raça inocente Que já foi muito contente Pois antigamente Todo dia era dia de índio
Este gentio não tem conhecimento algum do seu Criador (...) Este gentio come em todo o tempo, de noite e de dia e a cada hora e momento, e como tem que comer não o guardam muito tempo, mas logo comem tudo o que tem e repartem com seus amigos, de modo que de um peixe que tenham, repartem com todos (...) comem todos gêneros de carnes, ainda de animais imundos como cobras, sapos, ratos e outros bichos semelhantes e também comem todo tipo de frutas (...) Antes de comer nem todos dão graças a Deus, nem lavam as mãos antes de comer, e depois de comer as limpam nos cabelos, corpos e paus; não têm toalhas nem mesa, comem sentados ou deitados nas redes, ou em cócoras no chão, e a farinha comem de arremesso (...) Todo esse gentio tem por cama umas redes de algodão (...) Todos andam nus assim homens como mulheres (...) Essa nação não tem dinheiro com que possam satisfazer aos serviços que lhes fazem.
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(CARDIM, F. Tratados da terra e gente do Brasil. São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1980, p.87-106).
Concluída a leitura reflexiva deste texto, como educador/como educadora, você deve fornecer aos estudantes algumas informações sobre o autor para que eles possam situar o texto no tempo e espaço, neste caso, o autor é um padre, essa informação ajudará a compreender melhor o contexto. É importante também propor questões sobre o texto para que seja possível identificar a opinião do autor. Após essas discussões poderemos solicitar a identificação de semelhanças e diferenças entre nós e os índios, além de incentivá-los a posicionar-se frente às afirmações de Fernão Cardim. Contudo, devemos lembrar que o estudo de história não deve limitar-se a ler e interpretar textos, pois é importante para os estudantes compreenderem a diversidade de fontes históricas que podem nos fornecer informações relevantes sobre os
acontecimentos passados e, como exemplos valem mais que mil palavras, devemos diversificar também nossas atividades. Assim, podemos solicitar após as leituras e discussões realizadas em classe que as crianças e jovens representem através de desenhos o Brasil antes da chegada dos portugueses e após sua chegada, elaborem quadros comparativos entre os portugueses e os índios ou sobre as crianças indígenas e as crianças da cidade. Ainda com essa temática seria interessante lançar o desafio de criar uma linha do tempo com acontecimentos importantes sobre a história dos índios e, para finalizar, individual ou coletivamente produzir um texto com as descobertas do grupo. As atividades sugeridas são apenas algumas possibilidades de trabalho, muitas outras podem ser criadas a partir da experiência do educador/da educadora e das necessidades apresentadas pelo grupo, ou seja, são as vivências do cotidiano e a Trabalhos baseados nos temas do cotidiano como famí-
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lia, brinquedo, o trans-porte na cidade, os migrantes, o bairro
A voz do passado
criatividade que conduzirão as descobertas pela trilha histórica.
etc. destacam a importância da memória, do conhecimento do passado de um local familiar, e favorecem o desenvolvimento de procedimentos de pesquisa, já que esses temas, na maioria das vezes, não são apresentados em livros didáticos. Além disso, proporcionam que os educadores, educadoras e estudantes descubram e valorizem outras fontes documentais de pesquisa como os relatos orais, fotos, objetos, lendas, histórias, desenhos, músicas etc. O estudo dos conhecimentos históricos escolares revela uma enorme variedade de situações que nós, educadores e educadoras, podemos desenvolver em classe com o objetivo não só de informar, mas, sobretudo de compreender e questionar a realidade, valorizando o patrimônio sociocultural e respeitando a sua diversidade.
SÍNTESE Ao concluirmos mais essa etapa, percebemos a importância do passado para a construção do presente e da identidade do sujeito histórico. O fato histórico não deve ser abolido nem descartado do ensino de História, mas sim explorado de maneira significativa, destacando sua importância na formação social e cultural da humanidade.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Quais os temas que podemos lançar, em sala de aula, para que as crianças com-preendam a realidade presente através de estudos do tempo passado
LEITURAS INDICADAS
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<http://revistaescola.abril.com.br/online/planosdeaula/ensino-medio/PlanoAula_294703.shtml>
SITES INDICADOS Para ampliar seus conhecimentos sobre a temática trabalhada nesta unidade, sugerimos que acessem e naveguem pelo endereço eletrônico <http://ww.colmagno.com.br/Telas_Magno/TempoTem/default.htm>
REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC, 1997.
CABRINI, C. et al. O ensino de história: revisão urgente. São Paulo, Brasiliense, 1987. CARDIM, F. Tratados da terra e gente do Brasil. São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1980, p. 87-106. FONSECA, S. G. Didática e prática do ensino de história: experiências, reflexões e aprendizagens. Campinas: Papirus, 2003 - (Coleção Magistério: Formação e trabalho pedagógico). KARNAL, L. (Org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2005. NEMI, A. L. N; MARTINS, J. C. Didática de história: o tempo vivido: uma outra História? São Paulo: FTD, 2000.
ed. São Paulo: Contexto, 2006. (Coleção Repensando o Ensino).
63 A voz do passado
PINSKY, J. (Org.). O ensino de história e a criação do fato. 12.
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Construindo o agente histórico na educação infantil e no ensino fundamental
Após compreendermos que os fatos passados são imprescindíveis na construção dos acontecimentos presentes, cabendo à escola criar situações de aprendizagem que favoreçam uma leitura social e política da realidade auxiliando, assim, no desenvolvimento de nossa identidade, da identidade de nossas crianças e jovens, contribuindo para uma formação crítica e significativa. Daremos continuidade aos nossos estudos pensando um pouco mais sobre a construção do agente histórico na Educação Infantil e Fundamental. Já sabemos que o agente histórico ou sujeito histórico pode ser definido por dois conceitos diferentes. O primeiro acredita que o sujeito social é aquele que realiza individualmente grandes feitos, ou seja, a história é construída por vontades individuais de alguns homens a partir de ações iso-
ladas. Na segunda concepção o sujeito histórico é representado por indivíduos, grupos ou classes sociais agentes de uma transformação social. De acordo com a concepção política e social implícita no currículo da instituição escolar, determina-se o conceito de sujeito histórico que será utilizado nas aulas de História. Apesar de percebermos que o papel da escola não é mais “transmitir” os conhecimentos acumulados pela humanidade, mas sim o de possibilitar a troca e a interação entre os estudantes, fomentando dúvidas e questionamentos, mediando os conflitos e a busca do conhecimento. Como afirma Nemi:
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“A sala de aula converte-se em um espaço privilegiado para o debate, para a apropriação e sistematização dos conteúdos e experiências vividos no dia a dia. O aluno poderá conhecer melhor o seu mundo questionando as informações que recebe de seu meio e realizando atividades, individuais ou em grupo.” (NEMI, 1996, p.35).
Contudo, ainda constatamos com profundo desapontamento que a escola continua privilegiando o ensino da história tradicional, dos heróis, dos vencedores, transmitindo alguns fatos históricos de interesse de grupos dominantes como verdades absolutas e indiscutíveis, enaltecendo o passado e desprezando as construções realizadas no presente. Sabemos, no entanto, que apenas fazer críticas à concepção de história conser-vadora e reprodutora do modelo dominante instalada nas escolas, não ajuda a construir um fazer pedagógico que torne o ensino-aprendizagem mais significativo, interessante e criativo, no qual educadores, educadoras e educandos exerçam seus papéis enquanto sujeitos ativos e construtores do seu próprio processo.
O que podemos fazer para modificar esse modelo aí instalado? Como podemos favorecer um ensino significativo? De que forma podemos ajudar a construir agentes históricos?
Como já vimos em aulas anteriores, o sujeito histórico não pode mais ser con-siderado o herói da pátria, rei ou indivíduo poderoso que com atos individuais modificam ou modificaram a história. Hoje os especialistas sabem que, em muitos casos, esses fatos ocorreram por uma ação coletiva e não por uma vontade individual ou em alguns casos foram construídas para satisfazerem os interesses dos poderosos. E como não poderia deixar de ser, em uma sociedade em que se busca cada vez mais a democracia, sujeitos hishomens, mulheres, crianças, idosos, de todas as raças, crenças e classes sociais. Eu e você! Pois concordamos com Paulo Freire (1996, p. 85 e 86) quando afirma que: “É o saber da História como possibilidade e não como determinação. O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. Não sou apenas objeto da História, mas seu sujeito igualmente. No mundo da História, da cultura, da política, constato não para me adaptar, mas para mudar.”
E você, educador ou educadora, como sujeito histórico, o que está fazendo para modificar a sua história? E a história dos seus educandos?
69 Construindo o agente histórico na educação infantil e no ensino fundamental
tóricos são todos aqueles que constroem a história, ou seja,
Para ajudarmos os nossos educandos a se tornarem agentes históricos ativos, destacamos três pontos importantes: • Mostrar que eles são parte da história Quando exploramos questões relacionadas à vida das crianças e de seus familiares mostramos a eles que também possuem uma história, pesquisar a história do nome, a formação da sua família, os lugares de onde vieram, comparando a infância dos pais ou avós com a deles, estabelecendo diferenças e semelhanças, continuidades e rupturas. • Somos nós que ajudamos a construí-la
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Se percebermos nossas atitudes e ações, veremos que podemos mudar a nossa história, fazer as crianças perceberam que a história não é imutável, mas ao contrário podemos alterar o seu percurso, de acordo com nossas escolhas. Ao escolhermos um novo prefeito para nossa cidade ou quando resolvemos cursar uma universidade estamos modificando os caminhos da história, pois certamente ela seria diferente se escolhêssemos outro candidato ou se continuássemos ensinando apenas com o diploma de magistério. • A sua própria história também pode ser contada Ao propormos às crianças que após a leitura de documentos, fotos, relatos dos familiares e pesquisas escrevam biografias ou textos que contem a sua história ou que relatem fatos ocorridos na escola como uma visita ao Museu ou ainda que relatem como foi o ano anterior, o que aprenderam, o que foi bom ou ruim, estamos concretizando atividades em que elas poderão
perceber que sua história pode ser contada seja por ela mesma ou por outras pessoas. A história dos sujeitos e das sociedades é construída e reconstruída constan temente e nós fazemos parte dela, podemos transformá-la ou deixá-la como está, de acordo com nossas ações individuais e coletivas. Podemos também contar a nossa própria história com fotos, certidão de nascimento, histórico escolar, relatos orais de familiares etc. Como mostramos aos estudantes que a sua história de vida é importante, pode ser contada e ajuda a construção da história coletiva? Que tipo de fontes documentais estamos valorizando em nossas aulas? Quando favorecemos e incentivamos que as crianças e jovens investiguem a sua própria história ou a história do espaço em que vivem, construindo uma Linha do Tempo ou escrevendo uma pequena biografia estamos possibilitando que desenvolvam uma atitude investigativa perante a sua realidade; possibilitamos que eles sejam capazes de estabelecer relações e comparações e posicionarem-se no tempo e no espaço. Parafraseando Milton Santos (1996) “[...] a história não se escreve fora do espaço, e não há sociedade a-espacial. O espaço, ele mesmo, é social [...]”. Dessa forma, podemos concluir que a história do sujeito individual é feita no espaço social-coletivo, portanto conduzir os educandos à reflexão histórica é construir a oportunidade de uma sociedade mais democrática e participativa. Um outro ponto importante que esse trabalho faculta é a valorização de outras fontes (fotos, relatos orais, objetos etc.) que, durante muito tempo e ainda hoje, é desvalorizada
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pela escola, enquanto documentos importantes para a reconstrução histórica. Sem mencionar que essa nova abordagem pedagógica permite um ensino mais interessante, democrático e valoriza os conhecimentos trazidos pelos educandos e sua família, fortalecendo o sentimento de confiança dos estudantes em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, de inter-relação pessoal e inserção social.
SÍNTESE Vimos nesta unidade, que o espaço escolar possui uma importante função: possibilitar a troca e a interação entre os estudantes, fomentando dúvidas e questionamentos, mediando os conflitos e a busca do conhecimento. Quando possibi-
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litamos que o ensino de História seja conduzido criticamente oportunizamos a construção de uma sociedade mais democrática e participativa e quando mostrarmos que eles são parte da história, que ajudam a construí-la e que a sua própria história também pode ser contada transformamos os nossos educandos em agentes históricos ativos.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Como educadores/educadoras, ao planejarmos uma aula, em que momento favorecemos aos educandos que se sintam pertencentes à História?
LEITURAS INDICADAS Para ampliar as discussões sobre esse assunto indicamos a leitura do texto: Ensino e vivências: as apreensões da história local no cotidiano da sala de aula, texto de Anderson Fabrício
Moreira Mendes que pode ser encontrado no endereço: <http://www.revistatemalivre.com/anderson09.html>
SITES INDICADOS MENDES, A. F. M. Ensino e vivências: as apreensões da história local no cotidiano da sala de aula. Disponível em: <http://www. revistatemalivre.com/anderson09.html>. Acesso em: 14 mar., 2008.
REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC, 1997. CABRINI, C.et al. O ensino de história: revisão urgente. São Paulo, Brasiliense, 1987. FONSECA, S. G. Didática e prática do ensino de história: experiências, reflexões e aprendizagens. Campinas: Papirus, 2003 - (Coleção Magistério: Formação e trabalho pedagógico. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo, Paz e Terra, 1996. KARNAL, L. (Org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2005. MENDES, A. F. M. Ensino e vivências: as apreensões da história local no cotidiano da sala de aula. Disponível em: <http://www. revistatemalivre.com/anderson09.html>. Acesso em 14 mar 2008.
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NEMI, A. L. N.; MARTINS, J. C. Didática de história: o tempo vivido: uma outra História? São Paulo: FTD, 2000. PINSKY, J. (Org.). O ensino de história e a criação do fato. 12. ed. São Paulo: Contexto, 2006. (Coleção Repensando o Ensino). SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo/razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.
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ConteĂşdos e sugestĂľes
6.1 C ritérios de seleção e organização de conteúdos Na unidade anterior, fizemos algumas reflexões sobre a importância de desenvolver um trabalho com a perspectiva de auxiliar a construção do agente histórico na Educação Infantil e no Ensino Fundamental. Nesta unidade, voltaremos nossa atenção para compreender a importância de selecionar e organizar os saberes históricos escolares com o intuito de fornecer um currículo intelectual e cultural que norteie o trabalho do educador e da educadora de acordo com o momento histórico atual, seus desafios e possibilidades; ampliar nossas discussões sobre a importância de construir um currícu-
lo dinâmico e estimulante com os saberes históricos para as crianças da Educação Infantil, visando oferecer um desenvolvimento crítico, criativo e democrático nesta fase tão rica e importante para a formação do cidadão e pensar em um currículo igualmente significativo voltado para as crianças do Ensino Fundamental, na faixa etária dos 6 aos 10 anos. Os critérios de seleção e organização dos conteúdos que compõem o currículo de História para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental perpassam a concepção que temos de estudante e de educação. Não podemos pensar que o estudante constitui-se ape-
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nas em um receptor e a educação deve lhe transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade, fatos que eles devem “conhecer de cor”, mesmo que não compreendam como ocorreram e se inter-relacionam, ou ainda, porque são importantes para a sociedade e quais as conseqüências para a atualidade. Nesta concepção de ensino-aprendizagem, o papel central é do educador, é ele quem explica as informações, os conteúdos e depois cobra em avaliações tudo que foi ensinado. A criança é vista apenas como expectador. Esse aluno-espectador pode ser percebido como continuador do modelo pedagógico dos jesuítas, baseado na erudição e na retórica. “A repetição da matéria é a alma da aprendizagem.” (NEMI, 1996. p.55). Ao seguirmos essa concepção filosófica, continuaremos privilegiando os conteúdos, sem nos preocuparmos se o mesmo está adequado à realidade sociocultural das crianças e jovens. Esquecemos que o conhecimento não pode ser reduzido à simples transmissão de informação, pois se torna sem significação para as crianças e em pouco tempo é esquecido, já que o conhecimento-informação não é aprendido e sim memorizado, como podemos verificar em nossas próprias recordações das aulas de História.
Por outro lado, se considerarmos o estudante um agente ativo que constrói o conhecimento de acordo com os seus interesses, suas necessidades, temos que buscar uma educação mais desafiadora que possibilite e promova a autonomia para que ele sinta-se motivado a buscar e, assim, construir seus conhecimentos de forma ativa. Podemos observar que desde o nascimento a criança está em contato com a cultura e o conhecimento que foi construído e acumulado pela humanidade, mesmo antes de ela nascer. Assim, quando começa a frequentar a escola, a criança já apresenta inúmeras descobertas sobre o mundo que a cia de utilizarmos esses conhecimentos prévios como ponto de partida para explorarmos os saberes históricos escolares, entre outros saberes, na sala de aula. Ao considerarmos o estudante como agente construtor do seu conhecimento, encontramos na educação uma possibilidade de reflexão e construção dos acontecimentos passados e presentes, já que essa construção não ocorre isoladamente, mas a partir da interação, das trocas com outros estudantes e educadores e outros adultos participantes do processo. Como podemos perceber nos estudos realizados por Vygotsky no texto de Vera Zacharias.
Para ele, o sujeito não é apenas ativo, mas interativo, porque forma conhecimentos e se constitui a partir de relações intra e interpessoais.É na troca com outros sujeitos e consigo próprio que se vão internalizando conhecimentos, papéis e funções sociais, o que permite a formação de conhecimentos e da própria consciência. Trata-se de um processo que caminha do plano social - relações interpessoais - para o plano individual interno - relações intrapessoais. (<http://www.centrorefeducacional.com.br/vygotsky. html>. Acesso em: 2 mar., 2008).
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cerca. Esse é um dos motivos que nos alerta para a importân-
Desta maneira, precisamos ter um outro olhar sob os saberes históricos que precisam compor o currículo ou que podem ser retirados. Não podemos mais oferecer conteúdos estáticos que nada tem a ver com a realidade do grupo em que a escola está inserida e, neste caso, é imprescindível que tenhamos consciência de quais são os conteúdos socialmente relevantes para serem trabalhados em um determinado contexto. Dessa forma, ao pensarmos em quais saberes históricos deverão ser explorados, incluídos ou excluídos do currículo escolar devemos estar atentos a alguns pontos essenciais
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que devem ser apreciados de forma crítica e reflexiva, são eles: • A Instituição escolar que faço parte está inserida em que contexto socioeconômico e cultural? Analise cuidadosamente a comunidade que as crianças pertencem, converse, escute suas histórias, conheça as brincadeiras preferidas, os assuntos que permeiam as rodas de conversa dos vizinhos, as profissões exercidas por seus pais e familiares. Cada comunidade possui seus interesses e necessidades que diferem uma das outras. • Qual a composição deste grupo de educandos? (Idade, quantidade, sexo, histórico escolar e familiar etc.) Conheça o grupo que irá trabalhar. Sabemos que dados como idade, sexo e quantidade podem facilitar ou não o trabalho na sala de aula, além do mais cada faixa etária demonstra preferência por determinados assuntos. • Para que vou ensinar História ou Ciências Sociais ou Natureza e Sociedade? Reflita sobre a necessidade de ensinar essa disciplina na sua escola. Será que deve ser ensinada para
possibilitar o desenvolvimento de cidadãos mais conscientes do seu papel social? Ou apenas para cumprir uma determinação da secretaria da educação? • Qual o sentido de ensinar esta disciplina nesta escola? O que esta disciplina tem a oferecer para essa comunidade? Quais conteúdos são realmente relevantes? Pense sobre o real papel que essa disciplina ocupa no espaço escolar, quando é escolhida para fazer parte da grade curricular, quais os objetivos que deseja atingir: • O que eu quero que os estudantes aprendam?
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Quais os conteúdos que ajudarão esses estudantes a
Conteúdos e sugestões
apenas a memorização das datas e fatos históricos?
compreenderem sua história? Quais assuntos poderão explicar a atual situação desta comunidade? Como faremos para aumentar a auto-estima destas crianças? Para responder essa questão temos uma ainda maior que ao respondê-la conseguimos solucionar grande parte deste desafio, que é a escolha dos conteúdos para compor o currículo: Que tipo de pessoa eu quero ajudar a formar? • Esses conteúdos serão significativos para essa faixa etária e para esse contexto social? O que torna um conteúdo significativo? Que relações iremos propor para esses estudantes perceberem como agentes históricos? Quais os questionamentos que faremos para fazê-los refletir sobre a relação entre sua vida e a história do Brasil e do mundo? Será que é realmente necessário conhecer tais assuntos? O que eles acrescentam a formação pessoal e social destas crianças e jovens?
Após todas essas reflexões teremos uma maior clareza para decidir quais são os saberes históricos que devem fazer parte do currículo, pois sabemos que é impossível transmitir os conhecimentos acumulados por toda a humanidade, mesmo porque a cada dia esses conhecimentos são reformulados, descartados ou inseridos, especialmente se considerarmos a velocidade com que esses conhecimentos são divulgados atualmente pela internet. Como seria impossível, e mesmo desnecessário, tentarmos assegurar que todas essas informações fossem “ensinadas” precisamos nos preocupar com a maneira mais apro-
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priada de selecionarmos conteúdos que sejam realmente relevantes para o grupo, tendo em vista a sua importância para a realidade local, sem desconsiderar os contextos nacional e mundial. Certamente, em algumas ocasiões, você deve ter se perguntado para que você deveria aprender tal conteúdo ou por que você deveria ensinar determinado assunto. Geralmente, essas reflexões nos ocorrem quando o currículo escolar encontra-se distante dos interesses da garotada ou desvinculado de sua realidade. Pensando sobre a sua sala de aula, o que você excluiria ou acrescentaria no currículo da sua escola. Mas afinal, o que as crianças e jovens devem e podem aprender em História? Existem três tipos de conteúdos que devemos privilegiar, tendo todos a mesma importância para o desenvolvimento dos educandos, são eles: • Conceituais – referem-se aos fatos e princípios. São esses conteúdos que trazem as informações para
os estudantes e através deles é possível organizar e compreender a realidade vivida. • Atitudinais – reportam-se a formação de uma postura de pesquisador. Perpassam todos os conhecimentos escolares e possibilitam que os estudantes se posicionem, demonstrem atitudes. • Procedimentais – reportam-se ao conjunto de ações que aproximam as crianças de conhecimentos mais próximos dos saberes científicos. mentos e ações necessárias para solucionar os problemas apresentados. Leia o trecho do artigo Panorama da Educação Brasileira Frente ao Terceiro Milênio de Ana Maria Sávio Luzia para compreender melhor estes três tipos de conteúdos:
Os conteúdos são assumidos como portadores de três características distintas: temos, assim, os conteúdos conceituais, os procedimentais e os atitudinais. Os conteúdos conceituais são o início: é através deles que o aluno entra em contato com os fatos e princípios. Assim, são responsáveis por toda construção da aprendizagem, pois são detentores das informações: são as bases para assimilação e organização dos fatos da realidade. Inconscientemente, o ser humano guarda e atenta a tudo que vê, mas não entende. Como uma reação em cadeia, os fatos passam a compreensão. Seguindo uma linha de posse dos conteúdos conceituais, o aluno detém os fatos, mas não pode lidar com eles. Os conteúdos procedimentais visam o saber fazer, atingindo uma meta através das ações. Ao contrário do que ocorre na maioria das vezes, é necessária a intervenção do professor, pois este não é um processo individual. Saber resolver não
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É o saber fazer, saber resolver e utilizar os instru-
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implica na compreensão do conteúdo, uma aprendizagem mecânica não é o objetivo da atual educação, mas sim fornecer instrumentos para que o aluno possa resolver diferentes questões. Por sua vez, os conteúdos atitudinais estão presentes em todo conhecimento escolar, estão enredados no dia a dia e proporcionam ao aluno posicionar-se perante o que apreendem. Detentores dos fatos e de como resolvê-los, é imprescindível que o aluno tenha uma postura perante eles. É na escola onde se forma grande parte do indivíduo, por isto a escolha deste conteúdo é complexa: sobre o estudante, devem ser levados em consideração o lado emocional e o grupo a que pertence, além das questões a serem tratadas de maneira imparcial pelo educador, formando assim verdadeiros cidadãos. Se desejar aprofundar seus conhecimentos leia o artigo completo no endereço <http://cdcc.sc.usp.br/ciencia/artigos/art_27/psiedu.html>. Acesso em: 8 mar., 2008.
Como podemos, então, ensinar os conteúdos históricos nas escolas de Educação Infantil e Ensino Fundamental?
Trazendo os conhecimentos prévios e respeitando-os É importante que sempre que for iniciar ou continuar explorando um conteúdo questionar das crianças o que elas já sabem sobre aquele tema, assim o educador ou a educadora partirá do conhecimento que já possui para poder aprofundar o conteúdo proposto. Fazendo mais perguntas e fornecendo menos respostas Quando questionamos as crianças oferecemos oportunidades para que elas pensem, reflitam e busquem soluções que respondam adequadamente às perguntas. Mas ao respondermos essas mesmas perguntas deixamos implícitos que
o conheci-mento infantil não tem valor e apenas o educador/a educadora possui conhecimento. Compreendendo que os estudantes têm conhecimentos sobre o seu entorno; toda criança é um(a) pesquisador(a) Desde o nascimentoa criança ouve os adultos, outras crianças, observa e pensa sobre o mundo à sua volta, tira suas próprias conclusões, cria hipóteses sobre os as-suntos que lhe interessam e buscam soluções. Essa capacidade e essa curiosidade so-bre seu espaço fazem dela uma pesquisadora nata, cabe a nós continuar desafiando-a e inquirindo para que con-
O conhecimento de mundo deve estar em constante diálogo com o conhecimento escolar e estes com o conhecimento científico através da transposição didática A instituição escolar precisa ultrapassar os muros da escola e trazer para a sala de aula conhecimentos reais que fazem parte do mundo, pois se não conseguimos fazer essa transposição didática transformamos os conhecimentos escolares em conteúdos que “só existem” na escola e estão completamente desvinculados da vida das crianças, tornando-se consequentemente, sem significado, sem sentido. Organizando aulas significativas, favorecendo a autonomia e estimulando a curiosidade Boas aulas devem ser desafiadoras sim, mas não impossíveis de serem resolvidas, com assuntos que estejam ligados à vida e ao interesse das crianças e dos jovens. Para isso precisamos ser criativas e dinâmicas, que envolvam o grupo neste desejo de aprender e ampliar seus conhecimentos.
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tinue curiosa e observadora.
6.2 S ugestões de conteúdos para a educação infantil A escola infantil no Brasil era considerada como uma instituição que cuidava das crianças enquanto seus pais trabalhavam fora, depois passou a ser considerada uma educação pré-escolar, uma educação que tinha por objetivo preparar as crianças para frequentarem a Educação Fundamental, esta sim
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de grande importância para o desenvolvimento intelectual. Houve um período também em que os pais e os educadores achavam que as crianças que frequentavam a Educação Infantil iam apenas brincar, como se essa fosse uma atividade sem importância. Em pleno Século XXI, continuamos escutando, com enorme tristeza, comentários como esses: “Agora que meu filho está na 1ª série ele tem que estudar. Agora, sim é pra valer!” “Não tem problema se ela faltar à aula, afinal ela só vai brincar mesmo!”
A cada dia, porém, essa situação vem se modificando e as pessoas começam a perceber que a educação das crianças de 0 a 5 anos não é um período preparatório, mas um momento essencial na formação e desenvolvimento físico, cognitivo e emocional dos seres humanos. É justamente nos anos em que a criança frequenta a Educação Infantil que ela aprende a se conhecer, a conhecer o outro, a respeitar as regras sociais, a construir conhecimentos e desenvolver suas habilidades.
“A pré-escola não pode tudo, mas pode muito. Não ensina tudo, mas pode ensinar muito, formar base para muitos hábitos e habilidades. Pode ser um espaço, prazeroso, lúdico, um tempo de aprender e viver melhor os dias da infância e, quem sabe, todos os que se seguem.” (AROEIRA, 1996, p. 6).
Como vimos nesta apreciação de Aroeira, a Educação Infantil nos oferece mui-tas possibilidades para um desenvolvimento pleno dos nossos pequenos cidadãos, mas para isso é necessário compreender que a criança é um ser em formação, que vem construindo sua história desde o momento da gesser compreendidas pelos adultos que estão a sua volta. Para que nós, educadores e educadoras, possamos contribuir de forma significativa na formação integral das crianças que estão sob nossa responsabilidade nas escolas em que lecionamos, precisamos saber como elas constroem o seu conhecimento, como se desenvolve, o que precisa aprender e com que propósito. É o que nos lembra Aroeira: “Refletir sobre a educação pré-escolar implica levar em consideração a criança como sujeito desejante, ativo, cognoscente, filiado a determinado grupo social e familiar e, portanto, um sujeito histórico, condicionado a determinantes socioculturais. Um sujeito singular em sua maneira de estar no mundo e de adaptarse, ao mesmo tempo em que precisa instrumentalizar-se para modificar e reconstruir sua própria realidade.” (AROEIRA, 1996, p. 6).
Após todas essas reflexões voltamos a pensar sobre como podemos construir um currículo dinâmico e estimulante que envolva e encante os estudantes, seduzindo-os a trilharem os caminhos do saber. É importante ressaltar que a
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tação e, como tal, possui desejos e necessidades que precisam
escola precisa oferecer seus ensinamentos de uma forma crítica e construtiva voltada para a formação de pessoas criativas, abertas e transformadoras, que se utilizem dos conceitos de cidadania e de democracia com mais consciência e plenitude. Para que esse currículo seja realmente dinâmico e estimulante precisamos compreender que cada criança é única, que apesar de estar no mesmo grupo e, muitas vezes, possuir a mesma idade cronológica de uma outra, não significa que sejam iguais, já que como falamos anteriormente, cada uma possui sua história que é construída de acordo com os fatos que marcaram sua vida, os hábitos, costumes e valores de história sua família e de sua
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comunidade, do seu próprio desenvolvimento e da sua genética. Desta maneira, cada uma possui uma maneira de aprender e construir conhecimentos, maneira esta que pode ser mais rápida ou mais lenta, sem que signifique que uma é mais inteligente do que a outra. A elaboração de um currículo escolar interessado nos aspectos mencionados deve estar atenta a alguns critérios essenciais que são sugeridos por Aroeira (1996, p. 77-78). • Centrar o currículo na realização de atividades significativas, com objetivos pedagógicos, mas que atendam aos interesses e necessidades das crianças, sendo lúdicos e ao mesmo tempo geradores de produtos reais; • Articular no trabalho pedagógico a realidade sociocultural da criança, o desenvolvimento infantil e os interesses ditados historicamente; • Imprimir um clima de cooperação, respeitando os interesses e o ritmo de cada um; • Estimular o entusiasmo de descobrir, favorecendo a construção de novos conhecimentos de forma viva, prazerosa e transformadora;
• Manter constante integração das áreas do conhecimento, superando a fragmentação e a justaposição de informações. • Organizar os conteúdos segundo uma metodologia de trabalho que garanta a ampliação dos conhecimentos, possibilite a construção da autonomia, cooperação, responsabilidade e criatividade. Como podemos verificar até aqui os saberes históricos revelam-se muito importantes para que as crianças percebam a ação do homem na construção do espaço vivido e suas estudante começa a relacionar-se com outros estudantes que possuem realidades socioeconômicas e culturais diferenciadas, e é neste espaço que iniciam usas interações sociais. Se o trabalho for bem orientado nesta “pequena sociedade”, será possível desenvolver a base de conceitos importantes, como a democracia e a cidadania, além de explorar a linguagem oral e a escrita, o conhecimento lógico-matemático, a organização e a autonomia. Assim, é possível trazer os conhecimentos que possui sobre o mundo e os valores que aprendeu em sua comunidade para serem ampliados e agregados a novos saberes. Após tantas reflexões você deve estar pensando: quais são então os conteúdos e as atividades que devemos aplicar nas classes de Educação Infantil? Primeiro é imprescindível salientar que os conteúdos não devem ser trabalhados como temas isolados, fragmentados, mas devem fazer parte da vida das crianças que fazem parte desta classe, sua família, sua comunidade. Como supor-
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inter-relações sociais. Sendo que ao iniciar sua vida escolar o
te para nos oferecer novas possibilidades na construção de um ensino-aprendizagem significativo, o Ministério da Educação e do Desporto publicou em 1998 o Referencial Curricular Nacional (RCN) para a Educação Infantil (BRASIL, 1998). No volume 3 - Conhecimento de Mundo - ele sugere um eixo para explorar os saberes históricos escolares com crianças de 0 a 6 anos. A saber: Natureza e sociedade: esse eixo visa favorecer novas e interessantes experiências às crianças com o intuito de estimular a construção de diferentes conhecimentos e apren-
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dizagens sobre a natureza (ambiente natural) e a sociedade (ambiente social). Para o trabalho com os conteúdos históricos o RCN destaca o seguinte bloco: Organização dos grupos e seu modo de ser, viver e trabalhar. Nesse bloco, é possível explorarmos com as crianças os grupos sociais que estão ao seu redor, ampliarmos os conhecimentos que já possuem e possibilitar novos olhares sob esses espaços, hábitos, seres, costumes, culturas etc. O RCN traz como sugestão de conteúdos: As tradições culturais de sua região através das brincadeiras, histórias, jogos e músicas; Para explorarmos esse conteúdo podemos pesquisar com as crianças: • As brincadeiras que os pais faziam quando tinham a idade deles e as brincadeiras atuais. • As histórias que ouviam, quem contava...
• Convidar um pai, mãe, avó ou avô para contar histórias para o grupo ou ensinar uma brincadeira do seu tempo de criança. • Conhecer a história desse brinquedo, como surgiu, quando e por quê. A seleção de alguns grupos sociais para conhecer os modos de ser, viver e trabalhar no passado e no presente. São atividades interessantes para trabalhar esse conteúdo:
brincadeiras com as das crianças na escola;
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• Fazer brincadeiras de origem de outros povos;
Conteúdos e sugestões
• Comparar sua alimentação, educação, vestimenta,
• Descobrir curiosidades da vida nessas comunidades, como as crianças são tratadas; • Identificar no mapa onde fica o país em que vivem; • Perceber semelhanças e diferenças entre os povos e a comunidade local; e • Como eram suas tradições e como vivem hoje. A identificação de algumas profissões que existem no seu entorno; Inicialmente podemos conhecer melhor as profissões dos pais e depois propor o trabalho com outras profissões: • Pesquisar a profissão dos pais; • Brincar de faz de conta de profissões conhecidas; • Entrevistar os diferentes profissionais da escola; • Entrevistar os pais; • Observar imagens de profissões que não existem mais;
• Fazer uma exposição com os objetos utilizados pelos pais em seus trabalhos; e • Conhecer profissões curiosas ou diferentes. Por fim, mas não menos importante, o interesse pela diversidade cultural, suas diversas formas de expressão e a valorização das tradições culturais do grupo social que está inserido. • Contar histórias e lendas desses grupos sociais; • Desenhar essas pessoas;
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• Dramatizar histórias; • Conhecer danças e comidas típicas de diversos povos; • Experimentar comidas típicas; • Ouvir músicas de diversos povos; • Conhecer brincadeiras que as crianças de culturas diferentes fazem; • Entrevistar pessoas oriundas de países diversos; e • Visitar museus. Essas são algumas sugestões que podemos oferecer, mas cabe ao educador explorar criativa e interdisciplinarmente cada conteúdo proposto e buscar a maneira que seja mais significativa para seu grupo, sua escola, sua comunidade.
6.3 S ugestões de conteúdos para os anos iniciais do ensino fundamental O Ensino Fundamental em nosso país possuía duração mínima de 8 anos, contudo, essa realidade foi modificada no ano de 2006 com a promulgação da Lei nº 11.274 (BRASIL, da das crianças nas escolas públicas do país: Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão (...). (Redação dada pela Lei nº 11.274, de 2006).
As escolas terão até 2010 para se adaptar a essa nova lei e matricular, obrigatoriamente, as crianças de seis anos no primeiro ano do Ensino Fundamental. O acréscimo de mais um ano vem sendo realizado aos poucos pelas instituições de ensino de todo o país, pois é necessário adaptar não só o currículo, mas também o espaço, os móveis e o sistema de avaliação para atender a essa nova clientela. Para revisar o texto da Lei 9.394 de dezembro de 1996 completo acesse o endereço: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm> Com essa nova lei o governo espera ampliar o tempo de estudo para estes estudantes, bem como garantir mais
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2006) que prevê a antecipação da idade mínima para a entra-
oportunidades para aprender e, assim, favorecer uma qualidade maior na aprendizagem, pois pesquisas revelam que as crianças das classes médias e altas encontram-se alfabetizadas aos seis anos, além de seguir uma tendência mundial, como nos relata a reportagem da Revista Nova Escola intitulada “O direito de aprender”. (dezembro, 2007). “Em Portugal, a petizada entra na escola aos 6 anos e ali deve per-manecer por, no mínimo, nove. Na Espanha, esse número sobe para dez. Nos Estados Unidos, a idade de ingresso varia de um estado para outro, o compromisso nacional de que todos os estudantes precisam frequentar as salas de aula até completar 16 anos de idade. Nossos vizinhos também vão nessa mesma direção. Na Argentina e no Uruguai, a escolarização obrigatória é de dez anos.”
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Concordamos que ampliar de oito para nove anos o Ensino Fundamental foi um passo essencial na busca pela melhoria da qualidade do ensino, especialmente as instituições públicas de ensino, mas a preocupação da maioria dos especialistas é deixar claro a todos os educadores que ingressar com seis anos na escola não significa que a criança estará cursando, antecipadamente, a primeira série com todos os seus conteúdos preestabelecidos. O primeiro ano do Ensino Fundamental, como vem sendo chamado, deve estar estruturado e organizado para recebê-las, visando atender às suas necessidades cognitivas, sociais e emocionais características desta faixa etária. No entanto, alguns ainda fazem ressalvas à ampliação do Ensino Fundamental no Brasil justificando que esta medida contribuirá para a redução da infância, do lúdico, mas os benefícios promovidos pela Lei nº 11.274 (BRASIL, 2006) são inúmeros, como podemos verificar na reportagem mencionada:
Para ler a reportagem completa acesse o site: <http://revistaescola.abril.com.br/edicoes/0208/aberto/ mt_261398.shtml> O Ensino Fundamental em nosso país refere-se ao antigo Primeiro Grau (BRASIL, 1971. Lei no 5692/71) que era a união entre o Curso Primário que atendia as crianças da 1ª (7 anos) a 4ª série (10 anos) e o Ginásio que englobava os estudantes da 5ª (11 anos) a 8ª série (14 anos). Sua organização atual compreende dois ciclos: • Anos iniciais do Ensino Fundamental - refere-se aos cinco primeiros anos. • Anos finais do Ensino Fundamental – corresponde aos anos finais.
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A socialização desde cedo. Segundo a pesquisa Educação da Primeira Infância, realizada em 2005 pela Fundação Getúlio Vargas, temos apenas 61,36% das crianças frequentando salas de pré-escola. A obrigatoriedade de iniciar a escolarização aos 6 anos, então, é uma ótima notícia. Nas regiões mais carentes, colocar as crianças de 6 anos na sala de aula representa também um ganho de qualidade no que diz respeito à alimentação diária. Com raríssimas exceções, os filhos da classe média e alta se alfabetizam aos 6 anos (e ninguém acha que eles deixam de ser crianças por isso). Por que, então, privar os da escola pública desse direito? Pesquisas apontam que cada ano a mais de escolaridade pode representar até 15% a mais de salário na vida adulta. Obviamente, um ano a mais de estudos tem tudo para proporcionar um ganho de qualidade na Educação de todos – e permitir que mais brasileiros se alfabetizem na idade certa, rompendo com um dos ciclos mais perversos existentes hoje em nossa sociedade: o da formação de milhões de analfabetos funcionais.
Nesta aula, objetivamos estudar os anos iniciais que agora se apresentam com uma nova nomenclatura: Alfabetização – 1º ano. • 1ª série – 2º ano. • 2ª série – 3º ano. • 3ª série – 4º ano. • 4ª série – 5º ano. Para iniciarmos nossas reflexões sobre os possíveis
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conteúdos que podem compor o currículo para essa faixa etária é importante salientar que nossa escolha foi baseada a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais elaborados em 1997 pelo Ministério da Educação e do Desporto, documento este que sugere a utilização de ciclos básicos para orientar a organização dos conteúdos. Esta estruturação deve-se ao fato de possibilitar a exploração do currículo em um período maior de tempo, permitindo assim, que os diferentes ritmos de aprendizagem fossem respeitados. “Os Parâmetros Curriculares Nacionais adotam a proposta de estruturação por ciclos, pelo reconhecimento de que tal proposta permite compensar a pressão do tempo que é inerente à instituição escolar, tornando possível distribuir os conteúdos de forma mais adequada à natureza do processo de aprendizagem. Além disso, favorece uma apresentação menos parcelada do conhecimento e possibilita as aproximações sucessivas necessárias para que os alunos se apropriem dos complexos saberes que se intenciona transmitir.” (BRASIL, 1997, p. 59-60).
A criança quando inicia o primeiro ciclo dos anos iniciais do Ensino Fundamental está em processo de alfabetização, ou seja, ainda está aprendendo a ler e escrever, por isso é importante que o educador/a educadora fique atento/atenta ao propor as atividades. Neste momento, seria preferível explorar atividades mais voltadas para as fontes orais ou iconográficas sem, contudo, esquecer que também é necessário trabalhar as outras linguagens e habilidades. Assim, desde pequena, a criança terá acesso a diferentes fontes históricas, e ao final do 5º ano (antiga 4ª série) terá maior autonomia intelectual para perceber que a leitura e a interpreOs conteúdos sugeridos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de História e Geografia, para compor o currículo de História dos anos iniciais do Ensino Fundamental, dividem-se em dois eixos temáticos, um para cada ciclo: • Primeiro Ciclo (6, 7 e 8 anos) - O local e o cotidiano. • Segundo ciclo (9 e 10 anos) - História das organizações populacionais. Os conteúdos que perpassam esses eixos temáticos foram escolhidos por serem baseados nas questões locais, na realidade que a criança está inserida, para depois ampliar esse repertório intelectual e social através do estabelecimento de semelhanças e diferenças com as informações históricas presentes em sua localidade e posteriormente com outros grupos sociais nacionais e internacionais, como nos mostram os PCNs: ”Os conteúdos foram escolhidos a partir do tempo presente no qual existem materialidades e mentalidades que denunciam a presença de outros tempos, outros modos de vida
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tação dos diversos registros possibilitam conhecer o passado.
sobreviventes do passado, outros costumes e outras modalidades de organização social, que continuam, de alguma forma, presentes na vida das pessoas e da coletividade. Os conteúdos foram escolhidos, ainda, a partir da idéia de que conhecer as muitas histórias, de outros tempos, relacionadas ao espaço em que vivem, e de outros espaços, possibilita aos alunos compreenderem a si mesmos e a vida coletiva de que fazem parte.” (BRASIL, 1997, p. 43-44).
O Eixo, o Local e o Cotidiano estabelecidos para o primeiro ciclo, focalizam seus estudos inicialmente no presen-
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te, estabelecendo semelhanças e diferenças en-tre a criança, a família e a escola, para depois estudar o passado e poder comparar os resultados encontrados, identificando assim, as mudanças e permanências dessas comunidades. Ao explorar os conteúdos que compõem esse eixo, o educador terá oportunidade de possibilitar que as crianças percebam e observem a realidade a sua volta, identificando as relações que se estabelecem e identifiquem também a influência de outros tempos no seu entorno. Os conteúdos sugeridos para essa etapa são: A Localidade Para explorar essa temática temos que primeiramente trabalhar com cada criança sua individualidade, para que ela consiga perceber-se única e portadora de uma história que começou a ser escrita com o seu nascimento ou mesmo antes. Identificar quem é cada criança que compõe a classe, seus gostos, suas preferências, seus documentos e sua importância para que seja reconhecido como cidadão, conhecer sua história: como nasceu, por que tem esse nome, quem escolheu, montar uma linha do tempo com os principais momentos vivenciados até a presente data. São questionamentos e atividades possíveis
de serem trabalhados para que cada um possa estabelecer semelhanças e diferenças com os demais membros da classe. Uma sugestão para iniciar esse trabalho é realizar a leitura desta linda poesia de Pedro Bandeira.
Eu não gosto do meu nome não fui eu quem escolheu. Eu não sei porque se metem com um nome que é só meu! O nenê que vai nascer vai chamar como o padrinho vai chamar como o vovô
mas ninguém vai perguntar o que pensa o coitadinho! Foi meu pai quem decidiu que o meu nome fosse aquele. Isso só seria justos e eu escolhesse nome dele. Quando eu tiver um filho, Não vou pôr nome nenhum. Quando ele for bem grande, ele que escolha um!
Após conhecer as semelhanças e diferenças individuais partiremos para mais uma investigação histórica para conhecer a família de cada criança podemos partir da construção da árvore genealógica e para isso a literatura infantil nos brinda com essa deliciosa história de Ana Maria Machado e sua linda menina do laço de fita.
Menina bonita do laço de fita Fecha box
Era uma vez uma menina linda, linda.Os olhos dela pareciam duas azeitonaspretas, daqueles bem brilhantes.Os E assim a história continua até o coelhinho branco cabelos eram enroladinhos e bemnegros, feito fiapos da desnoite. A pele era escura e lustrosa, que nem o pelo dapancobrir finalmente qual era o segredo da menina ser tão pretera negra quando pula na chuva. (...) tinha. Essa é uma excelente oportunidade de saber do grupo Capa do livro: http://www.atica.com.br/catalogo/?i=8508066392 com quem cada um se parece e construir sua árvore genealó-
101 Conteúdos e sugestões
O Nome da Gente
gica. Concluída esta etapa podemos continuar explorando o tema família: os nomes dos parentes, idades, os locais em que costumam passear, a importância de ter uma família, aproveitamos também para comparar as semelhanças e diferenças entre as famílias da classe e as famílias de outros tempos. Ampliando ainda mais os conhecimentos das crianças já que cada família tem ou deveria ter uma moradia, encontramos novas oportunidades de estudo: a casa, como ela é feita, como é dividida, sua importância, os tipos de casas que o nosso bairro e a nossa cidade possuem, como são as moradias em outros lugares, por que elas são diferentes e ampliamos ainda mais discu-
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tindo com o grupo por que alguns têm casas e outros não, por que alguns têm saneamento básico e outros não. Ainda explorando o tema localidade podemos explorar os tipos de bairros e ruas que cada estudante mora, as profissões dos familiares, os locais de trabalho, o que podemos encontrar nas ruas e continuamos agora trabalhando com o conteúdo escola: como é, quais os profissionais que trabalham nela, por que ela é importante, a história da escola, por que ela tem esse nome, quem criou, pesquisar também a escola nos tempos dos pais e avós. Comunidade indígena Com essa temática podemos conhecer e nos encantar com esses brasileiros que ajudam e ajudam a formar a cultura do Brasil. Ao explorar os hábitos antigos e atuais destes povos teremos a possibilidade de mostrar aos estudantes que muitas palavras, comidas, hábitos etc. que usamos são originários desta rica cultura. Identificar as semelhanças e diferenças existentes entre o modo de vida na localidade dos estudantes e dos índios, suas contribuições para a cultura brasileira, pesquisar quais os grupos que viveram ou vivem na região onde está locali-
zada a escola, como as crianças da tribo aprendem, o que utilizam quando estão doentes são opções que poderão desencadear ricos estudos em sua classe. Para auxiliar o trabalho do educador e da educadora contamos com grandes ajudantes como os livros de literatura e filmes como Tainá 1 e 2. Além das inúmeras lendas indígenas que compõem a cultura popular brasileira. No segundo ciclo os PCN (BRASIL, 1996) sugerem o eixo temático História das Organizações Populacionais possibilitando um trabalho mais amplo, com a leitura não só de histórias, poesias, mitos, lendas e textos dos livros didáticos, cos mais profundos e específicos para que os estudantes possam compreender, comparar e tirar suas próprias conclusões sobre os fatos e acontecimentos históricos. “Nesse sentido, cabe ao professor criar situações instigantes para que os alunos comparem as informações contidas em diferentes fontes bibliográficas e documentais, expressem as suas próprias compreensões e opiniões sobre os assuntos e investiguem outras possibilidades de explicação para os acontecimentos estudados.” (BRASIL, 1997, p. 61).
Desta maneira o educador/a educadora conseguirá aprofundar os conhecimentos adquiridos no primeiro ciclo e possibilitar que as crianças estabeleçam as semelhanças, diferenças, mudanças e permanências das comunidades locais comparando-as com as organizações familiares, escolares e sociais de outros tempos e outros lugares, favorecendo, dessa forma, a comunicação entre o tempo presente e o tempo passado. Para que atinja estes objetivos os PCNs sugerem como conteúdos:
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mas também com a leitura de obras com conteúdos históri-
Deslocamentos populacionais Este conteúdo pode ser introduzido na classe a partir do levantamento de como e quando cada família chegou à região, as reportagens que falam sobre a saída de pessoas para o exterior ou mesmo comparando o jeito de falar, de cantar dos estudantes com os de crianças de outra região. São inúmeras as possibilidades de iniciar este tema e explorar suas causas e conseqüências, favorecendo a comparação entre os costumes, músicas, comidas, festas, tradições etc. de povos diferentes. Após realizar os estudos com os deslocamentos no presente é importante também refletir sobre os deslocamentos
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realizados no passado, pelos portugueses, africanos e indígenas a partir de 1500, os contextos históricos de fixação e suas motivações, suas contribuições para a cultura Brasileira e os pontos positivos e negativos, bem como a chegada dos japoneses e os outros imigrantes europeus e asiáticos que aqui se instalaram, identificando suas implicações para a formação do nosso povo, bem como analisar os impactos decorrentes desta chegada e permanência. Organizações e lutas de grupos sociais e étnicos Com este tema temos a possibilidade de conhecer os grupos étnicos e sociais que lutaram no passado, compreendendo suas motivações, os resultados destas lutas e suas respectivas consequências, relacionando com os movimentos que ocorrem no presente por causa políticas, sociais, culturais, étnicas ou econômicas. No noticiário impresso ou televisivo estamos sempre acompanhando passeatas e outros movimentos que protestam por motivos diversos desde aumento salarial ou para acabar o preconceito este pode tornar-se um bom instrumento de pesquisa para que os educadores possam iniciar estas discussões com seus estudantes.
Organizações políticas e administrativas urbanas Compreender a importância das cidades, identificando suas funções e como foram originadas, seja na sua região, em outros lugares do país ou mesmo em outras localidades do mundo tanto no passado como no presente. Favorece que os educandos percebam como as zonas urbanas e rurais são organizadas e distribuídas, identifiquem como ocorre seu abastecimento de água, luz, alimento, quais meios de transporte e comunicação utilizam, como era no passado e analisem seus problemas de forma crítica, propondo inclusive a busca de soluções. Assim poderá estabelecer semelhanças passado ou do presente. Organização histórica e temporal Este conteúdo incentiva a construção de linhas do tempo e sínteses históricas e cronológicas que possibilitem contar, relatar e registrar acontecimentos da história regional relacionando-os com a história nacional e mundial e comparando-os com estudos tradicionalmente utilizados na disciplina. Ao concluírem os anos iniciais do Ensino Fundamental os educandos precisam reconhecer e identificar alguns conteúdos importantes para a sua formação, por isso espera-se que eles saibam que: • As pessoas vivem em grupo e que dependem umas das outras: “Ninguém está sozinho no mundo”; • Somos nós que fazemos o mundo do jeito que ele é, e que ele se modifica a partir do que nós fazemos: “O mundo pode ser diferente”; • Existem várias formas de viver e se organizar no mundo em diferentes tempos e espaços: “Precisamos
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e diferenças entre a sua cidade e outros espaços urbanos do
conhecer outras realidades e respeitá-las; A diversidade é uma riqueza”; e • Conhecer o mundo é um direito: “Precisamos ser sujeitos do e no mundo”.
SÍNTESE Para selecionarmos, incluirmos ou excluirmos conteúdos de um currículo precisamos refletir sobre que tipo de pessoa queremos ajudar a formar, pois somente assim seremos capazes de organizarmos e selecionarmos um currículo Metodologia e prática da História no Ensino Fundamental
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significativo, criativo, dinâmico e estimulante para a instituição que fazemos parte. Os educadores que trabalham em classes de 0 a 5 anos devem se preocupar com a construção de um currículo que tenha o intuito de possibilitar a formação de pessoas abertas, transformadoras, cidadãos ativos, conscientes de seus direitos e deveres. Por essa razão nós percorremos as sugestões dos saberes escolares indicados para o ensino de História na Educação Infantil apresentadas pelo Referencial Curricular Nacional e os Parâmetros Curriculares Nacionais para esta faixa etária.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO De acordo com todas essas reflexões você, educador/ educadora, consegue listar quais os conteúdos que devemos ensinar na Educação Infantil e no Ensino Fundamental? Será que as nossas aulas de história estão realmente formando pessoas criativas, críticas e transformadoras? Conhecendo essas sugestões para compor o programa de História, o que você, educador/educadora pensa que os estudantes precisam dominar ao final do Ensino Fundamental?
LEITURAS INDICADAS LUZIA, A. M. S. Panorama da educação brasileira frente ao terceiro milênio. São Carlos, 2004. Disponível em: <http:// www.cdcc.sc.usp.br/ciencia/artigos/art_27/psiedu.html>. Acesso em: 8 abr., 2008. ZACHARIAS, V. Vygotsky e a educação. Disponível em: <http://www.centrorefeducacional.com.br/vygotsky.html>. Acesso em: 2 abr., 2008. <http://revistaescola.abril.com.br/edicoes/0162/aberto/
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SITE INDICADO <http://www.centrorefeducacional.com.br>
REFERÊNCIAS AROEIRA, M. L. C. Didática de pré-escola: vida criança: brincar e aprender. São Paulo: FTD, 1996. (Conteúdo e metodologia). BANDEIRA, P. O nome da gente. In: <http://ocantinhodalena.com.br/criancas/crian03/crian03.htm>. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC, 1997.
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mt_245337.shtml>
CABRINI, C.; CIAMPI, H.; VIEIRA, M. P; PEIXOTO, M. R.; BORGES, V. P. O ensino de história: revisão urgente. São Paulo, Brasiliense, 1987. FONSECA, S. G. Didática e prática do ensino de história: experiências, reflexões e aprendizagens. Campinas: Papirus, 2003 - (Coleção Magistério: Formação e trabalho pedagógico. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo, Paz e Terra, 1996.
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KARNAL, L. (Org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2005. LUIZA, A. M. S. Panorama da educação brasileira frente ao terceiro milênio. São Carlos, 2004. Disponível em: <http:// www.cdcc.sc.usp.br/ciencia/artigos/art_27/psiedu.html>. Acesso em: 8 abr., 2008. MACHADO, A. M. Menina bonita do laço de fita. Coleção Barquinho de papel. São Paulo: Ática, 2004. MENDES, A. F. M. Ensino e vivências: as apreensões da história local no cotidiano da sala de aula. Disponível em: <http:// www.revistatemalivre.com/anderson09.html>. Acesso em: 14 mar., 2008. NEMI, A. L. N.; MARTINS, J. C. Didática de história: o tempo vivido: uma outra História? São Paulo: FTD, 2000. NEMI, A. L. L. Didática de História: o tempo vivido: uma outra História? São Paulo: FTD, 1996.
PINSKY, J. (Org.). O ensino de história e a criação do fato. 12. ed. São Paulo: Contexto, 2006. (Coleção Repensando o Ensino). ZACHARIAS, V. Vygotsky e a educação. Disponível em: <http://www.centrorefeducacional.com.br/vygotsky.html>. Acesso em: abr., 2008.
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Tempos hist贸ricos e culturais. Diversidade cultural: um novo olhar
N esta unidade, vamos prosseguir a nossa caminhada discutindo e descons-truindo o mito da democracia racial brasileira e da carência cultural, além de refletirmos sobre a importância da Pluralidade Cultural na prática pedagógica. Durante muito tempo, o “mito da democracia racial brasileira” era um assunto indiscutível, já que o Brasil era considerado um país em que pessoas de todas as raças, crenças e culturas conviviam harmoniosamente, sendo muitas vezes motivo de exacerbados elogios e orgulho por parte dos seus moradores.
Será que realmente convivemos pacificamente com todas essas culturas? Todas elas são aceitas e respeitadas? Qual o lugar que ocupam os índios e os negros em nossa sociedade? E os demais povos que compõem esse país? Ao analisarmos criticamente todos esses questiona-
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mentos percebemos que a cultura brasileira é plural. Ou, melhor, podemos percebê-la não como uma única cultura, mas como muitas culturas, formadas pelos diferentes povos africanos, indígenas, europeus, asiáticos etc., que a constituíram da maneira como a conhecemos atualmente. Como podemos, então, aceitar a ideia de um Brasil homogêneo, sem diferenças? A ideia arraigada no país do “mito da democracia racial” fez surgir um racismo velado, que estimula preconceitos e exclui todos aqueles que não se encaixam numa cultura uniforme, dita como aceitável e correta. Nesta perspectiva, cabe à escola divulgar apenas uma cultura, aquela pertencente às classes dominantes, desprezando as diferenças culturais e exigindo que os estudantes se enquadrem num padrão. Essa homogeneização da cultura promoveu e ainda promove o fracasso escolar, que se tornou cada vez mais explícito. Surge então a teoria da “carência cultural”, justificando que é a falta de condições das crianças das camadas mais humildes da sociedade que provoca o insucesso na escola, como solução, apresenta a educação compensatória, cujo objetivo é preencher as deficiências socioculturais, ou seja, oferecer conhecimentos da cultura dominante que o estudante não tem.
Essa teoria eximiu da escola a responsabilidade para com o sucesso do estudante, atribuindo às condições familiares, sociais e culturais os resultados desfavoráveis ao seu desenvolvimento, além de fortalecer ainda mais a discriminação e o preconceito. A desvalorização da cultura apresentada por estes estudantes e os preconceitos acerca de suas capacidades e da de seus familiares fortaleceram a ideia de que as expectativas escolar de pobres, favelados, índios, sertanejos, nordestinos, populações ribeirinhas e tantos outros provenientes de grupos étnicos socialmente discriminados ou provenientes de camadas economicamente pouco favorecidas. Será que a escola, como espaço no qual convivem e interagem crianças e jovens de várias origens socioeconômicas e culturais, pode negar suas diferenças? Será que esta instituição social não tem nenhuma responsabilidade diante dos preconceitos que foram e são perpetuados na história do Brasil? Sendo a escola um espaço democrático e formador de opiniões, esta não pode mais se omitir diante de atitudes e ideias preconceituosas e excludentes. A escola precisa mostrar-se disposta a modificar mentalidades, superando os preconceitos e combatendo comportamentos discriminatórios para que possamos construir uma sociedade mais justa, democrática e tolerante com as diversidades culturais, em que todos os estudantes sejam valorizados como produtores de cultura. Para possibilitar um espaço de discussão, conhecimento e valorização das características e diferenças étnicas e culturais que compõem a sociedade brasileira e suas desigualdades socioeconômicas, despertando um olhar crítico diante das relações discriminatórias e excludentes que
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são sempre muito baixas quando considerado o desempenho
se manifestam de forma concreta ou oculta em nosso país, os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997b) sugerem uma proposta curricular intitulada Pluralidade Cultural e Cidadania com o intuito de construir uma identidade nacional mais justa, na qual todos se reconhecerão como parte integrante desta sociedade múltipla e singular.
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“O que se almeja, portanto, ao tratar da Pluralidade Cultural, não é a divisão e o esquadrinhamento da sociedade em grupos culturais fechados, mas o enriquecimento propiciado a cada um e a todos pela pluralidade de formas de vida, pelo convívio e pelas opções pessoais, assim como o compromisso ético de contribuir para as transformações necessárias à construção de uma sociedade mais justa.” (BRASIL, 1997b, p. 20).
O objetivo de explorar a Pluralidade Cultural em sala de aula não é conhecer os grupos sociais que vivem no território nacional, mas de aprender a respeitar as diversas culturas, buscando valorizar aqueles cujos padrões diferem da cultura dominante e buscando maneiras de eliminar os preconceitos arraigados na nossa história. Você consegue perceber a importância da Pluralidade Cultural para a transformação social? A discriminação está presente em sua prática pedagógica? Você já presenciou uma atitude preconceituosa em sua sala de aula? Atitudes preconceituosas em sala de aula são bastante comuns, tanto pelos estudantes quanto por nós educadores. Seja quando desvalorizamos o modo de falar de nossas crianças, levamos para a classe livros ou gravuras em que os negros só aparecem em posições subalternas (empregados
domésticos, escravos, gari etc.) sem apresentar nenhum questionamento ou quando acreditamos que o estudante tem dificuldades para aprender por causa da sua família que é analfabeta ou muito pobre. Essas são algumas situações nas quais desconsideramos a diversidade cultural, e assim, nos posicionamos de forma excludente e preconceituosa. Compreender o multiculturalismo e o seu vínculo com a ra, visando à superação de preconceitos e substituindo os mecanismos excludentes por práticas cotidianas mais inclusivas. O que nós, como educadores, podemos fazer para modificar essa situação? De que maneira podemos transformar as situações de discriminação em elementos de aprendizagem e crescimento para o grupo escolar como um todo? No entanto, mais importante que ensinar Pluralidade Cultural é criar oportunidades de vivenciá-la. Para isso é fundamental que o educador esteja atento a alguns pontos: • Favorecer a consolidação de um espaço para que os educandos se expressem. • O diálogo e a confiança são instrumentos fortalecedores da democracia. É importante que a sala de aula seja um espaço em que o estudante sinta-se à vontade para questionar, esclarecer dúvidas, trocar informações, expressar suas ideias, desejos e dificuldades. • Valorizar e respeitar as diferenças físicas, sociais e culturais. • Permitir que o estudante descubra-se como ser único e singular, percebendo suas diferenças e
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educação significa as-sumir na escola uma atitude transformado-
semelhanças como pontos positivos para o seu desenvolvimento e respeitando as diferenças existentes entre seus colegas. • Criar um ambiente democrático. • Estimular as crianças a participarem efetivamente das decisões do grupo, oferecendo a elas a oportunidade de fazer escolhas, organizar materiais, eleger atividades, avaliar o seu desempenho e o desempenho
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do educador, discutir os problemas da classe e buscar coletivamente as possíveis soluções. • Estar atento à prática do acobertamento e desvelamento. • Quando utilizamos respostas evasivas na tentativa de não evidenciar comportamentos discriminatórios, estamos utilizando a prática do acobertamento, muito utilizada na nossa sociedade por causa do mito da democracia racial. Acobertamos o preconceito com medo de sermos acusados de preconceituosos ou sermos vítimas dele, dessa forma, acreditamos que de tanto falarmos que o preconceito não existe, ele realmente deixe de existir. Mas é a prática do desvelamento que exige uma postura mais sensível e equilibrada do educador. É importante que ele conheça o currículo básico da Pluralidade Cultural, identificando o que é imprescindível para a educação das suas crianças e buscando informações que julgue necessárias. Tratar com firmeza a situação de discriminação, não dar respostas evasivas nem utilizar um tom de acusação. É fundamental falar sobre o respeito e propor atividades que tratem da discriminação, seja história, jogos ou dinâmicas.
Os livros de literatura infanto-juvenil nos oferecem inúmeras possibilidades para que possamos explorar esses temas, como por exemplo:
“E eu com isso?” Aprendendo sobre respeito – Brian Moses e Mike Gordon.
ção sofre profundamente ajuda o educador a perceber até o que não foi dito, colocando-se como parceiro para discutir a situação e ouvinte para o desabafo. Ressaltamos, contudo, que nem todos os educandos sentem dispostos de falar, muitas vezes, por causa do medo e da exposição ao qual a vítima está exposta. O professor precisa saber que a dor do grito silenciado é mais forte do que a dor pronunciada. Poder expressar o que sentiu diante da discriminação significa a chance de ser resgatado da humilhação, e de partilhar com os colegas seus sentimentos. Ou seja, trata-se de ensinar a dialogar sobre o respeito mútuo, num gesto que pode transformar o significado do sofrimento, ao fazer do ocorrido ocasião de aprendizagem. (BRASIL, 1997b, p. 41).
E você, o que está fazendo para superar a discriminação e o preconceito na sua escola? Que tal inserir no seu próximo planejamento a Pluralidade Cultural? Para superar o preconceito e a discriminação o educador precisa refletir sobre o seu papel: se optar por não falar nada, ou oferecer respostas vazias, reforça os problemas
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Além disso, compreender que a vítima da discrimina-
sociais, se resolver trilhar um caminho em busca da superação do preconceito e da discriminação, precisa planejar atividades intencionais que abram novas possibilidades de diálogo, respeito e solidariedade, tendo a consciência de que seus gestos farão toda a diferença entre uma atitude omissa ou a transformação de padrões sociais historicamente utilizados. Presenciamos todos os dias, quer seja nas ruas ou nas salas de aulas, situações de discriminação e preconceito. Diante
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dessa situação, não podemos mais ficar omissos, fingindo que não vemos ou compreendemos a extensão dessas atitudes na formação pessoal e social das nossas crianças e jovens. Como educadores conscientes do nosso papel na transformação social do nosso país e do mundo, precisamos favorecer novas vivências que possibilitem aos edu-candos confrontar, trocar, negar, reafirmar, sentir, olhar e discutir as suas e as nossas singularidades, diferenças, línguas, tradições, expressões, jeito de ser e crer, favorecendo, assim, a construção de uma sociedade mais humana, justa e democrática. Qual o espaço que a Pluralidade Cultural deve ocupar no planejamento? A Pluralidade Cultural não deve ser vista como mais uma disciplina que irá compor o currículo escolar, mas sim como um tema que perpassará todas as disciplinas com o objetivo de abrir espaço na escola, intencionalmente, para a discussão desses temas que são ao mesmo tempo necessários e importantes, visando assim, tornar a sociedade mais compreensiva, justa e solidária para todos os seus membros. Esse trabalho interdisciplinar proposto pelos PCNs de Pluralidade Cultural e Orientação Sexual traz como sugestões os seguintes blocos de conteúdos:
Pluralidade Cultural e a vida das crianças no Brasil Através de aspectos que fazem parte da vida dos diferentes grupos culturais: vida sociofamiliar, temporalidade, espacialidade, organização política e educação. Estabelecendo as singularidades apresentadas em cada canto do nosso país podemos perceber suas especificidades valorizando as variadas maneiras com que as pessoas interagem com o espaço geográfico/histórico e solucionam seus problemas.
ação atual Neste bloco temos a oportunidade de conhecer e explorar os povos que ajudam a construir a nossa rica cultura, percebendo e valorizando sua origem e cultura antes mesmo de chegar ao Brasil. Descobrir como era a vida dos africanos, dos portugueses, dos japoneses, dos italianos etc., quando estavam em seus países, como e por que ocorreu a imigração, como foram os primeiros momentos vivendo em uma terra estranha, o que os brasileiros ganharam com a sua chegada, e agora como vivem, em que parte do Brasil. E os indígenas? Como viviam antes de os portugueses chegarem, como foram os primeiros momentos deste contato, quais foram os benefícios e prejuízos, como vivem atualmente, quais problemas enfrentam. São questionamentos importantes para que os estudantes compreendam como é complexa e multifacetada a formação do nosso povo. O ser humano como agente social e produtor de cultura Favorecer o conhecimento das diferentes culturas através das linguagens que se utilizam como forma de expressão é o objetivo deste bloco, mas é importante ressaltar que estas não devem ser exploradas com as crianças sem que compreendam a sua importância e significado no seu contexto de origem, pois
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Constituição da diversidade cultural no Brasil e situ-
muitas vezes vemos imagens, esculturas, utensílios e músicas que para nós nada representam. Observe esta boneca:
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Você compreende sua beleza e importância para os africanos? Agora leia a história desta boneca: Esta boneca do Ghana representa um ser vivo que ainda não chegou - o filho que se deseja. Segundo a lenda, uma mulher chamada Akua era “estéril”, até que um curandeiro a instruiu para se fazer acompanhar de uma boneca e cuidar dela como se tratasse de um filho. Os vizinhos gozavam a pobre mulher, mas a sua fé foi recompensada com o nascimento de uma filha - a “ba”, ou criança, era o nome da boneca. Em África, depois de a boneca cumprir a sua tarefa, é entregue ao curandeiro, que a junta a todas as outras bonecas que lhe foram oferecidas, tal como sucede na nossa sociedade, ao enviarmos uma foto do nosso filho ao médico que nos acompanhou, para comprovar a sua competência. Para os homens, as bonecas são usadas para ajudar a encontrar uma esposa. É costume entre os Mossi de Burkina Faso uma mãe dar as primeiras gotas do seu leite à boneca que a acompanhou ao longo do tempo até ter o seu filho. Os Baule da Costa do Marfim “curam” a infertilidade também ao esculpirem uma boneca, para acalmar o espírito ciumento da esposa de uma encarnação anterior. Fonte: <http://www.chron.com/content/chronicle/features/97/12/21/fertility.html>.
E agora, você continua achando esta boneca “sem graça”? Conseguiu perceber o seu valor cultural?
Pluralidade cultural e cidadania Ao propormos um trabalho com Pluralidade Cultural incentivamos o respeito e valorização das diferentes culturais e suas organizações internas; este fator nos favorece o trabaceber-se membro de uma sociedade diferente, mas com direitos e deveres necessários para que possamos construir um mundo mais democrático. Após tantas reflexões gostaria de concluir dizendo que precisamos, urgentemente, desconstruir o mito da democracia racial e da carência cultural, pois a escola, como espaço no qual vivem, convivem e interagem crianças e jovens de várias origens socioeconômica e cultural, não pode continuar negando as diferenças e nós, como educadores e educadoras, devemos nos esforçar para superar a discriminação, o preconceito e oferecer um trabalho alicerçado na Pluralidade Cultural.
7.1 E nsino de história e cultura Afro-brasileira e Africana: Lei 10.639/2003 Durante muitos anos o Brasil, um país de proporções continentais, constituído por uma sociedade multicultural e pluriétnica, formada em sua maioria por descendentes de africanos, não demonstrou nenhuma preocupação com os
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lho com a cidadania, pois ficará mais fácil para a criança per-
prejuízos políticos, sociais, morais, educacionais e psicológicos causados pelo longo período de escravidão imposto aos diversos povos que foram arrancados da sua terra natal para trabalharem e construírem esse novo país. Esse período foi prolongado, mesmo após a abolição da escravatura em decorrência da manutenção do poder nas mãos dos governantes e da política de branqueamento da sociedade. Com o intuito de promover políticas favoráveis à repa-
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ração, reconhecimento e valorização da história, identidade e cultura dos africanos e seus afrodescendentes foram instituídas em 2003, através da Lei 10.639, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, pois precisamos ter clara a: “(...) compreensão de que a sociedade é formada por pessoas que pertencem a grupos étnicoraciais distintos, que possuem cultura e história próprias, igualmente valiosas e que em conjunto constroem, na nação Brasileira, sua história.” (GONÇALVES; SILVA, 2004, p. 18).
Este documento se refere ao ensino sistemático de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, utilizando especialmente os conteúdos de Educação Artística, Literatura e História do Brasil, digo especialmente já que podemos também explorá-los em outras áreas de conhecimento. O seu objetivo primordial é desconstruir o mito da democracia racial no nosso país e difundir a valorização da diversidade como base para a superação da desigualdade étnico-racial presente na instituição escolar brasileira. As diretrizes são compostas essencialmente de orientações, princípios e fundamentos para o planejamento, execução e avaliação da Educação das Relações Étnico-Raciais e do
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana destinadas à Educação Básica (Educação Infantil e Fundamental), Educação Média, Educação de Jovens e Adultos e Educação Superior com o intuito de formar cidadãos atuantes que construam uma nação democrática a partir de relações étnico-sociais positivas. A educação das Relações Étnico-Raciais visa educar e informar os estudantes com relação ao seu pertencimento do sua identidade e possibilitando a consolidação da democracia brasileira. O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana tem por finalidade garantir os direitos dos cidadãos afro-brasileiros, bem como o reconhecimento e a valorização da sua identidade, cultura e história. Destacando a importância da cultura africana, juntamente com a indígena, europeia e asiática, na gênese da sociedade brasileira. Os afrodescendentes, assim como outros grupos étnicos, foram desvaloriza-dos, humilhados, excluídos e muitas vezes esquecidos. Sua história, cultura e identidade foram submetidas às culturas classificadas como superiores, seus direitos foram negligenciados, passaram nesses longos anos por situações preconceituosas, injustas e desiguais. Eis o objetivo central desse documento: corrigir os incontáveis sofrimentos causados pelo regime escravista e pela política excludente e preconceituosa desenvolvida no Brasil. “A demanda por reparações visa a que o Estado e a sociedade tomem medidas para ressarcir os descendentes de africanos negros, dos danos psicológicos, materiais, sociais, políticos e educacionais sofridos pelo regime escravista, bem como em virtude das políticas explícitas ou tácitas de branqueamento da população, de manutenção de privilégios exclusivos para grupos
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étnico-racial, garantindo respeito aos seus direitos, valorizan-
com poder de governar e de influir na formulação de políticas no pós-abolição. Visa também que tais medidas se concretizem em iniciativas de combate ao racismo e toda sorte de discriminação.” (BRASIL, 2004).
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Para ampliar suas leituras sobre o tema leia o Projeto de Resolução completo das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História Afro-Brasileira e Africana no endereço eletrônico: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/res012004.pdf>
O Estado, através desta lei, quer garantir pela educação: a igualdade de direitos para o total desenvolvimento de todas as pessoas, enquanto cidadãos e profissionais; a valorização do patrimônio histórico-cultural afro-brasileiro; e a aquisição das competências e dos conhecimentos indispensáveis para a permanência e o sucesso na educação escolar. Sabemos, no entanto, que o racismo, a desigualdade e a discriminação não ocorrem somente nas instituições de ensino, mas nem por isso podemos excluir o papel central que essas instituições possuem na propagação ou no combate dessas atitudes. Reconhecidamente citada como espaço democrático de produção e dissemi-nação de conhecimentos, responsável em oferecer educação a todos os cidadãos, independentes da cultura, raça ou religião, a escola precisa se comprometer com a eliminação da discriminação e do preconceito propondo a exclusão das ideologias, desigualdades e estereótipos sejam de gênero, cor, raça, religião etc. E, dessa forma, promover a superação do sentimento de inferioridade socioeconômica, política e educativa experienciado não só pelos africanos e seus afrodescendentes, mas também pelos indígenas e asiáticos causado pela supervalorização dispensada aos povos europeus.
É necessário refletir e rever as relações tensas vivenciadas entre negros e brancos, devido às diferenças na cor da pele e nos traços fisionômicos, relações essas, conhecidas através da expressão étnico-raciais, desmistificando os conceitos arraigados na sociedade de valorização da cor branca como superior às outras raças e culturas.
No dicionário encontramos o termo “reparar” como: consertar, restaurar, corrigir, ressarcir, indenizar. Penso que se preocupar em implantar, verdadeiramente, medidas de combate ao racismo e de todas as maneiras de discriminação é o caminho mais indicado, oferecendo não apenas vagas nas escolas, mas, e principalmente, uma educação de qualidade que favoreça o desenvolvimento dessas crianças e jovens enquanto pessoas, profissionais competentes e cidadãos críticos e participativos. “Ao não reconhecer o outro, o diferente, ignora-se as relações de poder, a hierarquização da sociedade que garante privilégios a uns em detrimento de outros, miserabilidade e sujeição de outros. Justamente no contexto escolar de relações entre alunos, professores e demais funcionários que as diferenças devem ser evidencias e valorizadas.” (PAULA, 2007).
A Lei 10639/2003 demanda também o reconhecimento e valorização da história, cultura e identidade africana e dos seus afrodescendentes. Qual é então o papel da instituição escolar no reconhecimento e valorização dessas pessoas que foram escravizadas por tanto tempo?
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As diretrizes trazem em seu conteúdo a implantação de políticas de reparação, de reconhecimento e de valorização, mas o que entendemos por reparação?
Voltamos mais uma vez ao dicionário e encontramos os seguintes vocábulos para designar a palavra reconhecer: admitir como certo; observar; explorar; mostrar-se agradecido por; admitir como legal; admitir como bom ou verdadeiro. Reconhecer, então, precisa ser a chave para educadores e educadoras trabalharem na desconstrução do mito da democracia racial e superação da desigualdade étnico-racial. Buscamos agora a palavra valorizar e achamos: dar
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valor a; aumentar o valor de. Para valorizar a cultura e a identidade africana e de seus afrodescendentes precisamos divulgar e respeitar sua história e sua cultura, compreendendo seus valores e lutas, possibilitando e criando condições para que os estudantes negros sejam respeitados e tratados com igualdades de direitos. Você deve estar pensando..., mas e na prática o que podemos fazer? Que estratégias utilizar? Pensamos em algumas possibilidades: • Utilizar histórias em que apareçam personagens negros em papéis principais; • Contar e dramatizar lendas e histórias africanas; • Estudar as contribuições dos africanos e seus afrodescendentes na construção da cultura brasileira; • Pesquisar vocábulos africanos incorporados à Língua Portuguesa; • Estudar a história do continente africano antes e depois da chegada dos colonizadores; • Refletir sobre o racismo e suas implicações legais; • Identificar o papel oferecido aos negros nos programas de televisão, no cinema e no teatro;
• Pensar criticamente sobre a imagem que é colocada dos negros em livros, revistas e comerciais; • Propor rodas de conversas sempre que surgir apelidos pejorativos e brincadeiras alicerçadas no preconceito e no racismo; • Dramatizar situações vivenciadas no dia a dia de racismo e preconceito; • Conversar sobre situações em que estejam presen• Refletir sobre a situação atual dos afrodescendentes brasileiros e compreender suas causas. Essas são algumas sugestões que podem nos auxiliar no trabalho com as crianças e jovens, que por sua vez devem ser ampliadas e adequadas à realidade da sua escolar, a partir das suas observações, vivências e relatos do dia a dia da sua classe. A leitura cuidadosa das diretrizes nos mostra claramente a importância de acrescentar aos programas escolares a diversidade cultural, racial, social e econômica, acrescentando conteúdos que abordem a consciência política e histórica da diversidade, o fortalecimento de identidade e de direito e ações de combate ao racismo e à discriminação. No entanto, mais que acrescentar novos conteúdos para a reflexão sobre as relações étnico-raciais, sociais, pedagógicas e a transformação dos procedimentos, são imprescindíveis as condições e os objetivos oferecidos no processo de ensino-aprendizagem. Também indicamos a leitura dos Parâmetros Curriculares Nacionais: pluralidade cultural, orientação sexual, disponibilizado pelo Ministério da Educação e do Desporto/SEF no endereço eletrônico: <http://portal.mec.gov. br/seb/arquivos/pdf/livro101.pdf>.
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tes o racismo e o preconceito; e
SÍNTESE Ao concluirmos esta unidade, ficou claro que a democracia racial no Brasil é mais uma invenção cultural e precisamos estar atentos/atentas para não sermos cúmplices do racismo e da discriminação que provocam tantos problemas e frustrações na nossa sociedade, para isso precisamos nos conscientizar das diferenças socioeconômicas e culturais que nos tornou um povo plural. Assim, elaboramos um
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novo olhar sobre a diversidade cultural. Vimos a importância de desconstruir o mito da democracia racial brasileira e pontos fundamentais para a vivência da pluralidade cultural em sala de aula. Por fim, tratamos sobre aspectos referentes à Lei 10.639/2003 e discutimos a sua importância para a garantia dos direitos sociais da população afrodescendente.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Como transpor para as nossas salas de aulas vivências tão importantes para a transformação social do nosso país? Como a escola pode reparar os danos psicológicos, sociais, políticos, materiais e educacionais sofridos pelos africanos e seus afrodescendentes em cinco séculos de humilhação e desrespeito?
LEITURAS INDICADAS A escola e a diversidade cultural. Disponível em: <http://www. apagina.pt/arquivo/Artigo.asp?ID=3664>. Acesso em: 24 nov., 2008. Identidade, intolerância e as diferenças no espaço escolar: questões para debate Disponível em: http://www.espacoaca-
demico.com.br/007/07oliveira.htm. Acesso em: 24 nov 2008. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais: pluralidade cultural, orientação sexual. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro101.pdf>. Acesso em: 12 jul., 2007. BRASIL, Ministério de Educação e Cultura. Conselho Nacioeducação das relações étnico-raciais para o ensino de história e cultura Afro–Brasileira e Africana. Conselho Pleno 03/2004, aprovado em 10/3/2004, Proc. 23001000215/2002-96, 2004. Disponível em: <http://portal. mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/res012004.pdf>. Acesso em: 12 jul., 2007.
SITES INDICADOS LASTÓRIA, A. C. Educação das Relações Étnico-Raciais. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/paideia/v16n34/ v16n34a15.pdf>. Acesso em: 20 jul., 2008. PAULA, S. de. História da África e cultura afro-brasileira e africana. <http://www.uniesp.edu.br/revista3/publi-relatos2. php?codigo=2> Acesso em: 22 jul., 2008.
REFERÊNCIAS AROEIRA, M. L. C. Didática de pré-escola: vida criança: brincar e aprender. São Paulo: FTD, 1996. (Conteúdo e metodologia).
131 Tempos históricos e culturais. Diversidade cultural: um novo olhar
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BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC, 1997a. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais: pluralidade cultural, orientação sexual. Brasília: MEC, 1997b. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/ seb/arquivos/pdf/livro101.pdf>. Acesso em 12 jul. 2007.
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www.cdcc.sc.usp.br/ciencia/artigos/art_27/psiedu.html>.
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A transversalidade no ensino de Hist贸ria
C onheceremos nesta unidade os diferentes níveis de interação entre as disciplinas curriculares e a transdisciplinaridade como um caminho promissor na busca de um ensino contextualizado e significativo que inclua as preocupações presentes na sociedade atual; ampliaremos nossas discussões sobre a importância dos temas transversais no ensino de História e refletiremos sobre o papel que a avaliação ocupa ou deveria ocupar nesta disciplina. Em pleno Século XXI, cercada de tecnologias que fascinam as crianças e jovens, a escola continua tendo por desafio despertar nos estudantes o encanto pelos estudos, pela leitura, pela escrita, pela descoberta. Isso ocorre, porque a escola continua pautando o seu currículo em conhecimentos que julga importante, mas que, geralmente, encontram-se completamente desvinculados do desejo e da realidade dos mesmos.
Assim, com o passar dos anos de frequência diária às salas de aulas, os estudantes começam a se perguntar: Por que devo frequentar as aulas? Em que esses saberes me ajudarão a viver e ser feliz? Por que devo aprender esses conhecimentos?
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O que fazer para modificar esta realidade? Como transformar os saberes escolares em temas desafiadores e instigantes? Primeiramente é importante que o educador/a educadora reflita sobre seu dia a dia, buscando trocar e ampliar ideias com seus iguais, os demais educadores, e busque soluções para realizar as alterações necessárias para tornar a sala de aula em um laboratório de descobertas, reflexões e produção de conhecimento, aproximando o currículo da vida das crianças e jovens, trazendo a vida cotidiana para “dentro” da escola. Quando as discussões se voltam para os saberes históricos escolares, verificamos ainda que o educador habituou-se a privilegiar os acontecimentos, fatos e personagens pertencentes ao passado, fazendo parecer que a história é estagnada e nada poderá alterá-las. O estudante não compreende por que tem que conhecer e aprender sobre fatos passados se sua preocupação atual é com o presente, é a falta de alimento em casa, o desemprego do pai, a maneira como é tratado pelas pessoas por causa da sua cor ou religião. “Mantendo-se em um modelo que pretende explicar o presente pelo passado, o professor tem valorizado excessivamente os fatos do passado, sem instigar a reflexão sobre a produção da memória e a ação do aluno enquanto construtor da História e a necessidade de compreender os processos e intersecções sobre a sua história e a de seu povo, sua civilização. Indivíduos e civilização parecem noções estanques, e até mesmo, opostas.” (KARNAL, 2005, p.58).
Estes problemas decorrem, porque a escola continua explorando os saberes, seus horários e o seu currículo de forma fragmentada, reservando um tempo e um “olhar” para cada disciplina, tornando o cotidiano escolar enfadonho, sem graça e monótono. Enquanto a vida é dinâmica e apresenta problemas e desafios urgentes que para serem solucionavivenciados por inteiro, de forma única e indivisível, que não possui uma única maneira de resolver nem uma só resposta, podemos fazer escolhas e criar estratégias diversas.
Você deve estar se perguntando: O podemos fazer então para desconstruir esta realidade?
Primeiramente temos que ter clareza de que não existem fórmulas mágicas e que a solução utilizada em determinada instituição nem sempre trará os mesmos resultados em outra. Cada instituição é única, possui atores e realidades diferentes, por isso é importante que o educador/a educadora interessado (a) reflita sobre o seu cotidiano, as atividades que deram certo e aquelas que apresentaram resultados negativos, assim terá a possibilidade de fazer escolhas pertinentes para a realidade em que está inserido. Um dos caminhos mais sugeridos na atualidade é o trabalho transdisciplinar. Você sabe o que significa transdisciplinaridade? Mas só existe esta maneira de trabalhar com interação entre as disciplinas? De acordo com Jairo Gonçalves Carlos, no artigo Interdisciplinaridade no Ensino Médio: desafios, existe uma classificação mais comum que foi apresentada por Eric
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dos não podem ser quebrados ou separados, mas devem ser
Jantsch inicialmente, mas sofreu algumas alterações realizadas por um dos primeiros estudiosos da interdisciplinaridade no Brasil, Hilton Japiassu (1976). A classificação dos níveis de interação entre as disciplinas é conhecida como: • Multidisciplinaridade; Metodologia e prática da História no Ensino Fundamental
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• Pluridisciplinaridade; e • Interdisciplinaridade. Vamos conhecer detalhadamente cada um destes níveis de acordo com os estudos de Jairo Carlos. O trecho a seguir foi transcrito do artigo acima referenciado e pode ser lido na integra no endereço: <http://www.unb.br/ppgec/dissertacoes/propo-sicoes/proposicao_jairocarlos.pdf>
Multidisciplinaridade A multidisciplinaridade representa o primeiro nível de integração entre os conhecimentos disciplinares. Muitas das atividades e práticas de ensino nas escolas se enquadram nesse nível, o que não as invalida. Mas, é preciso entender que há estágios mais avançados que devem ser buscados na prática pedagógica. Segundo Japiassu, a multidisciplinaridade se caracteriza por uma ação simultânea de uma gama de disciplinas em torno de uma temática comum. Essa atuação, no entanto, ainda é muito fragmentada, na medida em que não se explora a relação entre os conhecimentos disciplinares e não há nenhum tipo de cooperação entre as disciplinas. Configuração
A figura é uma representação esquemática desse tipo de interação, na qual cada retângulo representa o domínio teórico-metodológico de uma disciplina. Observe que os conhecimentos são estanques e estão todos num mesmo nível hierárquico e, além disso, não há nenhuma “ponte” entre tais domínios disciplinares, o que sugere a inexistência de algu-
Pluridisciplinaridade Na pluridisciplinaridade, diferentemente do nível anterior, observamos a presença de algum tipo de interação entre os conhecimentos interdisciplinares embora eles ainda se situem num mesmo nível hierárquico, não havendo ainda nenhum tipo de coordenação proveniente de um nível hierarquicamente superior.
Como o esquema da figura sugere, há uma espécie de ligação entre os domínios disciplinares indicando a existência de alguma cooperação e ênfase à relação entre tais conhecimentos. Alguns estudiosos não chegam a estabelecer nenhuma diferença entre a multidisciplinaridade e a pluridisciplinaridade, todavia, preferimos considerá-la, pois a existência ou não de cooperação e diálogo entre as disciplinas é determinante para diferenciar esses níveis de interação entre as disciplinas.
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ma organização ou coordenação entre tais conhecimentos.
Interdisciplinaridade Finalmente, a interdisciplinaridade representa o terceiro nível de interação entre as disciplinas, e, segundo Japiassu, é caracterizada pela presença de uma axiomática comum a um grupo de disciplinas conexas e definida no nível hierárquico imediatamente superior, o que introduz a noção de finalidade. Metodologia e prática da História no Ensino Fundamental
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A figura ilustra com clareza a existência de um nível hierárquico superior em que procede a coordenação das ações disciplinares. Dessa forma, dizemos que na interdisciplinaridade há cooperação e diálogo entre as disciplinas do conhecimento, mas nesse caso se trata de uma ação coordenada. Além do mais, essa axiomática comum, mencionada por Japiassu, pode assumir as mais variadas formas. Na verdade, ela se refere ao elemento (ou eixo) de integração das disciplinas, que norteia e orienta as ações interdisciplinares. Segundo os PCNs (BRASIL, 2002, p. 88-89), a interdisciplinaridade supõe um eixo integrador que pode ser o objeto de conhecimento, um projeto de investigação, um plano de intervenção. Nesse sentido, ela deve partir da necessidade sentida pelas escolas, professores e alunos de explicar, compreender, intervir, mudar, prever, algo que desafia uma disciplina isolada e atrai a atenção de mais de um olhar, talvez vários (grifo do autor).
Transdisciplinaridade A transdisciplinaridade representa um nível de integração disciplinar além da interdisciplinaridade. Trata-se de uma proposta relativamente recente no campo epistemológico. Japiassu a define como sendo uma espécie de coordenação de todas as disciplinas e interdisciplinas do sistema de ensino Como se pode observar na figura, este é um tipo de interação em que ocorre uma espécie de integração de vários sistemas interdisciplinares num contexto mais amplo e geral, gerando uma interpretação mais holística dos fatos e fenômenos.
O homem, bem como a natureza é interdisciplinar desde sua origem. Somen-te depois que começou a encontrar explicações para os desafios que o cercavam começou a organizar suas descobertas com o intuito de compreendê-las melhor. Desta maneira foi separando, juntando e formando essas diferentes áreas que conhecemos atualmente de forma racional e objetiva, ou seja, didaticamente organizada, estabelecendo a ordem de apresentação dos conteúdos que julgaram mais fáceis para os mais complexos. Contudo, hoje podemos observar que esta maneira não tem despertado o interesse e a curiosidade dos estudantes, ao contrário, vem, a cada dia, distanciando-os do conhecimento, da escola e da própria ciência.
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inovado, sobre a base de uma axiomática geral.
Então, por que não retornar a uma visão interdisciplinar para que possamos transformar as nossas salas em laboratórios de conhecimento, descobertas e aprendizagens? Pois, como nos afirma Akito Santos (2008, s.p.): “O termo é novo, mas a atitude transdisciplinar acompanha o homem desde a sua origem. Por ser o homem produto da natureza biofísica e cósmica, essa mesma natureza que sempre se comportou de forma transdisciplinar, o homem traz na sua estrutura esse modo de se inserir e evoluir no ambiente peculiarmente constituído por essa conjuntura cósmica e planetária [...]”
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A transdisciplinaridade é uma nova abordagem científica e cultural, uma nova forma de ver e entender a natureza, a vida e a humanidade. Ela busca a unidade do conhecimento para encontrar um sentido para a existência do universo, da vida e da espécie humana. Se a Ciência Moderna significou uma mudança radical no modo de pensar dos homens medievais, a transdisciplinaridade, hoje, sugere a superação da mentalidade fragmentária, incentivando conexões e criando uma visão contextualizada do conhecimento, da vida e do mundo.”
Quando frequentam as aulas, as crianças e os jovens não querem garantir um futuro melhor, este é apenas o discurso que aprenderam com os pais e professores e repetem sempre que são questionados, ou apenas como uma maneira de tornar esta uma atividade significativa. Quando chegam à escola eles querem entender a natureza, a vida e a humanidade. Eles querem fazer suas descobertas e solucionar seus problemas, mesmo que estes não façam sentido para os educadores/as educadoras nem constituam o currículo daquela série/grupo.
É em busca de um trabalho mais significativo para os estudantes e de um caminho que supere a barreira da fragmentação curricular que defendemos o trabalho com a interdisciplinaridade. Como nos afirma Karnal (2005, p. 60):
Como podemos trabalhar de forma transdisciplinar? Fim do box Karnal (2005) nos afirma que existem três caminhos diferentes para trabalhar com a transdisciplinaridade: • Trabalho interdisciplinar; • Espaço dentro da grade horária; e • As disciplinas como meio e a transversalidade como fim. O trabalho interdisciplinar, de acordo com este estudioso, é apontado como um caminho possível da transdisciplinaridade. Muito utilizado pelos educadores que escolhem um único tema para ser explorado nas classes e por um determinado período, cada disciplina contribui com os seus conteúdos e objetivos inerentes àquela temática, na busca de estudá-lo na visão da sua área de conhecimento, ou seja, respondi-se à pergunta: O que minha disciplina tem a ver com esse assunto? “Exemplificando a questão: num suposto trabalho sobre os índios e a questão ética de preservação de seu universo cultural, os professores propõem discutir a cultura indígena,
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“A transversalidade apresenta uma proposta que ultrapassa a fragmentação dos conteúdos e disciplinas, prevendo um trabalho cujo conhecimento seja construído em função dos temas e propostas apresentadas.”
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seus valores e permanências dentro da sociedade brasileira. Como realizarão o mesmo? Provavelmente o professor de História falará de hábitos, retomará o processo de colonização e resistência indígena; na Geografia fará um levantamento demográfico, áreas ocupadas. Em Língua Portuguesa procurará identificar palavras e relatos literários sobre os índios. Na matemática, trabalhará com conhecimentos supostamente utilizados pelos índios ou aplicará cálculos a partir de números e dados apresentados pelos textos apresentados. Nas Artes, proporá aos alunos a atividade de reproduzir o artesanato e a manifestação artística dos índios brasileiros. Esse procedimento tem uma grande virtude: tentar englobar todos na busca de uma compreensão ampla sobre um determinado tema, no caso, o universo indígena.” (KARNAL, 2005, p. 60-61)
Como podemos observar neste exemplo citado por Neto sobre o trabalho in-terdisciplinar com a temática indígena, as críticas a essa maneira de trabalhar os conteúdos fundamentam-se na permanência de uma visão fragmentada, pela artificialidade e pela quantidade de conteúdos que são explorados com as crianças e jovens. O segundo caminho citado por José Neto Karnal (2005) é intitulado de Espaço dentro da grade horária. Este caminho refere-se ao estabelecimento de um tempo diferenciado das aulas convencionais para a discussão dos temas transversais, ou seja, o estudante, no período de uma aula, deixará a rotina em que trabalha para dedicar-se ao estudo de temas como ética, saúde, educação sexual, pluralidade cultural e meio ambiente. Para o autor, esta é a maneira mais inadequada de explorar a transdisciplinaridade, pois considera que esta
aula não terá nenhuma comunicação com as demais disciplinas, mas se constitui em uma aula a mais na grade curricular. Demonstrando claramente uma distância com os conteúdos formais, fazendo a escola permanecer com foco apenas nos “conhecimentos repetidos e descontextualizados”, afastando ainda mais as crianças e jovens destes temas que, tam um objetivo claro e importante, mas que é um momento para “passar o tempo”, transformando o que poderia ser rico momento de discussão e construção de conhecimento em um espaço que pouco mobilizará e interessará ao grupo. No último caminho apresentado por Neto Karnal (2005) para trabalhar com a transdisciplinaridade as disciplinas são meio e a transversalidade é fim. Tem por finalidade apresentar temáticas que possibilitem uma nova abordagem, desconstruindo a visão das disciplinas que apresentam um fim em si mesmas para uma concepção mais contextualizada e significativa em que as disciplinas são vistas como meio de alcançar determinados objetivos. Essa mudança propiciará aos estudantes a conexão das informações e sua utilização na leitura do mundo a sua volta de forma crítica, ética e plural. Assim, o papel do educador/da educadora terá que ser reformulado para que este possa estar comprometido não só com os conteúdos da sua disciplina, mas também com os valores que envolvem os temas abordados. “Deve-se buscar uma transformação pedagógica onde o papel do professor supere a compreensão e a prática sobre sua disciplina, abrangendo uma reflexão sobre os conteúdos e valores a ele associados, ampliando a responsabilidade do educador com a formação dos alunos. Ou seja, com base nos temas transversais propostos e na necessidade de cada realidade escolar para o desenvolvimento da capacidade de
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além de tudo, poderão pensar que estas aulas não apresen-
o aluno ler e interpretar a realidade, contextualizando-a, aprendendo a aprender. Desta forma, não se trata de aprender que houve a escravidão no Brasil, mas de que o aluno saiba se perguntar sobre as formas de organização da produção, dos problemas decorrentes de um ou outro modelo, de questionar sobre os valores que os permeiam e como estes estão presentes em nossa sociedade atual.” (KARNAL, 2005, p.62).
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Assim, concluiremos nossa unidade alertando para o fato de que não estamos defendendo a exclusão ou criação de novas disciplinas e conteúdos, mas buscando refletir sobre caminhos mais favoráveis para que possamos discutir e encontrar soluções para compreender e poder interferir nos problemas e desafios que são vivenciados no atual momento sociopolítico e cultural que faz parte da nossa sociedade. Em que nós, educadores e educadoras, estamos sendo chamados a transformar não apenas as propostas pedagógicas, mas, sobretudo, as questões conceituais que perpassam a educação e os saberes históricos.
8.1 O s saberes históricos escolares e os temas transversais Presente em todos os discursos atuais a chamada educação para a cidadania tornou-se um jargão muito utilizado tanto nas escolas, quanto nos projetos políticos pedagógicos, nas universidades e nos discursos dos políticos. Mas, afinal o que é cidadania? No dicionário encontramos a seguinte definição:
Cidadania: qualidade ou condição do cidadão. E quem é o cidadão? Por que se tornou tão importante para a sociedade nos últimos anos utilizar esta nomenclatura? No mesmo dicionário, vamos encontrar seu significado: Cidadão: Indivíduo no gozo dos seus direitos civis e políticos. Podemos nos considerar cidadãos? E nossas crianças e jovens estão gozando dos seus direitos civis e políticos? E as instituições de ensino o que têm a ver com isso? A escola é uma instituição pedagógica, mas também política. Já que atualmente é concebida como um espaço em que vivenciamos as práticas sociais, ajudando no desenvolvimento e construção do modelo de cidadão que desejamos formar. Desta forma, impregnada de intencionalidades, pois todas as atividades desenvolvidas pelos educadores e seus discursos, seja consciente ou inconscientemente, trazem em seu bojo conceitos e preconceitos embasados em intenções. Assim, podemos dizer que a educação não é neutra e, em conformidade com a concepção freireana, afirmamos que a educação é política. Cabe aqui escolhermos caminhar com a convicção de que a escola é, realmente, um lugar privilegiado, pois tem nas mãos de seus educadores e educadoras a possibilidade de se tornar um espaço de transformação social. Ou simplesmente, continuar exercendo a sua profissão, alheio às concepções políticas que perpassam o seu trabalho em sala de aula, tornando-se um indivíduo omisso e conivente com a política da exclusão e do preconceito que continua sendo o alicerce da educação.
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Se optarmos por construir na instituição escolar este espaço de transformação social é preciso que haja um comprometimento com a construção de um projeto político pedagógico que favoreça a reflexão sobre a realidade em que a sua escola está inserida, buscando possibilidades de intervenções na sua realidade com o intuito de transformá-la. Metodologia e prática da História no Ensino Fundamental
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“A contribuição da escola, portanto, é a de desenvolver um projeto de educação comprometida com o desenvolvimento de capacidades que permitam intervir na realidade para transformá-la. Um projeto pedagógico com esse objetivo poderá ser orientado por três grandes diretrizes: (...) Posicionar-se em relação às questões sociais e interpretar a tarefa educativa como uma intervenção na realidade no momento presente; (...) Não tratar os valores apenas como conceitos ideais; (...) Incluir essa perspectiva no ensino dos conteúdos das áreas de conhecimento escolar.” (BRASIL, 1997, p. 27).
Para atingir esse objetivo, é preciso refletir e modificar o currículo incluindo em seu contexto as questões sociais que são inerentes à sociedade brasileira atual para que os estudantes possam discutir, opinar, argumentar e pensar soluções possíveis de acordo com a realidade local e regional. Foi este o objetivo dos Parâmetros Curriculares Nacionais ao elencar os temas transversais: Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde e Orientação Sexual. Conforme o Instituto Paulo Freire/Programa de Educação Continuada, eles: “(...) expressam conceitos e valores fundamentais à democracia e à cidadania e correspondem a questões importantes e urgentes para a sociedade brasileira de hoje, presentes sob várias formas na vida cotidiana. São amplos o bastante para traduzir preocupações de todo país, são questões em debate na socie-
dade através dos quais, o dissenso, o confronto de opiniões se coloca.” (INSTITUTO PAULO FREIRE/PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA).
Sabemos, no entanto, que além destes temas sugeridos das, mas como os objetivos a serem alcançados são a democracia e a cidadania, foram estabelecidos alguns critérios básicos para eleição dos mesmos, que são: • Urgência social; • Abrangência nacional; • Possibilidade de ensino e aprendizagem no ensino fundamental; e • Favorecimento da compreensão da realidade e a participação social. Você sabe o que quer dizer cada um destes critérios? • Urgência social Sabemos que a cidadania não é plenamente exercida por todos os cidadãos, com esse critério foram selecionadas as questões que se constituem em desafios para a sua plena concretização, favorecendo desta forma, a dignidade das pessoas e sua qualidade de vida. • Abrangência nacional Como o nome sugere, este critério refere-se ao alcance nacional apresentado por estas questões, ou seja, deve ser parte integrante das preocupações de todas as regiões do país. O que não possibilita que modificações e
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citados pelos PCNs, outras temáticas poderiam ser escolhi-
acréscimos sejam realizados com o intuito de atender a diversidade cultural e social. • Possibilidade de ensino e aprendizagem no ensino fundamental
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Não adiantaria escolher temas amplos e urgentes sem a preocupação de estarem adequados às possibilidades de aprendizagem nos anos iniciais do Ensino Fundamental, este é o objetivo deste critério. • Favorecer a compreensão da realidade e a participação social Sem este critério os temas transversais perderiam sua finalidade, já que só podemos transformar o que conhecermos e compreendermos. Para isso é imprescindível que habilitemos os estudantes a se posicionarem criticamente e com responsabilidade a fim de possibilitar a sua intervenção no meio social de forma plena e consciente. Agora que já compreendemos a importância e urgência de um trabalho que possibilite às crianças e aos jovens refletirem criticamente sobre a sua realidade, que os estimulem a buscarem soluções e/ou intervenções que possibilitem uma transformação social, vamos entender um pouco mais sobre cada um das temáticas sugeridas. Ética Quando falamos em ética, geralmente a imagem inicial de que nos lembramos é dos escândalos que são transmitidos diariamente na televisão, em que os atores principais são aqueles que deveriam ser os representantes do povo.
Trabalhar com a ética em sala de aula é favorecer a reflexão sobre a conduta humana e as respostas que precisamos tomar no momento em que nos deparamos com as mais variadas situações, como por exemplo: Receber a conta do restaurante e perceber que um item consumido não foi registrado. Como devo agir? Devo falar ou vou fechar meus olhos para esse engano já que “não fará falta” ao dono do restaurante? Esses dilemas vivenciados em nosso dia a dia e sobre os quais precisamos nos posicionar de acordo com os valores que temos ou acreditamos, o que consideramos justo ou injusto e para quem, percebendo quais os valores existentes na sociedade em que estamos inseridos(as) e se devem permanecer, serem modificados ou eliminados. Trabalhando em seu currículo com justiça, respeito mútuo, diálogo e solidariedade, a Ética terá um amplo campo de ação para contribuir e auxiliar a construção de uma sociedade mais justa. Apresentando também, como resultado mais imediato o desenvolvimento de um clima mais cooperativo, solidário e respeitoso nas relações existentes entre os atores da escola, que, conseqüentemente, resultará em um desenvolvimento intelectual maior das crianças e jovens.
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Mas, será que ética é só isso? E quando não retornamos para devolver o troco que recebemos a mais? Ou “esquecemos” de devolver um CD que pedimos emprestado a um amigo? Ou, simplesmente, quando encontramos aquele amigo na fila do banco e o convidamos a furar a fila (isto quando não somos nós quem furamos a fila!!) Vocês já pensaram sobre isso?
Para ampliar a leitura sobre este tema sugerimos a leitura do livro A Ética na Educação Infantil de RhetaDeVries e Betty Zan - Artmed. As autoras escrevem fundamentadas no trabalho de Jean Piaget (e o amplificam) sobre o desenvolvimento sociomoral, propondo que a educação construtivista deve envolver também o desenvolvimento nesta área.
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Você deve estar se perguntando: qual a relação entre a Ética e a História? História é tudo o que está relacionado às presenças, às atividades, às maneiras de ser das pessoas. Também é dado outro sentido: História, ciência que estuda a vida humana através do tempo. O estudo da história pode servir a diferentes finalidades, que variam conforme o ponto de vista. <http://desireeml.br.tripod.com/histriahomepage/id1.html> Com o estudo dos conteúdos históricos somos convidados a conhecer as diferentes maneiras de ser e viver dos seres humanos através dos tempos. Assim, é possível oferecer às crianças e aos jovens uma visão do mundo e da sociedade despida de preconceitos que, consequentemente, possibilitará um maior respeito à pessoa humana, suas diferenças e cultura. Temos, então, um efeito em cascata: revelando respeito, temos mais solidariedade, a possibilidade de diálogo entre pessoas “diferentes” e assim, podemos utilizar a justiça baseando-nos na equidade e repudiando a injustiça social. Outra possibilidade de interligação possível entre História e Ética é o conhecimento das leis do nosso país, para que os estudantes possam conhecer os seus direitos de forma crítica tornando-se cidadãos conscientes de seus direitos e deveres e sendo capazes de lutar por eles.
Pluralidade Cultural Em um país tão diverso quanto o nosso, em que temos a presença de diferentes etnias e culturas, e mesmo neste imenso caldeirão de raças ainda verificamos atitudes preconceituosas e discriminadoras que nos fazem refletir sobre qual papel a escola, na condição de instituição voltada para a fordade que tanto nos envergonha. Esse é o grande desafio da escola, como nos coloca os PCN no seu volume 9 – Apresentação dos temas transversais e Ética: “O grande desafio da escola é investir na superação da discriminação e dar a conhecer a riqueza representada pela diversidade etnocultural que compõe o patrimônio sociocultural brasileiro, valorizando a trajetória particular dos grupos que compõe a sociedade. Nesse sentido, a escola deve ser local de diálogo, de aprender a conviver, vivenciando a própria cultura e respeitando as diferentes formas de expressão cultural.” (BRASIL, 1997, p. 32)
Para refletir melhor a Pluralidade Cultural releia a unidade 11 Tempos históricos e culturais – diversidade cultural um novo olhar e na unidade 12 Ensino de história e Cultura Afro-brasileira e Africana: A Lei 10.639/2003 em que essa temática já foi amplamente discutida. Orientação Sexual A sexualidade faz parte da vida dos seres humanos, mas ainda hoje é considerada como assunto proibido pelos familiares e também, por algumas instituições de ensino. Verificamos, muitas vezes, que os problemas de saúde e a gravidez na adolescência são causados pela falta de informação e de orientação.
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mação do cidadão, desempenhará para modificar esta reali-
Ao trazer esta temática para discussão em sala de aula temos a oportunidade de promover reflexões com os estudantes sobre os cuidados para evitar a gravidez não planejada, o avanço da AIDS e das demais doenças sexualmente transmissíveis, mas também debater o papel social do homem e da mulher, o cuidado com o próprio corpo e com o corpo das Metodologia e prática da História no Ensino Fundamental
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outras pessoas, a discriminação e os estereótipos de gênero. Os saberes históricos podem auxiliar a ampliar e compreender ainda mais os temas apresentados, pois ao conhecer os processos históricos que permearam a construção de certos conceitos e preconceitos podemos ajudar a construir valores em que a diversidade, crenças e comportamentos relacionados à sexualidade sejam realmente respeitados. Por que menino não pode brincar de boneca? Por que quando a menina brinca de skate é vista como rebelde? Estes conceitos referem-se aos estereótipos construídos pela sociedade ao longo do tempo e que precisam ser revistos, os pais também precisam cuidar dos filhos. Não seria uma boa oportunidade de aprender brincando de boneca quando ainda era criança, afinal, a brincadeira é um momento rico de aprendizagem que possibilita a imitação do mundo dos adultos, é neste momento que ela aprende a viver em sociedade. Meio Ambiente A cada dia acompanhamos no noticiário o desmatamento, o tráfico de animais, as queimadas, a exterminação das espécies animais e vegetais e a confusão no clima. Essas interferências que os homens fazem na natureza vêm provocando inúmeros problemas que, pouco a pouco, começam a despertar a preocupação de várias ONG, estudiosos, cientistas e pessoas comuns. Então, paremos para refletir: Qual é o papel que a instituição escolar deve exercer para a compreensão deste tema?
Construir cidadãos mais conscientes e preocupados com a manutenção da vida e o respeito à natureza e consequentemente aos diversos seres vivos seria um bom objetivo. Mas, onde entra a História nisso? Os saberes históricos podem ajudar a criança e o jovem a compreenderem como era o seu ambiente antes, como era pontos positivos e negativos decorrentes dessas transformações, além de refletirem sobre o mundo em que espera viver e oferecer a seus filhos e netos, as posturas que precisam ser modificadas e as novas interações necessárias para que possamos construir uma sociedade saudável e uma boa qualidade de vida para sua população. Os conteúdos da disciplina Educação Ambiental subsidiam sua atuação na área. Saúde Essa temática possui grande importância para a nossa sociedade, pois a educação para a saúde pode auxiliar nossos educandos a terem consciência de que esta constitui um aspecto essencial para o seu crescimento e desenvolvimento, e dependem diretamente do meio físico, social, econômico e cultural em que estão inseridos. Como sugere o PCN de Meio Ambiente e Saúde (BRASIL, 1997, p. 89): “Saúde não é um “estado estável”, que uma vez atingido possa ser mantido. A própria compreensão da saúde tem também alto grau de subjetividade e determinação histórica, na medida em que indivíduos e sociedades consideram ter mais ou menos saúde dependendo do momento, do referencial e dos valores que atribuam a uma situação.”
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o bairro, a cidade, o país, as mudanças sofridas, elencando os
Compreender que os costumes interferem positiva ou negativamente para a manutenção da saúde e o caminho que percorrem até o momento histórico atual ajudam a sensibilizar as crianças e jovens para a construção de hábitos e atitudes que ajudarão na promoção, proteção e recuperação da mesma, respeitando o seu próprio corpo e suas possibilidaMetodologia e prática da História no Ensino Fundamental
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des. Conhecer a história das vacinas e sua utilidade para a erradicação de algumas doenças será importante para que valorizarem esta atitude como necessária e importante. Leia esse texto sobre a revolta da vacina ocorrida no Rio de Janeiro: A situação do Rio de Janeiro, no início do Século XX, era precária. A população sofria com a falta de um sistema eficiente de saneamento básico. Este fato desencadeava constantes epidemias, entre elas, febre amarela, peste bubônica e varíola. A população de baixa renda, que morava em habitações precárias, era a principal vítima deste contexto. Preocupado com esta situação, o então presidente Rodrigues Alves coloca em prática um projeto de saneamento básico e reurbanização do centro da cidade. O biólogo e sanitarista Oswaldo Cruz é designado pelo presidente para ser o chefe do Departamento Nacional de Saúde Pública, com o objetivo de melhorar as condições sanitárias da cidade. <http://www.suapesquisa.com/historiadobrasil/revolta_ da_vacina.htm>. Pensar em como explorar estes temas transversais nas salas de aulas auxiliará o educador/a educadora a trazer para as discussões assuntos de enorme relevância social que fazem parte da vivência dos estudantes e os ajudarão a se constituírem em verdadeiros cidadãos, conscientes de seus direitos e deveres, além de tornarem o ensino mais significativo, crítico e envolvente.
SÍNTESE Reflexões sobre os novos caminhos que se apresentam para atender a demanda de ampliar a comunicação e interação entre as disciplinas e assim favorecer um ensino contextualizado e significativo, que inclua as preocupações presentes na tância dos temas transversais e sua relação com os saberes históricos para a construção de uma educação mais crítica, significativa, atenta às demandas e necessidades da sociedade atual, visando à constituição de verdadeiros cidadãos.
QUESTÕES PARA REFLEXÃO Mas se sabemos que é necessário modificar a maneira como ministramos as aulas, por que continuamos insistindo em trabalhar desta forma? Como se cada um só pudesse permanecer “no seu quadrado”? Você já consegue visualizar situações didáticas que objetivem esta interdisciplinaridade em sua classe?
LEITURAS INDICADAS CARLOS, J. G. Interdisciplinaridade no ensino médio: desafios. Disponível em: <http://www.unb.br/ppgec/dissertacoes/ proposicoes/proposicao_jairocarlos.pdf Acesso em 10-9-2008. Acesso em 12 jul. 2007>. INSTITUTO PAULO FREIRE/PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA. Intertransdisciplinaridade e transversalidade. Disponível em: www.inclusao.com.br/projeto_textos_48.htm Acesso em 15 set. 2008.
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nossa sociedade. Até aqui conhecemos e discutimos a impor-
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