Metodologia e prĂĄtica da lĂngua portuguesa no Ensino Fundamental
Metodologia e prĂĄtica da lĂngua portuguesa no Ensino Fundamental
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Peralta, Telma Martins Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental / Telma Martins Peralta. –Salvador: UNFACS, 2013. 185 p.; 18,3 x 23,5cm. ISBN 978-85-87325-82-2 1. Metodologia do ensino 2. Língua portuguesa 3. Ensino fundamental I. Título. CDD: 469.07
Importante: os links para sites, contidos neste livro, podem ter expirado após a sua última edição, em janeiro de 2014
S umário ( 1 ) Conceitos
guesa, 13
básicos em língua portu-
1.1 As concepções de língua e de linguagem, 17 1.2 Processo de ensino da língua portuguesa, 20 1.3 As práticas pedagógicas e o ensino da língua portuguesa, 22 ( 2)O
ensino da leitura em língua portuguesa, 31 2.1 A importância da leitura na vida dos indivíduos, 35
2.2 A leitura vista como atividade interativa entre os indivíduos, 39 2.3 As estratégias na prática de leitura: decifrando o sentido do texto, 42 2.4 Propostas didáticas para formar leitores segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, 45 ( 3)O
ensino da escrita em língua portuguesa, 51 3.1 A escrita como concepção interacional da linguagem, 55 3.2 As estratégias utilizadas na prática de produção textual: construindo o sentido do texto, 58 3.3 O papel do professor na concepção interacional da linguagem, 61 3.4 Procedimentos à prática de produção textual, 64 ( 4 ) Gêneros
do discurso e o ensino da língua portuguesa, 71 4.1 A concepção de gêneros do discurso, 75 4.2 Histórias em quadrinhos: um olhar mais aguçado diante de suas especificidades, 79 ( 5)O
funcionamento discursivo do livro didático de Língua Portuguesa, 87 5.1 O surgimento do livro didático no Brasil, 92 5.2 O livro didático como instrumento da ação pedagógica, 96
5.3 A estrutura dos livros didáticos de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental I, 98 5.4 Análise dos conteúdos dos livros didáticos de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental I, 100 5.5 Análise do conteúdo de uma seção intitulada “Estudo da Língua” de uma série utilizada nos 3º, 4º e 5º anos, 103 ( 6)A
importância do lúdico no processo de ensino-aprendizagem, 115 6.1 A concepção do lúdico como atividade mobilizadora: focalizando essa noção, 119 6.2 O trabalho com o lúdico: mobilizando instâncias internas, 122 6.3 A importância do jogo no processo de ensino-aprendizagem, 127 6.4 O papel do professor como agente de mediação, 128 6.5 O papel do professor junto a alunos com necessidades especiais, 132 ( 7 ) Educação
de jovens e adultos, 139
7.1 A educação de jovens e adultos e seus pressupostos, 142 7.2 A educação de jovens e adultos, a escola atual e o papel do educador, 145 7.3 A educação de jovens e adultos e o ensino da língua portuguesa, 150
( 8)O
ensino da literatura infantil, 157
8.1 A importância do trabalho com a literatura infantil no Ensino Fundamental I, 161 8.2 A função da literatura infantil no Ensino Fundamental I, 165 8.3 O trabalho do professor com a literatura infantil em sala de aula, 169 8.4 Sugestão de leitura oral ao professor, 175
(1)
Conceitos bĂĄsicos em lĂngua portuguesa
Apresentaremos, nesta unidade, os conceitos de língua e linguagem e a importância desses aos estudos que envolvem a língua portuguesa. Estabeleceremos, em primeiro lugar, o que se entende por língua para, em seguida, nos atermos mais detalhadamente aos pressupostos que envolvem a linguagem. Demarcaremos, também, a importância da instituição “escola” ao processo de ensino da língua portuguesa. Além disso, detalharemos o papel do professor diante do que se ensina e de como se ensina. Ressaltaremos a importância de nos atermos à bagagem vivencial dos alunos como ponto de partida ao ensino da língua materna. Teorizaremos sobre as práticas pedagógicas e o ensino da língua portuguesa. Para tal, sinalizaremos o ensino na interação com o outro. O professor, nessa perspectiva, deve
prover seus alunos com inúmeras formas de gêneros textuais, sejam escritos, orais etc., sempre com o objetivo de buscar a reflexão sobre o que se propõe como atividade. Os assuntos a serem abordados nesta unidade são: • As concepções de língua e linguagem; • A importância da escola no processo de ensino da língua portuguesa; • As práticas pedagógicas e o ensino da língua portuguesa. Espera-se que, ao término desta unidade, você perceba a importância da escola no processo de ensino da língua materna e, também, a importância de uma prática pedagógica bem adotada diante do momento ao qual estamos atrelados. Ou seja, ao final da unidade, espera-se que você seja capaz de: • Entender as concepções de língua e de linguagem; • Entender a importância da escola no processo de ensino da língua portuguesa; • Entender a relação entre práticas pedagógicas e a mediação do professor durante o ensino da língua portuguesa.
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1.1 A s concepções de língua e de linguagem Abordaremos a língua sob uma perspectiva que propicia a reflexão que ultrapassa a materialidade linguística. A língua, nesse contexto, não deverá ser entendida apenas como normatização a ser seguida na íntegra, desconsiderando todo o contexto em que ela ocorreu. Assim, pode-se dizer que: A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana. O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais - mas também, e, sobretudo, por sua construção composicional. Estes três elementos (conteúdo temático, estilo e construção composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação. (BAKHTIN, 1995)
determinada comunidade. Ela é, então, um fato social, que se caracteriza fundamentalmente pela necessidade da comunicação. Não entenderemos a língua como algo de manifestação exclusiva de um indivíduo. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a respeito do Ensino Fundamental, caracterizam a língua dizendo:
17 Conceitos básicos em língua portuguesa
Podemos dizer que a língua é propriedade de uma
A língua é um sistema de signos histórico e social, que possibilita ao homem significar o mundo e a realidade. Assim, aprendê-la é aprender não só as palavras, mas também os seus significados culturais e, com eles, os modos pelos quais as pessoas do seu meio social entendem e interpretam a realidade e a si mesmos. (BRASIL, 1997, p. 22)
Fica mais claro pensarmos na língua como “um fato social cuja existência funda-se nas necessidades de comunicação” (BRANDÃO, 1991, p. 9), tendo Bakhtin como referência. Devemos, como docentes, nos ater ao fato de que os nossos alunos chegam à escola com a língua que aprenderam em uma determinada comunidade. Essas crianças, por meio de trocas constantes com seus afins, internalizaram a língua própria de seu meio social. Não podemos, de forma alguma, negligenciar esse fator de suma importância. Tudo o que a criança aprendeu convivendo com seus semelhantes deve ser considerado. Gomes nos faz a seguinte colocação: A nós cabe, então, oferecer à criança a conquista da língua padrão, principalmente na modalidade escrita, e levá-la a pensar sobre a linguagem que já conhece para poder compreendê-la e utilizá-la adequadamente nos variados contextos sociais. (GOMES, 2011, p. 35)
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A referência abre espaço para falarmos da linguagem. Dias, de maneira clara, atrela a vida que levamos à linguagem, dizendo: A vida cotidiana é, sobretudo, a vida com a linguagem; é por meio dela que participamos com o outro, que coexistimos, que podemos transcender o plano da realidade e do cotidiano para vivenciarmos a literatura, o sonho, o
devaneio, aquilo que compartilhamos, aquilo em que acreditamos, que conhecemos e que podemos conhecer. (DIAS, 2009, p. 183)
Percebemos que a linguagem assume importância capital em nossa vida, pois é a partir dela que compreendemos o mundo que nos cerca. Podemos, dessa forma, agir sobre o mundo a partir da linguagem. Percebemos a linguagem, nessa perspectiva, como fonte de libertação: os indivíduos são seres ativos, reflexivos e que exercem autonomia. A linguagem é a mediação necessária do indivíduo que dela faz uso. Brandão define linguagem da seguinte forma: [...] linguagem é interação, um modo de ação social. Nesse sentido, é lugar de conflito, de confronto ideológico em que a significação se apresenta em toda sua complexidade. Estudar a linguagem é abarcá-la nessa complexidade, é apresentar o seu funcionamento que envolve não só mecanismos linguísticos, mas também “extralinguísticos”. (BRANDÃO, 1991, p. 91)
A visão de linguagem que aqui estabeleceremos diz respeito à visão de que o outro é importante na constituição do sentido. Tal visão da linguagem:
Por essa razão, não é possível pensarmos no estudo da língua com a finalidade em si mesma. Devemos, sim, pensar que a língua “traga para o interior mesmo do seu sistema um enfoque que articule o linguístico e o social” (BRANDÃO, 1991, p. 10).
19 Conceitos básicos em língua portuguesa
[...]como interação social, em que o outro desempenha papel fundamental na constituição do significado, integra todo ato de enunciação individual num contexto mais amplo, revelando as relações intrínsecas entre o linguístico e o social. (BRANDÃO, 1991, p. 10)
1.2 P rocesso de ensino da língua portuguesa A partir dos pressupostos delineados anteriormente, torna-se importante termos o domínio da linguagem humana. Assim, o trabalho “com a linguagem na escola deve ser significativo e como forma de constituição de sujeitos autônomos em sociedade e cultura escrita” (DIAS, 2009, p. 185). Para a autora: Ter habilidade de uso da linguagem é dispor, nos diversos campos da atividade humana, da oportunidade de diálogos talvez jamais realizados e realizáveis, oportunidade de conhecer o mundo, de visitar lugares, de conhecer pessoas e coisas diferentes, de descobrir sentimentos fecundos de autoconhecimento, (re) conhecimento de mundos internos e externos e poder participar da sociedade, constituindo-se como um ser humano social, um indivíduo, já que a linguagem promove a união do indivíduo com a cultura. (DIAS, 2009, p. 185)
Devemos, como professores, ao defendermos o uso da
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linguagem da forma descrita por Dias, propor atividades, muitas vezes não prescritas em planos escolares, como forma de otimizar as inúmeras possibilidades que o ensino demanda. Para tal, a escola deve se abrir para o novo, para as novas práticas pedagógicas, para as novas formas de prover conhecimentos que não o banco escolar, tão pouco sedutor aos alunos do momento atual. Os professores devem desprover-se de práticas já ultrapassadas e sedimentadas. Essa questão recai
sobre a formação do professor de Língua Portuguesa. Embora se prescreva que o ensino não deva respaldar-se sob bases gramaticais únicas e exclusivas, sabemos que muitas escolas ainda as utilizam como forma de ensino da língua portuguesa. Há uma cultura muito arraigada no que diz respeito ao ensino da gramática. Sabemos que essa forma tradicional de ensino não vem demonstrando resultados satisfatórios. No entanto, os professores sentem-se “acuados” diante dessa prática, ainda solidificada em nosso contexto escolar, pois a sociedade, de forma geral, reafirma a manutenção do ensino da gramática como forma adequada para que o indivíduo seja fluente em língua portuguesa, seja na oralidade ou na escrita. Gomes nos coloca essa questão ao dizer: O papel do professor é bastante complicado nesse conflito porque a sociedade, principalmente os pais de alunos, cobra esse ensino da gramática através de regras, da mesma forma como eles foram ensinados, o que não significa que dominem a língua – a maioria, com certeza, não. A mídia também reforça esse posicionamento diariamente nos jornais, nas revistas, nos programas de televisão. (GOMES, 2011, p. 86)
Acredito que seja, de fato, papel da escola ensinar a língua padrão. No entanto, essa língua padrão não precisa, necessariamente, estar vinculada à gramática. Os professores usos diferentes. Neves, em relação à obrigação da escola, diz: A escola tem a obrigação, sim, de manter o cuidado com a adequação social do produto linguístico de seus alunos, isto é, tem de garantir que seus alunos entendam que têm de adequar registros, e ela tem de garantir que eles tenham condições de mover-se nos diferentes padrões de tensão e de frouxidão, em conformidade
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devem atentar-se à questão de que a língua possui formas e
com as situações de produção. Isso é obrigação da escola, que a escola antiga valorizou tanto, a ponto de ser estigmatizada por isso, e que, em nome da própria linguística, a escola de hoje negligencia. (NEVES, 2000, p. 52)
Para tal, esse profissional deve, acima de tudo, desprover-se de preconceitos diante do que ensina e de como ensina, valendo-se, para tal, de práticas diferenciadas das que comumente utiliza. Vale salientar que desprover-se de preconceitos é aceitar, sobretudo, o que o aluno traz como bagagem de vida. Essa é a grande questão que o professor não deve negligenciar. Ensinar a partir do que o aluno traz como bagagem poderá constituir grande riqueza, em termos de práticas pedagógicas.
Para refletir Devemos priorizar o ensino da gramática na escola? É importante abordá-la na escola? Podemos conciliar o ensino da gramática com outras formas de atividades que envolvem a língua portuguesa?
1.3 A s práticas pedagógicas e o ensino da língua portuguesa Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
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É função do professor atual ensinar por meio de práticas de linguagem que insiram o indivíduo no contexto em que ele se encontra. Para tal, há um novo conceito, que é “do ensino da língua para o letramento, para empoderamento e inclusão social, por meio de práticas de linguagem que se insiram no contexto de sua realidade social e cultural” (GOMES, 2011, p. 87).
A autora acrescenta, dizendo: [...] a escola não pode restringir-se à palavra escrita nem se filiar aos padrões socioculturais hegemônicos. Através de apresentação aos alunos de diversos gêneros textuais, falados e escritos, e da prática de reflexão sobre a linguagem em seus elementos estruturais e discursivos, o professor estará contribuindo para a formação de um cidadão. (GOMES, 2011, p. 87-88)
Assim, percebemos que o ensino deve ser construído na interação com o aluno. Para tal, o professor deve prover seus alunos com inúmeras formas de gêneros textuais, sejam escritos, orais etc., sempre com o objetivo de buscar a reflexão sobre o que se propõe como atividade. Portanto, [...] a leitura de uma imagem (tela, escultura, desenho, foto etc.) não pode se reduzir a identificar objetos retratados, mas sim descrever a imagem considerando e desencadeando nosso conhecimento sócio-histórico e cultural, de mundo e de vida. Do contrário, textos não verbais podem objetivar apenas a ilustração em uma perspectiva reprodutiva. (DIAS, 2009, p. 195)
A autora prossegue em suas colocações, dizendo: 23 Conceitos básicos em língua portuguesa
Promover o intertexto entre linguagens verbais e não verbais pressupõe o trânsito entre vários textos, possibilitando o enriquecimento linguístico ancorado nas possibilidades de reflexão e criação. Para tanto, importa que o trabalho de ancoragem e a mediação com a leitura façam emergir do texto tanto os seus significados explícitos como os discursos ideológicos. Mais do que objeto de estudo, o texto passa a ser também o meio para a autoria, isto
é, a razão sobre a qual se funda o contradiscurso aos discursos impostos pela ideologia que aliena o sujeito. (DIAS, 2009, p. 195)
Ao professor caberá, então, conduzir a prática pedagógica de forma a mostrar que os discursos não estão fechados neles mesmos, mas se inter-relacionam (MAINGUENEAU, 1993). Para o autor, o discurso é considerado no bojo de um interdiscurso. Assim, ele diz: O discurso só adquire sentido no interior de um universo de outros discursos, lugar no qual ele deve traçar seu caminho. Para interpretar qualquer enunciado, é necessário relacioná-lo a muitos outros – outros enunciados que são comentados, parodiados, citados etc. (MAINGUENEAU, 2001, p. 55)
O interdiscurso é “o já-dito em outro lugar, anteriormente, e como o elemento que constrói o sentido de uma sequência discursiva” (GRIGOLETTO, 2002, p. 32-33). O professor deve, então, a partir das práticas pedagógicas que propõe, conduzir os alunos a perceberem o diálogo existente entre os diferentes textos. Dada a pluralidade de usos da linguagem em diferentes contextos, Dias ressalta a importância da mediação do professor durante as aulas de Língua Portuguesa:
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Nas aulas de língua materna, por meio da mediação docente, ao tomar contato eficiente com a multiplicidade de textos que circulam no cotidiano, o aluno se torna capaz de construir conhecimento autônomo e reflexivo em todas as áreas do saber. (DIAS, 2009, p. 198)
A autora ressalta a importância de múltiplas formas textuais estarem inseridas nas práticas pedagógicas:
[...] a diversidade de gêneros textuais deve ser privilegiada e todas as formas de prática linguística devem ser exploradas, já que o trabalho com a oralidade, a leitura de textos escritos, a prática de produção de textos orais e escritos, e a prática de análise linguística seriam fundamentais e sustentariam o ensino de Língua Portuguesa. Nessa lógica, professores e alunos deverão considerar a língua em uma perspectiva mais ampla, entendendo seu caráter interdisciplinar. (DIAS, 2009, p. 201)
Assim, podemos perceber que “o objeto de ensino da língua deixa de ser a norma culta, com teoria gramatical descontextualizada, fora da realidade do aluno, com prioridade para o ensino de uma língua supostamente estática e cristalizada” (DIAS, 2009, p. 201), sendo que “importa que o aluno discuta o que vê e lê para conseguir se constituir como usuário da língua e participante do processo de aprendizagem” (op. cit.).
Para refletir Quando o aluno tem contato com as novas tecnologias, com as novas formas de trabalho e com seu cotidiano, ele adquire novos termos, novas formas de dizer, de pensar, de se posicionar, de refletir e, consequentemente, de escrever.
Dica de filme O filme conta a história de dois casais de amigos que vivem na mesma casa em uma comunidade rural no Rio Grande do Sul, habitada por imigrantes italianos. O tempo faz com que a esposa de um marido se interesse pelo marido da outra. O filme é de grande riqueza em termos da fala e das diferentes culturas.
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O Quatrilho. Direção de Fábio Barreto. 120 minutos.
Dica de leitura Marxismo e Filosofia da Linguagem, de Mikhail Bakhtin Publicado na Rússia em 1929 e assinado por V. N. Volochinov, Marxismo e Filosofia da Linguagem foi posteriormente atribuído por M. Bakhtin. Não são claras as razões efetivas que teriam levado Bakhtin a escolher o nome de um dos seus amigos e discípulos para subscrever a autoria do livro. O fato é que o leitor encontrará vários pontos comuns com A Poética de Dostoiévski e mesmo com a sua obra sobre Rabelais e a cultura popular. Volochinov, assim como o teórico da literatura Medviédiev – outro intelectual que participava das indagações e pesquisas sobre o chamado método sociológico –, foi vítima de expurgos stalinistas no começo da década de 30. Desapareceu desde então, ficando o livro, por muitos anos, relegado ao esquecimento oficial com que os autoritarismos sabem brindar a reflexão crítica. É em meio à controvérsia de que era objeto o formalismo que se dá a sua publicação. O esforço que nele se observa para desenvolver uma filosofia da linguagem de fundamento marxista sem as paranóias histéricas das receitas oficiais é admirável. A natureza ideológica do signo linguístico, o dinamismo próprio de suas significações, a alteridade que lhes é constitutiva, o signo como arena da luta de classes, as críticas ao conservadorismo das posições formalistas; as críMetodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
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ticas a Saussure e, lidas hoje, sua adequação ao estruturalismo, os fenômenos de enunciação que a semântica moderna tanto preza, as análises dos diferentes tipos de discurso (direto, indireto, indireto livre, etc.) são alguns dos temas que o leitor encontrará neste livro, discutido, às vezes, com desenvoltura e perspicácia que não decepcionam. Fonte: BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 7ª ed. São Paulo: Editora Hucitec, 1995.
Saiba mais Mikhail Bakhtin M. Bakhtin (1895 – 1975) nasceu em Oriol numa família de antiga nobreza arruinada. Estudou na Universidade de Odessa e de São Petersburgo, onde se diplomou em história e filologia no ano de 1918. Mudou-se para Vitebsk, casou-se e trabalhou como professor. Participou de um pequeno círculo de intelectuais frequentado, entre outros, por Marc Chagall, P. N. Medviédiev e V. N. Volochinov. Estes dois últimos, amigos e discípulos de Bakhtin, assinarão suas primeiras obras. O Freudismo (Leningrado, 1925) e Marxismo e Filosofia da Linguagem (Leningrado, 1929) apareceram sob o nome de Volochinov e O método Formalista Aplicado à Crítica Literária (Leningrado, 1928) sob o de Medviédiev. Em 1929 Bakhtin publica também, com a sua própria assinatura, Os Problemas da Criação em Dostoievski. Volochinov e Medvièdiev desapareceram nos anos trinta, por obra dos expurgos stalinistas, e Bakhtin viveu, então, na fronteira da Sibéria com o Casaquistão. Continuou a ensinar e começou a compor a monografia sobre Rabelais. Fonte: BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 7ª ed. São Paulo: Editora Hucitec, 1995.
Referências BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 7ª ed. São Paulo: Editora Hucitec, 1995. BRANDÃO, H. N. Introdução à análise do discurso. 7ª ed. Campinas: Editora da Unicamp. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/ SEF, 1997.
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DIAS, G. H. M. Língua Portuguesa: fio condutor na construção do conhecimento. In: GARCIA, A. G. Q. e BOLFER, M. M. M. de O. (orgs.) Educar: lemas, temas e dilemas. São Paulo: Cengage Learning, 2009. GOMES, M. L. de C. Metodologia do ensino de língua portuguesa. 2ª ed. Curitiba: Ibpex, 2011. GRIGOLETTO, M. A resistência das palavras: discurso e colonização britânica na Índia. Campinas: Editora da Unicamp. MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise do discurso. 2ª ed. Campinas: Pontes: Editora da Universidade Estadual de Campinas. _________. Análise de Textos de Comunicação. São Paulo: Cortez. NEVES, M. H. de. A gramática: conhecimentos e ensino. In: AZEREDO, J. C. de (org.). Língua portuguesa em debate: conhecimento e ensino. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 74-86.
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O ensino da leitura em lĂngua portuguesa
P retendemos, nesta unidade, abordar a importância da leitura para a vida de todos os indivíduos, bem como os diferentes significados que o termo leitura possibilita. Focalizaremos o ensino da leitura para a criança do Ensino Fundamental I. Para tal, discutiremos sobre as diferentes estratégias que acionamos ao lermos um texto. Consideraremos a ideia de texto como aquela que vigora na área da linguística atual. O texto é uma unidade de análise, sendo que, para o leitor, ela “é a unidade empírica que ele tem diante de si, feita de som, letra, imagem, sequências com uma extensão, (imaginariamente) com começo, meio e fim” (ORLANDI, 2001, p. 64), tendo “um autor que se representa em sua unidade, na origem do texto, ’dando‘-lhe coerência, progressão e finalidade” (op. cit.).
Pensaremos na habilidade de leitura como aquela que preconiza autor-texto-leitor, uma concepção interacional da língua. Partiremos desse pressuposto, pois, para nós, o leitor é aquele que constrói o significado, fazendo uso de estratégias como: seleção, previsão/antecipação, inferência e verificação (KOCH & ELIAS, 2006). Os assuntos a serem abordados nesta unidade são: • A importância da leitura na vida dos indivíduos; • A leitura vista como uma atividade interativa entre os indivíduos; • As estratégias na prática de leitura: construindo o sentido do texto; • Propostas didáticas para formar leitores segundo os PCN. Espera-se que, ao término desta unidade, você possa levantar possibilidades de trabalho diferentes das sugeridas, mas coerentes ao universo de seus alunos, e que tenha consciência das inúmeras possibilidades de como ensinar leitura, em língua portuguesa, às crianças do Ensino Fundamental I.
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Você contará com leitura complementar, reflexões, dicas de filmes e de livros para que você possa ampliar seu conhecimento sobre a temática desta unidade. Ao final da unidade, espera-se que você seja capaz de: • Compreender a importância da leitura na vida dos indivíduos; • Compreender a leitura como processo de interação; • Compreender as estratégias utilizadas pelo leitor durante a leitura.
2.1 A importância da leitura na vida dos indivíduos Partiremos de uma pergunta inicial: o que é leitura? Apresentarei algumas definições neste momento inicial. Adotarei, para tal, as definições estabelecidas por Orlandi (1988), que, de forma clara, define leitura de diversas formas e segundo diversos contextos. Para a autora: Leitura, vista em sua acepção mais ampla, pode ser entendida como “atribuição de sentidos”. Daí ser utilizada indiferentemente tanto para a escrita como para a oralidade. Diante de um exemplar de linguagem, de qualquer natureza, tem-se a possibilidade da leitura. Pode-se falar, então, “em leitura tanto da fala cotidiana da balconista como do texto de Aristóteles”. (ORLANDI, 1988, p.7)
Orlandi prossegue em suas colocações sobre o termo “leitura”, dizendo:
A autora, aludindo a algo mais acadêmico e mais restritivo, diz que “’leitura’ pode significar a construção de um aparato teórico e metodológico de aproximação de um texto” (ORLANDI, 1988, p. 7). E, por fim, a autora apresenta um sen-
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Por outro lado, pode significar “concepção”, e é nesse sentido que é usada quando se diz “leitura de mundo”. Esta maneira de se usar a palavra leitura reflete a relação com a noção de ideologia, de forma mais ou menos geral e indiferenciada. (ORLANDI, 1988, p. 7)
tido mais restritivo, voltado à escolaridade, ou seja, é possível “vincular a leitura à alfabetização (aprender a ler e a escrever) e leitura pode adquirir então o caráter de estrita aprendizagem formal” (ORLANDI, 1988, p. 7). Todos os docentes, com certeza, ao trabalharem a leitura com seus alunos, ambicionam desenvolvê-la em sua multiplicidade de sentidos. Ensinar a ler é ensinar a observar as pessoas, as situações, é ensinar a ver o mundo. Lemos com os olhos, com o coração, com a emoção em todos os momentos. É inconteste ver a importância da leitura em nossa vida, sob todas as possibilidades. Ouvimos e reproduzimos, desde muito cedo, sobre a importância da leitura em nossa vida. Ouvimos nossos professores referenciarem sobre a leitura de forma deliberada. Ajudamos a reforçar, entre aqueles que nos são mais afins, tal preceito, e passamos a delegar à escola a importância do ensino de tal habilidade. Sabemos que à escola é delegada essa incumbência. No entanto, sabemos que o prazer pela leitura pode anteceder o período escolar, ou seja, ter origem no seio da família. Muitas crianças desenvolvem o desejo pela leitura a partir do estímulo que tiveram de seus familiares em ativi-
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dades como contar histórias. O ato de contar histórias assume papel de grande relevância para se atingir a tão almejada competência leitora. Embora a leitura seja tida, no senso comum, como uma atividade simples, pode-se seguramente dizer que decifrar um texto não se constitui como algo tão simples. O autor de um livro ou texto terá sempre como referência um leitor. Decifrar um texto é vê-lo sob a perspectiva daquele que o lê. Ao lermos, temos que ter a consciência de que outros sentidos podem ser vislumbrados.
É possível afirmar, então, que o leitor realiza, durante o ato de ler, um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto. Esse leitor considerará, em primeiro lugar, seus próprios objetivos, seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor e de tudo o que sabe sobre a linguagem. Há, assim, uma pluralidade de leituras possível ao considerarmos um único texto. Koch e Elias teorizam sobre a questão, dizendo: [...]a leitura e a produção de sentido são atividades orientadas por nossa bagagem sociocognitiva: conhecimentos da língua e das coisas do mundo (lugares sociais, crenças, valores, vivências). (KOCH; ELIAS, 2006, p.21)
Para Orlandi, alguns fatos se impõem em sua importância, como:
Assim, pode-se afirmar que há uma série de implícitos que só podem ser detectados “pela mobilização do contexto
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a) o de se pensar a produção da leitura e, logo, a possibilidade de encará-la como possível de ser trabalhada (se não ensinada); b) o de que a leitura, tanto quanto a escrita, faz parte do processo de instauração do(s) sentido(s); c) o de que o sujeito-leitor tem suas especificidades e sua história; d) o de que tanto o sujeito quanto os sentidos são determinados histórica e ideologicamente; e) o fato de que há múltiplos e variados modos de leitura; f) finalmente, e de forma particular, a noção de que a nossa vida intelectual está intimamente relacionada aos modos e efeitos de leitura de cada época e segmento social. (ORLANDI, 1988, p. 8)
sociocognitivo no interior do qual se movem atores sociais” (KOCH; ELIAS, 2006, p. 7), conforme esboçado anteriormente. O texto oferece, aos seus leitores, pistas a serem desvendadas em prol da busca pelos sentidos. Por essa razão, afirmamos que a leitura de um texto extrapola os limites do simples conhecimento linguístico. Segundo Koch e Elias: O leitor é, necessariamente, levado a mobilizar uma série de estratégias tanto de ordem linguística como de ordem cognitivo-discursiva, com o fim de levantar hipóteses, validar ou não as hipóteses formuladas, preencher as lacunas que o texto apresenta, enfim, participar, de forma ativa, da construção do sentido. Nesse processo, autor e leitor devem ser vistos como “estrategistas” na interação pela linguagem. (KOCH; ELIAS, 2006, p. 7)
Todos os leitores utilizam-se de estratégias para compreender um texto. Esperamos, daquele que lê, uma série de atitudes que propiciem a chegada de certa compreensão sobre o texto. Espera-se que ele “processe, critique, contradiga ou avalie a informação que tem diante de si, que a desfrute ou a rechace, que dê sentido ao que lê” (SOLÉ, 2003, p. 21).
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As estratégias utilizadas pelos leitores para decifrar um texto serão detalhadas adiante. Orlandi esclarece a complexidade do ato de ler ao dizer: Quando se lê, considera-se não apenas o que está dito, mas também o que está implícito: aquilo que não está dito e que também está significando. E o que não está dito pode ser de várias naturezas: o que não está dito, mas que, de certa forma, sustenta o que está dito; o que está suposto para que se entenda o que está dito; aquilo a que o que está dito se opõe; outras maneiras diferentes de se dizer o que se disse e que significa com nuances distintas, etc. (ORLANDI, 1988, p. 11)
A autora fecha as suas conclusões de tal complexidade dizendo: Isso mostra como a leitura pode ser um processo bastante complexo e que envolve muito mais do que habilidades que se resolvem no imediatismo da ação de ler. Saber ler é saber o que o texto diz e o que ele não diz, mas o constitui significativamente. (ORLANDI, 1988, p. 11)
Infere-se, então, que todo texto deixa marcas linguísticas que vamos, desde os nossos primeiros contatos com a leitura, aprendendo a sistematizar, de forma que nos possibilita uma leitura mais eficaz. Vamos aprendendo a mobilizar estratégias, algumas ensinadas e outras aprendidas de forma intuitiva.
2.2 A leitura vista como atividade interativa entre os indivíduos Tomaremos como premissa a concepção de que “o sennão algo que preexista a essa interação” (KOCH; ELIAS, 2006,
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p. 11, grifos das autoras). Para as autoras:
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tido de um texto é construído na interação texto-sujeitos e
A leitura é, pois, uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza evidentemente com base nos elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do evento comunicativo. (KOCH; ELIAS, 2006, p. 11, grifos das autoras)
Trabalhar a leitura no Ensino Fundamental I requer cuidado e sensibilidade por parte do docente. A escolha do material assume caráter de grande importância, pois, quando não adequado às necessidades do grupo, pode cumprir o papel inverso ao desejado, ou seja, o desinteresse pela atividade. O interesse pela leitura é algo que precisa ser instigado na escola. Os PCN de Língua Portuguesa indicam a forma como os docentes poderão desencadear o gosto pela leitura. A “receita” nos parece óbvia. No entanto, ela requer cautela e empenho por parte dos professores. Para tornar os alunos bons leitores – para desenvolver, muito mais do que a capacidade de ler, o gosto e o compromisso com a leitura – a escola terá de mobilizá-los internamente, pois aprender a ler (e também ler para aprender) requer esforço. Precisará fazê-los achar que a leitura é algo interessante e desafiador, algo que, conquistado plenamente, dará autonomia e independência. Precisará torná-los confiantes, condição para poderem se desafiar a “aprender fazendo”. Uma prática de leitura que não desperte e cultive o desejo de ler não é uma prática pedagógica eficiente. (BRASIL, 1997, p. 38)
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O interesse pela leitura é algo que será construído ao longo do tempo. Formar leitores competentes requer tempo e muito empenho. Assim, o docente, ao propor uma atividade, terá que conhecer o universo dos alunos, como forma de levantar questões que lhes sejam de interesse. Koch e Elias salientam a necessidade de se conhecer e aceitar o “outro” como forma de adentrar ao seu universo. Para as autoras, “considerar o leitor e seus conhecimentos e que esses conhecimentos são diferentes de um leitor para outro implica aceitar uma pluralidade de leituras e
de sentidos em relação a um mesmo texto” (KOCH; ELIAS, 2006, p. 21). O professor deve ter essas questões em mente e estar aberto a novas possibilidades de leituras. Devemos mencionar os pressupostos afirmados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) acerca do que é formar um indivíduo com competência leitora. Formar um leitor competente supõe formar alguém que compreenda o que lê; que possa aprender a ler também o que não está escrito, identificando elementos implícitos; que estabeleça relações entre o texto que lê e outros textos já lidos; que saiba que vários sentidos podem ser atribuídos a um texto; que consiga justificar e validar a sua leitura a partir da localização de elementos discursivos. (BRASIL, 1997, p. 36)
Evidencia-se daí a importância da prática de leitura em sala de aula. Ela deverá estar atrelada aos diferentes gêneros textuais. Para tal, devemos utilizá-los em sua grande variedade, para que os alunos possam entender as suas especificidades. Koch e Elias registram essa questão, dizendo:
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De modo geral, podemos dizer que há textos que lemos porque queremos nos manter informados (jornais, revistas); há outros textos que lemos para realizar trabalhos acadêmicos (dissertações, teses, livros, periódicos científicos); há, ainda, outros textos cuja leitura é realizada por prazer, puro deleite (poemas, contos, romances); e, nessa lista, não podemos nos esquecer dos textos que lemos para consulta (dicionários, catálogos), dos que somos “obrigados” a ler de vez em quando (manuais, bulas), dos que nos caem em mãos (panfletos) ou nos que não apresentados aos olhos (outdoors, cartazes, faixas). (KOCH; ELIAS, 2006, p. 19)
A escolha do gênero a ser trabalhado durante as aulas de leitura será de fundamental importância, pois cada gênero possui as suas próprias especificidades. O professor deverá atentar-se à escolha do gênero a ser trabalhado, sobretudo com alunos do Ensino Fundamental I, haja vista o fato de estarem no início do processo de leitura mais denso.
2.3 A s estratégias na prática de leitura: decifrando o sentido do texto O leitor será visto, nesta seção, como construtor de sentidos, e, como tal, utiliza-se de estratégias à sua apreensão. Focalizaremos as estratégias de leitura, a saber: a) previsão/ antecipação; b) inferência e, por último c) verificação. Ensinálas aos alunos torna-se essencial à prática da leitura. Solé, a esse respeito, coloca:
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Por que é necessário ensinar estratégias de compreensão? Em síntese, porque queremos formar leitores autônomos, capazes de enfrentar de forma inteligente textos de índoles muito diversas, na maioria das vezes, diferentes dos utilizados durante a instrução. Esses textos podem ser difíceis, por serem muito criativos ou por estarem mal escritos. De qualquer forma, como correspondem a uma grande variedade de objetivos, cabe esperar que sua estrutura também seja variada, assim como sua possibilidade de compreensão. (SOLÉ, 1998, p. 72)
Deteremo-nos às estratégias de forma mais cuidadosa, por considerarmo-nas fundamentais à compreensão de um texto. Vamos a elas! A previsão/antecipação diz respeito ao que levantamos, ao lermos um texto, a partir de nosso próprio conhecimento sobre: a) o assunto ou sobre o autor do texto; b) o meio de veiculação do texto; c) o gênero textual, ou seja, conto, miniconto etc., d) o título; e) a distribuição e configuração de informações do texto (KOCH; ELIAS, 2006). Enfim, a previsão diz respeito a tudo o que podemos obter em prol de conhecermos o assunto a ser trabalhado. Koch e Elias nos colocam: [...] fazemos antecipações, levantamos hipóteses que, no decorrer da leitura, serão confirmadas ou rejeitadas. Neste último caso, as hipóteses serão reformuladas e novamente testadas em um movimento que destaca a nossa atividade de leitor, respaldada em conhecimentos arquivados na memória (sobre a língua, as coisas do mundo, outros textos, outros gêneros textuais e ativados no processo de interação com o texto). (KOCH; ELIAS, 2006, p. 13)
forma intuitiva. No entanto, a criança precisa ser introduzida a essa forma de estratégia que carregará consigo por toda a sua existência. A inferência, por sua vez, diz respeito às suposições do leitor. Ele mobiliza a sua compreensão pelas dicas que o texto indicia. Os sentidos estão além da materialidade linguística. O texto diz, mas de forma implícita. O leitor, pelas pistas indiciadas no texto, poderá compreender ou não a ironia de uma determinada passagem. Da mesma forma, ele poderá entender ou não uma piada. A inferência diz respeito ao que não
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Entendemos que fazemos a previsão, muitas vezes, de
está dito na forma escrita, mas que se consegue apreender em função da bagagem que o leitor traz sobre o assunto. A apreensão dos sentidos é um ato individual. Há, na leitura de um único texto, uma multiplicidade de leituras possíveis. O conceito de mediação proposto por Vygotsky (2000) faz-se de grande importância neste momento. O professor do Ensino Fundamental deve mediar as atividades de leitura, pois os alunos, ainda em estágio inicial no que diz respeito a uma leitura mais detalhada, precisam do auxílio do professor. Ele deverá desenvolver a formação dos conceitos. Desta forma, os alunos conseguirão atribuir sentido a um texto. Rego, em referência aos pressupostos vygotskyanos (2000), diz que: [...]se o meio ambiente não desafiar, exigir e estimular o intelecto do adolescente, esse processo poderá se atrasar ou mesmo não se completar, ou seja, poderá não chegar a conquistar estágios mais elevados de raciocínio. (REGO, 1999, p. 79)
Daí a importância capital do trabalho docente no processo de formação de leitores nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
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A prática pedagógica deverá estar centralizada em: a) discussões entre os alunos sobre o que entenderam a partir do texto; e em b) trocas de ideias/experiências entre os integrantes do grupo. O professor deverá, então, trabalhar com textos que propiciem o diálogo e a interação entre todos do grupo. Para tal, ele deverá selecionar, antecipadamente, o texto com o qual trabalhará. O professor, atuando como mediador desse processo, atingirá bons resultados junto a seu grupo. A verificação é a última das estratégias de leitura que utilizamos à compreensão de um texto. Ela não é a menos importante se comparada às anteriores. Essa estratégia per-
mite que voltemos ao que fomos construindo ao longo da leitura. Portanto, verificaremos se o que previmos e se o que inferimos fazem sentido. Devemos ter em mente que nossas hipóteses poderão ser confirmadas ou rejeitadas. É no momento da verificação que teremos essas questões claras. Poderemos dizer que a verificação perpassa por todas as etapas da construção dos sentidos de um texto. Todas as estratégias esboçadas até aqui são fundamentais para que o leitor construa o sentido do texto. Ensiná-las aos alunos do Ensino Fundamental constitui tarefa obrigatória ao docente. A ele caberá a escolha do texto que motive e instigue a curiosidade do aluno, conforme já aventado. Talvez esse seja o maior aliado à realização da atividade de leitura. O texto, quando bem escolhido, e a leitura, quando bem mediada pelo professor, constituirão avanço no que concerne à formação da competência leitora.
2.4
Apresentaremos algumas propostas prescritas pelos PCN (Brasil, 1997, p. 44) e resumidas por Maria Lúcia de Castro Gomes de como trabalhar a leitura com os alunos: • Leitura diária: o professor deve oferecer aos alunos atividades diárias e variadas de leitura (silenciosa, em voz alta, pela escuta de alguém que lê), sempre tomando os cuidados necessários: uma boa preparação da atividade, preparação dos alunos, reflexão com os alunos so-
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P ropostas didáticas para formar leitores segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais
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bre diferentes possibilidades de interpretação de um texto e sobre diferentes modalidades e propósitos de leitura; • Leitura colaborativa: o professor lê um texto com os alunos e faz questionamentos não só sobre os seus sentidos, mas sobre como os alunos chegam à compreensão desses sentidos, sobre como encontram pistas que os fazem capazes de descobrir elementos, tais como: realidade ou ficção, sentidos figurados, intenção do autor, elementos persuasivos; • Projetos de leitura: o projeto é, com certeza, a atividade em que mais se articulam as quatro habilidades da língua. Um bom projeto de leitura pode ser decisivo para a formação de um aluno leitor, além de poder desenvolver as outras habilidades. Na etapa de planejamento, podem-se exercitar muitas questões, como: tomada de decisão, controle de tempo, divisão e redimensionamento de tarefas, avaliação de resultados, entre outras. Durante a execução, podem-se definir várias situações significativas de leitura articuladas às outras habilidades, tais como: ler para escrever, escrever para ler, ler para decorar, escrever para não esquecer, ler em voz alta em tom adequado; • Atividades sequenciadas de leitura: parecida com o projeto, essa atividade desenvolvese ao longo do tempo, mas, diferente dele, não tem um produto final predeterminado. O objetivo maior é o desenvolvimento do gosto pela leitura e do comportamento do leitor; • Atividades permanentes de leitura: o professor pode estabelecer uma atividade permanente de leitura, como “Hora de...” (histórias, curiosidades científicas, notícias etc.), ou uma reunião periódica para discussão de livros lidos. Os alunos podem se preparar para ler em voz alta para os demais, no primeiro caso, ou para comentar uma história de um livro que tenham gostado e tentar convencer os colegas a lê-lo;
• Leitura feita pelo professor: alguns textos podem ser muito interessantes aos alunos, mas podem ser de difícil leitura para eles. O professor pode, então, fazer com eles uma leitura compartilhada em capítulos. Isso pode motivá-los, desenvolvê-los, além de oferecer a eles um modelo de leitor. (GOMES, 2011, p. 147-148)
Os PCN nos oferecem uma série de razões quanto à importância da leitura como atividade essencial à expansão da visão de mundo das crianças. Vamos aos Parâmetros Curriculares Nacionais na íntegra:
Finalizamos esta unidade certos de que levantamos indicativos sobre a formação de leitores competentes. A leitura constitui uma habilidade que propicia a construção do
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• Ampliar a visão de mundo e inserir o leitor na cultura letrada; • Estimular o desejo de outras leituras; • Possibilitar a vivência de emoções, o exercício da fantasia e da imaginação; • Permitir a compreensão do funcionamento comunicativo da escrita: escreve-se para ser lido; • Expandir o conhecimento a respeito da própria leitura; • Aproximar o leitor dos textos e os tornar familiares – condição para a leitura fluente e para a produção de textos; • Possibilitar produções orais, escritas e em outras linguagens; • Informar como escrever e sugerir sobre o que escrever; • Ensinar a estudar; • Possibilitar ao leitor compreender a relação que existe entre a fala e a escrita; • Favorecer a aquisição de velocidade de leitura; • Favorecer a estabilização das formas ortográficas. (BRASIL, 1997, p. 47)
conhecimento. Passaremos, na próxima unidade, a referenciar os preceitos fundadores da produção textual, fundamentalmente importantes à criança. Dica de leitura Matilda, de Roald Dahl O livro Matilda, de Roald Dahl, é um clássico da literatura infantil. A obra relata a história de uma menina com poderes especiais que a auxiliavam a solucionar problemas na família e na escola. Matilda gosta de ler e é muito bem sucedida nos estudos. Ela vai para um colégio infernal. Matilda é uma história animada e divertida. Dicas de filmes Matilda, de Roald Dahl, também poderá ser visto em filme. O filme mostra com humor as peraltices de Matilda, uma menina que ama a leitura e que possui poderes especiais. A pequena vendedora de fósforos, de Hans Christian Andersen, narra a história de uma jovem que deseja encon-
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trar a felicidade em sua vida. Esse é um filme de curta metragem de animação que merece ser visto. Bom filme!
Referências BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa. Brasília: MEC/ SEF, 1997. DAHL, R. Matilda. São Paulo; Martins Fontes, 1999.
GOMES, M. L. de C. Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa. 2ª ed. ver. e ampl. Curitiba: Ibpex, 2011. KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e compreender: os sentidos do texto. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2006. ORLANDI, E. P. Discurso e Leitura. São Paulo: Cortez; Campinas: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1988. REGO, T. C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis: Vozes, 1995. SOLÉ, I. Ler, leitura, compreensão: “sempre falamos da mesma coisa?” In: TEBEROSKY, A., et. al. Compreensão de leitura: a língua como procedimento. Porto Alegre: Artmed, 2003. SOLÉ, I. Estratégias de Leitura. São Paulo: Artmed, 1998. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
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Vimos, na unidade anterior, que o leitor realiza, durante a leitura, um trabalho ativo de compreensão e, para tal, faz uso de estratégias que o auxiliam a decifrar o texto. Como vimos na unidade anterior, ensinar a ler é ensinar a observar as pessoas e as situações, a ver o mundo; lemos com os olhos, com o coração, com a emoção em todos os momentos. É incontestável a importância da leitura em nossa vida, sob todos os aspectos. Com a mesma ideia, apresentamos a escrita: também escrevemos o que observamos e o que sentimos, com toda a nossa emoção. A escrita tem, para muitos, um caráter libertador. Escrevemos para nos aliviarmos emocionalmente, para nos divertirmos, para nos comunicarmos com outras pessoas. Enfim, escrever é onipresente em nossas vidas (KOCH; ELIAS, 2010).
Tomaremos como premissa a concepção de que o texto é lugar de interação de sujeitos sociais, que dialogam ininterruptamente. Esses sujeitos operam escolhas linguísticas e constroem os sentidos. Para tal, eles organizam o texto e fazem uma seleção lexical diante do que enunciam. Sabemos que a estruturação de um texto em língua portuguesa é algo complexo em qualquer fase da educação formal, sobretudo para crianças que se encontram no início desse processo. Se pedirmos a um aluno de nível universitário para redigir um artigo científico que saliente a importância do ato de escrever, será algo, no mínimo, trabalhoso, para não dizer difícil. Pense, então, como seria para uma criança já alfabetizada, mas que ainda não possui o pleno domínio da língua portuguesa. É nesse universo que encontramos os alunos do Ensino Fundamental I. Eles são capazes de escrever, mas ainda não têm o domínio pleno dessa habilidade. Os assuntos a serem abordados nesta unidade são: • A escrita como concepção interacional da
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linguagem; • As estratégias utilizadas na prática de produção textual: construindo o sentido do texto; • O papel do professor na concepção interacional da linguagem; • Procedimentos da prática de produção textual. Espera-se que, ao término desta unidade, você possa compreender como ocorre o processo de escrita e consiga planejar as suas aulas, considerando sempre o universo de seus alunos. Ao final da unidade, espera-se que você seja capaz de:
• Compreender a escrita como uma concepção interacional de linguagem; • Compreender as estratégias utilizadas pelo indivíduo/escritor durante a escrita; • Compreender o papel do professor na concepção interacional de linguagem. Também espera-se que, ao término desta unidade, você tenha ampliado a visão sobre a forma que poderemos trabalhar a habilidade da escrita em língua portuguesa junto às crianças do Ensino Fundamental I.
3.1 A escrita como concepção interacional da linguagem Vigora, no meio acadêmico, um posicionamento conhecer as regras da língua de forma exímia. Sim, precisamos nos ater às regras gramaticais e às de concordância. No entanto, essas questões devem ser prescritas de forma mais contundente em anos mais avançados, em que o aluno já tenha conhecimento mais solidificado sobre o funcionamento da escrita. Faz-se importante esclarecer que não nos ateremos à concepção da escrita com foco na língua, vista apenas como um sistema de regras gramaticais. Ateremo-nos à escrita com foco na interação. Koch e Elias, em relação a essa abordagem, nos colocam que:
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muito forte que define que, para escrever bem, é necessário
Nessa concepção interacional (dialógica) da língua, tanto aquele que escreve como aquele para quem se escreve são vistos como atores/ construtores sociais, sujeitos ativos que – dialogicamente – se constroem e são construídos no texto, este considerado um evento comunicativo para o qual concorrem aspectos linguísticos, cognitivos, sociais e interacionais. Desse modo, há lugar, no texto, para toda uma gama de implícitos, dos mais variados tipos, somente detectáveis quando se tem, como pano de fundo, o contexto sociocognitivo dos participantes da interação.(KOCH; ELIAS, 2010, p. 33)
Assim, focalizaremos a escrita “à luz de uma concepção sociocognitiva e interacional de linguagem” (KOCH; ELIAS, 2010, p. 10). Para as autoras:
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[...] o texto é visto como o próprio lugar da interação verbal e os interlocutores como sujeitos ativos, empenhados dialogicamente na produção de sentidos. Entende-se, pois, a produção de linguagem como uma atividade interativa altamente complexa, em que a construção de sentidos se realiza, evidentemente, com base nos elementos linguísticos selecionados pelos enunciadores e na sua forma de organização, mas que requer, por parte destes, não apenas a mobilização de um vasto conjunto de saberes de ordem sociocognitiva, cultural, histórica, de todo o contexto, enfim, como também – e, sobretudo – a sua reconstrução no momento da interação.(KOCH; ELIAS, 2010, p. 10)
Pode-se inferir, a partir disso, que os coenunciadores se utilizam de estratégias para conseguirem transmitir o que, de fato, desejam. Sobre essa questão, as autoras detalham: Os coenunciadores são, na verdade, “estrategistas da comunicação”, visto que precisam ser
capazes de mobilizar, de forma estratégica, o contexto sociocognitivo apropriado para possibilitar-lhes, no momento da interação verbal, a construção de um sentido para o texto. Por essa razão, o processamento estratégico do texto depende não só de características textuais, como também de características cognitivas dos usuários da língua, tais como seus objetivos, convicções e conhecimento de mundo. (KOCH; ELIAS, 2010, p. 10)
Ao professor que trabalha com alunos do Ensino Fundamental I caberá, em longo prazo, conduzir todas as atividades em relação à escrita, de forma a promover tal interação. Sabe-se que:
O professor terá a função de ensinar como as diferentes tipologias textuais se articulam para fazer sentido. Para tal, os produtores de um texto se valerão de inúmeras estratégias, que serão detalhadas na próxima seção.
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[...] quem escreve já prevê essa produção de inferências por parte do leitor, de modo que deixa de explicar um grande número de elementos, pressupondo que tais lacunas venham a ser por ele preenchidas sem dificuldades, tomando como ponto de partida as pistas que o texto lhe oferece e com base no conjunto de seus conhecimentos prévios e nos elementos da própria situação enunciativa (KOCH; ELIAS, 2010, p. 10).
3.2 A s estratégias utilizadas na prática de produção textual: construindo o sentido do texto É necessário que façamos, assim como na prática de leitura, uso de estratégias para compormos o nosso texto. Assim, a escrita exige daquele que escreve “a ativação de conhecimentos e a mobilização de várias estratégias”, a saber:
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• Ativação de conhecimentos sobre os componentes da situação comunicativa (interlocutores, tópico a ser desenvolvido e configuração textual adequada à interação em foco); • Seleção, organização e desenvolvimento das ideias, de modo a garantir a continuidade do tema e sua progressão; • “Balanceamento” entre informações explícitas e implícitas; entre informações “novas” e “dadas”, levando em conta o compartilhamento de informações com o leitor e o objetivo da escrita; • Revisão da escrita ao longo de todo o processo, guiada pelo objetivo da produção e pela interação que o escritor pretende estabelecer com o leitor. (KOCH; ELIAS, 2010, p. 34)
Ativamos todas essas estratégias enquanto produzimos um texto. A criança do Ensino Fundamental I não possui, ainda que intuitivamente, todas essas estratégias sedimentadas, haja vista o pouco contato com textos escritos. Sabemos que uma boa escrita está muito atrelada à leitura. A criança, nessa fase da aprendizagem, está em processo de assimilação das regras da língua portuguesa. Torna-se, então, necessário
que o professor, desde o início, ensine que há regras gramaticais a serem seguidas, uma ortografia correta da língua portuguesa, além do léxico próprio dessa língua. Todos esses elementos deverão estar em harmonia para que os sentidos possam ser entendidos pelo leitor de seu texto. O professor precisa se atentar ao fato de que a ele compete fornecer inúmeras possibilidades de uso da linguagem escrita. Para Teberosky, “se o professor é capaz de oferecer uma ajuda efetiva quanto à diversidade das situações de uso, a criança poderá aprender, por meio desse uso, as regras de funcionamento da linguagem escrita” (TEBEROSKY, 2001, p. 15). Koch e Elias, recorrendo a Torrance e Galbraith (1999), fazem a seguinte colocação:
Pode-se entender que a escrita não é um processo de fácil internalização. Escrever demanda esforço, e a escola é o local propício para que essa habilidade seja internalizada. Portanto, ao professor caberá buscar uma forma que atenue esse esforço em demasia e que torne o processo de aprendizagem da escrita menos denso. Uma forma possível para aliviar a tensão que a habilidade requer seria o trabalho com os gêneros. Há gêneros que são mais curtos em sua composição e mais familiares à realidade vivencial do aluno. Isso poderá ser de grande valia ao
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Entendemos, pois, a escrita como uma atividade de produção textual que se realiza, evidentemente, com base nos elementos linguísticos e na sua forma de organização, mas requer, no interior do evento comunicativo, a mobilização de um vasto conjunto de conhecimentos do escritor, o que inclui também o que esse pressupõe ser do conhecimento do leitor ou do que é compartilhado por ambos.(KOCH; ELIAS, 2010, p. 35)
processo de aprendizagem, haja vista que o conteúdo lhe é mais familiar. O aluno deverá se atentar ao que não conhece. Ademais, os gêneros obedecem a um formato textual que lhes é próprio. Segundo Gomes: O padrão de organização de um manual de instruções é diferente daquele de um diário de uma adolescente, por exemplo. E, dependendo do gênero, a tipologia textual utilizada será diferente, podendo ser uma descrição, uma narração, uma classificação, uma comparação, uma argumentação, entre muitas coisas. (GOMES, 2011, p. 114)
Sabemos que ensinar as crianças por meio dos gêneros textuais constitui-se como sendo de enorme valia à otimização da habilidade de escrita. As crianças vão, por meio dos gêneros, aprendendo a entender como os diferentes textos se articulam e a perceber os níveis de formalidade e informalidade que eles requerem. Koch e Elias fazem menção a todas as questões, dizendo:
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Assim é que, por exemplo, dependendo do gênero textual a ser produzido, do assunto a ser tratado, de quem seja o interlocutor, dos lugares em que se situam como interlocutores (escrever para um chefe, para um professor, para um amigo, para um namorado), dos conhecimentos pressupostamente compartilhados, do maior ou menor grau de intimidade, familiaridade existente entre esses interlocutores, a escrita pode se constituir mais formalmente ou mais informalmente. O como dizer o que se quer dizer é revelador de que a escrita é um processo que envolve escolha de um gênero textual em consonância com as práticas sociais, seleção, organização das ideias para os ajustes/reajustes necessários, tendo em vista a eficiência e a eficácia da comunicação. (KOCH; ELIAS, 2010, p. 38)
Pressupomos, diante do exposto, que o papel do professor é de extrema relevância ao abordarmos o ensino da escrita. Passaremos, agora, a refletir sobre o papel do professor com respeito à tal habilidade.
3.3 O papel do professor na concepção interacional da linguagem Iniciamos esta seção dizendo que defendemos a ideia de que o aprendizado acontece em interação com o outro. Assim, a criança, em constantes trocas com outras crianças, irá gradualmente aumentar o seu discernimento sobre diferentes questões e ampliar a visão sobre tudo que a cerca. É papel do professor mediar as situações em sala de aula, pois ele é o responsável direto em criar situações de aprendizaimpossível? Não, não é impossível. Ao defendermos a posição de que o aprendizado ocorre em interação com o outro, devemos atribuir grande relevância à ideia do “grupo”, ou seja, diferentes pessoas em situações de trocas contínuas. O professor, nesse contexto, exerce o papel de mediador entre o que as crianças fazem por si e o que elas poderão fazer com a ajuda de outras crianças e com o seu próprio auxílio. Essa forma de ação consolida-se sob bases teóricas formuladas por Vygotsky (1998). Rego, referindo-se aos postulados de Vygotsky em relação à questão da importância da interação na vida das pessoas, faz referência ao fato de que “o desenvolvimento pleno do ser huma-
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gem significativa. Isso é fácil? Não, definitivamente, não é. É
no depende do aprendizado que realiza num determinado grupo cultural, a partir da interação com outros indivíduos de sua espécie”(REGO, 1999, p. 71). Assim, ressaltamos que “é o aprendizado que possibilita e movimenta o processo de desenvolvimento” (REGO, 1999, p. 71). Há, portanto, uma natureza social que permeia a esfera da aprendizagem. O professor, visto como mediador desse processo, assume um papel de relevância. A ele caberá: fazer escolhas, propor alternativas diante de uma dada situação, alterar a trajetória inicial em função de algo mais significativo e de maior interesse dos alunos, prever problemas. Zunino e Pizani alertam acerca de outras questões às quais devemos nos atentar: É necessário levar em consideração que a maior parte dos interesses das crianças não são explicitados ou o são de formas veladas. Assim sendo, é tarefa do adulto saber descobri-los, poder vê-los por trás de uma pergunta, de um erro, de uma escolha, de um silêncio, de um comentário, de um olhar, de uma interrogação, dos jogos que preferem, das piadas que circulam entre elas. (ZUNINO; PIZANI, 1995, p. 15)
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Assim, acreditamos que seja responsabilidade da escola “oferecer à criança possibilidades de explorar aspectos da realidade com os quais ainda não teve oportunidade de interagir e de propor novas interrogações que a incitem a progredir na construção do conhecimento” (ZUNINO; PIZANI, 1995, p. 16). Zunino e Pizani ainda esclarecem de forma muito clara a seguinte questão:
Em síntese, sustentar que as atividades pedagógicas devam levar em conta os interesses das crianças não significa, de modo algum, renunciar aos objetivos traçados pelo programa escolar nem ao planejamento antecipado das situações de aprendizagem a serem propostas. Os objetivos traçados pelo programa coincidem, na maioria dos casos, com o interesse fundamental da criança, que é compreender o mundo natural e social. O importante – e nisso consiste um dos aspectos mais delicados do trabalho docente – é que as situações de aprendizagem propostas às crianças estejam planejadas de tal modo que tenham resultados significativos para elas. (ZUNINO; PIZANI, 1995, p. 16)
Observa-se, então, a importância do trabalho docente diante do processo de ensino-aprendizagem no contexto de sala de aula. Retomaremos as perguntas iniciais desta seção: isso é fácil? Não, definitivamente, não é fácil. É impossível? Não, não é impossível. Finalizaremos com as considerações de Vygotsky sobre a dimensão do aprendizado: 63 O ensino da escrita em língua portuguesa
O aprendizado é mais do que a aquisição de capacidade para pensar; é a aquisição de muitas capacidades especializadas para pensar sobre várias coisas. O aprendizado não altera nossa capacidade global de focalizar a atenção; ao invés disso, no entanto, desenvolve várias capacidades de focalizar a atenção sobre várias coisas. (VYGOTSKY, 1998)
Atenção! Sugerimos algumas etapas pedagógicas à produção textual. Não pretendemos oferecer receitas mágicas, pois sabemos que o processo é árduo e requer sensibilidade daqueles que estarão gerenciando as atividades de escrita junto aos alunos. A realidade de cada criança deve ser respeitada e, sobretudo, realçada para que o trabalho possa ser significativo. Devemos nos atentar quanto ao universo enciclopédico de nossos alunos. O professor deve estar pautado na sensibilidade em compreender o seu aluno. Atividades conduzidas inadequadamente poderão despertar um senso de aversão em relação ao que se ensina, efeito contrário ao que os docentes desejam despertar.
3.4 P rocedimentos à prática de produção textual
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A produção de um texto deve partir da leitura de mundo daquele que escreve. Para escrever é preciso ter ideias e saber organizá-las. Mas como podemos ter ideias? Como podemos organizá-las? Bem, podemos dizer que o processo de escrita se inicia com a observação de tudo que nos cerca. Temos que ter um olhar aguçado sobre o que nos rodeia. O mundo é o nosso acervo de ideias. Passaremos, agora, a traçar algumas dicas que poderão ser de valia aos docentes que estiverem trabalhando a prática de produção textual com seus alunos. Adotaremos as dicas de Maria Lúcia de Castro Gomes, que recorre aos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997, p. 49-50):
• Oferecer textos escritos de boa qualidade para que sirvam de referências para suas futuras produções; • Propor situações de produção de textos em pequenos grupos, para que possam dividir as tarefas: produzir, grafar, revisar. Essa estratégia, além de ajudar aqueles que têm dificuldade, pode desenvolvê-los para a atitude colaborativa; • Conversar com os alunos sobre o processo da escrita para que não criem a fantasia de que escrever é muito fácil para algumas pessoas. Como o livro é um produto acabado, que esconde todo o processo de produção, pode parecer uma tarefa fácil apenas para “gênios”. É preciso desfazer esse mito. (GOMES, 2011, p. 149-150)
Gomes, recorrendo aos PCN, também apresenta algumas sugestões de atividades para a produção textual nas séries iniciais do Ensino Fundamental.
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• Projetos são excelentes para a articulação entre as quatro habilidades, além de muito interessantes para o trabalho interdisciplinar. As exigências que um projeto requer, por ressaltar sempre em um produto final, são de grande valor para o desenvolvimento do aluno. Na participação de um projeto, os alunos vão: ler e analisar vários textos; refletir sobre gêneros textuais; ajustar o texto de acordo com seu leitor; fazer revisões e cuidar da legibilidade; comprometer-se com sua própria aprendizagem. • Textos provisórios – é preciso desde cedo apresentar a escrita como processo e acostumar o aluno a monitorar o seu processo de produção a partir do planejamento até a conclusão da versão final. O aluno deve ser capaz de não apenas produzir, mas também de ler e avaliar seu texto. A revisão, a edição e a reescrita são partes importantíssimas desse processo e têm de ser aplicadas desde o início.
• Produção com apoio – considerando que o processo de escrita é algo bastante complexo, o professor pode solicitar algumas atividades que não contenham algumas dessas complexidades, que exijam do aluno se preocupar com poucas variáveis. As ideias são as seguintes: reescrever ou parafrasear bons textos; produzir textos a partir de outros conhecidos; dar o começo de um texto para os alunos continuarem; planejar coletivamente um texto para que depois cada aluno escreva a sua versão. • Situações de criação – para aprender a produzir bons textos, é preciso, antes de mais nada, o contato com bons textos, para ter boas referências. Sugere-se, então, a criação de oficinas ou ateliês de produção, em que os alunos possam ter à sua disposição os mais variados tipos de texto no momento da produção. (GOMES, 2011, p. 150-151)
Lembramos que:
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O escritor competente é aquele que consegue construir textos coesos, coerentes e eficazes. Mas como transformar nossos alunos em escritores competentes? Primeiro, fazendo-os produzir muitos textos, mesmo quando ainda não são capazes de escrever. É necessário que toda produção de texto seja precedida de uma clara definição de objetivos, pois o aluno deve ter em mente para que, para quem, onde e como deve escrever o que vai escrever. É preciso, desde cedo, trabalhar com o aluno a noção dos gêneros textuais, para que ele saiba que, para objetivos diferentes, tem de produzir gêneros diferentes e que cada gênero possui suas características específicas. Maria Lúcia de Castro Gomes Dica de leitura Educar: lemas, temas e dilemas, de Ana Gracinda Queluz Garcia e Maura Maria Moraes de Oliveira Bolfer (orgs.) Essa coletânea traz estudos e experiências de conceituados profissionais acerca dos principais lemas que regem os sis-
temas educacionais, as importantes temáticas que influenciam a elaboração de políticas públicas e que impactam diretamente no trabalho daqueles que atuam nas escolas, e, por fim, os desafios de se enfrentar os dilemas da área de educação. Tratase de uma obra fundamental para o estímulo de novas reflexões e que, certamente, contribuirá com a arte de educar. Aplicações Livro-texto indicado para os cursos de Pedagogia, Licenciaturas em geral e cursos de pós-graduação que contemplem a formação de professores. Fonte: GARCIA, A. G. Q. e BOLFER, M. M. M. de O. (orgs.) Educar: lemas, temas e dilemas. São Paulo: Cengage Learning, 2009. Texto ou discurso?, de Beth Brait e Maria Cecília Souzae-Silva (orgs.) Texto é discurso? Pode ser discurso? Discurso e texto são sinônimos, são conceitos redundantes? Esta obra surge isso, foram mobilizados alguns dos mais ilustres linguistas brasileiros e de outros países. Fonte: BRAIT, B.; SOUZA-E-SILVA, M. C. P. Texto ou discursos?. São Paulo: Contexto, 2012
Referências GOMES, M. L. de C. Metodologia do ensino de língua portuguesa. 2ª ed. ver. e ampl. Curitiba: Ibpex, 2011. KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e escrever: estratégias de produção textual. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2010.
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da necessidade de se obter respostas a essas questões e, para
REGO, T. C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis: Vozes, 1995. TEBEROSKY, A. Psicopedagogia da linguagem escrita. 9ª ed. Petrópolis: Vozes, 2001. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. ZUNINO, D. L.; PIZANI, A. P. de. A aprendizagem da língua escrita na escola: reflexões sobre a proposta pedagógica construtivista. 2ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
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G ĂŞneros do discurso e o ensino da lĂngua portuguesa
A língua portuguesa consolidou-se ao longo de muitas décadas sob a base tradicional de ensino, conforme já aventado em outras disciplinas. Na abordagem tradicional, contamos apenas com a exploração da gramática normativa da língua portuguesa, desconsiderando o contexto social a que ela se integra. A língua, vista sob essa forma, consolida-se como prescritiva e inviolável, não cabendo outras possibilidades de expressão senão as prescritas em livros de gramática. Sabe-se que muitos fatores culminaram com essa tradição: o próprio histórico da língua ao longo dos tempos e, também, a formação dos professores, moldada a uma abordagem mais tradicionalista. O estudo a partir dos gêneros do discurso apresenta-se como uma quebra de paradigma diante do exposto, haja vista que vislumbra inúmeras possibilidades de leituras, seja
nas modalidades de leitura, de escrita e também de oralidade. A comunicação, embora não nos damos conta, ocorre por meio dos gêneros. Os gêneros são, então, formas empíricas que modelam a nossa comunicação. Dominar os gêneros do discurso significa ter o domínio de uma situação de comunicação. Logo, esta discussão apresenta-se como parte integrante ao pensarmos no ensino da língua portuguesa a crianças do Ensino Fundamental I. Os assuntos a serem abordados nesta unidade são: • A concepção de gêneros do discurso; • A importância do trabalho com os gêneros; • As especificidades das histórias em quadrinhos. Espera-se que, ao término desta unidade, você possa
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compreender o trabalho realizado com os gêneros textuais e consiga planejar as suas aulas, ampliando sempre o universo de seus alunos. Ao final da unidade, espera-se que você seja capaz de: • Compreender os pressupostos teóricos sobre a concepção de gênero do discurso; • Entender a importância do ensino dos gêneros do discurso aos alunos do Ensino Fundamental I; • Entender o funcionamento das histórias em quadrinhos.
4.1 A concepção de gêneros do discurso Iniciamos esta unidade estabelecendo a seguinte questão: O que são gêneros do discurso? Podemos definir gêneros como “dispositivos de comunicação que só podem aparecer quando certas condições sócio-históricas estão presentes” (MAINGUENEAU, 2001, p. 61). Afirmamos, em outras palavras, que todos os textos pertencem a um determinado gênero de discurso. Somos confrontados por uma multiplicidade de gêneros durante a nossa vida, dos mais simples aos mais complexos, embora não tenhamos a consciência de sua impregnação. dão para a forma com que as situações se organizam. Para Maingueneau, “essa aptidão não requer uma aprendizagem explícita; nós a adquirimos por impregnação, ao mesmo tempo que aprendemos a nos conduzir na sociedade” (MAINGUENEAU, 2001, p. 41). O linguista russo Mikhail Bakhtin teoriza sobre a questão dos gêneros do discurso de forma precisa. Pode-se dizer que dominar os gêneros do discurso é uma questão de “economia” cognitiva. Aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a fala do outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe o gênero, adivinhar-lhe o volume (a extensão aproximada do todo discursivo), a dada estrutura composicional, prever-lhe o fim, ou seja, desde o início, somos sensíveis ao
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Vamos desenvolvendo, ao longo da vida, uma apti-
todo discursivo que, em seguida, no processo da fala, evidenciará suas diferenciações. Se não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo da fala, se tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível. (BAKHTIN, 2000, p. 302)
Observamos, então, que dispomos de uma variedade de gêneros do discurso que utilizamos para nos comunicarmos, seja pela escrita ou pela oralidade: bilhetes, lembretes, cartas, convites (casamento, aniversário, batizado), entrevistas, poemas, canções, notícias de jornais, histórias em quadrinhos, charges, contos, crônicas, artigos de revistas, relatórios, resumos, piadas etc. No entanto, Brandão alerta para a seguinte questão:
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[...] um gênero não é uma forma fixa, cristalizada de uma vez por todas e que deve ser tratado como um bloco homogêneo. E é esse o equívoco que cometem algumas das abordagens pedagógicas. O professor não pode perder de vista a dimensão heterogênea que a noção de gênero implica. (BRANDÃO, 2000, p. 38)
Brandão (2000) anuncia que há gêneros que vão se modificando ao longo do tempo. O professor deve trabalhar com essa premissa, pois os gêneros vão se modificando a partir do próprio desenvolvimento do mundo social. Como exemplo, podemos citar o convite de casamento. Alguns convites ainda apresentam um formato mais tradicional. Há, no entanto, convites de casamento mais “modernos”, ao estilo dos noivos e, muitas vezes, totalmente diferentes dos mais tradicionais. No entanto, os convites, sejam eles mais tradicionais ou mais
“alternativos”, devem conter algumas informações imprescindíveis, como: nome dos noivos, local, data e horário da cerimônia. Sem que esses elementos estejam presentes, não será possível associá-los a um convite de casamento. Há inúmeros outros gêneros que circulam em nossa vida diária. Não temos consciência, como já dito, de que nos comunicamos durante nossa existência utilizando os gêneros do discurso. Bakhtin amplia ainda mais a condição de impregnação dos gêneros em nossa vida e acentua a sua condição infinita ao dizer: A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e a cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa. (BAKHTIN, 2000, p. 279)
Ora, se somos confrontados com uma multiplicidade de gêneros desde o nosso nascimento, e se essa será uma condição permanente ao longo de nossa existência, podemos lançar a seguinte questão: qual será, então, a relevância de ensiná-los no contexto da língua portuguesa já no Ensino Fundamental I? O ensino a partir dos gêneros assume relevância capital no contexto da língua portuguesa já no Ensino Fundamental I, sobretudo no que diz respeito à leitura e à escrita. Podemos, a partir do conhecimento prévio do aluno, trabalhar elementos da língua portuguesa: a escrita (a escolha do assunto, do léxico), a organização textual que o gênero prevê e, também, os próprios deslocamentos permitidos junto ao gênero em foco. Maingueneau, a esse respeito, esclarece:
Gêneros do discurso e o ensino da língua portuguesa
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Todo gênero de discurso está associado a uma certa organização textual, que cabe à linguística textual estudar. Manejar um gênero de discurso é ter consciência mais ou menos clara dos modos de encadeamento de seus constituintes sobre diferentes níveis: de frase a frase, mas também em suas grandes partes. (MAINGUENEAU, 2001, p. 54)
O professor deve ter o domínio do gênero com o qual trabalhará e jamais deve se distanciar da competência comunicativa que prevê o ensino atual. Ensinar a língua é desenvolver a competência comunicativa do educando e, considerando o texto uma unidade de comunicação, para nós, o aluno deve ser exposto a diferentes tipos de textos e de gêneros discursivos para apreender o que os caracteriza em suas especificidades e naquilo que os identifica. (BRANDÃO, 2000, p. 40)
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Faz-se oportuno, a partir do arcabouço teórico exposto, a particularização de alguns gêneros que poderão ser utilizados no ensino de língua portuguesa no Ensino Fundamental I. A história em quadrinhos constitui um deles.
Para refletir Como seria a nossa comunicação se não existissem os gêneros do discurso? Como poderíamos pensar em uma “aula” ou mesmo uma “palestra” se não tivéssemos essa referência?
4.2 H istórias em quadrinhos: um olhar mais aguçado diante de suas especificidades Abordaremos, neste tópico, o gênero histórias em quadrinhos, ainda muito pouco trabalhado nas aulas de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental I. Sabemos que as histórias em quadrinhos (HQs) são de fácil identificação e de grande interesse de muitas crianças. As crianças sentem familiaridade com esse gênero em função dos quadros serem identificáveis, dos desenhos serem engraçados e dos balões reproduzirem a própria fala. As HQs contam com personagens fixos. Essas são características do gênero HQ. Pode-se dizer que as HQs se manifestam na modalidade escrita. As histórias são, em geral, do tipo narrativo. A sequência vai sendo construída ao longo da história, havendo uma progressão temporal organizada quadro a quadro. Para Mendonça, as HQs são importantes à cognição do leitor: Quanto aos mecanismos e recursos tecnológicos usados para narrar, os quadrinhos têm relação com o cinema e com os desenhos animados: enquanto, nos dois últimos, todos os quadros são apresentados em movimento na tela, nas HQs, há uma seleção dos quadros a serem sequenciados, o que demanda um trabalho cognitivo maior por parte do leitor, de modo a preencher as lacunas e reconstruir o fluxo narrativo. (MENDONÇA, 2005, p. 196)
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Infere-se daí que esse recurso, embora aparentemente de fácil aplicação em sala de aula, requer do professor organização da atividade para que o resultado seja atingido. As HQs buscam, por meio da modalidade escrita, reproduzir a fala que, em geral, ocorre nos moldes de uma conversa informal, retratada por meio de balões. O professor poderá aproveitar e, a partir da conversa apresentada nas HQs, simular uma discussão sobre a temática envolvida e, daí, trabalhar a oralidade com seus alunos. Ademais, o professor estará mediando toda a discussão. Ramos nomeia diversas formas de balões segundo os preceitos de Cagnin (1975):
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Balão-fala – o mais comum e expressivamente o mais neutro; possui contorno com traçado contínuo, reto ou curvilíneo; também é conhecido como balão de fala; balão-cochicho – linha pontilhada, possui indicação de tom de voz baixo; balão-pensamento – contorno ondulado e apêndice formado por bolhas; possui o formato de uma nuvem; indica pensamento; balão-berro – extremidades para fora, como uma explosão; sugere tom de voz alto; balão-trêmulo – linhas tortas; sugere medo ou voz tenebrosa; balão-vibrado – indica voz tremida; balão-de-linhas-quebradas – para indicar fala vinda de aparelhos eletrônicos; balão-glacial – desprezo por alguém ou choro; é “glacial” porque parece gelo derretendo; balão-uníssono – reúne a fala de diferentes personagens; balõesintercalados – durante a leitura dos balões de um personagem, pode haver outro balão com a fala de um interlocutor; balão-zero ou ausência de balão – é quando não há o contorno do balão; é indicado com ou sem o apêndice. (RAMOS, 2009, p. 37-41)
Além dos diferentes tipos de balões citados, o autor ilustra outros que poderão ser encontrados no gênero HQs.
Salientamos que o professor, além da discussão sobre a temática apresentada nas HQs, poderá fazer uso didático das interjeições e das reduções lexicais, elementos constitutivos desse gênero, nas aulas de Língua Portuguesa, como forma de pontuar como essas sinalizações indiciam a interpretação do texto. Ademais, os professores, ao utilizarem as HQs, podem trabalhar o humor, a ironia, as piadas, as expressões utilizadas no dia a dia, muitas vezes oportunizadas por esse gênero, mas ainda um tanto quanto negligenciadas pela escola. Enfim, há um arsenal prático-pedagógico em relação a esse gênero. Pode-se afirmar que as HQs constituem um gênero de grande riqueza no que diz respeito à linguagem verbal e à não verbal, pois ambos, texto e desenhos, desempenham papel central na construção dos sentidos. Para Mendonça, linguístico-cognitivas realizadas continuamente pelos leito-
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res de HQs” (MENDONÇA, 2005, p. 196-197).
Gêneros do discurso e o ensino da língua portuguesa
“desvendar como funciona tal parceria é uma das atividades
As tiras, definidas como um subtipo das HQs, são particularmente interessantes de serem trabalhadas na escolarização formal no Ensino Fundamental I, embora ainda não sejam o objeto de desejo de muitos docentes. Muitos destes atendem ao que o livro didático solicita, sem explorá-las em sua profundidade. Temos também o gênero charge, que poderá ser trabalhado pelo professor em aula de Língua Portuguesa. No entanto, as charges demandam um trabalho mais direcionado por parte do professor. A charge constitui um desenho de humor, apresentando ou não legenda. Ela aborda temas sociais, econômicos e políticos e é geralmente apresentada em jornais e revistas. Os professores, ao selecionarem cuidadosamente as charges a serem trabalhadas, estarão, por um lado,
apresentando o aluno ao mundo de uma leitura mais interpretativa e, por outro, despertando o interesse pela leitura de jornais. Vale salientar que o trabalho com as charges deve ser muito bem orientado, pois para que elas possam ser interpretadas é necessário que o aluno tenha o conhecimento enciclopédico do que será abordado para que a atividade não caia na frustração. É necessário, então, que o professor estabeleça algumas discussões orientadas em relação ao que a charge irá abordar. O sucesso dessa atividade dependerá da sensibilidade do professor em relação aos seus alunos. As charges trabalhadas no Ensino Fundamental I devem ser muito bem escolhidas e, dependendo da turma, talvez seja melhor trabalhá-las em séries mais avançadas, em função do grau de dificuldade que elas demandam. Dicas de leitura Gêneros Textuais e Ensino, de Ângela P. Dionisio, Anna Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
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R. Machado e Maria A. Bezerra (org.) As discussões teóricas e as análises de gêneros incluídos neste volume trazem uma contribuição valiosa para o ensino e a formação do professor de língua. Os textos reunidos tornam acessíveis ao professor, ao aluno dos cursos de Pedagogia e de Letras, aos estudiosos da linguagem em geral, um conjunto de gêneros novos, relativamente desconhecidos, da mídia eletrônica, e um segundo conjunto de gêneros, melhor conhecidos, porém com uma roupagem nova – a dos suportes da mídia escrita - e, portanto, com novas funções em novas situações comunicativas. A originalidade da descrição linguístico-textual e discursiva dos gêneros para efeitos didáticos encontra-se na realização de tal descrição sem deformar o gênero no processo, como acontece nos tratamentos efetuados pelos livros didáticos, que descaracterizam aspectos constitutivos de práticas sociais que envolvem alguma forma
de ação – cantar a letra de uma canção, mandar uma opinião a um jornal, citar uma frase memorável – em textos que materializam – em textos que materializam os gêneros. Fonte: DIONISIO, Â. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (org.). Gêneros Textuais e Ensino. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. A leitura dos quadrinhos, de Paulo Ramos Quadrinhos combinam com escola? Se houve um tempo em que a resposta era negativa, agora o cenário mudou. E muito. A presença deles nas provas de vestibular, a sua inclusão nos Parâmetros Curriculares Nacionais e a distribuição de obras ao ensino levaram obrigatoriamente a linguagem dos quadrinhos para a realidade pedagógica do professor. Neste livro inovador, Paulo Ramos relaciona duas áreas ainda não muito estudadas em conjunto: quadrinhos e gem, tanto em seu aspecto verbal quanto visual (ou não ver-
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bal). Assim, a relação entre fala e imagem, a onomatopeia, as
Gêneros do discurso e o ensino da língua portuguesa
estudos linguísticos. Afinal, ler quadrinhos é ler sua lingua-
vozes narrativas, o tempo e o espaço e os diversos tipos de balões utilizados são analisados com crítica e fundamentação. Trata-se de uma leitura construtiva e fundamental. Fonte: RAMOS, P. A leitura dos quadrinhos. São Paulo: Contexto, 2009. (Coleção Linguagem e Ensino)
Referências BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BRANDÃO, H. N. Texto, gêneros do discurso e ensino. In: CHIAPINI, L. (org.). Gêneros do Discurso na Escola. São Paulo: Cortez, 2000.
DIONISIO, Â. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (org.). Gêneros Textuais e Ensino. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. Trad. Cecília Pérez de Souza-e-Silva, Décio Rocha. São Paulo: Cortez, 2001. MENDONÇA, M. R. de S. Um gênero quadro a quadro: a história em quadrinhos. In: DIONISIO, Â. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (org.). Gêneros Textuais e Ensino. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. RAMOS, P. A leitura dos quadrinhos. São Paulo: Contexto, 2009.
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GĂŞneros do discurso e o ensino da lĂngua portuguesa
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O funcionamento discursivo do livro didĂĄtico de LĂngua Portuguesa
A discussão sobre o livro didático como instrumento de trabalho do professor de Língua Portuguesa é antiga e merece destaque diante de sua grande adoção em âmbito nacional. Pode-se, seguramente, afirmar que, muitas vezes, o livro didático é a única referência que professores e alunos têm ao ensino-aprendizagem da língua portuguesa no contexto brasileiro. Ainda que muito utilizado, seja em escolas particulares ou em escolas da rede pública, poucos estudos se debruçam sobre o livro didático como instrumento de trabalho do professor e de estudo do aluno. Há muitos livros lançados pelo mercado editorial que são adotados pela escola e não pelo professor propriamente dito. Ao professor, nesse contexto, resta apenas acatar as prescrições ditadas pela escola, ou por seus coordenadores. Faz-se oportuno mencionar que não
nos deteremos a críticas quanto aos interesses financeiros que ele suscita. Esse seria um tema que não agregaria ao conteúdo desta unidade. Há livros didáticos que são adotados por comporem a listagem de livros recomendados pelos Parâmetros Nacionais do Livro Didático, com base em programas do Ministério de Educação e Cultura que regulam “o que” e “como” o conteúdo deve ser ensinado pelos professores. Na mesma linha de raciocínio encontram-se “o que” e “como” os alunos devem aprender. Esta unidade tem como objetivo analisar o funcionamento do livro didático de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental I. Não almejamos propor mudanças metodológicas quanto ao modelo de trabalho nele constituído.
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Pretendemos entender o funcionamento discursivo das atividades propostas nesses livros e problematizar a forma como muitas delas desconsideram o aluno em seu crescimento mais amplo. Muitos exercícios contemplam os alunos como “seres homogêneos” e desconsideram a criatividade, a heterogeneidade constitutiva da essência humana. Os assuntos a serem abordados nesta unidade são: • O surgimento do livro didático no Brasil; • O livro didático como instrumento da ação pedagógica; • A estrutura dos livros didáticos de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental I; • Análise dos conteúdos dos livros didáticos de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental I; • Análise do conteúdo de uma seção intitulada “Estudo da Língua” de uma série utilizada no 3º, 4º e 5º anos.
Espera-se que, ao término desta unidade, você possa entender o funcionamento do livro didático e possa, de forma coerente, trabalhar seus conteúdos de forma a ampliar o horizonte de seus alunos. Ao final da unidade, espera-se que você seja capaz de: • Conhecer o surgimento do livro didático no Brasil; • Perceber o livro didático como instrumento da ação pedagógica; • Entender o funcionamento discursivo do livro didático de Língua Portuguesa; • Entender o funcionamento dos exercícios propostos por livros didáticos de Língua Portuguesa no Ensino
Ou seja, espera-se que, ao término desta unidade, você tenha ampliado a visão acerca do funcionamento dos livros didáticos de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental I. Essa etapa é de fundamental importância, haja vista que você, como futuro professor, deverá fazer escolhas do material a ser adotado aos seus alunos. Almejamos, então, apurar o seu senso analítico para que você possa efetuar boas escolhas em relação ao momento e ao contexto de seu trabalho.
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Fundamental I.
5.1 O surgimento do livro didático no Brasil O livro didático, sobretudo o de Língua Portuguesa, vem sendo foco de inúmeras pesquisas por parte da área de educação. É importante que saibamos como os livros didáticos surgiram na realidade brasileira. Apresentaremos, nesta seção, um breve histórico do livro didático no contexto brasileiro. A sua história apresenta-se sob forma “desordenada, e sem a correção ou a crítica de
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outros setores da sociedade (partidos, sindicatos, associações de pais e mestres, associações de alunos, equipes científicas etc.)” (FREITAG, 1997, p. 11). Percebe-se que o seu surgimento não adveio de um projeto sistematizado, pautado sob bases legitimadas. A história do livro didático no Brasil ocorreu a partir de “uma sequência de decretos, leis e medidas governamentais que se sucedem, a partir de 1930[...]” (FREITAG, 1997, p. 11), não havendo, portanto, uma política de desenvolvimento voltada estritamente à sua função como material didático. Freitag, em relação às leis e decretos, atribui sentido à questão, dizendo: Essa história da seriação de leis e decretos somente passa a ter sentido quando interpretadas à luz das mudanças estruturais como um todo, ocorridas na sociedade brasileira, desde o Estado Novo até a “Nova República”. (FREITAG, 1997, p. 11)
Percebemos, ao pesquisar sobre o surgimento do livro didático no Brasil, que ele, por ter surgido a partir de decre-
tos, leis e medidas governamentais, carece de uma linha norteadora acerca de sua função e importância. Freitag elenca alguns problemas ao longo da história acerca do seu surgimento (grifo meu) no Brasil. A autora enumera alguns desses problemas ao dizer: Os autores brasileiros especializados na questão educacional (incluindo os historiadores da educação) estão pouco preocupados com a dimensão do livro didático. Não há estudos sistemáticos sobre o surgimento do livro didático no Brasil, e as políticas públicas que dirigiam a sua trajetória. (FREITAG, 1997, p. 18-19)
A autora, de forma crítica, pontua a falta de interesrespeito à importância de conhecermos a história do livro
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didático em sua profundidade. Poderíamos, ao entendermos
O funcionamento discursivo do livro didático de Língua Portuguesa
se por parte de educadores e profissionais afins no que diz
o surgimento desse instrumento de trabalho do professor, compreender a forma como ele se consolidou ao longo dos anos na educação nacional. Estudar o passado nos remeteria a entender o funcionamento desse instrumento que é parte integrante do cotidiano do professor dos dias atuais, sobretudo o de Língua Portuguesa. A autora salienta outro ponto de grande relevância: A história do livro didático tampouco foi sistematizada pelos pesquisadores e assessores do MEC (Ministério da Educação), INL (Instituto Nacional do Livro) ou pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos em Pesquisas Educacionais), ou seja, por aqueles organismos oficiais, especialmente criados para assegurar uma política estatal coerente do livro no Brasil. Por isso mesmo, parece não haver uma memória das políticas públicas desenvolvidas em relação ao livro didático no ministério competen-
te, repetindo-se iniciativas, recriando-se, com cada governo, novas comissões e instituições (INL, FEAME, FAE), renomeando-se políticos e refazendo-se decretos, sem consideração do que já havia sido criado, pensado e concretizado anteriormente (FREITAG, 1997, p. 19).
A autora traz à tona outra crítica em relação aos próprios órgãos que normatizam o livro didático. Eles, desde o seu surgimento, deixaram de apresentar por muito tempo uma política dirigida especificamente a esse tipo de material. Assim, durante décadas, os livros não obtiveram um cuidado demarcado de forma mais prescritiva em relação à forma de utilização em sala de aula. Durante muito tempo foram feitos e refeitos, sem que houvesse uma política de
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pesquisa, fundamental em qualquer área, mas, sobretudo, na educação. O livro didático brasileiro adquire, no decorrer da definição das políticas públicas, uma função que não lhe é atribuída em outros países do mundo: sua destinatária quase exclusiva passa a ser criança carente de recurso ou, segundo linguagem também usada, oriunda das classes populares e de baixa renda. (FREITAG, 1997, p. 19)
As palavras de Freitag demonstram que a criança carente de recurso, ou oriunda das classes populares e de baixa renda foi o sujeito principal para esse tipo de material. Essas crianças foram, na época do surgimento do livro didático, os destinatários principais dos livros produzidos. Sabemos que tal panorama não condiz com a situação de nossa escola atual. Temos uma maciça adoção de livros didáticos de Língua Portuguesa em escolas públicas e, sobretudo, nas particulares das mais altas esferas.
A importância dada pelo governo ao livro didático e o controle crescente sobre ele, exercido pelo governo federal, pelos estados e municípios, decorrem da percepção de que é necessário compensar – via políticas públicas – as desigualdades criadas por um sistema econômico e social injusto, com enormes discrepâncias sócio-econômicas entre ricos e pobres. (FREITAG, 1997, p. 19)
A autora, nesse tópico, salienta o caminho alternativo adotado pelo governo, via políticas públicas, como tentativa de minimizar as desigualdades socioeconômicas explícitas de um país pouco interessado em manter um ensino de qualidade para todos. O panorama atual do ensino de língua portuguetém diretrizes norteadoras quanto à escolha de um livro. Esse plano poderá ser visto como uma referência a um título. Esclareço, já inicialmente, que não almejo, ao fazer referência a esse plano, apresentar a você, professor, uma receita mágica do melhor livro a ser adotado aos seus futuros alunos via PNLD. Almejo, sim, aguçar o seu senso analítico em relação à adoção de um livro didático que contemple as necessidades e interesses de seus alunos. Sabemos que um livro didático não é, muitas vezes, ainda que legitimado por órgãos superiores, o melhor material destinado a determinados alunos. Como professor, você será solicitado a escolher o material a ser utilizado em sua disciplina. Portanto, você será o profissional que fará a escolha que poderá ser muito bem sucedida se você conhecer a realidade com a qual irá trabalhar. Portanto, a dica é: escolha um livro que contemple as necessidades e interesses de seus alunos. Dessa forma, o livro será um instrumento de trabalho aliado aos seus interesses enquanto educador.
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sa conta com o Plano Nacional do Livro Didático, que con-
5.2 O livro didático como instrumento da ação pedagógica O livro didático é, muitas vezes, utilizado como único instrumento pedagógico destinado ao ensino pelos professores. Muitos destes, sem grande experiência no ensino, apoiam-se nos preceitos do livro didático como fonte principal de suas ações junto aos alunos. Freitag apresenta três categorias de “usuários ou consumidores” (termos utilizados
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pela autora): Do ponto de vista do uso, há três categorias de usuários ou consumidores do livro didático: o Estado, que compra o livro; o professor, que escolhe e o utiliza como instrumento de trabalho em suas aulas; e, finalmente, o aluno que tem no livro o material considerado indispensável para seu aprendizado nesta ou naquela área do conhecimento, num ou noutro nível de formação. (FREITAG, 1997, p. 105)
Sabe-se que as escolas públicas utilizam os livros conforme indicações do PNLD. Há, portanto, a prescrição do Estado diante do material didático que se adota. Em muitas escolas particulares a escolha ocorre pelo próprio professor, a partir da listagem apresentada pelo PNLD ou por outras instâncias, como as citadas por Coracini: A escolha do livro didático a ser adotado depende, também, de vários fatores: o(a) coordenador(a) indicou, porque estava na lista
do MEC; o livro é atraente (pela apresentação visual); o livro já é tradicionalmente adotado e a criança pode usar o livro do irmão, ou até do vizinho. (CORACINI, 1999, p. 35)
Os alunos, por sua vez, tendo o material sido adotado, esperam que ele seja, de fato, utilizado. Essa é uma expectativa natural não apenas dos alunos, mas, sobretudo, de seus pais. Ele passa a ser legitimado como fonte do saber. Os professores devem, apesar de todas as coerções que lhes são, muitas vezes, impostas, operar mudanças em prol de um ensino mais significativo. Se o livro didático é prerrogativa da instituição na qual o professor trabalha, este deve acatá-lo, sem ressalvas. No entanto, o professor, ao contemplá-lo como instrumento de trabalho em suas aulas, poderá fazêde forma diferente aos pressupostos ditados pelo livro. Nesse episódio prevalecerá o discernimento do professor diante de suas próprias ambições como educador. Ressaltamos que o professor deve contar com autonomia diante do que julga ser significativo ensinar aos seus alunos no universo do livro didático. Muitas atividades do livro poderão, então, ser reformuladas, sem ferir o conteúdo apresentado no livro. A experiência do professor vai moldando a sua própria prática pedagógica. A “transgressão” das regras poderá ser vista como algo positivo se a prioridade for os interesses e as necessidades dos alunos.
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-lo de forma que o conteúdo, muitas vezes, seja trabalhado
5.3 A estrutura dos livros didáticos de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental I Faço menção já inicialmente que não proponho uma análise diferenciada entre livros didáticos utilizados por escolas públicas ou por escolas particulares. Proponho uma análise do conteúdo dos livros utilizados em ambos os contextos. Reitero: não pretendo discorrer em críticas sobre a diferença entre o que a escola pública e a escola particu-
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lar propõem. Pretendo analisar o conteúdo de tais livros de forma a contribuir para que o professor adote uma posição de criticidade quanto ao material que irá adotar para as aulas de Língua Portuguesa. Pretendo, com isso, aguçar o senso analítico para que os professores possam, diante do mercado editorial, selecionar os livros condizentes ao perfil dos alunos com o quais irão trabalhar. Esse preceito evidentemente ocorrerá quando ao professor for delegada a escolha do material, conforme já aventado em tópicos anteriores. Freitag (1997) atribui grande importância ao papel do professor em relação à utilização do livro didático. Fleury, fazendo referência aos pressupostos de um livro didático, apresenta as normas categorizadas a seguir: a) Padronizar e delimitar a matéria; b) apresentar aos docentes métodos e processos julgados como eficientes pelos seus autores, para melhorar os resultados do ensino; c) colocar ao alcance de todos, especialmente alunos, estam-
pas, desenhos, mapas e textos de difícil acesso ou muito raros. (FLEURY, 1961, p. 174-177)
Observamos que, embora tais normas tenham sido categorizadas há muitos anos, elas não sofreram grande alteração em suas características principais. Percebem-se, ainda hoje, tais características ao analisarmos os livros didáticos de várias séries. O professor não muito atento aos reais pressupostos de um livro didático, muitas vezes, torna-se refém desse material, respeitando todas as normas e as sequências ditadas pelo autor. Vemos, nessa perspectiva, um professor usuário do livro e, portanto, sem a devida criticidade que se espera de um docente quando exposto a uma “verdade” estabelecida A autora Grigoletto estabelece que “uma das formas de disseminação do poder decorrente da produção, circulação e funcionamento dos discursos na esfera escolar está no livro didático que funciona como um dos discursos de verdade” (GRIGOLETTO, 1999, p. 67). A autora recorre aos pressupostos preconizados por Foucault, que diz: Em uma sociedade como a nossa, mas no fundo em qualquer sociedade, existem relações de poder múltiplas que atravessam, caracterizam e constituem o corpo social e (...) estas relações de poder não podem se dissociar, se estabelecer nem funcionar sem uma produção, uma acumulação, uma circulação e um funcionamento do discurso. Não há possibilidade de exercícios do poder sem uma certa economia dos discursos de verdade que funcione dentro e a partir desta dupla exigência. Somos submetidos pelo poder à produção da verdade e só podemos exercê-lo através da produção da verdade. (FOUCAULT, 1979, p. 179-180)
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pelo autor do material didático.
Grigoletto define o discurso de verdade como sendo “aquele que ilusoriamente se estabelece como um lugar de completude dos sentidos” (GRIGOLETTO, 1999, p. 67-68). Para a autora, um discurso de verdade “se constitui, no espaço discursivo da escola, como um texto fechado, no qual os sentidos já estão estabelecidos (pelo autor), para ser apenas reconhecido e consumido pelos usuários (professores e alunos)” (GRIGOLETTO, 1999, p. 68). Assim, espera-se que os professores assumam uma postura de criticidade em relação à forma de condução das atividades ditadas pelo material didático adotado.
5.4 Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
100
A nálise dos conteúdos dos livros didáticos de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental I Passaremos, agora, a analisar alguns livros didáticos de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental I. Ao analisarmos os tipos de exercícios contemplados nos mais diferentes livros didáticos correspondentes ao componente curricular de Língua Portuguesa dos 3º, 4º e 5º anos, foi possível perceber que a estrutura é a mesma para todas as unidades. Os sumários não apresentam um formato que possa, de alguma forma, suscitar a curiosidade dos alunos. Os livros analisados dispõem da mesma estrutura, variando apenas o conteúdo em termos de complexidade, dada a continuidade do conteúdo que a língua pressupõe. Grigoletto diz que “o primeiro ponto que chama a atenção quando se anali-
sam livros didáticos é a repetição de algumas características gerais, resultantes de um certo funcionamento que rege esse tipo de publicação” (GRIGOLETTO, 1999, p. 67). Inferimos daí que os livros apresentam um formato discursivo homogêneo característico ao gênero. Foi possível perceber, dentre todos os livros analisados, que eles dispõem em seu sumário as seções que cada unidade irá abarcar. O primeiro livro analisado – o do 3º ano – apresenta, em suas 280 páginas, a mesma disposição gráfica, variando apenas nas cores, nos desenhos de cada seção. O segundo livro analisado – o do 4º ano – apresenta, em suas 240 páginas, um formato mais colorido e com uma unidade textual mais elaborada. O terceiro livro analisado – o do 5º ano – apresenta, em suas 240 páginas, uma unidade textual séries iniciais. Analisaremos, em primeiro lugar, a proposta de leitura vinculada a cada material. Há um caráter de homogeneização. Todos os leitores são levados a ter as mesmas impressões, a chegar às mesmas conclusões, ou seja, a reagir da mesma forma sobre o conteúdo trabalhado. As atividades de leitura do 3º ano restringem-se a “Copie no caderno a resposta à pergunta X”, “Transcreva no caderno a alternativa...”, “Escreva no caderno...”, “Identifique no texto os fragmentos que contam que:...”. Percebe-se que não há reflexão por parte do aluno, pois a ele cabe apenas “copiar”, “transcrever”, “escrever”, “identificar”. Não lhe é solicitado interpretar. As atividades de leitura do 4º ano seguem o mesmo formato. No entanto, os textos são mais instigantes. As perguntas são feitas após a leitura do texto, de forma cronológica. Há um número enorme de perguntas de reconhecimento do conteúdo da história. Novamente nos deparamos com
101 O funcionamento discursivo do livro didático de Língua Portuguesa
mais elaborada: os textos são mais extensos se comparados às
uma “interpretação” que é dada pelo texto, cabendo aos alunos apenas reproduzi-la nos moldes apresentados pelo livro. As atividades de leitura do 5º ano seguem a mesma atribuição focalizada na leitura do 4º ano. No entanto, os textos são mais complexos e mais longos. Contudo, os exercícios continuam abraçando apenas o previsível pelo texto. As perguntas seguem a forma cronológica apresentada pelo texto. O aluno não é impulsionado a dar a sua opinião sobre os fatos, a colaborar com a construção da interpretação do texto. O texto já está meticulosamente pronto para ser digerido, não oportunizando brechas para que os alunos possam exercer a reflexão sobre o que leram e sobre o que a leitura poderia suscitar. Grigoletto, a esse respeito, diz: Tais procedimentos, que estabelecem o LD como um objeto fechado à interpretação, revelam a concepção, pelo autor e editor do LD e, possivelmente, também pelos seus consumidores, de que o livro seja um lugar no qual os sentidos se fecham, se completam e aparecem de forma transparente ao professor. Essa concepção é condizente, na sua ilusão de cerceamento dos sentidos, com o funcionamento do LD como um discurso de verdade. A verdade tem de se mostrar transparente. (GRIGOLETTO, 1999, p. 69)
Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
102
Percebemos, ao analisarmos alguns livros didáticos, que, embora os textos sejam bem escolhidos em alguns casos, as atividades propostas, muitas vezes, deixam a interpretação em segundo plano. Os textos são trabalhados como forma de contemplar a gramática normativa da língua portuguesa. Sabemos que a gramática deve ser ensinada de forma contextualizada. No entanto, o trabalho com a leitura deverá sempre ser realizado de forma a contemplar a compreensão e interpretação que ele sugere. O trabalho com a gramática deverá ocorrer após o texto
ter sido interpretado. O texto, no momento da interpretação, deve esgotar todas as suas possibilidades, para que possamos, dessa forma, ensinar a atribuição dos sentidos ao texto.
5.5 A nálise do conteúdo de uma seção intitulada “Estudo da Língua” de uma série utilizada nos 3º, 4º e 5º anos Passamos a analisar as mesmas seções dos livros didáescola. A seção sob análise será “Estudo da Língua”. Todos os trechos pertencentes ao livro didático serão sinalizados por meio do itálico durante o delineamento do exercício. 3º ano – “Estudo da Língua” – página 13 Ponto de interrogação e ponto de exclamação Expressão de cortesia O exercício inicia-se da seguinte forma: 1. Leia as frases. - Hoje tem espetáculo? - Tem, sim senhor! a) Agora, observe a pontuação de cada frase. O que elas têm de diferente? Em que situações elas são usadas? A seguir, há indicação do ponto de interrogação e do ponto de exclamação.
103 O funcionamento discursivo do livro didático de Língua Portuguesa
ticos de 3º ano, 4º ano e 5º ano de uma série utilizada por uma
O sinal ? se chama ponto de interrogação. O sinal ! se chama ponto de exclamação. Em seguida, há a proposição do seguinte exercício: b) No caderno, copie do texto “O quarto que virou circo” uma frase que indica entusiasmo. Análise Podemos dizer que esse exercício, apesar de ser a reprodução fiel do que há no texto, apresenta-se como sendo interessante. Ao aluno caberá copiar no caderno uma frase do texto. No entanto, caberá a ele entender o fragmento desse texto que reproduza a ideia de entusiasmo. Esse exercício, portanto, apesar de ventilar a reprodução fiel do texto, incita a
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sua compreensão. Ademais, estamos trabalhando com crianças do 3º ano do Ensino Fundamental I. 4º ano – “Estudo da Língua” – página 22 Revisão: pontuação O exercício proposto foi: 1. Leia o trecho abaixo. Em seguida, há uma sentença ocupando duas linhas, com o predomínio da vírgula como pontuação. A sentença é a seguinte: “Queimaduras, envelhecimento rápido da pele, lesão nos olhos, desidratação, sardas e mesmo doenças mais graves [...] são alguns exemplos.” Na sequência, há a seguinte questão: » “Que sinal de pontuação está sendo mais usado e para quê?”
Análise Observamos, nesse exercício, que pouco caberá ao aluno decifrar, pois a ”vírgula” é a expressão máxima de pontuação instituída pela sentença. Portanto, ao aluno caberá apenas dizer a razão dela estar sendo utilizada. Segundo Grigoletto, “o LD é concebido como um espaço fechado de sentidos, e é desta forma que ele se impõe, e é normalmente acatado, pelo professor” (GRIGOLETTO, 1999, p. 68). Ainda há, no “Estudo da Língua” desta mesma unidade, a seguinte proposição de exercício: 2. “Observe com atenção o uso dos dois-pontos nesta frase”. “A estação mais esperada pela garotada já chegou: o verão,
Na sequência, há a seguinte questão: Os dois-pontos estão introduzindo uma fala de personagem, uma enumeração ou um esclarecimento? Análise Observamos, nesse exercício, que ao aluno caberá uma escolha dentre as opções elencadas. Não caberá a ele muita reflexão, haja vista a facilidade com que poderá executar o exercício. 5º ano – “Estudo da Língua” – página 39 Adjetivos Substantivos: gênero e número O exercício proposto foi: 1. Procure no texto e escreva no caderno.
105 O funcionamento discursivo do livro didático de Língua Portuguesa
tempo de sol e férias escolares”.
Em seguida, há a proposição de três atividades de localização de informações no texto, como as que se seguem: a) Dois nomes de bichos que a narradora do texto afirma ter em casa, mas que diz não ter convidado. b) O nome de um bicho que ela convidou. c) Como são classificadas as palavras que você copiou: substantivos ou verbos? Análise O foco norteador do exercício é o de “encontre no texto”. Mais uma vez percebemos um aluno passivo diante do que lhe é proposto: apenas a reprodução do que consegue reconhecer. A ele não é delegado desafios na esfera de suas possibilidades. Para um aluno do 5º ano, a atividade de
Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
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“encontre no texto” é demasiadamente fácil. A segunda atividade proposta é a seguinte: 2. No caderno, copie do trecho a seguir duas palavras que indicam como são as baratas que a narradora tem em casa. Há, a seguir, uma sequência de ideias: “Por exemplo: tenho baratas. E são baratas muito feias e muito velhas, que não fazem bem a ninguém.” Em seguida, a resposta é dada em um quadro, localizado abaixo do trecho apresentado. As duas palavras que você copiou são classificadas como adjetivos. Análise Novamente vemos a reprodução do que ao aluno é solicitado. Percebemos, ao longo dessas pequenas análises, que os exercícios estão voltados a “Escreva no caderno os adjetivos que
aparecem na frase X”, “Em seu caderno, escreva em que gênero (masculino ou feminino) e número (singular ou plural) estão os substantivos destacados nas frases” etc. Para Grigoletto: O poder do LD como um discurso de verdade, o seu poder disciplinar e, sobretudo, talvez, no LD de língua portuguesa, a ênfase no conteúdo e numa relação distanciada e exterior com a linguagem reforçam a manutenção do exercício escolar como um exercício de reprodução e não de formação pela linguagem, de burocratização e não de criação. O LD funciona pela ilusão de que os sentidos podem não só ser domesticados, mas também ditados na sua suposta literalidade e univocidade. (GRIGOLETTO, 1999, p. 75)
lizado no 5º ano. A seção sob análise será também “Estudo da Língua”. O título da seção é “Acentuação de paroxítonas terminadas em ditongos”. 5º ano – “Estudo da Língua” Acentuação de paroxítonas terminadas em ditongos O exercício propõe o seguinte: 1. Leia as palavras a seguir. Depois sublinhe os ditongos. água
prêmio
série
trégua
história
exercício
légua
cárie
crânio
memória
glória
espécie
Em seguida há o seguinte enunciado: Escreva o que as palavras do quadro têm em comum em relação: À classificação quanto à sílaba tônica. _____________________________________________
107 O funcionamento discursivo do livro didático de Língua Portuguesa
Analisaremos, a seguir, um segundo livro didático uti-
À acentuação. _____________________________________________ À classificação do encontro vocábulo. _____________________________________________ Análise O estudo focaliza as regras gramaticais da língua portuguesa. Percebemos que as questões estão soltas. Não há contextos que as apoiem. No entanto, o aluno conta com o auxílio do título da seção “Acentuação de paroxítonas terminadas em ditongo”. O aluno utiliza-se de uma estratégia de leitura para poder solucionar seu problema, se não souber como resolver o exercício.
Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
108
Todas as palavras são paroxítonas e todas terminam em ditongos, como sugere o próprio título da seção. Assim, os alunos, respaldados nessas dicas, poderão realizar os exercícios sem problemas. Podemos dizer que essas dicas são facilitadoras para a execução dos exercícios, mas, ao mesmo tempo em que são facilitadoras, mobilizam a atenção dos alunos, que, se atentos, conseguirão resolver os exercícios. Analisaremos, a seguir, um terceiro livro didático utilizado no 5º ano. A seção sob análise intitula-se “Outro Texto”, focalizando o gênero notícia de jornal. 5º ano – “Outro Texto” Notícia de Jornal O exercício propõe o seguinte: Leia a notícia do filhote de puma. A notícia é descrita em detalhes.
Há, após a leitura da notícia, uma seção intitulada “Estudo do Texto”. Nessa seção há perguntas de compreensão sobre o texto. Elencaremos a forma como todas se encontram no livro do aluno. 1. Leia. Depois marque a alternativa adequada. Geralmente o primeiro parágrafo de uma notícia responde a alguma dessas questões: Quem? O quê? Onde? Quando? Por quê? Pensando nisso, é possível afirmar que a finalidade do primeiro parágrafo de uma notícia é: • Dar todas as informações sobre o fato, para que o leitor não precise ler toda a matéria. ciado, atraindo o leitor para a leitura do restante da notícia. Análise A leitura da criança é dirigida, neste momento, para o que, de fato, ela deve entender para prosseguir com a compreensão. Esse exercício encaminha o olhar do aluno de forma a centrar a atenção na continuidade da história. Não há indução, mas apenas esclarecimento inicial sobre o assunto principal na leitura. Passamos à próxima etapa de leitura apresentada no livro. Uma notícia conta um fato, algum acontecimento real. Releia o primeiro parágrafo da notícia e responda às questões a seguir: a) Com quem aconteceu? _____________________________________________
109 O funcionamento discursivo do livro didático de Língua Portuguesa
• Destacar as informações mais importantes do fato noti-
b) O que aconteceu? _____________________________________________ c) Onde o fato aconteceu? _____________________________________________ d) Quando o fato aconteceu? _____________________________________________ Análise As palavras em negrito sugerem uma leitura mais detalhada para a compreensão da história de forma geral. Assim, o leitor sentirá uma condução maleável e positiva em relação ao que está lendo. Passamos à próxima etapa de leitu-
Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
110
ra apresentada no livro. Leia e responda. Os demais parágrafos da notícia continuam narrando o fato, com acontecimentos colocados na ordem de importância. a) Por que o filhote de puma foi afastado da mãe? _____________________________________________ b) Qual era a desconfiança da equipe veterinária do zoológico? _____________________________________________ c) Por que o filhote não poderá ficar com a mãe durante e após o período de amamentação? _____________________________________________ Análise Percebe-se que a leitura é dirigida de forma mais detalhada. As perguntas vão sendo respondidas de forma line-
ar, na sequência da apresentação dos fatos. Os alunos vão seguindo a leitura do texto e vão construindo a história na sequência predeterminada pelo autor do LD. Percebe-se nitidamente que os alunos não são levados à reflexão, mas a uma padronização de respostas e em uma sequência preestabelecida, conforme dito. Grigoletto, em relação à questão, diz: No LD, a disciplina é criada pelo repetir, pelo guiar passo a passo, pela homogeneização dos sujeitos, tanto alunos quanto professores. A economia do livro didático torna-o parte da mecânica do poder, própria, segundo Foucault (1979, da sociedade burguesa: o poder disciplinar). (GRIGOLETTO, 1999, p. 75)
levar o aluno a compreender e a avançar pode ser visto
111
como algo negativo, se pensarmos sob a ótica colocada por
O funcionamento discursivo do livro didático de Língua Portuguesa
Assim, aquilo que nos pode parecer uma forma de
Grigoletto (1999). A autora, em referências anteriores definidas, faz menção ao discurso de verdade, dizendo: [...] um discurso de verdade, queremos dizer que ele se constitui, no espaço discursivo da escola, como um texto fechado, no qual os sentidos já estão estabelecidos (pelo autor), para ser apenas reconhecido e consumido pelos seus usuários (professores e alunos). (GRIGOLETTO, 1999, p. 68)
Caberá, então, ao professor, a análise do material e, sobretudo, operar críticas diante do material que adotou como ferramenta de sua ação pedagógica. Dicas de leitura A política do livro didático, de João Batista Araújo e Oliveira Livro didático: arma pedagógica?, de Deusa Maria Souza
Referências FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Geral, 1979. FREITAG, B. O Livro Didático em Questão. São Paulo: Cortez, 2000. GRIGOLETTO, M. Leitura e Funcionamento Discursivo do Livro Didático. In: CORACINI, M. J. R. F. (Org.). Interpretação, autoria e legitimação do livro didático. 1ª ed. Campinas: Pontes. SOUZA, D. M. Livro Didático: Arma Pedagógica?. In: CORACINI, M. J. R. F. (Org.). Interpretação, autoria e legitimação
Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
112
do livro didático. 1ª ed. Campinas, SP: Pontes.
Obras AnalisadaS Projeto Pitanguá: Português 3º Ano. Organizadora: Editora Moderna; obra coletiva concebida, desenvolvida e produzida pela Editora Moderna; editora responsável: Áurea Regina Kanashiro. 1ª ed. São Paulo: Moderna, 2005. Projeto Pitanguá: Português 4º Ano. Organizadora: Editora Moderna; obra coletiva concebida, desenvolvida e produzida pela Editora Moderna; editora responsável: Áurea Regina Kanashiro. 1ª ed. São Paulo: Moderna, 2005. Projeto Pitanguá: Português 5º Ano. Organizadora: Editora Moderna; obra coletiva concebida, desenvolvida e produzida pela Editora Moderna; editora responsável: Áurea Regina Kanashiro. 1ª ed. São Paulo: Moderna, 2005.
CARPANEDA, I. P. de M.; BRAGANÇA, A. D. Porta Aberta: língua portuguesa, 5º ano: com lição de casa. São Paulo: FTD, 2011.
O funcionamento discursivo do livro didático de Língua Portuguesa
113
(6)
A importância do lúdico no processo de ensinoaprendizagem
F ocalizaremos, nesta
unidade, a
importância do lúdico no processo de ensino-aprendizagem de língua portuguesa. Traremos o depoimento de uma professora que trabalha com o lúdico em sua esfera profissional. Tal depoimento demonstrará o quão importante poderá ser a apropriação dessa forma de trabalho. É fato que a escola tem como função principal de suas atribuições otimizar o desenvolvimento do aluno em suas potencialidades por meio da aprendizagem em suas múltiplas vertentes. Trabalhar com o lúdico assume importância capital, haja vista a motivação natural da criança para brincar, jogar, dançar, tocar etc. Aprender a brincar, a jogar, implica, em muitos casos, o trabalho em conjunto. O lúdico, ao ser utilizado em sala de aula, propicia a interação entre os indivíduos do grupo, per-
mitindo o trabalho em equipe. Faz-se necessário salientar a ideia de que o termo “equipe” permeia muitas esferas do contexto social nos dias atuais: na escola e principalmente nas relações de trabalho. Ademais, à interação subjaz o trabalho de mediação do professor. A orientação do docente quanto à condução das atividades no grupo e a sua intervenção, muitas vezes necessária, constituem-se como algo de grande importância à consolidação das atividades desenvolvidas. Ressaltaremos, nesta unidade, a importância do trabalho com o lúdico e apresentaremos, conforme dito, um depoimento que servirá de motivação para aqueles que ainda se
Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
118
sentem reticentes em relação a essa forma de ação. Abordaremos, nesta unidade, os seguintes assuntos: • A concepção do lúdico como atividade mobilizadora: focalizando essa noção; • O trabalho com o lúdico: mobilizando instâncias internas; • A
importância
do
jogo
no
processo
de
ensino-aprendizagem; • O papel do professor como mediador do processo de ensino-aprendizagem; • O papel do professor junto a alunos com necessidades especiais. Espera-se que, ao término desta unidade, você tenha agregado conhecimentos sobre a importância que o lúdico assume no contexto escolar. Ao final da unidade, espera-se que você seja capaz de: • Apreender a concepção do lúdico como atividade voltada ao ensino;
• Entender o trabalho com o lúdico a partir da mobilização de instâncias internas do sujeito; • Entender a importância do jogo no processo de ensino-aprendizagem; • Entender o papel do professor como mediador do processo de ensino-aprendizagem; • Entender o papel do professor junto a alunos com necessidades especiais.
6.1
Embora muito se discuta sobre a importância do lúdico ao processo de ensino-aprendizagem nos dias atuais, ainda vemos certa resistência a sua utilização nas atividades escolares cotidianas. Sabemos que os conteúdos, prescritos aos alunos em seus respectivos anos, são transmitidos por meio de livros didáticos, que focalizam como tais conteúdos devem ser ministrados. Pouco espaço tem sido aberto às atividades lúdicas, sejam elas trabalhadas por meio de jogos, brincadeiras ou qualquer outro gênero que assuma o caráter lúdico. Wassermann, a esse respeito, salienta: Numa época de responsabilidade educacional em que os objetivos comportamentais são rigorosamente definidos e em que a competência do professor é determinada pela eficácia com que atinge esses objetivos, parece um erro crasso defender a ideia, já mais do que gasta, de que
A importância do lúdico no processo de ensino-aprendizagem
A concepção do lúdico como atividade mobilizadora: focalizando essa noção
119
Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
120
“o trabalho das crianças é brincar” e que as experiências lúdicas são fundamentais para o desenvolvimento do poder pessoal das crianças. Por mais que falemos da necessidade de existência do jogo nas experiências para o desenvolvimento das crianças, as condições operacionais em muitas das salas de aula de escolas do ensino básico atestam aquilo que alguns professores pensam que é, apesar de tudo, realmente válido: o trabalho desenvolvido pelos alunos sentados na sala de aula, o papel e a caneta na mão! Este tipo de tarefa parece ser realmente o mais importante na sala de aula. Quando essas tarefas são cumpridas, quando esses trabalhos se vêem terminados para a satisfação do professor, quando o produto é considerado aceitável, a criança pode brincar, se houver tempo para isso. (WASSERMANN, 1990, p. 27)
Tais atitudes devem-se, em grande parte, ao fato de os profissionais da agência docente não terem experimentado o lúdico, em sua multiplicidade de possibilidades, enquanto ainda alunos. Wassermann esclarece a questão, dizendo: Não admira que os professores, que são, em larga medida, produtos do sistema educativo, porque também eles foram alunos dentro desse mesmo sistema, vejam o divertimento, o jogo, com uma certa desconfiança. Na melhor das hipóteses, consideram-no frívolo. Perde-se tempo a brincar, quando esse tempo podia ser utilizado de forma mais produtiva, a trabalhar! Pode ser que nos divertimos muito, mas a escola não foi feita para nos divertirmos! Um professor que tenha permitido que “o tempo de recreio” excedesse o tempo estabelecido no horário sentir-se-á, sem dúvida, culpado. Esse tempo não foi usado de forma produtiva. O professor não cumpriu o seu dever de trazer as crianças de volta ao trabalho, de por termo às experiências de divertimento! (WASSERMANN, 1990, p. 27)
Embora os cursos de formação de professores focalizem essa questão como forma de crescimento da criança, poucos docentes assumem essa premissa quando adentram na sala de aula. O lúdico tem sido deixado em segundo plano, como uma atividade recreativa, quando o tempo está escasso para que outra atividade “importante” seja iniciada ou quando todas as tarefas prescritas foram cumpridas. Percebe-se daí que a escola ainda é vista como um lugar fechado, em que os alunos, para aprender, devem demandar esforços que serão recompensados pelas notas que lhes serão atribuídas. Wassermann, contrária a tal concepção tradicional, diz: O trabalho e o divertimento não são vistos como aspectos que se complementam mutuamente. O trabalho implica esforço. É necessário sofrer um pouco. Mais: esse sofrimento é compensatório. Quando se acaba de trabalhar, pode conseguir-se autorização para brincar. Podemos ter-nos libertado de muitos valores socioculturais, em termos de pensamento, mas é a ética puritana que determina, em grande parte, o que exigimos que as crianças façam na escola. (WASSERMANN, 1990, p. 27)
Salientamos que o ambiente não escolar oferece um arsenal de possibilidades mais “instigantes” e, sobretudo, mais “sedutoras”, sob todos os aspectos. Os alunos obtêm informações mais rápidas e precisas a partir de fontes mais atualizadas. Por essa razão, a escola acaba sendo um lugar “chato” para muitas crianças.
A importância do lúdico no processo de ensino-aprendizagem
121
6.2 O trabalho com o lúdico: mobilizando instâncias internas Podemos dizer que o modelo de escola vigente deve agregar outras formas de ação, que não apenas o ensino tradicional, em que o professor tenha o monopólio da voz.
Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
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Nesse propósito, o trabalho com o lúdico apresenta grande contribuição por permear um escopo abrangente de possibilidades. O professor poderá: a) trabalhar com múltiplas formas de jogos; b) propor encenações em que haja uma temática preestabelecida; c) propor atividades que tenham a música como abordagem de ação, dentre outras atividades. Há, segundo Macedo, Petty e Passos, cinco fatores indicativos da presença do lúdico. São eles: • terem prazer funcional; • serem desafiadoras; • criarem possibilidades ou disporem delas; • possuírem dimensão simbólica; • e expressarem-se de modo construtivo e relacional. (MACEDO; PETTY; PASSOS, 2005, p. 15-22)
Para os autores, o prazer funcional (grifo meu) diz respeito à alegria e à voluntariedade das quais dispõem seus participantes. Por desafiadoras (grifo meu), os autores mencionam o grau de dificuldade que as atividades demandam: elas devem ser compatíveis ao de seus participantes, sem que sejam tolas. Por criarem possibilidades ou dispo-
rem delas (grifo meu), dá-se a ideia de que a pessoa poderá ganhar ou perder. Não há um resultado prévio. Dependerá da sorte ou da capacidade de jogar. Por possuírem dimensão simbólica (grifo meu), atribui-se a ideia de que a atividade deva fazer sentido para quem dela participa, estando, portando, dentro dos limites social, cultural, temporal e espacial. Por expressarem-se de modo construtivo e relacional (grifo meu), tem-se a ideia de que somos eu e você que estamos no jogo. Há, então, a minha e a sua individualidades. Ao entrarmos em “relação” para jogar significa que o jogo irá acontecer. tâncias internas do indivíduo. Elas são indicativas de diversão, prazer e até desprazer, quando não bem conduzidas. Portanto, trabalhar com o lúdico não é tão simples quanto possa parecer. O lúdico exige do profissional que dele se utiliza sensibilidade na escolha da atividade ao grupo, perspicácia quanto à forma de conduzir a atividade, esforço para que a atividade chegue ao ponto almejado e, por fim, prazer em estar mobilizando instâncias, muitas vezes não afloradas no ensino tradicional. Wassermann esclarece esses pontos quando diz: Quando as crianças brincam, dão expressão a emoções reais, verdadeiras. Brincando, aprendemos a descobrir essas emoções e a lidar com elas. Deste modo, crescemos mais na nossa humanidade. Percorremos todo o gênero de emoções – alegria e prazer, dor, frustração, raiva, hilaridade. É talvez a única experiência, de todas as que podemos ter na escola, em que as emoções podem ser expressas naturalmente. Quando se brinca, o riso é espontâneo, genuíno. (WASSERMANN, 1990, p. 31)
123 A importância do lúdico no processo de ensino-aprendizagem
Percebemos, assim, que o lúdico mobiliza diversas ins-
Todas essas emoções afloram de forma natural ao se trabalhar com o lúdico. O professor, ao propor um jogo aos alunos, poderá se deparar com situações que auxiliarão, de forma expressiva, a “construir” um ser melhor. Wassermann coloca: Ser humano é fazer parte de um grupo. A nossa humanidade cresce se formos capazes de ter uma atitude de cooperação e de responsabilidade dentro desse grupo, seja num escritório, numa aula, num torneio de bowling, num grupo profissional, ou numa fila de espera num banco. Quanto mais as pessoas nos reconhecerem como “cooperantes e responsáveis”, maior é a nossa aceitação enquanto membros desse grupo. Quanto menor for a nossa cooperação e responsabilidade, maior será a rejeição do grupo em relação a nós. (WASSERMANN, 1990, p. 31)
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Assim, o professor, ao adotar o lúdico, mobilizará uma série de atitudes que serão trabalhadas de forma espontânea. Observa-se, então, o arsenal de sensações que advém do trabalho com o lúdico. O professor, estando aberto para recebê-lo, poderá compor a sua aula de forma muito mais interessante e motivadora.
Para refletir Propomos os seguintes questionamentos: não poderíamos deixar que o lúdico, em suas múltiplas possibilidades, norteasse mais as nossas aulas de Língua Portuguesa? Será que estamos, de fato, abertos ao trabalho com o lúdico em sala de aula? Os professores de Língua Portuguesa não poderiam se apropriar desse instrumento de ação em suas aulas?
Depoimento Apresentaremos a seguir o depoimento da Prof. Dr. Maria Célia Rabello Malta Campos sobre a importância do lúdico em todas as fases da vida. O lúdico consiste naquilo que tem significado para quem aprende, no que lhe traz prazer e provoca interesse. Fazer algo prazeroso e desafiador mobiliza para a ação, motor da aprendizagem significativa. Brincadeiras e jogos são mobilizadores da ação construtora de conhecimento das crianças, porque só o brincar faz sentido para elas. No entanto, ao longo do desenvolvimento, nada se perde, tinua aprendendo melhor, quanto mais significativa for a situação de aprendizagem. Assim, em contexto de jogo, ele poderá aprender acerca de si mesmo e acerca de aspectos de seu trabalho, ou aprender a respeito do outro, seu aluno, por exemplo. O jogo ativa e desenvolve inúmeras habilidades nos jogadores. Entre elas, algumas colaboram na aprendizagem de qualquer novo conhecimento, como observar e identificar, comparar e classificar, analisar e estabelecer relações, elaborar hipóteses, inferir. Também são habilidades de conhecimento os procedimentos utilizados no jogo, como a antecipação, o planejamento, o uso de um método de ação, o emprego de formas de registro e de contagem, entre outros. Porém, não podemos esquecer a função “socializadora” do jogo, pois a interação que ele proporciona favorece a prática de atitudes importantes como: competir dentro de regras, saber respeitar a força do oponente, perceber uma situação sob o ponto de vista oposto ao seu. Aprender com o outro é mais rápido e mais efetivo porque é mais prazeroso. Uma das coisas que o jogo assegura é justamente esse espaço de prazer e aprendizagem que o bebê conhece, mas que a criança perde quando entra na escola e o adulto esquece de uma vez ao ingressar no mundo do trabalho.
125 A importância do lúdico no processo de ensino-aprendizagem
tudo se amplia. Nas diferentes fases de sua vida, o ser humano con-
Saiba mais
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Maria Célia Rabello Malta Campos Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano (IP-USP), pedagoga e especialista em Psicopedagogia. Atua em Psicopedagogia Clínica, supervisão e consultoria na área de jogos e aprendizagem. É professora convidada no programa de pós-graduação em Psicopedagogia da Universidade Anhembi-Morumbi. Coordenadora do Centro de Formação Oficinas do Aprender, dedicado à qualificação de educadores e psicopedagogos. Pesquisadora do GT “Os jogos e sua importância na Psicologia e na educação” da ANPEPP. Vicepresidente da Associação Brasileira de Brinquedotecas, gestão 2012-2013. Conselheira da Associação Brasileira de Psicopedagogia. Produção bibliográfica (mais recente): O jogo em sala de aula e o desenvolvimento das competências do aluno e do professor. In: Atuação em Psicopedagogia Institucional: brincar, criar e aprender em diferentes idades. Rio de Janeiro: WAK, 2012. p. 19-66. Desenvolvimento da função mediadora do professor em oficinas de jogos. Revista Psicologia Escolar e Educacional, ABRAPEE, 2011. Mediação: faces e interfaces de uma noção complexa. In: RUBINSTEIN, E. (org.). Psicopedagogia: fundamentos para a construção de um estilo, São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006, p. 189-225. A prática psicopedagógica do jogo e sua dupla função: aprender a aprender e aprender a ensinar. In: Psicopedagogia, um portal para a inserção social. 1ª ed. Petrópolis: Vozes, 2003. A relação entre a tarefa escolar e a avaliação nas didáticas tradicionais e nas didáticas renovadas. Revista Psicopedagogia, v. 19, 2001. p. 69 – 73.
6.3 A importância do jogo no processo de ensinoaprendizagem Faz-se necessário já inicialmente entender a opção pelo jogo, manifestação do lúdico, nesta unidade. Optamos pelo jogo como tópico norteador das discussões por ele susse nos detivéssemos às inúmeras formas de trabalho com o lúdico, não alcançaríamos a profundidade de uma discussão. Assim, você poderá, a partir das discussões sobre a importância do jogo, entender outras formas de trabalho. O jogo pode ser definido como: [...] uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da “vida quotidiana”. (HUIZINGA, 2004, p. 33)
Wassermann apresenta a seguinte definição: “O jogo é, geralmente, levado a cabo em grupos de aprendizagem, em que os alunos cooperam uns com os outros e contribuem substancialmente para as investigações e os esforços criativos de cada um” (WASSERMANN, 1990, p. 39). É possível perceber que as definições apresentadas se completam e norteiam o verdadeiro significado do termo “jogo”. Passaremos, a seguir, a delinear o papel do professor
127 A importância do lúdico no processo de ensino-aprendizagem
citar grande bagagem analítica. Faz-se importante frisar que
como agente de mediação do processo de ensino-aprendizagem quando o jogo é o foco de todo o processo. A sua mediação é, sem dúvida, necessária e oportuna, como veremos na próxima seção.
6.4 O papel do professor como agente de mediação
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Iniciamos este tópico dizendo que o jogo poderá ser o caminho encontrado pelo professor para trabalhar conteúdos curriculares de uma forma mais aberta. Essa forma de ação encontra respaldo, pois “o jogo envolve sempre desafios ao pensamento dos alunos” (WASSSERMAN, 1990, p. 41) e “o pensamento torna-se o meio de aprendizagem” (op. cit.). O jogo apresenta-se, para muitas crianças, como uma quebra salutar da rotina escolar, pois muitas, pelas normas institucionais, encontram-se “enclausuradas” em um universo adverso à sua essência interior. Wassermann é muito esclarecedora a esse respeito ao dizer: Quando as crianças vão para a escola, enfrentam outros desafios, alguns dos quais têm muito pouco a ver com o desenvolvimento da confiança na capacidade de realização efetiva. Podem ser desafiadas a permanecer sentadas durante longos períodos de tempo, a sentar-se em lugares pequenos, exíguos, sem grande espaço de movimento, a manter-se caladas. Podem ser desafiadas a submeter-se a um horário escolar que não se harmoniza com as suas necessidades orgânicas de crescimento, a obedecer e a fazer o que lhes mandam, a comer refeições de que não gostam, a fazer exercício
físico por determinação do horário e não por necessidade. Podem ser desafiadas a realizar tarefas que têm pouco significado para elas, a dizer que gostam de atividades que, na verdade, detestam, a fingir que estão interessadas em livros que são substancialmente aborrecidos. Infelizmente, nenhum destes desafios contribui para o desenvolvimento do poder pessoal, nem constitui qualquer desafio autêntico que possibilite o crescimento intelectual. O que acontece, na realidade, é exatamente o contrário: ensinamos as crianças a ser obedientes e submissas, a fazer o que lhes mandam, a curvar-se ao nosso poder sobre elas. (WASSERMANN, 1990, p. 25)
Diante do panorama descrito, e que constitui a realidade de muitas crianças, não será difícil envolvê-las em atividades que contemplem o lúdico. Os professores podem, e devem, estimular a autoconfiança por meio de atividades que realmente desafiem o pensamento, e o trabalho com o lúdico faz-se de grande valia nessa questão. Essa missão, se vista pelo viés do lúdico, não será de difícil execução, haja vista o interesse natural da criança por jogos, brincadeiras etc. O professor que adota o jogo como centro ou como parte de suas aulas deverá iniciar todo o processo a partir de um plano de ação, pautado na experiência que lhe confere a atividade. Ele deverá, então, contemplar algo que seja importante ao aprendizado de seus alunos. Ao professor caberá também fornecer os materiais, organizar os grupos de trabalho, criar condições ao desenvolvimento da atividade com o jogo (WASSERMANN, 1990). O professor será também o mediador de todo o processo das atividades desenvolvidas. Wassermann faz menção às inúmeras reações advindas do processo do jogo:
A importância do lúdico no processo de ensino-aprendizagem
129
Enquanto jogam, as crianças manipulam variáveis, geram hipóteses, engendram investigações, realizam testes, observam, reúnem e classificam dados, avaliam condições, tomam decisões e desenvolvem competências interpessoais. Este tipo de experiência cria o contexto favorável ao desenvolvimento do entendimento conceitual, à aprendizagem de valores, ao desenvolvimento de um comportamento responsável em grupo. (WASSERMANN, 1990, p. 42)
O professor exercerá, como já dito, o papel de mediador, auxiliando as crianças diante do que executam. Ao atriMetodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
130
buirmos ao professor o papel de mediação, abrimos espaço para falarmos de Vygotsky. Rego, referindo-se aos postulados de Vygotsky, diz: [...] segundo a teoria histórico-cultural, o indivíduo se constitui enquanto tal não somente devido aos processos de maturação orgânica, mas, principalmente, através de suas interações sociais, a partir das trocas estabelecidas com seus semelhantes. (REGO, 1995, p. 109)
Ao exposto subjaz a ideia de “construção do conhecimento”, o que “implica numa ação partilhada, já que é através dos outros que as relações entre sujeito e objeto de conhecimento são estabelecidas” (REGO, 1995, p. 110). A heterogeneidade, característica da essência humana, é vista como algo necessário ao contexto de sala de aula. Somos diferentes e, portanto, reagimos de forma diferente, mas, sobretudo, aprendemos com o diferente. Assim, as crianças, ao jogarem, estarão interagindo umas com as outras, e o professor, visto como alguém mais experiente, ao intervir, estará contribuindo para o desenvolvimento das crianças. Vygotsky (1998) classifica dois níveis
de desenvolvimento: o real e o proximal. Para ele, “o nível de desenvolvimento real é o de desenvolvimento das funções mentais da criança que se estabelecem como resultado de certos ciclos de desenvolvimento já completados” (VYGOTSKY, 1998, p. 111). O nível de desenvolvimento potencial refere-se a tudo o que a criança consegue realizar, mas com o auxílio de alguém mais experiente, que poderá ser um amigo de classe, o pai, a mãe ou o professor etc. Vygotsky desenvolve o conceito de zona de desenvolvimento proximal dizendo:
Esses dois níveis são de grande importância quando analisamos a participação das crianças em jogos. Para Vygotsky: Se ingenuamente perguntamos o que é nível de desenvolvimento real, ou, formulando de forma mais simples, o que revela a solução de problemas pela criança de forma mais independente, a resposta mais comum seria que o nível de desenvolvimento real de uma criança define funções que já amadureceram, ou seja, os produtos finais do desenvolvimento. Se uma criança pode fazer tal e tal coisa independentemente, isso significa que as funções para tal e tal coisa já amadureceram nela. O que é, então, definido pela zona de desenvolvimento proximal, determinada através de problemas que a criança não pode resolver independentemente, fazendo-o somente com assistência? A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram,
131 A importância do lúdico no processo de ensino-aprendizagem
Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (VYGOTSKY, 1998, p. 112)
mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário. (VYGOTSKY, 1998, p. 112-113)
Infere-se daí que “o nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente” (VYGOTSKY, 1998, p 113). Esses conceitos instrumentalizam os professores no que diz respeito ao fato de poderem mensurar o nível de
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132
desenvolvimento dos alunos.
6.5 O papel do professor junto a alunos com necessidades especiais A sala de aula constitui um local em que a heterogeneidade é marcante. Encontramos crianças com talentos e habilidades diferentes. Encontramos, também, crianças com necessidades especiais. Lidar com todas as diferenças que encontramos em uma sala de aula nos imputa competência profissional. Muitos docentes, ao se depararem com as diferenças individuais em sala de aula se desestabilizam, por não saberem o que fazer e como fazer. De fato, é muito mais simples ensinarmos crianças felizes, saudáveis, sem problemas físicos ou psicológicos. As crianças com necessidades especiais, em geral, causam angústias a muitos professores que com
elas trabalham. Wassermann traduz as formas com que essas crianças poderão se portar em sala de aula:
Torna-se necessário salientar que os professores devem encontrar formas de aproximação dessas crianças. Na verdade, elas nos desafiam a todo momento, colocando-nos em prova diária. Somos, de fato, educadores verdadeiros. Embora o desconhecido, o difícil, possa lhe causar a angústia relatada, é possível afirmar que o trabalho com jogos pode, de certa forma, atenuar esse panorama assombroso. Wassermann esclarece esta questão ao dizer: Não vos quero, de forma alguma, prometer um mar de rosas, mas os dados convencem: um ambiente que respeite todas as crianças na sala de aula, que as desafie ao nível das suas capacidades, e que as incentive a exprimirem-se através de jogos criativos, é terapêutica e
133 A importância do lúdico no processo de ensino-aprendizagem
Estamos sempre preocupados com elas, e perguntamo-nos constantemente: “Estou fazendo o suficiente?” O seu comportamento é uma fonte de preocupações para nós e para os colegas delas. Elas podem dar mostras da sua infelicidade tornando os outros infelizes, através de atos de agressão e violência. Podem ter tantos problemas que não conseguem interessar-se por nada daquilo que a escola tem para oferecer. Podem “fechar-se na sua concha”, evitando o contato com as outras crianças e até com os professores que as querem ajudar. Podem desconhecer as mais elementares boas maneiras; podem praguejar e dizer palavrões; e podem não ter hábitos de higiene. Podem ser incapacitadas, terem uma doença terminal, ou o rótulo de “mentalmente perturbadas”. Podem estar permanentemente tensas e ansiosas, como reflexo das suas vidas “aceleradas”. (WASSERMANN, 1990, p. 107)
emocionalmente válido para todas as crianças, e não só para as que são emocionalmente e fisicamente saudáveis. De fato, a aula preocupada com o desenvolvimento da capacidade de realização das crianças pode mesmo ser o melhor ambiente para as crianças com problemas. (WASSERMANN, 1990, p. 107)
Acredita-se que o tratamento dado a essas crianças poderá ser o grande trunfo para amenizar os problemas de sala de aula. Portanto, [...] tratá-las com respeito, preocuparmo-nos com elas, dar crédito ao seu sofrimento, e permitir que a sua criatividade canalize a sua agressividade é o caminho mais longo e difícil. Mas é o caminho essencial para ajudar estas crianças a crescer e a aprender. (WASSSERMANN, 1990, p. 108)
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Assim, incluir essas crianças no contexto da sala de aula por meio dos jogos como instrumento de nossa ação poderá ser um caminho para alcançarmos o sucesso tão almejado.
Para refletir Estamos, de fato, nos esforçando para aceitar o outro sob todos os aspectos?
Dicas de leitura Jogo e Projeto, de Lino de Macedo, Nilson Jose Machado e Valéria Amorim Arantes (org.) A educação, como espaço disciplinar, mas também inter, trans e multidisciplinar, onde as fronteiras entre os distintos campos de conhecimento se entrecruzam e muitas vezes tornam-se difusas, solicita cada vez mais dos profis-
sionais que nela atuam a capacidade de dialogar e transitar por caminhos insólitos e desconhecidos. Neste livro, Lino de Macedo e Nilson José Machado desenvolvem, de forma crítica, sistemática, metódica e objetiva, ideias sobre as complexas relações entre jogo e projeto. No diálogo que estabelecem, cruzam perspectivas divergentes e convergentes, integram novos elementos e significados à discussão, ampliam os horizontes da temática e sinalizam novas formas de organização do pensamento e das práticas educativas cotidianas. Entre pontos e contrapontos, os autores constroem novas fronteiras entre diferentes campos do conhecimento. V. A. (org.). Jogo e projeto: pontos e contrapontos. São Paulo: Summus, 2006. Atuação em Psicopedagogia Institucional: brincar, criar e aprender em diferentes idades, de Maria Célia Rabello Malta Campos (org.) Indico o capítulo 1 intitulado “O jogo em sala de aula e o desenvolvimento de competências do aluno e do professor” da Psicopedagoga Maria Célia Rabello Malta Campos.
Referências HUIZINGA, J. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva, 2004. MACEDO, L. de; PETTY, A. L. S.; PASSOS, N. C. Os jogos e o lúdico na aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artmed, 2005. REGO, T. C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis: Vozes, 1995. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvi-
135 A importância do lúdico no processo de ensino-aprendizagem
Fonte: MACEDO, L. de; MACHADO, J. N.; ARANTES,
mento dos processos psicológicos superiores. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. WASSERMANN, S. Brincadeiras na Escola Primária. Horizontes Pedagógicos, 1990.
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A importância do lúdico no processo de ensino-aprendizagem
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(7)
E ducação de jovens e adultos
Nós, seres humanos, transformamo-nos a cada momento por meio da relação com o meio social. Ao longo do tempo, adquirimos características de representação a respeito de nós mesmos. Assim, vamos, ao longo do tempo, construindo a nossa identidade. Podemos dizer que tentamos, como seres humanos que somos, nos identificar ao que temos como modelo e integrar os diferentes grupos sociais segundo os seus preceitos. Essa é a forma que encontramos para viver em nosso contexto social. Os assuntos a serem abordados nesta unidade são: • A educação de jovens e adultos e seus pressupostos; • A educação de jovens e adultos, a escola atual e o papel do professor; • A educação de jovens e adultos e o ensino da língua portuguesa.
Temos como objetivo levantar questões que são de grande relevância se pensarmos em uma sociedade para todos e, portanto, para aqueles que, por qualquer razão, estiveram afastados do universo escolar. Ao final da unidade, espera-se que você seja capaz de: • Entender os pressupostos teóricos da EJA; • Refletir sobre a escola atual e o papel do professor
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142
na EJA; • Entender o trabalho realizado em língua portuguesa na EJA.
7.1 A educação de jovens e adultos e seus pressupostos É fato que grande parte dos educadores busca a área da Pedagogia como forma de adentrar, após a graduação, em esferas como a educação infantil e o Ensino Fundamental I. A criança vem sendo, ao longo de muitas décadas, o foco principal de muitas pesquisas na área educacional. Sem sombra de dúvidas, esse interesse é algo de enorme relevância e merecedor de grande destaque em termos de pesquisas. Devemos ter profissionais engajados em estudos sobre essa população. Por outro lado, temos a educação de jovens e adultos (EJA), que constitui um “campo carregado de complexidades que carece de definições e posicionamentos claros” (SOARES, et. al., 2011, p. 7), pois “é um campo político, denso e carrega consigo o rico legado da Educação Popular” (op. cit.).
A temática que abarca a questão da identidade é recorrente ao abrirmos a discussão sobre a educação de jovens e adultos. Assim, devemos considerar que jovens e adultos que, por qualquer razão, como já dito, se ausentaram da escolarização formal têm a sua identidade construída a partir das incessantes práticas que estabelecem com indivíduos de seu universo social. Salientamos, nesta disciplina, como já visto em “Práticas Sociais e Diversidade Cultural”, que o processo desse processo. Rajagopalan, em relação à questão, diz: Entre os pesquisadores que se interessam pela questão da identidade, já não há mais quem, em sã consciência, acredite que as identidades se apresentam como prontas e acabadas. Pelo contrário, acredita-se, em larga escala, que as identidades estão, todas elas, em permanente estado de transformação, de ebulição. Elas estão sendo constantemente reconstruídas. Em qualquer momento dado, as identidades estão sendo adaptadas e adequadas às novas circunstâncias que vão surgindo. A única forma de definir uma identidade é em oposição a outras identidades em jogo. Ou seja, as identidades são definidas estruturalmente. Não se pode falar em identidade fora das relações estruturais que imperam em um momento dado. (RAJAGOPALAN, 2003, p. 71)
Infere-se que uma identidade “plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia” (HALL, 2001, p. 13). Vamos compondo-nos como seres sociais a partir de trocas incessantes que estabelecemos com outros indivíduos e em contextos diversos. Podemos considerar, então, que a relação com o “outro” é imperativa à formação do indivíduo. Soares é esclarecedor ao traçar o mundo vivencial dos alunos jovens e adultos, e salienta que os educadores devem considerar:
143 Educação de jovens e adultos
de construção da identidade é contínuo e o “outro” faz parte
[...] as vivências, processos, identidades, lutas e saberes construídos pelos sujeitos da EJA nas relações sociais, culturais e políticas vivenciadas nos diferentes espaços sociais: a família, o trabalho, os grupos culturais, os movimentos sociais, a militância política, as igrejas, os terreiros de candomblé, a luta pela terra, os espaços de lazer, entre outros. (SOARES, et. al., 2011, p. 8)
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O autor conclui que “a articulação dessa totalidade tem sido uma tensão na história da Educação de Jovens e Adultos e nas pesquisas e práticas educativas” (SOARES, et. al., 2011, p. 8). Portanto, caberá aos educadores entender o universo vivencial desses alunos e partir para práticas mais condizentes e significativas. Soares sinaliza a importância que a educação de jovens e adultos exerce como um campo político de formação e investigação. Para o autor, a educação de jovens e adultos: [...] está irremediavelmente comprometida com a educação das camadas populares e com a superação das diferentes formas de exclusão e discriminação existentes em nossa sociedade, as quais se fazem presentes tanto nos processos educativos escolares quanto nos não escolares. (SOARES, et. al., 2011, p. 8)
Observa-se, então, o nível de comprometimento requerido do educador que opta por trabalhar com tais sujeitos. Para Soares: Se qualquer atuação acadêmica e de pesquisa na área das ciências humanas exige posicionamentos políticos e sensibilidade para com os processos de humanização e desumanização vividos pelos sujeitos, aqueles que se dedicam ao campo da Educação de Jovens e Adul-
tos carregam em si mesmos e nas investigações que realizam uma maior responsabilidade social, política e acadêmica de compreender, interpretar, descrever, refletir e analisar as trajetórias, histórias de vida, saberes, ensinamentos e conhecimentos produzidos pelas pessoas jovens e adultas. (SOARES, et. al., 2011, p. 7–8)
Assim, caberá ao professor ter a sensibilidade necessária para trabalhar com assuntos que sejam de interesse dessa forma que se tratam as crianças do Ensino Fundamental I. Não é possível trabalhar a leitura e a escrita da mesma forma que se trabalha com os alunos do Ensino Fundamental I, embora o conteúdo prescrito seja o mesmo. Abordaremos a importância do professor diante dessa população em uma seção futura. Passaremos agora a entender quem são, de fato, estes jovens e adultos.
7.2 A educação de jovens e adultos, a escola atual e o papel do educador É possível conferir, a partir de pesquisas, que a EJA não é um campo de grande destaque nos cursos de graduação de forma geral. Soares é categórico em relação à questão ao dizer: [...] a continuidade dos estudos dos jovens e adultos não recebe atenção diferenciada de parte dos cursos de formação de educadores. Segundo dados do INEP, em 2003, dos 1.306 cursos de Pedagogia existentes no país, ape-
145 Educação de jovens e adultos
população. Portanto, não será possível tratá-la da mesma
nas 16 ofereciam habilitação em educação de jovens e adultos. Nove destes cursos eram mantidos por instituições privadas de ensino superior, e sete, por universidades públicas – duas federais e cinco estaduais. Dessa forma, uma questão recorrente diz respeito à necessidade de se ter uma formação específica para o educador de jovens e adultos. (SOARES, et. al., 2011, p. 285)
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Sabe-se, como já anteriormente tratado, que muitos docentes acabam por adentrar nessa esfera de trabalho após a graduação por vontade própria em realizar um trabalho junto àqueles que julgam necessitar de um olhar mais apurado. Muitos desses profissionais traçam caminhos próprios e aprendem a lidar com essa população a partir da experiência que vão gradualmente adquirindo ao longo do tempo. Esses educadores buscam caminhos que os aproximem da realidade com a qual trabalharão. É fato que a primeira coisa a ser feita pelo educador em todos os níveis do Ensino Infantil, Fundamental I e II, Ensino Médio, e, também, na EJA, é conhecer quem serão os alunos com os quais trabalhará. Esse é um pressuposto daqueles pertencentes à área educacional. Essa questão na EJA parece ser ainda mais necessária e “construir o seu perfil, descobrir como eles constroem um determinado modo de ser jovem” (SOARES, et. al., 2011, p. 11) torna-se imperativo, haja vista as necessidades específicas do grupo. Os jovens que frequentam a EJA “precisam ser vistos como sujeitos sociais e não simplesmente como ‘alunos‘ ou qualquer outra categoria generalizante” (SOARES, et. al., 2011, p. 11). A escola, por sua vez, deve ser vista como um espaço sociocultural, um lugar de trocas, de construção e de socialização, pois tais jovens estão retornando aos estudos e trazem consigo uma série de experiências que lhes são próprias e significativas.
Contudo, percebemos um desequilíbrio na relação professor-aluno, a priori tão bem estabelecida. Coelho e Eiterer configuram o desafio que o educador da EJA fatalmente encontrará:
O papel do educador no formato anteriormente configurado deve ser o de respeito diante do que o aluno traz em termos de experiência vivencial, maturidade diante da vida. O educador, nesse sentido, deve assumir uma postura de abertura diante do que tem diante de si. Coelho e Eiterer esclarecem essa questão com muita propriedade: Hoje, assumindo como pressuposto que os conhecimentos que cada aluno traz devem ser valorizados, a atitude do professor também teria mudado, no sentido de que ele estaria aberto a instaurar uma relação mais democrática com o aluno, ainda que sem abdicar de seu papel de condutor do processo – com autoridade, mas sem autoritarismo -, reconhecendo a importância do aluno como sujeito de sua própria aprendizagem e enfatizando aspectos metodológicos no tratamento do conteúdo, que teria seu papel secundarizado. Nesse momento, estamos frente a uma situação mais sutil. O autoritarismo mais explícito na relação professor-aluno parece ter
147 Educação de jovens e adultos
O desafio com o qual o educador em EJA tem de lidar assume a seguinte configuração: de um lado, as concepções interacionistas de ensino-aprendizagem que ele traz e, de outro, as concepções tradicionais que o aluno traz. Além do que, é preciso considerar ainda as dificuldades em torno da construção de novos conhecimentos: de um lado, as aquisições do conhecimento científico que o educador traz e, de outro, o conhecimento construído a partir das vivências que o educando traz. (COELHO; EITERER, 2011, p. 169)
sido dirimido ou, pelo menos, relativizado, e o professor passa a ter em conta os saberes prévios dos alunos. Entretanto, na ânsia de acolher tais opiniões, o professor acaba, muitas vezes, permanecendo na tentativa de aproximação do universo cultural do aluno, sem possibilitar a soma de outros conhecimentos. (COELHO; EITERER, 2011, p. 172-173)
Salientamos que o professor deverá, sim, considerar a
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bagagem vivencial do aluno, mas não deverá se distanciar de formas de condutas que possibilitem o crescimento dos alunos em todas as esferas. Segundo Carbonell: O professor exerce um papel crucial nesse processo para desencadear e movimentar os mecanismos de aprendizagem do aluno, pois ele realiza uma intervenção deliberada, uma mediação do modo letrado que também possui uma intencionalidade, pois caminha em uma direção determinada pelas exigências educativas da sociedade. (CARBONELL, 2010, p. 90)
Carbonell salienta uma questão de suma importância a respeito de como esses sujeitos pensam, agem e aprendem: Definitivamente, é preciso considerar como questão central na educação de adultos que esses sujeitos não pensam, não agem, nem muito menos aprendem pelos mesmos mecanismos das crianças, o que implica reconhecer que esses estudantes, em função do já vivido, possuem modelos de mundo mais densamente constituídos. Ao adotarmos metodologias próprias para o ensino de adultos, estaremos contribuindo mais efetivamente para que possam afirmar sua identidade e desenvolver seu espírito crítico, ampliando sua convivência com a produção e a circulação de conheci-
mento, preparando-os para interagir com as mais variadas formas de pensamento. (CARBONELL, 2010, p. 90)
Portanto, é preciso, ao trabalhar com a EJA, buscar metodologias adequadas, que possam contribuir para com o crescimento desses indivíduos. A autora avança em suas colocações, dizendo sobre o verdadeiro papel da escola diante desse panorama:
Passaremos, ancorados nessa linha de raciocínio, à próxima seção desta unidade.
Para refletir Estamos preparados para trabalhar com essa modalidade de ensino? Estamos, como professores de Língua Portuguesa, preparados para a docência nessa realidade?
Educação de jovens e adultos
149
Ao assumirmos a excelência do papel da escola na promoção do desenvolvimento humano no mundo letrado, temos também de admitir que a educação que ela veicula deva corresponder às necessidades e interesses de seu público. Desse modo, reiteramos que, para educar o olhar de um trabalhador, é fundamental adotar abordagens próprias para esse público, procedimentos que facilitem seus processos de aprendizagem, seus meios de compreensão, de ação e de interação com o mundo. (CARBONELL, 2010, p. 90)
7.3 A educação de jovens e adultos e o ensino da língua portuguesa Conforme anteriormente esboçado, os professores que Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
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trabalham na EJA devem prover seus alunos de um ensino que a eles seja significativo. Traremos, a seguir, partes de uma entrevista realizada com uma professora de Língua Portuguesa, que trabalha com alunos da EJA no Arsenal da Esperança. A entrevista será o foco desta seção. Selecionamos apenas algumas partes como forma de entender o trabalho por ela realizado, bem como as concepções e desejos que traz consigo. A professora solicitou o roteiro da entrevista e foi respondendo às perguntas na sequência proposta pelo entrevistador. O entrevistador apenas ouviu durante todo o transcorrer da entrevista. As perguntas formuladas foram as que se seguem: 1. Qual é a sua formação? Há quanto tempo trabalha com alunos da EJA? 2. Há quanto tempo trabalha no Arsenal da Esperança? Qual é o perfil dos alunos da casa? 3. Vocês seguem algum tipo de material ao ensino da língua portuguesa? Qual? 4. Como você trabalha a disciplina de Língua Portuguesa? Qual é a dinâmica da aula? 5. Como os alunos reagem ao aprendizado? Eles são receptivos?
6. Qual o nível de importância que os alunos atribuem ao ensino da língua portuguesa? Formação da professora entrevistada Professora: Meu nome é Beatriz e eu sou professora de português inglês, português ... eu fiz curso de línguas anglo germânicas ... português, inglês e alemão ... e faz mais ou menos quarenta anos que eu dou aula ... sempre dei aula de português inglês em várias eu me aposentei agora ... agora não ... já faz um tempinho. Experiência da professora no ensino com jovens e adultos Professora: ... assim que me aposentei, eu comecei a trabalhar com a EJA ... com a educação de jovens e adultos ... era uma coisa que eu queria fazer há bastante tempo e isso no Arsenal da Esperança desde 2006 ... já são seis anos que eu estou aqui. Perfil dos alunos do Arsenal de Esperança que frequentam a Escola de Jovens e Adultos na casa Professora: então, eles são pessoas em vulnerabilidade social ... na época em que eu comecei ... comecei com uma turma de analfabetos ... a maioria era de pessoas de mais idade, de 40 anos pra cima e a maioria era de nordestinos ... e, ao longo desses seis anos, o perfil mudou ... eles, assim ... são pessoas que vêm não só do nordeste ... mas de muitas outras partes do Brasil, inclusive do interior de São Paulo ... e atualmente eles são bem mais jovens ... têm muitos jovens que não terminaram a escolaridade ... por uma série de problemas ... nos jovens é questão de drogas e tudo isso ... é um problema que existe muito entre eles e muitos deles estão tentando, assim, com muito esforço se livrar de vícios, de drogas, de alcoolismo, né? ... então, é muito gratificante trabalhar com eles ... nesse sentido tam-
151 Educação de jovens e adultos
escolas ... escolas públicas e em particulares ... Cultura Inglesa ... e
bém ... é uma coisa que, aqui no Caminho Novo, ... a gente sempre tem como uma espécie de missão ... vamos dizer assim, né? ... não é só o ensino, não, é só o conhecimento, né? ... mas é também ajudá-los a se tornar cidadãos de novo. Sobre o material utilizado para o ensino da língua portuguesa Professora: na questão do material do ensino da língua
Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
152
portuguesa eu tenho usado sempre o material da ação educativa da USP, que se chama ... é uma coleção ... que se chama Viver Aprender ... são vários volumes ... então eu comecei com um tipo de material e agora tem um material mais atualizado ... que se chama Viver Aprender Integrado, que integra todas as disciplinas, né? ... mas, assim, o grande foco da minha turma é língua portuguesa, né? ... é porque pra eles é o que existe de mais importante, no sentido, assim, de arrumar um emprego melhor ... de se expressar melhor ... nas aulas realmente eles percebem que ... eles começam a perceber que existe uma diferença entre a língua que você fala e a língua que você escreve ... então a gente trabalha muito nesse sentido também ... de que o que eles falam não é que esteja errado, né? ... é um tipo de linguagem, né? ... mas é bom que eles aprendam a língua padrão justamente p’ra poder melhorar a própria condição de vida. O trabalho realizado com a língua portuguesa e a dinâmica das aulas Professora: quanto ao trabalho de língua portuguesa a gente sempre começa com uma roda de conversa ... colocando sempre um assunto ... que a gente vai discutir naquela aula ... às vezes até na semana, né? ... depois dessa roda de conversa sempre tem um texto pra leitura ... uma coisa, assim, que ... daquele texto é que vai partir a produção que eles vão trazer ... e uma coisa assim que se usa bastante também é a leitura de imagens ... filmes também, né? ... então eu estou com uma turma agora muito boa ... uma turma de
quarta série ... que a gente chamaria de quarta série ... mas na verdade é uma turma de aprofundamento ... é uma turma intermediária ... entre aqueles que estão aprendendo a ler e aqueles que já estão no Ensino Fundamental I ... então, assim, a gente trabalha textos ... com esta turma por exemplo eu consegui trabalhar crônicas, né? ... de Fernando Sabino, Rubem Braga ... e aí eles reagem muito bem ... porque a crônica é uma coisa muito, muito leve, muito, assim, voltada para a realidade deles ... aliás, todo o material que nós usamos é todas as atividades são voltadas para esse público ... esse material Viver Aprender já é feito ... já é confeccionado neste sentido, né? ... Nível de receptividade/importância dos alunos quanto ao ensino da língua portuguesa Professora: eles são muito receptivos ... porque eles sabem o quanto eles precisam ... eles querem, assim, não perder mais tempo ... e, nesse sentido, eles reconhecem muito a importância do ensino da língua portuguesa, né? ... especialmente porque eles sabem que na questão do emprego ... eles precisam ... eles precisam, p’ra poder ter um emprego melhor, né? ... agora uma coisa que a gente ... trabalha muito com eles, também ... é essa questão de valores da educação cidadania ... e uma coisa, assim, que é muito gratificante ... é que eles mesmos dizem que lá fora ... mesmo aqui fora da sala de aula, né? ... eles não têm amizades, mas que aqui ... no centro, eles conseguem se tornar amigos ... confiar um no outro ... se tornam colegas ... quer dizer, eles mesmos percebem que eles vão melhorando ... então eles vêm, assim, bem arrumados p’ra sala de aula ... tomaram banho, se perfumaram e tudo isso ... então uma coisa que é, assim, muito boa, muito gratificante é, assim, esse relacionamento com eles ... porque são pessoas que têm muita experiência de vida ... mas eles não têm a experiência da escola formal, né? ... então eles reconhecem isso, eles reconhecem que eles precisam ... e trabalhar com eles é muito gratificante, é muito bom ... eu gosto muito, especialmente por causa que existe
153 Educação de jovens e adultos
voltado p’ra realidade deles ... não tem nada de infantil ... os textos,
uma troca, realmente ... assim, de conhecimentos, muitas coisas eles ensinam pra nós ... ensinam pra mim ... porque eles têm a experiência prática ... eles têm profissões, né? ... agora, eles não têm a certificação ... e eles sabem que eles precisam disso ... então o que é importante pra nós como missão no Caminho Novo é ... porque nós sabemos que muitas vezes eles não vão conseguir este certificado ... eles não vão conseguir terminar ... porque, na verdade, eles saem muito da sala de aula ... eles têm que abandonar porque têm que trabalhar ... porque arruma-
Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
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ram emprego à noite ... mas o que nós queremos é que eles aprendam a aprender ... que eles aprendam, que eles saibam da necessidade de continuar estudando ... e, quando eles saem daqui, que eles continuem ... querendo aprender ... querendo voltar para a escola ... então, essa é a coisa melhor que a gente tem pra deixar pra eles. É possível perceber, na entrevista, os pressupostos abordados na unidade. A professora deixa claro que as questões tratadas ao longo desta unidade são colocadas com muito discernimento diante do que acredita.
Saiba mais O Arsenal da Esperança é uma casa que abriga homens em situação de rua. Para saber mais sobre a casa, acesse: A página oficial da casa. Disponível em: http://www.arsenaldaesperanca.org.br/index.html. Uma notícia sobre a casa. Disponível em: http://g1.globo. com/acao/noticia/2011/07/arsenal-da-esperanca-da-chance-de-vida-nova-moradores-de-rua-de-sp.html.
Dicas de filmes Sem identidade, de Jaume Collet-Serra, 2011 A história desenrola-se com a volta do Dr. Martin Harris, que acorda depois de um acidente de carro em Berlim e descobre que a sua mulher, subitamente, já não o reconhece, e que outro homem assumiu a sua identidade.
Escritores da liberdade, Richard LaGravenese, 2007 Conta a história da professora G e de seus alunos. No meio de tanta violência, desigualdade e desprestígio, a professora lança o olhar para as experiências daqueles jovens, motivando-os a ler e a escrever sobre suas vidas, resultando em valores um tanto quanto esquecidos pela direção da
Referências
155
CARBONELL, S. Educação Estética para Jovens e Adultos: a
Educação de jovens e adultos
escola.
beleza no ensinar e aprender. São Paulo: Cortez, 2010. COELHO, A. M. S.; EITERER, C. L. A didática na EJA: contribuições da epistemologia de Gaston Bachelard. In: SOARES, L., et. al. (org.). Diálogos na Educação de Jovens e Adultos. 4ª ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. HALL. S. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva; Guaracira Lopes Louro. 5ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. RAJAGOPALAN, K. Por uma linguística crítica: linguagem, identidade e a questão ética. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. SOARES, L., et. al. (org.). Diálogos na Educação de Jovens e Adultos. 4ª ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011.
(8)
O ensino da literatura infantil
F ocalizaremos, nesta
unidade, a
importância da literatura infantil para o trabalho com alunos do Ensino Fundamental I. Esta unidade buscará demonstrar como os professores poderão trabalhar a literatura na escola, almejando leitores competentes. A justificativa principal de trabalharmos a literatura infantil no Ensino Fundamental I diz respeito à possibilidade de se trabalhar com a leitura e a escrita, fundamentais aos alunos do 3º, 4º e 5º anos. O trabalho com a literatura infantil, nesses anos, assume papel de destaque, haja vista o interesse natural dos alunos pelas histórias das mais variadas origens. Há um mundo a ser descoberto, e a literatura trabalha com o imaginário das crianças. Os assuntos a serem abordados nesta unidade são:
• A importância do trabalho com a literatura infantil na disciplina de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental I; • A função da literatura no Ensino Fundamental I; • O trabalho do professor com a literatura infantil em
Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
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sala de aula; • Sugestão de leitura oral a ser realizada pelo professor. Espera-se que, ao término desta unidade, você possa entender a importância de trabalhar com a literatura infantil na disciplina de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental I e que tenha ampliado o olhar acerca do trabalho do docente nessa questão. Ao final da unidade, espera-se que você seja capaz de: • Entender quão importante é o trabalho com a literatura junto aos alunos do Ensino Fundamental I; • Entender a função que a literatura infantil exerce no imaginário da criança e no que diz respeito à otimização da competência leitora; • Entender como deve ser o trabalho do professor diante desse gênero literário; • Perceber o tipo de história que poderia compor as aulas de leitura oral realizadas pelo professor.
8.1
Iniciamos esta unidade salientando a importância da literatura infantil para o trabalho com alunos do Ensino Fundamental I. A linguagem literária “tem a ver com o inconsciente, com a reprodução do real e com a palavra em estado de arte” (COSTA, 2007, p. 10). A escrita de uma obra literária implica a combinação desses três elementos. O leitor, por sua vez, busca, ao entrar em contato com a literatura, uma forma de olhar o mundo. A sensação de prazer ocorre pela beleza com que as palavras se dispõem. A literatura produz o efeito de tocar o interior da alma daquele que com ela interage. Como já dito, a justificativa principal de trabalharmos a literatura infantil no Ensino Fundamental I é a questão da possibilidade de se trabalhar a leitura e a escrita. E, nesse propósito, o trabalho com a literatura infantil assume papel de destaque à escola e aos docentes. Costa, em relação à questão, diz: O bom texto literário faz com que a língua de todos os dias apareça em roupagem mais bonita e tratando de assuntos, personagens e situações narrativas que nem sempre fazem parte de nossas vivências. Cabe à escola, enquanto instituição social, e aos professores, enquanto agentes de leitura, demonstrar essa diferença trazida pelo texto literário e por aqueles poucos e bons escritores, que souberam extrair do
161 O ensino da literatura infantil
A importância do trabalho com a literatura infantil no Ensino Fundamental I
Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
162
usual e do rasteiro formas narrativas e poéticas extraordinárias e ricas. Também cabe à escola promover o crescimento do leitor, seja pelo contato com muitos e variados temas de leitura, seja quanto ao formato da escrita literária, seja, ainda, pelo compartilhamento e pela discussão de ideias com o uso da argumentação sólida e coerente. (COSTA, 2007, p. 10)
Justifica-se, então, o trabalho com a literatura infantil desde o início do processo de aprendizagem da língua portuguesa. A literatura traz em si um arsenal de múltiplas funcionalidades, não podendo ser negligenciada pelos professores que buscam otimizar a escrita e a leitura de seus alunos. Assim, trabalhar com a literatura desde as séries iniciais do Ensino Fundamental I abre o campo para o ensino de muitas outras habilidades, haja vista o fato de que as crianças são, em geral, mais abertas às novas formas de percepção. As crianças experimentam novas sensações com muita imaginação, sem muita resistência. Isso faz parte da essência da criança. Kostelnik relata este momento de ser da criança ao dizer: Determinados momentos na vida das pessoas proporcionam os fundamentos cruciais para o desenvolvimento futuro. Durante esses períodos, as crianças estão prontas para adquirir novas compreensões e habilidades. Entretanto, se, durante essa fase, não tiverem oportunidade de vivenciar algumas experiências, certamente terão dificuldade para adquirir determinadas habilidades mais tarde. (KOSTELNIK, et. al, 2012, p. 8)
Faz-se, então, imperativo o trabalho com textos literários infantis. No entanto, o trabalho com a literatura infantil no Ensino Fundamental I, embora de muita importância, não vem sendo feito por grande parte dos professores de Língua
Portuguesa. Estes, embora saibam de sua importância, negligenciam o seu ensino por, muitas vezes, não dominarem essa linguagem. Uma queixa muito frequente de professores de diversas disciplinas diz respeito à grande dificuldade dos alunos em compreenderem a proposta de trabalho apresentada, em Poderemos contribuir em relação à queixa mencionada de forma substancial, apresentando aos alunos textos de literatura infantil como forma de “contribuir para a melhoria das demais disciplinas da escola, bem como para o crescimento pessoal, psicológico, relacional e cultural das crianças leitoras” (COSTA, 2007, p. 11). Pode-se dizer que a literatura possui característica social, pois por meio da linguagem percebemos a interação entre aquele que escreve a história e aquele que a lê. Costa, em relação à questão, nos coloca: A literatura está constituída por três componentes indissociáveis: o autor, a obra e o leitor. Cada um deles merece atenção, pois é da sintonia entre eles que a literatura atinge sua realização adequada. O autor, ao construir o texto de imaginação em linguagem criativa, propõe ao leitor um desafio e um contrato. O desafio é viver a aventura de ler e conhecer. O contrato estabelece que o leitor concorde em considerar como verossímil o que lê, mesmo sabendo que se trata de um texto funcional. O texto, por sua vez, a parte concreta e indispensável ao encontro de dois pensamentos e dois pensadores: o autor e o leitor com seus processos de interpretação do real e da linguagem literária. (COSTA, 2007, p. 65)
Percebemos, também, a sua natureza linguística, pois há em seu interior o domínio da palavra. Ademais, a literatu-
163 O ensino da literatura infantil
função de não dominarem a língua escrita.
ra lida com temas existenciais, com sentimentos da essência humana como: medos, desejos, afetos, desafetos etc. Há, também, outro aspecto de grande relevância. Costa nos coloca: [...] o fato de a literatura ser uma forma expressiva em imagens verbais, que, por sua vez, criam imagens mentais nos leitores. Essa relação comunicacional entre imaginários busca sempre o entendimento, a identificação e a visão crítica. Há, pois, nessa expressão do imaginário em formas estéticas, o encontro entre indivíduos e, portanto, um processo de socialização. (COSTA, 2007, p. 23)
Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
164
Podemos reconhecer, de forma clara, inúmeras razões que validam o trabalho com a literatura infantil no Ensino Fundamental I. O objetivo dessa disciplina recai sobre a questão de se formar cidadãos críticos diante do que leem, além de estimular a habilidade de escrita. Assim, passaremos, a seguir, a delinear a função da literatura infantil no Ensino Fundamental I. Teste Responda, prontamente, as seguintes afirmações, dizendo se elas são verdadeiras ou falsas. 1. ( ) Segundo a autora Costa (2007), o trabalho com a literatura infantil reporta ao inconsciente, à reprodução do real e à palavra. Por essa razão, a escrita de uma obra literária fica relegada a segundo plano, em função de não conter esses três elementos. 2. ( ) A justificativa principal de trabalharmos a literatura infantil no Ensino Fundamental I é a questão da possibilidade de se trabalhar com a imagi-
nação da criança. O trabalho do professor consiste em apenas ativar o inconsciente da criança, e essa é a maior função do ensino da literatura no Ensino Fundamental I. 3. ( ) Embora o trabalho com a literatura infantil seja importante já no Ensino Fundamental I, poucos ensino da língua portuguesa e sobre o ensino da literatura entre as crianças, a utilizam, pois acreditam que poderão causar danos à imaginação da criança.
8.2 A função da literatura infantil no Ensino Fundamental I É fato que a criança necessita de estímulos para desenvolver a linguagem e, sobretudo, a imaginação. Em consequência, ao tomar contato com a literatura infantil, a criança aprenderá não apenas a familiarizar-se com a linguagem escrita. Muito mais do que isso, a criança estará formando o modo de pensar, os valores ideológicos, os padrões de comportamento de sua sociedade e, em especial, estará alimentando seu imaginário. (COSTA, 2007, p. 27)
Ademais, a criança, ao se deparar com o gênero literário – poemas, narrativas – e com imagens que são reproduzidas no próprio livro, acaba por desenvolver outras linguagens, ou seja, “ela forma as referências simbólicas afetivas e de pensamento que irão permanecer na memória e influenciar comportamentos futuros” (COSTA, 2007, p. 27), pois “não
165 O ensino da literatura infantil
docentes, por terem conhecimento profundo sobre o
há passagens ingênuas e sem consequências nos textos literários” (op. cit.). Podemos dizer que as imagens são fundamentalmente importantes nos livros infantis e portadoras de sentido (COELHO, 2000). Costa, reportando-se aos pressupostos de Coelho (2000), nos coloca: Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
166
[...] há uma relação estreita entre a linguagem do livro, a imagem no livro e a imagem que as palavras formam na mente do leitor ao ler qualquer texto. Todas essas imagens constituem representações do mundo e da história. Por essa razão, a autora se refere à ligação entre ilustração-imagem visual e a descoberta do mundo que ela representa toda vez que o faz de modo diferente, provocando o “olhar de descoberta” do leitor diante da estranheza das novas visualidades. (COSTA, 2007, p. 71)
O ensino da literatura infantil, quando bem orientado, vai, paulatinamente, criando o hábito leitor da criança, que, por sua vez, vai desconstruindo a visão de que ler é para apenas buscar informações e confirmações de uma determinada ideia. A criança passa a perceber a leitura como algo em que há a necessidade da sua participação para o sucesso da história. A forma com que a criança irá imaginá-la é única. Assim, podemos dizer que “a literatura visa muito mais à formação pessoal e emocional do leitor do que a sua ilustração e a sua aprendizagem científica”. O professor, ao ensinar literatura à criança, deve ter em mente que estará trabalhando com a sua sensibilidade. A criança vai construindo, sentindo, imaginando a história a partir de seu mundo interior e jamais pela lógica que lhe é atribuída pelo exterior - pela escola. Vale salientar que a literatura lhe propiciará o desenvolvimento não apenas em nível
de sensibilidade, emoção, mas, sobretudo, sobre como a linguagem lhe é apresentada empiricamente. A literatura, por tratar de temas diversos, muitas vezes não trabalhados em sala de aula (como a morte, a amizade), vai construindo o imaginário da criança de forma intensa e significativa. Sabemos que para escrever temos que ter ideias. fazemos sobre o mundo. E, para lermos o mundo, temos que senti-lo em tudo o que ele nos apresenta. Costa, a respeito da formação do leitor, diz: Muito se tem escrito sobre esse estágio da formação do leitor, o que representa o objetivo mais importante e conclusivo da formação do leitor: a capacidade de lidar com os diferentes textos escritos e os da realidade cultural (filmes, teatro, periódicos da imprensa, publicidade, textos digitais e muitos outros), de maneira a relacioná-los, diferenciá-los e converter a leitura em valor apropriado, obtendo do que foi lido uma visão simultaneamente pessoal e coletiva. (COSTA, 2007, p. 32)
Infere-se, então, que, para formarmos bons leitores, temos que colocá-los diante de situações diferenciadas, para que eles tenham condição de lentamente construir uma leitura sobre o mundo e sobre si. Esse é o papel que a literatura exerce no ensino escolar. Não podemos deixar de salientar que a leitura e a escrita são habilidades imbricadas. Quanto mais se lê, melhor será a sua forma de expressão via linguagem escrita. Costa faz a seguinte colocação: [...] quanto mais o leitor entra em contato com os textos da história da literatura e de sua contemporaneidade, mais ele é capaz de estabe-
167 O ensino da literatura infantil
E como construímos nossas ideias? A partir da leitura que
lecer vínculos, de descobrir relações de semelhança e de confrontar ideias expressas no texto que lê com ideias conhecidas de outros textos. (COSTA, 2007, p. 66)
Conclui-se daí que um bom escritor é, sem sombra de
Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
168
dúvidas, um bom leitor. Para termos sobre o que escrever temos que ler, e ler implica utilizar-se de linguagens verbais e não verbais. Portanto, “muitas são as fontes em que um escritor vai buscar a seiva que irá alimentar sua obra literária” (COSTA, 2007, p. 67), sendo que “as suas experiências estéticas acabam por manifestar-se nos textos que constrói, seja no enredo, seja nos personagens, seja na literatura adotada” (op. cit.). Esses preceitos são válidos para os nossos pequenos leitores. Concluímos esta seção ressaltando que a literatura pertence a um gênero específico que se configura por uma linguagem de extrema beleza. Devemos, se quisermos conhecer a cultura de um povo, nos aproximar dela. Ademais, “a leitura da literatura pode exercer diferentes funções na escola, como informar, educar, entreter, persuadir ou expressar uma opinião ou ideia” (COSTA, 2007, p. 33). Portanto, negligenciar o seu ensino, seria, no mínimo, insano. Teste Responda, prontamente, as seguintes afirmações, dizendo se elas são verdadeiras ou falsas. 1. ( ) Pode-se dizer que, quanto mais o leitor entra em contato com os textos da história da literatura e de sua contemporaneidade, mais ele é capaz de estabelecer vínculos, de descobrir relações de semelhança e de confrontar ideias expressas no texto que lê com ideias conhecidas de outros textos.
2. ( ) O objetivo mais importante e conclusivo da formação do leitor diz respeito à capacidade de lidar com os diferentes textos escritos e os da realidade cultural (filmes, teatro, periódicos da imprensa, publicidade, textos digitais e muitos outros), de maneira a relacioná-los, diferenciá-los e converter a uma visão simultaneamente pessoal e coletiva. 3. ( ) A criança, ao tomar contato com a literatura infantil, aprenderá não apenas a familiarizar-se com a linguagem escrita. Muito mais do que isso, a criança estará formando o modo de pensar, os valores ideológicos, os padrões de comportamento de sua sociedade e, em especial, estará alimentando seu imaginário.
Para refletir Quais histórias infantis marcaram a sua infância? Elas foram trabalhadas na escola? Como, hoje, você as trabalharia com seus alunos?
8.3 O trabalho do professor com a literatura infantil em sala de aula Os professores devem, ao trabalhar com a literatura infantil em sala de aula, se apropriar de formas que incitem a curiosidade natural das crianças. Portanto, várias são as formas com as quais os professores poderão trabalhar a literatura com seus alunos.
169 O ensino da literatura infantil
leitura em valor apropriado, obtendo do que foi lido
Antes de todo e qualquer tipo de atividade proposta é preciso que o professor fale com seus alunos sobre leitura, ou seja, que expresse naturalmente a importância da leitura sob todos os aspectos, que tenha livros em mãos. Enfim, é necessário que o professor, como dito no parágrafo inicial desta seção, incite a curiosidade de seus alunos. Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
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Ressaltamos, então, a relevância de que os professores contem e leiam histórias, comentem sobre livros e suas ilustrações de forma a motivar as crianças. Pode-se dizer que essa é uma das funções principais de despertar o interesse pela leitura. O professor deverá utilizar inúmeros recursos para aguçar o espírito de curiosidade e interesse de seus alunos para a leitura. Costa salienta essa questão, dizendo: O início do contato com a leitura e a literatura remonta aos primeiros dias de vida da criança. Na escola, desde o primeiro dia de sua entrada, a criança precisa ser exposta ao contato com histórias e poemas, contados oralmente pelo professor ou mostrados em livros ao alcance dos olhos e do manuseio da criança. A criação de um ambiente favorável à leitura irá pouco a pouco construindo na mente infantil a imagem de uma atividade enriquecedora e prazerosa. Não se trata apenas de vocabulário, mas de estruturas poéticas e narrativas. A criança aprende a temporalidade dos contos (o antes e o depois das ações), aprende a reconhecer o herói, a importância da ação narrativa, as imagens de movimento, de espaços e caráter dos personagens, bem como a presença de imagens de comparação, metáforas e sinestesias. (COSTA, 2007, p. 47)
Vale ressaltar, também, a importância da leitura silenciosa realizada pelos alunos. Esse momento deve existir, pois as crianças possuem ritmos diferentes e devemos conferir indepen-
dência diante do que elas leem desde os anos iniciais. Portanto, “o contato individual e silencioso com o livro tem função educativa, porque prepara o leitor para os contatos diretos entre as imagens lidas e o desenvolvimento de emoções e do imaginário, sem que haja intervenção e invasão do adulto” (COSTA, 2007, p. 47). A autora, reportando-se às crianças, diz que “em suas hipóbalho que prepara a leitura de textos de maior extensão e complexidade nas séries futuras” (COSTA, 2007, p. 47). Mas quando trabalhar a leitura de forma coletiva e quando trabalhá-la de forma individual? Devemos, para responder, usar de bom senso, avaliando as nossas práticas pedagógicas. Há momentos em que o professor trabalhará com o grupo todo e há momentos em que ele necessitará trabalhar com os alunos de forma individualizada. Esse é um pressuposto da ação pedagógica. Não podemos atender a todos em grupo durante todo o tempo em que estamos em uma sala de aula. Costa, em relação a esse fato, nos coloca ainda outra questão: Em se tratando de literatura, alternância entre a leitura em voz alta, geralmente realizada pelo professor (para que não se quebrem o ritmo e a entonação da leitura), e a leitura silenciosa é recomendável. Há ocasiões em que o livro lido pelo professor com encanto e entusiasmo provoca a corrida das crianças para emprestar a história lida, para que elas experimentem de novo e individualmente o mesmo prazer vivenciado em grupo, quando da leitura do professor. (COSTA, 2007, p. 48)
Os professores devem adaptar o que almejam desenvolver com seus alunos, utilizando, para tal, atividades diversas, dependendo do objetivo que pretendem alcançar.
171 O ensino da literatura infantil
teses de leitura, elas exercitam o olhar e a imaginação, num tra-
Costa alerta o professor sobre os dois modos de propor a leitura (leitura em voz alta e leitura silenciosa individual), dizendo: A leitura em voz alta segue, muitas vezes, um modelo único, independentemente da qualidade do texto, de sua proposta narrativa, de suas intenções ideológicas. A leitura em voz alta é também um exercício de interpretação e necessita de leitura prévia e de preparação vocal e gestual. Na mesma intenção, se for delegada à criança a tarefa de ler, cabe ao professor preparar esse leitor para que a interpretação em voz alta seja a mais adequada ao texto, sem improvisações, balbucios, erros de prosódia e defeitos de dicção. Esta estratégia é eficaz na conquista dos leitores e no incentivo ao manuseio de livros, mas precisa ser desenvolvida com eficiência e arte. (COSTA, 2007, p. 49)
Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
172
Portanto, o professor, ao fazer a opção pela leitura em grupo ou pela leitura silenciosa individual, deverá ter objetivos claros e precisos diante do que propõe. A avaliação dos resultados dos “efeitos da literatura sobre a formação pessoal, pensamento e a experiência do estético podem ser percebidos apenas a longo prazo” (COSTA, 2007, p. 51). A autora vai além em suas próprias colocações dizendo: Efeitos imediatos, quando existem, refletem-se melhor no modo como os alunos transferem a aprendizagem para outras linguagens – com a ilustração, a reformulação do texto, a transposição para formas dramatizadas, a criação de espaços expressivos (jornal, divulgação oral, publicidade, mural) – e até na constância de leitura de outros textos sobre o mesmo assunto ou do mesmo autor. O professor terá que ser ele mesmo criativo para
Outra questão de grande importância diz respeito à formação do professor para trabalhar a literatura infantil. Pressupõe-se que ele tenha: [...] desenvolvido a sensibilidade para o texto literário, tenha adquirido o conhecimento a respeito de obras, edições e autores da história da literatura infantil e conheça as funções da literatura para que tenha condições de escolha adequada de textos para desenvolver atividade de formação de leitores. (COSTA, 2007, p. 52)
A autora elenca vários critérios de valia destinados aos professores. São eles: • Conhecimento a respeito dos interesses dos alunos (sem que eles venham a tornar-se os únicos critérios de seleção); • Conhecimento de produção literária clássica e canônica para crianças; • Conhecimento de lançamentos recentes por intermédio de visita a livrarias, leitura de catálogos impressos ou eletrônicos, sites na internet; • Atendimento à filosofia e aos princípios da educação contemporânea (ênfase no aprender a aprender e no aprender a ser); • Atendimento às qualidades estéticas da literatura, sem preconceitos nem moralismos; preferências por textos inovadores e emancipatórios. (COSTA, 2007, p. 52-53)
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encontrar formas de avaliar o aproveitamento de seus alunos de maneira pouco usual, mas que esteja de acordo com as funções da literatura: a de pensar, a de experimentar a beleza da linguagem, a de contribuir para a percepção do mundo, a de ultrapassar a moral e a informação de fatos para viver a formação pessoal e intelectual. (COSTA, 2007, p. 51)
Embora os critérios estabelecidos sejam de enorme relevância, os professores devem ainda se atentar aos pressupostos ditados pela instituição e, como consequência, ao plano pedagógico da escola, além dos materiais de que a escola dispõe. Essa análise também deve ser considerada, haja vista a heterogeneidade socioeconômica das escolas brasileiras, para Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
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que o professor possa, até mesmo, valer-se de outras formas de introduzir a literatura em sala de aula. Teste Responda, prontamente, as seguintes afirmações, dizendo se elas são verdadeiras ou falsas. 1. ( ) A criação de um ambiente favorável à leitura irá pouco a pouco construindo na mente infantil a imagem de uma atividade enriquecedora e prazerosa. Não se trata apenas de vocabulário, mas de estruturas poéticas e narrativas. A criança aprende a temporalidade dos contos (o antes e o depois das ações), aprende a reconhecer o herói, a importância da ação narrativa, as imagens de movimento, de espaços e caráter dos personagens, bem como a presença de imagens de comparação, metáforas e sinestesias. 2. ( ) Pensando no trabalho com a literatura, a alternância entre a leitura em voz alta, geralmente realizada pelo professor (para que não se quebrem o ritmo e a entonação da leitura), e a leitura silenciosa é recomendável. 3. ( ) Há ocasiões em que o livro lido pelo professor com encanto e entusiasmo provoca a corrida das crianças para emprestar a história lida, para que elas experimentem de novo e individual-
mente o mesmo prazer vivenciado em grupo, quando da leitura do professor.
8.4
A bruxa da rua Mufetar, de Pierre Gripari Era uma vez uma bruxa velha que morava em Paris, no bairro dos Gobelins. Era uma bruxa muito velha mesmo, e muito feia, mas o maior desejo dela era se transformar na moça mais linda do mundo. Um belo dia, ela viu um anúncio no Jornal das Bruxas: MINHA SENHORA! Se a senhora é VELHA e FEIA Pode tornar-se JOVEM e BONITA! É só COMER UMA MENINA Com molho de tomate! E, mais embaixo, com letras menores: Atenção! É indispensável que o nome da menina comece com a letra N! Ora, naquele bairro havia uma menina que se chamava Nádia. Era a filha mais velha do seu Said, o dono da mercearia da rua Brocá. “Tenho que comer a Nádia”, pensou a bruxa. Certo dia, a Nádia estava indo até a padaria, quando uma velhinha começou a puxar conversa com ela: - Bom dia, Nádia!
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S ugestão de leitura oral ao professor
- Bom dia, minha senhora! - Pode me fazer um favor? - Que favor? - Queria que você me trouxesse uma lata de molho de tomate da mercearia do seu pai. Assim, não preciso ir até lá. Ando tão cansada... Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
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Nádia, que tinha um coração muito bom, concordou na hora. Assim que a menina virou as costas, a bruxa – pois a velhinha era a bruxa – começou a rir, esfregando as mãos: - Puxa, como sou esperta! – ela dizia. – A Nádia mesmo vai trazer o molho de tomate para eu pôr em cima dela. Chegando em casa com o pão, Nádia pegou na prateleira uma lata de molho de tomate, e já ia saindo quando o pai chamou: - Ei, onde é que você vai? - Uma velhinha me pediu para eu levar uma lata de tomate à casa dela. - Nada disso – disse o seu Said. – Se a tal velhinha estiver precisando de alguma coisa, ela que venha buscar. Nádia, que era muito obediente, não insistiu. Mas no dia seguinte, quando ela saiu para fazer compras, a velhinha chamou de novo: - Como é, Nádia! E meu molho de tomate? - Desculpe – disse Nádia, corando -, mas o meu pai não deixou. Ele disse que é para a senhora mesmo ir buscar. - Está bem – disse a velha – Eu vou. De fato, naquele mesmo dia ela foi à mercearia. - Bom dia, seu Said. - Bom dia, minha senhora. O que deseja? - Eu queria a Nádia. - Hein? - Ah, desculpe... Quer dizer... Uma lata de molho de tomate.
- Pois não! Grande ou pequena? - Grande, é para pôr na Nádia... - O quê? - Não é nada disso, eu quis dizer que é para pôr no macarrão... - Ah, tudo bem! Se quiser, também tenho macarrão... - Não precisa, não, já tenho a Nádia... - Como? - Desculpe, eu quis dizer que já tenho macarrão em casa... - Então... Aqui está seu molho de tomate. A velha pegou o molho de tomate e pagou, mas em vez de ir embora ficou parada com a lata na mão: - O quê? - Hum! É meio pesado... Será que não daria para o senhor... Mandar a Nádia levar para mim? Mas o seu Said já estava meio desconfiado. - Não, minha senhora, não fazemos entrega em domicílio. E a Nádia tem mais o que fazer. Se a lata é pesada demais para a senhora, paciência, é só deixá-la aqui! - Tudo bem – disse a bruxa. – Pode deixar que eu levo. Até logo, seu Said. - Até logo, minha senhora. E a bruxa foi-se embora, levando a lata de molho de tomate. Chegando em casa, ela pensou: “Tenho uma ideia. Amanhã de manhã vou até a rua Mufetar, disfarçada de vendedora. Quando a Nádia for fazer compras, eu a pego.” No dia seguinte, lá estava a bruxa disfarçada de açougueiro, quando a Nádia chegou. - Bom dia, menina. Vai levar carne? - Não, obrigada, vou comprar frango. “Droga!”, pensou a bruxa.
No dia seguinte ela se disfarçou de vendedora de frangos. - Bom dia, garota, quer comprar um frango? - Não, obrigada, hoje vou levar carne. “Droga, droga!”, pensou a bruxa. No terceiro dia, outra vez disfarçada, ela estava vendendo carne e frango. Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
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- Bom dia, Nádia, bom dia! O que você vai levar? Veja só, hoje estou vendendo de tudo: carne de vaca, de carneiro, frango, coelho... - Pois é, mas hoje eu quero peixe! “Droga, droga, droga!” A bruxa voltou para casa e ficou pensando, pensando, até que teve outra ideia: “Tudo bem, já que é assim, amanhã de manhã vou me transformar em TODAS as vendedoras da rua Mufetar!” De fato, no dia seguinte todas as vendedoras da rua Mufetar eram a bruxa (267 vendedoras). Como sempre, Nádia chegou e, sem desconfiar de nada, parou na quitanda para comprar legumes. Comprou umas ervilhas e, quando foi pagar, a vendedora a agarrou pelo pulso e clac! Trancou-a na gaveta da caixa. Felizmente Nádia tinha um irmãozinho chamado Bachir. Como a irmã mais velha estava demorando a voltar para casa, Bachir pensou: “Decerto a bruxa pegou minha irmã, preciso ir atrás dela.” O menino passou a mão no violão e lá se foi para a rua Mufetar. Quando foi chegando, as 267 vendedoras (que eram a bruxa) começaram a gritar: - Onde você está indo, Bachir? Bachir fechou os olhos e respondeu: - Sou um pobre ceguinho, queria cantar uma canção para ganhar uns trocados!
- Que canção? – perguntaram as vendedoras. - Quero cantar uma canção que se chama “Nádia, onde está você?” - Não, essa não, cante outra! - Mas eu só sei essa! - Então cante bem baixinho! E Bachir começou a cantar bem alto: - Nádia, onde está você? Nádia, onde está você? Responda que eu escuto! Nádia, onde está você? Nádia, onde está você? Há tanto tempo não a vejo. - Mais baixo! Mais baixo! – gritaram as 267 vendedoras. – Desse jeito você vai arrebentar nossos ouvidos! Mas Bachir continuou a cantar: - Nádia, onde está você? Nádia, onde está você? De repente, uma vozinha respondeu: - Bachir, Bachir, venha me soltar Senão a bruxa vai me matar! Ouvindo essas palavras, Bachir abriu os olhos, e as 267 vendedoras pularam em cima dele, gritando: - É um cego falso! É um cego falso! Mas Bachir, que era muito corajoso, levantou seu violãozinho e deu com ele na cabeça da vendedora que estava mais perto. Ela caiu dura, e ao mesmo tempo as outras 266 também caíram. Então Bachir foi entrando em todas as lojas, uma por uma, sempre cantando: - Nádia, onde está você? Nádia, onde está você? Mais uma vez, a vozinha respondeu:
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- Tudo bem, vou cantar baixinho!
- Bachir, Bachir, venha me soltar Senão a bruxa vai me matar! Dessa vez não havia dúvida: a voz vinha da quitanda. Bachir entrou na loja, pulou por cima do balcão, bem na hora em que a vendedora estava acordando do desmaio e abriu um olho. Ao mesmo tempo, as outras 266 também Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
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abriram um olho. Felizmente, Bachir percebeu e, com uma pancada de violão bem dada, fez todas desmaiarem por mais alguns minutos. Então, ele tentou abrir a gaveta da caixa, enquanto Nádia continuava a cantar: - Bachir, Bachir, venha me soltar Senão a bruxa vai me matar! Mas a gaveta estava emperrada e Bachir não conseguia abri-la. Nádia cantava e o irmão tentava... e enquanto isso as 267 vendedoras acordaram de novo. Mas dessa vez elas não abriram os olhos! Ficaram com os olhos fechados e foram todas se arrastando devagarinho até a quitanda, para cercar o Bachir. O menino estava exausto e não sabia mais o que fazer. Então ele viu um marinheiro alto, jovem, de ombros largos, que vinha descendo a rua. - Bom dia, marinheiro, quer me fazer um favor? - Que favor? - Levar essa caixa até nossa casa. Minha irmã está presa dentro dela. - E o que é que eu ganho em troca? - Você fica com o dinheiro e eu fico com a minha irmã. - Combinado! Bachir levantou a caixa e já ia passá-la para o marinheiro quando a vendedora de legumes, que tinha se aproximado devagarinho, agarrou o pé dele e começou a guinchar: - Ah, bandido, peguei você!
Bachir perdeu o equilíbrio e largou a caixa. A caixa, que era muito pesada, caiu bem em cima da cabeça da vendedora. Com isso, as 267 vendedoras caíram com a cabeça esmagada. Dessa vez a bruxa morreu, e bem morta. Mas não foi só isso. Com a pancada, a gaveta da caixa abriu e a Nádia saiu. para a casa dos pais, enquanto o marinheiro catava o dinheiro da bruxa. Fonte: GRIPARI, P. Contos da Rua Brocá. Martins Fontes Editora, 1988.
Dica ao professor O professor, após a leitura do conto, poderá propor uma atividade que esteja em consonância com os objetivos do trabalho que vem realizando com seus alunos. A atividade poderá ser trabalhada com alunos no 5º ano do Ensino Fundamental I. Dicas de leitura A formação do leitor literário, de Teresa Colomer A escolarização da leitura literária: o jogo do livro infantil e juvenil, de Aracy Evangelista, Heliana M. B. Brandão e Maria Zélia V. Machado (org.)
Referências COELHO, N. N. Literatura: arte, conhecimento e vida. São Paulo: Peirópolis, 2000. COLOMER, T. A formação do leitor literário: narrativa infantil e juvenil. Trad. Laura Sandroni. São Paulo: Global, 2003.
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Ela beijou o irmãozinho, agradeceu, e os dois voltaram
COSTA, M. M. da. Metodologia do ensino da literatura infantil. Curitiba: Ibpex, 2007. EVANGELISTA, A. A. M.; BRANDÃO, H. M. B.; MACHADO, M. Z. V. (org.). A escolarização da leitura literária: o jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. Metodologia e prática da língua portuguesa no Ensino Fundamental
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KOSTELNIK, M. J.; et. al. Guia de Aprendizagem e Desenvolvimento Social da Criança. São Paulo: Cengage Learning, 2012.
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