SERVIร O SOCIAL 8ยบ SEMESTRE
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SUMÁRIO POLÍTICA, MOVIMENTOS E CLASSES............................................................................................... 5 AULA 01 - BORDEJANDO OS CONCEITOS DE CLASSE SOCIAL..............................................................................................9 AULA 02 - CLASSES SOCIAIS, ESTRUTURA E ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL......................................................................... 27 AULA 03 - A ESTRUTURA SOCIAL E DE CLASSES DA SOCIEDADE BRASILEIRA............................................................ 43 AULA 04 - OS DETERMINANTES DE CLASSE, RAÇA E GÊNERO NA SOCIEDADE BRASILEIRA................................ 59 AULA 05 - EM TORNO DOS CONCEITOS DE MOVIMENTO SOCIAL................................................................................... 77 AULA 06 - MOVIMENTOS SINDICAIS, O MUNDO DO TRABALHO E O “NOVO” SINDICALISMO............................. 95 AULA 07 - OS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS E A PARTICIPAÇÃO CIDADÃ...............................................................111 AULA 08 - REDES DE MOVIMENTOS SOCIAIS .........................................................................................................................127
8º Semestre
POLÍTICA, MOVIMENTOS E CLASSES Autora: Jucélia Santos Bispo Ribeiro
APRESENTAÇÃO Prezado Estudante de Serviço Social,
É com alegria e esperança que apresento a disciplina Classes e Movimentos Sociais e as diferentes temáticas que serão discutidas. É muito comum ouvirmos pessoas nas ruas, ou até mesmo estudantes desinformados, dizerem que não gostam de política. Mas é preciso que pensemos melhor, e com calma, sobre o que é mesmo a política. Será que ela diz respeito, exclusivamente, às ações partidárias e aos interesses governistas? Ela existe para legitimar a corrupção e atender aos interesses individualistas, contrários ao desenvolvimento coletivo e societal? A quem serve a política? Ela aliena ou desperta o senso crítico do sujeito? Bem, algumas ações recentes, como os protestos que eclodiram nas ruas do Brasil, desencadeados por diferentes segmentos sociais, principalmente por estudantes de diferentes partes do país, parecem atestar posicionamentos que ao invés de negar, afirmam a necessidade do ativismo político. As manifestações pelo “Passe Livre” que reivindicavam redução nas tarifas nos transportes públicos, contra a corrupção e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC37) que propunha a retirada do Ministério Público na realização de investigações criminais, contra os gastos excessivos do governo brasileiro para a Copa das Confederações, a favor de mais verbas para a educação e a saúde, assim como outras demandas, ilustram o interesse do povo brasileiro pela política. Essas manifestações e protestos mostraram a força dos movimentos sociais e como a política está relacionada com a vida coletiva, com a construção da cidadania e o reforço à democracia. No entanto, a atuação política da sociedade civil organizada não começou agora. Vários dos movimentos sociais tiveram origem no século XIX, a partir das lutas dos trabalhadores contra a exploração capitalista. Entretanto, por muitas décadas, a militância presente nesses movimentos clássicos, os conhecidos partidos e sindicatos, configurou-se como uma forma séria, centralizada e muitas vezes antidemocrática de fazer política. A partir da segunda metade do século XX surgiram novos movimentos sociais com demandas para além do mundo do trabalho, reivindicando outros direitos sociais, incluindo a questão de gênero e racial, a luta pela terra e pela moradia etc. Esses movimentos passaram a apresentar um formato organizativo mais democrático, descentralizado e participativo. A ideia de participação cidadã tem sido o foco de muitos desses movimentos, tanto nacional como internacionalmente, e a constituição de redes de movimentos sociais tem se intensificado com as ferramentas proporcionadas pela internet.
“O gigante acordou”, “Saímos do facebook”, “Meu partido é o meu país” foram alguns dizeres e ideias presentes nos protestos nesses últimos tempos e têm expressado os sentimentos dessas coletividades. As características desses e de outros movimentos sociais serão vistas nesta disciplina.
Minha esperança é que você, se não gosta, passe a gostar da política e de fazer política.
Aproveite e faça boas leituras. Jucélia Santos Bispo Ribeiro
CLASSE SOCIAL
Autora: Jucélia Santos Bispo Ribeiro “[...] no BRASIL de hoje, com importações liberadas, a teoria das classes anda nas ruas. Que é que explica que alguns pilotem reluzentes Mitsubishi e BMWs enquanto milhões se ensardinham nos superlotados ônibus e metrôs da cidade?”
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AULA 01 - BORDEJANDO OS CONCEITOS DE
[Francisco de Oliveira, 1994]
Olá, caro estudante,
Nesta aula, você terá acesso a algumas noções de classe social e, minha expectativa é que você compreenda o quanto polissêmico1 é este conceito. Dito de outra forma, a expressão classe social denota vários sentidos e está relacionada com diferentes aspectos que envolvem as relações sociais. Neste sentido, chamo a sua atenção
para o título desta aula. Uma boa forma de começar uma boa leitura e entender os ________________________ seus significados é tentar decifrar o que a sua abertura quer nos dizer. Por que borde- ________________________ jar o conceito de classe social? Bordejar quer dizer navegar, mudar de rumos. Talvez ________________________ esta palavra expresse a necessidade de você seguir as explicações que paulatinamente ________________________ aparecerão ao longo desta exposição, mas não tente se fixar, em princípio, a um único ________________________ conceito, ou ao primeiro que lhe parecer mais adequado, como se estivesse chegado ________________________ a um porto seguro, a uma precisão conceitual. Navegue, bordeje, continue lendo e vá ________________________ descobrindo, aos poucos, as diferenças e semelhanças (quando houver) entre as várias ________________________ explicações para classe social e veja que dependerá do contexto, época, autor e da ________________________ estrutura social que configura determina sociedade em um determinado momento. Para início de conversa, você precisa saber, de imediato, que não há um único conceito para classe social. Não existe consenso, na literatura especializada, sobre o que é classe social. Diferentes autores utilizam diferentes aspectos (econômico, social, cultural, político) para pensar essa noção. Então, espero que você não se sinta confuso (a), quando, ao longo do texto, forem surgindo ideias diversas sobre o tema. Então, vamos lá! O que lhe vem à mente quando ouve a expressão classe social? Será que você pensa em pessoas ricas e pessoas pobres? Quem pode e quem não pode comprar coisas, objetos, mercadorias? Quem tem e não tem dinheiro? Será que algumas vezes você leu em jornais e revistas ou mesmo ouviu em telejornais as pessoas se referirem às classes sociais como a classe A, a classe B ou a classe C? Ou será que classe social para você é classe trabalhadora, classe média? Bem, se você pensa nesses termos não está de todo(a) equivocado(a). De um modo geral, classe social aparece no imaginário das pessoas e também na literatura 1
Polissêmico quer dizer que existem vários sentidos para uma mesma palavra.
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como algo que está associado ao poder aquisitivo, ao consumo e à produção de bens, às diferenças entre aquelas pessoas que podem comprar produtos ou mercadorias e aquelas que não podem, entre quem tem poder econômico e quem é subordinado a essa forma de dominação. Entretanto, caro estudante, há uma complexidade maior na identificação do que seja uma classe social. Primeiro porque o termo não se restringe aos aspectos meramente econômicos e objetivos da vida material. Não é somente o fato de as pessoas terem ou não terem capital (que comumente chamamos de dinheiro), nem simplesmente a quantidade de dinheiro que as pessoas possuem, muito menos a questão de uns terem muito dinheiro e outros terem pouco ou nenhum capital que define a classe social por si só (apesar de o montante de capital que as pessoas detêm ser algum indicador, mas não único, da classe a qual essas pessoas pertencem). Além desses aspectos econômicos, há os componentes da subjetividade humana que interferem na construção de uma classe social. Entre esses componentes subjetivos estão a consciência das pessoas, o grupo social, a prática política, as ações coletivas, os estilos e os modos de vida. Esses elementos subjetivos talvez traduzam, simbolicamente, algumas ideias difundidas no senso comum indicando quem tem e quem não tem classe (classe aqui relacionada a status social). Muitas vezes ouvimos alguém dizer: Fulano tem classe. Beltrano é de classe. Nestes casos, pessoas ricas (mas nem sempre), com alto nível de escolaridade, que prezam pela etiqueta, sofisticação,
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recebem o status de pessoas com classe. Observe, no entanto, que ser rico ou pobre, ter ou não ter capital não é a maior referência para a indicação da classe social, segundo esses critérios subjetivos. Bem, deixando essas impressões do senso comum à parte, vamos adentrar, agora, em considerações mais teóricas sobre as definições de classe social. Começaremos por um sociólogo alemão chamado Max Weber (2000) que abordou o assunto preferindo trabalhar com a expressão “situação de classe” ao invés de classe social, diferenciando-a do conceito de estamento e separando assim, o que é da ordem econômica e o que é da ordem social. Ou seja, esse autor preferiu dar o nome “situação de classe” ao invés de usar o termo classe. Mas, por quê? Vejamos. A classe, para Weber, não representa uma situação homogênea determinada pela posição das pessoas na estrutura produtiva e não existe uma unidade das classes. Para ele, há uma variação de situações na transição de uma classe para outra e isso depende de vários fatores, entre eles, as “situações de interesses típicas iguais (ou semelhantes) em que um indivíduo se encontra junto com muitos outros” (WEBER, 2000, p.199). Isso significa que, como as classes não são homogêneas, elas vão depender das oportunidades que são dadas pelo mercado para poderem existir enquanto tais. Assim, a classe nada mais é do que a “situação de classe”, ou seja, a “situação de mercado”. Em outras palavras: Para Weber, o mercado, a riqueza e os interesses meramente econômicos são os elementos que dão condições para a existência das classes.
Figura 1: “Colheita - Ceifeiras” de Silva Porto
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Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/02/Porto_colheita_ceifeiras-1.jpg
Nessa perspectiva, na medida em que as pessoas têm ou não a propriedade de bens ou serviços, numa relação de mercado, criam as bases para as situações de classe. Portanto, “proprietários” e “não-proprietários” são as categorias básicas dessas “situações de classe”, segundo a análise weberiana (HIRANO, 2002). Entre os “proprietários” e os “não-proprietários”, há uma variedade de situações de classe que podem ________________________ proporcionar trocas, associações e disputas. No entanto, na compreensão de Weber, ________________________ as relações sociais entre as classes não levam necessariamente às lutas de classe e às ________________________ revoluções. E por que esse sociólogo afirmou isso? ________________________ Bem, várias vezes, ao longo do século XIX, outros sociólogos, entre eles, Karl Marx e Friedrich Engels, pontuaram que sempre existiu antagonismos entre as classes, isto é, que ao longo da história, o que se verifica é uma luta entre classes dominantes e classes dominadas, exploradores e explorados. Esses autores escreveram que “a história de todas as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes” (MARX; ENGELS, 1998, p. 40). Mas para Max Weber, ao contrário do que pensavam Marx e os marxistas, as associações de classe, pelo contrário, podem até gerar alguma solidariedade entre classes diferentes, mesmo entre as classes proprietárias e as negativamente privilegiadas, ao invés de um antagonismo de classe. O que Weber afirmou, portanto, é que nem sempre as classes estão duelando, vivendo o antagonismo, o conflito por conta das suas diferenças e contradições, mas que pode haver, muitas vezes, uma solidariedade, uma cooperação e uma relação não conflituosa entre grupos de pessoas que estão numa determinada “situação de classe”, como aquelas em situação positivamente privilegiadas, nos termos weberianos, e outras vivendo em outra “situação de classe”, no caso, aquelas em situação negativamente privilegiadas. Nos próximos parágrafos, você entenderá melhor os grupos os quais Weber fazia referência quando queria dizer classes proprietárias positivamente e negativamente privilegiadas. Continue acompanhando o debate. Antes de continuarmos, vale ressaltar que Max Weber construiu suas reflexões sobre as classes a partir dos diálogos com a teoria de Karl Marx e muitas vezes refutando o enfoque materialista histórico e as bases teóricas das explicações marxistas.
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O autor da sociologia compreensiva, afastando-se das concepções estruturalistas e do antagonismo de classes, busca nos significados subjetivos que dão sentido às condutas sociais e na construção de tipos “ideais” uma forma de entendimento da dinâmica das classes. Talvez seja por isso que Weber prefira usar o termo “situação de classe” para referir-se às mudanças às quais as classes estão sujeitas constantemente. Então, a partir dessas ideias sobre a “situação de classe”, Weber faz uma análise da estrutura social da sociedade de sua época, no caso, do século XIX e classifica as classes em basicamente duas categorias, mas observando as subdivisões, as particularidades e as especificidades dessas situações de classe. São elas: as classes proprietárias positivamente privilegiadas (são as classes aquisitivas “ricas”, proprietárias de escravos, de terras, de capital, empresários), e as classes proprietárias negativamente privilegiadas (são as classes aquisitivas negativamente privilegiadas, as classes dependentes, objetos de propriedade, o proletariado, as “classes médias”, os “pobres”, camponeses, artesãos, os funcionários públicos e privados, os trabalhadores de um modo geral). Além dessa categorização básica, há a construção de uma tipologia das classes em Weber baseada na posse de bens e oportunidades no mercado e elas estão assim distribuídas: “classe proprietária”, “classe aquisitiva” ou lucrativa e “classes sociais”. Na primeira, a situação de classe é determinada pelas diferenças na posse de propriedades; na segunda, a classe lucrativa, é determinada pela probabilidade de valorização de bens e serviços no mercado;
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e, finalmente, a classe social, pela ‘totalidade daquelas situações de classe entre as quais um intercâmbio, a) pessoal b) na sucessão das gerações, é fácil e pode ocorrer de um modo típico’ (WEBER, 2000 apud HIRANO, 2002, p. 106)
Vê-se que a abordagem weberiana das classes é um tanto quanto complexa, e, ao mesmo tempo em que tenta se aproximar da realidade concreta das relações sociais, observando empiricamente os tipos que se conformam na sociedade, também simplifica por demais a elaboração teórica sobre as classes, na maioria das vezes as reduzindo a uma mera situação regulada pelo mercado. Tomando como exemplo a citação supra, é possível perceber alguns dados a serem melhor interpretados nessa abordagem, uma vez que, ao mencionar as classes aquisitivas ou lucrativas, o autor parece recorrer não mais ou unicamente ao mercado, mas às motivações subjetivas pessoais no sentido de valorizar bens e serviços. Já as classes sociais propriamente ditas seriam as possibilidades de trânsito ou ascensão de uma “situação de classe” para outra, no caso de algumas categorias específicas como os trabalhadores, a pequena burguesia e os intelectuais. Além da expressão “situação de classe”, para a compreensão das classes sociais, a teoria weberiana recorre também ao termo “situação estamental’, para designar uma pluralidade de pessoas, cujas condutas baseiam-se em privilégios sociais positivos ou negativos relacionando-os ao modo de vida, formação educacional, aos prestígios por descendência ou profissão, por poder de mando político, etc. Assim, enquanto a “situação de classe” vincula-se mais à posse de dinheiro e à condição patrimonial, a “situação estamental” está associada mais ao prestígio e ao status social. Então, Weber compreende que a valorização e qualificação ou desqualificação de um grupo de pessoas na
ou das duas situações conjuntamente. Dessa maneira, A situação estamental, por outro lado, pode condicionar em parte ou totalmente uma situação de classe, sem ser-lhe idêntica. A situação de classe de um oficial, funcionário ou estudante, determinada por seu patrimônio, pode ser muito diversa sem que difira a situação estamental, porque o modo de vida criado pela educação é o mesmo, nos pontos estamentalmente decisivos. (WEBER, 2000, p. 202)
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estrutura social vai depender ora da “situação de classe”, ora da “situação estamental”,
Essa citação marca a diferença entre “situação de classe” e “situação estamental”, pois enquanto a classe está associada às condições objetivas do mercado e dos bens que um grupo de pessoas possui, o estamento vincula-se aos aspectos imateriais, simbólicos que denotam, socialmente, relações de poder ou não poder. O processo de escolarização e o acesso a certas informações, por exemplo, podem fazer parte do contexto social de pessoas em “situações de classe” diferentes, e o fato de essas pessoas alcançarem os mesmos patamares da mesma formação escolar pode colocá-las na mesma escala de prestígio e poder social.
Para um melhor entendimento sobre a relação entre classe social e estamento nas sociedades modernas veja a discussão de Rodolfo Stavenhagen (2008) e a aula seguinte (Aula 2), quando serão apresentados os conceitos de estrutura e estratificação social.
KARL MARX, O MARXISMO E AS CLASSES SOCIAIS Bem, para continuarmos tratando dos elementos que implicam a ideia de classe social, o aspecto objetivo, material, econômico por um lado e por outro, a dimensão subjetiva, imaterial, política, penso que sejam significativas as contribuições da teoria marxista no que diz respeito às tentativas de compreensão e explicação desse conceito que ora nos apresenta, no caso, o conceito de classe social. Acredito que, talvez, você esteja se perguntando: _ Mas por que o marxismo? Por que recorrer a Karl Marx e aos teóricos marxistas? Eles responderam à questão do que seria classe social? Somente os autores marxistas produziram reflexões pertinentes sobre classes sociais? Para parte dessas questões, a resposta é negativa. Marx e os seus seguidores não conseguiram definir com precisão o que é classe social e o referencial teórico marxista não é o único que tem contribuído para a análise do fenômeno em questão. Outros autores não marxistas também tentaram e tentam explicar o que seja e como se constitui uma classe social. Além disso, entre os próprios marxistas não há consenso sobre a referida noção, ou seja, não há acordo dentro da teoria crítica marxista sobre quais os aspectos que são significativos e hegemônicos na caracterização de classe social. E mais ainda, o marxismo foi bastante combatido a partir da segunda metade do século XX, sobretudo depois da década de 1970 como uma teoria insuficiente para dar conta
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de realidades tão multifacetadas no que diz respeito a uma explicação aceitável para as composições das classes sociais no capitalismo contemporâneo. Fique atento, pois mais adiante, na Aula 6, quando abordarmos as mudanças sofridas pelos movimentos sociais e mencionarmos os antigos e os novos movimentos sociais, voltaremos a tocar nesse assunto, no caso, das críticas feitas ao marxismo. Êpa! Vamos parar um pouco. Parece que o conteúdo deste texto está começando a ficar um pouco confuso. É possível que não seja uma confusão propriamente dita, mas você precisa ter cuidado, a partir de agora, para entender as diferentes concepções construídas para um mesmo conceito, entre autores de uma mesma abordagem teórica. Vamos esclarecer isso melhor na sequência. Para entender melhor: Karl Marx escreveu várias obras e em algumas delas, tratou do tema classe social. No entanto, em cada texto escrito, pontuou aspectos diversos que estão relacionados à questão, mas não se preocupou, ou não teve tempo, de deixar um texto conclusivo definindo afinal, um conceito sistematizado sobre classe social. Para você ter uma ideia, num dos volumes do livro “O Capital”, Marx destaca os aspectos econômicos que delimitam as classes sociais. No livro “Manifesto Comunista”, Marx e Engels (1998) ressaltam a dimensão política, da consciência e da prática dos proletários (trabalhadores no sentido amplo) e na obra “O Dezoito Brumário de Louis Bonaparte”, sublinha as divisões entre as classes, as chamadas frações de classe, mostrando como as diferentes classes se alinham ou se antagonizam, dependendo do
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jogo político, das mudanças na estrutura da sociedade e nas relações de poder como aconteceu na França tempos depois da Revolução Francesa e logo depois da Revolução de 1848 e do golpe de Estado dado por Napoleão Bonaparte.
Figura 2: “Quarto Estado” de Giuseppe Pelizza da Volpedo
Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/29/Quarto_Stato.jpg
Autores diversos, apropriando-se das diferentes obras de Marx em que aparecem discussões em torno das classes sociais, procuraram dar interpretações para o que o sociólogo crítico alemão queria dizer, ao apresentar as reflexões nos seus textos. Entre essas diversas interpretações, há aquela referida por Sedi Hirano (2002). Esse autor destaca que é possível perceber duas noções centrais de classe social desenvolvidas por Marx: uma primeira noção teria um sentido “genérico-abstrato” relacionado com as lutas de classes em todas as sociedades ao longo da história. Nesta perspectiva, classe
ções sociais antagônicas típicas do modo de produção feudal, assim como nas castas visíveis nas sociedades não ocidentais. Assim, há uma dicotomização das relações em diferentes sociedades, conforme destacam Quitaneiro, Barbosa e Oliveira (1995, p.79):
Historicamente, essa polaridade apresenta-se de diferentes maneiras conforme as relações sociais, econômicas, jurídicas e políticas de
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pode incluir os estamentos comuns às sociedades pré-capitalistas, presentes nas rela-
cada formação social. Daí os escravos e patrícios, servos e senhores feudais, trabalhadores livres e capitalistas [...]
Nessa concepção bem ampla de classes, no seu sentido genérico, o destaque é dado às relações de dominação e às lutas entre diferentes grupos humanos que se enfrentam na produção e apropriação do que é necessário à subsistência e pelo excedente produzido. Desse ângulo, as classes são vistas pelas determinações históricas como aparece numa passagem do Manifesto Comunista onde se lê que “A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes” (MARX, ENGELS, 1998, p. 40). E esses dois intelectuais continuam a ilustrar essa noção históricoestrutural: Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor feudal e servo, mestre de corporação e companheiro, em resumo, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em conflito (MARX; ENGELS, 1998, p. 40)
Essa citação presente no “Manifesto Comunista” mostra o sentido “genérico” e comum das relações antagônicas em diferentes épocas. Mas há o sentido “específicoparticular” para a concepção de classes em Marx, conforme menciona Hirano (2002). Neste sentido, a referência se dá para as relações dicotômicas que aparecem na sociedade capitalista, especificamente. Ou seja, classes propriamente ditas seriam aquelas que se formaram com o advento da industrialização e consequente com o surgimento de grupos que se apropriaram dos meios de produção, como a burguesia, explorando a força de trabalho através da extração de mais valia. Neste caso, as classes seriam duas: burgueses de um lado e proletários ou trabalhadores assalariados de outro. A grande contradição nessa sociedade está centrada na posse ou não dos meios de produção. Se por um lado temos uma classe burguesa possuidora do capital e dos meios para a produção deste, por outro, estão os trabalhadores ditos livres, tendo que sobreviver unicamente com a venda da sua força de trabalho e despojados dos meios de produção. Ainda segundo Marx e Engels (1998), A sociedade moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classe. Não fez mais do que estabelecer novas classes, novas condições de opressão, novas formas de
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luta em lugar das queixas que existiram no passado.
Entretanto, a nossa época, a época da burguesia, caracteriza-se por ter simplificado os antagonismos de classe. A sociedade divide-se cada vez mais em dois campos opostos, em duas grandes classes em confronto direto: a burguesia e o proletariado. (MARX; ENGELS, 1998, p. 40-41)
Essa dicotomia de classes expressa de forma simplificada, dividindo proprietários e não proprietários dos meios de produção, está presente no “Manifesto” e é objeto de várias polêmicas entre os intérpretes do marxismo, quando estes se debruçam sobre a realidade socioeconômica e se deparam com a realidade da vida concreta. Portanto, acho que você já deve ter percebido que Marx e Engels e os próprios marxistas obervavam coisas diferentes que estavam relacionadas com as classes sociais. Essa abordagem teórica percebe um dinamismo na composição das classes a depender da época histórica, da estrutura social e do processo dialético vivido pela sociedade. Para Marx e os marxistas, não se pode falar em classes altas, médias e baixas sem considerar a evolução histórica da sociedade e sua estrutura social. De um modo geral, para esses autores, as classes sociais não estão relacionadas diretamente com a renda e estilo de vida, mas com a posição que grupos de homens ocupam na estrutura
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produtiva e política, pelas relações de poder que se estruturam a partir da organização das relações sociais em determinado modo de produção2. Assim, é preciso frisar a importância da relação das classes sociais com os meios de produção, com a dinâmica das relações sociais de produção, com o mundo do trabalho, com a base econômica da sociedade, pelo menos para um entendimento a partir de uma análise estrutural3 da sociedade. Essa concepção de classe social, vinculada à estrutura social, por muitas décadas foi bastante difundida dentro do marxismo.
2 Modo de produção significa as formas como as relações materiais são estabelecidas pelos grupos humanos ao longo do tempo, a maneira de produzir os meios de subsistência e existência, conformando assim as relações econômicas, base de sustentação da sociedade e as relações sociais, assentadas nas instituições sociais. 3 A análise estrutural-funcionalista de base marxista analisa a sociedade a partir de sua base material, tomando a ideia de estrutura produtiva como fundamental para se entender o funcionamento do modo de produção e as possibilidades de sua transformação com o foco voltado para as relações econômicas, como é o caso da situação de “classe em si”.
Figura 3: Cena do filme “Tempos Modernos” de Chaplin
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Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=XFXg7nEa7vQ
Entretanto, a partir das teorias de Marx, observa-se, ao longo da história, uma clássica divisão entre os seus seguidores. Alguns marxistas tinham a percepção de que a sociedade se organizava a partir dos seus elementos estruturais relacionados às relações sociais de produção, ao mundo do trabalho, às formas como os modos de produção vão se constituindo, estruturando as relações de poder. Essa análise estrutural ilustra, por exemplo, a passagem do modo de produção feudal para o modo de produção industrial capitalista, a partir dos conflitos entre camponeses, senhores feudais, nobreza, clero, e os posteriores conflitos que passam a existir na nova sociedade, agora com as lutas centradas entre capitalistas e trabalhadores operários (relação capital e trabalho). Esses autores marxistas são chamados de estruturalistas. Entre estes, há aqueles que colocam um peso grande nas relações sociais que acontecem na infraestrutura da sociedade, como as relações de trabalho, a produção de mercadorias e de mais valia, os conflitos gerados a partir das formas de exploração que acontecem nas relações trabalhistas entre burgueses e proletários, ou seja, entre os donos dos meios de produção e, portanto, de capital, e entre os trabalhadores assalariados, vendedores de sua própria força de trabalho. Se você estiver atento(a), perceberá que o modo de produção é uma conceituação elementar, na análise marxista estruturalista, para se entender classe social. Parte-se do pressuposto de que as classes só existem a partir de determinado modo de produção, das formas como os meios de produção são apropriados e das relações entre as forças produtivas e as relações sociais de produção (Entre essas relações darse a luta de classes). Esses intelectuais ditos estruturalistas observaram os escritos de Marx, em que aparece, justamente, uma análise econômica sobre a dinâmica da sociedade, sobretudo as considerações nas passagens do livro “O capital”. Nesta perspectiva, as classes sociais mantêm uma relação de oposição entre si. Esse antagonismo
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acontece porque elas ocupam posições diferentes, específicas e desiguais no processo produtivo e na estrutura social4. Portanto, segundo a abordagem estrutural, as classes têm objetivos e interesses contrários, sendo que as distinções estão relacionadas à posse de riqueza (capital) e ao poder econômico e político que umas têm em relação às outras. A relação se configura entre dominadores e dominados, exploradores e explorados, através de uma relação antagônica e, ao mesmo tempo, complementar, uma vez que as classes se opõem e são partes integrantes do mesmo sistema produtivo. Assim, elas se complementam porque uma só existe em função da outra, ou melhor, as classes se antagonizam numa relação dialética, uma vez que para existir enquanto classe, uma depende da outra. Bem, até aqui, vimos uma perspectiva marxista estrutural das classes sociais. Uma outra linha de pensamento dentro mesmo do marxismo destaca outros elementos na constituição da classe. Desse modo, outros intelectuais adeptos do marxismo ressaltaram a importância das relações que acontecem na esfera da superestrutura da sociedade. Mas que esfera é essa? Para entender melhor as relações entre a infraestrutura da sociedade e a superestrutura social, veja o capítulo sobre Karl Marx, do livro “Um toque de clássicos” das autoras Tania Quitaneiro et al (1995). Da mesma forma que essas duas noções, procure conhecer o significado da palavra dialética5 e como ela aparece nas ideias de um filósofo chamado W. Hegel e como ela foi modificada por Karl Marx. Compreender o que é dialética para esses dois pensadores facilitará o seu entendimento sobre os conflitos entre as classes sociais e a luta de classes na socieda-
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de capitalista. Mas vamos voltar a falar dos teóricos marxistas não estruturalistas ou conhecidos como aqueles que dão maior atenção à formação social. Vejamos quais são suas ideias centrais. Bem, esses autores consideram que vários problemas da sociedade estão diretamente associados às formas como essa sociedade se organiza politicamente. Esses aspectos subjetivos, políticos, permeiam a superestrutura social, conformando as ideologias, as ideias, os valores, os elementos simbólicos, os aparelhos de poder e dominação, as práticas sociais. Sendo assim, vários desses autores resgatam as publicações em que Marx destacou o problema da consciência e da luta de classes, os problemas na organização política dos trabalhadores, especialmente as formas de atuação da classe operária ao longo do século XIX. Agora para complicar, ou quem sabe, clarear um pouco mais as ideias: separar autores marxistas estruturalistas dos não estruturalistas, a partir da divisão entre os determinantes da infraestrutura e os da superestrutura social, é reduzir e limitar demais as abordagens que esses analistas fazem do social. A compreensão marxiana da realidade compreende uma relação mútua e dialética entre o econômico e o político, pois, Não cabe pensar o econômico por si mesmo, tampouco a autonomia do político, sequer relativa, não porque seja mero reflexo do econômico, ou porque as questões políticas não tenham sua espe4 Ver o conceito de estrutura social na Aula 2. 5 Lembrando que Marx utilizou o conceito de dialética com sentido diferente da construída por W. Hegel. Enquanto Hegel construiu um método de análise do movimento do pensamento, das ideias, da consciência, através das transformações entre a tese, a antítese e a síntese, Marx toma esse conceito para si, construindo a dialética materialista-histórica, ou seja, observou as mudanças ocorridas ao longo da História, em cada modo de produção, nas relações materiais e sociais de produção e as contradições inerentes a essa dinâmica.
permite seu fracionamento em fatores isolados, sejam políticos, econômicos, ideológicos, jurídicos etc. Há uma interpenetração indissolúvel, por exemplo, entre ‘o político’ (os partidos, o Estado, as demais instituições políticas) e ‘o econômico’ (o mundo das relações sociais de produção). (RIDENTI, 2001, p. 31)
Em outras palavras, muitos dos autores marxistas ou analistas de suas obras,
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cificidade, mas porque a compreensão da totalidade do real não
independentemente da linha que adotem dentro do próprio marxismo, trabalham dialeticamente com as duas perspectivas, ora observando os aspectos objetivos, econômicos e centrados no universo das relações de trabalho, ora frisando as dimensões simbólicas, subjetivas, políticas da práxis social. Portanto, para se fazer uma análise da sociedade contemporânea, sobretudo a partir das mudanças que vêm ocorrendo no modo de produção capitalista ao longo do século XX e nessa primeira década do século XXI, é preciso ter cada vez mais um olhar cuidadoso, investigativo e complexo, integrando os vários determinantes (econômicos, sociais, políticos, culturais, psicossociais, territoriais etc.) das relações sociais, inclusive para se entender a dinâmica das classes sociais hoje.
CONSCIÊNCIA E LUTAS DE CLASSE No tópico anterior, vimos que a análise das classes sociais na abordagem marxista pode ser vista a partir de uma perspectiva estruturalista, fincada nas relações econômicas, ou por via de uma análise que privilegia a formação social, dirigindo a atenção para as relações políticas e de consciência das formações humanas coletivas. Mas essa separação não é rigorosa, a ponto de o econômico não dialogar com o político. Pelo contrário. Em quase toda a leitura marxiana, a dialética está presente, mostrando a complementaridade e as contradições nessas relações. Então, de certa forma, todo o sistema teórico marxista, em suas diferentes vertentes, dirige seu foco também, e podemos dizer, sobretudo, para a ação política das classes sociais e as possibilidades de mudança social. Nesse caso, o interesse volta-se para o entendimento dos conflitos e das lutas de classes, das formas de consciência que podem desencadear uma transformação na estrutura e nas relações político-econômicas e sociais. Pensa-se que, ao adquirir a consciência de si e dos interesses antagônicos que regem as relações entre as classes, organizando-se politicamente, estas podem inverter as relações de poder, conquistando e assumindo o poder do Estado. Com uma análise sobre as possíveis mudanças na estrutura e o movimento dos sujeitos na construção e na constituição de uma classe, o debate se instala, portanto, a partir dos conceitos de “classe em si” e “classe para si”, noções fundamentais em Marx. Alguns autores vão focar sua atenção nas classes sociais “em si”, em inércia, ignorando muitas vezes o movimento dialético, a prática política e a relação entre classe em si e classe para si, conforme aparece em “O Capital”. É o caso dos estudos feitos por Ruy Fausto, discutidos por Marcelo Ridenti (2001) em “Classes sociais e representação”. Bem, acho que chegou o momento, de darmos uma parada para conferir o que se entende por “classe em si” e “classe para si” no marxismo. Ora, se você lembrar dos
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conceitos de infraestrutura e superestrutura social, noções presentes na teoria materialista histórica e dialética, certamente terá facilidade para entender essas duas noções, pois a “classe em si” está associada às condições objetivas, às relações sociais de produção que se estabelecem a partir da divisão social do trabalho e pela posição social ocupada pelos grupos de pessoas na estrutura produtiva. Portanto, ela tem vínculo direto com as condições econômicas. Enquanto que a “classe para si” refere-se à dimensão subjetiva no que diz respeito à organização política da classe, às formas de associação a partir da consciência da condição de classe vivida pelas pessoas em grupo. Esta ressalta a consciência política. Ou seja, essa condição de “classe para si” não é uma condição dada, mas ela se expressa em todos os momentos históricos. Ela é volátil, fluida, inconstante, mas sempre presente de forma latente ou manifesta em épocas diferentes e, sobretudo, no modo de produção capitalista em meio às suas crises, desde a sua gênese e desenvolvimento. Em resumo, pode-se dizer que Marx distingue conceitualmente as classes enquanto grupos de pessoas que compartilham determinadas condições objetivas, ou seja, a mesma situação no que se refere à propriedade dos meios de produção _ classe em si, dos grupos que se organizam politicamente para a defesa consciente de seus interesses, o que supõe uma identidade construída do ponto de vista subjetivo _ classe para si.
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(QUITANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 1995, p. 81)
As autoras destacam, assim como outros estudiosos das obras de Marx, que essa separação entre “classe em si” e “classe para si” serve apenas como recurso didáticoanalítico para entender como a sociedade de classes se estrutura e ao mesmo tempo possibilita ou impede as suas transformações. Assim, Ridenti (2001, p. 15) pontua que [...] a separação entre classe “em si” e classe “para si” só é posta para efeitos analíticos, pois na dinâmica da realidade o econômico não é separável do político, nem “as classes em inércia” podem ser distinguidas das classes em movimento não inercial, as classes “em si” das classes “para si”.
Então, essa citação aponta para uma relação dialética entre o econômico e o político, entre “classe em si” e “classe para si”, entre infraestrutura e superestrutura social. Vamos retomar, agora, o debate que é travado sobre a estrutura de classes na perspectiva marxista sobre a explicação das relações conflitivas presentes nas sociedades capitalistas. Retomando a análise feita por Ruy Fausto (1987 apud RIDENTI, 2001) pode-se perceber uma abordagem centrada em torno da ideia de “classe em si”, quando esse autor tenta identificar, objetivamente, a caracterização das classes em Marx. Dessa maneira, concebe que a sociedade capitalista comporta três grandes classes entre
uma variedade de categorias sociais. Assim, entre as classes fundamentais estariam os capitalistas, donos de capital, tendo o lucro como principal rendimento; os proprietários fundiários, donos de terra e vivendo de sua renda; e os trabalhadores assalariados, donos de sua força de trabalho e vivendo do salário como rendimento. As classes intermediárias seriam aquelas exteriores ao sistema, mas suas trocas e dinâmica aconteceriam no interior do sistema. Entre essas estariam os diretores de empresa, camponeses e artesãos, pequenos comerciantes, profissionais liberais, etc. Para além das classes fundamentais e intermediárias, reconhece-se o lumpemproletariado como marginal
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aquelas vistas como fundamentais, e mais as classes intermediárias, compostas por
ao sistema produtivo capitalista. Entre esses, os mendigos, prostitutas, ladrões etc. (FAUSTO, 1987 apud RIDENTI, 2001). Através dessa análise da condição de “classe em si” e das suas condições objetivas de existência, verificar-se-iam as tendências das classes no capitalismo: uma polarização entre a burguesia e o proletariado, aumento no número de trabalhadores assalariados em função da concentração de capital nas mãos de poucos e o surgimento da figura do administrador com a função de capitalista, mas não de proprietário do capital. De outro ângulo, dialogando com José Arthur Giannotti, Ridenti (2001) tenta perceber a passagem da “classe em si” para a condição de “classe para si”, ou seja, da condição “dada” para a condição “construída”, em movimento, na luta. Vê-se, então, que não é somente a posição na estrutura, nem as diferentes formas de aquisição de rendimentos das três classes, no caso, capitalistas, assalariados e proprietários fundiários, que indicam as composições de classe e indicam as tendências de transformação da sociedade capitalista. A classe existe em luta concreta, no movimento dialético, e não como “algo dado de antemão”, como uma realidade pronta. É por essa razão que a luta de classes, quando se operacionaliza, ocorre entre frações de classes, entre estratos, pois as três classes fundamentais (capitalistas, trabalhadores assalariados e proprietários fundiários) se multiplicam em diversos segmentos. Na trajetória de lutas, as contradições vão se configurando mostrando as polarizações que acontecem entre grupos de pessoas no sistema de concorrência no mercado. Portanto, quando em luta, as classes são várias, são frações de classes que vivem as contradições capitalistas, mas quando se efetivam enquanto classes, elas se transformam em apenas duas: capitalistas e assalariados e passam a vivenciar a contradição fundamental entre o trabalho e o capital. (GIANNOTTI, 1983 apud RIDENTI, 2001)
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Figura 4: Operários dos séculos XIX e XX
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/58/Bundesarchiv_Bild_183-S1207-011%2C_M%C3%BChlhausen%2C_tschechische_Arbeiter.jpg e http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/94/COLLECTIE_TROPENMUSEUM_Zoutwinning_op_Madura._Met_de_ram_een_gedeelte_van_de_pers_worden_de_briketten_geperst._ De_ram_en_de_draaitafel_worden_hydraulisch_aangevoerd_TMnr_10007417.jpg
Essas considerações sobre a passagem do “em si” ao “para si” são importantes para que seja entendida a significância que tem a consciência também como motor desencadeador da luta de classes. Assim, não basta que as pessoas estejam simplesmente inseridas na estrutura produtiva para se configurar como classe. É preciso também a tomada de consciência por parte daqueles que vivem coletivamente as mes-
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mas condições de desigualdade, opressão e injustiça. E segundo Ridenti (2001, p. 24), a consciência “não pode ser literalmente trazida ‘de fora’ da classe em si, por partidos ou intelectuais que supostamente tenham o domínio das leis da História, ela deve brotar de dentro da própria classe, de sua práxis”. Essa citação de Marcelo Ridenti parece estar pontuando uma discussão travada no interior do marxismo, sobre o papel revolucionário da classe trabalhadora e a atuação do partido como vanguarda na luta. O fato de a consciência precisar vir do interior da própria classe e não conduzida, ensinada ou manipulada por uma elite de trabalhadores esclarecidos diz respeito às críticas às visões de mundo de V. Lênin sobre a luta dos trabalhadores. Lênin (1979 apud RIDENTI, 2001) advoga a necessidade da organização política da classe proletária através da orientação dada pelas lideranças do Partido que pode conduzir a luta com os melhores meios para derrubar o Estado burguês. Nesse caso, a consciência vem de fora, através dos instruídos, de uma elite pensante e não dos trabalhadores em geral. Essa ideologia leninista foi bastante contestada nos anos de 1960 e 1970, pois se pretendia ser a verdade única sobre as práticas de classe, os rumos da revolução e o lugar do Partido como única instituição capaz de conduzir a verdadeira luta contra o capital, indo além das particularidades das demandas trabalhistas. Portanto, você já deve ter percebido que estamos falando do problema da consciência e da luta de classes, da condição de “classe para si” e não da ‘classe em si”, dos aspectos subjetivos, políticos e de prática no sentido das ações para a transformação da sociedade capitalista. Esta era, a bem dizer, uma questão crucial nas preocupações de Marx, desde a sua juventude até a fase madura, quando ele e seus seguidores pensavam (e muitos ainda pensam) sobre as formas de superação do modo de produção capitalista.
trabalhador a possibilidade de constituição de uma classe revolucionária disposta a romper com as formas de opressão e exploração postas pelos capitalistas. Dependendo da dinâmica da luta de classes poderia acontecer a tomada de consciência “para si” entre os próprios trabalhadores, desencadeando assim, um movimento dialético pelos operários em luta (RIDENTI, 2001). Nessa dinâmica de luta classista empreendida ao longo do século XIX, tudo indicava que o caminho a seguir seria a superação da sociedade sem classes, a destruição do Estado burguês e a construção de uma sociedade socialista, que, superando a si mesma, abrisse espaço para a construção de um mundo
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Marx, segundo as reflexões trazidas por Marcelo Ridenti e outros autores, via no
comunista, sem desigualdades, sem exploração e sem a dominação de uma classe por outra. Essa consciência de classe da classe trabalhadora tornaria possível a superação do “reino da necessidade” pelo “reino da liberdade”, em termos marxianos. Ou seja, a consciência de classe possibilita que o trabalhador não mais seja determinado exteriormente pelas necessidades e utilidades do trabalho que lhe é alheio, mas passa a ter a liberdade de decidir, de escolher e de viver conforme suas capacidades criadoras. A revolução socialista de 1917, eclodida na Rússia czarista, por exemplo, é ilustrativa da consciência e construção de classe e de como a práxis resulta da dinâmica da luta de classes. Essa dinâmica de luta de classes que não está prescrita, dada, predeterminada acontece dentro de determinadas condições e depende do desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção. A polêmica sobre de onde brota a consciência, se do interior da própria classe ou se de fora, sendo atribuída por outrem, não está resolvida. Esse nó talvez exemplifique as previsões de Marx, de uma possível ________________________ revolução proletária no interior de uma sociedade altamente industrializada como a ________________________ Inglaterra e, contrariamente, essa revolução ter acontecido justamente em um país ________________________ pouco industrializado, ainda agrário como a Rússia. O posterior insucesso do socialis- ________________________ mo nas sociedades contemporâneas pode nos trazer outras reflexões sobre os estudos ________________________ marxianos e os fundamentos da sua teoria. Voltando, então, ao próprio Marx: as crises cíclicas enfrentadas pelo capitalismo e suas contradições, sobretudo nos conflitos entre o capital e o trabalho, seriam os termômetros que tornariam possível a constituição dos proletários como sujeitos da história, o motor das mudanças para uma sociedade mais justa e igualitária. Daí a frase célebre: “Trabalhadores de todo o mundo, uní-vos!” (MARX, ENGELS, 1998). Através de análises e investigações profundas sobre os antagonismos do modo de produção capitalista, Marx entendeu que, assim como outros modos de produção foram superados, assim como o mundo feudal, que durou cerca de dez séculos, chegou ao fim, o capitalismo certamente enfrentará a sua síntese. Como não era profeta, não disse quando isso aconteceria.
SÍNTESE Nesta aula, vimos as dificuldades para se encontrar um conceito-síntese de classe social em Karl Marx, pois esse pensador lançou olhares diferentes sobre as classes, a partir de diversos ângulos, sem ter se preocupado com uma definição objetiva e comum em todas as suas obras para a explicação do fenômeno. O fato de esse autor não ter deixado uma explicação clara para classe social, talvez por não ter dado tem-
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po de realizar investigações mais criteriosas da questão antes de morrer, resultou na divisão entre marxistas estruturalistas e não estruturalistas e, consequentemente, na divergência sobre o maior peso atribuído aos determinantes da classe: se o econômico ou o político. Enquanto Marx e autores marxistas viam a configuração de classe a partir da estrutura social, das relações sociais de produção, da posição dos grupos na estrutura produtiva e pela expropriação dos frutos do trabalho por não produtores, além da consciência e organização política coletiva, Weber compreendia a situação de classe a partir da posição das pessoas no mercado, ou seja, pela riqueza e poder de consumo. As concepções diversas até hoje não possibilitaram uma concordância em relação à aceitação de um conceito comum ou consensual que defina classe social. A falta de um acordo sobre o que é classe tem gerado muitas confusões, simplificando por demais a ideia de classe, que muitas vezes se reduz a uma mera estratificação social, separando-se e hierarquizando aqueles grupos concebidos como classe trabalhadora e pobre, classe média e classe alta, os ditos ricos. Ainda que não haja concordância entre os autores, fica perceptível a existência das classes sociais como produto das desigualdades sociais e econômicas que se refletem na divisão de poder e prestígio entre aqueles que são proprietários dos meios para a produção da riqueza e aqueles que não o são. Uma desigualdade que se perpetua entre pobres e ricos e em outras divisões que posicionam os sujeitos na hierarquia
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social.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Quais as maneiras para se identificar uma classe social e como a “classe em si” converte-se na condição de “classe para si”?
LEITURAS INDICADAS SALLUM JR., Brasílio. Classes, cultura e ação coletiva. Lua Nova, São Paulo, 65: 11-42, 2005. SINGER, Paul. Globalização e desemprego, diagnóstico e alternativas. 2. ed. São Paulo: Contexto, 1998. STAVENHAGEN, Rodolfo. Classes sociais e estratificação social. In: FORACCHI, Marialice Mencarini; MARTINS, José de Souza. Sociologia e sociedade: leituras de introdução à sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
SITES INDICADOS Programa Roda Viva: Milton Santos Disponível em: http://www.youtube.com/ watch?v=G9WoAjHEGBc
watch?v=KAzhAXjUG28 Filme “A revolução dos bichos” Disponível em: http://www.youtube.com/ watch?v=I5KI0b2H6ks Filme Adeus, Lênin! Direção de wolfgang Becker Filme “A classe operária vai ao paraíso” Disponível em: http://www.youtube.com/ watch?v=8a7nwGZyR4Q
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Filme curta metragem “Ilha das Flores” Disponível em: http://www.youtube.com/
Filme “Eles não usam black-tie” Disponível em: http://www.youtube.com/ watch?v=Uzl2K1bDRog Filme “Germinal” Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=vzVSlxWyxdc
REFERÊNCIAS ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1998.
FERREIRA, Delson. Manual de sociologia: dos clássicos à sociedade da informação. São Paulo: Atlas, 2001.
FORACCHI, Marialice; MARTINS, José de souza. Sociologia e sociedade: leituras de introdução à sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
HIRANO, Sedi. Castas, estamentos e classes sociais: introdução ao pensamento sociológico de Marx e Weber. 3. ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 2002.
LAKATOS, Eva Maria. Sociologia Geral. 7. ed. São Paulo: Atlas 1999.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo Editora, 1998.
MARX, Karl. O 18 Brumário de Louis Bonaparte. São Paulo: Boitempo Editora, 2011.
MONTAÑO, Carlos; DURIGUETTO, Maria Lúcia. Estado, classe e movimento social. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2011. (Biblioteca Básica de Serviço Social)
QUINTANEIRO, Tânia; BARBOSA, Maria L. de O., OLIVEIRA, Márcia G. de. Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte: UFMG, 1995.
RIDENTI, Marcelo. Classes sociais e representação. 2. ed. São Paulo: Cortez: 2001.
SOUTO, C.; SOUTO. C. (orgs.). A explicação sociológica: uma introdução à sociologia. São Paulo: E.P.U., 1999.
TOMAZI, Nelson Dácio (Coord.). Iniciação à Sociologia. São Paulo: Atual, 2006.
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamdentos da sociologia compreensiva. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000. v.1
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ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL Autora: Jucélia Santos Bispo Ribeiro
“Há, pois, não a eliminação, mas a persistência do antagonismo entre capital social total e a totalidade do trabalho, antagonismo que se dá tanto na esfera da produção quanto da sociedade de consumo produtora de desperdício, que manipula o consumo do
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AULA 02 - CLASSES SOCIAIS, ESTRUTURA E
ser que trabalha”.
(Ricardo Antunes, 2008)
Prezado(a) estudante,
Convido você a ouvir e observar a letra da música que está indicada no site logo abaixo e a pensar sobre as dificuldades que certos segmentos sociais encontram na nossa sociedade, para mudar de posição social e alcançar a ascensão socioeconômica tão desejada por tantas pessoas.
Música: Problema social Composição: Guará/Fernandinho Intérprete: Seu Jorge Fonte: http://letras.mus.br/seu-jorge/456890/
Essa letra de música nos remete ao universo de uma criança pobre que não encontrou oportunidades ou chances para viver uma infância de brincadeiras e sonhos, e de condições favoráveis ao seu desenvolvimento. Pelo contrário, as desigualdades de classe social e a divisão ou a estratificação social da sociedade capitalista colocam esse sujeito no lugar da pobreza, da marginalidade, da exclusão socioeconômica, inclusive educacional. Então, vamos pensar essas questões, voltando a falar um pouco sobre as classes sociais. Bem, na Aula 1, trabalhamos as noções de classe social, cercando o conceito através das abordagens de diferentes autores, principalmente a partir das análises de Karl Marx e de outros autores marxistas. Nesta aula, o objetivo principal é pontuar o problema conceitual e de identificação da estrutura social e da estratificação social, bem como possibilitar o seu conhecimento a respeito do debate que cerca a tese de que as classes sociais, sobretudo em termos marxistas, desapareceram com o advento das novas tecnologias da informação, da redução do operariado industrial e com a consequente expansão da classe média e dos serviços na sociedade contemporânea. De um modo geral, quando se fala em classe social, fala-se também em estrutura de classes e, muitas vezes, de forma equivocada, de estratificação social. Mas, então,
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o que isso quer dizer? Você já deve ter ouvido falar em pirâmide social. Imagine uma pirâmide, dividida em diferentes camadas, de forma hierarquizada, cujas posições das pessoas distribuídas nesses espaços conferem prestígio e poder umas frente às outras. A imagem de uma pirâmide, ou de um edifício (no caso, social), aproxima-se bastante dessas noções de classe, estrutura e estratificação social. O formato dessas edificações necessita de um modelo estruturante, de uma estrutura que lhes dê sustentação, da composição de partes que lhes confira uma totalidade, de uma base para existir enquanto tal. Ao mesmo tempo, tanto a pirâmide quanto o edifício precisam ser divididos em camadas, de um modo geral, seguindo uma organização em camadas superpostas, umas sobre as outras, formando estratos. Então, dentro dessa estrutura, no caso, da sociedade ou da estrutura social, encontramos as classes sociais, a disposição das pessoas em grupos específicos, muitas vezes antagônicos, dentro de um modelo econômico, enfrentando questões políticas numa relação de poder, ao mesmo tempo em que indivíduos e diferentes coletivos vão se inserindo em diferentes estratos sociais.
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Figura 1: Pirâmide estamental na sociedade feudal
Fonte: Adusterlina Lordello e Helder Santos / UNIFACS Composição com imagens dos sites: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/ee/Estephane-Douaihi.jpg http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/3f/Vanmour_-_Le_grand_seigneur_en_habit_de_ceremonie.jpg http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f3/King_John.jpg http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/30/Cabinda_Servants.jpg http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/09/Cavalerie_noble.jpg
Parece simples assim, não é mesmo? Mas essas ideias são apenas analogias para que você, caro(a) estudante, possa comparar conceitos que são, na verdade, abstrações, conjecturas, construções intelectivas, modelos teóricos para a explicação das relações sociais através das formas como elas se manifestam. Devo alertá-lo(a), no entanto, que essas elaborações teóricas são mais profundas e complexas do que podemos imaginar de imediato. Há muitas divergências sobre essas definições. E o que são,
Bem, é preciso chamar a sua atenção, mais uma vez, para a necessidade de uma leitura atenta aos temas que ora se apresentam. Digo isso porque os conceitos expostos têm muitas semelhanças entre si, podendo gerar confusão na identificação do que é um e outro. De um modo geral, se faz muita confusão sobre as especificidades e as diferenças que envolvem as classes, a estrutura e a estratificação social. Além disso, é preciso dizer que, assim como classes sociais, não há um conceito único e comum sobre o que é, afinal, estrutura social e estratificação social. Diante dessa falta de exati-
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afinal, a estrutura social e a estratificação social?
dão, especificação e consenso na literatura, espero que você não se sinta confuso(a) e consiga acompanhar a discussão proposta para um melhor entendimento dos significados que podem aparecer para ilustrar essas noções. Quero retomar, neste início de conversa, as justificativas que foram pontuadas na Aula 1, sobre o significado de classe social. Você deve estar lembrado(a) quando mencionei que não existe unanimidade entre os teóricos, mesmo entre os autores marxistas, sobre o conceito de classe social. Dessa forma, ela pode estar relacionada com a situação das pessoas no mercado e atravessada pelas relações racionais e baseadas na riqueza e no poder econômico, conforme propõe Max Weber (2000). Pode também estar diretamente relacionada à posição dos grupos na estrutura produtiva de uma sociedade, no caso, na condição “em si”, determinada não pelos rendimentos que as pessoas possuem, mas pelas relações sociais e materiais de produção que se estabelecem em um modo de produção. Mas, além dessa noção marxista estruturalista, a classe social pode ser identificada pela condição constituída “para si”, ou seja, pela consciência política que resulte numa organização dos grupos de pessoas que se encontram em relações desiguais de opressão e dominação dentro de determinados modelos econômicos. Nesse caso, os elementos da superestrutura social são imprescindíveis para a formação social, conforme pensam os marxistas dessa linha de pensamento, no caso, os não estruturalistas. Já a estrutura de uma sociedade diz respeito às formas como as relações sociais de produção se organizam, constituindo diferentes modos de produção historicamente determinados. Quanto à estratificação social, ela traz a ideia de uma escala social, uma hierarquia a partir dos lugares e das posições assumidos pelas pessoas na sociedade ou designados a estas, tomando-se como referência o poder aquisitivo, a renda, o trabalho, a escolarização, o sistema de valores, a etnia ou raça e outros critérios considerados relevantes para diferenciar e qualificar os indivíduos e grupos sociais. Conforme salientam Montaño e Duriguetto (2011), Em toda a história das sociedades, verifica-se um tipo de estratificação social. Ela representa a desigualdade social existente e a divisão das pessoas em grupos, estratos sociais, seja em relação à riqueza econômica, ao poder político ou religioso, seja em relação à função que se cumpre na sociedade. (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p.82)
Portanto, a divisão em estratos sociais não é uma característica exclusiva do modo de produção capitalista. Outras sociedades comportaram grupos de pessoas constituídos em camadas sociais hierarquizadas, refletindo as desigualdades corres-
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pondentes às suas épocas. Então, a estratificação social remete à ideia de mobilidade social e a sua relação direta com as formas de desigualdade, expressando uma disposição privilegiada de alguns grupos frente a outros social e economicamente desfavorecidos. Figura 2: Estrutura de classes na sociedade capitalista do século XIX
Autor: Helder Santos - UNIFACS Composição de Imagens dos sites: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:%D0%A1%D0%BB%D1%83%D0%B6%D0%B0%D1% 89%D0%B8%D0%B5_%D0%B8_%D1%80%D0%B0%D0%B1%D0%BE%D1%87%D0%B8%D0%B5_%D1%81%D0%BB%D0%B2% D0%B7.jpg http://commons.wikimedia.org/wiki/File:General_Francisco_Javier_Casta%C3%B1os,_duque_de_Bail%C3%A9n.jpg
No entanto, de forma semelhante ao problema apresentado na Aula 1, há também as dificuldades de uma sistematização conceitual para estratificação social. A questão que perpassa a noção de estratificação está relacionada com o critério utilizado para definir as hierarquias, se de forma objetiva, pelos aspectos econômicos, de renda, riqueza, de capital, trabalho ou pelas características subjetivas, vinculadas ao prestígio, aos valores, à educação. Segundo Stavenhagen (2008), os critérios utilizados nos estudos sobre a estratificação são analisados de forma isolada ou combinados. Na percepção desse autor, Em relação a cada um destes é possível estabelecer um sistema de níveis, isto é, uma hierarquia ou estratificação. Mas é evidente que uma estratificação social baseada somente num destes critérios (a renda ou a ocupação, por exemplo), não corresponderia à realidade social. Por isso, é cada vez mais comum a elaboração de índices múltiplos, mediante cálculos estatísticos e fala-se em sistemas multiestratificados. (STAVENHAGEN, 2008, p. 238)
Nesta citação, o autor ressalta que, para cada critério utilizado na divisão social, há a formação de níveis hierárquicos diferenciados, ou seja, se o critério for renda, por exemplo, pode haver a escala dos níveis: ricos e suas variações, pobres em sua ampla diversidade e setores abaixo da linha da pobreza. Caso o critério seja escolaridade, é possível dividir as camadas nos níveis de educação básica, nível médio, nível superior,
ciedades contemporâneas, as análises costumam combinar diferentes critérios, como renda e escolaridade, e de uma forma mais ampla, faz-se a associação entre classe social, gênero, raça e educação, além de outros cruzamentos para análises quantitativas ou estatísticas e qualitativas ou subjetivas. As abordagens quantitativas normalmente são representadas por gradações, pelas escalas numéricas, pelos gráficos. Já as interpretações de cunho qualitativo estão baseadas em avaliações subjetivas, como o prestígio que determinados grupos e pessoas possuem na sociedade.
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pós-graduação. Porém, diante da complexidade do sistema de estratificação nas so-
Critérios diferentes para avaliar as classes sociais Estudos que avaliam a distribuição da população brasileira por classe social podem usar parâmetros diferentes para agrupar os cidadãos. A IPC-Maps, por exemplo, utiliza o Critério Brasil, elaborado pela Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa (Abep) e usado pelas empresas do setor. Por esse critério, os domicílios são classificados pela posse de bens duráveis como carro, geladeira, freezer; pela casa ter banheiro; dispor de empregada doméstica mensalista; e pelo nível de escolaridade do chefe da família. Por exemplo, são considerados domicílios de classe E aqueles que atingem até sete pontos, numa escala de zero a 46 pontos para todas as classes. O Critério Brasil tem como objetivo exclusivo estimar o potencial de consumo de domicílios no contexto de pesquisas de marketing. Já a classificação usada pelo instituto Data Popular leva em conta a renda per capita mensal da população domiciliar. Por esse critério, cada membro da classe E recebe R$ 79./ M.C. Fonte: Estadão, janeiro, 2012 http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,criteriosdiferentes-para-avaliar-as--classes-sociais-,825751,0.htm
Alguns problemas que envolvem a definição e a caracterização da estrutura e a estratificação social relacionam-se à dificuldade de generalizar para toda a sociedade esse sistema de classificação, de escolher qual unidade será observada (o indivíduo ou o grupo social) e quais critérios são os mais representativos para melhor se conhecer a sociedade em questão. Há alguma confusão também na indiferenciação que as pessoas fazem entre os termos classe social, estratos e camadas sociais. Quando se fala em classe social, há o interesse em se buscar uma unidade coerente, uma forma de existir e de atuar coletiva e homogeneamente em termos de relação com a riqueza, com os bens materiais, com o trabalho e com a consciência e a práxis social. Como a sociedade pós-industrial tem apresentado uma plasticidade e fragmentação na composição dos grupos sociais, incluindo aí a discussão em torno da construção da identidade e as dificuldades de reconhecimento das classes sociais, muitos autores preferem se cercar de outros termos para essa categoria, como estratos sociais, segmentos sociais, setores sociais pobres ou médios, camadas sociais, camadas populares, camadas médias, estratos médios, estratos superiores. De certa forma, há uma aceitação mais ou menos generalizada de que não existe, na atualidade, uma unidade de classe social e por isso o recurso a essas
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expressões. Porém, Stavenhagen (2008) tece críticas a essa substituição do termo classe por estratos, quando se tenta caracterizar certas “categorias sociais mais ou menos homogêneas”. Para esse autor, Os indivíduos que integram estas categorias possuem em comum certos índices da estratificação ou indicadores da posição social. Estas categorias ou agrupamentos discretos são chamados estratos ou camadas ou, ainda _ eis aí a maior causa da confusão _ classes. Geralmente, trata-se apenas de características estatísticas (isto é, de uma série de pessoas que têm em comum um número determinado de características mensuráveis, ou seja, um status comum), ou de agrupamentos de pessoas caracterizadas por uma conduta semelhante, ou por atitudes e opiniões comuns, ou por um certo grau de interação e de associação mútuas. (STAVENHAGEN, 2000, p. 239)
Isso significa que, para uma tentativa de compreensão da estrutura social, autores se valem de esquemas de estratificação, das variações diversas na composição dos estratos sociais, buscando elementos comuns a partir das investigações empíricas, descrições estatísticas, porém carecem de uma análise processual e dinâmica das mudanças sociais e de um olhar mais apurado sobre as formas como a sociedade se estrutura.
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Alguns estudos enveredam pela questão da mobilidade social e procuram mostrar as mudanças verticais (a ascensão ou descensão) nas posições econômicas ocupadas pelos indivíduos, mas há também uma grande dificuldade para demonstrar a mobilidade dos estratos sociais e até mesmo das classes sociais. Será que mudar a condição econômica em termos de riqueza e acesso aos bens implica em mudar de classe social? O que você pensa sobre isso? Você concorda com essa associação? Será que ter condições materiais para consumir no mercado, no caso, para aquelas pessoas que nunca tiveram essas chances, implica em uma mudança para uma nova classe social, nesta situação, uma classe privilegiada? E o que você me diz dos fatores políticos, sociais e culturais que estão vinculados a essas mudanças? E a relação com a estrutura social? As mudanças acontecem somente de forma ascendente? E essas pessoas que ascendem economicamente, uma vez provindas de estratos ditos inferiores, passam a adquirir prestígio e poder no novo grupo? E os estratos que perdem poder aquisitivo? Será que a sociedade contemporânea tem possibilitado uma grande mobilidade social ao ponto de serem eliminados os conflitos de classe? As oportunidades de mudança socioeconômica implicam em suspensão da luta política e da consciência de classe? Da mesma forma é preciso se perguntar se a ascensão econômica tem proporcionado a igualdade social e se todos os indivíduos têm encontrado as mesmas oportunidades de mudança, impactando significativamente na estrutura social. E entre esse amplo leque de indagações, podemos pensar agora: qual o lugar da teoria marxista nesse novo contexto, cenário e conjuntura socioeconômica? As questões aqui apontadas são importantes para uma reflexão mais aprofundada sobre a constituição, o processo e as formas como as desigualdades socioeconô-
XIX, e de maneira ainda mais complexa, na sociedade dita pós-industrial, da era da informação, no século XX e início do XXI. Este é um ponto importante para se pensar a desigualdade humana, social e econômica, a partir dos estudos sobre classes sociais, estrutura e estratificação social. Há uma ideia difundida nas sociedades contemporâneas de que houve uma redução nas distâncias entre as posições das pessoas na estrutura social em relação à renda, educação, prestígio, poder etc., e, portanto, uma redução na hierarquia na estratifica-
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micas se estruturam na sociedade industrial capitalista, sobretudo a partir do século
ção social. Ou seja, ricos e pobres e os estratos médios estariam mais próximos e com maiores chances de indivíduos ou grupos ascenderem às melhores posições nas esferas econômica, social e educacional. Dessa forma, acredita-se na maior possibilidade de mobilidade socioeconômica, sobretudo nas oportunidades de ascensão e mudança de categoria. Houve um crescimento dos chamados estratos médios e, segundo Dahrendorf (2008), hoje a maioria das pessoas se consideram pertencentes à “classe média”, enquanto nas sociedades antigas as pessoas se concentravam nos estratos inferiores da hierarquia social. Então, na atualidade, percebe-se que a posição social das pessoas na hierarquia não é fixa nem pré-determinada e a ideia de mudança nas posições pode facilitar o mover-se para cima ou para baixo na escala social. Essa dinâmica abre espaço para a difusão de estratos ou camadas sociais, a depender da renda e de outros elementos objetivos, assim como de aspectos subjetivos que identificam essas posições na estratificação social. Nas mais remotas épocas da História, verificamos, quase por toda parte, uma completa estruturação da sociedade em classes distintas, uma múltipla gradação das posições sociais. Na Roma antiga encontramos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média, senhores, vassalos, mestres das corporações, aprendizes, companheiros, servos; e, em cada uma destas classes, outras gradações particulares. (MARX; ENGELS, 1998, p. 40)
Essa citação traz uma observação importante, na perspectiva marxista, sobre a estrutura de classes nas diferentes sociedades. Ainda que reconheça, em última instância, uma divisão bipolar entre as classes, separadas em dois grandes blocos enquanto classes fundamentais, isto é, proprietários e não proprietários dos meios de produção, Marx e Engels (1998) e Marx (2011) percebem, através de um olhar mais próximo da realidade empírica, a existência de uma multiplicidade de classes ou frações de classes, ora associadas, outras vezes em luta, dependendo dos interesses políticos e das relações de poder experienciadas em determinados momentos históricos. Isso quer dizer que o materialismo histórico concebe o modo de produção capitalista constituído para além das classes burguesa e proletária, comportando outros grupos classistas como a classe média, a pequena burguesia, a burguesia industrial e a financeira entre outras e os lumpemproletariados. Para estes últimos, parece haver dúvida se se constituiriam enquanto classe, já que se encontram na posição de marginais ao sistema.
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Figura 3: Configuração da sociedade de castas
Fonte: Helder Santos / UNIFACS
De um modo geral, quando se pensa em estratificação social, fala-se em divisão de poder e mudança social. Nesse caso, as divisões em castas e em estamentos, pró-
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prias das sociedades não-ocidentais e feudais, respectivamente, possibilitam pouca ou quase nenhuma chance de os indivíduos ou grupos migrarem de uma posição para outra, mantendo uma certa rigidez na estrutura social. No caso das classes sociais originadas nas relações desiguais nas sociedades capitalistas industriais, há divergências entre autores sobre o movimento de saída e ingresso em novas classes. Sendo assim, Weber (2000) concebe a estratificação a partir da riqueza e posição no mercado, pelo prestígio ou status e pelo poder. Esse autor percebe maiores oportunidades de mudanças nas sociedades divididas em classes, ainda que apresente uma primeira classificação ampla, representada por proprietários e não proprietários de bens e riqueza. Como as classes se constituem pelas relações no mercado, segundo a análise weberiana, algumas situações podem favorecer ou desfavorecer a ascensão ou descensão das pessoas nas diferentes posições sociais. Já para o marxismo, a estratificação mostra uma realidade falseada, maquiada pela ideologia do consumo, da mudança meramente pela via do acesso aos bens, à riqueza. Como nessa concepção teórica as classes são definidas a partir das relações sociais de produção, portanto, constituídas na esfera da produção e não na esfera do consumo (MARX, 1991), as oportunidades de mudança oferecidas pelo próprio modelo de economia, isto é, no modelo centrado na produção de capital, são remotas, pois o capitalismo se sustenta nas relações desiguais de exploração, expropriação e na extração de mais valia1 daqueles que não possuem os meios de produção. Portanto, o reconhecimento da existência de diversas classes pelo marxismo não implica na aceitação de que há mobilidade ascendente entre as classes, já que na totalidade, as frações de classe se convertem em basicamente dois grupos antagônicos: explorados e exploradores. 1 Para o entendimento do conceito de mais valia, você pode ler “O Capital”, de Marx e vários comentadores da teoria materialista histórica e dialética.
mudança diz respeito à atuação política dos grupos na condição de classe “para si”, enquanto sujeitos coletivos com consciência de seu lugar na estrutura produtiva e, consequentemente, pela luta empreendida em favor da transformação do modelo econômico que subordina e oprime a classe trabalhadora, que, com seu trabalho, valoriza o capital, no caso das sociedades capitalistas. O lugar dessa consciência estaria materializada nas organizações sindicais, nas associações de operários, nos partidos. Como essa consciência de classe precisaria ter uma dimensão mais ampla, indo além da prática política de segmentos classistas, o partido seria a melhor forma de repre-
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O que é percebido na perspectiva marxiana como possibilidades de realizar
sentar essa consciência ampliada, desencadeando uma luta de todos os trabalhadores organizados contra a exploração pelos capitalistas. Nasceriam, assim, os ditos partidos de esquerda, aqueles que assumiriam legitimamente a luta de classes em proveito dos proletários. Bem, muitas críticas foram dirigidas a essa perspectiva da luta de classes. Primeiro porque o marxismo fez algumas previsões não confirmadas ao longo do século XX e deste século. Entre essas previsões está a ideia de que haveria um aumento da classe operária e uma redução das “camadas intermediárias”. O que se tem verificado, entretanto, é um menor peso do operariado industrial entre os assalariados e o aumento dos estratos médios, conforme salientam alguns autores (SALLUM JR., 2000). Além disso, tem aumentado significativamente o número de trabalhadores no setor de prestação de serviços, o que tem feito reconfigurar, entre outras coisas, as relações de classe. Ainda segundo a análise de Sallum Jr. (2000), um outro fenômeno importante que tem se tornado muito comum nas últimas décadas é o crescimento de não-proprietários dos meios de produção nas empresas capitalistas. Ou seja, tem aumentado o número de administradores, gerentes que estão à frente dos empreendimentos capitalistas, sem serem donos do capital, e que ora podem se assumir como “trabalhadores” assalariados, ora podem se ver como classe privilegiada, mais próxima do capital. As classes, em termos contemporâneos, têm se fragmentado cada vez mais, quer pela proliferação de sindicatos, que se organizam em função de suas demandas específicas, trabalhistas, reduzindo a consciência de classe às suas respectivas categorias profissionais, quer pelas alianças feitas entre partidos que muitas vezes objetivam apenas a governabilidade, assumindo o poder do Estado na tentativa de reformá-lo para compatibilizar o trabalho com o capital. Falaremos um pouco mais sobre a atuação dos sindicatos enquanto classe na Aula 6. Frente a essas questões, há na sociedade contemporânea uma aceitação quase generalizada de que houve um declínio na adesão à concepção marxista no que diz respeito à explicação sobre o vínculo direto entre classe e ação coletiva ou política (SALLUM JR., 2000). Em outras palavras, isso pode significar uma redução no poder de atuação das formas de organização clássicas de classe social como os sindicatos e uma redução na consciência de “classe para si”. O que se diz é que o marxismo perdeu força enquanto perspectiva teórica explicativa da realidade social frente à complexidade da estrutura social das sociedades atuais. Acredita-se que, nesses novos cenários, as classes sociais se diluíram em meio às transformações nos modelos de organização do trabalho. O fenômeno da reestruturação produtiva desencadeou uma série de mudanças nas relações trabalhistas e na dinâmica do capital, fragmentando as organizações
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dos trabalhadores, multiplicando as categorias profissionais e impactando nas lutas coletivas em prol dos direitos trabalhistas e contra as formas de opressão das classes dominantes. Os dados sobre as taxas de sindicalização, por exemplo, podem ilustrar o declínio dessas organizações centradas nas reivindicações do mundo do trabalho. Veja, por exemplo, o quadro a seguir:
Quadro 1: Tendências gerais da sindicalização Grupo de países Taxas de sindicalização ponderadas(a)
Grupo de países Todos os países(b) Europa(c) América do Norte(d) Outros países fora da OCDE(e) Todos os países (b) (médias não ponderadas)
1970 35 38 30 37 44
Taxas de sindicalização ponderadas(a) 1975 1980 1985 1988 37 35 30 28 43 44 40 38 30 26 19 18 38 35 33 30 47
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Fonte: (VISSER, 1991, adaptado por RODRIGUES, 1998)
Este quadro mostra o que alguns autores vêm discutindo em relação ao processo de dessindicalização da classe trabalhadora. Diz-se que tem havido uma tendência de queda nas taxas de sindicalização em alguns tipos de sindicatos, sobretudo ao longo das décadas de 1980 e 1990, o que pode estar indicando uma crise nessas organizações trabalhistas. (RODRIGUES, 1998, ANTUNES, 2008). Para concluir esta primeira parte da aula, gostaria de frisar que na sociedade
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contemporânea, muitos dos estudos sobre classes sociais e mobilidade centram suas análises na estrutura ocupacional, ou seja, nas taxas de emprego e desemprego e no poder aquisitivo das pessoas no mercado, além das mudanças educacionais que implicam em novos lugares assumidos pelos grupos sociais. Voltaremos a tratar dessa questão mais adiante, na Aula 3.
AS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS, A MOBILIDADE SOCIAL E O SUPOSTO FIM DAS CLASSES SOCIAIS O estudo da estratificação social associado às possibilidades de mobilidade social nas sociedades contemporâneas na segunda metade do século XX, sobretudo após a crise do capitalismo desencadeada na década de 1970, até essa primeira década deste século XXI, tem apontado, com grandes críticas e controvérsias, para a tendência ao desaparecimento das classes sociais nos moldes marxistas e o surgimento de maiores chances de mobilidade dos vários grupos de pessoas distribuídos nos estratos sociais atuais. As crises do capital e também as contradições enfrentadas pelas sociedades regidas pelo “socialismo real” desencadearam significativas mudanças nas relações sociais de produção, impactando na reconfiguração das classes (se é que essas mudanças efetivamente implicaram a supressão das dicotomias e polaridades clássicas das classes). Nesse novo cenário político-econômico, os estudos sobre as classes sociais têm trabalhado muito mais com a ideia de mobilidade social do que uma análise classista
os novos processos de inserção dos trabalhadores na estrutura produtiva, a partir do modelo de reestruturação das relações trabalhistas e com o advento da flexibilização, tem dificultado o entendimento sobre a dinâmica das classes sociais no mundo contemporâneo. Se ao falar em classe social, implica, necessariamente, em falar em economia, relações de produção e de poder, o trabalho então se torna a categoria central para essa compreensão. Nessa perspectiva, Ricardo Antunes (2008) não percebe, em sua
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em termos estruturais. A fragmentação vivida no mundo do trabalho, sobretudo com
análise, o fim das classes sociais, já que o trabalho, para ele, não perdeu centralidade na vida contemporânea, apesar das mudanças ocorridas a partir da reestruturação produtiva que implicaram na fragmentação dos trabalhadores. O autor defende que ainda é pertinente falar em classe social e a sua conexão com os partidos, pois enxerga estes, assim como os sindicatos, os conselhos e as greves como “elementos de mediação” política que poderão levar a chamada “classe-que-vive-do-seu-trabalho”2 a uma identidade de classe e à busca pela autorrealização e enfrentamento das formas de opressão impostas por uma sociedade em crise. Os problemas enfrentados pelos trabalhadores dizem respeito, também, ou talvez, e, sobretudo, ao modelo liberal, e agora chamado de neoliberal de gestão da vida social. Nesses modelos prevalece a ideia de que as desigualdades de condições desencadearão maior motivação para as pessoas se movimentarem na estrutura da sociedade, assumindo diferentes posições e funções e, com isso, proporcionando a mobilidade social. Ao fazer uma análise sobre a estrutura de classes e a mobilidade, Ribeiro (2007) apresenta vários autores que perceberam as mudanças ocorridas nas sociedades e as dificuldades para se entender o fenômeno. Alguns autores focaram na mobilidade pelo mérito, enquanto outros observaram taxas de mobilidade semelhantes em países diferentes ora aumentando, ora ficando estáveis. Entre essas análises, uma visão interessante é de Sorokin (1959 apud RIBEIRO, 2007) que acredita não haver mobilidade ascendente ou descendente, mas apenas “flutuação sem direção”. Segundo esse autor, “O que tem ocorrido é apenas uma alternância _ ondas de maior mobilidade seguidas por ciclos de maior imobilidade” (SOROKIN, 1959 apud RIBEIRO, 2007, p. 31). Entretanto, mesmo com o foco na mobilidade social, a abordagem da estratificação social na atualidade não tem encontrado uma explicação que se possa generalizar para toda a sociedade. São encontrados muitos problemas para se identificar a dinâmica das mudanças nos estratos sociais, quer pela mobilidade ascendente ou descendente. Portanto, as análises sobre mobilidade social se tornam muitas vezes parciais, pontuais, deixando de englobar uma realidade mais ampla em termos conjunturais e estruturais. Além disso, mesmo com tanta mobilidade, as desigualdades sociais e, sobretudo, econômicas permanecem nas sociedades atuais, o que nos deixa com uma interrogação sobre os efeitos da estratificação e das mudanças de posições sociais para a promoção da igualdade e da equidade em um mundo tão desigual.
2 “Classe-que-vive-do-seu-trabalho” é uma conceituação criada por Ricardo Antunes (2008) para compreender as novas formas de trabalho e o trabalhador constituído enquanto classe e inserido numa sociedade que o fragmenta, aliena e produz o estranhamento frente às novas relações capitalistas de produção.
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38 Figura 4: Mobilidade intergeracional
Fonte: Helder Santos / UNIFACS
Ribeiro (2007) aponta estudos que mostram abordagens sobre as classes sociais a partir da análise das taxas absolutas e relativas de mobilidade. Enquanto as taxas ab-
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solutas são relacionadas à estrutura social e, portanto, relaciona-se com o mundo do trabalho e suas divisões, as taxas relativas vinculam-se com a conjuntura, o contexto vivido pela sociedade como pode ser observado nas investigações sobre a mobilidade intergeracional. Nesta última, considera-se que houve mobilidade ascendente ou descendente a partir dos “recursos” disponibilizados pela classe para que se alcance a mudança social como na relação entre classe de origem e classe de destino (GOLDTHORPE, 2000 apud RIBEIRO, 2007). Para esse autor, Os recursos desigualmente distribuídos entre as classes sociais facilitam ou dificultam as vantagens relativas de mobilidade social dos indivíduos. Diante de tais “recursos” e “restrições” ligados às distinções de classe, os indivíduos fazem cálculos racionais para elaborar suas estratégias de mobilidade social. (RIBEIRO, 2007, p. 34)
Isso quer dizer que a mobilidade de uma classe em relação à outra dependerá também dos facilitadores, das vantagens que a classe de origem disponibilizará para a classe de destino ou vice-versa, e as chances de mobilidade da classe de destino dependerá também dos “recursos” oportunizados pela classe de origem. Recorrendo à análise feita por Goldthorpe (2000), Ribeiro (2007) menciona uma tendência no comportamento das pessoas de origem de classe trabalhadora que, apresentando uma conduta racional e adaptativa, fazem escolhas educacionais que lhes deem mais segurança (que pode ser o ingresso mais rápido no mercado de trabalho, possibilidade de emprego, etc.), enquanto aquelas que são de origem das classes mais favorecidas e profissionalizadas arriscam-se mais na escolha profissional (apresentando uma trajetória escolar mais longa e ingresso em carreiras consideradas promissoras e mais rentáveis em longo prazo).
essa situação, pois esse tipo de mobilidade é muito comum na sociedade brasileira. É muito corriqueiro nos discursos de formatura em nível de 3o grau, nas entrevistas com profissionais com destaque em alguma área do conhecimento, com pessoas consideradas “gente de sucesso”, a menção aos sacrifícios feitos pelos pais para que elas conseguissem chegar onde chegaram. Por outro lado, há vários depoimentos de filhos que contam suas trajetórias de abandono da escola para começar a trabalhar precocemente no intuito de “ajudar a família” a melhorar as condições econômicas do grupo de origem, ou muitas vezes escolhendo cursos técnicos de nível médio para acelerar a
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Então, caro(a) estudante, acredito que você esteja reconhecendo com clareza
profissionalização e o ingresso no mercado. É perceptível que há uma desigualdade na distribuição dos recursos entre as classes e a mobilidade é influenciada por essas diferenças. Podemos perceber, então, que há diferenças nos níveis de desigualdades de oportunidades para se alcançar certas mobilidades. Observe, então, o enunciado de uma reportagem cujo conteúdo versa sobre as mudanças nos hábitos de diferentes estratos sociais (ditos classes sociais), a mobilidade das classes e a ascensão das camadas médias, movidas pelo desejo de consumo:
Como os brasileiros gastam
O crescimento econômico muda o mapa do consumo no Brasil, faz disparar as vendas de produtos e serviços sofisticados e aumenta o apetite de todas as classes sociais para comprar mais Fonte: http://www.istoe.com.br/reportagens/195047_COMO+OS+BRASILEIROS+GASTAM
Ao abordar o tema da classe pelo viés da mobilidade social, os estudos nessas últimas décadas têm focado ora na desigualdade de oportunidades, muitas vezes pelas transições educacionais e ocupacionais como aquelas percebidas entre gerações, ora na desigualdade de condições em relação à riqueza e renda. Muitas pesquisas sobre mobilidade no país têm apontado que, de um modo geral, as condições de vida melhoraram mas, contraditoriamente, aumentou a desigualdade de condições. Ou seja, houve melhorias que não implicaram na eliminação da pobreza e assim podemos dizer que o crescimento econômico ainda não proporcionou o desenvolvimento social, mantendo, assim, a desigualdade social. Diante dessa discussão, fica perceptível que há uma grande dificuldade em se entender a dinâmica das classes sociais na sociedade contemporânea, o que faz com que muitos autores prefiram trabalhar com a noção de mobilidade social. Através deste conceito, procura-se compreender em que medida os estratos sociais ascenderam ou desceram na escala social, tomando-se como parâmetros a posição das pessoas ou grupos no mercado e a inserção na sociedade de consumo. Então, parece que a ideia de mobilidade social facilita a percepção sobre o lugar
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econômico e social em que os estratos sociais estão localizados, se na linha da pobreza, nas classes médias ou nas camadas privilegiadas. Entretanto, do meu ponto de vista, o poder aquisitivo, a riqueza e o consumo não são indicadores confiáveis da situação de classe social, pois os conflitos e as contradições que cercam essas relações (de classe) ficam eclipsadas quando o olhar se debruça somente para a mudança de um estrato para outro. Desse modo, acredito que as classes sociais não chegaram ao fim e entendo que a mobilidade social não resolveu o problema da desigualdade social.
SÍNTESE Esta aula procurou pontuar a discussão que cerca o tema da estratificação social e sua relação com as classes e a mobilidade social. Objetivou, ainda, trazer o debate sobre o possível fim das classes sociais numa sociedade que se fragmenta cada vez mais e torna o trabalhador individualizado, sem uma consciência de classe que desencadeie a luta coletiva, a atuação fortalecida do sindicato e o surgimento do partido como entidade representativa de classe. Viu-se que não há unanimidade sobre o conceito de estratificação social e mesmo considerando a existência de estratos ou camadas sociais diferentes, que podem ascender ou descer na escala das posições socioeconômicas, os estudos sobre mobili-
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dade social estão longe de uma afirmação segura a respeito dos movimentos de mudança dos grupos na sociedade. Uma das maiores dificuldades é relacionar a mobilidade com as condições estruturais da sociedade e encontrar a equação entre mobilidade e igualdade ou até mesmo a equidade socioeconômica.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Como você percebe a estrutura e a estratificação social da sociedade brasileira? Você consegue identificar os estratos sociais mais evidentes ou de maior representação social na hierarquia das posições sociais no Brasil? Pensando nessas questões, você saberia dizer a qual estrato social ou classe social você e sua família pertencem? Quais critérios você pode utilizar para identificar o lugar de vocês nessa estrutura e estratificação social?
LEITURAS INDICADAS IANNI, Octavio. Teorias de estratificação social: Leituras de sociologia. São Paulo: Nacional, 1972. BOITO JR., Armando. Estado, política e classes sociais. São Paulo: Editora UNESP, 2007. SILVA, Graciette Borges da. Critérios de estratificação social. Rev. Saúde Pública. V. 15, n. 1, fev. 1981.
ou sistematizando nossos auto-enganos? Revista Brasileira de Ciências Sociais [online]. Vol. 16 n. 45, 2001.
SITES INDICADOS Reportagem mostra a nova classe média brasileira e a ascensão social Disponível
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em : http://www.sbt.com.br/sbtreporter/noticias/4961/Reportagem-mostra-a-novaclasse-media-brasileira-e-a-ascensao-social.html Jornal da Cultura. Ascensão social. Disponível em http://www.youtube.com/ watch?v=t_zSKbkknvM Ascensão das classes sociais. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=t_ zSKbkknvM
REFERÊNCIAS ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 13. ed. São Paulo: Cortez, 2008.
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WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. 4. ed. BrasĂlia: Editora Universidade de BrasĂlia, 2000. v. 1.
SES DA SOCIEDADE BRASILEIRA Autora: Jucélia Santos Bispo Ribeiro
“O consumo cria os objetos da produção de uma forma ainda mais subjetiva. Sem necessidade não há produção. Mas o consumo reproduz a necessidade”.
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AULA 03 - A ESTRUTURA SOCIAL E DE CLAS-
(KARL MARX, 1857)
Prezado(a) aluno(a),
O objetivo principal desta aula é apresentar as formas como se configuram a estrutura e a estratificação social no Brasil. Objetiva, ainda, proporcionar uma reflexão sobre a composição das classes sociais no país e as suas relações com a mobilidade e a desigualdade social. A aula enveredará pelos estudos sobre mobilidade social no Brasil, seus determinantes de classe, raça e gênero, assim como outras questões que facilitam ou impedem a mudança socioeconômica das pessoas e dos diferentes grupos sociais. Para início de conversa, sugiro que você escute a música “Cidadão”, um grande sucesso gravado por Zé Ramalho, disponível no link: http://www.youtube.com/ watch?v=FtJjtwzQ56E Essa música, conhecida no final dos anos de 1970, atravessou décadas, representando uma das manifestações de protesto que denunciava algumas contradições sociais e econômicas pelas quais atravessava o país. Esse período de regime militar, que se estendeu da década de 1960 até o início dos anos de 1980, representou uma fase de grande crescimento econômico e, contraditoriamente, uma época de grande crise social e política. O Brasil crescia e se endividava, essa prosperidade econômica não refletiu uma diminuição na desigualdade e nas disparidades sociais tão evidentes no país. Entretanto, essa não foi a única fase em que a sociedade brasileira apresentou indicadores de desigualdade tão altos e uma estrutura social ora mais rígida, ora mais flexível às mudanças sociais.
A ESTRUTURA DE CLASSES NA SOCIEDADE BRASILEIRA E AS SUAS MANIFESTAÇÕES SÓCIO-POLÍTICAS E CULTURAIS A sociedade brasileira atravessou séculos vivendo do trabalho escravo e da exploração, ao extremo, da força de trabalho negra e africana, mantendo uma estrutura social colonial rígida e desigual. Foram mais de 300 anos de escravidão e de construção do país cuja economia girava em torno da cana-de-açúcar e posteriormente da extração dos recursos minerais como ouro e diamantes (mineração). O trecho do poema “Navio Negreiro”, de Castro Alves (1868), é ilustrativo desse
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contexto de escravidão e de exploração da força de trabalho do negro africano, retirado de suas terras e trazido ao Brasil à força e ferro:
Navio Negreiro Castro Alves
Ontem a Serra Leoa, A guerra, a caça ao leão, O sono dormido à toa Sob as tendas d’amplidão! Hoje... o porão negro, fundo, Infecto, apertado, imundo, Tendo a peste por jaguar... E o sono sempre cortado
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Pelo arranco de um finado, E o baque de um corpo ao mar...
Ontem plena liberdade, A vontade por poder... Hoje... cúm’lo de maldade, Nem são livres p’ra morrer. . Prende-os a mesma corrente — Férrea, lúgubre serpente — Nas roscas da escravidão. E assim zombando da morte, Dança a lúgubre coorte Ao som do açoute... Irrisão!... Fonte: http://www.culturabrasil.pro.br/navionegreiro.htm
Nos primeiros tempos de Colônia, o país se constituiu a partir de uma economia agrária, com valores fincados no modelo patriarcal1. Assentada na monocultura 1
Patriarcado é um conceito que designa o poder do homem sobre a mulher e todos os seus subordinados. Representa as relações
de poder em sociedades cuja autoridade estava assentada na figura masculina. O leitor pode ver essa discussão em SAFFIOTI, Heleieth. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.
relações de produção baseadas no escravismo de pessoas do continente africano e de índios da terra, a sociedade brasileira não comportava mudanças significativas nas posições ocupacionais. Seres livres em suas terras de origem, aqui foram despojados de sua humanidade através de um estatuto que fez deles apenas força animal de trabalho, coisas, mercadorias ou objetos que podiam ser comprados e vendidos; [...]. Foi este o regime escravista que fez do
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da cana, possibilitando a criação de grandes latifúndios e por outro lado, mantendo
Brasil uma espécie de sociedade dividida e organizada em duas partes desiguais (como uma sociedade de castas): uma parte formada por homens livres que, por coincidência histórica, é branca, e a outra formada por homens e mulheres escravizados que, também por coincidência histórica, é negra. (MUNANGA; GOMES, 2006, p. 16)
Com a forçada suspensão do tráfico negreiro e consequente abolição da escravatura, o Brasil abandona a força produtiva que alavancou a economia brasileira por séculos e opta pelo trabalho de imigrantes nas lavouras de café. Enquanto os negros, agora livres, foram jogados à própria sorte, sem o apoio de políticas sociais pelo Estado, e sem terem sido incorporados ao trabalho assalariado, trabalhadores italianos, japoneses, alemães são contratados para a produção agrícola nas fazendas. Portanto, a chamada mão de obra negra, escravizada, é substituída por trabalhadores livres, ________________________ brancos ou pelo menos não negros, que farão o trabalho agrícola, na manufatura e ________________________ nas indústrias. Então, não é à toa a implantação de colônias de trabalhadores alemães, italianos e a formação de bairros de operários, muitos deles, imigrantes, nas regiões do Sul e Sudeste do país. Como exemplo, há um bairro na cidade de São Paulo, chamado Liberdade, cuja população em sua maioria é constituída de descendentes de japoneses. De igual nome, porém sem o reconhecimento que o bairro de São Paulo tem, na Bahia também tem a “Liberdade” ou o bairro da Liberdade, conhecido por sua população majoritariamente negra, inclusive abrigando um grande e famoso bloco afro de carnaval, o Ilê Aiyê. Para você ter uma ideia, ainda não temos, no Brasil, um período comemorativo de celebração da vinda dos africanos como força produtiva que possibilitou a produção da riqueza e que projetou a nação para a Europa como grande potência econômica. No entanto, isso seria louvável que acontecesse. Já existe “A semana do Japão no Brasil” e no ano de 2012 comemorou-se, com ampla cobertura midiática, “100 anos da imigração japonesa no Brasil”. Podemos, então, perguntar: e os mais de 300 anos da presença africana no Brasil? Quando o Estado brasileiro irá homenagear, de forma ampla, essa população que foi extremamente explorada pela economia colonial? Talvez esse passado não seja desejado como lembrança, mas a memória do que se fez e como se fez como projeto de nação ainda esteja presa nas relações pessoais e institucionais ancoradas no racismo e na exclusão de muitos brasileiros. A crise do café e da pecuária que culminou no desmantelamento da chamada “República Café com Leite”2, nos anos de 1920, esvaziou as fazendas e abriu espaço
2 A respeito dessa expressão “República café com leite”, ler sobre as políticas sociais
no Brasil na primeira metade do século XX e as mudanças nas relações de poder entre
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para o trabalho nas fábricas. Entram em cena o operário brasileiro, o trabalhador fabril e a fase da instalação do complexo industrial em São Paulo, projetando a cidade como a grande metrópole brasileira. Essa primeira metade do século XX se configurou, para o Brasil, como o período de mudanças na sua produção econômica, ainda que o país comportasse uma grande quantidade de trabalhadores nas atividades rurais. Como país agrário, apresentou-se com uma estrutura de classes dividida entre as oligarquias rurais e urbanas, incipientes capitalistas industriais e a classe dos trabalhadores vivendo a transição campocidades, uma parte centrada nas atividades agrícolas e outra no mundo empresarial da indústria fordista3. A partir dos anos de 1950, o país passa a viver a era desenvolvimentista, com altos índices de crescimento econômico, maiores oportunidades de mobilidade e ao mesmo tempo convivendo com a desigualdade nas condições de vida. Nesse cenário de altas taxas de mobilidade e, paradoxalmente, desigualdades, Ribeiro (2007) se pergunta como o Brasil pode manter esses dois fenômenos simultaneamente: a mobilidade e a desigualdade, e em que medida elas estão relacionadas com o desenvolvimento econômico. Se você prestar bem atenção nas notícias veiculadas pelos meios de comunicação, sobretudo, na mídia impressa, revistas e jornais, assim como nas análises de vários economistas e representantes governamentais, perceberá que há um discur-
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so generalizado sobre as mudanças na estrutura de classes possibilitadas pela mobilidade social. Ou seja, diz-se que o país está crescendo e se desenvolvendo, pois as pessoas estão ocupando melhores posições nos postos de trabalho e no mercado, e consequentemente, melhorando o nível de renda e de condições de vida. Por outro lado, há análises que mostram a continuidade das desigualdades, mesmo que a estratificação social brasileira apresente mais chances de mobilidade das pessoas na estrutura ocupacional. Esses estudos destacam os elementos que favorecem ou dificultam a mobilidade, como o acesso desigual aos recursos disponíveis e as questões de raça intergeracional, pontuam ainda que “o aumento da mobilidade” não implica “necessariamente na diminuição da desigualdade” (RIBEIRO, 2007, p. 22). Nas últimas décadas, o foco também tem se direcionado para as questões de gênero como fator implicador nas mudanças no mercado de trabalho. A acelerada industrialização, a partir de 1950, e o crescimento econômico intensificado durante o regime militar revelam essas incongruências no desenvolvimento e na estrutura de classes no país. O crescimento econômico da década de 1970 não foi capaz de diminuir as desigualdades de renda, na medida em que favoreceu mais as classes de profissionais e trabalhadores qualificados em detrimento da classe trabalhadora menos qualificada. A produção de bens de consumo e serviços sofisticados que se voltava para as necessidades das classes médias mostrou-se capaz de sustentar o desenvolvimento econômico acelerado sem diminuir a distância as oligarquias agrárias no país. 3 A esse respeito, ver as discussões sobre as mudanças nos modelos de organização do trabalho no Brasil.
Essa citação traz um dado importante para o entendimento da mobilidade social, estudada por Ribeiro (2007). O autor relaciona as mudanças na estratificação brasileira a partir do recorte intergeracional, demonstrando que é possível verificar as taxas de mobilidade a partir da origem e do destino de classe. Por essa metodologia, analisa-se a ocupação dos pais (classe de origem) quando o indivíduo tinha 15 anos de idade e observa-se a mudança na ocupação e renda dessas pessoas em outro momen-
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que separava os ricos dos mais pobres. (RIBEIRO, 2007, p. 23)
to de suas vidas (classe de destino). Ou seja, é possível medir a mobilidade a partir da comparação entre a ocupação dos pais quando seus filhos eram adolescentes e estavam crescendo (classe de origem) e a ocupação (e consequentemente a renda) desses filhos quando já adultos, em outro momento de suas vidas (classe de destino). Assim, é possível mensurar, estatisticamente, a distância nas oportunidades entre duas classes (aqui tratadas como classes, mas que indicam mudanças em estratos sociais). Além da relação entre classe de origem e de destino (relação intergeracional entre pais e filhos na estrutura ocupacional brasileira), é possível verificar também as chances de mobilidade social entre essas gerações, observando-se as desigualdades de oportunidades entre as classes mais privilegiadas e as menos privilegiadas.
MOBILIDADE SOCIAL NO BRASIL, OS ESTRATOS MÉDIOS E A CHAMADA NOVA “CLASSE C” As dificuldades em se estabelecer com segurança os dados que demonstrem as mudanças ocupacionais no Brasil estão relacionadas com as formas como o país vem se estruturando tanto econômica quanto politicamente em meio a uma gama de diversidade, seja regional, urbana, rural, racial, cultural, etc. Para você ter um exemplo, entre as décadas de 1960 e 1970, apesar de o país já comportar um considerável complexo industrial em todo o território, a população ainda vivia as contradições das mudanças no eixo campo-cidade e a crescente urbanização dos postos de trabalho.
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48 Figura 1 - Charge: Redução das distâncias entre as classes
Fonte: Alex Rosier - Site Toondo - EAD Unifacs
O “milagre econômico”4 não refletiu a diminuição da desigualdade social, da pobreza e a redução das distâncias entre as classes ou estratos sociais. Pelo contrário.
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A herança para as décadas subsequentes (1980 e 90) foi o aumento da dívida do país frente ao capital internacional, maior concentração de renda nas mãos de poucos segmentos, aumento do desemprego e do trabalho informal, precarização nas relações de trabalho, terceirização e subcontratação com o advento da reestruturação produtiva. Estudos e indicadores das décadas de 1980 e 1990 mostram que, apesar das crises econômicas, houve maior flutuação nas condições de vida e melhorias nos padrões de vida da população, porém, verifica-se a permanência da desigualdade em termos gerais. O aumento da oferta de trabalhos urbanos, a ampliação do sistema educacional, as políticas sociais no formato de programas de transferência de renda, o controle econômico pelas taxas de juros e a multiplicação e complexificação das categorias de trabalhadores distribuídos no mercado têm propiciado, sobretudo, a partir da década de 1990, a intensificação dos debates sobre a redução da pobreza, da desigualdade e o aumento nas oportunidades de mobilidade entre os brasileiros. O foco dessas análises tem se centrado no aumento do poder de compra dos cidadãos brasileiros, nas mudanças nos padrões de vida em termos de acesso aos bens de consumo. Portanto, na atualidade brasileira, as classes sociais estão sendo vistas a partir dos seus potenciais para consumir, pela posição das pessoas no mercado de trabalho, pela riqueza e ganhos que os diferentes segmentos sociais demonstram possuir. Nessa perspectiva, os grupos sociais estão posicionados no mercado pelo seu poder econômico, revelando assim, uma estratificação social fluida, propensa a constantes alterações em termos de
4 “Milagre econômico” foi uma expressão surgida no contexto da ditadura militar nos anos de 1970 para explicar o acelerado crescimento da economia brasileira à custa de empréstimos feitos pelo governo junto ao capital estrangeiro.
apresentada com uma estratificação dividida em basicamente cinco classes sociais, diga-se, estratos sociais. São as chamadas; classe A, classe B, classe C, classe D e classe E. Mas quem são essas pessoas alocadas nessas classes ou qual o perfil desses indivíduos ou grupos? Vejamos, então, suas características. Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as classes estão distribuídas segundo a renda mensal familiar5:
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chances de mobilidade. Essa é uma das razões pela qual a sociedade brasileira hoje é
classe E = (Até 2 salários): renda familiar mensal de até R$ 1.244,00. classe D = (2 a 4 salários): de R$ 1.244,00 a R$ 2.288,00 classe C = (4 a 10 salários): renda entre R$ 2.288,00 a R$ 6.220,00 classe B = (10 a 20 salários): renda familiar entre R$ 6.220,00 a R$ 12.440,00. classe A = (acima de 20 salários): renda acima de $ 12.440,00
Portanto, o critério utilizado para definir as classes pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelos estudos realizados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) é a renda mensal da família, sendo este um indicador de critério social. Já o Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística (IBOPE) utiliza o Cri- ________________________ tério Brasil para identificar as classes (no caso, classes econômicas, e não sociais), to- ________________________ mando como referência uma classificação econômica baseada no poder de compra ________________________ dos indivíduos e famílias que vivem nas áreas urbanas do país. Analisando essa me- ________________________ todologia de pesquisa, Douat (2011) destaca os itens aos quais as pessoas precisam ________________________ responder quando abordadas. O entrevistado dessa pesquisa tem que responder a questões sobre patrimônio, bens duráveis e não-duráveis que possui em seu domicílio e grau de instrução do chefe de família, que servirão para inseri-lo em uma determinada classe. [...]. Também se verificam as características físicas de cada domicílio, os dados demográficos de cada morador, a posse de bens como geladeira, TV, DVD, Equipamento de som, telefone e outros; a utilização de serviços e a renda familiar. (DOUAT, 2011, p. 23)
Essa pesquisa é feita anualmente pelo IBOPE, nas principais metrópoles brasileiras e adjacências, fazendo o levantamento econômico das famílias, dos dados demográficos e sociais dessa população. Verifica-se a quantidade de bens que essas pessoas e famílias possuem e o grau de instrução em termos de escolaridade, sendo atribuídos pontos aos itens encontrados no domicílio. Essas classes econômicas, baseadas no poder aquisitivo que apresentam, são assim distribuídas: AI, A2, B1, B2, C, D e E.
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Esses valores têm como referência o salário mínimo do ano de 2012, quando estava fixado em R$ 622,00.
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Figura 2 - Charge: Classe média
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Fonte:Jorge Alves - EAD Unifacs
Perceba, no entanto, que mesmo com a recorrente aceitação da divisão em classe, baseada no poder de consumo, há divergência sobre os critérios que podem ou devem ser considerados na inclusão das pessoas nesses respectivos segmentos
________________________ sociais. Veja a reportagem de um jornal de São Paulo, cujo título já enuncia essas di________________________ vergências: ________________________ ________________________ ________________________ Critérios diferentes para avaliar as classes sociais ________________________ ________________________ ________________________ Estudos que avaliam a distribuição da população brasileira por classe social podem usar ________________________ parâmetros diferentes para agrupar os cidadãos. A IPC-Maps, por exemplo, utiliza o Critério ________________________ Brasil, elaborado pela Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa (Abep) e usado ________________________ pelas empresas do setor. Por esse critério, os domicílios são classificados pela posse de bens duráveis como carro, geladeira, freezer; pela casa ter banheiro; dispor de empregada ________________________ doméstica mensalista; e pelo nível de escolaridade do chefe da família. Por exemplo, são ________________________ considerados domicílios de classe. E aqueles que atingem até sete pontos, numa escala ________________________ de zero a 46 pontos para todas as classes. O Critério Brasil tem como objetivo exclusivo ________________________ estimar o potencial de consumo de domicílios no contexto de pesquisas de marketing. Já a ________________________ classificação usada pelo instituto Data Popular leva em conta a renda per capita mensal da ________________________ população domiciliar. Por esse critério, cada membro da classe E recebe R$ 79./ M.C. ________________________ ________________________ Fonte: O Estado de São Paulo, Estadão, 2012 ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________
Figura 3 - Charge: Classe média
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Fonte: Jorge Alves - EAD Unifacs
Na contemporaneidade, essa concepção fragmentada de classe social tem dado margem à difusão de análises sobre o fenômeno da expansão da classe média e ________________________ do alargamento desses estratos intermediários. Nesta última década, por exemplo, pa- ________________________ rece haver uma comemoração pelo aumento significativo da chamada classe C, agora ________________________ considerada, também, como classe média. Mas por quê? ________________________ Bem, muitas análises econômicas e estatísticas têm apontado uma maior di- ________________________
nâmica e fluidez nas posições ocupadas pelas pessoas no mercado de trabalho e na ________________________ aquisição de bens e riqueza. Dessa forma, as ditas classes, como já salientado anterior- ________________________ mente, de um modo geral, são caracterizadas pelo tamanho de suas rendas e de seu ________________________ potencial de consumo. Frente a essa nova percepção de classe, a sociedade capitalista ________________________ tem criado vários mecanismos para as pessoas entrarem no mercado de consumo, ________________________ oferecendo-lhes oportunidades de acessarem os produtos e serviços valorizados pelo ________________________ mundo do capital. Portanto, há produtos para todas as classes e a estas são dirigidas as ________________________ mensagens de que é possível a ascensão socioeconômica, bastando, para isso, que as ________________________ pessoas possam se tornar grandes consumidoras. A manchete de um jornal é ilustrativa dessa questão:
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Como os brasileiros gastam
O crescimento econômico muda o mapa do consumo no Brasil, faz disparar as vendas de produtos e serviços sofisticados e aumenta o apetite de todas as classes sociais para comprar mais.
Fonte: http://www.istoe.com.br/reportagens/195047_COMO+OS+BRASILEIROS+GASTAM
Nessa relação com o mercado e com o acesso aos bens de diversas naturezas, são salientadas as mudanças no padrão de consumo das diferentes classes como o salientado num trecho da reportagem que se segue, sobre o poder de compra das classes B e C:
Hoje, o Brasil é campeão de vendas em diversos setores. Em nenhum lugar do planeta o comércio de celulares e TVs de telas finas, para usar exemplos de produtos que demandam tecnologia de ponta, cresce tão velozmente. O País já é o quarto maior mercado global de carros, o terceiro de cosméticos e de cerveja e lidera com folga negócios tão diversos quanto produção de gravatas (o que é resultado direto do aumento da oferta de cargos executivos) e achocolatados (com mais dinheiro, a classe C fez sumir das prateleiras
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chocolate em pó e em caixinha). O fenômeno, como se observa nesses dados, é alimentado pelo enriquecimento da população. Os brasileiros não estão apenas comprando mais. Acima de tudo, estão gastando com qualidade. A classe média, responsável por quase 80% do consumo das famílias, trocou carros com motor 1.0 por veículos mais potentes, o frango por carne nobre, o óleo de soja por azeite. Fonte: Isto é (2012)
Imagino que você já percebeu a quantidade e as diferentes qualidades de produtos que são ofertados no mercado, cujo interesse é que eles sejam destinados ao consumo de diferentes camadas sociais. Desta maneira, há produtos para todos os gostos e para as chamadas classes sociais. As necessidades sociais, criadas pelo próprio capitalismo, imprimem desejos nos consumidores e a estes são incitadas novas necessidades. Esse é um dos motivos que faz com que as pessoas adquiram bens produzidos para o seu perfil econômico e passem a ter a sensação de melhoria nas suas condições de vida. Os modelos e marcas de celulares, televisores, automóveis, imóveis residenciais (casas e apartamentos alugados, financiados), os microcomputadores e outros tantos bens são representações de produtos acessíveis a diferentes clientelas, dentro e fora dos seus limites de consumo pela suas rendas.
Figura 04: Evolução dos telefones celulares
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Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Mobile_phone_evolution.jpg Autor: Anders
Vamos pensar, então, como esses segmentos estão melhorando as condições de vida. A pergunta que podemos nos fazer é: o que as pessoas estão fazendo para adquirir novos produtos e elas estão vivendo ou até sobrevivendo de quê? A resposta é: de suas rendas. E qual a renda da maioria da população, distribuída nessa estratificação dividida em classes que vão da A até a classe E? Esses segmentos vivem, majoritariamente, da renda de seus salários. São, portanto, trabalhadores assalariados, a grande maioria sobrevivendo de salário mínimo, além de uma parte significativa que não tem renda estável, vivendo na informalidade do trabalho. Outros estão situados na linha da pobreza ou abaixo dela, muitos desses beneficiários dos programas de transferência de renda como o Bolsa Família. Mas o que há de semelhante entre todos esses estratos sociais? Todos estão inseridos no mercado de trocas, nas transações financeiras, consumindo muito além dos limites de suas rendas. O resultado desse poder de consumo é o grande endividamento dessas classes sociais. Essa situação está sendo vivida, por exemplo, pela grande massa de pessoas que estão incluídas na chamada classe C. Os empréstimos financeiros já fazem parte da movimentação para o consumo dessas classes. E, consequentemente, as taxas de juros pagas no mercado são exorbitantes, elevando sobremaneira os custos do trabalhador, os gastos na aquisição de seus produtos. Essa classe C tem se endividado, sobretudo com o uso do cartão de crédito em compras a prazo e com os empréstimos no mercado financeiro. Grande parcela dessa população tem feito as compras, o mercado do mês, as despesas com a cesta básica, a alimentação e os produtos para a casa com esses cartões. Isso significa que a população assalariada, quer seja da classe C, D ou E, não consegue viver do seu próprio salário, ou seja, o salário mensal não é suficiente para pagar suas dívidas, mesmo as básicas, essenciais. O que se compra é pago no mês seguinte ou em longas prestações, onerando o próprio trabalhador com o pagamento de juros. Veja no link abaixo algu-
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mas informações sobre o crescimento dessa nova classe C.
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http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI10070-15228-1,00A+NOVA+CLASSE+MEDIA+DO+BRASIL.html
No Brasil desses últimos tempos fala-se bastante sobre a ascensão de um número significativo de pessoas para a classe média, compondo uma nova estrutura na pirâmide social brasileira. Diz-se que houve uma redução no número de pobres e au-
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mento dos estratos médios e uma menor concentração de renda, refletindo melhores condições econômicas dos brasileiros. Essa nova classe média, também chamada de classe C representa cerca de mais de 50% da população brasileira e teria um padrão de renda per capita6 familiar mensal variando de R$ 300,00 (trezentos reais) a R$ 1.000,00 (mil reais). Uma família de classe C, por exemplo, com três indivíduos cujas rendas somariam em torno de R$ 1.400,00 (um mil e quatrocentos reais) resultaria numa renda per capita de aproximadamente R$ 466,00 (quatrocentos e sessenta e seis reais). Em reportagem da Revista Época de 2008, fica caracterizada a família dita da nova classe C:
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A renda per capita se calcula somando os rendimentos de todos os membros da família e divide-se pelo número de pessoas no
domicílio. Assim, uma família com cinco membros, mas que apenas dois têm rendimentos, o somatório desses dois valores será dividido pelos cinco membros.
moradora da Rocinha, a favela mais conhecida do Rio de Janeiro. Sua freguesia, formada por mulheres da zona sul, que Josineide atende em domicílio, proporciona uma renda de R$ 1.500 a R$ 2 mil por mês. Ela e os dois filhos pequenos vivem numa casinha de 35 metros quadrados. Lá dentro, ela tem uma televisão de tela plana de 29 polegadas, nova, equipada com serviço de TV por assinatura e DVD. Fãs de Cartoon Network e Discovery Kids, as crianças assistem à televisão sentadas nas cadeiras de uma pequena mesa de jantar, porque na sala apertada não cabe um sofá. O fogão de quatro bocas é antigo, mas o freezer e a geladeira Josineide acaba de comprar. Na laje, um extenso varal com roupas da moda e
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“Classe média, eu?”A ideia surpreende Josineide Mendes Tavares, uma manicure de 34 anos,
uma lavadora de última geração. “Compro tudo em parcelas a perder de vista”, diz ela. Ainda faltam um computador e um videogame. Ah!, sim. Josineide quer mais um celular. Ela já tem dois, mas diz precisar do terceiro para estar sempre à disposição da clientela. Josineide e os filhos formam uma família típica da nova classe média brasileira, segundo uma pesquisa divulgada na semana passada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio. De acordo com esse estudo, nos últimos seis anos cerca de 20 milhões de brasileiros deslocaram-se da base para o miolo da pirâmide social. Até há pouco tempo classificados como pobres ou muito pobres, eles melhoraram de vida e, como Josineide, começam a usufruir vários confortos típicos de classe média. Sua ascensão social revela uma excelente novidade: pela primeira vez na História, a classe média passa a ser maioria no Brasil.” Fonte: Revista Época (2008)
No entanto, há divergências e polêmicas sobre a ascensão e a ampliação da ________________________ chamada classe C ou da dita nova classe média. Uma primeira questão importante é ________________________ nos perguntarmos se a Classe C é realmente uma classe e se pode ser assim chama- ________________________ da. A segunda consideração a ser feita é indagarmos qual o critério utilizado para um ________________________ grupo de pessoas ou indivíduos ser visto como classe C e ter ascendido na escala da ________________________
________________________ ________________________ Conforme já vimos, diversos autores fazem diferenciação entre classe social e ________________________ estratificação social. Portanto, se o reconhecimento da classe se dá pela posição na es________________________ trutura produtiva e não na posição ocupacional, a classe C não representa uma classe ________________________ e dificilmente assumirá uma identidade e uma consciência de classe. ________________________ ________________________ ________________________ Figura 5 - A nova classe C ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ mobilidade social atual. O critério, então, é a renda salarial ou o poder de compra?
Fonte: Compras de Panico / http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Compras_de_Panico.jpg
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56 Bem, espero que você tenha compreendido as principais questões que envolvem o debate sobre a composição das classes sociais no Brasil, a divisão social e econômica e os critérios usados para localizar as pessoas na estratificação da pirâmide social. Essas décadas de mudanças no mundo do trabalho no Brasil, de crises econômicas, de diferentes conjunturas sociais e políticas e de grande fluxo de mobilidade dos estratos sociais, têm deixado algumas interrogações a respeito da dinâmica das classes e sobre a estrutura social no Brasil. Indaga-se se o problema da mobilidade é uma questão de raça/cor ou de classe social, ou seja, se esses determinantes impedem ou facilitam as oportunidades para a ascensão social e econômica das pessoas e grupos. Isso veremos na Aula 4.
SÍNTESE Nesta aula, vimos algumas análises sobre a estrutura de classes sociais na sociedade brasileira e as discussões que cercam a questão da mobilidade social, de quais estratos estão crescendo e aqueles que estão diminuindo ou permanecem estáveis. Foi demonstrado que os estudos e indicadores socioeconômicos estão mos-
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trando um fenômeno novo, que é o alargamento dos estratos médios e um crescimento significativo de pessoas na chamada nova classe C, inclusive mais de 50% da população está inserida nessa camada social. As discussões apresentadas neste texto mostram que não há consenso sobre o aumento nas taxas de mobilidade social e a consequente queda da desigualdade, ainda que a pobreza tenha sido reduzida. Além disso, são utilizados diferentes critérios para definir as características das classes sociais brasileiras, sendo ora o fator renda salarial mensal familiar, ora o indicador econômico equivalente ao poder de compra. Este último está relacionado com a quantidade de bens adquiridos no mercado ou à dinâmica do consumo dos brasileiros, o que para muitos analistas não se constitui como um critério confiável para definir as classes sociais no país, já que o fenômeno se configura como uma realidade bastante complexa do ponto de vista socioeconômico.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Para você, quais critérios deveriam ser levados em conta na análise das classes sociais ou dos estratos sociais no Brasil? Você concebe que a nova classe C pode ser considerada também como classe média? Se as classes são definidas no Brasil pelo critério de renda mensal, qual denominação daremos aos segmentos que não vivem de renda salarial mensal e que recebem muito além do valor indicado na classe A, ou seja, como chamaremos, hoje, aqueles que não são trabalhadores assalariados?
NERI, Marcelo. A nova classe média. O lado brilhante da base da pirâmide. São Paulo: FGV; Saraiva, 2011. POCHMANN, Márcio. A nova classe média? O trabalho na base da pirâmide brasileira. São Paulo: Boitempo Editorial, 2012.
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LEITURAS INDICADAS
SITES INDICADOS https://www.youtube.com/watch?v=1kARDTLVUnI http://www.ibge.com.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/ pnad2009/default.shtm http://desacato.info/2012/10/especialistas-divergem-sobre-ascensao-da-novaclasse-media/ http://www.escoladegoverno.org.br/artigos/209-nova-classe-media
REFERÊNCIAS BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). 2010. Disponível em: http://www.ibge. gov.br/home/estatistica/populacao/mobilidade_social/defaulttab.shtm. Acesso em: 20 mar.2013
DOUAT, Joanna Carolina Guarita. Avaliação do padrão socioeconômico como indicador do perfil do consumo de mídia na sociedade brasileira. Dissertação de Mestrado, Fundação Getúlio Vargas/Escola de administração de Empresas de São Paulo, 2011.
MONTAÑO, Carlos; DURIGUETTO, Maria Lúcia. Estado, classe e movimento social. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2011. (Biblioteca Básica de Serviço Social)
MUNANGA, kabengelê; GOMES, Nilma Lino. O negro no Brasil de hoje. São Paulo: Global, 2006.
RIBEIRO, Carlos Antonio. Estrutura de classe e mobilidade social no Brasil. Bauru, SP; EDUSC, 2007.
RIDENTI, Marcelo. Classes sociais e representação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
STAVENHAGEN, Rodolfo. Classes sociais e estratificação social. In: FORACCHI, Marialice Mencarini; MARTINS, José de Souza. Sociologia e sociedade: leituras de introdução à sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
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RAÇA E GÊNERO NA SOCIEDADE BRASILEIRA Autora: Jucélia Santos Bispo Ribeiro “A Consciência Negra é, em essência, a percepção pelo homem negro da necessidade de juntar forças com seus irmãos em torno da causa de sua atuação – a negritude de sua pele – e de agir como um grupo, a fim de se libertarem das correntes que os prendem em
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AULA 04 - OS DETERMINANTES DE CLASSE,
uma servidão perpétua. Procura provar que é mentira considerar o negro uma aberração do “normal”, que é ser branco. É a manifestação de uma nova percepção de que, ao procurar fugir de si mesmos e imitar o branco, os negros estão insultando a inteligência de quem os criou negros. Portanto, a Consciência Negra toma conhecimento de que o plano de Deus deliberadamente criou o negro, negro. Procura infundir na comunidade negra um novo orgulho de si mesma, de seus esforços, seus sistemas de valores, sua cultura, religião e maneira de ver a vida.’’
(STEVE BIKO, 1971)
Prezado(a) estudante,
O objetivo desta aula é suscitar reflexões sobre os determinantes da desigualdade no Brasil, em destaque para as interferências de classe, de raça e de gênero. A perspectiva é refletir em que medida essas categoriais sociais dificultam ou facilitam as igualdades de oportunidades para a população e a transformação de um país mais equânime. Para possibilitar esse debate, é preciso iniciar essa discussão com algumas questões: a sociedade brasileira é uma sociedade igualitária? O Brasil é um país sem racismo? Aqui existe realmente uma democracia racial? A democracia brasileira é plenamente exercida ao ponto de as diferenças serem incluídas e as demandas de diferentes segmentos serem contempladas no cotidiano da realidade social? As mulheres ocupam as mesmas posições e prestígio que os homens no mercado de trabalho? O que determina a desigualdade no país? É a classe ou a raça? E como fica a questão da mulher nesse contexto? Essas são questões que resultam em vários debates e divergências sobre a estrutura social brasileira, as desigualdades de oportunidades e as chances de mobilidade social no país. Vamos tentar entender, então, o que diversos autores trazem como elementos cruciais para uma melhor compreensão dessas questões.
MOBILIDADE POR CLASSE E/OU POR RAÇA? Durante muitos anos, parte dos intelectuais brasileiros afirmava que no Brasil havia uma democracia racial e que, diferentemente de países que viviam o apartheid1 1
Apartheid significa a segregação racial e se tornou uma ação individual e institucional de negação dos direitos da população
negra. Esse tipo de regime político vigorou por anos na África do Sul.
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a população brasileira mantinha relações cordiais, fraternas e não discriminatórias entre pessoas de raças2 diferentes. Dizia-se categoricamente que no Brasil não havia racismo. Mas afinal, o que é o racismo?
O racismo é um comportamento, uma ação resultante da aversão, por vezes, do ódio, em relação a pessoas que possuem um pertencimento racial observável por meio de sinais, tais como cor de pele, tipo de cabelo, formato de olho etc. Ele resulta da crença de que existem raças ou tipos humanos superiores e inferiores, a qual se tenta impor como única e verdadeira. (MUNANGA; GOMES, 2006, p.179)
Essa definição de racismo representa, muitas vezes, e de forma frequente, a discriminação pela qual passam os negros, colocados como objeto de estudo ao longo do século XIX e alvo de teorias racistas. Essas teorias impregnaram o imaginário social e as características fenotípicas e culturais dos negros foram relacionadas aos aspectos vistos como socialmente negativos, inferiores, desumanos. No Brasil, essas ideias estiveram presentes durante todo o período colonial, quando os negros foram tratados como peças, mercadorias. Durante toda a história do país e mesmo após a abolição da escravatura, e também com a instauração da República, a população negra continuou
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a ser tratada, ou associada, à condição de escrava. É quando se começa a falar em liberdade, igualdade, democracia, ainda que as condições de vida da população negra estivessem longe desses ideais. Figura 1: Casal de atores negros
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/78/L%C3%A1zaro_Ramos.jpg e http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/dc/Taís_Araújo_Ordem_de_Rio_Branco_Cropped.png
A ideia de relações iguais entre raças diferentes fora difundida dentro do país e fora dele como sinônimo de democracia racial brasileira. Gilberto Freyre (1973), entre outros estudiosos, defendia que ao invés de diferenças raciais, predominavam as 2 O termo raça utilizado neste texto não tem relação com aspectos biológicos, genéticos, mas como uma construção social, histórica, cultural e política, usada para designar as diferenças percebidas entre os grupos humanos. O termo pode incluir uma ampla dimensão de aspectos da vida como a etnia, a ancestralidade, o preconceito e a discriminação de alguns grupos, inclusive pelos seus aspectos fenotípicos, como o racismo sofrido pela população negra.
com aquelas de países como os Estados Unidos, onde prevaleciam os conflitos raciais. Aqui não havia uma rígida divisão baseada nos aspectos raciais, assim como também na África do Sul, país do continente africano símbolo, em tempos atrás, de apartheid racial. No imaginário freyriano, prevalecia uma convivência harmônica entre diferentes segmentos raciais, o que atestava ser o Brasil uma espécie de “paraíso racial”. As primeiras décadas do século XX foram fartas em enunciados e estudos sobre a realidade racial e econômica do Brasil. Só para você ter uma ideia, no ano de 1950, a
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diferenças culturais na sociedade brasileira. Ele comparava as relações raciais daqui
UNESCO encomendou algumas pesquisas sobre as relações étnicas e raciais no país, na tentativa de encontrar algum resultado mais compreensivo sobre essas relações. O “Projeto UNESCO”, como ficaram conhecidos esses estudos, desmistificou a ideia de democracia racial brasileira e revelou várias disparidades sociais vividas pelos negros, demonstrando a falência da tese culturalista de Gilberto Freyre (MAIO, 2000). A partir dessas pesquisas, o mundo acadêmico passou a reconhecer que havia preconceito racial no Brasil, ainda que o governo e a sociedade brasileira só assumam esse problema décadas depois. A metade do século, então, foi marcada por outras reflexões, agora com o foco voltado para as diferenças de classe social ao invés de raça. Os anos de 1950 apontam para a aceleração na modernização do Brasil, para um país cada vez mais industrializado e o crescimento do trabalhador operário e assalariado, paralelamente à manutenção de uma parcela significativa de trabalhadores no campo, na atividade rural. Essa realidade chamava a atenção para o Brasil como um lugar que ora era visto atravessado pela desigualdade racial ora era compreendido pelas desigualdades de classe social. Donald Pierson, sociólogo norte-americano, estudando essas relações sociais, entendia que as desigualdades no país estavam assentadas nas diferenças de classe social ao invés de raciais. O preconceito, para ele, configurava-se como preconceito de classe e não preconceito racial. O foco de Pierson (1945) era a ascensão dos chamados mestiços, o que justificaria o não racismo brasileiro. Analisando o contexto de industrialização, Florestan Fernandes (1965) também vai seguir essa pista deixada por Pierson da prevalência da classe sobre a raça. Considerando que a desigualdade de raça refletia a estratificação social do passado escravocrata e colonial, Fernandes (1965) vai também entender que a estrutura da sociedade brasileira moderna se resvala na discriminação de classe social. A discriminação por classe substituiria, assim, a discriminação por raça no mundo moderno atual.
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Figura 2: Joaquim Barbosa: Presidente do Supremo Tribunal Federal
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/1e/Joaquim_barbosa_stf.jpg
No entanto, em outro momento de conjuntura socioeconômica no Brasil, outro pesquisador norte-americano se interessa em explicar o mesmo problema, agora
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retomando os estudos sobre a importância da raça para a mobilidade social. Carlos Hasenbalg (1979) identificou as desigualdades de raça como grandes empecilhos para a mobilidade social da população negra e as chances ainda menores de melhoria nas condições de vida e nas posições ocupacionais para os segmentos negros. Esse autor reconhece que mesmo com o processo de industrialização e o crescimento das classes, a discriminação por raça permanece como mecanismo importante na estratificação social brasileira. Nessa perspectiva, os privilégios da classe de origem não seriam garantidores das chances de mobilidade entre brancos e não-brancos, neste caso, pretos e pardos. Portanto, para Hasenbalg (1979), pretos e pardos continuariam a sofrer as desigualdades e teriam menos oportunidades de mobilidade social ainda que estivessem em melhores condições de classe social. A tese de Hasenbalg é a de que a estratificação por raça também está presente na mobilidade educacional, uma vez que são desiguais as oportunidades de mudança e de conclusão dos níveis educacionais mais elevados entre brancos e não-brancos. Isso significa que pardos e pretos apresentam maiores dificuldades para concluir o ensino médio e menos ainda o ensino superior. A partir da década de 1970, os estudos sobre desigualdades de oportunidades têm focado no tripé: classe de origem, qualificação educacional e classe de destino, através de cruzamentos com o fator raça. Esses estudos mostram, por exemplo, que as transições educacionais são realizadas com maior sucesso pelas pessoas brancas de origem de classe privilegiada, ou seja, as pessoas cujas famílias de origem têm melhor poder aquisitivo e educacional. Corroborando essa afirmativa, de um modo geral, os dados indicam ainda que os brancos têm muito mais vantagens para concluírem o ensino médio que os não-brancos, conforme já mencionado nesta aula.
temporâneo, principalmente com o fortalecimento dos movimentos sociais negros que vêm reivindicando e propondo políticas públicas para a população negra e pobre. Ainda que perdure o questionamento sobre o que motiva a desigualdade de oportunidade, se é o preconceito de raça ou se é o preconceito por classe, os estudos têm mostrado realidades cada vez mais complexas, onde classe e raça se misturam aos fatores educacionais, intergeracionais, culturais, territoriais etc. Um trecho da reportagem do jornal Folha de São Paulo ilustra, através de dados
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Esse debate sobre as desigualdades de raça e de classe continua no Brasil con-
estatísticos obtidos em pesquisas no Brasil, a realidade da desigualdade entre brancos e negros:
Brancos detêm 74% da renda brasileira
De cada R$ 4 de rendimento produzido no Brasil, quase R$ 3 são recebidos por pessoas brancas. Ou seja, de todo o rendimento, somando salário, aposentadoria, programas de renda mínima e aplicações financeiras, 74,1% ficam com os brancos. O homem branco é o principal beneficiado: fica com 50% do total da renda do país. São esses os resultados de uma análise da ONG (organização não-governamental) Observatório Afro-Brasileiro com base em dados do Censo 2000 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Os números do estudo mostram que, no Dia Nacional da Consciência Negra --dedicado a Zumbi dos Palmares--, a desigualdade racial, uma marca do Brasil, resulta também da concentração de renda entre brancos. De acordo com o economista Marcelo Paixão, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e coordenador do Observatório, só 25,9% dos rendimentos ficam com os negros --juntando os identificados como pretos (ficam com 4% da renda) e pardos (21,9% da renda). O Brasil branco recebe, portanto, uma renda 2,86 superior ao Brasil negro. “É um exercício para pensar como a desigualdade e a pobreza no Brasil têm um evidente componente racial. A riqueza está concentrada entre os brancos, enquanto, entre os pobres, a maioria é de negros”, afirmou. A proporção de renda recebida pelos brancos (74,1%) é maior que a presença deles na população (53,8%) e entre as pessoas com rendimento (58,1%). A parcela de renda apropriada pelos negros (pretos e pardos), 25,9%, é inferior à presença deles na população (45,3%) e entre as pessoas com rendimento (41,9%). Fonte:FolhaOnline,20/11/2013http://www1.folha.uol.com.br/folha/dimenstein/noticias/ gd201103.htm
Tentando uma resposta que contemple a complexidade do fenômeno como ele se expressa, e fugindo de análises somente qualitativas sobre as chances de ascensão social de pobres e negros, Carlos Ribeiro (2006) utiliza em sua pesquisa uma metodologia quantitativa para cruzar dados em relação à classe, raça, escolaridade, ocupação e geração. Para isso, ele utiliza duas noções básicas, sendo elas a classe de origem e a
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classe de destino. Assim sendo, através da análise das condições econômicas e sociais intergeracionais, verifica-se a ocupação do pai quando o sujeito tinha 14 anos de idade, a escolaridade e em outro momento, compara-se com a situação do filho de famílias pretas, pardas e brancas. Essa pesquisa traz, portanto, dados comparativos sobre a classe de origem, dos pais e a classe de destino dos filhos, entre negros e brancos. Ribeiro (2006) mostra que a educação é uma das principais barreiras de mobilidade social ascendente para determinados grupos e, portanto, a qualificação profissional é um indicador da desigualdade de oportunidade. Para aqueles indivíduos cuja classe de origem (a dos pais) tem maior escolaridade, suas chances de completar os diferentes níveis de escolaridade serão maiores. Esse autor defende a ideia de que, quanto maior a chance de mobilidade das classes mais privilegiadas, maior será o preconceito de raça. Por outro lado, em termos relativos, pretos, pardos e brancos de classes menos privilegiadas ou de origem de classe baixa não enfrentam grandes diferenças nas chances de mobilidade ascendente. [...] não há diferença nas chances relativas de mobilidade ascendente entre pretos, pardos e brancos cujos pais estavam nas classes mais baixas. [...], as chances de mobilidade ascendente de pessoas com origens nas classes mais baixas são inteiramente determinadas pela origem de classe e a cor da pele não tem relevância. [...], as chances de mobilidade descendente e de imobilidade de pessoas
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com origens nas classes mais altas são significativamente influenciadas pela cor da pele. Há desigualdade racial nas chances de mobilidade descendente e de imobilidade de pessoas com origem nas classes altas. (RIBEIRO, 2006, p. 853-855)
Nesta citação, o autor analisa as chances relativas de mobilidade vertical (para cima e para baixo) e percebe que, quando a classe de origem das pessoas é de baixo poder aquisitivo e com pouca qualificação educacional, os pretos, pardos e brancos sofrem mais a discriminação por classe que por raça. Isso quer dizer que brancos e não brancos pobres sofrem discriminação porque são pobres e não porque são negros. Nesse caso, ambos sofrerão as dificuldades de mobilidade ascendente porque são dos estratos inferiores. Por outro lado, para aquelas pessoas que estão nas classes mais altas, os pretos e os pardos terão maiores chances de descer de classe ou permanecer na mesma classe (ao invés de continuar ascendendo). Nesse contexto, a cor da pele será determinante para que sofram o preconceito, pois com o mesmo nível educacional e a mesma renda (superiores), pretos e pardos serão discriminados porque são negros e não por causa da classe social. Portanto, entre os estratos mais elevados, as pessoas sofrem mais o preconceito racial que o de classe social, enquanto entre os estratos menos privilegiados, brancos e não-brancos sofrerão iguais condições de classe. De outro modo, pode-se dizer que a discriminação racial aparece com mais evidência para os negros que ascendem economicamente na escala social, enquanto a barreira econômica é mais nítida para os negros pobres.
lação preta e parda, enquanto nas classes mais altas estão os brancos. Esse dado já traz uma diferença significativa entre as chances de mobilidade ascendente para pardos e pretos. Porém, Ribeiro analisa em que medida a classe de origem e a raça são importantes nas chances de mobilidade. Para isso, ele trabalha com a ideia de mobilidade relativa, como já explicitado, e afirma que: [...] o preconceito racial se torna mais relevante na medida em que subimos na hierarquia de classes no Brasil. Pessoas com origem nas
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É sabido que nas classes mais baixas está concentrada a maior parcela da popu-
classes mais baixas encontram dificuldades de mobilidade ascendente porque são de classes mais baixas e não por sua cor ou raça. [...] As análises revelam que a desigualdade de oportunidade de mobilidade social é racial apenas nas classes altas, mas não o é nas classes baixas. Esta conclusão é bastante importante porque indica que o preconceito racial deve estar presente com mais força no topo e não na base da hierarquia de classes. (RIBEIRO, 2006, p. 855)
Essa citação indica que os negros têm mais desvantagens ou menos chances de se manterem nas classes altas quando comparados com os brancos, e, portanto, podem migrar de classe, no sentido de estarem mais vulneráveis à perda de poder e prestígio e descerem na escala social. Então, esses estudos apontam que ora há maior efeito de classe que de raça nas oportunidades de mudança nas posições sociais e ocupacionais e ora há um peso maior da raça na determinação da hierarquia social que a de classe. Esse quadro de desigualdade de classe e de raça no Brasil revela grandes problemas que precisam ser enfrentados pelo Estado no que diz respeito aos projetos de crescimento e desenvolvimento econômico e social. Políticas direcionadas apenas para alavancar a economia não são garantidoras de promoção da equidade, pois,
Tendo em vista que o desenvolvimento econômico per se não implica em diminuição das desigualdades de condições e recursos, apenas políticas sociais diretamente focalizadas nestas desigualdades seriam capazes de modificar consistentemente o nível de fluidez social. (GOLDTHORPE, 2000 apud RIBEIRO, 2007, p. 35)
Essa citação justifica a necessidade vista hoje no Brasil da criação e da execução de políticas sociais e públicas de inclusão socioeconômica e educacional, com foco na juventude, na população negra do país, nos estratos mais pobres e também com o recorte de gênero. As políticas para a educação são cruciais para possibilitar as oportunidades aos diferentes segmentos sociais, já que as pesquisas mostram que a classe social tem importância significativa nas transições educacionais. No entanto, a sociedade brasileira também precisa de políticas educacionais com recorte racial, uma vez que se tornou evidente na atualidade que pretos e pardos, ou seja, a maioria da população negra
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enfrenta dificuldades para alcançar os níveis mais altos das transições educacionais. Isso fica visível pelo perfil racial das universidades brasileiras, mesmo aquelas situadas em cidades com grande contingente populacional negro. O que isso quer dizer, então? Isso nos diz que há recorte de raça e de classe para aqueles que têm dificuldades de adentrar ou concluir a universidade, e pelo viés racial, as chances para os negros acessarem o sistema superior de ensino são menores ainda.
Figura 3: Luislinda Valois: 1ª juíza negra brasileira
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Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=SXoT5aVF1XI
A percepção dessas condições desiguais entre diferentes segmentos em suas especificidades possibilitou a constituição de medidas reparadoras e promotoras de igualdades de oportunidades desencadeadas em diferentes países cujas desigualdades são identificáveis nas análises das taxas de mobilidade e nos dados estatísticos sobre a população. Muitas dessas medidas enveredaram pelas ações na educação, sobretudo no acesso ao ensino superior, diminuindo as desigualdades de oportunidade para negros e brancos de diferentes classes sociais, já que: Sabemos, por vários estudos de caso com respeito a carreiras de trabalhadores na indústria que, no Brasil, à diferença de outros países, a mobilidade em direção a posições de mando está demarcada pela posse de credencial escolar, estando associada à aquisição de títulos universitários. (GUIMARÃES, 2001/2002, p. 251)
No Brasil, estudos comparativos sobre classe, raça, gênero e formação educacional e mercado de trabalho têm evidenciado a importância de intervenções institucionais para a redução das desigualdades e promoção das condições de igualdade. Entre essas medidas estão as “Ações afirmativas” que são políticas viabilizadas para combater o racismo e promover a igualdade de oportunidades. Essas ações procuram diluir as desvantagens, as discriminações e os preconceitos vividos pelos negros e ne-
sentido que foi instituída a política de cotas para negros, que também é social, pois atinge a maior parte das pessoas de baixa renda. Pelo sistema de cotas se rediscute a noção de mérito, já que se entende, na atualidade, que é preciso ter condições de igualdade ou oportunidades para que individualmente, as pessoas possam mostrar suas potencialidades, talentos e bons resultados na educação e, consequentemente, no mercado.
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gras nas diversas instâncias da sociedade brasileira, entre elas, a educacional. É nesse
DESIGUALDADES DE GÊNERO E A MULHER NO MERCADO DE TRABALHO Na seção anterior, vimos as implicações das desigualdades de classe e raça e a interferência do aspecto educacional nas chances de mobilidade de brancos e negros na sociedade brasileira. Nesta seção, iremos adentrar no universo das desigualdades de gênero com o foco voltado para a mulher no mercado de trabalho e os obstáculos que se interpõem à maior mobilidade e ascensão econômica dessa categoria social. Você já deve ter ouvido falar inúmeras vezes sobre os preconceitos pelos quais as mulheres passam, seja no âmbito da família, vistas unicamente como “donas de casa” e não como chefes de família, no mundo do entretenimento, sendo objeto de letras de músicas que as desqualificam enquanto sujeito e também no mercado de ________________________ trabalho, uma vez que ainda ganham menos que os homens, mesmo exercendo as ________________________ mesmas funções profissionais. Empregadas domésticas, ainda a maioria negras, por ________________________ exemplo, comparadas com o emprego doméstico masculino (homens que são casei- ________________________ ros, jardineiros, etc.), recebem rendimentos bem aquém desses grupos sociais.
________________________ ________________________ Essa desigualdade entre os rendimentos de mulheres pobres e negras em rela________________________ ção aos demais segmentos sociais é destacada no trecho da reportagem, cujo título é ________________________ “Brancos detêm 74% da renda brasileira”: ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________
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Pobreza negra e feminina
Se o homem branco é o principal detentor da riqueza do país, recebendo 50% da renda, a mulher negra fica em pior situação: detém apenas 8,1% dos rendimentos. A mulher branca, com 24,1% dos rendimentos, está em melhor situação que o homem negro, com 17,7%.
Os dados da ONG mostram que, entre os 10% mais pobres da população (detêm apenas 1,2% da renda), 60,9% são negros, e 39,1%, brancos. Entre os 10% mais ricos, com 49,2% da renda, 82,2% são brancos, e 17,8%, negros. A concentração de riqueza é tão grande que, entre os 20% mais ricos da população (64,6% da renda), os brancos ficam com 49,4% do total dos rendimentos. A análise desconsiderou as populações de indígenas e amarelos, que, somadas, são menos de 1% do total do país. O Observatório Afro-Brasileiro tem o apoio do Ceris (Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais). Para ele, o diagnóstico da desigualdade racial está feito, e a responsabilidade agora é da União. Há também a expectativa de aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, pronto para ser votado na Câmara dos Deputados. Segundo ele, o sucesso das políticas exige investimentos diretos na questão racial: “Com um orçamento desse, não vai promover igualdade racial nenhuma. As políticas são todas cegas
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às questões de cor”, afirmou. Ele diz que há um descompasso entre a intensidade da desigualdade e a prioridade dada ao assunto por sucessivos governos. “Espero que o Estatuto da Igualdade Racial seja o melhor do mundo, não só em termos de princípios, mas do ponto de vista da intervenção, da capacidade para agir.” Fonte: Folha Online, 20/11/2013 http://www1.folha.uol.com.br/folha/dimenstein/noticias/ gd201103.htm
Esses tipos de preconceitos e discriminações são qualificados como problemas relacionados às relações de gênero e também é perpassado pelas questões de classe social e de raça. Mulheres pobres e negras sofrem maiores desigualdades que outras mulheres brancas ricas ou pobres e mais ainda que homens negros também pobres. Entretanto, desde as primeiras conquistas pelos movimentos feministas, essa história de discriminações tem se modificado e hoje as mulheres lotam as universidades, representando um maior contingente de pessoas com acesso ao ensino superior, e, consequentemente, um aumento significativo de profissionais qualificadas para o ingresso no mercado de trabalho. Mas imagino que você deve estar se perguntando, afinal, o que é gênero e qual a sua relação com classe social? Bem, em primeiro lugar, é preciso dizer que gênero é uma categoria histórica, como afirma Joan Scott (1999). Isso quer dizer que o conceito de gênero vem se modificando ao longo do tempo e essa categoria diz respeito às construções sócio-históricas, isto é, as diferenças de gênero são construídas pelas pessoas, homens e mulheres, em diferentes sociedades e em diferentes épocas.
cebidas sobre os aspectos anatômico-biológicos de homens e mulheres e os comportamentos designados e esperados em função da percepção dessas diferenças. Em outras palavras, através das diferenças de gênero, espera-se que homens e mulheres se comportem de acordo com aquelas características ditas como normais e corretas para cada sexo: masculino e feminino. Pelos sentidos atribuídos ao gênero, você já pode entender que existem profissões no mercado de trabalho e funções ocupacionais que são consideradas como
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Portanto, a palavra gênero quer dizer, em primeira instância, as diferenças per-
áreas apropriadas apenas para homens e outras apenas para mulheres. É por esse motivo que as pessoas ainda ficam impressionadas quando veem uma mulher pilotando um avião, uma motorista de ônibus ou na construção civil exercendo a atividade de engenheira. Ainda soa estranho, para muitos, encontrar uma mulher ocupando a profissão de pedreira ou de servente de obras também na construção civil. Por outro lado, a profissão de professora da educação infantil, ou seja, o lidar com crianças em idade escolar parece ser uma atividade naturalizada pela sociedade e vista como a tarefa mais adequada ao bom desempenho das mulheres. Essas formas de se fazer a divisão do trabalho, muitas vezes, seguem modelos assentados na ideologia do patriarcado, ou seja, na ideia de que existe uma relação hierárquica, de dominação e exploração que desemboca em diversas formas de opressão sobre a mulher. O conceito de patriarcado foi bastante explorado por uma feminista chamada Heleieth Saffioti (2004), mas, nas sociedades contemporâneas, as mulheres
________________________ ________________________ Então, essas percepções enviesadas pelas questões de gênero vão ter implica- ________________________ ções nos recortes de classe social e na posição dessas mulheres no mercado de traba- ________________________ lho e nos seus rendimentos, sobretudo a partir das transformações que vêm ocorren- ________________________ ________________________ do no mundo do trabalho nessas últimas décadas. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Fonte: Helder Santos / UNIFACS - Montagem baseada nas imagens: ________________________ http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/40/Marta_Sol_vs_Athletica_2009-July-08.jpg, http://upload.wikimedia. org/wikipedia/commons/e/e9/ElisBA1979.jpg, http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/81/Dilma_Rousseff_-_ ________________________ têm se valido mais do conceito de gênero para explicar esse tipo de desigualdade.
foto_oficial_2011-01-09.jpg, http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/ce/Marina_Silva_2007.jpg e http://upload. wikimedia.org/wikipedia/commons/0/0f/Fernanda_Montenegro.jpg
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70 A segregação feminina de certas atividades laborativas já existe há muito tempo e a introdução paulatina da mulher no trabalho assalariado desde o século XIX não eliminou a visão patriarcal sobre a divisão social do trabalho. O trabalho doméstico, visto como não-trabalho continuou sendo percebido como tarefa feminina e o ingresso da mulher no mercado de trabalho assalariado, muitas vezes, esteve atrelado ao trabalho no “lar”, ao mundo da família. Ainda que as mulheres tenham se inserido nas indústrias, o emprego doméstico continuou sendo uma das maiores vias de assalariamento, permanecendo as mulheres vinculadas às atividades femininas tradicionais e menos valorizadas profissionalmente pela falta de qualificação e pela necessidade de conciliar o trabalho com a família, entre outros impeditivos (SAMARA, 1997). O trabalho da casa e o emprego doméstico, portanto, foram as maneiras tradicionais de as mulheres continuarem exercendo as atividades, confinadas a esse modelo segregacionista até a metade do século XX. As características dessa divisão sexual ficam presentes mesmo com a incorporação das mulheres na indústria, conforme citação abaixo: Os baixos salários, as tarefas que não requeriam conhecimento de um ofício e nem tampouco grande esforço muscular, somados a certos atributos vinculados à mulher, como submissão, paciência,
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cuidado e docilidade eram também determinantes do seu emprego massivo nas indústrias têxteis. Submetidas a um duplo processo disciplinar nas fábricas e nas casas, desvalorizadas como força de trabalho, ocuparam mais uma vez as posições descartadas pelo homem. (SAMARA, 1997, p.53)
Com essa crítica, a autora pontua também o crescimento de mulheres em atividades informais de baixa remuneração e destaca as ações de enfrentamento essas relações de subordinação tomadas pelas próprias mulheres. Desse período em diante, a profissionalização das mulheres não tem ainda possibilitado ganhos salariais equiparados aos dos homens, pois muitas carreiras seguidas pelas mulheres estão associadas às possibilidades de conciliação entre o emprego e a vida privada familiar, implicando em profissões menos valorizadas no mercado, ainda vistas como tradicionalmente femininas como as exercidas no magistério e de menores remunerações. A segunda metade do século XX mostra um quadro de maior participação da mulher na atividade econômica, sem, no entanto, ter perdido a condição de trabalhadora doméstica cuja atividade não é remunerada, isto é, mulheres que assumem posições ocupacionais remuneradas e que continuam realizando todas as tarefas domésticas da própria casa. A implicação disso é a chamada dupla jornada de trabalho, pois as mulheres passam mais tempo trabalhando e não são remuneradas por esses diferentes tempos de trabalho. Elas passam cerca de 8 horas diárias no emprego e, ao chegar em casa, dão conta de várias tarefas domésticas, representando um grande desgaste para elas.
As crises vividas pelo capitalismo contemporâneo têm refletido sobre as mudanças no emprego feminino e nas novas divisões sexuais do trabalho. Nos anos de 1990, por exemplo, uma série de questões levantaram o debate sobre o “fim do trabalho” em vista dos processos de globalização, da reestruturação produtiva e do modelo neoliberal que passaram a interferir nas relações trabalhistas. A flexibilização implicou em precarização das condições de trabalho, terceirização das atividades e crescimento da informalidade do trabalho. Esse contexto diversificou as situações de trabalho e de
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emprego, remodelando as atividades de homens e mulheres no mercado de trabalho. (HIRATA, 2001). Helena Hirata (2001) destaca que os efeitos da globalização e da reestruturação produtiva, contraditoriamente, impulsionaram o trabalho remunerado e o emprego de mais mulheres em escala mundial. Houve aumento da participação feminina no mercado de trabalho na área de serviços e nas atividades formais e informais. No entanto, essas mulheres foram incorporadas nas atividades produtivas precarizadas e em situações de vulnerabilidade no próprio trabalho, recebendo os menores salários, inseridas no emprego não estável e desprotegido. Algumas legislações têm tentado mudar essa configuração do mercado de trabalho em relação às discriminações por gênero e raça. Uma delas é a nova lei que entrou em vigor, regulamentando o trabalho da empregada doméstica. Essas trabalhadoras agora passam a ter direito ao FGTS e à garantia de uma jornada de trabalho ________________________ semanal de 44 horas, assim como os demais trabalhadores assalariados. Os dados mais recentes indicam uma maior inserção das mulheres no mercado de trabalho formal, mas suas rendas ainda são menores quando comparadas com o quadro de remuneração por sexo. Há uma segregação ocupacional, já que as mulheres estão concentradas nas áreas de serviço e menos nas atividades produtivas industriais. Mesmo naquelas ocupações em que se exige o ensino superior e onde há maior participação das mulheres, os rendimentos ainda estão longe de se equipararem aos dos homens. (HIRATA, 2001, LEONE; BALTAR, 2006, LEONE; BALTAR, 2008) A realidade das mulheres no mercado de trabalho, sobretudo a partir dos anos de 1990, tem se mostrado com algumas ambiguidades: quando se trata de mulheres qualificadas, com nível superior, diminui a quantidade de empregadas e quanto menos qualificação, maior o número de mulheres em trabalhos precarizados, instáveis e com menores salários. Por outro lado, mesmo entre aquelas com maior nível de escolaridade, os dados ocupacionais e de rendimento mostram desvantagens para as mulheres. Essa desvantagem, ainda que tenha diminuído na última década, continua bastante expressiva em todos os níveis de escolaridade. Contudo, é justamente no nível superior que as diferenças de rendimento mediano em favor dos homens são mais expressivas. (LEONE; BALTAR, 2006, p. 360-361)
Isso significa que as mulheres passaram a ter acesso a cargos melhor remunerados, sobretudo as que possuem nível superior, mas ainda estão com os rendimentos
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menores que os homens em semelhantes posições ocupacionais. Por outro lado, no setor da indústria, o assalariamento está relacionado com um perfil de trabalhador que em sua maioria é masculino e branco, em se tratando de gênero e raça. Nesse setor, estudos mostram que a participação feminina é menor e menor ainda a presença de mulheres negras, revelando a predominância de mulheres brancas no trabalho fabril. (GUIMARÃES, 2001-2002). Essa configuração do trabalho feminino no Brasil mostra, portanto, avanços significativos na inserção de mulheres no mercado de trabalho e de maior incorporação do trabalho feminino qualificado. No entanto, tem aumentado o número de mulheres em trabalhos precarizados, informais, desprotegidos e sem as condições trabalhistas adequadas ao desempenho das atividades e da manutenção da saúde e dignidade da mulher trabalhadora. Essa realidade fica exposta, nos dias atuais, com a lei que regulamenta o emprego doméstico, demonstrando o quão exploradas estão essas mulheres. E mais: aquelas que se inserem em ocupações mais qualificadas também vivem a desigualdade no trabalho, uma vez que seus ganhos salariais ainda estão muito aquém da remuneração dos homens que têm a mesma formação e mesmo nível educacional. Podemos concluir, então, que as barreiras por raça e sexo permanecem como obstáculos à ascensão de alguns grupos em diferentes posições ocupacionais e educacionais.
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SÍNTESE Nesta aula, vimos o debate que cerca a grande polêmica no Brasil, sobre os demarcadores da ascensão social vertical da população e os determinantes da mobilidade, seja pela cor da pele ou raça, gênero ou classe. Durante um período da história brasileira, essa discussão oscilou entre uma defesa da suposta existência de uma democracia racial e, portanto, a negação de impeditivos raciais para a mobilidade social, ora a compreensão das desigualdades assentadas, sobretudo na raça, ora na classe social. Por outro lado, as análises sobre gênero têm procurado identificar as desvantagens encontradas pelas mulheres no mercado de trabalho e as formas de exclusão pelas quais elas passam, mesmo considerando o alto nível de escolaridade e a profissionalização desse segmento. Os estudos mais recentes têm tentado mostrar, através do cruzamento de diversas variáveis, entre elas, a classe social (renda e posição ocupacional), a raça (cor da pele) e o gênero (sexo), em que medida esses determinantes influenciam mais ou influenciam menos nas oportunidades de ascensão social e na diluição das desigualdades.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Diante das discriminações contra mulheres negras e pobres, o que você acha
você, negros (pardos e pretos) e brancos têm as mesmas oportunidades de ascensão social ou chances de mobilidade social ascendente no Brasil? Em quais circunstâncias as desigualdades de raça ou de classe ficam mais evidentes?
LEITURAS INDICADAS
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que pode ser feito para diminuir ou suprimir esse fenômeno de desigualdade? Para
AGUIAR, Neuma. Patriarcado, sociedade e patrimonialismo. Sociedade e Estado. v. 15, n. 2 Brasília, jun/dez/2000. BRUSCHINI, Cristina, PINTO, Regina Céli. Tempos e lugares de gênero. São Paulo: Fundação Carlos Chagas; Ed 34, 2001. CARDOSO, Fernando H., IANNI, Octavio. Cor e mobilidade social em Florianópolis: aspectos das relações entre negros e brancos numa comunidade do Brasil meridional. São Paulo: Companhia Editora Nacional (Coleção Brasiliana, v. 307). 1960. COSTA PINTO, L. O negro no Rio de Janeiro: relações de raça numa sociedade em mudança. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1952. FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973. PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1965.
SITES INDICADOS Novos direitos dos trabalhadores domésticos entram em vigor. http://revista. correionago.com.br/index.php/component/k2/item/10861-novos-direitos-dostrabalhadores-dom%C3%A9sticos-entram-em-vigor Educação e novos agentes produtivos. https://www.youtube.com/ watch?v=w9VrfhZuPUI Relações étnico-raciais e educação. https://www.youtube.com/watch?v=3jzxBnlpySY Ações afirmativas e educação. https://www.youtube.com/watch?v=pHo4q1IkWvo Ministra pede combate ao racismo. https://www.youtube.com/ watch?v=aXAazvx0Tvo Campanha “Igualdade racial é pra valer”. https://www.youtube.com/ watch?v=PaYBqyzbhDk Seu Jorge fala sobre racismo na Itália. https://www.youtube.com/ watch?v=bLjTmlLMFUk Mulheres no mercado de trabalho. https://www.youtube.com/watch?v=Oal6okF_ gXw
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Mercado de trabalho para mulheres e homens. https://www.youtube.com/ watch?v=bJFO42UX_oQ Cresce o número de mulheres no mercado de trabalho. https://www.youtube.com/ watch?v=s90ApxJ5XZ0
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MOVIMENTO SOCIAL
Autora: Jucélia Santos Bispo Ribeiro “Descobrimos, aos poucos, que os movimentos sociais não eram tão fortes quanto sonhávamos. Descobrimos suas fraquezas e fragilidades. Mas, descobrimos, sobretudo, que eles não eram tão novos como preconizávamos. E estas descobertas nos fizeram
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AULA 05 - EM TORNO DOS CONCEITOS DE
olhar para a História e buscar no passado outras lutas, movimentos e ações coletivas, das classes populares ou não, para resgatarmos suas trajetórias, seus pontos de inflexão e de rupturas, suas conquistas e derrotas”. (GOHN, 2003)
Prezado estudante,
Nesta aula, trabalharemos os conceitos de Movimentos Sociais (MS) de modo que você conheça as suas origens históricas e os acontecimentos que marcam as lutas das organizações populares, bem como os movimentos sociais na sociedade brasileira. O objetivo é que você compreenda a trajetória histórica de constituição dos movimentos sociais, percebendo a importância das mobilizações da classe trabalhadora no contraste com o modo de produção capitalista e a emergência de outras demandas sociais fora do âmbito do trabalho, a partir da emergência dos chamados Novos Movimentos Sociais (NMS). Você deve estar se perguntando: então, o que é o movimento social? E eu pergunto: qual a diferença e a relação entre classes sociais e movimento social? Existem, realmente, diferenças? Quais as suas semelhanças? Em que momento a classe social deixa de ser entendida enquanto tal e passa a ser denominada de movimento ou novo movimento social? Bem, há polêmicas sobre essa relação entre classe e movimento social, sobretudo, a partir das mudanças desencadeadas com o processo de globalização, a crise do capitalismo e as transformações no mundo do trabalho, principalmente, com o advento da reestruturação produtiva nos anos de 1970. Uma das principais marcas de diferenciação entre movimento de classe e movimento social será o tipo de demanda do grupo e o foco central da luta desses movimentos. Diz-se, de um modo geral, que o movimento classista centra-se nas demandas relacionadas ao mundo do trabalho e nas implicações das relações entre capital e trabalho. Há, ainda, uma concepção de movimento ou organização de classe, já pensada por Marx nos idos do século XIX, como uma luta que vai além das questões trabalhistas, das reivindicações por melhorias salariais. Neste caso, aparece a ideia do partido como a melhor instância política para desencadear e dirigir a luta dos proletários no enfrentamento das explorações e desigualdades instituídas pelo modo de produção capitalista. Essa discussão entre classe e luta política será melhor aprofundada na Aula 6, na qual trabalharemos as questões relacionadas ao sindicalismo. E o movimento social, então?
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O conceito de movimento social está intimamente relacionado à ideia de uma ação coletiva desenvolvida por um grupo organizado que objetiva alcançar mudanças através da luta política. Os movimentos sociais são porta-vozes de um determinado grupo de pessoas que se encontra numa mesma situação, seja social, cultural, econômica, religiosa. O movimento social é a possibilidade de se contribuir e consolidar a cidadania na sociedade contemporânea. Entretanto, é necessário alertá-lo que nem todo organismo coletivo, nem todo grupo e também nem todas as formas de protestos coletivos representam movimentos sociais. Muitas vezes, faz-se uma confusão entre estes (MS) e aqueles que aparecem como manifestações instantâneas e passageiras nas ruas, praças e noticiadas pelos meios de comunicação de massa. Essas podem até ter o germe do movimento e, a partir daí, desencadear o surgimento de organizações que darão uma continuidade à luta, fortalecendo-se enquanto grupo. O movimento social, no entanto, desencadeia um processo de consciência coletiva, de reconhecimento dos sujeitos e da luta em comum através de um processo de constituição das identidades. Uma característica importante dos MS apontada por Kärner (1987) é a presença de um processo constante de desalienação vivido pelos seus membros, ou seja, os participantes do MS aprendem a lutar na luta, planejam ações que são construídas coletivamente, politizam-se na experiência cotidiana da organização social. É uma especie de pedagogia vivida e aprendida no cotidiano, na presença, com a participação das pessoas no grupo, fortalecendo, assim, a coletividade.
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Acredito que seja preciso, caro estudante, explicar-lhe algumas questões importantes na análise e definição dos MS. É muito comum encontrarmos textos referindo-se ao mesmo assunto, porém com o uso de termos e conceitos diferentes. Em geral, você encontrará menções aos antigos movimentos sociais, movimentos sociais clássicos, movimentos ortodoxos, movimentos sociais tradicionais como referências aos movimentos sindicais dos séculos XIX e XX e aos partidos. Por outro lado, aparecem as expressões: novos movimentos sociais, movimentos heterodoxos, movimentos progressistas para aqueles nascidos por volta da década de 1960 aos dias atuais. No entanto, na atualidade, têm-se utilizado simplesmente movimentos sociais (MS) para esses antigos e novos, com exceção do partido, que é visto como uma instituição muito mais burocrática, hierárquica, formal e verticalizada que segue um formato bastante diverso dos MS. Segundo Scherer-Warren (1987, p. 36), os chamados novos movimentos sociais “estão construindo e desenvolvendo uma nova cultura política de base”, pois a democratização das relações e das decisões é essencial para a sobrevivência do próprio movimento. Assim, esses NMS surgem, sobretudo, a partir das críticas às práticas antidemocráticas e totalitárias dos movimentos que seguiam a ideologia marxista-leninista e até stalinista na luta pela superação do conflito entre o capital e o trabalho e pelo projeto de implantação de uma sociedade sem a divisão em classes. Em outra perspectiva, o sociólogo Alain Touraine (2008) afirma que para se compreender os movimentos sociais e sua dinâmica de organização, mais do que pensar em valores e crenças comuns para a ação social coletiva, seria fundamental considerar as estruturas sociais nas quais os movimentos surgem. Segundo esse autor, cada sociedade tem seu próprio contexto histórico, no qual está em jogo o conflito entre classes
conflito constitui a identidade dos atores, demarcando o opositor ou o adversário e a totalidade do movimento, o que inclui diferentes aspectos como o social, o cultural, o local e o global. Desse modo, Touraine (2008, p. 291) destaca o conflito como um dos princípios dos movimentos e revela que: [...] defino um movimento social como a combinação de um princípio de identidade, de um princípio de oposição e de um princípio de totalidade e, considerando mais amplamente, como um ator de um
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ainda que os agentes não sejam definidos, unicamente, pelas classes sociais. Assim, o
campo de ação histórica.
Então, por essa concepção, o conflito social é visto como unidade de orientações culturais e polarização de modelos sociais. Se não existem esses elementos, não há movimento social. Portanto, o MS comporta aspectos culturais, sociais e históricos e “pode-se dizer, em geral, que ele opõe classes ou forças sociais que são, em última análise, forças de classe para o controle de um sistema de ação histórica.” (TOURAINE, 2008, p. 293). Nesse sentido, os movimentos sociais expõem os conflitos postos pela estrutura social que produz as contradições entre as classes, sendo uma ferramenta fundamental para a ação com fins de intervenção e mudança da sociedade. Perceba, que nessa abordagem feita por Alain Touraine (2008, movimento social e classe social não são ações sociais coletivas diferentes e separadas. Pelo contrário, ________________________ são formas de atuação que convergem para os mesmos interesses, para a superação ________________________ dos antagonismos e contradições sociais, políticas, econômicas e outras. Para Maria da Glória Gohn (1995, p. 44), movimentos sociais: São ações coletivas de caráter sociopolítico, construídas por atores sociais pertencentes a diferentes classes e camadas sociais. Eles politizam suas demandas e criam um campo político de força social na sociedade civil.
Para entender essa definição, acredito que você precisa conhecer o conceito de sociedade civil. Este conceito foi desenvolvido por um sociólogo italiano chamado Antonio Gramsci (2000) para delimitar e caracterizar a atuação da sociedade organizada (sociedade civil) e a atuação do Estado (sociedade política). A sociedade civil, de forma mais generalizada, engloba tanto o Estado quanto as demais instituições civis, através de um mecanismo de hegemonia e contra-hegemonia. O Estado, enquanto instância da política e, portanto, de poder, faz uso de estratégias de hegemonia, obtendo, assim, o consenso da população sobre assuntos de seu interesse, através de instituições específicas da sociedade civil como a família, a escola, os partidos, etc. Já a sociedade civil propriamente dita, diz respeito à atuação política da população, à sua participação nos espaços públicos e nas decisões que afetarão a coletividade através de uma atuação dialética e de contra-hegemonia. Então, entre as instituições da sociedade civil que atuam contra-hegemonicamente, evidenciando os conflitos sociais e as lacunas deixadas pelo Estado, estão os movimentos sociais.
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Os movimentos sociais são importantes para a sociedade civil, enquanto meio de manifestação e reivindicação. Essas ações contribuem para que os diversos movimentos conquistem os seus direitos e aprofundem a democracia no mundo contemporâneo. São exemplos de movimentos sociais: o movimento negro, o movimento estudantil, o movimento sindical, o movimento dos trabalhadores rurais sem terra, os movimentos de mulheres e feministas, movimentos ambientalistas, pelos direitos civis, pelos direitos sexuais como a luta contra a homofobia, pelo respeito às manifestações religiosas ou contra a intolerância religiosa, movimentos dos sem teto, por moradia, entre outros. Segundo Ammann (2008, p. 22), o movimento social “representa a ação coletiva de caráter contestador, no âmbito das relações sociais, objetivando a transformação ou a preservação da ordem estabelecida”. Isso significa que a luta coletiva pode ser dirigida para a conservação do status quo, como são caracterizados os movimentos conservadores, mas, de um modo geral, os movimentos sociais têm a característica de serem progressistas, objetivando a mudança da ordem social, a busca pela superação dos problemas cotidianos e a reivindicação de direitos negados ou suprimidos. Observe que muitos desses movimentos sociais, que passam a ser chamados de Novos Movimentos Sociais (NMS), não têm em sua gênese, ou seja, em sua origem, a questão econômica em si ou os problemas do mundo do trabalho como causas geradoras de suas expressões. Portanto, não é exclusivamente a exploração econômica que faz surgir o NMS, mas diversas outras formas de opressão e alienação vividas nas relações sociais (KÄRNER, 1987). Nessa perspectiva, surgem movimentos em torno de
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diversas causas, reivindicando direitos de diferentes ordens, e o contexto da globalização, com a difusão de tantos veículos de comunicação, possibilita a socialização de preciosas informações para a luta coletiva, inclusive em âmbito internacional, como os movimentos contra a globalização ou antiglobalização. Destacando as mudanças na modernidade ou na sociedade dita pós-industrial, Manuel Castells (1999) entende que os movimentos sociais surgem no processo de globalização e na “Era da Informação” como os principais agentes que poderão promover a mudança social. Esses movimentos atuam em função das identidades construídas nas redes de comunicação, ganhando seguidores em todo o mundo. Exemplo desse tipo de movimento é o ativismo do Greenpeace, movimento ambientalista de forte atuação internacional e um dos movimentos antiglobalização. Veja, por exemplo, algumas campanhas feitas por essa organização internacional apelando para a preservação ambiental e chamando a atenção para os riscos ao planeta.
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Figura 1: Campanha do Greenpeace
Fonte: Nick J Webb http://www.flickr.com/photos/nickwebb/4004839306/
Figura 2: Slogan de campanha do Greenpeace
Fonte: DINOCOMM http://www.flickr.com/photos/dinocom/3197113005/
Figura 3: Ação do Greenpeace no Brasil
Fonte: Alex Carvalho http://farm9.staticflickr.com/8021/7345540700_ee9860207e_o.jpg
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Os movimentos sociais criaram, neste início de século XXI, um espaço amplo e universal para discutir questões locais e globais. Um desses espaços é o Fórum Social Mundial, que objetiva elaborar alternativas para uma transformação social de caráter planetário. O fórum cresce, a cada ano, e o primeiro encontro aconteceu em 2001 na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. A origem desse fórum foi o questionamento ao Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, que se realiza anualmente. Enquanto os grandes capitalistas se reúnem para discutir para onde o capital deve ir, quais movimentações financeiras são mais interessantes para a conjuntura atual, o Fórum Social Mundial reflete sobre as questões sociais, discute a educação, a saúde, as políticas culturais, a segurança pública, as ameaças planetárias e o desenvolvimento sustentável e ambiental, a paz, a luta contra o preconceito, pautando as demandas humanas. Outra maneira de atuar politicamente é através da constituição de redes de movimentos sociais, alinhando uma luta à outra e fazendo da internet uma grande ferramenta de comunicação e de articulação de diferentes movimentos sociais. Perceba, então, que os movimentos sociais estão criando formas mais atualizadas para manter a luta e validar suas reivindicações. Mas, para entender essas novas formas de expressão, proponho que voltemos à história dos movimentos sociais para que sejam melhor compreendidas as mudanças proporcionadas por esses movimentos.
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OS MOVIMENTOS SOCIAIS E SUA TRAJETÓRIA HISTÓRICA Os movimentos sociais podem ser compreendidos como uma trama dialética constituída de relações históricas que se estabelecem pelo confronto entre forças (alguns autores entendem como classes sociais) opostas. A história da humanidade tem, segundo Marx (1998) apresentado essa dualidade entre aqueles que têm o poder (a classe dominante) e aqueles que não têm o poder (a classe dominada). Os movimentos, de um modo geral, surgem a partir desse contraste entre mundos desiguais. A luta de classes preconizada por esse sociólogo é o elemento central para o aparecimento dos movimentos sociais, aqueles chamados de movimentos clássicos, sobretudo, no ocidente. Então, perceba que os movimentos sociais não são novos, apesar de atualmente ouvirmos falar muitas vezes de novos movimentos sociais. Essas diferenças entre antigos movimentos sociais, ou movimentos sociais clássicos e outros ortodoxos ou até mesmo libertários e os chamados novos movimentos sociais serão tratadas numa outra aula. Para o momento, vamos continuar refletindo sobre os movimentos sociais mais antigos, no contexto das sociedades modernas. Algumas mudanças foram essenciais para o desenvolvimento e o surgimento dos movimentos sociais como: o desenvolvimento científico e tecnológico, o surgimento de novos meios de comunicação conectando maior número de pessoas, o desenvolvimento nos transportes e das relações comerciais, o enfraquecimento das monarquias e o desenvolvimento do capitalismo com uma elite burguesa propensa a governar em nome do povo.
te para o surgimento dos movimentos sociais. As transformações econômicas, políticas e culturais que se aceleraram a partir dessa época, trouxeram problemas para a humanidade. O movimento dos intelectuais iluministas questionou os destinos do Estado, a necessidade do Estado laico, dissociando-o da Igreja e dos domínios da fé e propugnando a criação dos direitos do homem através do lema “liberté, igualité, fraternité. A Revolução Francesa e o movimento iluminista devolveram ao homem a sua razão e desencadearam uma série de reivindicações por direitos, como o foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos e posteriormente a Declaração dos Direitos Civis,
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O século XVIII constituiu-se de forma determinante como um marco importan-
bem como outros direitos sociais requeridos na contemporaneidade. Por outro lado, o trabalho assalariado nas fábricas fez surgir uma série de movimentos de trabalhadores que atravessaram diversas fases, como o Ludismo, o Cartismo, as Trade-Unions e a formação de sindicatos. Esses temas serão tratados com maior profundidade na aula 6.
Figura 4: “Tomada da Bastilha”
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Prise_de_la_Bastille.jpg
Gohn (1995) destaca que os movimentos sociais sempre existiram, pois eles representam forças sociais organizadas que aglutinam pessoas não como força-tarefa, mas como campo de atividade e de experimentação social e tais atividades são fontes de criatividade e inovações socioculturais. O surgimento dos movimentos sociais, para essa autora, contribui também para uma mudança na cultura da comunidade e faz surgir uma prática de lutas e de questionamentos que propõe mudanças na estrutura da sociedade. A partir dessas informações sobre a origem dos movimentos sociais apresentadas aqui, acredito que você esteja compreendendo que os movimentos sociais emergem, de forma decisiva, com a solidificação do capitalismo entre meados do século XVIII e início do século XIX. É no capitalismo, portanto, que as lutas sociais ganham força.
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84 Figura 5:” Ação sindical”
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:A_escobar_lucha_sindical.jpg?uselang=pt-br
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Figura 6: Dentro da fábrica - século XIX
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Factoria-rabasa.jpeg?uselang=pt-br
Uma observação é muito pertinente nessa discussão sobre os movimentos sociais. As ideias sobre a origem dos movimentos sociais remetem-se às mobilizações sindicais e ao próprio surgimento dos sindicatos, isto é, a concepção clássica de movimento social nos remete às lutas dos trabalhadores assalariados do século XIX e, portanto, à formação dos sindicatos. A teoria marxista que priorizava a análise do movimento social valorizando as categorias como estrutura social e luta de classes, exercerá influência predominante na formação desses movimentos, sobretudo, com
contra o capitalismo. Na obra, Marx e Engels (1998) defendem que a história de toda a sociedade até os nossos dias é a história da luta de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre e oficial, em suma, opressores e oprimidos sempre estiveram em constante oposição; empenhados em uma luta sem trégua, ora velada, ora aberta, luta que a cada etapa conduziu a uma transformação da sociedade ou ao aniquilamento de duas classes em confronto.
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a publicação do livro Manifesto Comunista, que propõe a unidade dos trabalhadores
(MARX; ENGELS, 1998, p. 40).
Entretanto, enquanto havia uma identidade de classe dos chamados antigos movimentos sociais, através das relações no mundo do trabalho, essa identidade deixa de ser o motor das ações coletivas mais contemporâneas e a classe operária deixa de ser o paradigma. Essas questões são interessantes para pensarmos a trajetória dos movimentos sociais nos séculos XX e XXI, sobretudo com a emergência dos regimes democráticos em diferentes países. Na atualidade, convivemos com “novos” e “tradicionais” movimentos sociais. Para Ricardo Antunes (2001, p.15), esses processos de mudanças que a sociedade contemporânea vem presenciando são profundas “tanto nas formas de materialidade quanto na esfera da subjetividade, dadas as complexas relações entre essas formas de ________________________ ser e existir da sociabilidade humana”. ________________________ Os movimentos sociais centrados numa identidade de classe e pautados nas ________________________
lutas sindicais convivem com os “novos” movimentos que reivindicam o respeito ao ________________________ meio ambiente, às mulheres, à homoafetividade, aos negros e negras, às tradições re- ________________________ ligiosas, sobretudo àquelas de matriz africana, entre outras demandas. Vivenciamos ________________________ diversas lutas, manisfestações, greves, atos e campanhas no mundo virtual e os mo- ________________________ vimentos sociais vão se reinventando e mesclando-se, de uma forma ricamente híbri- ________________________ da, às relaçoes entre o “clássico” (movimentos classistas de trabalhadores de fábrica e ________________________ sindicatos) e o “novo” (movimentos culturais, ambientais, de gênero, inclusive o novo ________________________ sindicalismo). Então, perceba que as transformações que aconteceram nas últimas décadas acabaram por influenciar mudanças teóricas e práticas nos movimentos sociais no mundo. Assim, este tópico apresentou um pouco da trajetória dos movimentos sociais e suas metamorfoses ao longo da sua história. As abordagens sobre os movimentos sociais são amplas e diversificadas. Não há uma teoria capaz de totalizar a análise sobre esses movimentos e várias abordagens buscam explicá-los no cenário contemporâneo, do século XXI. Muitos autores como Bauman (2005), Giddens (2002), Hall (1998), Lipovetsky (2007) chamam esse novo cenário de pós-moderno e é nele que essas novas expressões coletivas emergem.
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OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL Os movimentos sociais no Brasil podem ser vistos sob uma perspectiva ampla, pois suas origens históricas e características variam muito. No nosso país, desde o período colonial, já podemos falar em movimentos sociais. Entre esses movimentos que se configuraram como rebeliões e conspirações ao longo da nossa história, podemos citar: a Confederação dos Tamoios (1562), primeira rebelião de que se tem notícia. Os índios Tamoios, com o apoio francês, uniram-se contra os portugueses e o movimento foi pacificado pelos padres jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta. A Insurreição Pernambucana (1645), que foi uma luta da população nordestina contra o domínio holandês. O Quilombo de Palmares, uma tentativa de fundar uma república livre, sem escravidão, cujos líderes que se destacaram foram Zumbi e Ganga Zumba. Essa luta marca a comemoração, nos dias atuais, do dia da Consciência Negra, no 20 de Novembro. A Inconfidência Mineira (1789), foi uma luta que marcou o inconformismo dos mineiros, sobretudo, de membros da elite, com o peso dos impostos cobrados e a tentativa de consolidar uma república independente em Minas Gerais. Este movimento acaba com o enforcamento e o esquartejamento do líder popular conhecido como Tiradentes, em 21 de abril de 1792. A Conjuração Baiana (Conspiração dos Alfaiates ou Revolta dos Búzios) em 1798, que se posicionava a favor da república e contra a desigualdade social. Essa revolta teve uma participação popular muito interessante, pois, uniram-se ao levante os negros escravizados e os negros livres. A Revolta Malê em
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1823, insurreição organizada pelos negros mulçumanos na Bahia e que foi sufocada tão logo delatada aos senhores brancos da época. Portanto, o brasileiro, desde o Brasil Colônia, demonstra que tem uma história de contestação contra a ordem vigente e vários outros movimentos denunciavam a opressão vivida e as diferentes formas de desigualdade pelas quais passavam. Passando pelo período colonial e chegando à república, podemos perceber que o movimento social receberá contribuições do pensamento marxista e anarquista no final do século XIX e início do século XX, sobretudo, com a chegada dos estrangeiros que vieram para o país para trabalhar nas lavouras de café. Esses imigrantes eram, prioritariamente, italianos, alemães, japoneses, poloneses e acabam por organizar o movimento operário. Neste momento da nossa história, o movimento social está associado à concepção classista e os sindicatos e associações de trabalhadores são a representação do movimento social brasileiro. O movimento operário no Brasil é influenciado pelas idéias anarquistas trazidas pelos imigrantes europeus. Na luta pela emancipação, a classe operária começou a se organizar, os sindicatos surgiram nos primeiros anos do século XX. (MIRANDA; CASTILHIO; CARDOSO, 2009, p.181)
Os imigrantes engrossam as fileiras do trabalho das primeiras indústrias brasileiras. No século XX, trazem da Europa as ideias e as teorias do socialismo científico e do anarquismo e impulsionam as lutas do operariado brasileiro que se concentravam em torno das reivindações por melhorias e regularização do trabalho. É o período de eclosão das greves operárias que serão contidas mais adiante no governo de Getúlio
cido como getulista é promulgada a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), regulamentando o trabalho assalariado e contraditoriamente, desmobilizando a classe operária e os sindicatos.
Figura 7: A Carteira de Trabalho conforme a CLT
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Vargas, através de acordos e cooptação de lideranças sindicais. Nesse período conhe-
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Carteira_de_trabalho_de_2003.jpg
Nesse momento, parte do movimento social estava atrelado ao governo e essa configuração da ação política sofrerá mudanças a partir da década de 1960, quando ressurgem movimentos mais autônomos, reivindicativos e de oposição ao Estado. Nesse período, a sociedade brasileira foi impedida de se manisfestar politicamente e o lema do governo militar muito conhecido da época era: “Brasil, ame-o ou deixe-o”, levando muitos artistas, intelectuais, estudantes e militantes ao exílio nos países da Europa. Esse contexto de fragilização das organizações classistas gerou a eclosão de movimentos que se organizaram não mais em torno da relação direta com as classes, mas a partir de outros referenciais como a questão da terra, do bairro e da moradia, da reforma agrária e urbana, da etnia, da religião, do gênero, da região, da sexualidade etc. Esses NMS focaram nas questões identitárias, culturais e de direitos sociais (GOHN, 2012). Esses movimentos que se constituem enquanto manifestações autônomas, aparecem com um caráter contestador, de protesto e reivindicativo. Passam a contestar as relações de dominação, a opressão e a exploração vividas em diferentes instâncias, sejam nas relações com o Estado, entre homens e mulheres no modelo patriarcal, pelos negros em relação aos brancos e, também, a partir dos conflitos entre o capital e o trabalho. O final dos anos de 1970 marca o reaparecimento do movimento operário, com as greves no complexo de indústrias chamado de ABC Paulista, em 1978. É o momento de reorganização dos trabalhadores e sindicatos, através das centrais sindicais como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Central Geral dos Trabalhadores (CGT) e da
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articulação com partidos políticos, principalmente os de esquerda.
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Figura 8: Lula como deputado federal
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Dep._lula.jpg
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Nos anos de 1980, começa o processo de transição democrática e a Constituição de 1988 será o grande ícone das conquistas desses movimentos. Nesse momento, a autonomia buscada pelos MS coloca-os no lugar de opositores ao Estado e portavozes de reivindicações como cidadãos e sujeitos de direitos. Nesse contexto favorável, surgem novos movimentos centrados em questões éticas ou de valorização da vida, movimentos que discutem as políticas de segurança pública, os escândalos políticos, clientelismo e corrupção, entre outras lutas contemporâneas. O Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), o Movimento dos Aposentados, dos Negros e dos Povos Indígenas, dos Homossexuais, Feministas, Ecológicos, configuram a nova geração dos movimentos sociais. O Partido dos Trabalhadores e o saudoso sociólogo Herbert de Souza (O Betinho) são personagens importantes desse momento do Brasil.
Figura 9: Manifestação pelo Impeachment de Collor
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Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cara_pintadas.jpg
A década de 90 desponta com novos temas trazidos pelos MS e, entre eles, as palavras de ordem passam a ser protagonismo, participação cidadã, responsabilidade, entre outros. O terceito setor, sobretudo, as Organizações Não Governamentais (ONGs) passam a ter maior visibilidade, ofuscando assim as lutas dos MS. Inclusive, há um grande debate sobre o desaparecimento ou o enfraquecimento dos movimentos sociais nessa nova conjuntura política de expansão das atividades do chamado terceiro setor e entre essas ações, a atuação das ONGs. No entanto, Maria da Glória Gohn (2003) afirma que os MS não perderam força, mas deixaram de ser movimentos de massa, de grandes protestos nas ruas e se tornaram mais propositivos, abrindo mais espaços para o diálogo e parceria com os poderes públicos na formulação de políticas sociais para diferentes segmentos. Segundo Duhram (2004), esses MS ocupam espaços diferentes dos movimentos sindicais e partidários e se manifestam de maneiras específicas, singulares. São coletivos que são definidos a partir de carências comuns e estas aparecem de diferentes modos, tipos, níveis. Para a autora, [...] devemos evitar a noção de que os movimentos sociais são formas inferiores de mobilização, que devem evoluir para formas mais plenas e satisfatórias de ação política: a partidária e a sindical. (DURHAM, 2004, p. 284)
Portanto, essas considerações mostram que os NMS não substituiram, necessariamente, nem muito menos empobreceram as lutas desencadeadas pelos movimentos ditos clássicos. Nesse contexto, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) impulsionaram os movimentos populares de bairro e fizeram surgir os movimentos por moradia e pela terra, além de outros; os movimentos feministas vêm lutando contra a violência que atinge
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as mulheres, além de denunciar as desigualdades salariais entre homens e mulheres no mercado de trabalho; os movimentos étnicos-raciais têm formulado propostas de ações afirmativas para a inclusão da população negra e indígena, sobretudo, no ensino superior público e os Movimentos dos Trabalhadores Sem-Terra continuam as marchas e lutas por reforma agrária no país. Alguns desses movimentos sociais apresentam maior homogeneidade em termos de classe social como os Sem-Terra e outros são mais heterogêneos como os populares de bairro, das mulheres etc. Além disso, muitos dos MS não lutam pelo poder, mas pelas transformações nas relações sociais e econômicas, pela conquista de direitos e por uma vida mais digna. A maioria dos participantes do Movimento dos Sem-Teto, por exemplo, são trabalhadores que não têm habitação própria e o mínimo que recebem como renda não dá para pagar um aluguel. Também não querem morar na periferia, pois o pouco que têm não é suficiente para cobrir os gastos com transporte até seus postos de trabalho. Há, entre os sem-teto, trabalhadores que ganham, no máximo, um salário mínimo e muitos desempregados. O início do século XXI aponta para novas configurações dos MS com o advento das tecnologias que facilitaram as comunicações para além dos espaços territoriais, possibilitando a formação de redes de movimentos. Segundo Gohn (2012), aparecem mudanças importantes nas explicações contemporâneas sobre os MS.
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Neste novo século a preocupação com as redes sociais e digitais leva às abordagens que as tomam como processos em andamento e busca construir metodologias para captar as conexões entre o global e o local, suas interações cognitivas a partir de rastros dados pela comunicação e mídias digitais. (GOHN, 2012, p. 25).
Portanto, o debate atual sobre os MS ainda está aberto, em processo, o que parece caracterizar mesmo esse momento de transição, de mudanças de paradigmas e a busca por horizontes mais claros sobre a dinâmica das lutas coletivas na contemporaneidade. Esse é, também, o cenário mais atual dos movimentos sociais no Brasil. Sabemos que no país existem diferenças profundas, não obstante os muitos movimentos sociais continuarem lutando para a construção de uma sociedade melhor. “A luta não acabou e nem acabará, só quando a liberdade raiar”, canta o regueiro/pensador Edson Gomes.
SÍNTESE A presente aula discute os conceitos de movimento social e suas implicações teóricas e práticas. Aborda a trajetória histórica dos movimentos sociais, levando em consideração seus contextos específicos e seus tipos de formações, pois temos na contemporaneidade um cenário que congrega “Antigos” e “Novos” Movimentos Sociais.
sociedade brasileira, considerando a importância da luta e da organização popular ao longo dos períodos da história do país. O texto procura mostrar ainda que, desde a década de 1960, quando surgem novos movimentos com demandas não unicamente trabalhistas e “políticas” que se instala a discussão no Brasil sobre o poder político e o alcance dos chamados Novos Movimentos Sociais. Dessa maneira, ainda que surjam diferentes conceitos para a definição de MS, praticamente todos os autores destacam seu caráter coletivista, demo-
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Uma outra questão discutida em nossa aula é a análise dos movimentos sociais na
crático, contestador e suas várias maneiras de constituição de espaços de participação cidadã.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Como você percebe os principais momentos históricos e as demandas que marcam a trajetória dos movimentos sociais frente às mudanças que vêm ocorrendo nas diferentes sociedades? Diante dessas transformações, quais características fundamentais você poderia identificar como elementos que podem favorecer a definição desses movimentos?
LEITURAS INDICADAS BOBBIO, Norberto. O conceito de sociedade civil. Rio de Janeiro: Graal, 1982.
EUZENEIA, Carlos. Contribuições da análise de redes sociais à teorias de movimentos sociais. Rev. Sociol. Pol. [online]. v. 19, n. 39. 2011.
GADEA, Carlos A.; SCHERER-WARREN, Ilse. A contribuição de Alain Touraine para o debate sobre sujeito e democracia latino-americanos. Rev. Sociol. Pol. [online]. n. 25, 2005.
GOHN, M.G. História dos movimentos e lutas sociais: a construção da cidadania dos brasileiros. São Paulo: Loyola, 1995.
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MONTAÑO, Carlos. DURIGUETTO, Maria Lúcia. Estado, classe e movimento social. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2011. (Biblioteca Básica de Serviço Social)
PICOLOTTO, Everton Lazzaretti. Movimentos sociais: abordagens clássicas e contemporâneas. CSOnline: Revista Eletrônica de Ciências Sociais. ano 1, edição 2, nov. 2007.
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SITES INDICADOS Entrevista com Alain Touraine. https://www.youtube.com/watch?v=03cO0rfptwI Mesa Redonda: A economia política do pós-liberalismo. https://www.youtube.com/ watch?v=aWxXWo01QB8 Minissérie: Anarquistas, graças a Deus. https://www.youtube.com/ watch?v=uQpU5VLj1yA Lula, o filho do Brasil https://www.youtube.com/watch?v=doOnpEUYZIg Filme Gaijin. https://www.youtube.com/watch?v=Alqm-GXXvec
REFERÊNCIAS
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DO DO TRABALHO E O “NOVO” SINDICALISMO Autora: Jucélia Santos Bispo Ribeiro
“O conflito social moderno refere-se aos direitos de cidadania para todos, num mundo de escolhas ricas e variadas. Ele se funda nas divisões sociais, é levado a cabo na arena política e se desdobra
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AULA 06 - MOVIMENTOS SINDICAIS, O MUN-
numa multiplicidade de caminhos que dependem de condições culturais e situações históricas específicas”
(RALPH DAHRENDORF, 1966)
Prezado (a) estudante,
Vimos, nas aulas anteriores, especificamente nas Aulas 1 e 2, que as classes sociais estão presentes na estrutura social de diferentes sociedades, expressando os antagonismos e as desigualdades vividas pelos grupos sociais em diferentes épocas. No caso do modo de produção capitalista, as classes sociais surgem como uma forma de ________________________ enfrentamento dessas relações de exploração e opressão que se configuram como um ________________________ instrumento encontrado pelo trabalhador para lutar pelos seus direitos, pela reivindi- ________________________ cação de leis que normatizem as relações trabalhistas, sobretudo as questões salariais ________________________ e até mesmo possibilitem combater o poder e a dominação pelo capital. As primeiras iniciativas, em termos de composição de classe para combater as desigualdades do capitalismo, foram vistas a partir da formação de associações operárias ao longo do século XIX que configuraram as lutas operárias e a constituição posterior dos sindicatos dos trabalhadores, sendo estas as modalidades clássicas dos movimentos sociais ou dos chamados antigos movimentos sociais. Com as crises enfrentadas pelo modo de produção capitalista, as relações de trabalho têm se reconfigurado, dando margem aos movimentos cíclicos de intensificação e de redução das lutas de classe. A oscilação desses movimentos classistas tem resultado, consequentemente, no surgimento de novas modalidades de atuação, agora não mais somente dos trabalhadores, mas dos diferentes segmentos que sofrem algum tipo de exclusão socioeconômica, em meio às relações de produção e reprodução da vida, os chamados novos movimentos sociais. Então, nesta aula, espera-se que você compreenda as características básicas que marcam as diferenças entre os antigos e os novos movimentos sociais, de modo a entender o percurso histórico da atuação coletiva e política dos trabalhadores e a crise vivida por esses movimentos na sociedade contemporânea.
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96 ANTIGOS E NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS Para falarmos dos movimentos sindicais ou das lutas dos trabalhadores em torno das demandas do trabalho, faz-se necessária uma retomada histórica da trajetória do capitalismo e de seus conflitos ao longo do século XIX. Neste período, já decorrida a Revolução Industrial e consolidado o capitalismo como economia monopolista, temse uma conjuntura nada favorável às condições de trabalho do trabalhador operário. Os trabalhos nas indústrias e fábricas vão significar altíssimas jornadas de trabalho e salários muito aquém do socialmente necessário para cobrir as demandas básicas de sobrevivência dos trabalhadores. Conforme Friedrich Engels (2008), as condições de trabalho e vida da classe trabalhadora na Inglaterra, por exemplo, eram degradantes. As cidades industriais, para onde chegavam cada vez mais operários, cresciam vertiginosamente com um amontoado de proletários emigrados de várias partes da Inglaterra e da Europa, provocando inchaço populacional, mendicância e também desemprego. Inicialmente, os trabalhadores eram proibidos de formar associações em torno do trabalho e muitas entidades foram perseguidas, além de trabalhadores punidos por suas iniciativas de organização enquanto classe. Entre as várias conquistas desses
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operários, destaca-se a liberdade de associação, possibilitando maiores oportunidades para a luta coletiva. Ao longo dessa primeira metade do século XIX, têm-se organizado os movimentos dos operários das minas de carvão, das indústrias e fabris, os quais identificam na burguesia a razão de sua opressão e exploração. Assim, “o operário compreende, a cada instante, que o burguês o trata como uma coisa, como propriedade sua e já essa razão basta para que ele assuma uma posição hostil à burguesia” (ENGELS, 2008, p. 247). Então, percebe-se que o movimento do operariado estava atrelado ao surgimento e ao desenvolvimento da indústria e às revoltas contra a burguesia industrial da época, sobretudo a partir do momento em que as máquinas são introduzidas nas fábricas. A classe dos operários deu início à sua oposição à burguesia quando se rebelou violentamente contra a introdução das máquinas, nos primeiros passos do movimento industrial. Assim, os primeiros inventores - Arkwright e outros - foram perseguidos e suas máquinas destruídas; mais tarde eclodiu uma série de revoltas contra as máquinas, numa sequência similar às agitações dos estampadores da Boêmia em junho de 1844: fábricas foram demolidas e máquinas foram feitas em pedaços. (ENGELS, 2008, p. 249)
Com o desenvolvimento contínuo do capitalismo monopolista e a paulatina mecanização dos processos de produção, os trabalhadores vão percebendo, cada vez mais, as condições desiguais nas quais se encontram e organizam novas frentes de
lhadores nessas situações de greve, os boicotes e ações mais hostis e violentas como os danos às fábricas, através de incêndios, por exemplo. Veja, a seguir, uma imagem de um movimento de operários chamado Ludismo. Figura 1 - “Desenho de dois ludistas destruindo uma máquina de tear em 1812”
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:FrameBreaking-1812.jpg
Muitos desses movimentos deram origem aos partidos operários que se constituíram na chamada democracia liberal burguesa e que passaram a atuar muito mais no parlamento, através do duelo político contra o poder da burguesia. Nessa trajetória de lutas, muitas conquistas foram alcançadas e houve também vários retrocessos e perdas para os trabalhadores, que, muitas vezes, se associaram à própria burguesia para obterem alguma vantagem coletiva, outras vezes fragmentando-se na luta originando as frações operárias ou frações de classe. Esses primeiros movimentos operários, ou da classe trabalhadora, recebem nomes diferentes ao longo do século XIX, sendo conhecidos, inicialmente, como ludistas, depois cartistas, socialistas, anarquistas e as trade-unions, estas dando origem ao que se conhece como sindicatos. Caracterizados como movimentos de esquerda, anarquistas e socialistas vão combater o capitalismo como um modo de produção que explora e torna desumanas as relações de trabalho, criticando a incompatibilidade entre o capital, o lucro e o trabalho. Portanto, os movimentos sindical e partidário, apoiados nas premissas da teoria marxista, vão lutar contra a sociedade capitalista, almejando sua transformação e com o projeto de uma nova sociedade mais igualitária. No Brasil, eclodem algumas greves isoladas de categorias trabalhistas específi-
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batalha como as greves, os fundos ou caixas para suprir as necessidades desses traba-
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cas no fim do século XIX, mas é no início do século XX, com a industrialização do país e com a vinda dos imigrantes, que essas lutas vão se intensificar, sobretudo com a experiência anarquista e sindical dos trabalhadores italianos. A partir daí, os movimentos de base anarquista e socialista vão influenciar os demais movimentos dos trabalhadores no Brasil. As pressões da classe trabalhadora aumentam entre o fim do século XIX e o início do século XX, com as reivindicações pela redução na jornada de trabalho, necessidade de novos direitos trabalhistas e as críticas ferrenhas às políticas e economia de cunho liberal que não contemplavam melhorias para esses proletários. Essas pressões colocam em crise a economia liberal, que passa a atender a algumas demandas dos trabalhadores. A mobilização e a organização da classe trabalhadora foram determinantes para a mudança da natureza do Estado liberal no final do século XIX e início do século XX. Pautada na luta pela emancipação humana, na socialização da riqueza e na instituição de uma sociabilidade não capitalista, a classe trabalhadora conseguiu assegurar importantes conquistas na dimensão dos direitos políticos, como o direito de voto, de organização em sindicatos e partidos, de livre expressão e manifestação (BARBALET, 1989, apud BEHRING, BOSCHETTI, 2006, p. 63-64)
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Essas conquistas foram significativas para fortalecer a luta da classe trabalhadora, porém, contraditoriamente, as reformas liberais desencadeadas no Welfare State com a política keynesiana, a política de seguros para os trabalhadores assalariados e o modelo fordista de produção tiveram uma repercussão negativa nos trabalhadores no sentido do enfraquecimento da luta de classe, já que o pleno emprego, o consumo em massa e os altos salários implicaram numa atuação mais tímida dos operários e sindicatos. No entanto, para autoras como Behring e Boschetti (2006), [...] a generalização dos direitos políticos é resultado da luta da classe trabalhadora e, se não conseguiu instituir uma nova ordem social, contribuiu significativamente para ampliar os direitos sociais, para tencionar, questionar e mudar o papel do Estado no âmbito do capitalismo a partir do século XIX e início do século XX. (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 64)
Para você ter uma ideia, o período considerado como os anos dourados do capitalismo, o pós-crise de 1929 e o pós II Guerra no contexto brasileiro, significaram a criação de caixas de seguros organizadas pelos trabalhadores em parcerias com empresas capitalistas, originando as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs), depois os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) durante o Governo Getulista. Essa política de seguros só cobria algumas categorias trabalhistas, deixando de fora vários trabalhadores e só lentamente outros segmentos de assalariados foram sendo incluídos, a exemplo dos trabalhadores rurais. Outro fenômeno que representou uma conquista da classe trabalhadora, mas que, por outro lado, também esvaziou a luta no enfrenta-
da, trouxe uma espécie de contentamento dos trabalhadores e o enfraquecimento da atuação sindical, época em que as diretorias sindicais eram cooptadas através do chamado peleguismo nessas organizações e do populismo da era Vargas. É a fase de um sindicalismo de Estado, corporativista e com viés antidemocrático (ANDRADE, 2007). Durante quase toda a primeira metade do século XX se teve, no âmbito do território europeu, e também no Brasil, a presença de organizações sindicais de caráter corporativo, quando havia uma certa afinidade entre a luta dos trabalhadores assa-
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mento do capital, foi a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que, ao ser promulga-
lariados e as ações do Estado e das empresas capitalistas. Nessa época, procurava-se regular o trabalho a partir de negociações através de acordos, muitas vezes, realizados entre dirigentes sindicais, patrões, e empresários. Então, de certa forma, os interesses dos capitalistas eram preservados e os interesses das lideranças também eram contemplados ou negociados, implicando em um esmorecimento da luta libertária e de combate à exploração e transformação do conflito entre o capital e o trabalho. A Figura 4 representa bem esse tipo de sindicalismo, quando a própria organização apelava para a consolidação da ideia de “operário padrão”, do trabalhador disciplinado.
Figura 2: Revolução de 1930 ou golpe dado por Getúlio Vargas
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Revolu%C3%A7%C3%A3o_de_1930.jpg
Para você entender como o corporativismo era uma das marcas do sindicalismo, havendo características comuns entre os dois, segue uma definição apropriada: O corporativismo é uma forma de organização de interesses e, sobretudo, uma forma de intermediação de interesses com características muito determinadas. Implica o monopólio da representação, ou seja, unicidade sindical, uma estrutura vertical e hierarquizada com tendência a organizações de cúpulas centralizadas, e formas de participação quase compulsórias, com alto grau de controle das cúpulas sobre as bases organizadas. (ALMEIDA, 2004, p. 53)
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Essas eram as características que cercavam as organizações sindicais que carregavam em si a noção de que era necessária a condução do movimento por uma elite de trabalhadores pensantes, dirigentes muito mais politizados que seus liderados e que teriam condição de fazer a representação coletiva legitimamente respaldada por sua base. Então, até a primeira metade do século XX, o que se entendia por movimento social eram os movimentos operários, a organização e as lutas dos trabalhadores organizados, muitas vezes, em sindicatos. No entanto, parece haver uma compreensão, por parte dos novos movimentos sociais, de que o crescimento econômico nas sociedades contemporâneas não implicou na eliminação da pobreza, na resolução de problemas básicos para assegurar a dignidade na vida das pessoas em comunidade e na promoção da justiça social. Além disso, os movimentos centrados nas demandas do trabalho não conseguiram extrapolar a luta para além da relação trabalho e capital, restringindo suas ações às reivindicações pelo direito do trabalho, pelas garantias trabalhistas, pelas questões salariais e deixando de lado uma parcela significativa da população que se encontra marginalizada em relação às dificuldades de inserção no trabalho, estando desempregada, na informalidade ou no trabalho precarizado e destituída de assistência básica e de direitos sociais e civis. Por outro lado, a partir dos anos de 1960 e 1970, as explicações marxistas, para os conflitos sociais de classe, não foram suficientes para dar conta dos anseios da po-
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pulação em relação à luta por igualdade, respeito, reconhecimento, cidadania, por demandas para cobrir necessidades básicas, sociais e também simbólicas ou culturais. A luta de classes deu espaço, também, à luta por direitos. A classe social é então repensada em seu papel de única via da transformação da realidade socioeconômica, quer pelo sindicato, quer pelo partido, ora se afastando das lutas sindicais e partidárias, ora se associando a essas. Os novos movimentos sociais, sem perder a dimensão de classe, vão centrar seus interesses nas demandas do cotidiano, nos direitos sociais e políticos, nas questões que envolvem cidadania, igualdade, justiça e equidade social. Segundo Dahrendorf (1992), [...]. Uma vez que a esmagadora maioria das pessoas dos países das sociedades da OCDE tornaram-se cidadãos no sentido pleno da palavra, as desigualdades sociais e as diferenças políticas assumiram uma nova compleição. As pessoas não precisam mais juntar forças com outras na mesma posição para lutar por direitos básicos. Elas podem fazer progredir suas chances de vida através do esforço individual, de um lado, e através da representação de grupos de interesse constituídos mas fragmentados, do outro. Não somente as velhas aflições de classe retrocederam, mas novas formas de lealdade emergiram e incluem dois terços, se não quatro quintos ou mais, dos membros da sociedade. [...]. A nova classe é a classe dos cidadãos, se o paradoxo for permissível, ou, de qualquer modo, a classe da maioria. (DAHRENDORF, 1992, p. 122)
Esse autor pontua que houve uma substituição da luta de classe pela luta por cidadania, através de novos agentes sociais. Por conseguinte, as lutas revolucionárias
mais calmos”, através de movimentos democráticos e institucionalizados cujas aspirações não implicam em mudanças radicais ou fundamentais do sistema ou modo de produção. Esse é um ponto bastante polêmico sobre a atuação dos novos movimentos sociais, pois muitos autores entendem que esses novos agentes de luta coletiva não fazem uso de estratégias de enfrentamento ao capitalismo e às forças de opressão contra esses sujeitos coletivos.
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propugnadas pelas classes sociais resultaram nas sociedade modernas, em “conflitos
Além do mais, os conflitos sociais continuam acirrados, porém, as políticas neoliberais e a economia de mercado têm esfacelado as relações no mundo do trabalho, esvaziando o debate político e, consequentemente, fragmentando as lutas dos trabalhadores. De outro modo, opondo-se à ideia do fim das classes sociais e da sua substituição pelos movimentos sociais, Ricardo Antunes (2008, p. 63) entende que o mundo do trabalho passou por metamorfoses, impactando diretamente “na forma de ser da classe trabalhadora, tornando-a mais heterogênea, fragmentada e complexificada”. Essas mudanças têm dificultado a atuação do movimento dos trabalhadores, evidenciando, assim, uma crise no sindicalismo moderno. Indo além da perspectiva marxista sobre a organização da classe trabalhadora e tomando como exemplo o movimento popular de bairro como um movimento também de classe social, há quem considere que a consciência e a luta de classe não se restringem ao partido e ao sindicato, estando presentes, também, na atuação de alguns dos chamados novos movimentos sociais. Ora, a consciência de classe não é algo que possa operar unicamente no âmbito do trabalho, nem prerrogativa exclusiva do Movimento Sindical. Os operários da fábrica, sendo ao mesmo tempo moradores, partilham problemas comuns a outros trabalhadores de frações de classes também exploradas, em torno dos quais se organizam na esfera do bairro. [...] Enquanto o Movimento Sindical tem representado prioritariamente a luta por salários para repor a força de trabalho, o Movimento Popular de Bairro passa pela outra vertente de um mesmo processo: não sendo suficientes os salários, é imprescindível continuar lutando, para além da fábrica, junto com aqueles também atingidos pela exclusão político-econômica e pela espoliação urbana (AMMANN, 2008, p. 63).
Uma questão ainda não totalmente consensual, mas presente em vários autores é a percepção de que os novos movimentos sociais apresentam uma heterogeneidade em termos de constituição de classes, já que eles podem comportar em seu seio indivíduos das classes populares, além de frações da classe média e da pequena burguesia, bem como a classe trabalhadora assalariada e vários segmentos do chamado lumpemproletariado. (CARDOSO, 2006; DURHAM, 2004; GOHN, 1995; AMMANN, 2008). Um exemplo dessa presença da classe social no movimento social ou mesmo dessa coatuação, enquanto classe e enquanto movimento, é ressaltado por Ammann
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(2008):
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No caso concreto dos Movimentos Populares de Bairro, parece perigoso e incorreto descolar sua luta do movimento mais geral das classes sociais. A história dos movimentos sociais na América Latina nos ensina que em inúmeros casos as organizações de moradores urbanos se converteram em vigorosos coadjuvantes das lutas proletárias ou de movimentos de libertação nacional. (AMMANN, 2008, p. 61)
Essa autora ilustra essa citação destacando a revolução que aconteceu na Nicarágua, quando o movimento sandinista juntou vários segmentos da sociedade, articulou vários grupos em torno de seus objetivos e programas “como indígenas, camponeses, operários, estudantes” etc. que atuaram como “co-autores da revolução”. (AMMANN, 2008, p. 61). Portanto, desconstruindo a ideia de que os movimentos sociais têm menos peso e força política que as organizações classistas, Durham (2004) destaca que o partido e o sindicato não representam, necessariamente, a atuação política superior, melhor e mais coerente que os movimentos sociais.
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Os movimentos sociais, portanto, seriam novos agentes coletivos, não necessariamente substitutos dos movimentos clássicos ou sindicais, mas dos novos portadores das reivindicações coletivas e das expressões da luta de classe social.
O NOVO SINDICALISMO COMO MOVIMENTO SOCIAL Acredito que você possa estar se perguntando: mas por que novos movimentos sociais? Por que não, simplesmente, movimentos sociais? O que mudou para que os movimentos se tornassem “novos”? Bem, imagino que, com o paulatino acompanhamento de cada uma dessas aulas, você já tenha percebido que o modelo clássico de movimento operário entrou em crise com o advento, também, das crises capitalistas, dos programas reformistas do Estado e com a reestruturação nas relações de trabalho. E junto com essas transformações, o marxismo também não passou imune à crise de referência sentida pelos movimentos “ortodoxos”. Enquanto os antigos movimentos sociais, em especial muitos movimentos sindicais, seguiam uma cartilha marxista, de base revolucionária, respaldada no centralismo autoritário leninista1, a classe trabalhadora, em sua base, vinha ganhando desconfianças para com seus dirigentes sindicais, questionando a condução da luta dos trabalhadores. Nesse contexto, os sindicatos são marcados pela centralização e burocracia e um progressivo distanciamento entre os anseios dos trabalhadores e as decisões das lideranças, o que resultou num crescente movimento de esvaziamento dessas organizações.
1 em 1902.
Para entender um pouco das ideias de Vladimir L. Lênin, ideólogo da Revolução Russa de 1917, ler a obra: “Quer fazer?”, publicada
uma crise de legitimidade frente aos trabalhadores filiados à instituição. Desconfiavase da representatividade dos que estavam à frente do movimento, pois os interesses desses já não se coadunavam com os interesses da grande coletividade. Segundo Ricardo Antunes (2008), essa situação de conflito representa a chamada “crise contemporânea dos sindicatos”, pois estes passaram a conviver com a redução contínua nas taxas de filiação, e enfrentaram o fenômeno do desfiliamento de vários trabalhadores desencantados com suas entidades sindicais. Entretanto, em
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De um modo geral, as entidades sindicais e seus dirigentes passaram a viver
momentos diversos dessa nova fase sindical, vão aparecer fluxos alternados de taxas de sindicalização, ora diminuindo, ora aumentando o número de filiados. Com essa crise sindical, aparecem novas possibilidades de organização dos trabalhadores e, a partir daí, emergem os chamados Novos Movimentos Sociais, reivindicando vários outros direitos. Concomitantemente, a abordagem marxista ortodoxa sofre muitas críticas por sua leitura estrutural na determinação da práxis social, cedendo lugar ao surgimento dos neomarxistas, que interpretam os novos sujeitos coletivos na dinâmica da autonomia de suas ações (GOHN, 1995; SCHERRER-WARREN, 1987; PICOLOTTO, 2007). Essa discussão sobre as características dos novos movimentos sociais e a busca por direitos voltarão a ser trabalhadas na Aula 7. O viés antidemocrático do sindicalismo, combinado com as críticas dirigidas à concepção marxista-leninista da luta de classes e à ideologia ortodoxa de esquerda, além das mudanças no mundo do trabalho com a reestruturação produtiva deram ________________________ vasão ao aprofundamento da crise do sindicalismo. No campo das mudanças econô- ________________________ micas, essa reestruturação das relações de trabalho e a flexibilização da produção re- ________________________ percutiram na classe proletária, fragmentando os trabalhadores e impactando na sua ________________________ organização. Isso implicou na quebra da homogeneidade dos operários, aumentando ________________________ significativamente o número de trabalhadores terceirizados e o crescimento de assa- ________________________ lariados nos setores de prestação de serviços e o consequente enfraquecimento dos ________________________ sindicatos. (ALMEIDA, 2004; ANTUNES, 2008) Ainda que não tenha passado essa crise do sindicalismo e ela se estenda até os dias atuais, por volta dos anos de 1980, e especialmente no Brasil, com o processo de redemocratização do país, emerge o debate em torno do possível surgimento do chamado novo sindicalismo. No contexto de transição democrática, e já mesmo na democracia, esse sindicalismo ressurge com as críticas ao modelo dos antigos sindicatos corporativos, apoiado na maior participação da classe operária e sob a influência dos partidos de esquerda. Portanto, entre o final da década de 1970 e durante os anos 80 há uma tentativa de renovação no sindicalismo, mas há quem faça a crítica de que essas novas entidades não se renovaram em sua totalidade, mesmo no contexto das democracias contemporâneas. Nos períodos democráticos, as organizações corporativistas constituíram canais de acesso privilegiado das lideranças sindicais às agências estatais; deixavam de ser um mecanismo de controle e passavam a ser, dada sua intimidade com os órgãos governamentais, canais privilegiados de pressão. (ALMEIDA, 2004, p. 55)
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104 Na contemporaneidade, muitos sindicatos têm procurado mudar essa característica de entidade corporativa e estão em busca de maior autonomia e participação democrática. Um dos movimentos de grande repercussão nacional, que extrapolou a luta por salários e pelas questões trabalhistas, reivindicando democracia e liberdade política, foi a atuação dos trabalhadores do complexo de indústrias de São Paulo, o conhecido ABC paulista, no final da década de 1970. As greves do ABC reuniam trabalhadores de várias indústrias que pediam também eleições diretas para a presidência da república, tendo Luís Inácio Lula da Silva, o Lula, como o seu grande líder e representante. Esse movimento aglutinou as ações de vários sindicatos, da sociedade civil, da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e de partidos políticos como o Partido dos Trabalhadores (PT).
Figura 3: Manifestações sindicais nas ruas
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Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Trade_union_demonstration_in_Brasilia.jpg
A década de 80 foi marcada por movimentos grevistas, pela anistia política e pela abertura democrática. O ano de 1985, por exemplo, foi marcado por uma grande greve geral dos trabalhadores das indústrias petroquímicas do polo de Camaçari, na Bahia. Como resultado, muitos operários foram demitidos e perseguidos, mas a greve representou a força da organização sindical naquele momento.
leiros iniciaram uma longa greve de mais de 30 dias, combatendo a política neoliberal de privatizações, sobretudo marcando oposição às intenções do governo de privatizar a Petrobrás.
Figura 4: Informativo sobre greve
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Também em 1995, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, os petro-
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Grevesitraemg.jpg?uselang=pt-br
Frente a essa nova realidade, surge uma pluralidade de sindicatos e pouco se vê de unicidade sindical, ainda que tenham surgido as centrais sindicais como a Central
Única dos Trabalhadores (CUT), a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), a Força ________________________ Sindical, entre outras. Por outro lado, surgem sindicatos com mais autonomia frente ao ________________________ Estado e de base mais democrática nas relações internas à própria associação. Entre essa diversidade de sindicatos, muito mais setorizados, são percebidas suas representações por categorias, como metalúrgicos, petroleiros, petroquímicos, bancários, rodoviários, etc. Vê-se que ainda há uma fragmentação no processo de sindicalização no Brasil e as centrais sindicais não conseguem ainda aglutinar os interesses comuns desses vários setores. Os interesses setoriais estão, assim, longe da homogeneização dos interesses de classe, da classe trabalhadora simplesmente. Essa dificuldade de unicidade sindical e de uma consciência de classe mais ampla permanece na atualidade, mesmo após a ascensão de Lula ao poder como grande liderança reconhecida no meio sindical. Com o Partido dos Trabalhadores, e Lula na presidência da república, muitos dirigentes sindicais aderiram ao governo petista, o que parece ter estacionado antigas reivindicações políticas e enfraquecido a atuação mais combativa do sindicalismo brasileiro. (ANDRADE, 2007). Na atualidade do movimento sindical brasileiro, as entidades de classe ainda não conseguem ir além da setorialização e de uma luta centrada principalmente nos reajustes salariais. Por outro lado, essas organizações dos trabalhadores continuam denunciando e revelando as políticas econômicas que têm colocado o trabalhador em condições precárias de trabalho, espoliados pelos capitalistas e impressados por uma economia de mercado que coisifica e destitui esses sujeitos de sua condição humana. A chamada de uma reportagem ilustra essa continuidade da luta:
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Dilma e as greves
Diante das paralisações e da pressão dos sindicatos por aumentos, a presidente diz não aos trabalhadores e escala ministros para negociar com cada categoria. A estratégia é dura, mas não compromete a relação entre o governo e as centrais
Fonte: Isto É independente, 2011 http://www.istoe.com.br/reportagens/168019_DILMA+E+AS+GREVES
Diante dessa nova realidade, há o questionamento se, na atualidade, vive-se realmente um novo sindicalismo, pois muitas práticas corporativas permanecem no presente, demonstrando que as entidades sindicais ainda não realizam a independência e a autonomia, tanto em relação aos partidos quanto em relação ao governo, deixando de representar os principais interesses da classe trabalhadora nesse contexto de flexibilização das relações de trabalho. Não podemos, no entanto, dizer que não há avanços. A Consolidação das Leis do Trabalho, CLT, as pressões para que essas mesmas leis não sejam flexibilizadas, as buscas por novos direitos são legados das organização sindicais. Um bom exemplo é a conquista mais recente das empregadas domésticas que obtiveram o direito ao FGTS e outras garantias trabalhistas antes negadas a essa categoria profissional. A reportagem abaixo é ilustrativa:
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Novos direitos de domésticos já abalam rotina de patrões e empregados
Os novos direitos dos empregados domésticos, que devem virar lei na próxima semana, já estão transformando a vida de aproximadamente 7 milhões de domésticos (dados da OIT), cerca de três quartos ainda sem carteira assinada. E de pelo menos 7 milhões de respectivos empregadores. A expectativa deve persistir até o meio do ano, quando, segundo o Ministério do Trabalho, devem ficar prontas as novas regras de itens como adicional noturno, demissão por justa causa, seguro-desemprego e FGTS.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1254670-novos-direitos-de-domesticos-ja-abalam-rotina-de-patroes-e-empregados.shtml
No entanto, é preciso considerar as conquistas trabalhistas e os direitos alcançados a partir desses movimentos classistas, sindicais. Essas lutas têm resultado em leis que beneficiam os trabalhadores, representando também um freio aos anseios liberais, explorador e desumano da economia de mercado e do capitalismo contemporâneo. Perceba, então, caro estudante, que a organização dos trabalhadores, desde o século XIX até os dias atuais, tem um relevante papel na conquista de direitos no âmbi-
pelas contradições da sociedade capitalista. Entre essas organizações, os sindicatos têm sido as formas mais expressivas dessas lutas de classe. Entretanto, o fato de ter restringido as ações às questões trabalhistas, excluindo ou negligenciando outras demandas importantíssimas nas frentes de luta, fez surgir outras formas de organizações contemporâneas, muitas vezes pluripartidárias e pluriclassitas, chamadas de “novos movimentos sociais”. Essa modalidade de ação política será estudada nas aulas 7 e 8.
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to das relações de trabalho e para o enfrentamento das desigualdades desencadeadas
SÍNTESE Esta aula teve como objetivo, possibilitar a sua compreensão, do percurso histórico dos movimentos dos trabalhadores na luta por melhores condições de trabalho, salários e no enfrentamento da exploração pelos capitalistas. Objetivou, também, facilitar o seu entendimento sobre a constituição dos movimentos sociais clássicos, chamados também de movimentos ortodoxos, movimento operário ou dos trabalhadores. Esses antigos movimentos tinham um viés classista e, portanto, suas lutas marcavam uma posição de classe proletária que vivia as contradições na relação entre o capital e o trabalho. Vários desses movimentos se constituíram enquanto movimentos sindicais, inaugurando uma longa fase de atuação do sindicalismo cujas principais for- ________________________ mas de atuação e pressão foram as greves, principalmente nas grandes indústrias. ________________________ A forte atuação desses movimentos de classe perdurou até mais ou menos um ________________________
pouco mais da metade do século XX, quando o mundo do trabalho passa por transfor- ________________________ mações com o advento da reestruturação produtiva, da política econômica neoliberal ________________________ de flexibilização das relações de trabalho e com a crise do marxismo, que foi um dos ________________________ principais referenciais teórico-ideológicos de vários desses movimentos. Com as críti- ________________________ cas às teorias libertárias, sobretudo ao modelo leninista de conduzir a luta dos traba- ________________________ lhadores, o sindicalismo passa por mudanças, ao que alguns intelectuais vão chamar ________________________ de novo sindicalismo e outros vão considerar como o período de surgimento de mo- ________________________ vimentos de base não exclusivamente classista e não centrados somente no universo ________________________
________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ QUESTÃO PARA REFLEXÃO ________________________ Será que você já consegue compreender as diferenças entre os antigos movi- ________________________ mentos sociais, os chamados movimentos clássicos ou ortodoxos e os novos movi- ________________________ mentos sociais? E o que você percebe de diferente na atuação do sindicalismo e do ________________________ chamado novo sindicalismo? ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ do trabalho. Os chamados novos movimentos sociais.
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LEITURAS INDICADAS ALVES, Geovanni. Do “novo sindicalismo” à “concertação social”: ascensão (e crise) do sindicalismo no Brasil (1978-1998). Revista de Sociologia Política, 15, nov. 2000. BOITO JR., Armando, PAULA, Marcelino. O sindicalismo deixou a crise para trás?: um novo ciclo de greves na década de 2000. Cadernos CRH [online]. v. 23, n. 59, 2010. MARTINS, Heloísa de Souza, RODRIGUES, Iram Jácome. O sindicalismo brasileiro na segunda metade dos anos 90. Tempo Social; Revista de Sociologia da USP. São Paulo, 11 (2), out. 1999. RODRIGUES, Leôncio Martins Rodrigues. O declínio nas taxas de sindicalização: a década de 80. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 13, n. 36, São Paulo, Fev. 1998. SANTANA, Marco Aurélio. Entre a ruptura e a continuidade: visões da história do movimento sindical brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais. v. 14. N. 41. São Paulo, Out. 1999.
SITES INDICADOS ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________
Greve dos petroleiros 1995. http://vimeo.com/40978371 Novos direitos de trabalhadores domésticos passam a valer. http://g1.globo.com/ jornal-da-globo/noticia/2013/04/novos-direitos-de-trabalhadores-domesticospassam-valer.html Palestra de Ricardo Antunes sobre Sindicalismo para o SINTRASEM. https://www. youtube.com/watch?v=u-V0BJkwjB0 Roda Viva com Ricardo Antunes. https://www.youtube.com/watch?v=MrQWTX0ZfU8
REFERÊNCIAS ALMEIDA, Maria Hermínia T. de. O corporativismo em declínio: a trajetória dos movimentos sociais. In.: DAGNINO, Evelina (org.). Anos 90: política e sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2004.
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DAHREDORF, Ralf. O conflito social moderno: um ensaio sobre a política da liberdade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, São Paulo: Edusp, 1992.
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GOHN, M.G. História dos movimentos e lutas sociais: a construção da cidadania dos brasileiros. São Paulo: Loyola, 1995.
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SCHERER-WARREN, Ilse, KRISCHKE, Paulo J. Uma revolução no cotidiano? Os novos movimentos sociais na América do Sul. São Paulo: Brasiliense, 1987.
TELLES, Vera da Silva. Sociedade civil e a construção de espaços públicos. In.: DAGNINO, Evelina (org.). Anos 90: política e sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2004.
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E A PARTICIPAÇÃO CIDADÃ Autora: Jucélia Santos Bispo Ribeiro
“Tudo, portanto, se completa: refazendo o percurso em sentido contrário, a liberdade de dissentir necessita de uma sociedade pluralista, uma sociedade pluralista permite uma maior distribuição do poder, uma maior distribuição do poder abre as portas para a
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AULA 07 - OS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS
democratização da sociedade civil e, finalmente, a democratização da sociedade civil alarga e integra a democracia política”.
(BOBBIO, 2000)
Prezado(a) estudante,
Nesta aula, discutiremos a atuação dos Novos Movimentos Sociais (NMS) no contexto da ditadura militar das décadas de 1960 e 1970 e a emergência desses movimentos no âmbito da sociedade democrática, a partir de 1980. O objetivo da aula é mostrar diferentes tipos de ações da sociedade civil organizada para que você consiga perceber as características dos movimentos nesse período e as diferentes maneiras de
se fazer política para o enfrentamento dos problemas e diferentes formas de expres- ________________________ são de demandas sociais.
NOVAS MODALIDADES DE ATUAÇÃO: DAS CEB’S AOS FÓRUNS E À PARTICIPAÇÃO CIDADÃ Os movimentos sociais que emergem na década de 1960, com o consequente enfraquecimento das lutas dos movimentos clássicos operários e sindicais, apresentam a característica de serem movimentos em oposição ao Estado. Estes lidam com as instituições estatais normalmente acusando a ausência de políticas públicas em setores essenciais à sobrevivência da população e reivindicando políticas para a cobertura de suas demandas coletivas. De 1960 até os anos 80, de um modo geral, esses movimentos se colocam numa posição contrária ao Estado e se declaram independentes em relação aos partidos políticos e às entidades de classe, demonstrando uma certa autonomia na sua forma de fazer política. Nesse período, vigora o discurso da democratização das relações e isso vai impactar na organização do movimento, na relação com o Estado, com os partidos, sindicatos, etc. Alguns autores, como Scherer-Warren, Krischke (1987) e Gohn (2003), defendem que esses Novos Movimentos (NM) emergem com a crise das antigas organizações políticas, principalmente as entidades classistas e partidárias, que mantinham uma hierarquia nas relações e uma postura centralizadora na condução dos processos decisórios.
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Esses Novos Movimentos Sociais (NMS) vão criar espaços coletivos para as experiências cotidianas de diferentes segmentos sociais através de uma estrutura organizativa de base e totalmente favorável à participação. Nesse sentido, as formas totalitárias ou autoritárias serão veementemente combatidas. Os movimentos sociais não têm, necessariamente, a mesma estrutura organizativa de um partido, ou seja, não reconhecem militância formal nem capacidade hierarquizada de decisão. Podem, no entanto, no curso de seu fortalecimento, desenvolver uma institucionalização mínima e delegar a tomada de decisões a um comitê, sem que cheguem, por isso, a ter uma instituição formal (KÄRNER, 1987, p. 24)
Com esse novo formato institucional, os NMS irão experimentar modelos de autogestão a partir de ideias libertárias e pedagogias inclusivas, como aquelas propagadas pelos escritos de Paulo Freire. A ideologia leninista-marxista deixa de ser a principal referência desses movimentos e muitos destes substituirão a luta pelo poder pela luta em prol da sobrevivência na vida diária. Ao invés dos conflitos em torno das relações de exploração no mundo do trabalho e de enfrentamento dos antagonismos do capital com o trabalho, várias organiza-
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ções sociais vão se debruçar sobre os problemas do cotidiano, tomando como referência uma cultura política de base democrática, com a participação de todos e a busca de soluções para os problemas fora da alçada do Estado. (SCHERER-WARREN, 1987) Esses NMS vão denunciar os processos alienadores vividos nas formas clássicas, tradicionais e antidemocráticas de se fazer política, apelando para a democratização das relações e para o rompimento das variadas formas de opressão sobre os trabalhadores, as mulheres, os pobres, os negros, etc. As discussões passam a incluir as identidades sociais e coletivas e as diferenças culturais presentes nessa diversidade de movimentos. Os anos de 1970 viram ressurgir os movimentos dos trabalhadores, através do chamado novo sindicalismo, os movimentos sociais urbanos, rurais e populares, todos em busca de novas práticas libertárias de atuação, de formas autônomas, inovadoras e criativas de ação política. No contexto da América Latina, muitos desses movimentos se colocaram contra os governos militares, contra a suspensão dos direitos políticos e, sobretudo, da liberdade de expressão. Vários intelectuais, estudantes e artistas expressaram suas insatisfações com os regimes ditatoriais através de diversas músicas de contestação, apesar da censura a essas manifestações. Entre tantas músicas, uma de grande teor contestador foi intitulada “Construção”, gravada por Chico Buarque na década de 1970, em plena ditadura militar, período de efervescência político-ideológica, época dos festivais musicais, de grande militância dos estudantes e intelectuais sintonizados com as artes, os movimentos pacifistas, a liberdade de expressão e lemas que se tornaram jargões conhecidos por diversas gerações como o “paz e amor”. Assista ao clip da música disponível na internet e atente aos detalhes que aparecem na letra como as críticas ao regime militar e a denúncia das condições degradantes de vida do trabalhador no mundo capitalista. Veja, a seguir, o
Figura 01: Vídeo de Chico Buarque cantando a música Construção.
Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=P7mHf-UCZp0
Nesse contexto dos anos de 1960 e 1970, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), sendo uma organização da igreja católica da ala mais progressista e inspirada na Teologia da Libertação, representaram significativos apoios aos movimentos populares, de mulheres, de jovens, rurais, sindicais e de oposição às atrocidades e autoritarismo da ditadura militar, bem como dos governos populistas. Inicialmente, os movimentos sociais urbanos, representados até 1964 pelas Associações de Amigos de Bairro e Sociedades de Amigos de Bairro (as SABs), se caracterizavam pelo seu recrutamento clientelístico, pela cooptação de suas lideranças pelo Estado Populista, pelo encaminhamento de reivindicações segundo esquemas populistas e paternalistas. A partir de 1964, mesmo essas formas de organização viram seus canais de participação reprimidos. Apenas na década de 1970 novos movimentos de bairro começam a tomar força, organizados em sua maioria como CEBs, única forma de organização possível naquela conjuntura política que via como suspeita os antigos canais de mobilização. (SCHERER-WARREN, 1987, p. 41-42)
Esses novos movimentos de base comunitária, como os movimentos urbanos e populares de bairro, denunciam as exclusões sofridas na sociedade capitalista, o descaso do Estado com a população mais pobre e reivindicam participação democrática, abertura política e acesso aos bens públicos como moradia, saúde e educação de qualidade.
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endereço eletrônico com o link para que você faça a consulta.
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Enfraquecendo-se ao longo da década de 1980, o movimento popular de bairro abriu espaço para o surgimento dos movimentos dos trabalhadores sem-teto, também caracterizados como movimentos urbanos, agora com a demanda por moradia. O Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MSTS), como é conhecido um desses movimentos, tem realizado ocupações de prédios urbanos ociosos, inacabados, desocupados ou abandonados expondo para a sociedade o problema da moradia urbana, da falta de condições de manter um imóvel para viver, quer na forma de aluguel, quer nas ocupações periféricas, distantes dos centros urbanos e dos locais de trabalho desses segmentos populacionais. A questão da moradia ficou bastante evidente como demanda desses novos movimentos ao longo da década de 90, especialmente pelas ocupações de prédios públicos nas áreas urbanas, sobretudo pela população que vivia nas ruas, os chamados “moradores de rua”. As CEBs tiveram participação e influência decisivas nesses NMS, trabalhando o espírito comunitário, solidário, democrático, a autonomia dos movimentos e propagando os ideais do modelo socialista libertário na vivência prática do cotidiano, realizando a práxis social. “Desenvolvem, assim, formas de distribuição do poder dentro do grupo e estimulam formas de vida socializada tais como os mutirões, as caixinhas comunitárias, etc.” (SCHERER-WARREN, 1987, p. 43) Associados às CEBs, nascem os movimentos formados por camponeses que reivindicam a reforma agrária. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Movimento dos
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Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) serão os movimentos que darão visibilidade a essa causa, usando, na maioria das vezes, a ocupação de terras como estratégia de pressão sobre os governos.
Figura 1: Manifestação do MST
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:MST_06142007.jpg Autor: Wilson Dias/ABr
Entra em cena a discussão sobre o estado democrático e a noção de cidadania. Esta não mais restrita apenas aos homens da cidade, da pólis grega, mas, agora, à cidadania da participação, do respeito às diferenças, dos cidadãos enquanto sujeitos de direitos (DAHRENDORF, 1992). Há uma consolidação ou expansão da ideia de cidadania na vida cotidiana, a partir da redemocratização do país. Passa a vigorar, conforme Telles (2004, p. 92), “uma cultura pública democrática”, legitimando, assim, os conflitos e a diversidade de de-
A partir das décadas de 80 e 90, há espaço para a diferença e a diversidade, as questões éticas ficam preeminentes como discurso social e público. Abre-se o diálogo à participação popular e emerge a ideia de uma nova cidadania que implica, sobretudo, o envolvimento da sociedade civil, sendo a base para a atuação dos novos movimentos sociais. “Na organização desses movimentos socais, a luta por direitos - tanto o direito à igualdade como o direito à diferença - constitui a base fundamental para a emergência de uma nova noção de cidadania.” (DAGNINO, 2004, p. 104).
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mandas colocadas como direitos requisitados pelos movimentos.
Esses novos movimentos proporcionam o aprofundamento do debate sobre a democracia, o estado de direito, a ampliação e a efetivação desses múltiplos direitos (humanos, sociais, políticos, sexuais, civis, reprodutivos, etc.). Cidadania, então, passa a estar associada à cultura democrática, a uma nova forma de se fazer política (DAGNINO, 2004; TELLES, 2004; GOHN, 2003). Segundo Ruth Cardoso (2004), há uma amplidão de análises sobre os movimentos sociais no Brasil e elas se intensificam a partir dos anos de 1970, sendo que aparece, primeiramente, uma visão heroica sobre os movimentos sociais e a percepção de uma efervescência política, já que se imaginava que eles substituiriam as antigas formas de fazer política como as praticadas pelos sindicatos, partidos, etc., e preencheriam o vazio deixado pela ditadura militar em termos de suspensão dos canais de interlocução. Em contraste com a “emergência heroica dos movimentos”, ela aponta o período subsequente, os anos 80, fase vista pela institucionalização desses movimentos, de maior ________________________ diálogo e aproximação às políticas de Estado e, consequentemente, percebido como ________________________ momento de refluxo da participação social, de redução de seu peso como expressão ________________________ dos direitos sociais. Dessa forma, a grande contribuição dos movimentos sociais seria trazer uma mudança na cultura política. Mudança que vinha exatamente do fato de a autonomia dos movimentos quebrar com as relações clientelísticas, com o modo de atuação do sistema político tradicional. Como a participação representava essa mudança, ela era, quase fazendo um chavão, uma participação anti-Estado, antipartido, anti-sistema político em geral, sendo o Estado realmente visto como um inimigo. (CARDOSO, 2004, p. 82)
Os anos de 1980 representaram, então, o processo de redemocratização do país e, a partir daí, se entende que os movimentos perderam força ou foram cooptados. Acreditava-se terem eles perdido a autonomia e a ingenuidade, sendo manipulados pelos partidos e muitos vinculados ao Estado, perdendo também seu poder de crítica. No entanto, há discordâncias sobre essa percepção, pois alguns autores defendem que os movimentos sociais mudaram as estratégias de atuação e perderam lugar nos meios de comunicação, sobretudo na mídia televisiva. Além disso, a partir de 1990, entraram em cena as Organizações Não Governamentais (ONGs) que passaram a atuar, algumas vezes, no mesmo formato dos movimentos sociais, outras vezes como executoras de políticas do Estado, o que fez com que muitos percebessem essas entidades como substitutas dos NMS.
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Passou-se a difundir a ideia de que os NMS não tinham mais força para se expressar coletivamente através das manifestações nas ruas e praças. Dizia-se que eles assumiram formas institucionalizadas, muitas vezes semelhantes às organizações políticas tradicionais e, por isso, perderam o caráter de movimentos libertários e autônomos. Essa nova fase dos NMS é reconhecida como o período de crise dessas manifestações coletivas. Segundo Maria da Glória Gohn (2012), Nos anos de 1990 a temática da ‘crise dos movimentos’ predominou inicialmente, logo sendo substituída pela questão da participação institucional da sociedade civil. A correlação sociopolítica pós-Constituição de 1988 e o retorno à democracia mudaram de lugar e de posição vários atores sociais que antes estavam juntos aos movimentos sociais populares, como assessores. (GOHN, 2012, p.22)
A autora destaca as palavras de ordem e expressões muito comuns nesse período dos anos 90 como as noções de inclusão e exclusão social, Terceiro Setor, protagonismo, mobilização, responsabilidade social, etc. A década de 90 apresenta muitas mudanças nas formas de organização dos
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NMS. Ao mesmo tempo em que esses perderam várias características, enquanto mobilização político-social, ganharam vários outros formatos na continuidade da luta pró-direitos sociais. É o período de grande visibilidade dos conselhos, dos Fóruns, das ONGs. Para Gohn (2003), O associativismo predominante nos anos 90 não deriva de processos de mobilização de massa, mas de processos de mobilizações pontuais. Qual a grande diferença? No primeiro caso, a mobilização se faz a partir de núcleos de militantes que se dedicam a uma causa seguindo as diretrizes de uma organização. No segundo, a mobilização se faz a partir do atendimento a um apelo feito por alguma entidade plural, fundamentada em objetivos humanitários. Pode ser uma organização internacional (Anistia, Greenpeace), nacional (Campanha contra a Fome) ou local. Mas em todos os casos é no local que se desenvolvem as formas de mobilização e sociabilidade. (GOHN, 2003, p. 17-18)
Os fóruns representaram essa forma de associativismo ao serem organizados por diferentes entidades, embora com objetivos mais amplos e ao mesmo tempo comuns, como o Fórum Nacional de Participação Popular, os fóruns por moradia e reforma urbana, sendo o mais famoso e de projeção internacional, o Fórum Social Mundial (FSM), com sua primeira edição em 2001. Este último, ao fazer um contraponto em oposição ao Fórum Econômico Mundial, chamou a atenção para os problemas de ordem social e propôs alternativas para solucioná-los, levantando uma bandeira cujo slogan era “Um outro mundo é possível”.
Figura 2: Slogan do Fórum Social Mundial
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Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/bc/World-Social-Forum.jpg Autor : merlin
Em geral, os fóruns aconteciam, e ainda acontecem, no formato de grandes reuniões, normalmente em território nacional. Durante esses encontros são abordados problemas que afligem a população, focalizando alguns deles para propor soluções, estratégias e metas para o alcance dos objetivos traçados. (GOHN, 2003) Os anos de 1990, por outro lado, constituem-se como um período de refluxo dos movimentos sociais e muitos desses perdem visibilidade frente ao surgimento e à expansão das Organizações Não Governamentais (ONGs), que estavam vinculadas diretamente com o chamado Terceiro Setor ou formando parcerias com o Estado. Surge, inclusive, uma discussão: as ONGs estariam substituindo os movimentos sociais ou seriam organismos criados para executar políticas de governo de forma acrítica e sem a participação popular como nos NMS? A polêmica se instaura e começa a existir uma certa desconfiança para com as ações desses organismos não governamentais e suas limitações na ação política pró-coletividade. Segundo Maria da Glória Gohn (2003), o final do século XX, portanto, apontou para novas possibilidades de organização dos NMS que, ao invés de se fazerem presentes pela via das reivindicações e denúncias, passaram a utilizar novas estratégias de enfrentamento das desigualdades e exclusões sociais. Esses movimentos passam a ser mais propositivos, apresentando saídas possíveis para suas aflições e problemas, apontando soluções viáveis para atender às suas demandas, através, sobretudo, do discurso e da prática da cidadania, da ética e de uma cultura política de plena participação.
MOVIMENTOS COM RECORTE DE GÊNERO (FEMINISTAS E HOMOSSEXUAIS), RACIAIS E OUTROS Desde o século XVIII que as mulheres tentam se organizar em associações e em busca de atuação nos espaços públicos, além da luta pela igualdade de direitos. O movimento iluminista, desencadeado por homens intelectuais, que resultou na Revolução Francesa, não implicou na inclusão das mulheres nos processos decisórios
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das sociedades europeias e em outras sociedades. Os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, em sua tendência universalizante, não foram capazes de destruir as discriminações para com as mulheres, relegando estas ao mundo privado, dos valores patriarcais e excluída da vida política pública. O movimento feminista vai se constituir como um movimento em favor das mulheres somente a partir do século XX, com suas ações políticas de combate à dominação masculina e com as reivindicações pelo direito ao voto, no âmbito do sufrágio universal. Em outros países, e também no Brasil, há diferenças entre o movimento de mulheres e o movimento de feministas. Enquanto o primeiro abrangia frentes diversas em suas lutas, como questões relacionadas ao bairro, carestia e à democracia, as feministas destacavam os problemas relacionados com as formas de exploração e opressão no universo feminino. Esses movimentos ficaram bastante conhecidos na França já no século XX, pelo combate ao machismo e às leis que submetiam as mulheres ao poder masculino e que mantinham o domínio sobre suas vidas. Elas compreendiam que o Estado legislava em favor dos homens e estes detinham plenos poderes sobre a instituição do casamento, sobre o corpo e todos os bens das mulheres. Em razão disso, As feministas francesas, nesse período, publicavam várias cartilhas sobre a situação das mulheres. Essas publicações tratavam de temas
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como trabalho, desigualdade perante as leis, participação política e prostituição. Em Paris, a prostituição atingia proporções assustadoras e, segundo registros, no final do século XVII, em cada grupo de cinco mulheres solteiras, uma era prostituta. (AUAD, 2003, p. 43)
Essa história de desigualdades já vem de muito tempo, inclusive com o advento da industrialização moderna das sociedades capitalistas. As mulheres são inseridas na produção fabril e passam a receber salários bem menores que os salários dos homens. O que prevalece nessas sociedades capitalistas é a ideia de que a mulher não é provedora da casa, não é a chefe de família, e sim sustentada pelo homem, muitas vezes pelo marido. As mulheres francesas, e também inglesas, perceberam essa exploração capitalista, uma vez que trabalhavam em longas jornadas, de até 18 horas por dia, recebendo baixos salários. Nesse contexto, surgem as lideranças das mulheres trabalhadoras operárias, realizando manifestações públicas e greves, originando, em função dessas lutas pelos direitos do trabalho, o Dia Internacional da Mulher. Entre os movimentos feministas, há também uma divisão entre aquele de teor liberal, conduzido pelas mulheres brancas de classe média que lutavam pelo direito ao voto, por salários equiparados aos dos homens e pela inclusão na política e, por outro, o feminismo libertário, preocupado com a transformação da sociedade e com as desigualdades entre homens e mulheres. Entre essas discussões, emerge o conceito de gênero como uma nova maneira de olhar as diferenças e desigualdades construídas socialmente sobre a conduta de homens e mulheres.
fases chamadas de “ondas” do feminismo. A “primeira onda” começa desde as primeiras lutas no século XIX até a conquista do voto feminino e teve uma grande escritora intelectual como referência teórica e política, a francesa Simone de Beauvoir com sua célebre frase: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. A “segunda onda” foi marcada pela ampliação dos movimentos feministas e sua associação com outros movimentos e uma necessidade de revisão teórica de questões sobre a mulher, o que fez emergir o conceito de gênero ou as relações de gênero. Essa
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Portanto, a história dos movimentos de mulheres e feministas foi marcada por
“segunda onda” se estendeu da década de 70 à década de 80 com a atuação de vários grupos que discutiam questões relacionadas às mulheres. A partir de 1975, tornaram-se pontos importantes das discussões públicas, nos partidos políticos e nos movimentos sociais de modo geral, o direito à creche para os filhos, a descriminalização do aborto, a licença-maternidade, os direitos das mulheres trabalhadoras nas áreas urbana e rural, a saúde das mulheres e a violência contra elas. (AUAD, 2003, p. 73)
A “terceira onda” do feminismo ganhou força na década de 90, quando várias críticas foram tecidas ao feminismo das mulheres brancas e burguesas. Passou-se a destacar as diferenças internas ao movimento e à questão de raça. A classe social foi ________________________ considerada importante, uma vez que as mulheres negras reivindicavam um espaço ________________________ para a reflexão de problemas que envolviam também a dimensão racial a qual não era ________________________ contemplada pelo feminismo clássico. ________________________ Essa década de 90 viu reflorescer, portanto, o movimento de mulheres na luta ________________________
pela participação política contra a discriminação de gênero e pela ampliação de pos- ________________________ tos de trabalho qualificados para as mulheres, bem como a busca pela equiparação de ________________________
________________________ ________________________ Essa segunda metade do século XX representou, para o universo feminino, um ________________________ período de muitas conquistas. Os movimentos feministas e de mulheres continuam ________________________ apontando grandes desigualdades nas relações de gênero no Brasil. ________________________ ________________________ Uma reportagem da Revista Veja traz um título ilustrativo desse novo contex________________________ to: ________________________ ________________________ ________________________ Elas venceram ________________________ ________________________ As mulheres superam o preconceito, cultivam músculos robustos, corpos bem definidos e ________________________ ameaçam a supremacia dos homens no esporte. ________________________ ________________________ ________________________ Fonte: Veja, abril, 2000 ________________________ ________________________ salários de homens e mulheres no mercado de trabalho.
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Entendendo que há um histórico de violência acompanhando a vida de muitas mulheres no Brasil, causando-lhes vários danos, inclusive a morte de muitas delas, os movimentos feministas e de mulheres passaram a desencadear uma luta interminável contra as várias formas de violência sofridas pelas mulheres, culminando na aprovação da Lei nº 11.340 em 2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha. Essa lei procura coibir as violências contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, dando suporte jurídico àquelas que prestam queixa nas Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres (DEAMs). Respaldados também nas questões de gênero, os movimentos de homossexuais trouxeram à tona a questão dos direitos sexuais e muitos deles passaram a protestar pelas discriminações sofridas a partir do recorte sexual. Organizaram-se os movimentos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT) e os protestos como a Marcha do Orgulho Gay e a Parada Gay que acontecem em várias cidades do Brasil e no exterior. Entre uma dessas manifestações que concentram um número bastante significativo da população gay, simpatizantes, curiosos e demais setores da sociedade civil, está a Parada do Orgulho LGBT, que acontece anualmente em São Paulo e teve, em 2005, como um de seus temas a “Parceria civil já: direitos iguais, nem mais nem menos”. Então, entre as frentes de luta desses movimentos de homossexuais está a reivindicação pelo reconhecimento da parceria civil, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a adoção de crianças por esses casais, entre outros.
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Na Bahia, existem vários movimentos dessa natureza e o Grupo Gay da Bahia (GGB) tem se destacado pelas campanhas contra a homofobia, pelos direitos iguais, pela defesa do casamento entre casais homoafetivos e pela luta contra a violência que atinge esse público.
Figura 3: Símbolo do Movimento Gay
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Gay_flag.svg
Com críticas à sociedade de consumo e à produção desenfreada de bens que comprometem a vida no planeta, os movimentos ecologistas encontraram diferentes maneiras de expressar seu descontentamento e mostrar os riscos que correm os seres humanos e os sistemas vivos com as agressões ao meio ambiente. Muitos se colocaram com propostas alternativas para a construção de relações mais saudáveis com o meio ambiente, cuidados com a alimentação, com o tratamento do lixo, com a poluição,
de Janeiro, conhecida como a ECO-92, tornou-se uma grande referência para a difusão dos movimentos ambientalistas, uma vez que se passou a questionar os prejuízos ao planeta provocados pelo desenvolvimento desenfreado do capitalismo nos países ricos. A partir daí, começa a se ampliar o conceito de desenvolvimento sustentável e a necessidade de responsabilização desses países com a reparação dos danos causados ao meio ambiente. Esses diferentes movimentos são formas de manifestações democráticas que
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com os hábitos de promoção da saúde e da vida. A Conferência que aconteceu no Rio
têm exigido o reconhecimento de seus direitos e políticas inclusivas, pois mesmo assegurada a igualdade de direitos pelos princípios constitucionais, uma grande parcela dessa população vive processos de exclusão e violência na experiência cotidiana. Assim, a percepção da complexidade e das ambiguidades que envolvem a constituição da sociedade civil na contemporaneidade é expressa na citação que se segue:
Apenas para tocar em questões mais conhecidas, essa é uma sociedade em que a descoberta da lei e dos direitos convive com uma incivilidade cotidiana feita de violência, preconceitos e discriminações; em que existe uma espantosa confusão entre direitos e privilégios; em que a defesa de interesses se faz em um terreno muito ambíguo que desfaz as fronteiras entre a conquista de direitos legítimos e o mais estreito corporativismo; em que a experiência democrática coexiste com a aceitação ou mesmo conivência com práticas as mais autoritárias; em que a demanda por direitos se faz muitas vezes numa combinação aberta ou encoberta com práticas renovadas de clientelismo e favoritismo que repõem diferenças onde deveriam prevalecer critérios públicos igualitários. (TELLES, 2004, p. 93)
É uma sociedade que mantém a desigualdade e a heterogeneidade da população, que ainda não tem implicado em uma maior compreensão da igualdade de direitos. Apesar de o processo democrático ter trazido a perspectiva da inclusão de direitos sociais de tantos segmentos diversificados, a sociedade contemporânea ainda convive com diferentes formas de exclusão. Essa exclusão, que muitas vezes aparece no formato de discriminação, está muito presente nos problemas enfrentados por homens e mulheres negras da sociedade brasileira. Assim, percebendo que no Brasil as desigualdades não se expressam somente pela via da classe ou da condição social, os movimentos negros vêm destacando o preconceito por raça e as diferentes modalidades de racismo, tanto institucionais quanto interpessoais que vigoram nas relações sociais cotidianas. Dessa maneira, ao longo das décadas de 50 a 70, surgiram ações coletivas organizadas por negros e negras para denunciar o racismo, mostrar as condições de desigualdades vividas por essa população e exaltar a beleza, os valores, as identidades culturais, a ancestralidade africana e os potenciais do povo negro. É assim que aparece o Teatro Experimental do Negro, tendo Abdias do Nascimento como fundador e idealizador dessa nova dramaturgia e forma de fazer arte, e
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o Ilê Aiyê como um bloco carnavalesco exclusivo para negros, em oposição aos chamados “blocos de gente bonita”, formados apenas, ou majoritariamente, por pessoas brancas, das classes privilegiadas e dos bairros nobres de Salvador. Essas entidades negras representaram algumas formas de atuação da sociedade civil através de manifestações chamadas de culturais. Outros movimentos negros como o Movimento Negro Unificado (MNU), a União de Negro pela Igualdade (UNEGRO), e outros, passaram a atuar no campo das ações políticas, denunciando práticas racistas, reivindicando direitos como cidadãos e evidenciando a violência pela qual passam os negros, desmistificando, inclusive, a chamada democracia racial brasileira. Entre o final da década de 90 e início deste século, os movimentos negros passaram a lutar através de ações muito mais propositivas, apontando caminhos viáveis para diminuir as desigualdades e promover a equidade racial e social. Uma dessas frentes de luta foi a formulação das ações afirmativas através de políticas de inclusão da população negra e indígena, sobretudo a política de cotas para negros. As cotas têm possibilitado o acesso ao ensino superior de muitos brasileiros pobres e negros, bem como representado uma forma mais justa e equitativa de promoção aos níveis superiores da educação. Essa foi uma grande conquista desses movimentos sociais, uma vez que o Brasil tem uma dívida grande com esse povo, sendo o país que possui, hoje, um dos maiores contingentes populacionais de negros fora da África.
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Figura 4: Símbolo do Movimento Negro
Fonte: Adusterlina Lordello - UNIFACS.
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Figura 5: Manifestação na Câmara dos Deputados
Autor: Antonio Cruz/ABr. Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Manifestacao_Camara_dos_Deputados_-_08-05-2012.JPG
Outro movimento que tem gerado muitas discussões no país é o das comunidades indígenas que têm lutado pela delimitação de suas terras, e pelas ações afirmativas de inclusão de seus povos. Como você pode perceber, existe uma enorme diversidade de movimentos sociais que lutam por demandas específicas, muitas vezes no formato de reivindicação por reconhecimento de direitos e formas de inclusão mais equitativa. Vários desses movimentos perceberam que uma forma mais eficaz de fazer política é a formulação de proposições, a formação de parcerias com partidos políticos, legisladores e Estado, não no sentido da cooptação, mas como uma estratégia para ter suas demandas transformadas em projetos, em leis e políticas concretas que considerem os anseios dessa população. Outra forma de atuação que procura aproximar as demandas e lutar por objetivos comuns sem perder as especificidades dos movimentos é a formação de redes de movimentos sociais, tema que será abordado na aula 8. Até lá!
SÍNTESE Vários movimentos denominados como movimentos populares eclodiram nas décadas de 60 e 70. Estes eram caracterizados por terem como seus componentes uma parcela da população de baixa renda, desempregados e trabalhadores assalariados buscando melhorias para suas vidas tanto no campo como na cidade. As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) foram os exemplos significativos desses movimentos populares que preencheram a cena política e a atuação coletiva desde os anos de 1960. Vivendo as contradições do espaço urbano, outro movimento importante desse período foi o movimento popular de bairro. Esse movimento, inicialmente atuava em função das demandas do bairro, da pobreza de sua população, das carências de
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recursos e serviços e da consciência de que faltava a assistência do Estado para muitos problemas sociais básicos. Chamados de Novos Movimentos Sociais (NMS), essas manifestações coletivas têm revitalizado a dinâmica política nas diferentes sociedades, configurando-se como formas de resistência as opressões vividas e inovadas com práticas criativas de participação social. Assim, entre os anos de 1980 e 1990, esses NMS se valeram de ações desde as manifestações nas ruas, protestos, passeatas e mobilizações em massa às ações mais estratégicas, com propostas para os problemas que envolviam suas demandas. Os fóruns, os conselhos, o início do ativismo em rede, as ONGs, o associativismo, as lutas por direitos sociais serão as expressões mais evidentes desses movimentos no final do século XX e início deste século. Também esses NMS passarão a atuar como redes de movimentos, conectando suas ações, muitos descobrindo demandas comuns e ações mais eficazes para o alcance de seus objetivos.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________
Quais características são fundamentais para a identificação dos novos movimentos sociais e para a diferenciação desses em relação aos movimentos sociais clássicos? Qual o alcance político das ações e estratégias de atuação dos novos movimentos sociais? Você consegue perceber transformações significativas e conquista de direitos a partir desses movimentos? Quais, por exemplo?
LEITURAS INDICADAS GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais e mobilizações civis no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Vozes, 2010. GOHN, Maria da Glória, BRINGEL, Breno M. (orgs.) Movimentos sociais na era global. Rio de Janeiro: Vozes, 2012 SCHERER-WARREN, Ilse. Movimentos sociais e pós-colonialismo na América Latina. Ciências Sociais Unisinos, n. 46, jan./abr. 2010.
SITES INDICADOS A história dos movimentos sociais http://www.youtube.com/watch?v=406ujmrth_w Altas Horas debate homofobia http://www.youtube.com/watch?v=imJiwItU92c Paulo Freire e MST: Somente pela luta teremos a libertação. http://www.youtube.
TV UFBA: intolerância religiosa. https://www.youtube.com/watch?v=bKJIQGf90bk Retrospectiva 2011: Movimentos sociais no Brasil. https://www.youtube.com/ watch?v=Ei-dCv_0bcw Boaventura de Sousa Santos no FSM 2010. https://www.youtube.com/ watch?v=klyMCjbH2rc
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com/watch?v=qQUtkvjNhSQ
Abdias do Nascimento: ativista social brasileiro. https://www.youtube.com/ watch?v=NpFaKVPlN7I Lei de cotas nas universidades é tema em debate durante o “Roda de Conversa”. https://www.youtube.com/watch?v=ym56CoIKC9g Maria da Penha Maia Fernandes (Lei Maria da Penha). https://www.youtube.com/ watch?v=s2Jn6Q8vvmY
REFERÊNCIAS AMMANN, Safira Bezerra. Movimento popular de bairro: de frente para o Estado em busca do parlamento. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008.
AUAD, Daniela. Feminismo: que história é essa? Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
CARDOSO, Ruth Corrêa Leite. A trajetória dos movimentos sociais. In.: DAGNINO, Evelina (Org.). Anos 90: Política e sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2004.
DAGNINO, Evelina. Os movimentos sociais e a emergência de uma nova noção de cidadania. In.: DAGNINO, Evelina (Org.). Anos 90: Política e sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2004.
DAHRENDORF, Ralf. O conflito social moderno: um ensaio sobre a política da liberdade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; São Paulo: Edusp, 1992.
GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais na atualidade: manifestações e categorias analíticas. In: GOHN, Maria da Glória (Org.). Movimentos sociais no início do século XXI: antigos e novos atores sociais. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.
GOHN, Maria da Glória. Teorias dos movimentos sociais na contemporaneidade. In.: GOHN, Maria da Glória, BRINGEL, Breno M. (orgs.) Movimentos sociais na era global. Rio de Janeiro: Vozes, 2012.
GOHN, Maria da Glória. Os Sem-Terra, Ongs e cidadania. 3. ed. São Paulo: Coretz, 2003.
KÄRNER, Harmut. Movimentos sociais: revolução no cotidiano. In.: SCHERER-WARREN, Ilse, KRISCHKE, Paulo J. (orgs.). Uma revolução no cotidiano? Os novos movimentos sociais na América do Sul. São Paulo: Brasiliense, 1987.
MONTAÑO, Carlos. DURIGUETTO, Maria Lúcia. Estado, classe e movimento social. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2011. (Biblioteca Básica de Serviço Social)
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SCHERER-WARREN, Ilse. O caráter dos novos movimentos sociais. In.: SCHERER-WARREN, Ilse, KRISCHKE,
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Brasiliense, 1987.
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Paulo J. (orgs.). Uma revolução no cotidiano? Os novos movimentos sociais na América do Sul. São Paulo:
TELLES, Vera da Silva. Sociedade civil e a construção de espaços públicos. In.: DAGNINO, Evelina (Org.). Anos 90: Política e sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2004.
Autor: Jucélia Santos Bispo Ribeiro “Apesar de parecer muito simples, e de depender apenas de um clique, o ciberativismo - que nasce com a entrada de ativistas na rede -, vem com uma proposta de conscientização através da internet. Na maioria dos casos uma movimentação que começa na internet e acaba nas ruas. E para isso não basta apenas o ciberati-
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AULA 08 - REDES DE MOVIMENTOS SOCIAIS
vista, mas o ativista “real” também”. (SANTOS, 2011).
Prezado estudante,
Nesta aula, trabalharemos com a noção de rede de movimento social e as diferentes estratégias utilizadas por esses novos movimentos no enfrentamento dos problemas ou fenômenos que se impõem como refrações da questão social. O objetivo principal é fornecer a você elementos para uma reflexão mais aprofundada acerca das novas formas de se fazer política por essas organizações coletivas e demonstrar como o uso da internet tem proporcionado um ativismo virtual que aproxima as diferentes frentes de luta. A partir da letra da música, disponível no link do vídeo a seguir, você começará a ter alguns elementos para pensar sobre as questões pontuadas nesta aula.
________________________ ________________________ Figura 1: Vídeo de Gilberto Gil ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=7ysEoKtfU2I ________________________ ________________________ As sábias palavras da música “Pela internet”, de Gilberto Gil, mostram-nos que ________________________ o intenso desenvolvimento da informática tem possibilitado a existência de formas ________________________ globalizadas de comunicação e uma ampla rede de trocas de informações. ________________________ A influência das novas tecnologias no campo da comunicação permite mudan- ________________________ ças significativas nas relações sociais, possibilitando o surgimento de maneiras diversi-
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ficadas das pessoas interagirem no cotidiano social. O poder e o alcance que os novos veículos da comunicação têm apresentado geraram uma grande potencialidade global de conexão entre as pessoas, organizações e nações. Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que essas redes virtuais têm aproximado e, de certa forma, homogeneizado pessoas, países e culturas, têm possibilitado o reflorescer das diferenças, a expressão das singularidades e evidenciado as gritantes desigualdades espalhadas ao redor do mundo, agora acessadas pelas telas da TV, da web ou pelos aparelhos em células que capturam imagens e projetam notícias instantâneas através de suas microcâmeras. Nesse contexto de intensa transformação tecnológica, atores políticos se atualizam, introduzindo ferramentas novas de informação e comunicação para fazer frente às formas de exclusão e desigualdades instaladas em diversos espaços. Frente a essas contradições, parece que a luta de classes continua viva e as ideias do velho Marx não morreram. O mundo do ciberespaço tem, portanto, “desterritorializado” as ações sociais, inclusive da sociedade civil organizada, transformando o “local” no “global” e, por outro lado, globalizando o local. Nesse sentido, tem havido bastante engajamento em causas sociais e muitos movimentos têm atuado em redes para além do território, da nação, conseguindo agrupar dezenas de organizações de diferentes setores e universos socioculturais. Essa transnacionalidade nas formas de atuação de vários movimentos sociais pode sinalizar para um novo convite panfletário em tempos de navegação vir-
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tual: “Trabalhadores de todo o mundo, acessai-vos”!1 A rede “internetizada”, hoje, ora tem fortalecido, ora tem enfraquecido as lutas sociais e políticas. Ela tem apresentado novas maneiras de como lidar com as desigualdades e opressões vividas por parcela da população, mas, por outro lado, muitos desses meios de enfrentamento despolitizam a participação dos sujeitos, que, por várias vezes, limitam-se a agir apenas por um click, uma postagem via web ou por um protesto pontual e descontínuo. A comunicação virtual apresenta múltiplas formas de interação social, sobretudo, pelo fato de que nela qualquer indivíduo pode e deve “assumir, ao mesmo tempo, uma variedade enorme de papéis - como cidadão, militante, editor, distribuidor, consumidor, etc., superando as barreiras geográficas e, até certo ponto, as limitações econômicas” (MACHADO, 2003, p.17). Nesse processo, multiplicam-se as identidades grupais e hoje se percebe uma retomada de ações políticas por direitos que agregam diferentes setores sociais. Recentemente, no Brasil, por exemplo, têm surgido vários protestos virtuais contra as formas de discriminação praticadas sobre certos segmentos sociais. Entre os mais conhecidos na atualidade estão as manifestações contra um polêmico pastor e deputado2 e suas declarações “homofóbicas”, que, mesmo estando à frente de uma comissão governamental de Direitos Humanos, continua emitindo declarações públicas que só reforçam a violência e a intolerância contra grupos sociais historicamente 1A expressão “Trabalhadores de todo o mundo, uní-vos”!, está presente no livro Manifesto Comunista e foi criada por Karl Marx e pronunciada em vários momentos da luta da classe proletária, tornando-se um bordão da ação revolucionária pelos seguidores desse pensador.
2 Em 2013 o deputado federal Marco Feliciano, também pastor de uma igreja de vertente protestante (Assembleia de Deus), foi eleito para a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara Federal e passou a ser alvo de inúmeras críticas dos movimentos sociais, de artistas e da sociedade civil, pois em ocasiões diversas esse pastor fez declarações racistas e homofóbicas e seus posicionamentos foram vistos como contraditórios, intolerantes e contrários ao espírito e ao que prega a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
vos movimentos sociais (NMS) vão ganhando novos ânimos. A criação de redes sociais cresce a cada segundo e, consequentemente, também aparecem protestos pontuais, ações instantâneas de protestos virtuais que ganham projeção e visibilidade nos contextos nacional e internacional. A partir da década de 1990 surgiram novas formas de atuação política dos movimentos sociais articulados com outros movimentos em escala local e global, a maioria desses, senão todos, mediatizados pelos espaços virtuais. Muitos desses movimentos passaram a ser
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discriminados. Cotidianamente, são vistos os apelos de “Fora, Feliciano” e assim, os no-
classificados como antiglobais, mas não necessariamente todos, pois, apesar da conectividade, o foco principal de muitos estava relacionado às buscas por mudanças no âmbito nacional. No entanto, de um modo geral, quase todas essas ações coletivas passaram a ser concebidas como redes de movimentos sociais. Percebendo a importância das redes para a ampliação da participação da sociedade civil, Scherer-Warren (2002) acredita que elas se tornaram fundamentais para as ações políticas e lutas coletivas neste século XXI. Da mesma forma, Gohn (2003) defende que essas redes de movimentos sociais reforçaram os ideais democráticos, convocando os cidadãos para uma efetiva participação, inspirada na luta por igualdade e sem qualquer tipo de exclusão social. Figura 2: Contra a ALCA
Fonte: Helder Santos / UNIFACS Figura 3: Alca e a supressão de direitos
Fonte: Helder Santos / UNIFACS
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130 Uma dessas redes de movimentos sociais se manifestou posicionando-se, veementemente, contra um tipo de comércio livre nas Américas chamado de Alca. Neste caso, a campanha contra a Alca se inseriria no chamado Movimento Antiglobalização, que neste trabalho será tratado por Movimento por uma Nova Globalização (MNG). Este se revela distinto dos outros movimentos sociais existentes no século XX porque nega a forma como a ordem capitalista instituída vigente se reproduz e não a ordem em si, além de ser movido para a busca de soluções alternativas aos problemas sociais e à própria preservação da vida no planeta. (MIDLEJ, 2012, p.218).
A Alca representava para os movimentos sociais, a flexibilização trabalhista, quebra ou redução de direitos já conquistados e uma concorrência desleal entre países ricos e pobres no continente americano.
AS NOVAS FORMAS DE EXPRESSÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS: PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA E A MOBILIZAÇÃO POLÍTICA ATRAVÉS DA INTERNET E DAS REDES ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________
Na contemporaneidade, os movimentos sociais têm buscado outras estratégias de atuação, muitas delas bem diferentes daquelas praticadas na segunda metade do século XX. No final desse século, há uma retomada da discussão e dos questionamentos acerca da não efetivação da democracia enquanto forma política inclusivista e das dificuldades de validação de direitos, muitos deles já consolidados em leis, mas não efetivados na prática democrática. Esse cenário aponta para uma intensa mobilização da sociedade civil que clama por participação efetiva em decisões que envolvem suas demandas, quer pelos movimentos étnico-raciais, como os negros, os indígenas, os povos da diáspora, os latinos, e os imigrantes, quer pelo viés de gênero, como os feministas, os de mulheres e os de homossexuais, ambientalistas, pela terra e moradia como os trabalhadores sem-terra, sem-teto e pela reforma agrária e urbana, sindicalistas, etc. A partir de então, tornaramse comuns as marchas, as manifestações públicas, inclusive nas ruas, as convocações de apoio pela internet, os pedidos de assinaturas de notas de repúdio ou solicitações de novas leis para os segmentos mais discriminados ou cujos direitos foram suprimidos ou ainda não efetivados pelas instituições. Segundo Pinto (2012), este novo milênio aponta para as novas maneiras desses movimentos fazerem política, pois estes afirmam diferenças importantes para a existência dos diversos grupos. Essa nova política mostra a necessidade de novas conquistas e legitimação de direitos e essas frentes de luta ganham uma força jamais vista antes. Percebendo que o processo de transição democrática não foi suficiente para validar direitos, cujas reivindicações e lutas se estendem há décadas, os movimentos
batalha, voltando a marcar presença nos ciberespaços e nas ruas. O título da reportagem a seguir é ilustrativo:
“Chile tem 2011 marcado por retorno dos movimentos sociais. Estudantes saíram às ruas para protestar por uma educação gratuita e de qualidade”.
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sociais entenderam ser preciso renovar os anseios de democratização das frentes de
Fonte: http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/chile-tem-2011-marcado-por-retorno-dos-movimentos-sociais-2
Figura 4: Movimento de protesto
Fonte: Helder Santos / UNIFACS
Reforçando a ideia da redemocratização dos espaços públicos pelas ações dos movimentos sociais, Céli Pinto (2012) destaca as novidades trazidas por esses movimentos e toma como exemplos algumas manifestações coletivas ocorridas nas ruas e praças em países do Oriente Médio e do norte da África entre 2010 e 2012, como foi a chamada “Primavera Árabe” e movimentos na América Latina (movimentos estudantis em defesa da universidade gratuita como no Chile) e Europa (contra o desemprego, especialmente as ações disseminadas pelo Movimento dos Indignados M-15 ou Democraciarealya na Espanha), ambos em 2011. Referindo a esses dois tipos de movimentos, Pinto (2012) destaca que: A quarta novidade é a relação dos movimentos com os espaços públicos. Há uma apropriação muito original dos espaços públicos que se tornam esferas públicas, no sentido de espaços de formação de opinião. Ambos não são movimentos acabados que tomam a decisão de saírem às ruas para se fazerem conhecidos, para divulgar suas causas, mas se apropriam da geografia das cidades, transfor-
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mando praças e calçadas e lugares de discussão e de construção de discursos e do próprio movimento. (PINTO, 2012, p.139)
Vê-se, então, nesta primeira década do século XXI, a retomada das manifestações públicas nos espaços públicos das cidades e uma nova forma de participação nas lutas, muitas vezes organizadas através das ferramentas da internet, dos espaços virtuais que viabilizam rapidez e o alcance de um maior número de contatos e trocas comunicacionais. O legado das tecnologias da informação tem diversificado as ações no mundo e tem modificado as formas como as pessoas têm se relacionado, inclusive marcando a vida desses sujeitos pela dinâmica do universo virtual. Neste sentido, os aparatos dessas novas tecnologias da informação contribuem, também, para revelar conflitos latentes e iminentes do capitalismo neoliberal e, ao mesmo tempo, lutar por direitos e garantir a cidadania. Os meios de comunicação de massa, sobretudo a internet, são ferramentas de disputa por essas garantias individuais e coletivas. O que se constata é que as relações de poder se redefinem neste momento histórico e não há como negar que essas tecnologias têm interferido no cotidiano das
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populações. Dessa maneira, os novos aparatos tecnológicos da informação têm possibilitado uma rede de contatos nacionais e transnacionais, facilitando a comunicação entre diferentes movimentos sociais em escala global, inclusive interferindo nos processos migratórios de populações ao redor do mundo (RIVA; MUÑOZ, 2012). Isso se verifica, por exemplo, nas organizações em diferentes países, de formas específicas de atuação dos movimentos negros que levantam frentes de lutas enquanto povos constituídos na diáspora africana. Assim, Nesses processos, os migrantes difundem práticas e ideologias, constroem e ampliam identidades, e criam redes e conexões entre diferentes espaços, avançando rumo a uma continuidade no vínculo entre mobilidades humanas e mobilizações sociais. Este vínculo é bastante tangível nos movimentos transnacionais migratórios e sociais de hoje devido aos paradoxos da globalização, os transportes e as novas tecnologias de informação e comunicação. (RIVA; MUÑOZ, 2012, p.140-150)
Frente a essa questão, que constantemente assistimos nos canais de TV e veículos internacionais de comunicação, as notícias sobre as ações, pelos governos norteamericano e de países europeus, de combate aos fluxos migratórios de pessoas para essas regiões, principalmente os movimentos de latinos e africanos. Por outro lado, as redes sociais têm driblado essas fronteiras territoriais, conectando pessoas e grupos de iguais e diferentes identidades sociais nos vários espaços do mundo global. Por isso, a internet tem aumentado as redes de contato favorecendo a ampliação das democracias, pois essa ferramenta faz propagar as informações numa velocidade antes nunca vista, colaborando, assim, para a consolidação desses veículos informa-
são fundamentais para a articulação dos movimentos sociais na contemporaneidade. Isto é tão relevante que segundo Castells, Os movimentos culturais (entendidos como movimentos que têm como objectivo defender ou propor modos próprios de vida e sentido) constroem-se em torno de sistemas de comunicação – essencialmente a Internet e os meios de comunicação – porque esta é a principal via que estes movimentos encontram para chegar àque-
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cionais no processo de construção da cidadania. Portanto, a internet e as redes sociais
las pessoas que podem eventualmente partilhar os seus valores, e a partir daqui atuar na consciência da sociedade no seu conjunto. (CASTELLS, 2004, p.170)
Esse poder que as redes possuem tem produzido uma espécie de revolução virtual. As ações políticas, através da internet, revelam um tipo de ativismo não institucionalizado em várias partes do mundo. O fenômeno da alienação, as investidas e as políticas neoliberais individualizantes, a falta de disponibilidade para agir coletivamente e a descrença em instituições políticas tradicionais, como o partido, uma parte dos sindicatos e os movimentos cooptados por essas organizações e governos têm estimulado, também, essa militância Cyber. Os ativistas manifestam suas ideias nas redes e propõem intervenções concretas como: passeatas, apitaços, projetos de lei, políticas públicas efetivas. Hoje, também, existem algumas críticas a essa nova forma de fazer política e há quem enxergue muitos limites, os quais dificultam o alcance das mudanças significativas na nova realidade, já que as ações podem se restringir a uma espécie de bordão que afirma: “a luta segue internauta”, “partilhe”, “curta”, “goste”. Tais exemplos de mobilizações demonstram de fato uma grande insatisfação com a sociedade capitalista e a sua face globalizada e, por isso, surgem as redes de movimento social. Como podemos conceituar essas atividades políticas no mundo virtual? Scherer-Warren (2006) afirma que as redes, Pressupõem a identificação de sujeitos coletivos em torno de valores, objetivos ou projetos em comum, os quais definem os atores ou situações sistêmicas antagônicas que devem ser combatidas e transformadas. (SCHERER-WARREN, 2006, p. 114)
As redes de movimento social inauguram um “Novo Tempo” da luta da “classe trabalhadora”. As redes funcionam, estrategicamente, como representantes dos grupos sociais que questionam a lógica dominante. Arrasta-se a “rede” para todos os cantos e o mar da humanidade inunda-se de clamores por um mundo melhor. A “onda” agora é reclamar e participar. Muitos desses movimentos, cujas articulações transpassam as barreiras territoriais e nacionais, estão sendo considerados como movimentos antiglobalização, dos quais as ações participativas inauguram uma nova sociedade civil, agora mais globa-
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lizada. Essa internacionalização da sociedade civil, possibilitada pelos sistemas de comunicação mais velozes, estaria constituindo, paulatinamente, uma “cidadania global”, transnacional, vindo das bases dos movimentos. (VIEIRA, 2012) Talvez você esteja se perguntando como surgiram esses movimentos antiglobalização, cujas ferramentas de luta são os próprios mecanismos comunicacionais da “era global”. Bem, não existe um único marco fundador desse tipo de atuação coletiva, mas há autores que enxergam os protestos contra as reuniões econômicas de organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), Fórum Econômico de Davos, reunião do G-8, manifestações em Seatlle e outros, como os motivadores para as manifestações contrárias a essas instituições. Outros apontam como um momento importante para a emergência desses novos protestos, um movimento de guerrilha considerado pacífico e iniciado no México na década de 1990, conhecido como Exército Zapatista de Libertação Nacional (AGUITTON, 2002 apud VIEIRA, 2012). Existem controvérsias a respeito do evento fundador do movimento antiglobalização. Muitos identificam que o levante zapatista, em 1994, seria esse ponto de partida. Primeiramente, porque sua ideologia buscava identificar a resistência local com uma crítica dos efeitos globais do neoliberalismo; em segundo lugar, porque o formato de sua articulação, isto é, a utilização da internet para construir redes de solidariedade, é considerado como uma das principais
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características dos protestos mundiais a partir de então. (VIEIRA, 2012, p.198).
Figura 5: EZLN (Soldado-Militante do Exército Zapatista de Libertação Nacional)
Fonte: Jose Villa - http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Zap1.jpg
Esse movimento teve destaque por ser composto por camponeses e comunidades indígenas da região de Chiapas e por sua liderança, conhecida como subcomandante Marcos, usar como instrumento de divulgação de suas demandas, objetivos, protestos e denúncias das condições de vida dessas populações, além de apelos de apoio a organismos internacionais a rede de computadores, mais precisamente a internet e as redes sociais.
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Figura 6: Subcomandante do Movimento Zapatista
Fonte: Jose Villa - http://en.wikipedia.org/wiki/File:SubMarcosHorseFromAfar.jpg
Atuando através de outras estratégias, mas expondo também a questão social dos trabalhadores rurais e camponeses de diferentes lugares, a Via Campesina é um outro tipo de movimento social conectado às redes sociais e articulado internacional- ________________________ mente na luta pelas condições dignas de trabalho e terra para as pessoas que estão ________________________ no campo. O movimento acontece no formato de encontros, conferências ou fóruns a ________________________ cada quatro anos e em regiões diferentes, organizado por escritórios locais e interna- ________________________ cionais. A Via Campesina trabalha a noção de solidariedade coletiva e foca na questão ________________________ alimentar, denunciando o agronegócio e o modelo de agricultura moderna que pro- ________________________ duz fome, exclusão, pobreza e agride, severamente, o meio ambiente.
A autora Scherer-Warren (2002) destaca a importância da produção de análises que não mais fragmentem a antiga divisão entre movimentos sociais rurais e movimentos urbanos, uma vez que a globalização econômica, tecnológica e informacional atingiu esses diferentes universos, possibilitando trocas de experiências, melhorando a comunicação entre os sujeitos, difundindo e aproximando culturas e, ao mesmo tempo, gerou desemprego e exclusões, tanto nas cidades como no campo. É assim que o debate em torno da crise da agricultura em escala mundial e local toma proporções globais na década de 1990, sobretudo com os embates e contestações às políticas econômicas neoliberais para a América Latina. É nesse contexto, portanto, que se destacam movimentos de contestação à Alca, Nafta e se ampliam as ações do Movimento dos Sem-Terra (MST) no caso do Brasil. Destacando o projeto desse movimento no sentido da construção coletiva e democrática das mobilizações em favor da conquista de direitos, Scherer-Warren (2002) frisa que o MST elabora novos lemas a cada encontro de avaliação e estes têm mudado desde a época em que se demandava: “Terra para quem nela trabalha”, até a “Reforma agrária: uma luta de todos”, período atual marcado pela participação cidadã efetiva.
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CARACTERIZANDO OS MOVIMENTOS SOCIAIS EM REDE E A “PRIMAVERA ÁRABE”: AS REDES DE MOVIMENTO QUE DERRUBARAM DITADURAS Para Machado (2004), os movimentos sociais que atuam em redes virtuais possuem algumas características que facilitam a sua expansão e ganham visibilidade através, sobretudo, da rápida disseminação de tantas organizações e suas conexões em redes. Eles têm a capacidade de incorporar frentes de lutas que podem ser mais particularizadas e específicas ou mais universalizantes e globais, uma vez que existe uma composição heterogênea de seus componentes e há uma diversidade de identidades incorporadas aos movimentos. Assim, eles Possuem grande dinamismo, podem se formar, alcançar certos objetivos, causar impacto e repercussão, expandir-se por razão de um fato político; da mesma forma, podem rapidamente se desmanchar ou desaparecer, conforme a situação. [...] Permite a organização de protestos simultâneos em diferentes cidades e países, assim como a articulação local de vários grupos de manifestantes dispersos. (MACHADO, 2004, p.8)
Essa caracterização feita pelo autor é didaticamente proveitosa por nos fazer
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entender o que de fato pode caracterizar uma rede de movimentos sociais. As redes são emaranhados complexos e sua extensão é universal. Tal fato impõe a reinvenção do conceito de “militância”, que no século XXI necessita de atualizações. Para Scherer-Warren (2006, p.120), muitos Têm afirmado que o ativismo e a militância vêm perdendo fôlego nas últimas décadas. A militância que se autodefinia como ‘revolucionária’, certamente sim. Mas há um outro tipo de ativismo, que se alicerça nos valores da democracia, da solidariedade e da cooperação e que vem crescendo significativamente nos últimos anos.
Essa necessidade de atualização da “militância” é tão latente no cotidiano que Vinadé e Guareschi (2008) afirmam que: Atualmente, os principais movimentos sociais atuam em redes sociais, utilizando as novas tecnologias da comunicação como principal ferramenta de intercâmbio de informações. Os movimentos de base político-partidária vão perdendo espaço, sendo este tomado por movimentos com demandas universais, mais plurais. (VINADÉ; GUARESCHI, 2008, p.12)
Essas referências às novas maneiras de fazer política e exercer a militância trazem reflexões sobre os antigos e os novos modos de se conceber a participação das pessoas e de suas lideranças nos movimentos. O século XXI aponta para um ativismo
movimento para a transformação social sem que a base diga o que quer. Esse ativismo pressupõe a participação de todos, ou pelo menos de muitos sujeitos, colocando em prática a ideia radical de democracia: a democracia cidadã. Por outro lado, ao invés de decisões meramente locais, assentadas nos espaços territoriais, os sujeitos coletivos estão promovendo o chamado associativismo, articulando-se em redes, compartilhando saberes e novas formas de militância coletiva. (GOHN, 2003; SCHERER-WARREN, 2006).
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em que não existe mais o grande líder que, com seu aporte teórico-ideológico, guia o
Esses associativismos estão sendo denominados de rede de movimentos sociais, o que [...] pressupõe a identificação de sujeitos coletivos em torno de valores, objetivos ou projetos em comum os quais definem os atores ou situações sistêmicas antagônicas que devem ser combatidas e transformadas. (SCHERER-WARREN, 2006, p. 113)
Portanto, os movimentos sociais atuais se caracterizam por assumirem uma ou mais identificações com alguma causa e por buscarem articulações diversas que favorecerão o fortalecimento de suas ações. Esses constroem, de maneira processual, seus projetos de luta, identificando seus opositores e almejando mudanças que poderão ser visualizadas no horizonte de seus interesses ou para além deles. Um exemplo recente de articulação de uma rede de movimentos sociais aconteceu no Oriente Médio e norte da África em países como a Tunísia, Egito, Líbia, Iêmen, Argélia, Marrocos, Iraque e outros. As redes foram fundamentais e impactaram, de forma estupenda, na organização e na força desses movimentos. Essa articulação em rede, nesses países, representou o que se chamou de “Primavera Árabe”, que foi considerada como uma revolução democrática desencadeada pelo ativismo em rede. A partir de informações vazadas nas redes e notícias sobre a onda de corrupção que assolava esses países, além do clamor por abertura política e por democracia frente a governos ditatoriais que se perpetuavam no poder por décadas, a população vai às ruas, parar o país por alguns dias e, com a pressão internacional (possibilitada pela divulgação dos movimentos via internet), consegue derrubar alguns desses governos ou promover mudanças significativas em seus países. Um caso ilustrativo dessas mudanças foi a renúncia do ditador Hosni Mubarak, em 2011, que governou o Egito por cerca de trinta anos e mergulhou o país em ondas de desemprego, repressão, corrupção e outros problemas sociais.
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Figura 7: “Apoio árabe demonstração da Primavera, em Pittsburg”.
Autor: Magharebia Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:2011_Moroccan_protests_1.jpg
Esses conflitos, que emergiram recentemente no oriente, são reflexos, em parte, das articulações promovidas em redes sociais, cujas comunidades virtuais tiveram
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uma influência enorme sobre a chamada “Primavera Árabe”. Dessa forma, houve uma contribuição significativa das redes de movimentos e das informações acessadas pela internet, o que forneceu mais elementos para os protestos, a ida das pessoas às ruas e a pressão pelo fim dos governos autoritários. Os dirigentes destes Estados, ao proibirem o acesso à rede ou apresentarem conteúdos favoráveis aos seus governos, tinham a verdadeira compreensão sobre o poder da internet. Entretanto, acabaram perdendo o poder para o povo que se organizou mais eficazmente através dessas redes. Por essa razão, esses movimentos também ficaram conhecidos como os desencadeadores das revoluções no mundo Árabe. Enquanto que no mundo Árabe, no contexto das “revoluções em rede”, a internet foi uma ferramenta de fundamental importância, no Brasil, essa “conectividade virtual coletiva” tem surtido alguns efeitos, porém ainda muito tímidos. O uso intenso dos recursos tecnológicos durante as revoltas no Oriente Médio estimula, e muito, a ação dessas práticas. Atualmente, temos a intensificação dos movimentos contra a homofobia, o debate acerca das implicações negativas com a possibilidade de redução da maioridade penal, o posicionamento contra ou a favor da nova lei das empregadas domésticas, e a movimentação contra a corrupção. Todos promovem o debate através do Facebook, Twitter e Youtube. O mundo se tornou uma rede.
A presente aula reflete sobre os conceitos de redes de movimentos sociais e as principais implicações que essa nova forma de mobilização política contemporânea produz na estrutura dos movimentos. Aborda as características dos movimentos sociais típicos das redes e apresenta as contribuições da “Primavera Árabe”, movimento que destituiu ditaduras no Oriente Médio e no norte da África, para potencializar as lutas neste universo virtualizado de disputas por um mundo melhor.
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SÍNTESE
O texto destaca o papel das ferramentas do mundo globalizado pelos movimentos sociais e, o que parece ser paradoxal, a emergência de vários movimentos antiglobalização que atuam em escala transnacional, derrubando fronteiras territoriais e conectando o local com o global. Pontua ainda o uso da internet e as formas de comunicação virtuais advindas das novas tecnologias da informação que fazem parte das estratégias de luta desses movimentos no enfrentamento das desigualdades e na busca de direitos e coberturas para suas demandas.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Para você, em que medida o acesso à internet e às redes sociais virtuais ou globais garantem a autonomia dos movimentos sociais em escala local ou transnacional?
Estes movimentos estão sob o controle de informações pelos agentes de interesse do ________________________ capitalismo internacional e dos projetos neoliberais? E ainda: quais os maiores ganhos ________________________ em termos de atuação e conquista de direitos dos diferentes movimentos sociais que ________________________
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140 Subcomandante Marcos anuncia o retorno da agenda política zapatista. http://www. contraprivatizacao.com.br/2013/01/subcomandante-marcos-anuncia-o-retorno.html Bom para Todos: Comunicação Movimentos Sociais. https://www.youtube.com/ watch?v=0pFmhezPH_U Clique e ligue: Movimentos sociais e tecnologia. https://www.youtube.com/ watch?v=3TjZPYUVC0s Código Florestal Brasileiro: a posição da Via Camponesa. https://www.youtube.com/ watch?v=BeTx4fY3g5Y Hosni Mubarak comandou o Egito durante 30 anos. https://www.youtube.com/ watch?v=nO-DFQ-f6tA Especial TV Cultura: Primavera Árabe. https://www.youtube.com/watch?v=KOm2JhmbnI Um ano de Primavera Árabe, a primavera inacabada. http://topicos.estadao.com.br/ primavera-arabe Olhar sobre o mundo. http://blogs.estadao.com.br/olhar-sobre-o-mundo/um-anode-primavera-arabe/
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