3º Semestre
PRÁTICAS EM SERVIÇO SOCIAL III Autora: Patrícia Vergasta
APRESENTAÇÃO Queridas Alunos,
É com muita alegria que vamos desvendar os aspectos Práticos em Serviço Social, como profissão, no período dos anos de 1960 a 1980. Nesta jornada teremos a oportunidade de conhecer como se deu o Movimento de Reconceituação na América Latina e no Brasil, contextualizar historicamente a profissionalização do Serviço Social no Brasil e compreender a influência do movimento nos aspectos teoricometodológicos. Vamos degustar de modo instigante, interessante e inteligente, informações relevantes para a formação de cada um de vocês. Este material foi preparado com carinho, pensando em vocês! Os textos e as atividades que encontrarão foram construídos na intenção de potencializar suas habilidades e competências. Isso só será possível se contarmos com o comprometimento e a disponibilidade de cada um de nós. Por isto, recomendo uma leitura atenta e a realização de todos os exercícios propostos, a fim de compartilharmos a delícia construção do conhecimento. Temos muito trabalho pela frente, por isto, desejo a todos iniciativa, coragem, determinação e dedicação!
Profª Patricia Vergasta
AULA 01 – O CENÁRIO BRASILEIRO APÓS A II
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GUERRA MUNDIAL
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Autora: Patricia Dantas Vergasta
Somente aqueles que nunca deram um tiro, nem ouviram os gritos e os gemidos dos feridos, é que clamam por sangue, vingança e mais desolação. A guerra é o inferno.
Gen. William T. Sherman
Olá!
É com muita alegria e satisfação que convido você para adentrar no contexto histórico do cenário brasileiro após a II Guerra Mundial, visto que, ao longo do desenvolvimento dos conteúdos propostos nesse semestre, é de extrema relevância conhecer uma parte da história do Brasil, para, a partir daí, situarmos o Serviço Social enquanto uma profissão que surge e se desenvolve durante toda a trajetória política do país.
Bons estudos!
Nossa primeira aula tratará acerca de alguns aspectos referentes ao cenário brasileiro após a II Guerra Mundial, mas, para isso, considera-se de suma importância realizar uma breve abordagem histórica a respeito da I Guerra Mundial. Sabe-se que nenhuma guerra surge sem motivos, mais ainda quando se trata de guerras com essa dimensão, que se expandiu e afetou as maiores potências mundiais.
Figura 1: Declaração de Guerra do Império Alemão em 1914 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Primeira_Guerra_Mundial
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De acordo com Figueira (2007), a I Guerra Mundial tem sua gênese especificamente em 28 de julho de 1914, a partir dos conflitos gerados com o assassinato de Francisco Ferdinando.
Figura 2: Francisco Ferdinando e Família Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_Fernando_da_%C3%81ustria-Hungria
Na época, Francisco Ferdinando foi constituído príncipe do império austrohúngaro. Mota (2005) afirma:
Em 1914, a Primeira Guerra Mundial começou em Sarajevo, na Bósnia, quando nacionalista da Sérvia mataram num atentado o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono do Império do Império- Austro- Húngaro. Os sérvios, de origem eslava, acharam que o atentado seria útil para a causa: a anexação ao Estado sérvio dos territórios eslavos dos Bálcãs – Croácia, Eslovênia, Bósnia – então sob domínio austríaco. (MOTA, 2005, p.34)
Após um longo período de investigação descobriu-se o autor do crime, porém as medidas que foram tomadas em relação ao criminoso, não foram aceitas pelo império austro-húngaro. Nesse sentido, a partir das insatisfações por conta do crime e das medidas de punição não aceitas, foi declarada, então, em 1914, a chamada I Guerra Mundial. Segundo Figueira (2007), foram criadas alianças entre os países; o mundo se dividiu em duas partes: de um lado, estava a união entre a França, Rússia e Reino Uni-
e Austro-Húngaro. Essas alianças foram realizadas com a finalidade de fortalecer os vínculos políticos e militares entre os respectivos países.
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do e do outro lado encontrava-se a Tríplice Aliança constituída pela Itália, Alemanha
Figura 3: Alianças da I Guerra Mundial Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Map_Europe_alliances_1914-en.svg
Conforme Sousa (2010), a I Guerra Mundial é caracterizada por três fases: a primeira fase delimitada especificamente no ano de 1914, a segunda fase marcada pelos eventos entre os anos de 1915 a 1916 e a terceira fase ente 1917 e 1918. Segundo o autor, a primeira fase foi marcada por significativos movimentos que envolveram grandes exércitos, período em que o exército da Alemanha invadiu a Bélgica e posteriormente penetrou no território da França. Ainda segundo o mesmo autor, a segunda fase, foi marcada pela guerra de trincheiras. As trincheiras eram utilizadas na perspectiva de defesa, ou seja, os exércitos se apropriavam das grandes redes que eles próprios cavavam. Nesse período, o exército alemão impunha sucessivas derrotas frente ao exército da Rússia.
Figura 4: Soldados inglesas entricheirados Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Trincheira
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Em relação à terceira e última fase, entre os anos de 1917 e 1918, Sousa (2010) diz que esse período foi marcado por dois momentos decisivos: a entrada dos Estados Unidos (EUA) no conflito e a saída da Rússia. A Inglaterra e a França se fortalecem, pois recebem todo suporte dos EUA.
Figura 5: Estados Unidos na I Guerra Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/a4/Flag_of_the_United_States.svg/800px-Flag_of_the_ United_States.svg.png
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http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/8/88/Soldier_wwII.jpg/344px-Soldier_wwII.jpg
Sabe-se que os EUA entraram no conflito por conta de interesses econômicos e comerciais. Os americanos tinham o interesse comercial por conta dos investimentos que os EUA fizeram, tanto para a França quanto para a Inglaterra. Nesse sentido, os americanos visavam receber de volta as aplicações e investimentos realizados. Ainda na terceira fase, a Tríplice Aliança passa a receber o apoio da Bulgária e Turquia; seus opositores passaram a contar com o apoio do Japão, Portugal, Romênia, Brasil, Grécia, Canadá e Argentina.
Figura 6: Veja a imagem no link abaixo: http://4.bp.blogspot.com/_kdeDKUQPDl0/SuF4S18BtQI/AAAAAAAAKsY/mzLCmDJtWhk/s400/index_clip_image002.jpg
O Brasil, inicialmente, assumiu uma posição neutra, contudo com o desenrolar da guerra se posicionou a favor da França, Rússia e Reino Unido. Colaborou com o envio de medicamentos e enfermeiros para dar suporte aos soldados feridos do campo de batalha. Houve, também, uma colaboração da marinha brasileira no Atlântico Sul. Mota (2005) faz um destaque aos dois blocos de países adversários na I Guerra Mundial:
ses com diferentes interesses, cada um decidido a aniquilar o outro, com uma violência sem precedentes que anunciava grande parte dos horrores que marcaria o século XX . (MOTA, 2005, p.34)
A Primeira Guerra Mundial foi, apenas, o primeiro momento catastrófico que
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O primeiro conflito mundial foi um choque entre dois blocos de paí-
marcou a história mundial em termos de aniquilamento entre os próprios seres humanos, visto que, consequentemente, a Segunda Guerra Mundial já estava por vim. Em meio a esse acontecimento, segundo alguns autores e historiadores, a sociedade européia foi que mais foi atingida pela violência e crimes cometidos contra a própria sociedade. De acordo com Mota (2005), esperava-se que a guerra européia deflagrada em agosto de 1914 fosse curta, visto que nenhum governo envolvido dispunha de projeto econômico e militar de amplitude para um conflito prolongado. Contudo, o conflito durou quatro anos e três meses, obrigando os beligerantes a mudar suas estratégias. Essa guerra se iniciou a partir de pequenos movimentos que aos poucos foi sendo ampliado. Posteriormente, passou a ser declarada como a guerra entre as trincheiras, ou seja, a guerra na verdade era por posições hierárquicas. Essas pequenas guerras ocasionavam um grande desgaste físico e psicológico entre aqueles que estavam inseridos. Mota (2005) nos fala a respeito:
Passo a passo o conflito se tornou mundial. O sistema de alianças arrastou outros países à luta. Entre 1914 e 1916, Alemanha, Áustria, Rússia, França e Grã-bretanha envolveram no confronto suas colônias e áreas de influência da África e da Ásia. O império Otomano e a Bulgária se juntaram á Alemanha porque o primeiro era inimigo da Rússia e os búlgaros alimentavam ressentimentos contra a Sérvia. (MOTA, 2005, p.37).
Em suma, a Primeira Guerra Mundial não surgiu com tamanha imensidão, ao contrário, sua gênese se dá de forma gradual, como relata Mota. Após essa breve abordagem, acerca dos principais aspectos que desencadeou a Primeira Guerra, trataremos, a seguir, sobre o surgimento da Segunda Guerra Mundial, destacando algumas características e por fim o cenário brasileiro frente àquela realidade social que trouxe tanta destruição de forma global.
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Que tal aprofundar seus conhecimentos sobre a I Guerra Mundial?
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Seguem sugestões de sites: http://pt.wikipedia.org/wiki/Primeira_Guerra_Mundial http://www.suapesquisa.com/primeiraguerra/ http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/primeira_guerra.htm http://www.culturabrasil.pro.br/primeiraguerramundial.htm http://www.algosobre.com.br/historia/primeira-guerra-mundial-a.html
Vale ressaltar que diversos acontecimentos ocorreram na história mundial no período entre a Primeira e a Segunda Guerra, tais como: a Revolução Russa, A crise de 1929, a ascensão dos regimes totalitários na Europa, a posse de Getúlio Vargas. Notase então que eventos nacionais e internacionais marcaram a história da sociedade brasileira, até o advento da Segunda Guerra Mundial. Vejamos, pois um breve histórico a respeito da origem da Segunda Guerra Mundial. Mota (2005) nos sinaliza um episódio ocorrido na União Soviética:
________________________ A cidade de Stalingrado, localizada às margens do Rio Volga, no ________________________ sul da União Soviética, foi palco de uma das mais sangrentas e im________________________ portantes batalhas travadas na Segunda Guerra Mundial. Durante ________________________ cinco meses (setembro de 1942 a janeiro de 1943), tropas nazistas ________________________ versus tropas soviéticas travaram uma “guerra de ratos”, passando ________________________ os modernos combates aéreos para uma luta de casa em casa, de corpo a corpo, nos escombros, nos esgotos, numa batalha que se ________________________ transformou em lenda da resistência soviética. (MOTA, 2005, p.37) ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Assim fica claro que um dos momentos mais sangrentos da Segunda Guerra ________________________ conseguiu, durante cinco meses, realizar em todo mundo impactos destrutivos que ________________________ desestruturou todo o sistema político, econômico e social dos países envolvidos pela ________________________ guerra. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ A primeira lembrança que se levanta, quando se entra em conta________________________ to com a Segunda Guerra Mundial, vem sempre acompanhada de perplexidade e horror, ao depararmos com a experiência nazista na ________________________ Alemanha. Ao terminar a guerra, à medida que os campos de con________________________ centração nazistas foram devassados, todo um espetáculo de bar________________________ bárie, escondido atrás de símbolos e gestos, veio à superfície, reve________________________ lando as engrenagens da morte que os campos ocultavam. (MOTA, ________________________ 2005, p.95)
tão destrutiva, que até na contemporaneidade, falar e se reportar a esse acontecimento, é sinônimo de miséria e ruína total. Vale lembrar, que nesse período o regime nazista contava com apoio das massas. Esse apoio significativo contava em sua maioria com estudantes alemães da classe média, sendo assim, eram eles os principais divulgadores desse regime vigente, como mostra Mota (2005):
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Percebe-se, dessa forma, que a consequência trazida pela Segunda Guerra foi
Os estudantes transformaram-se em importante veículo de divulgação dos símbolos e das propostas nazistas. Em 1933, quando Hitler assumiu o governo alemão, contou com o apoio de 50% dos integrantes da Associação Geral, composta por jovens alemães de classe média. (MOTA, 2005, p.95)
De acordo com Mota (2005), a Segunda Guerra Mundial surgiu a partir de alguns fatores e situações não resolvidas pela Primeira Guerra. Os tratados de paz assinados ao término da Primeira Guerra Mundial puseram fim aos combates, mas trouxe plena satisfação aos países envolvidos. As cláusulas, regidas pelos vencedores (Estados Unidos, França e Bretanha) e impostas aos vencidos, foram consideradas abusivas e humilhantes, notadamente pelos alemães.
Figura 7: II Guerra mundial Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/e/e8/Infobox_image_for_WWII.png/300px-Infobox_image_for_WWII.png
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As insatisfações por parte dos países derrotados, a não aceitação de normas e regras de extrema submissão, ocasionou uma postura de vingança e rivalidade entre tais países, como nos mostra Mota (2005):
O revanchismo encontrou seu terreno ideal na profunda crise econômica que se alastrou pela Europa a partir do crash de Wall Street, em 1929. A crise teve repercussões negativas nas relações internacionais. À medida que a depressão se aprofundava nos Estados Unidos, os empréstimos foram resgatados, interrompendo o fluxo de recursos para a Europa. (MOTA, 2005, p.95)
Conforme sinaliza Mota (2005), em meio à grande crise, muitos países começaram a tomar medidas preventivas, na perspectiva de serem afetados por ela a ponto de comprometer as relações políticas e sociais. Nesse sentido, segundo a autora, alguns países da Europa passaram a adotar tarifas alfandegárias altas, reduzindo as importações. Nota-se então que com o advento da grande crise econômica, aqui sinalizada, todo o comércio internacional foi afetado de forma direta. Porém, os Estados detentores de vastos impérios coloniais, como a Grã-Bretanha e a França, puderam, por meio de exploração de seus territórios no além-mar, equilibrar as rendas públicas.
________________________ As duras condições impostas à Alemanha em 1919 e a crise econômica de dez ________________________ anos depois favoreceram o crescimento do nazismo. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Figura 8: Hitler e o Nazismo Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/9/9c/Nazi_Swastika.svg/200px-Nazi_Swastika.svg.png ________________________ http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/66/Adolf_Hitler-1933.jpg ________________________ ________________________ ________________________
http://1.bp.blogspot.com/_4E0Mbd_X9BQ/Sh27mSWc2wI/AAAAAAAAAAM/_bD20HKjBR0/ s320/nazismo573360.jpg http://www.brasilescola.com/historiag/fatos-historia-relacionados-nazismo.htm http://www.cobra.pages.nom.br/ftm-nazismo.html
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Para compreender melhor o nazismo, consultar:
http://educacao.uol.com.br/historia/ult1704u42.jhtm
Sobre a estratégia nazista, Mota (2005) comenta: O programa do líder nazista era claro. Num primeiro momento, tratava-se de recuperar regiões antes pertencentes à Alemanha, ricas em matérias-primas valiosas para o pleno desenvolvimento industrial do Terceiro Reich, o terceiro império alemão (o primeiro fora o Sacro Império Romano-Germânico, na Idade Média, e o segundo, o Império de 1870). Depois viria a conquistas das fontes de matériasprimas em territórios sobre o controle de povos inferiores. (MOTA, 2005, p.95)
As características aqui sinalizadas foram os fatores que mais influenciaram e intensificaram o agravamento da guerra. Porém, Sousa (2010), aponta as características que traduzem a trajetória da Segunda Guerra Mundial. O primeiro período de 1939 a 1941 foi marcado por vitórias do Eixo, lideradas pelas forças armadas da Alemanha, que conquistou o Norte da França, Iugoslávia, Polônia, Ucrânia, Noruega e territórios no norte da África. Conforme Sousa (2010), a segunda fase constitui-se o período em que o Japão atacou a base militar norte-americana de Peart Harbor no Oceano Pacífico (Havaí). Após esse acontecimento, que foi considerado como um ato de traição, os Estados Unidos entram no conflito ao lado das forças aliadas. O terceiro período de 1941 a 1945 foi marcado pelas derrotas do Eixo, que foram iniciadas a partir das perdas sofridas pelos alemães no rigoroso inverno russo. Com a entrada dos EUA, os aliados ganharam força nas frentes de batalha. No que se refere aos EUA, vale mencionar, por exemplo, a bomba atômica que dizimou Hiroshima no final da II Guerra.
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Figura 9: Cidade de Hiroshima Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/2c/AtomicEffects-Hiroshima.jpg
Por fim, Sousa (2010) afirma que o Brasil participou de forma direta da Segunda
________________________ Guerra Mundial, enviando para a Itália (região de Monte Cassino) os pracinhas da FBE, ________________________ Forças Expedicionárias Brasileira. Foram enviados cerca de 25 mil soldados brasileiros ________________________ que conquistaram a região, somando uma importante vitória ao lado dos Aliados. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Figura 10: Soldados brasileiros ________________________ Fonte: Criação Unifacs http://www.gifsecliparts.com.br/militar.htm www.sxc.hu ________________________ ________________________ ________________________ Após realizarmos uma breve abordagem contextualizando a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, vejamos então em que cenário encontra-se o Brasil após a
Durante o Estado novo (1937-1945), o governo brasileiro viveu a instalação de um regime ditatorial comandado por Getúlio Vargas. Nesse mesmo período, as grandes potenciais mundiais entraram em confronto na Segunda Guerra, onde observamos a cisão entre
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Guerra.
os países totalitários (Alemanha, Japão e Itália) e as nações democráticas (Estados Unidos, França e Inglaterra). Ao longo do conflito, cada um desses grupos em confronto buscou apoio político-militar de outras nações aliadas. (SOUSA, 2010, p.01)
O Brasil, durante a Segunda Guerra Mundial, não declarou claramente sua posição. Sousa (2010) diz que, ao mesmo tempo em que Vargas contraía empréstimos com os EUA, possuía um governo próximo com traços fascistas e nazistas.
Figura 11: Vargas e Hitler Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/1d/Getulio.gif http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/ab/Bundesarchiv_Bild_101I-811-1881-31%2C_Adolf_Hitler_bei_ Rede.jpg/394px-Bundesarchiv_Bild_101I-811-1881-31%2C_Adolf_Hitler_bei_Rede.jpg
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Sousa (2010) continua afirmando que as autoridades norte-americanas se preocupavam com a possibilidade de o Brasil apoiar os nazistas, cedendo pontos estratégicos que poderiam, por exemplo, garantir a vitória do Eixo no continente africano.
A preocupação norte-americana, em pouco tempo, proporcionou a Getúlio Vargas a liberação de um empréstimo de 20 milhões de dólares para a construção de uma usina de Volta Redonda. No ano seguinte, os estados Unidos entraram nos campos de batalha da Segunda Guerra e, com isso, pressionou politicamente, para que o Brasil entrasse com suas tropas ao seu lado. Pouco tempo depois, o afundamento de navegações brasileiras por submarinos alemães gerou vários protestos contra as forças nazistas. (SOUSA, 2010, p.01)
Partindo do pressuposto apresentado por Sousa (2010), Vargas declarou guer-
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ra contra os italianos e alemães, visto que, o país buscava ampliar politicamente seu prestígio junto aos Estados Unidos e reforçar a aliança política com os militares. Nesse sentido, Sousa (2010) diz que, em 1943, foi organizada a Força Expedicionária Brasileira (FEB), destacamento militar que lutava na Segunda Guerra Mundial. Somente quase um ano depois, as tropas começaram a ser enviadas, inclusive com o auxílio da Força Aérea Brasileira (FAB). Em suma, o Brasil obteve um papel relevante no que diz respeito à sua participação na Segunda Guerra Mundial. De acordo com Mota (2005), após a Segunda Guerra o Brasil, passa a vivenciar fortes efeitos e consequências, entre elas, algumas mudanças significativas nos sistemas políticos, econômicos e sociais do país. Deu-se início à década dos governos chamados “populistas”, dentre eles: Eurico Gaspar Dultra (1946-1951); Getúlio Vargas, o qual já citamos aqui, Juscelino Kubischek (1956-1961); Jânio Quadros (1961) e por fim João Goulart (1961-1964). Um ponto fundamental a ser tratado aqui, no tocante ao cenário brasileiro pósguerra, diz respeito à Revolução Industrial ocorrida na Era Vargas, já que após a guerra, intensificou-se o número de imigrantes no Brasil. Para alguns historiadores, Vargas através da Revolução Industrial, reduziria ou iria extinguir a mão de obra dos imigrantes e dar oportunidades de trabalho aos brasileiros.
O momento em que surge o populismo coincide com o início dos processos de urbanização e industrialização. Na verdade, pode-se afirmar que o populismo latino-americano resultou da crise do po-
estritamente urbano, que se alimenta dos mesmos ingredientes que sustentam as oligarquias agrárias – a pobreza e a desinformação. (MOTA, 2005, p.127)
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der das oligarquias agrárias. Porém, o populismo é um fenômeno
O cenário brasileiro pós-guerra vivenciou, como já mencionado, um longo período denominado de governo populista. Mota (2005) diz que o populismo se expande no Brasil, em paralelo ao processo de urbanização e industrialização. No tocante ao processo de urbanização, sabe-se que durante esse período histórico, aumenta significativamente o êxodo rural, as famílias saiam do campo para a cidade, na perspectiva de buscar melhores condições de vida, visto que, o processo de industrialização já havia sido instalado no país. Vale ressaltar que os governos desse período, considerados populistas, adotavam comportamento paternalista e ao mesmo tempo autoritário, como afirma Mota (2005):
Esses governos adotaram um comportamento paternalista e autoritário: ao mesmo tempo em que concediam direitos aos trabalhadores, mantinham-nos sobre estreita vigilância e controle permanente. Assim essa prática política reproduzia as contradições existentes nos países latino-americano, divididos entre a sociedade rural oligárquica e o mundo urbano burguês. (MOTA, 2005, p.129)
A autora deixa claro que durante os períodos dos governos populistas, as práticas paternalistas norteavam as ações dos governos, visto que, os mesmos tinham como primordial interesse deter o controle total da população, fortalecendo seu poder autoritário. As políticas de caráter assistencialistas eram elaboradas e executadas no sentido de fortalecer a dependência do indivíduo ao benefício recebido, levando-o a acreditar que estaria recebendo um “favor” das mãos do governo.
Veja a imagem no link abaixo: Figura 12: Paternalismo Fonte: http://www.tonibosch.com/wp-content/uploads/2009/10/convivencia-entre-los-chilenos.jpg
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Outra questão relevante, que fez parte do cenário brasileiro pós Guerra, se refere à Constituição de 1946, promulgada em 18 de setembro de 1946.
Veja a imagem no link abaixo: Figura 13: Constituição de 1946 Fonte:http://www.sppert.com.br/miniaturas/Brasil/Hist%C3%B3ria/Constitui%C3%A7%C3%B5es/Constitui%C3%A7%C3%A3o_ de_1946/0_1259771184.9826.jpg
Segundo alguns historiadores, a Constituição de 1946 foi considerada muito avança para aquela época, visto que, já trazia em seus escritos os princípios de democracia e liberdade individual, discurso esse, que naquele período histórico não se fazia presente em meio ao contexto ditatorial. Mota (2010) nos fala sobre a Constituição de 1946: A Constituição promulgada em 1946 garantia a autonomia dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e estabelecia eleições diretas e obrigatórias para os cargos executivos e legislativos municipais, estaduais e federais. Ficavam excluídos do direito de voto os analfabetos e os praças (militares não graduados). Todas as mulheres com
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idade superior a 18 anos se tornaram eleitoras, diferentemente do que ocorrera na Constituição de 1934, quando o direito do sufrágio foi estendido a mulheres maiores de 21 anos, mas só eram obrigadas a votar aquelas que exerciam funções públicas remuneradas. (MOTA, 2005, p.127)
Dessa forma, a Constituição de 1946, traz para o país uma perspectiva de implantar democracia, que fora tão almejada pela sociedade brasileira inserida num contexto ditatorial. Conforme aponta Mota (2005), Dutra deu ao seu governo um caráter liberal. Em maio de 1946, o presidente decidiu demitir todos os funcionários públicos comunistas, demonstrando o caráter contraditório de sua gestão.
Figura 14: Dutra e a aproximação com os EUA Fonte: http://commons.wikimedia.org
Dultra colocou o PCB na ilegalidade, alegando ser o mesmo, um partido antidemocrático. Nota-se, entretanto que essa ação do governo não condiz com os princípios democráticos. Dultra permaneceu no poder até 1951, sendo substituído por Getúlio Vargas, que mais uma vez, com discursos populistas consegue aceitação popular e volta pela segunda vez ao poder, porém dessa vez, através de votos diretos. É importante lembrar que tanto Getúlio Vargas, como os demais governos aqui citados construíram as bases da trajetória histórica, política, social e econômica do Brasil.
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Posteriormente, tendo como base e dispositivo legal a Constituição de 1946,
Vale mencionar que Getúlio Vargas misteriosamente é encontrado morto, sendo disseminada a informação que o mesmo se suicidou. Sua herança política perdura por anos. Após a sua morte, destacam-se os governos de Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart. Este último foi forçado a renunciar o seu governo, sendo implantada a ditadura militar no Brasil. Poderíamos citar outros momentos históricos que caracterizaram o cenário brasileiro no Pós-Guerra, porém, consideram-se os fenômenos aqui citados, os mais relevantes para serem discutidos em nossa primeira aula. Na próxima aula buscaremos conhecer como a trajetória do Serviço Social no período da Ditadura Militar.
SÍNTESE Nesta aula realizamos uma breve abordagem histórica a respeito da Primeira Guerra Mundial, alguns aspectos relevantes, visto que, a gênese da Segunda Guerra está diretamente vinculada à Primeira. Posteriormente abordou-se acerca dos principais fenômenos que marcaram e originaram a Segunda Guerra Mundial. Esse desastre mundial trouxe para todos os países envolvidos destruição e catástrofes para toda sociedade. Por fim, situamos o cenário brasileiro após a Segunda Guerra, pontuando as significativas mudanças econômicas, políticas e sociais ocorridas durante esse período.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Qual a condição do Brasil após o evento da II Guerra Mundial? Quais foram as principais consequências para a sociedade brasileira no pós Guerra?
LEITURA INDICADA FAUSTO, Boris. História do Brasil, São Paulo, Edusp, 1995. SANTOS, Paulo Tarso de. 64 e outros anos. São Paulo, Cortez, 1984.
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REFERÊNCIAS
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FIGUEIRA, Divalte Garcia. História. Volume Único. 1. ed. São Paulo, Ática, 2007.
MOTA, Miryam Becho. História: das caravelas ao terceiro milênio. 1. ed. São Paulo, Moderna, 2005.
Segunda Guerra Mundial. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Segunda_Guerra_Mundial. Acesso em: 08 de novembro de 10.
Segunda Guerra Mundial. Disponível em: http://www.suapesquisa.com/segundaguerra/. Acesso em: 10 de novembro de 2010.
SOUSA, Rener. Fases da Primeira Guerra. Disponível em: http://www.brasilescola.com/historiag/primeiraguerra.htm. Acesso em: 10 de novembro de 2010.
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DA DITADURA MILITAR
Autora: Patrícia Dantas Vergasta “Uma ditadura é um estado em que todos têm medo de um e cada um tem medo de todos.”
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AULA 02 – O SERVIÇO SOCIAL NO CONTEXTO
Alberto Moravia
Olá!
É com muita satisfação que estamos aqui para juntos, nessa segunda aula, percorrermos a trajetória histórica do Serviço Social no contexto da ditadura militar. Veremos como o Assistente Social nesse período de opressão, em que predominante a lei do silêncio regia a sociedade brasileira, portava-se frente aos problemas sociais. O grande desafio lançado para você nessa segunda aula é, não apenas se limitar ao texto ora apresentado, apesar de sua rica abordagem, mas, sobretudo, consultar as referências bibliográficas aqui sugeridas. Dessa forma, certamente, alcançaremos
________________________ ________________________ no contexto da ditadura militar. ________________________ ________________________ ________________________ Bons estudos! ________________________ ________________________ ________________________ Serão apresentados, nesta aula, alguns desafios enfrentados pelo Serviço Social ________________________ brasileiro no contexto da ditadura militar. ________________________ Sabe-se que o Serviço Social não é uma profissão que tem um caráter linear, ao ________________________ contrário, sua gênese no Brasil é marcada pelas relações contraditórias entre o capital ________________________ e o trabalho, gerando assim o que os autores denominam de “questão social”. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ nosso principal objetivo que é justamente o entendimento acerca do Serviço Social
Figura 1 – As contradições do capitalismo Fonte:UNIFACS EAD
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É nessa arena de lutas de classes e relações altamente conflituosas que o Serviço Social fundamenta suas bases teórico-metodológicas.
Para tratar do assunto em questão, teremos o suporte teórico dos autores mais conceituados dentro do Serviço Social que, com muita propriedade, realiza uma rica abordagem acerca do Serviço Social no contexto da ditadura. É claro que é imprescindível bebermos de algumas fontes e assim realizaremos um significativo debate, o qual irá contribuir de forma positiva para nosso processo de aprendizagem.
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Figura 2 – Fonte do saber Fonte:UNIFACS EAD
De acordo com Faleiros (1993), o governo militar estabeleceu seu poder sob a coerção e não sob o consentimento da população. Nenhum governo pode manter-se sem um mínimo de sustentação popular. É nesse contexto de insatisfação popular que se instala no Brasil o período ditatorial. Sabe-se que a partir do Golpe de abril de 1964, a sociedade brasileira passa a vivenciar uma significativa mudança no sistema político. Vejamos a contribuição de Netto (2006):
O desfecho de abril foi a solução política que a força impôs: a força bateu o campo da democracia, estabelecendo um pacto contra-revolucionário e inaugurando o que Florestan Fernandes qualificou como “um padrão compósito e articulado de dominação burguesa”. Seu significado político e econômico foi óbvio: expressou a derrota das forças democráticas, nacionais e populares; todavia, o seu significado histórico-social era de maior fôlego: o que o golpe derrotou foi uma alternativa de desenvolvimento econômico-social e político que era virtualmente a reversão do que
Nota-se dessa forma, que o Golpe de abril põe fim e sufoca os grupos e forças democráticas, sendo inaugurado no Brasil a partir daí, uma nova forma de opressão militar.
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já mencionado fio condutor da formação social brasileira. (NETTO, 2006, p.25).
Figura 3 - Opressão Fonte:UNIFACS EAD
Netto (2006) aponta alguns aspectos e características que marcaram o advento e instabilidade do Golpe de 1964, em primeiro lugar, um traço econômico-social de extraordinárias implicações: o desenvolvimento capitalista operava-se sem desvencilhar-se de formas econômico-sociais que a experiência histórica tinha demonstrado que lhe eram adversas. O segundo ponto diz respeito à exclusão das forças populares dos processos de decisão política. Segundo o mesmo autor, a retirada da participação popular nas tomadas de decisão se intensifica a partir do Golpe de 64, porém, o Brasil é historicamente marcado pela concentração de decisão nas mãos de uma pequena burguesia, enquanto a maioria da população sempre esteve à margem das principais decisões política, econômicas e sociais.
GOLPE DE 1964
Fonte: http://gutodiascartuns.blogspot.com/
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Vale lembrar, que durante toda essa trajetória, ainda que as forças populares tivessem a iniciativa de tomar posições em relação à tomada de decisões, a classe dominante sempre conseguia neutralizar e calar a voz daqueles que gritava por justiça e igualdade de direitos. Assim, o povo era violentamente excluído da possibilidade de opinar acerca de sua própria realidade social. Netto (2006) nos fala um pouco sobre a opressão do período:
Em terceiro lugar, e funcionando mesmo como espaço, como topus social, de convergência destes dois processos, o específico desempenho do Estado na sociedade brasileira – trata-se de sua particular relação com as agências da sociedade civil. A característica do Estado brasileiro, muito própria desde 1930, não é que ele sobreponha ou impeça o desenvolvimento da sociedade civil: antes, consiste em que ele, sua expressão potenciada e condensada (ou se quiser, seu resumo), tem conseguido atuar com sucesso como um vetor de desestruturação, seja pela incorporação desconfiguradora, seja pela repressão das agências da sociedade que expressam os interesses das classes subalternas. (NETTO, 2006, p.19).
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O autor deixa claro, que o Estado brasileiro desde a década de 30 sempre usou sua potencialidade como forte estratégia no sentido de vedar e desestruturar as articulações da sociedade civil, sendo que essa postura se fortalece a partir do Golpe de 64.
Figura 5: O silêncio da ditadura militar Fonte: http://www.sxc.hu/photo/526333
De acordo Silva (1995), esse período foi marcado pela definição das bases do Estado de Segurança Nacional, a formulação de novos mecanismos de controle e a reforma constitucional; a institucionalização do novo Estado e sua grande crise em 1967 – 1968, quando o governo militar institui o Ato Institucional nº 5(AI-5).
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Figura 6 – Ato Institucional nº 5 Fonte: UNIFACS - www.sxc.hu
Segundo a autora, para analisar o contexto da ditadura militar é preciso considerar que esse longo teve no Brasil um caráter puramente homogêneo, dessa forma é marcado por períodos visivelmente demarcados. Conforme Silva (1995), de 1969 1974, foi caracterizado como o período mais rígido da ditadura militar; de 1974 a 1985, foi um momento marcado da distensão à retirada dos militares da cena política, como atores de frente. Assim, a autora deixa claro que todo o período ditatorial, a partir das mudanças ocorridas nas relações econômicas, políticas e sociais vivenciadas, é possível delimitar a representatividade de cada contexto histórico.
O Serviço Social brasileiro é bastante marcado por essa conjuntura. Contraditoriamente, enquanto tem freada, no início do novo regime, a sua vertente crítica emergente, é bastante reforçado, do ponto de vista profissional, na medida em que tem um grande impulso quantitativo, tendo em vista a expansão do mercado de trabalho, e qualitativo, considerando-se o amplo debate empreendido, no meio profissional, sobre questões de teoria e de método do Serviço Social, ainda que numa visão modernizadora, cientificista e tecnicista. (SILVA, 1995, p. 29).
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O Serviço Social inserido no contexto da ditadura militar é caracterizado por momentos de oscilações e por vezes contraditório, visto que, apesar da instalação de um Estado forte e bastante definido, o Serviço Social inaugura nesse período momentos de significativos questionamentos e reflexões acerca da prática profissional, tanto em relação aos fundamentos teóricos como no tocante à aplicação de uma nova metodologia, já que novas demandas e desafios eram apresentados ao Assistente Social. O mercado de trabalho começa a abrir suas portas para esse profissional devido às mudanças políticas, sociais e econômicas que diariamente ocorriam nesse período.
No primeiro momento da ditadura militar, o Serviço Social é bastante marcado em suas perspectivas e possibilidades de avanços críticos. Sobretudo é importante considerar que, nesse momento, se articula e se gesta na América Latina, a partir do Cone Sul, o Movimento de Reconceituação do Serviço Social latino-americano, que permite canalizar as insatisfações acumuladas pelos profissionais que se conscientizam, progressivamente, de suas limitações, tanto teórico-instrumental como político-ideológico. (SILVA, 1995, p. 29)
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É importante mencionar a respeito da relação contraditória da essência do Serviço Social enquanto uma profissão que buscava cada vez mais sua legitimidade frente ao Estado, no período mais cruel da história da sociedade brasileira, em que o Estado forte criava suas bases e se articulava no sentido fortalecer seu de controle institucional. O Serviço Social busca, de maneira intensa, realizar críticas e questionamentos a partir justamente de suas limitações institucionais. Nesse sentido, tendo como ponto de partida a busca por novos conceitos, teorias e metodologias, é que se dá o Movimento de Reconceituação, precisamente no ano de 1965. No toante ao Movimento de Reconceituação, Faleiros (1993) diz que o movimento reconceituador busca uma profunda vinculação com os movimentos sociais e s lutais populares, criticando a ineficiência e o caráter adaptativo da ação profissional frente aos problemas sociais. Porém trataremos minuciosamente a origem desse movimento em outra oportunidade, aqui nos limitamos apenas em citá-lo. Vale ressaltar que, de acordo com Silva (1995), o novo regime político instaurado no Brasil se constitui com base nas doutrinas de segurança nacional e desenvolvimento, ligadas diretamente ao antimarxismo e às ideologias da Igreja Católica.
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Figura 7 – Anticomunismo Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Anti-communism.PNG
Os movimentos políticos passam por um processo de intensa desmobilização. A autora menciona o MEB, o sindicalismo rural e experiências de DC, como sendo os segmentos os quais atuam muitos assistentes sociais nesse período, na perspectiva de efetivar o compromisso do Serviço Social com os setores populares. No tocante à efetivação do DC no Brasil nesse período ditatorial Souza (1991) afirma que:
O DC no Brasil assume novas perspectivas a partir de 1964. A desmobilização da massa trabalhadora, dos intelectuais e estudantes e a fragilidade da burguesia nacional fazem com que estes saiam da cena política, deixando a liderança do cenário nacional, sobretudo à burguesia associada ao capital internacional aos tecnocratas e aos militares. Estas mudanças no cenário político impõem redefinições para o DC que, nas instituições do setor público, passa a se estruturar como tecnologia executiva da política social governamental a nível das comunidades locais de vivência da classe trabalhadora. (SOUZA, 1991, p. 48)
Com a saída do DC da cena política, os profissionais que atuavam nesse âmbito, entre eles o Assistente Social, trabalhavam na perspectiva de implantação de programas usando metodologias adequadas, e dessa forma, os Assistentes Sociais e os demais profissionais passam a dar ênfase às técnicas de pesquisa, planejamentos e projetos.
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Figura 8: Desenvolvimentismo Fonte: http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=1212515
Toda elaboração teórica, os projetos, pesquisas e programas elaborados pelos profissionais que atuavam no DC serviam de mecanismo para arecardação de recursos para serem aplicados nas áreas comunitárias, porém, com o grave empobrecimento populacional durante essa década, o maior problema enfrentado pelos Assistentes Sociais era justamente falta de recurso, nesse sentido, Souza (1991) afirma que:
________________________ Por sua vez, os limites dos recursos públicos em relação à demanda ________________________ impõem ao profissional a criação de artifícios de seleção daqueles ________________________ que procuram os programas, assim como artifícios que assegurem ________________________ relações contínuas do programa da instituição com aqueles grupos ________________________ não-beneficiados pelos recursos materiais e serviços específicos ofe________________________ recidos. (SOUZA, 1991, p. 48) ________________________ ________________________ ________________________ Percebe-se que o Assistente Social há décadas vem enfrentando o forte desafio ________________________ em relação aos recursos destinados aos programas voltados para as classes populares. ________________________ A política econômica da década de 60 apenas favorecia que o crescente empobreci________________________ mento populacional no Brasil se alastrasse cada vez mais. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Figura 9: Empobrecimento populacional Fonte: http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=1156442
compromisso com a classe trabalhadora e com os interesses da população que recorria aos serviços públicos. Silva (1995), diz que:
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Considerando que os Assistentes Sociais na década de 60 buscavam selar um
Esse trabalho é desativado com o golpe militar de 1964, restando, como espaço de atuação profissional dos assistentes sociais, execução de políticas sociais em expansão e programas de DC, tendo como principal função eliminar a resistência cultual às inovações, enquanto obstáculos ao crescimento econômico, bem como integrar as populações aos programas de desenvolvimento. (SILVA, 1995, p.30)
Assim, cabia ao Assistente Social, na década de 60, realizar todo um trabalho de cunho educativo, no que se referem, às questões culturais, realizando ações que proporcionassem o convencimento populacional no tocante as propostas de inova-
ção, visto que, na concepção da classe dominante, o fator cultural seria um forte obs- ________________________ táculo que poderia impedir o crescimento econômico de país. Em paralelo, além das ________________________ atividades de cunho educativo, os Assistentes Sociais tinham como objetivo integrar a ________________________ população nos respectivos programas de desenvolvimento.
Figura 10 – Atividades de recreação Fonte: http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=831127
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Sabe-se, que durante esse período, o Estado se caracterizava por postura puramente intervencionista no sentido de interferir nos problemas sociais através de uma significativa ampliação dos programas sociais. Outra forte característica é seu controle na relação capital-trabalho, através do controle dos sindicatos. (SILVA, 1995).
Figura 11 – Controle da participação Fonte: www.toondoo.com - UNIFACS ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ A segunda fase do período ditatorial, a qual alguns autores denominam como ________________________ “o período mais rígido”, exige do Assistente Social nova estratégia de ação profissional. ________________________ Silva (1995) nos apresenta alguns fatores que marcaram esse período. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ O período de 168-1974 é marcado profundamente pela repressão ________________________ aos setores populares organizados e àqueles considerados inimigos ________________________ do novo regime, com abertura de espaço para os conservadores, só ________________________ sendo possível a sobrevivência das organizações de oposição na ________________________ clandestinidade. [...] Dá-se, então, a institucionalização da tortura como método de interrogatório e controle político, criando-se a “cul________________________ tura do medo” com a implantação do silencio. (SILVA, 1995, p.31) ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ A Lei do silencio e as torturas tomaram conta de toda sociedade brasileira, por ________________________ esse motivo é que esse período é considerado o mais agressivo e violento de toda ________________________
história do país. Porém, sabe-se que em relação ao aspecto econômico e político, hou-
conseguia controlar toda a sociedade brasileira. Daí a gênese do chamado milagre econômico, que segundo Singer:
[...] decorre de uma decisão política do governo ao liberar o crédito
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ve um significativo crescimento do PIB (produto interno bruto), pois o Estado “forte”
a partir de 1968, após vários anos de recessão, com baixa utilização da capacidade produtiva, taxas relativamente altas de desemprego, custo reduzido de mão-de-obra de pouca qualificação, acrescido de uma grande propensão ao consumismo por parte das camadas mais elevadas. (SINGER, 1998 apud SILVA, 1995, s.p.)
Para Silva (1995), com o advento do milagre econômico, o governo passa a tomar medidas importantes em relação à classe trabalhadora, visto que, há um aumento significativo das tensões sociais. É nesse contexto que urge a político do arrocho salarial e a substituição do sistema de estabilidade no emprego pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), sendo abolido, na prática, o direito de greve. De acordo com a autora, a política social se coloca como estratégia para atenuar sequelas do desenvolvimento do capitalismo monopolista no país, marcado pela superexploração da força de trabalho e pela forte concentração de renda.
Figura 12: A ilusão do milagre econômico Fonte: http://gutodiascartuns.blogspot.com/
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Assim, fica bastante claro o nesse contexto histórico, qual o papel da política social, visto que, a partir desse período houve fortes distorções e desigualdades em relação à produção e ao consumo. Pode-se concluir que a política social era tida apenas como um mero paliativo e servia apenas para acalmar as tensões sociais que marcaram esse período. Vale lembrar que os programas do DC nesse período eram tidos como um elo entre a população e os programas governamentais. Vinculados os programas do DC, a política social é assumida como um conjunto de entidades como afirma a autora:
A política social, assumida por esse conjunto de entidades e implementadas nesses programas, passa a contar com o assistente social como uma categoria profissional diretamente responsável pela sua operacionalização, o que, inevitavelmente, faz com que a profissão seja influenciada pelas características marcantes da política social nesse período, quais sejam: extrema centralização política e financeira em nível federal; acentuada fragmentação institucional para sua operacionalização; exclusão da participação social nos processos políticos de decisão; forte conteúdo coorporativo das demandas, decisão e implementação das políticas e programas; uso
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clientelístico dos recursos e distribuição de benefícios [...] (SILVA, 1995, p.33-34)
Dessa forma, pode-se perceber que a autora define claramente em que contexto estava inserido o Assistente Social nesse período de rigidez da ditadura militar. Sua prática profissional estava diretamente vinculada à operacionalização das políticas sociais, porém essas políticas reforçavam ações paternalistas, e assistencialistas, tendo um caráter puramente seletivo e fragmentado. Em suma, a política social nesse período apenas contribuía como forma de controle do Estado sobre a classe subalterna, visto que os trabalhadores criavam vínculos e dependência em relação aos benefícios recebidos.
Figura 13: Política social na ditadura Fonte:Montagem sobre Clipart
teorias marxistas tanto entre os Assistentes Sociais como entre os demais profissionais que atuavam na área social. Em suma, esse segundo período entre 1969 e 1974 foi a fase de maior repressão que a sociedade brasileira pôde vivenciar. Nota-se nesse período que muitos profissionais, principalmente aqueles que atuavam na área social desenvolviam suas atividades na perspectiva de contribuir para o desenvolvimento e crescimento econômico, sendo assim, percebe-se um claro controle da classe burguesa, não apenas sobre a classe subalternas, mas, sobretudo, seu controle se estende aos
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Vale lembrar que a década de 70 é marcada também pelo fortalecimento das
profissionais que com a chamada “Lei do Silêncio” aceitavam a subordinação as forças do Estado. No terceiro e último momento da ditadura, entre 1974 e 1985, houve, segundo Silva (1995), o:
[...] reaparecimento da classe trabalhadora no cenário político nacional e pela desmistificação do milagre econômico brasileiro: pelo aprofundamento da crise econômica, principalmente a partir de 1977, no contexto da crise internacional do petróleo; pelo retorno de elevados índices inflacionários e pela elevação da dívida externa brasileira. (SILVA, 1995, p.36)
Esse terceiro período, como observamos, é constituído por diversas oscilações no que se refere ao sistema político e econômico do país. A grande conquista estava na abertura de participação popular nas decisões políticas. Apesar da forte crise econômica que assolava o Brasil, esse período é considerado, do ponto de vista político, o mais aberto à participação da classe trabalhadora. Nesse sentido, Netto (2006) diz que “[...] a aceleração do processo político foi potenciada por dois fenômenos: o movimento operário e sindical retomou ações significativas e o movimento estudantil expressão privilegiada da pequena burguesia urbana, assumiu ruidosamente a frente da contestação à nova ordem”. Faleiros (1993) nos apresenta o projeto da ditadura militar a partir de 1978:
A partir de 1978, o governo militar elaborou um projeto de distensão gradual e controlada e começou a diminuir a repressão, a tortura, a censura, o encarceramento, principais métodos do governo da ditadura militar. Este projeto com distensão política visava dar mais legitimidade ao governo, sem arriscar perder o poder, e melhorar o país. A liberação para a formação de novos partidos políticos (com exclusão do Partido Comunista) tinha por fim dividir a oposição e evitar a repetição dos desastres eleitorais de 1974 a 1978. (FALEIROS, 1993, p.36)
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Sabe-se que os movimentos políticos e sociais começaram a ganhar espaços e a participar dos processos de decisões políticas. A pressão classe trabalhadora obrigou o Estado tomar novos posicionamentos frente aos problemas sociais. O governo, por temer em perder o poder, sua supremacia, passa a elaborar projetos para legitimar seu governo e em paralelo, autoriza a criação de partidos políticos que posteriormente iriam acompanhar algumas questões voltadas para o sistema eleitoral.
Figura 14: Processo eleitoral Fonte: http://commons.wikimedia.org
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De acordo com Silva (1995), no âmbito da rearticulação da sociedade civil, o movimento popular pela moradia e o movimento sindical saem da clandestinidade para lutar por questões reivindicativas básicas em face da deteriorização das condições de vida e para contestar a política econômica. Essas pequenas mobilizações populares tiveram apoio de algumas agências e entidades que davam suporte no que se referia ao fator econômico. Vale ressaltar que a Igreja Católica era tida como uma das principais arenas políticas durante essas décadas.
O espaço aberto na sociedade civil e na sociedade política por uma persistente resistência é então ocupado pelos movimentos políticos e sociais. As Comunidades Eclesiais de Base (CEB)da igreja católica tornam-se um lugar de discussão política e de reivindicação para a solução de problemas sociais. As igrejas se abrem às assembléias dos sindicatos e dos movimentos rurais e urbanos. (FALEIROS, 1993, p.149)
Pode-se então afirmar que a igreja, ao abrir suas portas aos movimmentos e associações, contribuiu para fortalecimentos desses grupos, visto que, ela representava, nesse período, uma poderosa arma que, ao lado da burguesia, buscava estratégias para manter-se no poder.
greves que, segundo Faleiros (1993), deflagravam em 1979 a 1980 na indústria e nos serviços entre as quais as dos metalúrgicos em São Paulo, da construção civil em Belo Horizonte, dos professores de todos os níveis. Essas greves resultam de uma conjuntura de recessão aguda. Assim reafirma o autor:
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Outro aspecto importante a ser abordado aqui diz respeito às significativas
[...] face às greves, o governo reage tanto pela repressão como pela negociação, elemento relativamente novo no processo político. A negociação é então imposta por uma corrente muito importante da burguesia industrial – em particular dos empresários de São Paulo -, que compreende que o capitalismo deve se liberalizar se não quiser desaparecer na onda de uma revolução. (FALEIROS, 1993, p.150)
O autor é bastante claro ao se referi ao contexto histórico que envolve a participação ativa da sociedade civil. As greves são nesse momento uma das maiores forças da participação popular, visto que, as mesmas eram totalmente organizadas e articuladas para pressionar e mobilizar a classe dominante, porém o governo ora reagia por meio de opressão, ou seja, via violência, ora solicitava a presença dos representantes ________________________ dos movimentos para uma possível negociação. É nesse cenário de lutas e contradi- ________________________ ções que o Assistente Social estava inserido, tendo uma postura a partir da década de ________________________ 80, bastante definida. No tocante às políticas sociais, afirma Silva (1995), o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) preconiza uma política social voltada para beneficiar especialmente as populações que se situam no nível da pobreza absoluta, preconiza a redistribuição de renda. Dessa forma, esse período inaugura um novo momento para as políticas sociais. Agora mais do que nunca, a política social passa a ser cada vez mais seletiva, elegendo entre os pobres, os mais pobres. Isso porque, a década de 80 se alastra no Brasil a grande crise do desemprego e da miséria econômica. Assim, pode-se afirmar que essa década, no âmbito dos acontecimentos políticos, trouxe para o Brasil muitas conquistas e momentos de libertações ideológicas e culturais, porém economicamente houve a grande crise de toda história da sociedade brasileira. Silva (1995) chama a atenção para a abertura política que se deu no governo de Figueiredo:
No governo de João Batismo Figueiredo (1979-1985) é preconizada uma ampliação da política de liberação, agora denominada “abertura”, permanecendo, porém, obediente aos parâmetros da “demo-
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cracia forte”, estabelecidos pelo governo anterior, o que significa
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uma liberação planejada e controlada que praticamente distingue a oposição aceitável da intolerável. (SILVA, 1995, p.37).
Nota-se dessa forma, que existe uma significativa ampliação das políticas sociais no sentido não apenas de contar o aumento das mazelas e problemas sociais, mas, sobretudo, na perspectiva de se tornar um mecanismo de controle sob a classe trabalhadora. Figueiredo tinha como principal objetivo fortificar e legitimar sua aceitação frente à população. Em meio à crise econômica, a política social intensifica seu caráter de ações paliativas e assistencialistas.
Para administração do aprofundamento da crise econômica a partir de 1979, acompanhada da elevação dos índices inflacionários, do crescimento da dívida externa e do agravamento das condições de vida da população, é instituído o III PND (1980-1985), que define como objetivos nacionais prioritários, o acelerado crescimento da
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renda e do emprego; a melhoria da distribuição de renda, com redução dos níveis de pobreza absoluta e elevação dos padrões de bemestar das classes de menor poder aquisitivo [...]. (SILVA, 1995, p.37).
Esse III Plano Nacional de desenvolvimento da década de 80 tinha como principal objetivo melhorar as condições de vida da população que se encontrava em estado de vulnerabilidade social. Suas diretrizes eram voltadas para garantir uma melhoria no sentido cultural, político e social da população que fora atingida com a grande crise econômica. Intensificam nesse período as refrações da questão social, a miséria, a fome, a desigualdade social, aumenta significativamente a partir da crise do desemprego, como afirma Faleiros (1993), o desemprego e o subemprego aumentam. A taxa de desemprego, que era até 4% nos anos 70, passa para 11% em novembro de 1981. Os setores monopolistas se desenvolvem, bem como as formas mais tradicionais da economia de subsistência. No tocante à questão social, a autora afirma:
No regime militar, a questão social foi enfrentada pelo binômio repressão-assistência, ficando a assistência subordinada aos preceitos da Doutrina de Segurança Nacional, funcionando como mecanismo de legitimação política do regime. (SILVA, 1995, p.38).
dendo ser resolvido através de normas e regras burocratizadas. Sendo assim, a assistência social era tida como mais um dos mecanismos utilizados para garantir a paz social. Em relação ao Serviço Social inserido nesse contexto, Silva (1995) diz que, “o percurso do Serviço Social no Brasil, no período de 1974-1985, configura uma intensa movimentação dos assistentes sociais que repercute profundamente nas três dimensões constitutivas da profissão representadas pela dimensão político-organizativa e
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A questão social era vista puramente como um problema administrativo, po-
pela dimensão acadêmica.”.
Finalizamos esta aula após termos realizado um breve histórico do Serviço Social no contexto da ditadura militar. Nas próximas aulas começaremos a conhecer o Movimento de Reconceituação do Serviço Social.
SÍNTESE Nesta aula vimos que a ditadura militar constitui o período entre os anos de 1964 a 1985, que se instala no Brasil a partir do Golpe Militar de abril de 1964, marcado pela tortura, repressão e pela cultura do medo. O Serviço Social nesse contexto tem ________________________ suas práticas voltadas para DC junto à população, recuando por vezes, do âmbito pro- ________________________ priamente institucional. Suas ações estavam voltadas para os programas, planos e pro- ________________________ jetos do DC. Em suma, a profissão apesar do momento de tortura e opressão, avança ________________________ no sentido de buscar novas metodologias e novas técnicas para melhor desenvolver ________________________ a prática profissional. ________________________
________________________ ________________________ ________________________ QUESTÃO PARA REFLEXÃO ________________________ Para o Serviço Social, a ditadura militar não significou apenas momentos de ________________________ torturas, houve conquistas significativas alcançadas pela categoria. Convido você a ________________________ refletir sobre quais foram os aspectos positivos que marcaram a trajetória do Serviço ________________________ Social mesmo em meio à ditadura militar. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ LEITURAS INDICADAS ________________________ ________________________ IAMAMOTO, Relações sociais e serviço social no Brasil: esboço de uma interpretação ________________________ histórico-metodológica. 21. ed. São Paulo: Cortez, 2007. ________________________ MACEDO, Mirtes de Aguiar. Reconceituação do Serviço Social: formulações ________________________ diagnósticas. São Paulo: Cortez, 1981. ________________________ ________________________ SANTOS, Josiane Soares. Apropriação da tradição marxista no Serviço Social. ________________________ Disponível em: <www.assistent esocial.com. br/novosite/cadernos/Cadernos42.PDF>. Acesso em: 01 nov. 2010.
REFERÊNCIAS
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FALEIROS, Vicente de Paula. Saber profissional e poder institucional. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1993.
NETTO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social: uma análise do serviço social no Brasil pós-64. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2006.
SILVA, Maria Ozanira da Silva e (coord.). O Serviço Social e o popular: resgate teórico-metodológico do projeto profissional de ruptura. São Paulo, Cortez, 1995.
SOUZA, Maria Luiza de. Desenvolvimento de comunidade e participação. São Paulo: Cortez, 1991.
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TUAÇÃO E O PROCESSO DE RENOVAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL Autora: Patricia Dantas Vergasta
“Não há conquistas fáceis. São as estradas sinuosas que levam
43 práticas em serviço social III
AULA 03 – O MOVIMENTO DE RECONCEI-
ao caminho certo. O profissional, em qualquer ofício, alcançará o triunfo a partir de um espírito tenaz, forte, obstinado.”
Afonso Opazo
Salve, Salve!
Mais uma vez convido a todos a darmos início a mais um relevante debate acerca do mais significativo movimento realizado na década de 60 que trouxe para o Serviço Social brasileiro uma nova identidade. Refiro-me, sem exageros, ao fenomenal “Movimento de Reconceituação” e claro junto a ele “O processo de renovação do Serviço Social brasileiro.” Gostaria de contar com sua coragem e entusiasmo para mergulharmos no mar do referencial teórico aqui proposto, que validará nossa reflexão. Cer- ________________________ tamente esse processo de aprendizagem será algo prazeroso, visto que, contaremos ________________________ com os mais conceituados autores do Serviço Social e suas respectivas bibliografias.
Sucesso nessa jornada!
Abordaremos nesta aula, o Movimento de Renceituação e o processo de renovação do Serviço Social, porém antes de tudo, faz-se necessário situar o contexto histórico e os principais fatores que ocasionaram a efetivação desse movimento, já que o Serviço Social no Brasil tem sua trajetória histórica marcada pelo conservadorismo. Nesse sentido Iamamoto (2007) diz que:
A análise da trajetória histórica do Serviço Social no Brasil aponta, como sugerido anteriormente, para a prevalência de um comportamento essencialmente conservador. Nota-se, a partir dos registros disponíveis, que é apenas no final dos anos 50 e início da década seguinte que se fazem ouvir as primeiras manifestações, no meio profissional, de posições que questionam o status quo e contestam a prática institucional vigente. (IAMAMOTO, 2007, p.35)
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A partir da década de 50, o Serviço Social brasileiro começa a dar sinais de insatisfações e inquietações em relação ao poder institucional e às práticas burocráticas, que durante esse período norteava a prática profissional do Assistente Social. Vale lembrar, que o Brasil vivenciava o auge do período ditatorial, dessa forma, as pequenas manifestações contribuíram para o fortalecimento as articulações políticas, como sinaliza a autora:
No plano político interno, essas manifestações coincidem com a intensificação da radicalização política que marca o período final do pacto populista e que tem por desfecho uma expressiva mudança na correlação de forças com o golpe de 1964. (IAMAMOTO, 2007, p.35)
No entanto, esses pequenos movimentos e manifestações, timidamente, recuaram devido à repressão da ditadura, reaparecendo mais fortalecidos na década de 60 e 70. Segundo Faleiros (2005), para entender a reconceituação, não basta contrapor-se
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o “novo” ao “velho” serviço social. Esta concepção é muito simplista, como se houvesse existido somente uma modernização, que teria sentido na medida em pudesse ter trazido mais eficiência ou eficácia à atividade profissional. Nesse sentido, o autor reafirma que é preciso ir aos fundamentos da reconceituação como um paradigma crítico de análise e de estratégias socioprofissionais. Dessa forma, fica claro que o Movimento de Reconceituação não se refere a um fato isolado, nem a um momento específico de modernização e renovação da história do Serviço Social, na verdade, existiram vários momentos e tentativas de avanço da profissão, desde o surgimento de pequenas manifestações como já mencionado aqui. apresentaremos alguns desses acontecimentos que contribuíram para evolução teórica do Serviço Social.
A primeira é a visão desenvolvida por alguns autores tentando incorporar ao Serviço Social uma perspectiva semelhante à das empresas, de “racionalização”. Segundo Dantas (1970), por exemplo, a crise de concepção e metodologia se resolveria com a aplicação de conhecimentos (o serviço social seria uma aplicação de conhecimentos elaborados pelas chamadas ciências sociais) para modificar “situações sociais problemas”, utilizando-se principalmente do método de planejamento para a otimização dos recursos do serviço social. (FALEIROS, 2005, p.22)
de formulação de um novo conceito para o Serviço Social, porém nota-se, conforme sinaliza o autor, que essa formulação apenas tendia a burocratizar ainda mais a prática profissional, favorecendo um pequeno grupo, a classe dominante.
Desigualdade Social Fonte: UNIFACS EAD
Nesse prisma, o Serviço Social se apropriaria do método de planejamento para desenvolver sua atividade puramente burocratizada, a fim de melhorar e reforçar o próprio sistema capitalista.
Uma segunda tendência é a defendida por vários autores da “chamada geração 65”, que propuseram uma re-novação (novo) do serviço social brasileiro e do Cone Sul da América (implicando Uruguai, Argentina e Brasil) pela utilização da lógica do planejamento então existente para se estabelecer o diagnóstico, um plano de ação e uma intervenção profissional (FALEIROS, 2005, p.22)
De acordo com Ribeiro (2010), a geração 65 era constituída por um grupo de profissionais de vanguardas reunidos em torno de questionamentos acerca das bases conservadoras do Serviço Social, sendo a centralidade do debate a busca pelas importações críticas do Serviço Social na defesa de uma profissão latino-americana comprometida com um desenvolvimento de um projeto comprometido com o continente. Conforme a autora, os seminários regionais de Serviço Social tiveram um papel central
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Esse primeiro momento é considerado, por alguns autores, como uma tentativa
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e seu marco foi o Seminário Regional Latino-Americano de Serviço Social” realizado em 1965 na cidade de Porto Alegre RS. Nesse mesmo período, segundo Ribeiro (2010), o Centro Latino Americano de Serviço Social (CELATS) transforma-se em núcleo de investigação e da produção teórico-metodológica responsável pela elaboração do pensamento crítico mais avançado do Serviço Social na América Latina. Vale lembrar que o CELATS é um órgão acadêmico da Associação Latino - Americano de Trabalho Social (ALAETS).
PARA CONHECER MAIS A CELATS E A ALAETS, VISITE OS SEGUINTES ENDEREÇOS: http://www.celats.org/ http://www.ts.ucr.ac.cr/alaets.htm
Um terceiro aspecto relevante para o debate em questão, na década de 60, se refere à elaboração do Documento de Araxá, o qual trataremos de maneira mais específica na próxima aula.
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Uma terceira vertente expressa no Documento de Araxá, elaborado em 1967 por um grupo de expoentes do serviço social, agrupados no CBCISS (então Comitê Brasileiro de Conferencia Internacional de Serviço Social), define a ação do profissional do serviço social como um instrumento de desenvolvimento humano (individual e coletivo) “em um esforço de teorização”. (FALEIROS, 2005, p.23)
Conforme aponta Faleiros (2005), a elaboração do Documento de Araxá, fundamentava a base do serviço Social num caráter corretivo das causas que dificultavam o seu desenvolvimento, além de reforçar também o caráter de promoção e prevenção, na perspectiva de evitar as causas do desajuste, e assim tratar os problemas sociais individuais e coletivos. Para esse autor, o Documento de Araxá se vincula à corrente desenvolvimentista. Nesse sentido, Netto (2006) afirma que os valores ideoculturais que embasam a visão de Araxá não são ultrapassados, a noção de desenvolvimento permanece; mas a herança tradicional é irremissivelmente dissolvida no cariz operativo que se concretiza em Teresópolis. No tocante ao Seminário em Teresópolis, trataremos também em um outro momento, com mais propriedade, porém a priore, vale ressaltar sua contribuição para esse processo de busca pela renovação e reconceituação do Serviço Social.
cessidades humanas, segundo a formulação dada tanto pelo grupo de economia e humanismo, como pelas Nações Unidas, buscandose aquilatar a distância entre o provimento de necessidades na realidade e os limites estruturais. Restringe-se, no entanto, à consideração de uma realidade em seu movimento histórico mais imediato, sem relacioná-lo com a dinâmica de classes, de opressão. (FALEIROS, 2005, p.23)
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O Documento de Teresópolis, de 1970, põe ênfase no conceito de ne-
Assim, de acordo com esse autor, a perspectiva de renovação de para os formuladores de Teresópolis, em relação ao Serviço Social, referia-se à busca em atenuar situações de carência e adequar-se às formas de mudança e de crescimento estabelecidas pelos grupos hegemônicos. Em suma, vale lembrar que:
Não se pode deixar de lado a consideração de que nessa época a ditadura e os órgãos de repressão obrigavam partes dos opositores do sistema a viver na clandestinidade. Alguns textos de então faziam referência à desigualdade social e à estrutura capitalista, de forma indireta. (FALEIROS, 2005, p.24)
Por fim, ainda na perspectiva de questionamento acerca das práticas do Serviço Social, tem-se na década de 80 a elaboração de um novo documento em Sumaré. A esse respeito, diz o autor, esse documento assume uma posição funcionalista e considera que a reconceituação possa ter um caráter funcionalista sistêmico. Discute as possibilidades de um novo serviço social na ótica dialética e na ótica da fenomenologia, abrindo-se ao pluralismo. Os seminários sinalizados impulsionaram o Serviço Social a buscar profundos questionamentos e propostas de renovação e reconceituação. Após essa breve abordagem acerca das mobilizações, situemos o Serviço Social especificamente no contexto do Movimento de Reconceituação.
A mobilização social e política da sociedade e a mobilização interna dos assistentes socais põem em relevo a crise da profissão em meados dos anos 1960: sua desqualificação no mundo científicoacadêmico, sua inadequação “metodológica” com a divisão em serviço social de caso, serviço social de grupo e desenvolvimento de comunidade e a ausência de uma teorização articulada.” (FALEIROS, 2005, p.26)
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Todos esses fatores sinalizados influenciaram na forte crise ideológica enfrentada pelos assistentes sociais em meados da década de 60 e na década seguinte, culminando assim, no Movimento de Reconceituação. De acordo com Silva (1995), um notável movimento de renovação do Serviço Social surge nas sociedades latino-americanas, a partir da década de 60, como manifestação de denúncia e contestação do Serviço Social Tradicional. O Movimento de Reconceituação, portanto, se dá em meio aos conflitos e lutas sociais, na efervescência dos movimentos sociais e no cenário onde as contradições sociais predominavam de tal forma que envolvia uma grande parte da sociedade independente da classe social, visto que, tanto os trabalhadores, como a classe burguesa estavam envolvidos nesse cenário político. Porém, devido a repressão ditatorial, o processo de Reconceituação se dá letamente e de forma debilitada, havendo fortes divergências entre a própria categoria.
[...] o Movimento de Reconceituação do Serviço Social constitui-se, no interior da profissão, num espaço para desenvolvimento de propostas de ação profissional condizentes com as especificidades do contexto latino-americano, ao mesmo tempo em que se configura
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como um processo amplo de questionamento e reflexão criticada profissão. Isso se dá motivado pelas pressões sociais e demandas dos setores populares, num contexto de grande mobilização, historicamente marcado pelo acirramento das desigualdades de classes e das questões sociais em face da dinâmica da acumulação capitalista. (SILVA, 1995, p.72)
Os assistentes sociais, naquele período, apesar das limitações institucionais, se veem obrigados a dar respostas aos desafios que lhes eram apresentados. Daí a necessidade da busca pela ruptura com do Serviço Social tradicional e a iniciativa a procurar a construção de uma nova identidade profissional, já que, os interesses institucionais tendiam a burocratizar cada dia mais a prática profissional dos assistentes sociais. Sabe-se que os debates e questionamentos que evolviam os profissionais de Serviço Social, giravam em torno dos fundamentos teórico-metodológico a fim de articular politicamente a classe trabalhadora.
De acordo com Macedo (1981) a Reconceituação de Serviço Social na América Latina vem se caracterizando por um processo de revisão crítica do Serviço Social em todos os seus níveis e em todos os seus aspectos. Levantando-se questionamento sobre objeto, objetivo, ideologia e método. Essa revisão crítica obteve entre os profissionais diversos posicionamentos, havendo significativas divergências, visto que, a categoria não tinha o caráter linear ao se tratar dos próprios fundamentos teóricometodológicos do Serviço Social.
tuação, a reconhecer o Serviço Social como um produto da concepção positivista do conhecimento e da ciência. Nessa perspectiva, sua preocupação central consistiu apenas em elucidar a atividade científica através de uma descrição dos métodos e dos seus resultados, ao invés de assumir uma posição propriamente crítica desta atividade, como o fazem outras epistemologias. (MACEDO, 1981, p.24)
49 práticas em serviço social III
Os Assistentes Sociais mais radicais chegaram, através da Reconcei-
Alguns autores afirmam que o Serviço Social brasileiro, as particularidades e fundamentos da profissão estão marcados historicamente pelo positivismo, nesse sentido, ao inaugurar dentro da categoria grandes debates e questionamentos acerca dos métodos aplicados e seus respectivos resultados, uma parte dos assistentes sociais passaram a assumir uma postura positivista, frente à realidade social, enquanto outro grupo buscava desbravar a procura de novos métodos e novas epistemologias. Nesse sentido afirma Macedo (1981),
Todas as preocupações do Serviço Social se prendiam, aí, a uma melhor elaboração dos seus métodos básicos. A significação atribuída às novas epistemologias, ou seja, aquelas epistemologias que concebem o conhecimento como processo em construção, sempre alerta ao julgamento da atividade científica, se refletiu no Serviço Social, dando início ao movimento de sua Reconceituação. (MACEDO, 1981, p.25)
Assim, a autora coloca, de forma clara, a gênese do Movimento de Reconceituação, tendo como ponto central a busca pela elaboração novos métodos para o Serviço Social. Na verdade tem-se no processo de Reconceituação a tentativa de superação da concepção positivista que acompanhou toda trajetória do Serviço Social. A partir desse movimento, busca-se uma nova concepção em relação ao conhecimento, agora, deveria ser entendido, segundo a autora, como um processo em construção e não mais como algo “posto” e determinado institucionalmente. Sabe-se que a concepção positivista que envolvia os assistentes sociais, é fruto de todo um contexto histórico, logo, faz parte predominantemente do Serviço Social tradicional. Daí a urgência da categoria em romper com o tradicionalismo e conservadorismo que até então norteava a prática profissional de uma parte dos Assistentes Sociais.
Esse processo de revisão da profissão é uma exigência da realidade, uma vez que, para atender às demandas, torna-se indispensável a adoção de padrões e técnicas modernas que se contraponham
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àquilo que poderia oferecer o chamado Serviço Social tradicional. Essa modernização se caracterizará pela preocupação com aperfeiçoamento do instrumental técnico, de metodologias de ação, da busca de padrões de eficiência, sofisticações de modelos de análises e diagnóstico etc. (IAMAMOTO, 2007, p.364-365)
A autora vem corroborar para o enriquecimento teórico da presente discursão, ao relatar a respeito da importante busca de revisão do Serviço Social. Nota-se que devido às mudanças sociais, o profissional se depara com novas demandas, sendo obrigado a buscar novas alternativas e práticas que pudessem atender de forma positiva ao seu público alvo. Sendo assim, os métodos e conceitos contaminados pelo tradicionalismo não mais eram suficientes para dar resposta a uma nova realidade social que se apresentava diariamente para o Assistente Social. Daí a preocupação da categoria em acompanhar as mudanças ocorridas e consequentemente percebe-se a urgência pela busca da modernização na perspectiva de aperfeiçoar os métodos e instrumentos usados em seu cotidiano. A autora reafirma:
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Dentro da diversidade de tendências que se propõem a negar o Serviço Social tradicional e a vertente modernizadora da profissão, afirma-se uma perspectiva que questiona a própria legitimidade [...] sem dúvida, as raízes dessa nova perspectiva tem a ver com as experiências da década de 1960, porém submetidas a um processo de reflexão que incorpora a dimensão latino-americana. A literatura produzida pelo Movimento de Reconceituação em países como Uruguai, Argentina, Chile Peru, entre outros, é incorporada, de maneira crítica, nas elaborações iniciais dessa nova perspectiva (IAMAMOTO, 2007, p. 366)
O Movimento de Reconceituação na visão de alguns autores é um momento de revisão, reflexão e questionamentos do Serviço Social, como já sinalizado anteriormente. Esse movimento tinha como propósito negar as práticas tradicionais e desbravar em busca da modernização da profissão. Outro aspecto a ser considerada aqui, se refere à dimensão política em que se encontrava o serviço Social no período do Movimento de Reconceituação. Nesse sentido, Silva (1995) diz que o desvelamento da dimensão político-ideológica da profissão situa o Serviço Social no contexto da correlação de forças antagônicas da sociedade e explicita a possibilidade do que os autores denominam de vínculo político-ideológico da prática profissional com o projeto de uma das classes que compõem a estrutura social capitalista.
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Imagem 11 - Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1158790
Ao assumir uma postura político-ideológica, o profissional de Serviço Social tende a abandonar a neutralidade que marcou intensamente o Serviço Social tradicional, passando a assumir uma postura voltada para exigência das demandas que lhes são apresentadas em seu cotidiano. Sendo assim, seu posicionamento em relação às contradições e lutas entre as classes, fica claramente definida.
Nesse sentido, o Movimento de Reconceituação se cria e se desenvolve a partir da identificação político-ideológica da profissão pelo capital e da negação de uma prática conservadora do Serviço Social, afirmando um compromisso político com a classe subalterna (SILVA, 1995, p.72)
No tocante ao posicionamento profissional e o seu compromisso com a classe subalterna, a partir do Movimento de Reconceituação, vale lembrar, que essa nova postura, requer dos assistentes sociais que os mesmos desenvolvam atividades de cunho educativo devido às debilidades de compreensão da classe subalterna no âmbito dos direitos sociais. Ou seja, é necessário que a classe subalterna tenha clareza não apenas de sua condição frente à classe dominante, mas, sobretudo tenha convicção dos mecanismos que lhes são disponíveis para a efetivação de seus direitos. Com isso, podese perceber o caráter contraditório da prática profissional, já que, o assistente social ao atuar no âmbito institucional, acaba por questionar as próprias normas da instituição na perspectiva de atender às respectivas demandas.
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Após realizarmos essa breve abordagem acerca do Movimento de Reconceituação, é de suma importância sinalizar a relevância da teoria marxista para a efetivação do movimento. O Serviço Social, a partir do acesso aos escritos de Marx, especificamente na década de 60, inaugura no Brasil a busca por uma nova postura profissional, agora uma análise crítica voltada para as relações sociais quem se apresenta de forma contraditória na relação capital e trabalho.
Prendendo-se à expressão ideopolítica dos interesses histórico do arco de forças centralizado pela classe operária e recuperando a perspectivação da teoria social de Marx com a incorporação da tradição marxista (ambos os movimentos realizando-se com os problemas precedentemente indicados), a intenção de ruptura enriqueceu o debate profissional com um elenco de núcleos temáticos e propostas crítico-analíticas que o tornaram contemporâneo das polemicas e alternativas do universo cultural mais avançado da área das ciências sociais. (NETTO, 2006, 1995, p. 302)
Nota-se a partir da última citação, que a teoria marxista contribuiu de forma definitiva para que o Serviço Social brasileiro se apropriasse de um riquíssimo arca-
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bouço teórico, possibilitando aos Assistentes Sociais realizar significativos debates e questionamentos, além de proporcionar alternativas para os problemas sociais a partir de uma análise crítica da sociedade vigente. De acordo com Netto (2006);
[...] o movimento aludido pode ser agarrado de forma expressiva no eixo teórico-metodológico que, a par de singularizar esta perspectiva no campo da renovação do Serviço Social no Brasil, acompanha todo o seu desenvolvimento. Trata-se da referencia à tradição marxista. (NETTO, 2006, p. 268)
O autor menciona claramente a importância da teoria marxista não apenas para o processo de renovação e Reconceituação da profissão, como também para todo o seu desenvolvimento. Nesse sentido reafirma que:
[...] com a produção dos representantes desta perspectiva, pela primeira vez inscreve-se no universo simbólico dos assistentes sociais brasileiros de maneira significativa. Explícita ou discretamente, o projeto de ruptura remete à tradição marxista. (NETTO, 2006, 1995, p. 268)
Em suma, o Movimento de Reconceituação significou para os Assistentes Sociais brasileiros, uma conquista no que se refere aos questionamentos e críticas, tanto no âmbito institucional, quanto dentro da própria categoria. Por isso, esse Movimento,
Social, devido a sua relevância no tocante à militância politica dos Assistentes Sociais. Na próxima aula nos encontraremos para desvendar o significado do Documento de Araxá na trajetória teórica, histórica e metodológica do Serviço Social.
Até lá!
53 práticas em serviço social III
como já mencionamos, foi um dos marcos histórico mais importante para o Serviço
SÍNTESE
O Movimento de Reconceituação efetivado no Brasil na década de 60, especificamente no ano de 1965, é considerado por diversos estudiosos e profissionais de Serviço Social, o mais importante movimento político ocorrido no âmbito do Serviço Social brasileiro. No processo de renovação da profissão, e na busca pela modernização esse movimento não apenas apontou questionamentos, como também apresentou ________________________ propostas de renovação teórico-metodológica para a profissão. Em suma, as diretrizes ________________________ desse movimento apresentavam novos direcionamentos para os Assistentes Sociais, ________________________ visto que, com o advento da relação contraditória entre capital e trabalho, exigia do ________________________ profissional uma nova postura desvinculada do tradicionalismo e conservadorismo.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Diversos fatores contribuíram para a efetivação do Movimento de Reconceituação no Brasil. Cite o mais importante entre eles.
LEITURAS INDICADAS CBCISS. Teorização do Serviço Social: documentos de Araxá, Teresópolis e Sumaré. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1986.
ORTIZ, Fátima da Silva Grave. Serviço Social e método. Disponível em: http://cachp.unioeste.br/projetos/ gpps/midia/seminario2/trabalhos/servico_social/MSS35.pdf . Acesso em 29 de outubro de 2010.
SANTOS, Josiane Soares. Apropriação da tradição marxista no Serviço Social. Disponível em: www. assistent esocial.com. br/novosite/cadernos/Cadernos42.PDF. Acesso em 01 de novembro de 2010.
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REFERÊNCIAS
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FALEIROS, Vicente de Paula. Reconceituação do Serviço Social no Brasil: uma questão em movimento? Serviço Social e Sociedade. N. 84, ano: XXVI, São Paulo, Cortez, 2005.
IAMAMOTO, Marilda. Renovação e Conservadorismo no Serviço Social: ensaios críticos. 9. ed. São Paulo, Cortez, 2007.
______. Relações sociais e serviço social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 21 ed. São Paulo, Cortez, 2007.
MACEDO, Mirtes de Aguiar. Reconceituação do Serviço Social: formulações diagnósticas. São Paulo, Cortez, 1981.
NETTO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social: uma análise do serviço social no Brasil pós-64. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2006.
RIBEIRO, Maria Aparecida de Assunção. Gênese do Serviço Social no Brasil. Disponível em: http://www. centralcursoseconcursos.com.br/arquivos/. Acesso em: 31 de outubro de 2010.
SILVA, Maria Ozanira da Silva e (coord.). O Serviço Social e o popular: resgate teórico-metodológico do projeto profissional de ruptura. São Paula, Cortez, 1995.
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AÇÃO E A PERSPECTIVA MODERNIZADORA: DOCUMENTO DE ARAXÁ, O INÍCIO Autora: Patrícia Dantas Vergasta
“A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande
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AULA 04 – O MOVIMENTO DE RECONCEITU-
variedade de sintomas mórbidos aparece.”
Antonio Gramsci
Olá!
Mais uma vez estamos aqui para juntos mergulharmos no processo histórico do Serviço Social. Dessa vez, com mais propriedade e intensidade, já que realizamos diversas leituras e pesquisas anteriores. O objetivo desta aula consiste em conhecer o Documento de Araxá, sua origem e relação com o Movimento de Reconceituação.
Façamos uma boa viagem!
Segundo Aguiar (1984), o Documento de Araxá foi resultado do primeiro seminário realizado pelo Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais (CBCISS) na cidade de Araxá, em Minas Gerais, exatamente do dia 19 a 26 de março de 1967. Para participar desse evento, foram convocados 38 assistentes sociais de toda parte do Brasil.
Figura 1: Araxá-MG Fonte: http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=325068
Vale lembrar que a maioria dos profissionais que fizeram parte desse seminário recebeu toda formação profissional fundamentada nas orientações e doutrinas da Igreja Católica, sendo as escolas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, as que
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tinham mais representantes da categoria (AGUIAR, 1984). É de extrema relevância compreender em que contexto histórico foi elaborado
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o Documento de Araxá, sabendo que o mesmo foi o resultado de reflexões acerca da realidade social brasileira vivenciada pelos Assistentes Sociais naquele período. Nesse sentido, vale apreciar a contribuição de Silva (2008, p. 103):
Na década de 60 o Estado brasileiro transformou-se no principal financiador do processo de acumulação privada no âmbito público, passando a direcionar suas ações através de programas como habitação e assistência médica para a classe média, em detrimento da questão social, que resultava do crescimento numérico das classes trabalhadoras barbaramente afetadas pelo o arrocho salarial e pela perda de uma série de direitos sociais já adquiridos. (SILVA, 2008, p.103).
Aguiar (1984) reafirma que o Documento de Araxá foi elaborado paralelamente
________________________ à efetivação do Golpe de 1964 no Brasil, durante o Governo de Castelo Branco, em que ________________________ militares e tecnocratas de classe média passaram a assumir o governo. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Figura 2: indícios da Ditadura Militar no Brasil Fonte: http://gutodiascartuns.blogspot.com/ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Sabe-se que o novo governo instaurado nesse período (militares e tecnocratas) era de caráter puramente conservador e moralista. Conservador por se tratar de pesso-
que pudessem tirá-las do poder. O perfil moralista diz respeito à fidelidade política, já que os mesmos acreditavam ser fieis à sua pátria, dessa forma seria possível salvar o Brasil da grande crise que enfrentava naquele período (AGUIAR, 1984). Assim, é possível perceber que o Brasil durante a década de 60, enfrentava uma forte crise ideológica, política e econômica e consequentemente o agravamento da questão social. É nesse contexto de intensificação das mazelas da questão social e de grande crise no mundo de trabalho, que acontece o primeiro Seminário de Teorização
57 práticas em serviço social III
as que tinham certas resistências políticas por não aceitarem qualquer tipo de ameaça
do Serviço Social em Araxá, Minas Gerais.
Com relação ao Serviço Social, esse período representou o aprofundamento e o agravamento da questão social, requisitando um novo perfil profissional para os assistentes sociais. Algumas dessas requisições: uma nova relação entre o assistente social e o cliente, incluindo mudanças nas fontes de recursos e nas relações com outros profissionais, uma postura profissional mais “moderna” diante de uma nova racionalidade organizacional; práticas com características formais, processuais e burocratizadas, maior integração do profissional no conjunto dos procedimentos administrativos institucionais (inclusão do planejamento técnico e do diálogo com outras áreas do conhecimento). (SILVA, 2008, p.106).
Essa nova exigência e a realidade social estimularam os profissionais de Serviço Social a recusarem suas práticas tradicionais, buscando novas perspectivas e alternativas conceituais para a profissão. Dessa forma, a década de 60 é marcada pela busca teórico-metodológica dos assistentes sociais e pela tentativa de rompimento com o conservadorismo tão presente naquele período. Sendo assim, o assistente social, inserido nesse contexto contraditório, inicia um período de reflexão e questionamento de sua prática profissional. Como afirma Aguiar (1984), esse Seminário se insere em um momento de questionamento por parte do Serviço Social e de busca de uma metodologia mais adequada de inserção ao desenvolvimento. Nota-se que uma parte dos profissionais de Serviço Social, nesse período, buscava compreender a realidade social que se apresentava de forma contraditória. Nesse sentido, esse 1º Seminário de Teorização do Serviço Social, que resultou no Documento de Araxá, buscou refletir acerca de uma nova metodologia e teorização profissional dos Assistentes Sociais. Conforme Aguiar (1984), a teorização do Serviço Social de modo a atender as transformações da sociedade, como podemos verificar na citação que segue:
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É necessária uma reformulação do Serviço Social em novas linhas
III
de teoria e de ação para melhor servir a pessoa humana e a socieda-
práticas em serviço social
de. A consciência do desenvolvimento vem exigindo do Serviço Social novos papéis, daí a necessidade também de sua reformulação. (AGUIAR, 1984, p.114).
A reformulação e reflexão da prática profissional, na década de 60, foram marcadas pelo advento do Movimento de Reconceituação, que segundo Silva (2008) foi denominado como um processo de renovação do Serviço Social nos marcos da autocracia burguesa. Buscavam-se respostas mais adequadas ao quadro de mudança que a sociedade brasileira requeria. O Movimento de Reconceituação chega ao Brasil na perspectiva de proporcionar aos profissionais de Serviço Social uma nova forma de análise acerca da realidade atual brasileira, já que, sua atuação se efetivava diretamente nas mazelas da questão social. Nesse sentido:
________________________ A Reconceituação trouxe aos profissionais do Serviço Social uma ________________________ maior consciência de que a validade da ação profissional depen________________________ de de uma correta análise e síntese diagnóstica da realidade social ________________________ dada. (MACEDO, 1981 p.26). ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ A partir da citação de Macedo (1981), compreende-se que o Assistente Social ________________________ ________________________ nesse período histórico passou a dar relevância à busca teórica na perspectiva de re________________________ novar sua prática profissional. Porém, sabe-se que houvera vários fatores que contri________________________ buíram para a repercussão movimento em todo país: ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ O movimento de reconceituação resultou, portanto, de um processo global que adquire particularidade histórica na nossa sociedade. ________________________ Está associado a três fatores: a crise de legitimidade nas Ciências ________________________ Sociais – com a impugnação do funcionalismo; o deslocamento da ________________________ Igreja Católica mediante as mudanças que já foram referidas em ________________________ análises anteriores e o protagonismo do movimento estudantil. (SIL________________________ VA, 2008, p. 108). ________________________ ________________________ ________________________
xista para os profissionais que vivenciaram de forma direta ou indireta esse período de busca e conquista de nova prática profissional. Sabe-se que as teorias de Karl Marx foram fundamentais durante todo o processo de evolução teórica e prática do Assistente Social, especialmente na década de 1980. (SILVA, 2008). E reafirma Netto (2006):
59 práticas em serviço social III
Nesse sentido, vale lembrar a respeito da significativa influência da teoria mar-
É no marco da reconceituação que, pela primeira vez de forma aberta, a elaboração do Serviço Social vai socorrer-se da tradição marxista – e o fato central é que, depois da reconceituação, o pensamento de raiz marxiana deixou de ser estranho ao universo profissional dos assistentes sociais. (NETTO, 2006, p.148).
Nota-se então que as teorias marxistas passam a ser disseminadas entre os profissionais de Serviço Social a partir da concretização do Movimento de Reconceituação. A adesão à teoria marxista iniciou-se timidamente entre os Assistentes Sociais, já que suas bases estavam pautadas na construção de uma nova análise acerca da sociedade atual. Após esse breve histórico referente à década de 60, voltemos ao Documento de Araxá, certamente com mais propriedade e clareza, já que a compreensão do processo histórico nos possibilita maior entendimento sobre o assunto abordado.
Figura 3: Documento de Araxá Fonte: http://www.skoob.com.br/img/livros_new/3/80052/SERVICO_SOCIAL_E_FILOSOFIA_1263651940Micro.jpg
O Documento de Araxá foi fortemente influenciado pela doutrina neotomista, já que como foi dito anteriormente, a maioria dos assistentes sociais que foram convocados a participarem do Seminário em Araxá, receberam toda formação tendo como base as doutrinas da Igreja Católica. Nesse sentido,
A Igreja mobilizou a sociedade leiga para cumprir a missão doutrinária de ajuda e de controle da pobreza, a fim de se evitar maiores conflitos. Entre os profissionais que aderiram ao chamamento da
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Igreja se encontravam [...], quer queira ou não [...] as pioneiras do
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III
Serviço Social. (SILVA, 2008, p.97)
Outra questão relevante a ser destacada aqui, refere-se ao novo perfil dado ao homem nesse período. Se na década de 30, para os Assistentes Sociais o homem era tratado como um ser isolado que tinha problemas e precisava de ajustes e tratamentos, na década de 60 a partir da busca pela renovação e teorização profissional, o homem é tido como um indivíduo que se encontrava com desajustes familiares e sociais. O Documento de Araxá reforça esta lógica:
[...] o Serviço Social atua na base das inter-relações do binômio indivíduo-sociedade. [...] Como prática institucionalizada, o Serviço Social se caracteriza pela atuação junto ao indivíduos com desajustes familiares e sociais. Tais desajustamentos muitas vezes decorrem de estruturas sociais inadequadas. (Documento de Araxá, 1965, p.11)
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Dessa forma, o individuo deixa de ser alguém isolado e passa a fazer parte de todo um universo social, no qual estão envolvidas questões políticas, econômicas e culturais. Essa reflexão estava intrínseca durante toda a construção do documento de Araxá. “Como prática institucionalizada, o Serviço Social se caracteriza pela ação junto a indivíduos com desajustamentos familiares e sociais [...] Constatando que esse tipo de ação compreende dimensões corretivas, preventivas e promocionais” (NETTO, 2006, p.168). É importante lembrar que esse primeiro Seminário, que resultou no Documento de Araxá, tinha uma visão global da sociedade na qual o homem estava inserido como um indivíduo, fruto da desigualdade de todo um sistema que favorecia apenas aqueles que já tinham seu “status” definido. Façamos uma análise acerca da estrutura do Documento de Araxá. Segundo Aguiar (1984), esse documento se apresenta com uma introdução, três capítulos e uma nota final. Na introdução é abordado o surgimento do Serviço Social no Brasil na década de 1930. Completa a autora:
Na sua evolução, o Serviço Social, como prática institucionalizada, caracterizou-se pelo desempenho de papéis relacionados com disfunções manifestadas no nível do indivíduo sob formas de desajustamentos sociais e ao mesmo tempo identificadas ao nível das estruturas sociais. (AGUIAR, 1984, p.112)
xá. Outra questão abordada na introdução diz respeito à sinalização da perspectiva de desenvolvimento que deveria a partir daquele período nortear a ação profissional do Assistente Social. Nesse sentido, Aguiar (1984) diz que o Serviço Social deve se integrar no processo de desenvolvimento, recriando objetivos, funções e metodologia na tentativa de se adequar ao contexto econômico-social da realidade brasileira. Assim, fica claro que uma das principais discussões desse seminário estava pautada na busca por uma nova teorização e metodologia profissional dos Assistentes Sociais.
61 práticas em serviço social III
Esse é um dos pontos relevantes que trata a introdução do Documento de Ara-
De acordo com Aguiar (1984) o capítulo I do Documento de Araxá aponta alguns objetivos e funções do Assistente Social em meio ao contexto em que o mesmo estava inserido, porém numa perspectiva de mudanças na prática futura. Dessa forma, esse capítulo analisa os objetivos remotos e operacionais do Serviço Social, sua natureza e funções, com base em sua evolução histórica, projetando-se, no entanto, para o futuro, em perspectiva de mudança social. A primeira parte desse capítulo traz um debate acerca da posição teórica do Serviço Social, sendo abordados questionamentos a respeito de sua natureza, como por exemplo: o Serviço Social é uma ciência? Uma arte? Ou uma técnica? Essas foram as principais questões em debate na primeira parte do capítulo I do Documento. Aguiar (1984) afirma que:
Parece haver, porém, um certo consenso em caracterizar o Serviço Social no plano do conhecimento especulativo-prático,enquanto se coloca ao nível da aplicação de conhecimentos próprios ou tomados de outras ciências. Justifica-se, também, considerá-lo como uma técnica social, porquanto influencia o comportamento humano e o meio, nos seus inter-relacionamentos. (AGUIAR, 1984, p.113).
A segunda parte do capítulo I do Documento de Araxá, segundo Aguiar (1984), aborda questões referentes à conceituação e à evolução histórica do Serviço Social, à evolução dos conceitos de Serviço Social e sua sistematização. no documento há a existência de componentes essenciais ao Serviço Social e que podem ser sistematizados como instrumento de intervenção na realidade social. Esse capítulo é finalizado apresentando três tipos de caracteres que permeiam a profissão de Serviço Social, que segundo Aguiar (1984) são: o caráter corretivo, preventivo e promocional. O caráter corretivo, de acordo com Aguiar (1984), diz respeito à ação interventiva do Assistente Social na perspectiva de remover os obstáculos que dificultam o desenvolvimento do indivíduo, grupo ou comunidade. Aguiar (1984) diz que o caráter preventivo está relacionado à intervenção de prevenção propriamente dita, ou seja, ações profissionais que venham anteceder ao fenômeno social que proporcione sérias consequências ao indivíduo. Por fim, o caráter
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promocional que tem como finalidade alcançar a realização e desenvolvimento das habilidades e potencialidades do indivíduo, através principalmente da sensibilização do desenvolvimento global da sociedade. O capítulo I, do Documento de Araxá trata também dos objetivos da profissão, dividindo esses objetivos em duas categorias: objetivo remoto e objetivo operacional. Aguiar (1984) afirma que o objetivo remoto se refere à valorização e à melhoria das condições do ser humano, tendo como um quadro de valores a Declaração Universal dos Direitos Humanos, das Nações Unidas. Já o objetivo operacional diz respeito a identificar e tratar problemas ou distorções residuais que impedem indivíduo, família, grupo, comunidade e populações de alcançarem padrões econômico-sociais compatíveis com a dignidade humana e estimular a continua elevação desses padrões. Finalizando o capítulo I, o autor diz que:
No parágrafo 41 lemos: “Da natureza do Serviço Social decorrem suas funções nos diferentes níveis de atuação: a)Política Social;b)Planejamento;c)Administração de Serviço Social e d)
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Serviço de Atendimento direto, corretivo, preventivo e promocional a indivíduos,grupos, comunidades, população e organismos. (AGUIAR, 1984, p.115).
Em relação ao capítulo II, o Documento de Araxá trata da metodologia de ação do Serviço Social, enunciando seus princípios e postulados para melhor identificar a metodologia da ação profissional a que se refere esse Documento. No § 43 do Documento de Araxá relata que
[...] a autodeterminação, a individualização, o não julgamento e a aceitação, enunciados que orientam a aplicação da metodologia de ação do Serviço Social, em seus três processos, tem sido classificado como princípios básicos da ação profissional. (CBCISS, 1986, p. 29).
No tocante aos postulados o Documento aponta para três diferentes concepções, conforme descreve o § 45:
Dentre os postulados, conclui-se que pelo menos três se acham, explicita ou implicitamente, adotados como pressupostos fundamentadores da atuação do Serviço Social: a)postulado da dignidade da
mano numa posição de eminência ontológica na ordem universal e ao qual todas as coisas devem estar referidas; b) postulado da sociabilidade essencial da pessoa humana: que é o reconhecimento de dimensão social intrínseca a pessoas humana[...]c) postulado da perfectibilidade humana: compreende-se como o reconhecimento de que o homem é, na ordem ontológica, um ser que se auto-realiza no plano de historicidade humana. (CBCISS, 1986, p. 27-28).
63 práticas em serviço social III
pessoa humana: que se entende como uma concepção do ser hu-
O capítulo II finaliza sua abordagem apresentando a adequação da metodologia às funções do Serviço Social, mostrando que ainda nesse período a metodologia era norteada pelo estudo de Caso, Grupo e Desenvolvimento de Comunidade. Nesse sentido afirma Aguiar (1984), nos parágrafos 61 a 95, fala-se dos três processos: Caso, grupo e comunidade. Colocando os objetivos gerais, operacionais e enfatizando a necessidade de adaptá-los à realidade brasileira. Considerando a relevância desses três processos aqui sinalizados, vejamos o que diz o documento a respeito de cada um deles. Considerando-se possuir o Serviço Social de Caso um conjunto de conhecimentos teórico-prático identificável e transmissível, tornase urgente [...] empregar o Serviço Social de Caso junto a pessoas com problemas e dificuldades de relacionamento pessoal e social, ou seja, de inter-relacionamento social. (CBCISS, 1986, p.32.)
Em relação ao Serviço Social de Grupo, o Documento de Araxá relata que o Serviço Social de Grupo é um processo de Serviço Social que visa capacitar os indivíduos a melhorarem o seu relacionamento social e a enfrentarem de modo mais efetivo seus problemas pessoais, de grupo e de comunidade. Em relação ao Serviço Social de Desenvolvimento de Comunidade, o Documento de Araxá diz que é um processo interprofissional que visa a capacitar a comunidade para integrar-se no desenvolvimento através de ação organizada, para atendimento de suas necessidades e realizações de suas aspirações. Por fim, o capítulo III do Documento de Araxá vem tratar do Serviço Social e a realidade brasileira, relatando a relevância para o profissional de Serviço Social conhecer a sua própria realidade nacional, vejamos o que diz o Documento a esse respeito:
A necessidade do conhecimento da realidade brasileira é pressuposto fundamental para que o Serviço Social nela possa inserir-se adequadamente, neste seu esforço atual de reformulação teórico-prático. Ressalta-se que este conhecimento deve ser consubstanciado
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em termos de diagnóstico da realidade nacional, diagnóstico este indispensável a um planejamento para a intervenção na realidade brasileira, com vistas à implementação das necessárias mudanças. (CBCISS, 1986, p. 41)
Dessa forma, o Documento deixa claro que é necessário que o profissional esteja sempre envolvido no processo contínuo de conhecimento, já que o mesmo é convidado a colaborar para o desenvolvimento da sociedade, desenvolvimento aqui entendido como “um processo de planejamento integrado de mudanças nos aspectos econômicos, tecnológicos, socioculturais e político-administrativos” (§106). Para que se efetive a atuação do Assistente Social na instrumentalidade de intervenção no Desenvolvimento acima referido, o Documento apresenta um modelo prévio de elaboração da programação global ou setorial (§109):
Supõe este modelo de atuação os seguintes elementos: ideologia do desenvolvimento integral;planejamento; mobilização de forças organizadas;capital (recursos humanos e materiais); técnica.Face a este modelo de atuação, sugere-se como função e atividade do
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Serviço Social em uma escala de micro e macro atuação. (CBCISS, 1986, p. 42)
O Documento de Araxá é encerrado com a nota final, após a descrição de três capítulos complementares. A nota final apresenta a satisfação dos participantes daquele evento e sua importância significativa para a futura evolução teoricometodológica do Serviço Social. O Documento em sua nota final diz que “os participantes do Seminário de Araxá reconhecem a importância do momento histórico deste encontro. Acreditam que a iniciativa e os resultados deste Seminário constituem um marco no processo de elaboração do conteúdo técnico-científico do Serviço Social.” (§123). Finalizando o Documento relata que:
Refletindo sobre as conseqüências das opções sugeridas, constatam a necessidade de profundas reformulações na teoria, na metodologia, no ensino e nos canais de comunicação do Serviço Social com o público. Estas responsabilidades novas, contudo, não os intimidam. Ao contrário, são tomadas como desafio. Certos de que as proposições deste documento serão objeto de análise crítica, de reflexão por parte das escolas, dos profissionais, dos órgãos de classe e dos estudantes de serviço Social, confiam que estas formulações se projetem no futuro do Serviço Social no Brasil. (CBCISS, 1986, p. 44.)
Assim encerram-se os escritos do Documento de Araxá, deixando para os pro-
profissional do Assistente Social do Brasil. Vale lembrar, que esse Seminário ocorreu num período ditatorial, o que caracteriza para essa categoria um dos maiores obstáculos naquele momento histórico.
65 práticas em serviço social III
fissionais daquele período o desafio de enfrentar mudanças significativas na atuação
Figura 4: pelo fim da ditadura Fonte de criação: http://2.bp.blogspot.com/_tygGDNDHyLY/S8Ozz_6RWlI/AAAAAAAAACQ/lzt-jmxRwHo/s1600/untitled.bmp. Montagem sobre foto: www.sxc.hu
Tanto o Documento de Araxá, quanto o Movimento de Reconceituação marcaram fortemente a história e construção teoricometodológica do Serviço Social brasileiro, contribuindo de forma positiva para o crescimento e evolução profissional dos Assistentes Sociais.
O Documento de Araxá nasce num momento em que acontecimentos importantes marcam a vida do Serviço Social latino-americano. Nesse período histórico, temos o chamado movimento de Reconceituação do Serviço Social. (AGUIAR, 1984, p. 119)
Em suma, a década de 60, apesar das limitações econômicas e políticas vivenciadas pela sociedade brasileira, representou um significativo avanço no tocante aos questionamentos e inquietações das práticas profissionais do Assistente Social, efetivados no Movimento de Reconceituação e no primeiro Seminário promovido pela CBCISS, que resultou na elaboração do tão significativo Documento de Araxá. Nesta aula conhecemos o Documento de Araxá. O nosso próximo desafio é desvendar o Movimento de Reconceituação e a Perspectiva Modernizadora.
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SÍNTESE
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O Documento de Araxá foi produto do primeiro Seminário de Teorização do Serviço Social, realizado em Minas Gerais na cidade de Araxá, dos dias 19 a 26 de março de 1967. Esse Seminário contou com a participação de exatamente 38 Assistentes Sociais de toda região do estado brasileiro. O principal objetivo desse evento foi repensar a prática profissional do Assistente Social à luz da elaboração de uma nova metodologia e reformulação teórica da profissão. Em paralelo, na década de 60, acontece também o Movimento de Reconceituação que efetivamente reforça os questionamentos e debates acerca da renovação e abandono do conservadorismo. Vale lembrar, a significativa influência da teoria marxista a partir do conceito de dialética e os princípios do materialismo histórico, os quais deram a profissão uma nova visão crítica em relação à sociedade e ao sistema vigente.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Qual a relação direta existente entre o Movimento de Reconceituação e a elabo-
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ração do Documento de Araxá?
LEITURA INDICADA FALEIROS, Vicente de Paula. Metodologia e ideologia do trabalho social. 10. ed. São Paulo, Cortez, 2007. IAMAMOTO, Marilda. Renovação e Conservadorismo no Serviço Social: ensaios críticos. 7. ed. São Paulo, Cortez, 2004.
REFERÊNCIAS AGUIAR, Antonio Geraldo de. Serviço Social e Filosofia: das origens a Araxá. 2.ed. São Paulo: Cortez,1984.
CBCISS/Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais. 1986. Anais do II Congresso Brasileiro de Serviço Social. Rio de Janeiro. Teorização do Serviço Social: documentos Araxá, Teresópolis e Sumaré.
MACEDO, Mirtes de Aguiar. Reconceituação do Serviço Social: formulações diagnósticas. São Paulo: Cortez, 1981.
NETTO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social: uma análise do serviço social no Brasil pós-64. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2006.
AÇÃO E A PERSPECTIVA MODERNIZADORA: TERESÓPOLIS, A CONSOLIDAÇÃO; SUMARÉ E ALTO DA BOA VISTA, O DESLOCAMENTO Autora: Patricia Dantas Vergasta
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AULA 05 – O MOVIMENTO DE RECONCEITU-
“Marx significa a entrada da inteligência na história da humanidade, significa o reino da consciência”.
Antonio Gramsci
Olá!
Aqui se inicia mais uma etapa da trajetória de construção do conhecimento. Na aula anterior, conversamos brevemente a respeito da origem do Documento de Araxá, que foi o resultado do primeiro Seminário de Teorização do Serviço Social. Agora somos convidados a realizar uma reflexão acerca dos Documentos Teresópolis, Sumaré e Alto da Boa Vista.
________________________ ________________________ ________________________ Sucesso e bons estudos! ________________________ ________________________ Trataremos, inicialmente, do segundo Seminário promovido pelo Centro Brasi- ________________________ leiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais (CBCISS) em janeiro de 1970, em ________________________ ________________________ Teresópolis, no estado do Rio de Janeiro. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Figura 1: Igreja de Santo Antônio – Teresópolis – RJ ________________________ Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Teresopolis-StAntonioChurch.jpg
Sobre o Seminário de Teresópolis, Vieira (1989) nos fala:
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Este segundo seminário deveria se reunir novamente em Araxá, em outubro de 1969. Devido a acontecimentos políticos, foi adiado para janeiro de 1970, realizou-se em Teresópolis, estado do Rio de Janeiro. Contou com a presença de 35 assistentes sociais de vários estados. (VIEIRA, 1989, p. 165).
De acordo com a citação, vale lembrar que vivenciamos o momento da Ditadura Militar, que colocava uma série de barreiras relacionadas à movimentação política da população brasileira. Segundo Vieira (1989), após o primeiro seminário realizado no estado de Minas Gerais na cidade de Araxá, elaborou-se ao final do encontro o documento que sintetizou todos os debates realizados durante o encontro, porém no segundo seminário, em Teresópolis, não houve a elaboração de um documento final. A autora afirma que
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os assistentes sociais se dividiram em dois grupos, grupo “A” e grupo “B” seguidos de plenários. O seminário não produziu um documento final como o de Araxá. O CBCISS publicou o relatório de cada grupo separado. Sabe-se que os dois grupos abordaram assuntos e debates diferentes. De acordo com Netto (2006), o Documento de Teresópolis não tem uma única característica, mas é constituído por diversos fatores, já que os participantes do seminário dividiram-se em subgrupos para refletir e discutir assuntos distintos. Essa é uma das diferenças existentes entre os dois Seminários: Araxá e Teresópolis. Além dessas diferenças formais, o autor afirma outra questão relevante:
Entretanto, há muito mais, entre os documentos, que distinção formal. No texto de Teresópolis, o que se tem é o coroamento do transformismo a que já aludimos: nele, o moderno triunfa completamente sobre o tradicional, cristalizando-se operativa e instrumentalmente e deixando na mais secundária zona de penumbra a tensão de fundo que subjazia no texto produzido em Araxá. (NETTO, 2006, p. 178).
Observa-se que, segundo o autor, o texto de Teresópolis contribuiu de forma positiva para consolidar a discussão que já havia iniciado em 1967, no seminário ante-
a profissão fica evidente a partir desse segundo Seminário. Os dois documentos se complementam no sentido de avanço tanto da teorização do Serviço Social, quanto à sua metodologia. “No Documento de Teresópolis, o dado relevante é que a perspectiva modernizadora se afirma não apenas como concepção geral da profissão, mas, sobretudo como pauta interventiva”. (NETTO, 2006, p. 178) Nota-se, assim, que em Teresópolis, o avanço relevante das discurssões e debates sobre o tema dizem respeito aos aspectos gerais que norteiam a prática profis-
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rior. A perspectiva de modernização dos procedimentos metodológicos que nortearia
sional de Serviço Social, e sua ação interventiva; enquanto que em Araxá, tratava-se especificamente de propostas e concepções voltadas para a renovação da profissão. Nessa ótica, afirma Vieira (1989), no Seminário de Teresópolis, foram apresentas propostas acerca de nova metodologia no sentido de introduzir algumas mudanças que tradicionalmente vinham permeando a prática profissional. Para a autora, esse é um dos principais méritos a ser atribuído ao Seminário. A mesma sinaliza acerca dessas mudanças:
Propôs as mudanças das três fases ou momentos do método (estudo, diagnóstico e tratamento) que ligavam o Serviço Social à medicina, e que, adaptando-se ao Serviço Social de Caso, deixavam os assistentes sociais pouco à vontade quando se tratava de Serviço Social de Grupo ou de Serviço Social de Comunidade. Essas fases ou momentos seriam o “diagnóstico” (nele incluindo o estudo) e a intervenção, ambos termos tirados das ciências sociais. (VIEIRA, 1989, p. 167).
Segundo Vieira (1989), existia até esse período da história, ou seja, até a realização do Seminário de Teresópolis, um vínculo específico entre as práticas do Serviço Social e a Medicina, pois a metodologia aplicada proporcionava essa séria limitação de atuação profissional. Como já mencionado, esse vínculo à Medicina adaptava a profissão apenas ao Serviço Social de Caso, havendo uma clara divisão dentro da própria categoria.
VALE A PENA RECORDAR! Mary Richmond conceituou o Serviço Social de caso como o processo que desenvolve a personalidade, através de ajustamentos realizados conscientemente entre os indivíduos e o seu meio. O assistente social trabalhava junto com o cliente, ajudando-o a se descobrir e se desvendar. O indivíduo era estimulado a se perceber enquanto ser social e ajudado a resolver problemas através da análise dos mesmos. (VERGASTA, 2010)
Outro ponto relevante em questão no Seminário de Teresópolis, segundo Vieira
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(1989), foi a consolidação do Serviço Social como um método genérico, tendo como direcionamento profissional três abordagens: individual, grupal e comunitária, em contraposição ao Serviço Social de Caso, Grupo e Comunidade. Segundo a autora, no Seminário surgiu uma nova lógica, como podemos constatar na citação que segue:
Introduziu o termo “sistema cliente”; instância da realidade social que serve de referência para a intervenção profissional: personalidade, pequeno grupo, organizações, comunidades. É o sistema (atitudes, comportamentos, idéias, reações, etc.), com o qual o assistente social se relaciona durante a aplicação do método. (VIEIRA1989, p. 167).
A contribuição desse Seminário em relação à metodologia do Serviço Social constitui-se na introdução do termo “situação social-problema” que segundo Vieira (1989), foi elaborado por Lippitt e Ortega y Gasset os quais afirmaram que esse termo não significa necessariamente uma situação patológica, mas pode referir-se a qual-
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quer situação que para um homem se apresente como um fator problematizante. O Seminário de Teresópolis trouxe para a categoria, outra questão relevante. O debate acerca da noção de objeto do Serviço Social, sendo questionado o significado propriamente dito de termo e sua aplicação no âmbito profissional para os Assistentes Sociais. Vieira (1989) nos traz uma contribuição a respeito:
Um dos pontos que geraram acalorados debates, durante o Seminário de Teresópolis, foi à noção de “objeto” do Serviço Social, a começar pelo próprio significado filosófico do termo e sua aplicação ao Serviço Social. As discurssões giravam em torno do objeto, aquilo que é transformado, surgindo dúvidas se essa transformação visava ao homem – sistema-cliente- ou à situação social-problema. (VIEIRA, 1989, p. 168).
Essa discussão referente ao objeto do Serviço Social trouxe para os participantes do Seminário de Teresópolis, diversas interpretações, visto que, a origem do termo é complexa e relativa. De acordo com Vieira (1989), houve divergências entre os assistentes sociais que se encontravam no Seminário, pois para alguns, falar do homem enquanto objeto da profissão seria coisificar o ser humano e dessa forma tirar-lhe o valor enquanto
Em relação à situação-problema, foi unânime a posição de todos os profissionais em concordarem que deveria acontecer uma transformação referente à situaçãoproblema. Nesse sentido, afirma a autora:
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pessoa.
As discussões continuam, apesar de um valioso estudo de Nadir Kfouri, que define o objeto como a situação-problema ou o “social” – o que deve ser mudado pelo homem, sujeito de sua história – e, portanto, sujeito do Serviço Social. (VIEIRA, 1989, p. 169).
Partindo da afirmação de Vieira, pode-se perceber que o termo objeto, no debate do Seminário de Teresópolis, a priori, é empregado de forma equivocada por alguns assistentes sociais que participavam do evento. Porém a partir da definição e estudo de Nadir os profissionais compreenderam exatamente qual é o objeto e sua dimensão para o Serviço Social, não sendo o próprio homem considerado como problema, mas a situação-problema ou social. No Seminário de Teresópolis em meio a tantos debates e reflexões filosóficas acerca da metodologia do Serviço Social, alguns textos foram tidos como referências bibliográficas para nortear a discurssão, dentre eles, o texto de José Lucena Dantas. O texto, segundo Netto (2006), foi discutido pelos participantes dos dois grupos formados durante o Seminário, que fizeram reflexões em torno da teoria metodológica do Serviço Social. Além do texto de Dantas, mais dois textos serviram de parâmetro para tratar acerca de alguns aspectos referentes à Metodologia do Serviço Social. No que se refere a tais textos, Netto (2006) afirma que:
Um deles, “Introdução às questões de metodologia”. Teoria do diagnóstico e da intervenção em Serviço Social”, de Costa (1978), é uma espécie de nota dissonante tanto em relação aos outros dois quanto em confronto com as elaborações de Araxá e com as que emergiram em Teresópolis. De uma parte, a autora – com visível diplomacia – toma distância de boa parcela dos próprios fundamentos da formulação de 1967[...] de outra, seus supostos contemplam elementos críticos potencialmente problematizadores do que viria ser subscrito pelos seus companheiros de seminário. (NETTO, 2006, p. 179).
Assim, fica claro que o texto mencionado não obteve aceitação por parte dos
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profissionais que participavam do Seminário, já que o mesmo se distancia tanto da proposta elaborada em Araxá, quanto da essência do debate em questão, abordando aspectos problemáticos e dicotômicos. Netto (2006) afirma que o texto de Costa se estrutura sobre uma perspectiva que oferece um claro contraponto ao que fora hegemônico em Araxá e se consolida em Teresópolis. De acordo com Netto (2006), o terceiro texto inserido na discurssão teve como título “Bases para a reformulação da metodologia do Serviço Social” de Soeiro (1978), que possui diversas características, porém nada acrescenta às formulações até então desenvolvidas. Nesse sentido acrescenta:
Nenhum desses contributos estava sincronizado àquele momento de maturação do processo de renovação do Serviço Social no Brasil: o de Costa porque tendia, mesmo que de forma discreta, a problematizar a linha evolutiva sinalizada desde Araxá; o de Soeiro porque não atendia as demandas já postas pelo desenvolvimento que vinha de 1967 – o primeiro porque apontava para além do horizonte modernizador, o segundo porque se situava aquém dele. (NETTO, 2006, p. 180).
Em suma, constata-se que é o texto de José Lucena Dantas e suas reflexões
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acerca da metodologia do Serviço Social que responde às expectativas de discurssões abertas nas pautas de reunião, alcançando de forma positiva atingir o tema central do Seminário de Teresópolis. Em relação à concepção de Dantas, Netto (2006) diz que Dantas considera que a questão da metodologia de ação constitui a parte central e atual da Teoria Geral do Serviço Social e afirma que:
[...] a definição de um modelo de prática do Serviço Social adequado à problemática social brasileira depende, grandemente, da solução do seu problema metodológico (Dantas, 1978:63). E sua pretensão consiste, exatamente, em oferecer uma “introdução à metodologia do Serviço Social” voltada para que a prática profissional do Serviço Social se desenvolva e adquira um nível mínimo de cientificidade. (NETTO, 2006, p. 181).
Nota-se, portanto, que o ensaio de Dantas constitui-se na principal contribuição para a elaboração da gênese das teorias metodológicas que norteiam a profissão de Serviço Social, visto que, é ele quem define o método profissional como “um método científico aplicado”, estabelecendo, a partir daí, as bases necessárias para a elaboração de uma metodologia concreta para o Serviço Social.
modernizadora que amplia e consolida os acontecimentos do primeiro Seminário de Teorização do Serviço Social na cidade de Araxá, Minas Gerais. Vale lembrar que a partir da década de 70, os grandes movimentos, debates e seminários, aqui, em especial, o Movimento de Reconceituação, foram fortemente influenciado pela concepção e teoria marxista.
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Em síntese, o Documento de Teresópolis caracteriza-se por uma perspectiva
É também, a partir de 1970 que começa a ser colocada a perspectiva marxista no contexto do Serviço Social brasileiro, inicialmente representada pela vertente do estruturalismo, com influência principalmente de Althusser, manifestada através da concepção das instituições vistas como aparelhos ideológicos do Estado, seguindo a tendência do Movimento de Reconceituação, em nível continental, naquele momento, que negava a prática institucional e enfatizava a militância política. (SILVA, 1995, p. 35).
Após essa breve abordagem sobre o Seminário que aconteceu em Teresópolis, trataremos, agora, de mais dois importantes eventos que compõe a trajetória histórica do Serviço Social brasileiro que, segundo Netto (2006), aconteceram no Rio de Janeiro, no Centro de Estudos do Sumaré (da Arquidiocese carioca) e no Alto da Boa Vista (no Colégio Coração de Jesus) nos anos de 1978 e 1984. Esses eventos foram também proporcionados e organizados pelo CBCISS.
Figura 2: Teorização do Serviço Social Fonte: http://todaoferta.uol.com.br/comprar/teorizacao-do-servico-social-documentos-araxa-sumare-IZDCWLA4IG#rmcl
No tocante, a principal característica do documento de Sumaré e do Alto da Boa Vista, tem-se, segundo alguns autores, um significativo deslocamento da perspectiva modernizadora que havia sido enfatizado pelos Seminários que antecederam a esses.
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Nota-se dessa forma, a efetivação de um retrocesso na história e construção da teoria e metodologia do Serviço Social. Netto (2006) destaca:
A documentação do Sumaré e do Alto da Boa Vista está para o deslocamento da perspectiva modernizadora assim como o estão, para seu momento ascendente, os documentos de Araxá e Teresópolis. (NETTO, 2006, p. 195).
Partindo desta concepção de retrocesso, vamos apresentar características distintas entre os documentos aqui abordados. Segundo Netto (2006), o evento aconteceu no Centro de Estudos do Sumaré, exatamente entre 20 e 24 de novembro de 1978, contando com a participação de aproximadamente 25 pessoas, sendo que 9 tinham participado do primeiro Seminário de Teorização do Serviço Social em Araxá e 7 em Teresópolis. Durante esse seminário foram discutidos temas centrais como: “A cientificidade do Serviço Social” e “Reflexões
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sobre o processo histórico-científico de construção do objeto do Serviço Social”. Esses documentos foram preparados por dois grupos de profissionais, um do Rio de Janeiro e outro de São Paulo, como nos relata Netto (2006):
O primeiro documento, redigido pelo grupo carioca, cuida inicialmente da problemática da cientificidade, para depois referi-la ao Serviço Social. O passo prévio, que redunda na elaboração de um “modelo topológico de pesquisa”, tem por base uma concepção de ciência rigorosamente formalista. (NETTO, 2006, p. 197).
Assim, percebe-se que a elaboração do documento realizada pelos profissionais do Rio de Janeiro volta-se prioritariamente para a discurssão em nível da cientificidade. Para esses profissionais, que têm na fenomenologia os princípios norteadores da prática profissional, o Serviço Social não poderia ter uma prática científica.
Quando falamos de FENOMENOLOGIA, estamos nos referindo a uma abordagem filosófica que neste período se destacou entre um grupo de assistentes sociais. Para conhecer mais sobre o assunto, você pode acessar os seguintes sites: http://todaoferta.uol.com.br/comprar/teorizacao-do-servico-social-documentos-araxasumare-IZDCWLA4IG#rmcl http://www.cobra.pages.nom.br/ftm-fenomeno.html
75 práticas em serviço social III
ATENÇÃO!
http://doutoradoservicosocialpucsp.blogspot.com/2010/07/influencia-da-fenomenologiano-servico.html
Em relação ao documento elaborado pelo grupo paulista, Netto (2006) afirma que está obviamente orientado para recolher as preocupações contemporâneas, constatando que o Serviço Social não alcançou ainda um estágio de ciência. Nesse sentido, pode-se afirmar a existência de significativas divergências entre os dois grupos, visto que, o grupo paulista na construção do seu ensaio acredita e relata que o objeto do Serviço Social deve ser discutido a partir de um enfoque dialético. Nota-se, dessa forma, que os dois grupos de profissionais tanto os paulistas quanto os cariocas ao elaborarem seus respectivos documentos não comungavam do debate realizado em Araxá, ao contrário, percebe-se na verdade que o debate central ________________________ do Seminário de Sumaré trouxe para a categoria uma perspectiva de deslocamento ________________________ das teorias e metodologias que foram centro das discurssões dos encontros anterio- ________________________
________________________ ________________________ Já o seminário realizado no Alto da Boa Vista, no mês de novembro de 1984, ________________________ reuniu 24 participantes, sendo 23 profissionais e 1 estudante. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Figura 3: Alto da Boa Vista ________________________ Fonte: http://www.livrariaresposta.com.br/v2/produto.php?id=21030 ________________________ ________________________ Assim como os demais seminários, o do Alto da Boa Vista também foi organiza- ________________________ do pelo CBCISS. Nesse seminário, segundo Netto (2006), é perceptível um movimento ________________________ ________________________ de abertura a referências distintas do caldo conservador. res.
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Tanto no colóquio do Sumaré como no Alto da Boa Vista, ainda que
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verificado o interesse dos organizadores em abrir o debate numa
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perspectiva menos unívoca e monocolor, bem como em utilizar uma dinâmica que não redundasse em textos cerrados, a condução da formulação dos problemas teóricos e culturais se operou de forma tal que suas imposições se apresentaram como defasadas em confronto com a modalidade de reflexão que se encorpava nas expressões mais visíveis do debate profissional. (NETTO, 2006, p. 195).
O autor deixa claro que ambos os seminários, apesar de existir por partes dos organizadores a tentativa de uma postura mais clara e em consonância com o tema central do seminário, na verdade, o que predominava era o distanciamento dos textos e teorias em relação à reflexão ao debate em questão, já que a essência da elaboração dos respectivos documentos é marcado por seu caráter conservador. Ainda nesse sentido, afirma Ortiz (2005):
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Assim verifica-se que, embora a tendência de rompimento como o histórico conservadorismo já se fosse presente no Serviço Social desde o final dos anos 50 (vale lembrar as experiências do chamado Desenvolvimento de Comunidade Heterodoxo e as bases sócio-políticas que o sustentavam), nem Araxá, nem tampouco Teresópolis e os demais seminários ocorridos posteriormente – Sumaré e Alto da Boa Vista, empreenderam efetivamente uma ruptura com a herança conservadora, da qual o Serviço Social é legatário. (ORTIZ, 2005, p. 04).
De acordo com Ortiz (2005), desde o final da década de 50 já havia entre os assistentes sociais brasileiros, a tendência e a busca pelo rompimento com o conservadorismo profissional. Para ela, alguns acontecimentos naquele período já sinalizavam a urgência pela concretização da ruptura com o conservadorismo presente nas práticas profissionais dos assistentes sociais. Porém, a autora atesta que apesar dos eventos ocorridos desde o final da década de 50, nos seminários mencionados ainda prevalecia à concepção e princípios conservador. Vale ressaltar, que o rompimento com o conservadorismo aqui sinalizado, se dá a partir dos questionamentos acerca do tradicionalismo que norteava as ações dos assistentes sociais, conforme afirma Silva (1982):
Entretanto o questionamento do serviço social tradicional se traduz
teórica no marxismo no que se refere à formação acadêmica, como o faz a Escola de Serviço Social da Pontífice Universidade Católica de Belo Horizonte de 1972 a 1975. (SANTOS, 1982, p. 29).
Em suma, a centralidade dos debates ocorridos nos referidos seminários não
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para uma corrente mais crítica, na busca de uma fundamentação
penderam para a busca da renovação ou modernização do Serviço Social, visto que, os conteúdos elaborados apontavam e reforçavam as diretrizes conservadoras e tradicionais. Vale lembrar, como já abordamos na aula anterior, que o significativo questionamento acerca do conservadorismo e do tradicionalismo do Serviço Social se dá através da forte influência do Movimento de Reconceituação quando os escritos de Marx e suas teorias deixam de ser concepções analisadas isoladamente e passam a ser estudadas de maneira universal por profissionais de diversos países.
A tese configurativa central que orienta o Movimento de Reconceituação do Serviço Social, segundo grande parte dos autores estudados, é a perspectiva de superação do denominado Serviço Social tradicional, marcado pelo paradigma do estrutural-funcionalismo. (SILVA, 1995, p. 84).
De acordo com Silva (1995), a tentativa de superação do Serviço Social tradicional é marcada pelo Movimento de Reconceituação que tinha suas bases teóricas fundamentadas nas teorias Marxista, especificamente na concepção dialética, tendo como objetivo primordial a ruptura de valores tradicionais na busca de outros novos. Porém, alguns autores não comungam da ideia de que o Movimento de Reconceituação tinha sua tese configurativa na ruptura do Serviço Social tradicional e conservador.
Esse processo não rompeu radicalmente com uma herança conservadora de cunho positivista, predominante historicamente no Serviço Social, o que vai constituir-se num dos fatores explicativos da aproximação tardia da profissão ao debate do marxismo e à sua incorporação via de um marxismo positivista. (QUIROGA 1991, apud SILVA, 1995, p. 84).
Dessa forma, fica claro que não existe consenso entre os autores no que se refere
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ao rompimento do Serviço Social marcado por característica conservadora de cunho positivista. Nesse sentido, há outro aspecto de divergência entre autores no que se refere ao Movimento de Reconceituação. Alguns acreditam que a ruptura política não acompanhou a evolução teórica da profissão, como afirma Silva (1995): Nessa ótica, a autora constata que a Reconceituação levou a uma ruptura política que não foi acompanhada por uma ruptura teórica, com essa herança conservadora, dificultando o avanço, no âmbito da sistematização de concepções, idéias e categorias teórica. (SILVA, 1995, p. 84).
Para Silva (1995), o Movimento de Reconceituação não alcançou o objetivo esperado por toda a categoria organizadora e militante, devido à fragilidade teórica que dificultou o avanço no sentido de fortalecimento das concepções inovadoras, visto que, a questão central debatida no Movimento estava voltada para a fundamentação teórica da prática do Serviço Social na perspectiva de superação ao tradicionalismo. A trajetória política do Serviço Social brasileiro é caracterizada por diversos eventos, seminários, movimentos que gradativamente contribuíram para o avanço
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teórico-metodológico da profissão. Para alguns autores, o Serviço Social ainda está a caminho de uma verdadeira ruptura com o conservadorismo, enquanto para outros o Serviço Social, em seu itinerário, já superou a concepção tradicional rompendo definitivamente com as práticas conservadoras que transpassaram toda história do Serviço Social no Brasil. Na próxima aula conheceremos o Método BH, que apresenta uma proposta de ruptura com o Serviço social tradicional.
SÍNTESE Movimentos e seminários marcaram a trajetória do Serviço Social brasileiro, no tocante à sua construção teórico-metodológica, entre eles estão os Seminários de Teresópolis, Sumaré e o do Alto da Boa Vista. As reflexões e os debates que envolveram o seminário de Teresópolis estavam voltados para consolidar as concepções já em questão abordadas no Documento de Araxá, porém os Seminários de Sumaré e Alto da Boa Vistam já não tiveram a mesma linha de discussão no sentido de modernização do Serviço Social, ao contrário, seu caráter e nível de discurssão estavam direcionados a um deslocamento das diretrizes sinalizadas em Araxá. Após a apresentação de um breve histórico a respeito desses respectivos seminários, nos reportamos ao Movimento de Reconceituação, no sentido de deixar explícita a sua significativa contribuição para o Serviço Social brasileiro, e aqui em particular para os seminários que ocorreram após sua efetivação.
Quais fatores contribuíram para que os Seminários de Sumaré e Alto da Boa Vista fossem considerados pelos profissionais e autores de Serviço Social como “deslocamento” em relação ao processo de modernização da profissão?
LEITURA INDICADA
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QUESTÃO PARA REFLEXÃO
MACEDO. Mirtes de Aguiar. Reconceituação do Serviço Social: formulações diagnósticas. São Paulo, Cortez, 1981. CBCISS / Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais. 1986. Anais do II Congresso Brasileiro de Serviço Social. Rio de Janeiro. Teorização do Serviço Social: documentos Araxá, Teresópolis e Sumaré
REFERÊNCIAS NETTO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social: uma análise do serviço social no Brasil pós-64. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2006.
ORTIZ, Fátima da Silva Grave. Serviço Social e método. Disponível em: http://cachp.unioeste.br/projetos/ gpps/midia/seminario2/trabalhos/servico_social/MSS35.pdf . Acesso em 23 de outubro de 2010.
SILVA, Maria Ozanira da Silva e (coord.). O Serviço Social e o popular: resgate teórico-metodológico do projeto profissional de ruptura. São Paulão: Cortez, 1995.
VIEIRA, Balbina Ottoni. História do Serviço Social: contribuição para a construção de sua teoria. 5 ed. Rio de Janeiro, Agir, 1989.
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AULA 06 – A INTENÇÃO DE RUPTURA E O
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MÉTODO BELO HORIZONTE
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Autora: Patricia Dantas Vergasta
“Que os vossos esforços desafiem as impossibilidades, lembrai-vos de que as grandes coisas do homem foram conquistadas do que parecia impossível”.
Charles Chaplin
Olá,
Nesta aula trataremos da primeira tentativa de ruptura com o Serviço Social tradicional. Essa possibilidade de ruptura se deu através de um novo projeto profissional elaborado por um grupo de docentes da Escola de Serviço Social da Universidade Católica de Belo Horizonte. O novo projeto ficou conhecido por todos os Assistentes Sociais brasileiros como “o Método de BH”.
Avante!
De acordo com Ortiz (2005), o chamado “Método de BH” se constitui no resultado de experiências vivenciadas por um grupo de docentes da Escola de Serviço Social da Universidade de Belo Horizonte durante o período de 1972 a 1975. Essa experiência tão intensa é hoje um marco histórico relevante no que se refere à construção das novas teorias e metodologia do Serviço Social.
Inicialmente podemos afirmar que o “Método BH” constituiu efetivamente no primeiro projeto para a profissão, que pretendia romper com o “Serviço Social tradicional”, do ponto de vista teórico – metodológico formativo e interventivo. Além das imponderáveis críticas que se estabelece a este, a experiência de Belo Horizonte indicava já naquela ocasião os parâmetros para construção de um determinado perfil profissional, cuja competência deveria estar assentada em pelo menos três dimensões: política, teórica e interventiva. (ORTIZ, 2005 p.04)
A partir da afirmação de Ortiz (2005), percebe-se a relevância do “Método BH”
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para a construção e desenvolvimento teórico-metodológico do Serviço Social. Os docentes da Escola de Serviço Social de Belo Horizonte, pela primeira vez
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na trajetória histórica da profissão, buscam através das devidas fundamentações teóricas, traçar um determinado perfil profissional, visto que o Serviço Social tradicional vincula-se a práticas conservadoras e assistencialistas. A proposta desse projeto inaugura pela primeira vez uma aproximação entre a teoria e a prática de forma coerente tendo como parâmetro o papel interventivo do Assistente Social, não mais baseado no caráter tradicional, mas sim numa perspectiva de emancipação política do Serviço Social. Segundo Netto (2006), os profissionais envolvidos na elaboração do Método de BH são considerados protagonistas da história do Serviço Social, visto que, foram eles que apontaram para a retomada de uma crítica ao tradicionalismo.
Sem condições institucionais para a implementação do projeto de ruptura nos anos setenta – não é causal o caráter ímpar do trabalho de Belo Horizonte -, foram eles que estabeleceram, no final da década, as bases para a retomada da crítica ao tradicio lismo; das formas mais variadas, deram a esta retomada a ressonância que lhe
________________________ coube no período da transição da transição democrática. (NETTO, 2006 p.270). ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ A falta de condições institucionais apontadas pelo autor se refere ao momento ________________________ ________________________ ditatorial que estava vivendo a sociedade brasileira. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Figura 1 – Retrato da ditadura ________________________ Fonte: http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=1195550
por um momento delicado, sendo desafiados, através desse novo projeto profissional, a romper as barreiras de suas instituições, apresentando-o para os demais profissionais que nesse período ditatorial viviam momentos de repressão e silêncio. Nesse sentido, Netto (2006) reafirma: Reconstituindo-se logicamente o trabalho da equipe de Belo Horizonte, verifica-se que o seu passo inicial consiste em elaborar uma súmula crítica do tradicionalismo, que foi desdobrada numa pano-
83 práticas em serviço social III
Com a instalação da ditadura militar, os profissionais de Serviço Social passam
râmica da evolução da própria escola – que, como se sabe, surgiu em 1946 [...] a crítica ao tradicionalismo profissional contida nesta súmula, vê-se, está distanciada de qualquer reducionismo; recobre, ao contrário, toda concepção tradicional, numa síntese que, em grandes linhas, aparece como consistente em termos contemporâneos. (NETTO, 2006, p.277-278).
A elaboração teórica do “Método de BH” não apenas contribuiu para avanço teórico-metodológico do Serviço Social, mas, sobretudo, para a evolução da própria escola de Minas Gerais, visto que a mesma surgiu na década de 1940 e nas décadas de 1960 e 1970 vivenciou o contexto ditatorial. Netto (2006) diz que os formuladores do “Método de BH”, ao abordar sobre o objeto do Serviço Social buscam fundamentar-se a partir de uma análise crítica da sociedade brasileira. No tocante a elaboração do método, apesar de sua relevância para a elaboração teórico-metodológico do Serviço Social e sua modernização, o mesmo apresenta duas debilidades, nesse sentido, Netto (2006) afirma:
A primeira diz respeito à defasagem entre as referências teóricas, com que o agente profissional assumia a experiência e as condições particulares que contextualizavam a sua intervenção. Os formuladores belo-horizontinos reconhecem esta defasagem e debilitamna à generalidade dos seus pressupostos. (NETTO, 2006 p.286).
Conforme o autor, essa defasagem teórica, diz respeito ao distanciamento entre a fundamentação teórica e a aplicação de uma metodologia específica, a qual determinaria a prática interventiva do Assistente Social. Nesse âmbito, constata-se a falta de referencial teórico norteador da prática profissional à luz da leitura crítica da realidade social brasileira, que Netto (2006, p. 286) denomina como “[...] algo que parece estranho ao viés marxista que sustenta a concepção teórico-metodológico do “Método de Belo Horizonte”. Outra dificuldade encontrada pelos formuladores do Método referese a:
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Renovação teórica esperada no processo e na conclusão do experi-
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mento. Os formuladores da escola mineira partiam do princípio de que, ao fim do processo prático, as referências teóricas com que se o iniciou seriam enriquecidas pela sintetização da prática, elaborada mormente no “sétimo momento” do processo metodológico. (NETTO, 2006 p.286).
Os formuladores do Método de Belo Horizonte ainda que vivenciando a falta de referências teóricas, tinham a expectativa de uma renovação teórica que segundo os mesmos, seria concretizada a partir das experiências práticas do projeto. Porém o resultado esperado não correspondeu às expectativas. Netto (2006), em seus escritos, atribui as debilidades aqui sinalizadas à falta da teoria marxista consistente durante a formulação do projeto.
Pelas observações precedentes, fica salientado o elemento central em que radica o conjunto de problemas que atravessa a elaboração belo-horizontina – que, sem esgotar a gênese das suas debilidades, responde predominantemente por elas -: as limitações do viés da tradição marxista que ela incorpora. Sem perder de vista a importância teórica e ideológica desta incorporação, realizada em condições nada favoráveis [...]. (NETTO, 2006 p.287). ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ De acordo com Ortiz (2005), apesar de seu mérito, o “Método BH”, apresenta ________________________ ________________________ uma série de imprecisões decorrentes da apreensão de um determinado tipo de mar________________________ xismo – o conhecido marxismo vulgar ou marxismo sem Marx. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Figura 2: Banalização do marxismo Fonte: www.toondo.com - UNIFACS
ção do método, visto que, essa concepção não foi unânime entre os profissionais que refletiam e debatiam sobre o tema. E reafirma Netto (2006):
85 práticas em serviço social III
Sabe-se que essa foi uma das principais fragilidades apresentadas na formula-
O marxismo sem Marx que enforma a reflexão belo-horizontina, precisamente à falta de uma sustentação ontológica-dialética e na escola em que devia conectar a teoria e intervenção prático-profissional, vai na direção da conjunção do fatalismo mecanicista com o voluntarismo idealista [...] (NETTO, 2006 p.287).
No tocante à concepção do fatalismo presente na elaboração do “Método BH”, Iamamoto (2007, p 118), diz que “[...] o fatalismo, inspirado em análise que naturalizam a vida social, traduzido numa visão “perversa” da profissão. Como a ordem do capital é tida como natural e perene, apesar das desigualdades [...]”. Nesse sentido, caberia ao Assistente Social apenas executar as tarefas que eram requisitadas e burocraticamente atender às demandadas diárias sem questionar ou refletir acerca do contexto histórico e acontecimentos contemporâneos.
Portanto, ressuscitar o fatalismo e o messianismo na prática profissional é repor uma polarização entre a naturalização da vida social e a determinação da vida social pela consciência, já ultrapassada por Marx ao construir a noção de prática social carregada de historicidade. (IAMAMOTO, 2007, p.118).
O fatalismo não analisa a historicidade da sociedade, não leva em consideração o contexto histórico. Assim, o marxismo sem Marx, é caracterizado pela forte ausência da reflexão acerca da prática profissional no âmbito de seu contexto histórico, visto que, a vida social do indivíduo é naturalizada e refletida apenas numa visão perversa da realidade como afirma Iamamoto.
O método por sua vez, não pode ser pensado, não pode ser entendido, organizado e explicitado independente da teoria e da realidade
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histórica que o fundamenta. Esta interligação entre método, teoria
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e realidade permite verificar que o método profissional é um meio de
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conhecimento e interpretação desta realidade e, ao mesmo tempo, um instrumento da sua transformação. (SANTOS, 1998 apud NETTO, 2006, p. 283).
Essa é mais significativa falha teórica cometida pelos mineiros, formuladores do Método de BH, já que, a elaboração não pode ser pensada apenas a partir da realidade, mas, sobretudo, deve ser relevante o contexto histórico da sociedade. Dessa forma, o método profissional certamente será um forte instrumento de transformação social como afirma Santos (1998). A relação entre teoria, prática e historicidade se esvaziam e perdem o sentido numa teoria marxista sem Marx, havendo assim a redução da práxis profissional, devido à falta de relação entre a leitura e análise crítica da sociedade e as bases teóricas e históricas necessárias para realizar tal análise. Vale lembrar que na verdade a militância política dos profissionais de Serviço Social se dá a partir do acesso aos escritos de Marx, nesse sentido, nota-se a fragilidade da formulação do “Método de BH”.
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Vários analistas na produção teórica do Serviço Social já evidenciaram a existência de uma processualidade na relação entre Serviço Social e marxismo, onde se destacam níveis de aproximação cada vez mais complexos. Em tal processualidade, identifico o primeiro desses momentos como uma apropriação ideológica do marxismo, consubstanciado por ocasião do Movimento de Reconceituação. (SANTOS, 2010, P. 01)
A contribuição das teorias de Marx na construção e na história política do Serviço Social é um fenômeno inegável, porém para alguns autores, essa aproximação denomina-se numa relação relativa e divergente, aqui em especial trata-se da formulação do projeto de BH, o qual o autor acima sinaliza com clareza a ausência do rigor teórico dos princípios marxistas.
A leitura de divulgadores desta tradição intelectual à qual tivemos acesso, predominantemente a partir da militância política, forneceu-nos um determinado e problemático recorte que se encaixa as requisições postas naquele momento histórico para a profissão: o nosso primeiro encontro como o marxismo capturou destes os seus
ra em níveis mais gerais, ressaltando o embate contra a neutralidade profissional. (SANTOS, 2010, P. 01)
De acordo com Santos (2010), com o advento da teoria marxista, especificamente a partir do meado da década de 1960, as assistentes sociais inauguram no Brasil
87 práticas em serviço social III
elementos ideo-políticos, como aportes para a afirmação da ruptu-
sua participação e militância política, porém tais profissionais viviam em meio ao contexto ditatorial, o que segundo alguns autores, exigiam do profissional a rejeição da postura neutra que predominava nesse período.
Marx reconhece uma só ciência: a história: que engloba tanto a natureza como o mundo dos homens. Historicidade aqui é compreendida como o inteiro vir-a-ser do ser humano: sua produção no sentido mais pleno da palavra, por ele mesmo em sua atividade prática. (IAMAMOTO, 2007, P. 116)
De acordo com Yasbek (2010, s.p.), o Método de BH, é caracterizado por:
[...] um marxismo equivocado que recusou a via institucional e as determinações sócio-históricas da profissão. No entanto, é com este referencial, precário em um primeiro momento, do ponto de vista teórico [...] que a profissão questiona sua prática institucional e seus objetivos. (YASBEK, 2010, s.p.)
Figura 3: Pensando e questionando Fonte: UNIFACS EAD
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Apesar de suas divergências e fragilidade teórica, o Método de BH foi um dos mais relevantes projetos elaborados na década de 70, visto que, sua formulação ao questionar a prática profissional do Assistente Social, vai de encontro ao tradicionalismo, ainda que sem existir uma concretude histórica. Ainda segundo a autora, a partir das reflexões da teoria do método, ocorre uma maior aproximação dos Assistentes Sociais junto aos movimentos sociais e a classe trabalhadora.
A perspectiva da intenção de ruptura, no processo de renovação do Serviço Social, objetivava romper com o tradicionalismo e suas implicações teórico-metodológicas e prático-profissionais [...] A emergência visivelmente objetivada desta perspectiva renovadora está contida no trabalho levado a cabo mais notadamente entre 1972 e 1975, pelo grupo de jovens profissionais que ganhou hegemonia na Escola de Serviço Social da Universidade Católica de Minas Gerais, onde se formulou o célebre “Método de Belo Horizonte” (LARA, 2008, apud YASBEK 2010, s.p.)
De acordo com Lara (2008, apud YASBEK, 2010), na década de 70, dentro das
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Universidades, significativos debates e questionamentos sobre a prática profissional do Serviço Social, sobretudo no tocante às práticas institucionais do Assistente Social, começavam a ser centro de grandes reflexões. No espaço da Universidade possível através de experiências, tanto no âmbito de estágio supervisionado, quanto através de experiências profissionais, identificarem as limitações que por vezes, aprisionava a agir profissional naquele contexto histórico. Na Universidade de Belo Horizonte não foi diferente. Os profissionais e estudantes de Serviço Social, ao experimentarem dos limites institucionais que lhe eram imposto, formulam uma tentativa de uma nova teoria e metodologia para o Serviço Social, desvinculado do plano e trajetória tradicional.
A intenção de ruptura seria impensável sem a tendencial hegemonia cultural das correntes progressistas e de esquerda [...] sem o desenvolvimento do marxismo acadêmico e sem as marcas do novo irracionalismo que irrompe quando já ia avançada a crise da ditadura [...] e o desenho global do processo renovador sequer seria visualizado se, ademais do condicionalismo que já tangenciamos o Serviço Social não experimentasse a sua inserção acadêmica, com eixos principais da renovação inscritos no movimento universitário como um todo, principalmente quando as tensões imanentes à academia se direcionam, contraditoriamente, para a oposição e mesmo a contestação à ditadura que a modelou. (NETTO, 2006, p.164).
na construção de uma nova identidade para o Serviço Social. O autor acima, com clareza, relata que o marxismo acadêmico, ou seja, a adesão à teoria de Marx dentro das grandes Universidades, principalmente a partir da década de sessenta, foi fundamental para a busca de tentativa de renovação do Serviço Social. Porém, não foi uma tarefa fácil a ser enfrentadas pelos universitários e docentes, visto que, já havia sido instalada a grande crise da ditadura militar, na qual a Lei do silêncio perpetuava há décadas. O autor atribui aos movimentos universitários o mérito das primeiras tentativas de reno-
89 práticas em serviço social III
Dessa forma, nota-se a significativa participação dos movimentos universitários
vação do Serviço Social.
Figura 5: Karl Marx Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Marx7.jpg
Assim, pode-se afirma que a Universidade de Belo Horizonte, a partir da formulação do “Método de BH” na década de 70, constituía-se em um dos mais importantes movimentos acadêmicos a contribuir com a modernização do Serviço Social, através de questionamentos e reflexões acerca da prática profissional. De acordo com Carlos Montaño (2009), a relevância do Método de BH para a trajetória do Serviço Social, refere-se à abordagem elaborada pelos formuladores no que se refere à relação entre prática e teoria. O autor aponta algumas controvérsias, além das que já sinalizamos até aqui.
Para tratar esta questão – como se entende a “prática” que se postula como “fonte” de teoria e de que tipo de teoria se fala [...], vejamos primeiramente os documentos elaborados sobre a relação teoria – prática, elaborados em Belo Horizonte no período de 1972 a 1975, a partir dos trabalhos de Leila Lima Santos e colaboradores, conhecidos como “Método de BH”. (MONTAÑO, 2009, p. 163).
Como já mencionado, a relação entre teoria e prática, no âmbito das práticas profissionais do Serviço Social, trata-se de uma relação contraditória e rica em contro-
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vérsias, visto que, envolve uma série de fatores burocráticos e formais que regiam a agir profissional na década de sessenta.
Sobre o Método de BH, Montaño (2009) continua:
Postula-se aí numa separação entre espaço-temporal do momento sensível e abstrato do processo de conhecimento, que esta forma rudimentar de apreensão mental da realidade objetiva (a do momento sensível) constitui o ponto de partida para a elaboração de conhecimentos [...] (SANTOS, 1993, apud MONTAÑO, 2009, p. 163 164).
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A complexidade do debate a respeito do “Método de BH” se dá justamente por seus formuladores atribuírem o “momento sensível” à prática profissional, dessa forma, essa sensibilidade está diretamente vinculada à experiência momentânea. Para o autor, o grande equívoco relacionado a esse prisma, se refere à possibilidade de construções teóricas alicerçadas nos efeitos e não nas causas, a partir de criação das próprias representações elaboradas superficialmente. Nesse sentido Montaño (2009, p 165) diz que para os formuladores do Método de BH, é tão evidente essa concepção que é “[...] como se o simples fato de pensar a prática, de refletir sobre os dados sensíveis, gerasse, mecanicamente, teoria, conhecimento da essência, ou como eles postulam “o conteúdo objetivo” dos conceitos”.
Observe-se que, por definição, não há nada mais “subjetivo” que as elaborações do pensamento (conceitos, juízos e raciocínios) de um dado sujeito. Portanto, a simples passagem do momento sensível ao abstrato, a mera abstração, que Marx critica nos economistas políticos como limitada, é o que, no Método BH, constitui a “teoria”, é o que desvendaria a “essência dos fenômenos”, o conteúdo objetivo dos conceitos. (MONTAÑO, 2009, p.165).
Aqui aparece claramente a questão já mencionada, a falta de concretude teórica e histórica que envolve o Método de BH, visto que, as diretrizes e bases do Método estão vinculadas e sustentadas por uma teoria fragilizada voltada para a elaboração de
e qualquer de tipo de interpretação da realidade social serão tidas como verdadeira, sem necessariamente haver uma investigação mais profunda ou uma análise do todo, ou seja, de todo contexto histórico que envolve o sujeito. Assim, tem-se na verdade, na prática profissional do Serviço Social uma metodologia puramente artificial, sensível e contaminada pelo aparente.
91 práticas em serviço social III
conceitos, pensamentos e juízos do próprio sujeito. Partindo desse pressuposto, toda
O paradoxo do Método BH, é, portanto, propor a primazia o privilégio da prática sobre a teoria; e, no entanto, construir um conjunto de procedimentos técnico-operativos, que denominam de “método profissional”, fundamentalmente interventivo (na prática), a partir da adoção de um método (dialético) de conhecimento teórico-científico, de interpretação e conhecimento da realidade. (MONTAÑO, 2009, p.167).
Dessa forma, a proposta apresentada pelos os autores do Método de BH, é tanto quanto contraditória, em relação ao resultado esperado pelos profissionais de ________________________ Serviço Social, ao enfatizar que a teoria está subordinada à prática. Em suma afirma ________________________ Montaño (2009, p. 183), “[...] a prática, portanto, não apenas é o meio de ligação entre ________________________ o homem e o mundo objetivo como também é através dela que se dá o processo de ________________________ conhecimento, e a descoberta da verdade objetiva.” Nesse prisma, a fonte de toda te- ________________________ oria, segundo os formuladores do Método, seria a própria prática e não ao contrário ________________________ como defende alguns autores.
No Método BH, postula-se claramente, que a prática, “constitui o ponto de partida para a elaboração de conhecimento [teóricos]” Assim, ”o conhecimento racional depende do sensorial e, porém do mesmo [...] O pensamento teórico se torna possível unicamente baseado nos dados sensíveis. (MONTAÑO, 2009, p.183).
Alguns estudiosos como Sánchez Vázquez (1990), compreendem que a teoria tem sua importância, independente da efetivação ou não de uma prática direta. Para ele, o conhecimento real de uma dada situação ou realidade social, se dá a partir da teoria.
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Os autores do Método BH consideram que é através da atividade
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prática que o homem consegue separar o conhecimento verdadei-
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ro do falso, na medida em que por ela o homem poderá verificar se seus conhecimentos concordam ou não com o objeto com o qual está em contato ou para o qual está dirigida a atividade. (SANTOS, 1993 apud MONTAÑO, 2009, p.190).
A prática para os formuladores do Método diz respeito ao principal critério para verificar e distinguir entre o verdadeiro e o falso. Porém Sánchez Vázquez (1990, apud MONTAÑO, 2009) faz o seguinte questionamento: Como posso afirmar que a prática prova uma verdade, enquanto outra demonstra a falsidade de uma teoria? Nesse sentido reafirma:
[...] é necessário evitar interpretar essa relação entre verdade e aplicação feliz, ou falsidade e fracasso, num sentido pragmático, como se a verdade ou falsidade fossem determinadas pelo êxito ou fracasso. Se uma teoria pôde ser aplicada com êxito é porque era verdadeira, e não inversamente (verdadeira porque foi aplicada eficazmen-
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te). (VÁZQQUEZ, 1990 apud MONTAÑO, 2009, p.191).
O movimento dentro da Universidade de Belo Horizonte ultrapassou seus muros da academia, contagiando todo o Serviço Social brasileiro. Seus questionamentos e debates contribuíram de forma positiva para a tentativa de ruptura do Serviço Social tradicional. Vale ressaltar, que ainda a muito a fazer em relação à construção e inovação teórico-metodológico do Serviço Social, mas é inegável que um grande passo já foi dado pelo Serviço Social brasileiro. Nesse sentido afirma Netto:
[...] o que a renovação profissional fez, através da elaboração dos formuladores [...] foi construir um acúmulo no interior do qual é possível reconhecer – insista-se: pela primeira vez na história do Serviço Social nestas plagas – as tendências fundamentais que mobilizam as classes e os grupos sociais brasileiros no enfrentamento dos problemas da economia, da cultura e da história. (NETTO, 2006, p. 307).
Em suma, o Serviço Social brasileiro, através de movimentos, encontros e gran-
re ao enfrentamento dos problemas sociais. Isso significa dizer que, o Serviço Social vem lutando na perspectiva não apenas de garantia de direitos, mas, sobretudo na perspectiva de emancipação e participação da sociedade civil nas decisões políticas, econômicas e sociais. Após conhecermos o Método BH, partiremos para a próxima aula a fim de fazer uma reflexão sobre os limites e possibilidade do Movimento de Reconceituação.
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des seminários, inaugura no Brasil a significativa participação popular no que se refe-
SÍNTESE
Nesta aula, você estudou os principais aspectos e dilemas que envolvem a elaboração do Método de BH, que apesar de suas debilidades teóricas, sobretudo no tocante à proposta de um marxismo sem Marx, foi um dos movimentos acadêmicos mais importantes para a construção crítica da metodologia do Serviço Social. Vale lembrar que esse projeto (Método) foi elaborado durante o período ditatorial, especificamente na década de 70, sendo dessa forma, uma significativa conquista para a categoria, visto que, diversas limitações permeavam o Serviço Social brasileiro.
________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ QUESTÃO PARA REFLEXÃO ________________________ O que você entende por “um marxismo sem Marx”? Considerando o contexto ________________________ histórico em que foi formulado o Método de BH, qual seria em sua opinião o maior ________________________ desafio a ser enfrentado pelos Assistentes Sociais na década de 70? ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ LEITURA INDICADA ________________________ FALEIROS, Vicente de Paula. Reconceituação do Serviço Social no Brasil: uma questão ________________________ ________________________ em movimento? Serviço Social e Sociedade. São Paulo, Cortez, n.84, 2005. ________________________ GUERRA. Yolanda. A instrumentalidade do Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1995. ________________________ ________________________ CBCISS. Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais. 1986. ________________________ Anais do II Congresso Brasileiro de Serviço Social. Rio de Janeiro. Teorização do ________________________ Serviço Social: documentos Araxá, Teresópolis e Sumaré ________________________ ________________________ ________________________ REFERÊNCIAS ________________________ ________________________ IAMAMOTO, Marilda. Renovação e conservadorismo no Serviço Social: ensaios críticos. 9. ed. São Paulo:
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Cortez, 2007.
LARA, Ricardo. A produção do conhecimento em Serviço Social: o mundo do trabalho em debate. Disponível em:
http://www.franca.unesp.br/posservicosocial/RicardoLara.pdf. Acesso em: 28 de outubro de 10.
MONTAÑO, Carlos. A natureza do Serviço Social: um ensaio sobre sua gênese, a especificidade e sua reprodução. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2009.
NETTO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social: uma análise do serviço social no Brasil pós-64. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2006.
ORTIZ, Fátima da Silva Grave. Serviço Social e método. Disponível em: http://cachp.unioeste.br/projetos/ gpps/midia/seminario2/trabalhos/servico_social/MSS35.pdf . Acesso em 23 de outubro de 2010.
SANTOS, Josiane Soares. Apropriação da tradição marxista no Serviço Social. Disponível em: www.assistentesocial.com. br/novosite/cadernos/Cadernos42.PDF. Acesso em 28 de outubro de 2010.
YAZBEK, Maria Carmelita. Os fundamentos do Serviço Social na contemporaneidade. Disponível em: http://www.pucsp.br/pos/ssocial/professor/yazbek_fundamentos.doc. Acesso em: 28 de outubro de 10.
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CONCEITUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL Autora: Patricia Dantas Vergasta
“É coisa difícil renovar o que é antigo, dar responsabilidade ao que
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AULA 07 – CONQUISTAS E LIMITES DA RE-
é novo, beleza ao que é obsoleto, luz ao que é escuro, graça ao que é desdenhado, confiança ao que é duvidoso.”
Plínio, o velho
Olá, querido(a) discente,
Chegamos à nossa penúltima aula! Faremos, agora, um balanço do Movimento de Reconceituação do Serviço Social. À luz de autores como Faleiros e Netto, teremos a oportunidade de refletir sobre as restrições do processo de reconceituação, bem como os avanços para o exercício profissional dos assistentes sociais.
Bons estudos!
REFLEXÕES PRELIMINARES
Alayón (2005) afirma que o Serviço Social, como uma profissão da área social, sempre apresentou uma dimensão política, mesmo quando não visualizada pelos assistentes sociais. O profissional sempre assumiu um posicionamento político seja para legitimar ou questionar a ordem social vigente. O Movimento de Reconceituação do Serviço Social é caracterizado por saberes e poderes profissionais característicos de sua época, em que se destacava um olhar multifacetado da profissão. Tratava-se de uma tentativa de superação da ordem social vigente, trazendo uma crítica tanto ao exercício profissional como às instituições em que o Serviço Social se encontrava inserido. A reconceituação foi marcada por um mar de correntes críticas que pretendiam influenciar a prática política, a vida científica e cultural (AQUÍN, 2005). Trata-se, conforme afirma Netto (2005), de um marco inarredável, incontornável, heterogêneo e contraditório da história do Serviço Social.
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EROSÃO DO SERVIÇO SOCIAL TRADICIONAL
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Na maioria dos países onde o Serviço Social já se institucionalizava como profissão, na década de 1960, instaurou-se um processo de erosão das práticas profissionais tradicionais. Buscava-se romper com a prática empirista, reiterativa e burocratizada, com bases burguesas, funcionalistas e psicossociais. Essa transformação acontece em um momento de mudanças históricas relacionadas ao padrão de desenvolvimento do capitalismo (NETTO, 2005).
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Fonte: UNIFACS EAD
Após três décadas gloriosas, o capitalismo enfrentava nos anos de 1960 indícios de uma nova crise mundial. Assim, houve um tensionamento das estruturas sociais em todo o mundo, colaborando para a mobilização das classes subalternas com vistas a garantir seus interesses mais imediatos. Buscava-se, naquele momento um reordenamento das políticas sociais no Estado burguês, que se sentia ameaçado pela desaceleração do crescimento econômico. De acordo com Netto (2005), surgem reivindicações de naturezas distintas, a saber:
[...] começam a se configurar reivindicações referenciadas a categorias específicas (mulheres, jovens, negros, emigrantes), à ambiência social e natural (a cidade, o equipamento coletivo, a defesa dos ecossistemas), a direitos emergentes (ao prazer, ao lazer, à educação permanente) etc. Nas suas variadas expressões, aqueles movimen-
instituições e, no limite, negavam a ordem burguesa e seu estilo de vida; em todos os casos, recolocavam na agenda as ambivalências da cidadania fundada na propriedade (privada) e redimensionavam a atividade política, multiplicando os seus sujeitos e as suas arenas. (NETTO, 2005, p. 7)
Em meio a esse cenário, destacado por Netto, de questionamentos da ordem
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tos punham em questão a racionalidade do Estado burguês, suas
social vigente, em que os assistentes sociais iniciam uma mudança de postura profissional, inaugurada com o Movimento de Reconceituação.
Este inquisitorial ao “Serviço Social tradicional” concretizou-se tanto mais fortemente na medida em que o cenário mencionado permeou o campo profissional por meio de um complexo de mediações cujos principais condutos devem ser listados rapidamente. Em primeiro lugar, a revisão crítica operada nas fronteiras das ciências sociais, culminando com a deslegitimação do que operava como a fundamentação “científica” do Serviço Social: a sociologia e a psicologia acadêmicas. Em segundo lugar, o deslocamento sociopolítico de instituições cujas vinculações com o Serviço Social são notórias: as Igrejas – em especial, mas não exclusivamente, a católica. Em terceiro lugar, o movimento estudantil, cujo protagonismo – em meio às peculiaridades da “rebelião juvenil” – foi decisivo na crítica ao tradicionalismo no Serviço Social. (NETTO, 2005, p. 8)
Percebe-se, a partir da reflexão do autor, que apesar das críticas que possam ser destinadas ao Movimento de Reconceituação, o mesmo foi fundamental para a superação das bases do Serviço Social tradicional. De acordo com Faleiros (1987, apud NETTO, 2005, p. 9),
[...] a ruptura com O Serviço Social tradicional se inscreve na dinâmica de rompimento das amarras imperialistas, de luta pela libertação nacional e de transformações da estrutura capitalista excludente, concentradora, exploradora. (NETTO, 2005, p. 9)
Os assistentes sociais se encontravam inquietos frente às manifestações da questão social. Buscavam respostas mais apropriadas à prática profissional. Tratava-se de um momento de renovação, de superação das praticas tradicionais que legitimavam o sistema capitalista. Netto (2005) nos fala a respeito:
[...] as primeiras respostas renovadoras permitiram constelar uma espécie de
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grande união contra o tradicionalismo: todos aqueles assistentes sociais que estavam convencidos da necessidade de contribuir profissionalmente para as mudanças sociais requeridas para superar o quadro do subdesenvolvimento vincularam-se na luta contra o “Serviço Social tradicional”. Foi esta grande união que marcou os primeiros passos da Reconceituação: uma frente profissional que reunia um largo e heterogêneo leque de assistentes sociais (e não só) interessados em promover efetivamente o desenvolvimento econômico e social. (NETTO, 2005, p.9-10)
A união mencionada por Netto (2005) era composta, de um lado, por profissionais que apostavam na modernização do Serviço Social, de modo a vinculá-lo a projetos desenvolvimentistas. Por outro lado, um grupo de profissionais defendia uma mudança radical que resultaria com a ruptura com o passado profissional.
Tal divergência ocasionou uma divisão dos profissionais em dois blocos: os reformistas-democratas – que eram desenvolvimentistas – e os radical-democratas, que visavam à superação da exploração e dominação imperialista. Após estas primeiras reflexões sobre o Movimento de Reconceituação, vamos fazer um balanço de como o mesmo se apresentou em alguns países da América La-
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tina.
UM BALANÇO DO MOVIMENTO DE RECONCEITUAÇÃO NA AMÉRICA LATINA
Após a X Conferência internacional de Serviço Social, ocorrida no Brasil, em 1962, os assistentes sociais latino-americanos retornaram aos seus países convencidos de que a profissão passaria por uma renovação (AQUÍN, 2005). Apesar das similaridades da reconceituação nos distintos países da América Latina, pode-se afirmar que houve especificidades do movimento em cada um deles. Nesse sentido, vamos conhecer as repercussões do movimento na Argentina, no Chile e Brasil. Vamos conhecer, inicialmente, o resultado da experiência Argentina.
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Figura 1: Mapa da Argentina Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Argentina
Aquín (2005) afirma que não houve “uma” reconceituação na Argentina, visto que algumas tendências teóricas permearam o processo. A autora diz que considera a Reconceituação como um alicerce do Serviço Social. Apesar de reconhecer os limites de sua concepção, afirma que o movimento abriu caminhos frutíferos para a consolidação da prática profissional, tais quais:
A incorporação de uma visão sistemática de intervenção. A compreensão da necessidade de considerar a historicidade para a compreensão dos fenômenos sociais e dos sujeitos. O reconhecimento da dimensão política da profissão. A superação do senso comum e proclamação da necessidade articulação entre teoria e prática. O impulso para a produção teórica. A necessidade de aprofundamento de estudos que vinculem a profissão à sociedade. O desvelamento da naturalização das necessidades e problema sociais. A articulação entre teoria, método e prática.
De acordo com Repetti (2008), o movimento de reconceituação na Argentina
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garantiu uma interlocução crítica que permitiu ao Serviço social se afastar da posição passiva e de receptor acrítico da produção das ciências sociais, permitindo uma interlocução com a tradição marxista. No Chile, em 1972, no projeto da Escuela de Trabajo Social de Valparaíso, compreendeu-se que a ruptura com o Serviço Social tradicional implica em situar o Serviço social na sociedade de classes.
Figura 2: Mapa do Chile Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:LocationChile.svg
________________________ ________________________ ________________________ No Chile, presenciou-se forte crítica ao positivismo e à focalização da profissão ________________________ em problemas isolados. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Para lembrar relembrar as características do Positivismo, acesse: ________________________ ________________________ ________________________ http://www.brasilescola.com/sociologia/positivismo.htm ________________________ ________________________ http://www.mundodosfilosofos.com.br/comte.htm ________________________ http://pt.wikipedia.org/wiki/Positivismo ________________________ http://www.suapesquisa.com/o_que_e/positivismo.htm ________________________ ________________________ http://educacao.uol.com.br/filosofia/ult3323u30.jhtm ________________________ http://cynthia_m_lima.sites.uol.com.br/positi.htm ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________
práticas em serviço social III
101
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Auguste_Comte.jpg
No projeto da escola de Valparaíso a orientação referente à vertente do materialismo histórico era clara.
Para ler sobre o materialismo histórico de Marx, acesse:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Marxismo http://www.brasilescola.com/sociologia/conceitos-marxismo.htm http://www.infoescola.com/sociologia/karl-marx-e-o-marxismo/ http://pt.wikipedia.org/wiki/Materialismo_hist%C3%B3rico http://www.suapesquisa.com/o_que_e/materialismo_historico.htm
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Materialismo_dial%C3%A9tico
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No Brasil, os primeiros indícios do Movimento de Reconceituação apareceram concomitantemente à Ditadura Militar.
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III
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A maior expressão da Reconceituação ocorre nos anos 70. Netto (2005) afirma: [...] no lapso temporal próprio da Reconceituação, 1965-1975, a renovação do Serviço Social brasileiro – com a exceção expressa da experiência de Belo Horizonte – praticamente reduziu-se à incorporação de vetores desenvolvimentistas. Com efeito, o deslocamento do “Serviço Social tradicional” por este viés desenvolvimentista-modernizante tornou compatível a renovação do Serviço Social com as exigências próprias do projeto ditatorial e permitiu a consolidação de um perfil profissional bastante diverso do tradicionalismo. (NETTO, 2005, p. 16-17)
Na segunda metade dos anos de 1970, com a erosão da Ditadura Militar, o Movimento de Reconceituação ganha força, expressando sua crítica ao tradicionalismo. A reativação do movimento operário-sindical e o protagonismo dos novos sujeitos sociais propiciaram o posicionamento dos assistentes sociais no sentido de romper com o Serviço Social tradicional. Segundo Netto (2005),
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[...] estes assistentes sociais investiram fortemente em dois planos: na organização da categoria profissional e na formação acadêmica. No primeiro deles, em pouco tempo fortaleceu-se uma articulação nacional que tornou os Congressos Brasileiros de Assistentes Sociais um fórum maciço e representativo da categoria profissional; quanto à formação acadêmica, instituiu-se um currículo de âmbito nacional e consolidou-se a pós-graduação (mestrado e doutorado). (NETTO, 2005, p. 17)
De acordo com a citação, a organização da categoria e o aprimoramento da formação acadêmica foram fundamentais para o posicionamento crítico do Serviço Social, que foi o primeiro passo para a consolidação do Projeto ético político profissional. Aqui conhecemos as principais características da Reconceituação na Argentina, no Chile e no Brasil. Agora, vamos refletir sobre os principais equívocos e conquistas do Movimento de Reconceituação.
EQUÍVOCOS E CONQUISTAS DO MOVIMENTO DE RECONCEITUAÇÃO
Segundo Netto (2005), a Reconceituação experimentou equívocos e descaminhos, tais quais:
apolítica que obscurecia as fronteiras entre a profissão e o militantismo, colocando o assistente social num lugar heróico, com traços messiânicos.
A recusa às “teorias importadas” em prol de teoria produzidas regionalmente, acreditando que as mesmas seriam mais adequadas às particularidades históricas e sociais da América Latina.
103 práticas em serviço social III
A denúncia do conservadorismo próprio do tradicionalismo, que assumia uma face
O confusionismo ideológico que tentava contemplar as inquietudes da esquerda cristã e das novas gerações revolucionárias, provocando um ecletismo que, ao mesmo tempo em que aproximou o Serviço Social do marxismo, não possibilitou seu aprofundamento, tendo acesso àquilo considerado como menos visto e criativo.
Diante das limitações descritas, Netto (2005) afirma que a Reconceituação foi inconclusa, pois foi asfixiada pelas ditaduras latino-americanas e, por isso, precisa ser resgatada e analisada com criticidade.
Nesse sentido, Netto (2005) afirma:
[...] na medida em que os espaços democráticos foram praticamente suprimidos em países-chave da nossa América, a Reconceituação não pôde desenvolver suas possibilidades concretas e seus limites eventuais – nesse sentido, manteve-se como um capítulo inconcluso de nossa história profissional. Mas esta inconclusividade não fez do movimento algo intransitivo, que não remeteria mais que a si mesmo. Ao contrário, durante mais de dez anos, na sequência da década de 1970, a parte mais significativa do espírito renovador da Reconceituação, processado criticamente, alimentou o que houve de mais avançado no processo profissional latino-americano. (NETTO, 2006, p. 14-15)
Conforme o autor, os anos 70 foram fundamentais para a renovação profissional. Netto (2005) destaca quatro conquistas do Movimento de Reconceituação:
A interação dos assistentes sociais latino-americanos, apoiada na articulação profissional continental, a fim de responder as problemáticas comuns da América Latina, sem a tutela confessional e/ou imperialista.
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A explicitação da dimensão política da ação profissional.
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A interlocução crítica com as ciências sociais, sintonizando o Serviço Social em tal contexto e se aproximando à concepção marxista e ao pensamento social contemporâneo.
A inauguração do pluralismo profissional, propiciando uma abertura cidadã a diferentes concepções sobre a natureza, do objeto, das funções, dos objetivos e das práticas do Serviço Social.
Segundo Netto (2005), a principal conquista do Movimento de Reconceituação está centrada na recusa do assistente social em se situar como agente técnico meramente executivo. Nessa perspectiva:
[...] a Reconceituação assentou as bases para a requalificação profissional, rechaçando a subalternidade expressa na até então vigente aceitação da divisão consagrada de trabalho entre cientistas sociais (os “teóricos”) e assistentes sociais (os profissionais “da prática”). (NETTO, 2005, p. 12)
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A afirmação de Netto representa grande significância para a categoria profissional, visto que historicamente o assistente social recebeu o rótulo de “tarefeiro”, ou seja, do profissional que executa ações idealizadas por profissionais que teriam a função “do pensar”. Com o advento da Reconceituação os assistentes sociais tiveram a oportunidade de rever tal papel e se posicionarem como profissionais produtores de conhecimento. Como pudemos perceber, o Movimento de Reconceituação foi um marco no Serviço Social. Entretanto, o mesmo, na verdade, não provocou grandes transformações na profissão. Descobriremos na próxima aula que a mudança tão esperada pelos assistentes sociais só começar a se consolidar com o Congresso da Virada.
SÍNTESE Nesta aula, tivemos a oportunidade de conhecer e refletir sobre os limites e possibilidade do Movimento de Reconceituação do Serviço Social. Trata-se de uma oportunidade de compreender a trajetória da profissão a partir de um olhar crítico. Na próxima aula, conheceremos o significado do Congresso da Virada para a Profissão, que se configurou como um momento de libertação da categoria dos assistentes sociais.
Nós nos encontraremos lá!
A partir dos estudos relacionados nessa aula, pode-se perceber que o Movimento de Reconceituação do Serviço Social foi um marco na história da profissão. Entretanto, foi um momento de intenso debate da categoria de assistentes sociais. Partindo de tais afirmações, reflita sobre os limites e possibilidades do movimento.
LEITURA INDICADA
105 práticas em serviço social III
QUESTÃO PARA REFLEXÃO
FALEIROS, Vicente de Paula. Reconceituação do Serviço Social no Brasil: uma questão em movimento? In: FALEIROS, Vicente de Paula. Serviço Social e Sociedade (84): Reconceituação do Serviço social: 40 anos. São Paulo: Cortez, ano XXVI, Nov/2005. p. 21-36. NETTO, José Paulo. O Movimento de Reconceituação: 40 anos depois. In: Serviço Social e Sociedade (84): Reconceituação do Serviço social: 40 anos. São Paulo: Cortez, ano XXVI, Nov/2005.
REFERÊNCIAS ALAYÓN, Noberto. Acerca del movimiento de reconceptualización. In: Serviço Social e Sociedade (84): Reconceituação do Serviço social: 40 anos. São Paulo: Cortez, ano XXVI, Nov/2005.
AQUÍN, Nora. Reconceptualización: ¿un trabajo social alternativo o una alternativa al trabajo social? In: Serviço Social e Sociedade (84): Reconceituação do Serviço social: 40 anos. São Paulo: Cortez, ano XXVI, Nov/2005.
FALEIROS, Vicente de Paula. Reconceituação do Serviço Social no Brasil: uma questão em movimento? In: Serviço Social e Sociedade (84): Reconceituação do Serviço social: 40 anos. São Paulo: Cortez, ano XXVI, Nov/2005.
NETTO, José Paulo. O Movimento de Reconceituação: 40 anos depois. In: Serviço Social e Sociedade (84): Reconceituação do Serviço social: 40 anos. São Paulo: Cortez, ano XXVI, Nov/2005.
REPETTI, Gustavo Javier. Da crítica ao Serviço Social tradicional à perspectiva modernizante. As particularidades do Processo de Reconceituação do Serviço Social na Argentina. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Serviço Social, Rio de Janeiro, 2008.
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CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA PRÁTICA NO SERVIÇO SOCIAL Autora: Patricia Dantas Vergasta “Sejamos como os rios, que renovam constantemente suas águas”.
107 práticas em serviço social III
AULA 08 – O CONGRESSO DA VIRADA E A
Carlos Bernardo González Pecotche
Olá!
Eis a nossa última aula! Conheceremos a importância do Congresso da Virada para a nossa trajetória profissional. Trata-se de um momento histórico que abrilhantou o Serviço Social. Bons estudos!
O III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS) ficou conhecido como
________________________ ________________________ misso do Serviço Social com a democracia. O III CBAS aconteceu no final de setembro ________________________ de 1979, em São Paulo, em meio à efervescência política característica do final da di________________________ tadura militar brasileira. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Figura 1: Efervescência Política ________________________ Fonte: http://www.sxc.hu/photo/695070 ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ De acordo com Godoy e Couto (2010), a priori, o objetivo do congresso era a ________________________ Congresso da Virada por se configurar como um momento decisivo para o compro-
discussão da política social aos olhos do Serviço Social da época. Entretanto, os assis-
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III
108
tentes sociais se rebelassem, posicionando-se contra as instituições que faziam parte, consideradas conservadoras e reprodutoras dos interesses das classes dominantes. O Congresso da Virada ocorreu no período da transição democrática brasileira. No interior da profissão, tratava-se de um momento decisivo para o surgimento de um Serviço Social crítico. Foi um processo construído coletivamente que colaborou com as bases teoricometodológicas e eticopolíticas da profissão.
O Congresso da Virada foi um marco simbólico para um conjunto de mudanças realizadas no Serviço Social brasileiro que tiveram como centro a escolha de um horizonte teórico-político crítico no entendimento da sociedade e da profissão, analisando-as como produto das determinações sócio-históricas no contexto de uma sociedade classista. Nessa época, as assistentes sociais participaram das lutas na defesa do retorno ao estado de direito, da democracia, da exigência quanto à ação do Estado nas respostas às expressões da questão social e na realização dos interesses das classes trabalhadoras. (CRESS, 2010, s.p.)
Percebe-se na última citação que, de fato, o Congresso da Virada tem um valor
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simbólico inquestionável para o Serviço Social. Trata-se de um momento de concretização das discussões dos assistentes sociais, no sentido de romper com as bases tradicionais da profissão.
Figura 2: Mobilização Profissional Fonte: http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=519226
Segundo Netto (2009), o III CBAS fez surgir no cenário político as tendências democráticas do Serviço Social, que se encontravam reprimidas. Neste momento, a força do proletariado ressurgia, sobretudo devido a luta contra a ditadura militar.
política é absolutamente necessário para compreender a sua significação – não foi por acaso que, no processo e na euforia da “virada”, substituída a mesa “oficial” do Congresso, nela tenha tido lugar aquele que, no momento, simbolizava a vigorosa emersão proletária na visão política, o então líder metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva. [...] por intermédio do III Congresso, o Serviço Social que ingressa na cena política o faz contra a ordem ditatorial e, no interior da vanguarda profissional que implementa este ingresso, não há somente segmentos democráticos – há também núcleos que articulam a luta
109 práticas em serviço social III
Relacionar o III Congresso à reinserção da classe operária na arena
pela democracia com a luta anticapitalista. (NETTO, 2009, p. 666)
Na citação de Netto (2009) é destacado o simbólico da substituição da mesa oficial do III CBAS; inicialmente composta por representantes do governo militar e seus seguidores, posteriormente, substituída por representantes dos trabalhadores. Vale ressaltar que o Serviço Social sempre ocupou espaço no cenário político da sociedade brasileira, contudo após o Congresso da Virada a profissão assume um posicionamento crítico em relação às relações sociais no âmbito capitalista.
Figura 3: Pensamento crítico Fonte: Clipart Word
Miranda e Cavalcanti (2005) destacam que o Congresso da Virada foi decisivo para suscitar novas reflexões sobre a formação e exercício profissional, à luz do marxismo. As críticas ao conservadorismo da profissão marcaram os anos de 1980, vinculando o Serviço Social aos movimentos sociais. Conforme Godoy e Couto (2010):
[...] não foi somente o Serviço Social que se desenvolveu com o congresso, é importante e imprescindível destacar que a classe trabalhadora também ganhou muito com isso, podendo ser reconhecida como classe social e tendo a categoria profissional lutando ao seu lado por melhores condições de vida. (GODOY; COUTO, 2010, p.10)
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Guerra e Ortiz (2009) reforçam a ideia apresentada por Godoy e Couto, destacando que o III CBAS representou o amadurecimento da vanguarda do Serviço Social, que através da militância nos movimentos sociais e sindicais, acumularam-se forças e competência teoricopolítica para traçar novos rumos para a profissão. Esta mudança aproximou a profissão da classe trabalhadora.
O III CBAS E O MOVIMENTO ESTUDANTIL
A articulação do III CBAS com o movimento estudantil é um exercício fundamental para compreender as alianças contemporâneas entre as organizações estudantis e profissionais de Serviço Social.
________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Figura 4: Movimento estudantil ________________________ Fonte:www.sxc.hu ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Braz (2009) destaca dois fatores importantes relacionados ao Congresso da Vi________________________ ________________________ rada e o movimento estudantil em Serviço social: ________________________ ________________________ A construção de um canal político legítimo de articulação entre entidades profissio________________________ nais e estudantis. ________________________ A influência teoricopolítica nos rumos do movimento estudantil. ________________________ ________________________ ________________________ Para compreender estes fatores, faz-se necessário traçar, brevemente, a trajetó________________________ ________________________ ria do movimento estudantil em Serviço Social. ________________________ ________________________ ________________________ A militância politicoestudantil em Serviço Social começa antes do período da ditadura militar brasileira, sob a direção da União Nacional de Estudantes (UNE). Infe-
período. Com o Golpe de 1964, as organizações estudantis sofreram perseguições por serem atreladas ao comunismo.
111 práticas em serviço social III
lizmente, não há registros do Movimento Estudantil em Serviço Social (MESS) de tal
________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Figura 5: Perseguições Fonte: http://gutodiascartuns.blogspot.com/ ________________________ ________________________ Com a instauração do Ato Institucional 5 (AI-5), a partir de 1968 a movimenta- ________________________ ção política dos estudantes foi reprimida, em especial, após o 30º Congresso da UNE, ________________________ ________________________ em Ibiúna. (BRAZ, 2009) ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________
práticas em serviço social
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112 QUE TAL CONHECER UM POUCO MAIS SOBRE O 30º CONGRESSO DA UNE?
http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_16101968.shtml http://www.ovp-sp.org/congresso_une_1968.htm#tristecongresso http://josekuller.wordpress.com/13-congresso-da-une-todos-presos/ http://almanaque.folha.uol.com.br/brasil_13out1968.htm http://www.redportiamerica.com/congresso_da_une_de_68.html
Após a agressão sofrida pelos estudantes no 30º Congresso da UNE, até o período de 1978-79, houve tentativas de reorganização das entidades estudantis. O movimento estudantil só conseguiu se rearticular nacionalmente, em 1979, em Salvador, no Congresso de Reconstrução da UNE. (BRAZ, 2009) Vale salientar que a reorganização do movimento estudantil, assim como de outras organizações só foi possível devido à crise de legitimidade do governo militar. Tal crise foi reforçada por motivos relacionados desde a crise mundial do capitalismo
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até o protagonismo de um novo proletariado. Braz (2009) afirma: [...] A retomada do movimento sindical que irrompe na Grande São Paulo, logo denominado de “novo sindicalismo”, pôs a classe operária na vanguarda das lutas contra o regime. Paralelo a isso, e decorrentes do legado de desigualdades sociais provocadas pelo “modelo econômico” da ditadura, fortemente favorecedor do grande capital monopolista – monopólios bancários e industriais (o capital financeiro, por excelência) – surgem ou se organizam movimentos sociais de natureza sociourbana, popular e sociocultural, como são os exemplos das lutas por saúde, saneamento, transporte público, movimentos feministas, negros, embriões de lutas ecológico-ambientais. (BRAZ, 2009, p. 713-714)
Acontecimentos como os citados por Braz colaboram para a compreensão dos motivos que propiciaram a reorganização dos estudantes e das categorias profissionais. Para a compreensão da profissão, faz-se necessário entender os episódios mencionados e refletir sobre a contribuição do Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina. Vale destacar que, em 1978, como fruto da rearticulação estudantil, aconteceu o I Encontro Nacional de Estudantes de Serviço Social (ENESS), em Londrina. (BRAZ, 2009)
http://www.enesso.xpg.com.br/enesso/historia.htm
Braz (2009) destaca que o movimento estudantil no Serviço Social, nesse período, também sofrerá influência de dois aspectos: o protagonismo do movimento estudantil francês, em 1968, e a influência político-partidária de esquerda.
113 práticas em serviço social III
Conheça a trajetória dos ENESS no site:
VOCÊ CONHECE A REVOLUÇÃO FRANCESA DE MAIO DE 1968? ACESSE: http://www.marxist.com/revolucao-francesa-maio-1968.htm http://educaterra.terra.com.br/voltaire/seculo/2008/06/11/000.htm http://educaterra.terra.com.br/voltaire/seculo/2008/06/11/001.htm http://educaterra.terra.com.br/voltaire/seculo/2008/06/11/002.htm
A reorganização e fortalecimento do movimento estudantil em Serviço Social no III CBAS ainda não apresentavam maturidade, contudo os estudantes se fizeram presentes. Segundo Bravo (2009), os estudantes, durante o Congresso, mobilizaram-se contra o conservadorismo vigente no evento; participaram de assembléias com mo- ________________________ ções de apoio em prol de sua reestruturação e lutaram para a ampliação do número ________________________ de vagas destinadas aos mesmos. A participação estudantil foi fundamental para a ________________________ construção de um novo Serviço Social após o congresso da Virada.
Em 1980, ocorre o Conselho Nacional de Estudantes (Coness) que começa a discutir a necessidade de criação da entidade nacional. Esse debate vai ocorrer nos próximos Encontros Nacionais de Serviço Social (Eness), mas a entidade nacional só é criada em 1988, no Eness do Rio de janeiro com o nome de subsecretaria de Estudantes de Serviço Social da UNE (Sessune). No final de 1980 e início da década de 1990, há um distanciamento cada vez maior entre as Executivas de Curso e a UNE. No Eness de 1993, realizado em São Leopoldo, foi criada a Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social (Enesso), proposta consensual entre todas as tendências presentes ao evento. (BRAZ; MATOS, 2008 apud BRAVO, 2009, p. 693)
O surgimento da Enesso foi um dos acontecimentos que refletiu o amadurecimento do MESS. Foi um passo importante em prol da autonomia dos estudantes no que se refere às lutas da categoria.
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FRUTOS DO CONGRESSO DA VIRADA
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Bravo (2009) destaca alguns acontecimentos relevantes que antecederam ao III CBAS:
O III Encontro Nacional de Entidades Sindicais, em que foi criada a Comissão Executiva Nacional de Entidades Sindicais de Assistentes Sociais (Ceneas). O Encontro Nacional de Capacitação Continuada. A aprovação de uma nova proposta curricular para a profissão, em Natal, com a participação do movimento estudantil. A realização do I ENESS.
A criação da Ceneas foi fundamental para o processo, visto que a partir dessa comissão deveriam ser apresentadas as inquietações da categoria em relação à organização e à estruturação do evento. De acordo com Bravo (2009), a Ceneas deveria fazer intervenções políticas no III CBAS, fundadas em um documento crítico elaborado durante o III Encontro Nacional
________________________ de Entidades Sindicais. ________________________ Bravo (2009) afirma que as principais polêmicas relacionadas ao III CBAS eram: ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ O caráter antidemocrático da organização que não desencadeou ________________________ nenhum processo de discussão com a categoria. ________________________ ________________________ A restrição à participação dos estudantes de Serviço Social, limitada ________________________ apenas dois estudantes por unidade de ensino. ________________________ ________________________ Os homenageados do Congresso que constavam de dirigentes da ________________________ ditadura militar: o presidente da República, general João Baptista ________________________ de Figueiredo, os ministros Murilo Macedo e Jair Soares, além de in________________________ tegrantes do governo de São Paulo – Paulo Salim Maluf (governador ________________________ biônico), Antônio Salim Curiat (secretário) e Paulo Reinaldo de Barros (prefeito). ________________________ ________________________ ________________________ O conteúdo relativo à temática central que enfatizava as políticas ________________________ setoriais, sem uma análise global e totalizante das políticas sociais. (BRAVO, 2009, p. 688) ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ As polêmicas citadas por Bravo eram, na verdade, inquietações que incomoda________________________ vam os assistentes sociais que vinham lutando por uma ruptura com o Serviço Social tradicional.
Figura 6: Buscando a ruptura Fonte: http://www.gifmania.com.pt/objetos_ferramentas/cadenas/index2.htm Acesso em 10 outubro 2010
Durante o III CBAS, os integrantes do Cneas se articularam com os docentes
práticas em serviço social III
115
associados à Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social (ABESS) no sentido de promover um movimento de mudança na programação do evento. Como resultado, o Cneas convocou uma assembléia que contou com a presença massiva de estudantes e assistentes sociais que, segundo Bravo (2009) aprovou como principais alterações no Congresso:
Mudança dos homenageados – que passou a ser “todos os trabalhadores que lutaram e morreram pelas liberdades democráticas”
Alterações na programação tanto no conteúdo a ser abordado, como dos componentes das mesas e painéis. As políticas setoriais deveriam ser analisadas na visão da totalidade, enfocando a política social no capitalismo e, em todas as meãs e painéis, seriam incluídos participantes dos movimentos de base, lideranças sindicais, movimentos sociais, entre eles: feminista, contra a carestia, anistia. Outra modificação na programação foi a inclusão da discussão sobre as condições de trabalho e salário dos assistentes sociais, por ser o profissional um trabalhador assalariado.
Inclusão de uma mesa final de encerramento com a participação de lideranças sindicais e movimentos sociais... (BRAVO, 2009, p. 689)
Além das mudanças citadas, diariamente, através da realização de assembleias eram avaliadas as alterações realizadas, a fim de garantir o direcionamento crítico do encontro. Netto (2009) diz que o III CBAS foi um acontecimento de significação histórica para o Serviço Social brasileiro; configurou-se como um divisor de águas, pois o Serviço Social no Brasil jamais foi o mesmo.
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Figura 7: Renovação - dialética Fonte: www.colunistas.ig.com.br Acesso em 10 outubro 2010
A ruptura com o conservadorismo foi determinante nos anos de 1980 para o Serviço Social. Houve um acirramento da crise socioeconômica no país, a reinserção da classe trabalhadora na política e o protagonismo do movimento sindical e dos movimentos sociais na luta pelo retorno da democracia no Brasil. Tais acontecimentos exigiam um profissional com uma postura crítica. De acordo com Bravo (2009), houve o aprofundamento teoricometodológico da profissão, ampliação da produção acadêmica, de base crítica. Ao mesmo tempo, as entidades da categoria se fortaleceram.
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O Conselho Federal de Assistentes Sociais (CFAS) e os conselhos regionais, entidades fiscalizadoras de exercício profissional, iniciaram o seu processo de democratização na década de 1980, acompanhando o movimento já desencadeado pelas entidades sindicais e de ensino. (BRAVO, 2009, p. 692)
A transformação destacada por Bravo inaugurou uma nova fase para os conselhos da categoria. O CFAS assumiu o compromisso com as classes populares, a revisão do projeto de regulamentação da profissão e a elaboração de um novo Código de Ética. Bravo (2009) destaca que as práticas militantistas e messiânicas foram superadas.
práticas em serviço social III
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Figura 8: Messianismo Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Main_Page
Ou seja, os assistentes sociais pararam de assumir uma postura voltada, apenas, à militância política sem a preocupação com a articulação teoricometodológica e de ________________________ assumir o papel de “salvadoras da pátria”. ________________________
Na década de 80, a profissão investiu ativamente na sua própria organização político-sindical e na luta em prol de uma Constituição que incorporasse os interesses dos segmentos da classe trabalhadora, em especial, no que concerne à construção de uma concepção universal, pública e gratuita de política social, nomeadamente da política de Seguridade Social, de sua formulação e de sua implementação. (GUERRA; ORTIZ, 2009, p. 127-128)
Segundo Bravo (2009), como resultado dessa caminhada, destaca-se o Código de Ética de 1986 foi um marco para a profissão, pois trouxe uma ruptura com os anteriores, apesar de ainda apresentar alguns equívocos, que representavam o próprio período da história em que foi elaborado. Guerra e Ortiz (2009) colabpram com o pensamento de Bravo:
[...] os anos 80 e mais ainda os anos 90, assistiram a constituição de um renovado perfil dos sujeitos profissionais, cujo fundamento era a defesa de um novo significado à profissão e ao profissional, que assumiu finalmente sua condição de trabalhador assalariado. Foi inclusive o rompimento com esta perspectiva liberal e corporativa que possibilitou a renovação do conjunto CFAS/CRAS e sua alteração posterior para a nova nomenclatura CFESS/CRESS. (GUERRA; ORTIZ, 2009, p. 129)
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práticas em serviço social
III
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A gestão do CFAS, do período de 1990 a 1993, colocou em debate a questão da ética, colaborando para a reformulação do código de ética, em 1993. Guerra e Ortiz (2009) afirmam que a motivação profissional para o Congresso da Virada, em 1979, oxigenou a profissão no Brasil nos anos de 1980, favorecendo a superação dos equívocos e controvérsias da Reconceituação e consolidando uma nova concepção de profissão, pautada em uma perspectiva universalista e emancipadora.
Considerando que o Serviço Social, no Brasil, é uma profissão jovem que ainda não completou cem anos, os reflexos do Congresso da virada perduram até os tempos atuais. Aqui concluímos a nossa aula e mais uma disciplina. Neste semestre conhecemos mais alguns aspectos teóricos, históricos e metodológicos de nossa profissão. Centramos nossos esforços em compreender um momento de transição no serviço Social, que foi fundamental para fundamentarmos nossa intervenção na contemporaneidade. No próximo semestre, iremos nos deter no Serviço social Contemporâneo, onde poderemos refletir entre outros temas sobre a formação profissional e o Projeto eticopolítico Profissional.
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Até lá!
SÍNTESE O III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS) ficou conhecido como Congresso da Virada por se configurar como um momento decisivo para o compromisso do Serviço Social com a democracia. O Congresso da Virada ocorreu no período da transição democrática brasileira. No interior da profissão, tratava-se de um momento decisivo para o surgimento de um Serviço Social crítico. Foi um processo construído coletivamente que colaborou com as bases teoricometodológicas e eticopolíticas da profissão.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Netto (2009) afirmou que o III CBAS fez surgir tendências democráticas do Serviço Social, que se encontravam reprimidas, devido a conjuntura sócio-histórica do país. Neste momento, a força do proletariado ressurgia, sobretudo devido à luta contra a ditadura militar. A partir desta afirmação, reflita sobre as motivações que transformaram o III CBAS no Congresso da Virada e descreva as principais repercussões do acontecimento para a trajetória do Serviço Social. Sugere-se que esta discussão seja iniciada no AVA através de um fórum.
CRESS-SP. Começaria tudo outra vez, se preciso fosse. Disponível em: http://www. cress-sp.org.br/index.asp?fuseaction=jornal_mch&id=305&id_jornal=61 Acesso em 10 outubro de 2010.
GODOY, Mariana Molina; COUTO, Eduardo Luis. O Congresso da Virada de 1979 e o
119 práticas em serviço social III
LEITURA INDICADA
projeto eticopolitico profissional. Disponível em: http://intertemas.unitoledo.br/ revista/index.php/ETIC/article/viewFile/1963/2092 Acesso em 10 outubro de 2010.
Serviço Social e Sociedade (100): O Congresso da Virada e os 30 anos da Revista. São Paulo: Cortez, outubro/dezembro/2009. p. 650-748.
REFERÊNCIAS BRAVO, Maria Inês Souza. O significado político e profissional do Congresso da Virada para o Serviço Social brasileiro. In: Serviço Social e sociedade (100): O Congresso da Virada e os 30 anos da Revista. São Paulo: Cortez, outubro/dezembro/2009.
BRAZ, Marcelo. O III CBAS de 1979: a virada e o seu legado às novas gerações. In: Serviço Social e sociedade (100): O Congresso da Virada e os 30 anos da Revista. São Paulo: Cortez, outubro/dezembro/2009.
CRESS-SP. Começaria tudo outra vez, se preciso fosse. Disponível em: http://www.cress-sp.org.br/index. asp?fuseaction=jornal_mch&id=305&id_jornal=61 Acesso em 10 outubro de 2010.
GODOY, Mariana Molina; COUTO, Eduardo Luis. O congresso da virada de 1979 e o projeto eticopolítico profissional. Disponível em: http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/1963/2092 Acesso em 10 outubro de 2010.
GUERRA, Yolanda; ORTIZ, Fátima Grave. Os caminhos e os frutos da “virada”: apontamentos sobre o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais. Revista Praiavermelha, Rio de Janeiro, v. 19 nº 2, Jul-Dez 2009, p. 123-136.
MIRANDA, Ana Paula Rocha; CAVALCANTI, Patricia Barreto. O Serviço Social e sua Ética Profissional. In: Revista Ágora: políticas públicas e Serviço Social, Ano 1, nº 2, julho, 2005.
NETTO, José Paulo. III CBAS: algumas referências para a sua contextualização in: Serviço Social e sociedade (100): O Congresso da Virada e os 30 anos da Revista. São Paulo: Cortez, outubro/dezembro/2009.
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