P sicologia e C omportamento
Psicologia e Comportamento
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T693p
Torres, Cláudia Vaz Psicologia e comportamento / Cláudia Vaz, – Salvador: UNIFACS, 2013. 253 p. ISBN 978-85-87325-22-8 1. Psicologia. 2. Comportamento humano. I. Título. CDD: 150
S umário ( 1 ) A psicologia e o comportamento humano, 11
1.1 Ser humano: objeto de estudo da psicologia, 19 1.2 O ser humano e a valorização da individualidade, 20
( 2 ) Teorias psicológicas, 37
2.1 Behaviorismo, 40
2.2 Psicologia como “ciência do
comportamento”, 41
2.3 Gestalt, 46
2.4 Psicanálise, 53
2.5 O inconsciente, 57
2.6 A regra fundamental da psicanálise, 59
2.7 A histeria, 61
2.8 O aparelho psíquico, 67
2.9 Psicologia sócio-histórica, 68
2.10 O ser humano é um ser social e histórico, 73
( 3 ) A construção social do ser humano: subjetividade e
identidades, 81
3.1 Construindo um conceito de identidade, 85
3.2 O conceito de identidade na história, 87
3.3 “Quem eu sou?”, 92
3.4 Identidade...mais contribuições, 97
3.5 “Somos sujeitos de muitas identidades”, 99
( 4 ) Ser humano: discutindo relações raciais,
gênero, sexualidade e orientação sexual, 107
4.1 O que é gênero?, 121
4.2 Identidade de Gênero, 123
4.3 Sexualidade, gênero e orientação sexual, 126
4.4 Sexualidade e identidade de gênero:
qual é a relação?, 129 4.5 “Ninguém nasce mulher [...]”, 130
( 5 ) O ser humano: construindo relacionamentos, 145
5.1 Percepção, 153
5.2 Atitudes, 155
5.3 Aptidão, 157
5.4 Inteligência, 158
5.5 Comunicação, 159
5.6 Grupos: definição e classificação, 163
( 6 ) A dinâmica das relações nos grupos e
equipes de trabalho, 185
6.1 Classificação das equipes, 191
( 7 ) Emoções, sentimentos e afetos: delimitações
conceituais e repercussões no cotidiano do
trabalho, 201
A afetividade no contexto de trabalho, 221
( 8 ) A motivação no trabalho, 235
8.1 Motivação: ênfase, foco, pergunta e resposta, 238
8.2 Três modelos de classificação das teorias
da motivação, 239 8.3 Teoria das necessidades de Maslow -
Teoria da hierarquia das Necessidades
(1943), 241
8.4 ERC (existência, relacionamento e crescimento) de Aldefer (1969), 242 8.5 Teoria das Necessidades (afiliação, poder e realização) de McClelland (1953), 243 8.6 Teoria Bifatorial de Herzberg, Mausner e
Snyderman (1959), 244
8.7 Teoria das Expectativas, 246
(1)
A piscologia e o comportamento humano
Cláudia Vaz Torres
Nesta unidade, refletiremos sobre o surgimento da psicologia, o seu objeto de estudo e o seu papel na análise das questões humanas.
Por que nos tornamos o que somos, aqui e agora? O que constitui a nossa singularidade? O que mudou na história e o que a Psicologia tem a ver com isso?
A análise das questões acima permite pensar que, na
contemporaneidade, o modo como enxergamos a nós mesmos mudou bastante, pois em épocas passadas não havia o interesse em promover a exposição de si cotidianamente, havia maior preocupação com a manutenção da privacidade e com o lugar social previamente “determinado”. Podemos interpretar o mundo contemporâneo como um período no qual predomina o intenso culto à pessoa, ao auto-conhecimento, à intimidade, à vida privada. É um momento em que percebemos que muitas mulheres e homens constroem as suas relações consigo e com os outros, e interpretam a sua realidade sem reconhecer a importância do outro na existência de cada um, valorizando apenas as suas intimidades e interesses pessoais (SENNETT, 1998).
Na contemporaneidade, as ciências comportamentais ampliaram muito a sua área de análise, atuação e abriram espaço para campos específicos de aplicação como educação, saúde, trabalho, conflitos sociais, entre outros. Cotidianamente somos compelidos a pensar sobre o comportamento de mulheres e homens, a revisar conceitos e modelos, pois a todo momento novos acontecimentos vêm à tona, transformando o momento presente. Torna-se, então, necessário saber lidar com a diversidade de situações nas relações humanas e com as diferentes questões que trazem em si a marca da instabilidade e da competitividade. Lidamos acentuadamente, hoje, com o sentimento de instabilidade, de incompletude que nos desafia e nos leva a desejar algo e querer ser melhor do que se é; porém, esta busca, muitas vezes, está centrada nas aquisições, ou seja, em ter: bens, títulos, contratos, matrimônio, etc. Às vezes, pensamos que precisamos olhar o outro, sermos mais sensíveis; no entanto, logo nos distanciamos desses ideais, assumimos os valores e princípios de uma sociedade de consumo e anestesiamos os nossos sentidos. Vamos, assim, formando territórios e exibindo o que esperamos que o outro queira ver. Sibilia (2008) explica que na contemporaneidade há uma necessidade imperiosa de exibir a intimidade e espetacularizar os recônditos do eu. Há, conforme a autora, um abandono da privacidade, do que se passa na experiência solitária e íntima de si para uma gradativa exteriorização do eu. O apelo social é para que se mostre e constitua a própria vida como um relato para ser saboreado, comentado, criticado e desejado pelo outro. As ferramentas atuais disponíveis na Internet como blogs, weblogs, YouTube, fotologs, redes de sociabilidade como Orkut, Myspace, Facebook, entre outras
promovem e celebram o eu, para tanto é preciso insistentemente atualizar o outro com fragmentos de informações, que são adicionados a todo momento, e sustentam apenas o tempo presente; enfim, é preciso mostrar-se cotidianamente.
[...] os sujeitos destes inícios do século XXI, familiarizados com as regras da sociedade do espetáculo, recorrem a infinidade de ferramentas ficcionalizantes disponíveis no mercado para se autoconstruir. A meta é enfeitar e recriar o próprio eu como se fosse um personagem audiovisual. Não é muito difícil, pois a mídia oferece um farto catalogo de identidades descartáveis que cada um pode escolher e emular: é possível copiá-las, usá-las e logo descartá-las, para substituir por outras mais novas e reluzentes (SIBILIA, 2008, p. 241-242).
O desejo de visibilidade, de ser protagonista, mostrarconstrução das subjetividades atualmente. Nos novos modos de ser e estar no mundo é possível mentir sobre as suas próprias vidas e inventar fatos sobre si mesmo. Leia o trecho a seguir: Eu conheci o Cris pela internet em 2007. Ele era ami-
15 A psicologia e o comportamento humano
-se e causar um efeito no outro marcam as experiências de
go do namorado virtual de uma amiga. Ficamos próximos e decidimos namorar. Ele era muito ciumento, mas muito carinhoso. Eu não ficava com mais ninguém. Um dia, a minha amiga brigou com o namorado e começou a fazer pressão para ele contar mais coisas. Aí, veio à tona: nem o namorado dela nem o meu eram reais. Quem fazia o personagem dos dois era uma menina! (REPS, 2009) Esta infinidade de construções de versões do “eu” interessa à psicologia que além da sua cientificidade,, está cada vez mais frequente na vida cotidiana. Figueiredo e Santi (2006) alertam que a tendência que mais cresce no mercado é a das “terapias de autoajuda” que misturam concepções do senso comum, com pressupostos humanistas sobre a liberdade do homem e prega o individualismo e a submissão do eu a um conjunto de regras de gerenciamento da própria vida.
Análise: O que é “terapia de autoajuda”? A autoajuda é uma terapia? Quais as diferenças entre esta abordagem e as abordagens da psicologia científica?
Alguns saberes e práticas sobre o ser humano pertencem a outros campos e estão em oposição aos princípios da psicologia científica. Compreender a psicologia numa di-
Psicologia e comportamento
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mensão histórica e social implica pensar nas ações, atitudes, emoções, sentimentos e comportamentos inerentes a mulheres e homens, constituídos a partir das relações. Assim, é importante refletir sobre a psicologia e destacar que a mesma pode ser considerada uma ciência, pois o conhecimento que produz é considerado científico por ter um objeto de estudo, uma linguagem rigorosa, objetividade, métodos e técnicas específicos e uma construção teórica cumulativa.
O campo de conhecimento da Psicologia se constituiu como ciência a partir do século XIX, quando seus temas passaram a ser investigados pelos fisiologistas e pelos neurofisiologistas, que demonstraram que as nossas percepções e pensamentos derivam do sistema nervoso central; também, quando estes cientistas passaram a empregar nos seus estudos métodos de observação cuidadosos e sistemáticos para normatizar e padronizar as ações, atitudes e comportamentos dos homens. Antes disso, a Psicologia estava atrelada à Filosofia. Conforme Bock, Furtado e Teixeira (2008), foram os filósofos gregos que tentaram pela primeira vez sistematizar o conhecimento psicológico, concebendo-o como estudo da alma. O termo psicologia vem do grego psyché, que significa alma, e de logos, que significa razão. Etimologicamente, a Psicologia significa o estudo da alma. A alma era concebida como a parte imaterial do ser humano, que inclui os sentimentos, os desejos, as sensações, as percepções e os pensamentos. Atualmente, a Psicologia é vista como uma ciência em desenvolvimento. Cambauva, Silva e Ferreira (1998) esclarecem que a psicologia vai sendo construída à medida que os homens vão construindo a si mesmos e ao seu mundo.
desse processo de desenvolvimento do pensamento, cria idéias, entre elas as idéias psicológicas. Ele cria as ciências como forma de compreensão do mundo; entre essas ciências cria a psicologia, tendo como objetivo o entendimento do que hoje chamamos subjetividade, bem
17 A psicologia e o comportamento humano
O homem, sendo personagem principal
como a interpretação desta na sua relação com o mundo e com outros homens. Isso significa que a psicologia pode ser considerada uma ciência social, e seu objeto o homem. Ao falarmos do desenvolvimento da psicologia, estamos, ao mesmo tempo, nos referindo ao desenvolvimento, ao processo, à elaboração e à criação do pensamento humano. Ou seja, assumimos e entendemos que o homem está em constante movimento (CAMBAUVA; SILVA; FERREIRA, 1998, p. 2-3).
Depreendemos, com as autoras, que a pessoa, na sua relação com o outro, constrói a si mesma, é produtora de ideias, da ciência e produtora da história da sociedade. Diante da diversidade que encontra no mundo, da necessidade de conhecer, controlar e potencializar, a sua eficiência desenvolve um modo de pensamento específico sobre seu comportamento, desenvolve métodos para análise e compreensão das inúmeras possibilidades de ser e estar no mundo. Diante dessas inúmeras possibilidades de interpretar o
Psicologia e comportamento
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homem, encontramos na psicologia uma diversidade de objetos de estudo. Bock, Furtado e Teixeira (2008) analisam que a diversidade de objetos justifica-se porque os fenômenos psicológicos são diversos e não podem ser acessíveis ao mesmo nível de observação, padrões de descrição, medida, controle e interpretação. A psicologia, então, enfoca, de maneira particular, o seu objeto de estudo e constrói conhecimentos específicos e distintos sobre a nossa singularidade e individualidade.
(1.1) S er humano: objeto de estudo da psicologia O ser humano é o objeto de estudo da psicologia, porém, há diversas concepções sobre ele, adotadas pelos teóricos e pesquisadores em psicologia, que irão promover especificidades no modo de compreender os fenômenos psicológicos. Existem, também, mitos filosóficos sobre o ser humano que influenciaram as ciências humanas, como o mito do homem natural que postula que o ser humano tem uma essência original, mas a sociedade termina por corromper esta essência, que é caracterizada como boa, repleta de virtudes. Há o mito do homem isolado, que é originariamente não social, mas gradativamente tem necessidade de relacionar-se e o mito do homem abstrato, cujas características são universais e independem da realidade histórica e social. Conforme compreendeu, os mitos são importantes para a nossa reflexão, mas é importante considerar a história, a multideterminação do ser humano e as condições materiais que lhe são dadas. O ser humano é social e histórico, necessita do nar-se, pensar, criar instrumentos, desenvolver a linguagem, trabalhar, modificar o ambiente e construir a sua realidade. Acrescentamos que a psicologia científica está dividida entre diferentes linhas de pensamento para analisar os seres humanos concebidos pela vida social, assim, existem inúmeras maneiras de conceber e intervir no campo do “psicológico”.
19 A psicologia e o comportamento humano
outro para constituir-se como humano, ter autonomia, relacio-
De acordo com Ferreira (2006), os saberes e as práticas psicológicas contemporâneas apresentam algumas experiências constitutivas fundamentais, como a constituição da subjetividade e as individualidades como unidades políticas a serem destacadas e diferenciadas no conjunto da sociedade. Sem que o outro que convive conosco saiba, passamos longo tempo pensando sobre quem somos, o que queremos, se vamos ou não fazer uma coisa, até que decidimos por algo. Preservamos a nossa individualidade pelo desejo de sermos livres e acreditamos que o nosso modo de sentir e pensar é único, porém, ao lado das nossas individualidades, existe uma imensa possibilidade de padronização, normatização e disciplina com o objetivo de controlar o comportamento, a imaginação, as emoções, os sentimentos, os desejos e, consequentemente, manter a ordem social.
(1.2) O ser humano e a valorização da individualidade longo da história, como na obra de Michel de Montaigne,
Psicologia e comportamento
A valorização da individualidade pode ser vista ao
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em 1580, ao advertir o leitor de que escreveu os seus Ensaios para si mesmo e alguns amigos íntimos, para que pudessem conservar mais inteiro e vivo o conhecimento que tiveram do seu caráter e de suas ideias. Entretanto, até o século XIII, não existia sequer a noção de indivíduo. Acrescentamos que na Grécia, do ponto de vista polí-
tico, a noção de indivíduo não aparece, isso não significa que a pessoa não existisse, mas que ele tinha a sua existência reconhecida como cidadão da polis. A maior punição para o homem era ser banido da polis. O espaço público e social era o lugar para o desenvolvimento pleno do ser humano. Ferreira (2006) analisa que a preocupação com a individualidade inicia-se a partir do século II d.C, ocasião que começa a ser buscada a constituição do cuidado de si. O ser humano mergulha no seu interior para descobrir, distinguir os pensamentos divinos dos pensamentos maléficos. Era preciso cuidar de si mesmo, da própria alma para livrar-se das tentações dos demônios. Sobre isso, Ferreira acrescenta:
Na passagem para o cuidado de si moderno há, pois, uma mudança de finalidade: não se busca mais uma purificação da alma para atingir Deus, mas uma pura afirmação de si. E também, o exame de si, outrora exercido através de instrumentos religiosos e jurídicos (como a confissão), cede aos aparatos entrevista clínica, os testes mentais). Portanto, mudam igualmente as técnicas desse novo cuidado de si. [...] podemos dizer que, a partir da modernidade, passaram a existir diversas formas de relação consigo, além da religiosa, que nos convidam a um exame da nossa
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científicos modernos (a anamnese, a
vida interior. Uma delas é a constituição do tema da sexualidade. (FERREIRA, 2006, p. 16-17)
Compreendemos, com o autor, que o ser humano busca conhecer-se não mais para ser semelhante ao criador, como ocorreu na Idade Média. O ser humano lida com questões importantes e desafiadoras além da constituição do tema da sexualidade, como a busca da verdade, a distinção entre o público e o privado, a autonomia, entre outras. No século XVI, esclarecem Figueiredo e Santi (2006), há uma grande valorização e confiança no homem, geradas pela concepção de que o mundo passou a ser considerado cada vez menos sagrado e mais como objeto de uso, movido por forças mecânicas a serviço dos homens que passaram a ser considerados livres e centro do mundo. Esta transformação é parte da origem da ciência moderna. As condições socioculturais constituíram o terreno propício para a construção do projeto de uma psicologia como ciência, pois à medida que o homem sentia-se livre, diferente, capaz de experimentar sentimentos, ter desejos e pensar independentemente dos demais e, também, perceber as ins-
Psicologia e comportamento
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tâncias de controle na sociedade que colocavam em questão a sua soberania, autonomia e identidade, acentuou-se, para o Estado, a necessidade de recorrer a práticas de previsão e controle para dar conta das seguintes questões:
Como lidar melhor com os sujeitos individuais? Como educá-los de forma mais eficaz, treiná-los, selecioná-los para os diversos trabalhos? Em todas essas questões se expressa o reconhecimento de que existe um sujeito individual e a esperança de que é possível padronizá-lo segundo uma disciplina [...] Surge, desse modo, uma demanda por uma psicologia (FIGUEIREDO; SANTI, 2006, p. 49).
Depreendemos que para a Psicologia progredir, era necessário conhecer e controlar as individualidades e suas diferenças. A experiência de individualização marca as escolas psicológicas fundadas no século XIX. O homem, sujeito individual, torna-se um objeto da ciência:
Os estudos psicológicos científicos começaram e se desenvolveram sempre marcados por essa contradição: por sujeitos livres e diferenciados – senho-
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res de fato e de direito da natureza; por
A psicologia e o comportamento humano
um lado a ciência moderna pressupõe
outro, procura conhecer e dominar essa própria subjetividade, reduzir ou mesmo eliminar as diferenças individuais, de forma a garantir a “objetividade”, ou seja, a validade intersubjetiva dos achados. Em contraposição [...] muitos
psicólogos repudiam essa meta de conhecer para dominar os meandros da subjetividade e afirmam, ao contrário, que o que interessa é conhecer esses aspectos profundos e poderosos do “eu” para dar-lhes voz, para expandi-los, para fazê-los mais fortes e livres. É claro que os que pensam assim querem fazer da psicologia uma “ciência” sui generis não só por ter um campo e um objeto próprios, mas por adotarem, em relação às demais ciências, outros métodos e outras metas. (FIGUEIREDO; SANTI, 2006, p.56-57)
Assim, há diversas psicologias, histórias e linhas de pensamento que divergem nos aspectos teóricos e metodológicos. A psicologia passou a existir como uma ciência no final do século XIX, com a criação do laboratório de psicologia experimental de Wilhelm Wundt, em 1875, na Alemanha, na Universidade de Leipzig. O Laboratório de Leipzig atraiu estudantes de vários países e impulsionou a institucionalização formal da psicologia. A psicologia avança com o status
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de ciência, que é obtido através da definição do objeto de estudo (comportamento, vida psíquica e consciência), delimitação do campo de estudo, formulação de métodos próprios de estudo e teorias que produzem conhecimentos passíveis de comprovação e cumulativos. Surgem as primeiras escolas psicológicas, como o Funcionalismo de William James, o Estruturalismo de Titchener e o associacionismo de Thorndike e, posteriormente diferentes Teorias psicológicas.
A construção de um projeto de uma psicologia independente, com objeto próprio de estudo e métodos adequados, não foi tarefa fácil, principalmente porque a filosofia abordava os conceitos relacionados ao comportamento, “alma” e consciência; e a História, a Sociologia, a Linguística também abordavam as ações humanas e sua importância na sociedade, de acordo com as condições sociais e históricas. A psicologia reivindicou um lugar no campo das ciências buscando objetividade, embasamento matemático e um elemento básico de investigação através da aproximação com os conceitos e métodos das ciências naturais. Ferreira (2006), ao analisar o mapa das psicologias do século XIX, explica que:
Surge, então, no final do século XIX, na Alemanha, o projeto da psicologia enquanto ciência da experiência, tomando como base a fisiologia, calcado no conceito de sensação como elemento objetivo e matematizável. (FERREIRA, 2006, p. 21)
a configuração da psicologia como área de conhecimento específico, embora com divergências no estudo do comportamento e da mente. As visões de homem de Wilhelm Wundt e seu contemporâneo William James não são mais bem aceitas hoje, porém, ainda assim, os estudos de Wundt sobre os processos mentais básicos, através do método introspeccionista, e a abordagem de James sobre a análise dos processos, através dos
25 A psicologia e o comportamento humano
Assim, na virada para o século XIX, torna-se possível
quais a mente funciona, desempenharam um importante papel na construção de uma psicologia científica (GLASSMAN, 2008). A psicologia, ramo das Ciências Humanas, estuda a subjetividade, conceito complexo que diz respeito ao nosso modo de ser, aos nossos pensamentos, desejos, sentimentos, ações, construídos na convivência social, nas interações e nas interpretações que fazemos dessas interações. Bock, Furtado e Teixeira (2008, p.23) analisam que:
[...] estudar a subjetividade, nos tempos atuais, é tentar compreender a produção de novos modos de ser, isto é, as subjetividades emergentes, cuja produção é social e histórica. O estudo dessas novas subjetividades vai desvendando as relações do cultural, do político, do econômico e do histórico na produção do mais íntimo e do mais observável no ser humano - aquilo que o captura, submete ou mobiliza para pensar e agir sobre os efeitos das formas de submissão da subjetividade.
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A psicologia visibiliza a dimensão subjetiva dos seres humanos, que contempla os pensamentos, desejos, emoções, sentidos, ações, significados, entre outros que são construídos a partir das vivências sociais e culturais. Através de recursos teóricos e metodológicos, a ciência psicológica analisa a dimensão subjetiva, as questões do sujeito e suas relações,
potencializando a autonomia e capacidade de emancipação dos seres humanos. A psicologia é definida, comumente, como o estudo científico do comportamento. O termo comportamento pode ser compreendido como respostas observáveis, experiência interna (pensamentos, sentimentos, etc). Alguns psicólogos preocupam-se apenas com o comportamento humano, outros estudam as ações de outras espécies. De qualquer modo, o comportamento humano é rico e complexo, não há como explicar todos os aspectos numa teoria isolada, há uma diversidade de teorias que diferem em termos de pressupostos básicos, métodos e teorias no estudo desta temática. O modo como a psicologia aborda a subjetividade depende da concepção de ser humano adotada pelas Teorias psicológicas. A psicologia, portanto, tem diferentes teorias para analisar e compreender o comportamento humano, como o Behaviorismo, a Psicanálise, a Gestalt, a Psicologia Sócio-Histórica, entre outras. Vamos, resumidamente, conhecer alguns dos aspectos estudados por elas na próxima aula e suas contribuições para a análise do ser humano. Compreendemos que é sempre um desafio descobrir maneiras para avaliar as diferenças entre as teorias e compreender as suas divergências, porém, diante d à complexidade todos os aspectos que dizem respeito ao comportamento. Acrescentamos que as teorias desenvolveram-se em resposta à complexidade do estudo do comportamento, mas também em consonância com fatores pessoais, históricos e culturais. O conjunto de saberes e das práticas psicológicas contemporâneas apresenta algumas experiências, como a
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do comportamento, nenhuma teoria isolada pode explicar
constituição da subjetividade, que estão presentes em todas as psicologias e que, a partir dessas experiências, esclarece Ferreira (2006), surgem outras práticas relevantes que conduzem as reflexões sobre mente e corpo, a constituição da loucura como doença mental e as distinções relativas aos diferentes períodos da vida. Compreendemos, também, que existem inúmeras maneiras de conceber o campo do psicológico e outras tantas maneiras de intervenção. Sobre isso, esclarece Figueiredo (2006):
Entre as maneiras de pensar o psicológico há mesmo quem pretenda descartar-se desta denominação e dar preferência a outros conceitos, como conduta ou comportamento. Entre os que se situam no campo do psicológico, há também os que pretendem fazer outra coisa que não psicologia como, por exemplo, psicanálise. (FIGUEIREDO, 2006, p. 9)
Há uma pluralidade no campo da psicologia, e o Psicologia e comportamento
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entendimento e aceitação das diferentes diversas teorias, com as suas contradições sobre o comportamento, estão de acordo com os nossos viéses pessoais, nossas crenças e o nosso momento histórico. Impõe-se à psicologia, na contemporaneidade, o compromisso social. A psicologia, como ciência e profissão, precisa buscar estratégias para lidar com o sofrimento psíquico
nos diferentes espaços sociais. Vamos analisar o compromisso social da psicologia através da leitura do trecho do artigo de Bock (1999, p.324-325):
[...] a Psicologia vem se transformando e vem se aproximando de visões concretas e históricas, abandonando as visões naturalizantes que ainda caracterizam nossa ciência e nossas técnicas. Vamos explicar melhor isto: A Psicologia em seu desenvolvimento esteve sempre presa a uma dicotomia entre objetividade e subjetividade; entre interno e externo; entre natural e histórico; objeto e sujeito; razão e emoção; indivíduo e sociedade. Desde Wundt, temos vivido esse desafio de superar estas dicotomias e nosso desenvolvimento teórico pode ser registrado a partir destas tentativas. Mantidas estas dicotomias, não temos sido capazes de comnaturalizar seu desenvolvimento e seu mundo psicológico. Explicando melhor: porque mantemos uma visão dicotômica, temos explicado o movimento do mundo psicológico como um movimento interno, gerado por si mesmo. [...]
29 A psicologia e o comportamento humano
preender o homem que não de forma a
Esta tradição naturalizante do fenômeno psicológico nos jogou em uma perspectiva de profissão que sempre compreendeu nossa intervenção como curativa, remediativa, terapêutica. Temos nos limitado a ela nestes anos todos de profissão. Não é para menos que temos tido um modelo médico de intervenção. Mas isto vem mudando. A realidade objetiva, o mundo social e cultural vem invadindo nosso conhecimento e já não podemos mais falar de mundo psicológico sem considerar o mundo social e cultural. Ainda estamos construindo um modelo de relação entre estes mundos, entendendo que estes se influenciam e não que constituem um ao outro. Isto significa que ainda não superamos a dicotomia... mas estamos caminhando.
A Psicologia tem se aberto para estas novas leituras. Queremos entender o mundo psicológico como um mundo
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constituído a partir de relações sociais e de formas de produção da sobrevivência.
Para ler mais, acesse: http://www.scielo.br/ pdf/epsic/v4n2/a08v4n2.pdf
Com a autora, compreendemos, então, que precisamos superar o pensamento dicotômico, a visão essencialista sobre o ser humano e entender o ser humano atrelado à sua realidade social e cultural. O trabalho da psicologia deve ser no sentido de atuar criticamente na realidade, promover a transformação, a emancipação do ser humano e dar visibilidade às desigualdades sociais. Compreendemos, então que não há no campo da psicologia uma visão descolada do ser humano à sua realidade, como também não há uma teoria ou projeto que predomine sobre o outro como no campo das ciências naturais. A diversidade neste campo torna-o ainda mais interessante para pensar como a nossa subjetividade se constitui e por quê. E como, a partir disso, nos lembra. Arnaldo Antunes, construímos a História. [...]o tempo do nascimento, crescimento, envelhecimento, um momento um momento o homem pensa que faz a guerra, a paz enquanto o homem pensa o tempo se faz alegre, triste enquanto o tempo passa o homem assiste como matar o tempo como matar o tempo Arnaldo Antunes - Tempo Veja o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=Ek0wqw14Bkg
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o homem pensa que é
Consideramos, então, que é preciso pensar em mulheres e homens não somente com características pessoais, mas principalmente como sujeitos sociais que constroem a sua vida num espaço coletivo, histórico e cultural. É preciso, ainda, aumentar a nossa capacidade de olhar para si, para o outro e reconhecer valor em cada um.
SÍNTESE
Nesta aula, refletimos sobre a psicologia como ciência, seu surgimento e importância. Refletimos sobre o objeto de estudo da psicologia e a caracterização do ser humano e compreendemos que não há como explicar todos os aspectos numa teoria isolada, há uma diversidade de teorias que diferem em termos de pressupostos básicos, métodos e teorias no estudo da subjetividade. Na próxima aula, você continuará este estudo analisando a construção da subjetividade e das identidades, aspecto importante para a compreensão das diferentes dinâmicas nas relações interpessoais. Vamos em frente!
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QUESTÃO PARA REFLEXÃO
- Por que os psicólogos divergem em relação à definição do que é psicologia? - É preciso compreender a pessoa como um produto social e um ser coletivo? Justifique.
Pense e converse a respeito com seus colegas e amigos.
LEITURAS INDICADAS
BOCK, A. M. A psicologia a caminho do novo século: identidade profissional e compromisso social. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/epsic/v4n2/a08v4n2.pdf. Acesso em: 22 de jun. de 2012 Para aprofundar seus estudos leia também o texto da Anita Resende cujo título é Subjetividade: novas abordagens de antigas dicotomias. Disponível em: http://www.anped.org.br/ reunioes/28/textos/gt20/gt201453int.rtf. Aceso em: 25 de maio de 2012 e leia: CAMBAÚVA, L.G.; SILVA, L.C.; FERREIRA, W. Reflexões sobre os estudos da psicologia. Disponível em: <http://www.scielo.br/ pdf/epsic/v3n2/a03v03n2.pdf>. Acesso em: 25 maio 2012.
SITES INDICADOS
http://www.anped.org.br/reunioes/28/textos/gt20/gt201453int.rtf http://www.scielo.br/pdf/epsic/v3n2/a03v03n2.pdf
ANTUNES, A. Tempo. Disponível em: <http://letras.terra. com.br/arnaldo-antunes/91765/>. Acesso em: 25 maio 2012. BOCK, A. M. A psicologia a caminho do novo século: iden-
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REFERÊNCIAS
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MONTAIGNE, M. Ensaios. São Paulo: abril Cultural, 1984. REPS, R. Namoro entre telinhas: comportamento. Revista Capricho, n. 1072, p. 90-93, São Paulo: Abril, Junho 2009, p. 90-93. SENNETT, R. O declínio do homem público: as tiranias da
intimidade. SĂŁo Paulo: Companhia das Letras, 1998. SIBILIA, P. O show do eu: a intimidade como espetĂĄculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
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Teorias psicol贸gicas
Cláudia Vaz Torres
Nesta unidade, refletiremos sobre algumas Teorias psicológicas como o Behaviorismo, a Gestalt, a Psicanálise e a Psicologia Sócio-histórica, seus conceitos, fundamentos e contribuições para os estudos sobre o ser humano. Em razão d à complexidade da temática, apresentaremos, apenas, de modo resumido, alguns conceitos concernentes às Teorias psicológicas.
(2.1) B ehaviorismo O Behaviorismo é considerado uma das principais teorias da Psicologia do século XX. Propõe um modelo de ciência que enfatiza a observação e a interação organismo-contexto na análise do comportamento humano. Termos como Comportamentalismo e Comportamentismo são encontrados na literatura para denominar esta tendência. O termo inglês behavior significa comportamento, e o projeto de uma psicologia, cujo objeto era o comportamento, foi originalmente elaborado por John Watson (1878-1958). Em 1913, John B. Watson (1878-1958) escreveu um manifesto que enfatizou o comportamento como objeto de estudo da psicologia e o interesse sobre o modo como o ser humano responde a diversas situações em um dado ambiente. O manifesto “A psicologia como o behaviorista a vê” criticava a utilização dos processos e conteúdos mentais que estives-
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sem envolvidos na percepção, memória, imaginação, raciocínio, etc., como objeto de estudo da Psicologia. Para Watson, o método para detectar e analisar comportamentos observáveis deveria ser,unicamente, a observação e a experimentação (método de qualquer ciência).
(2.2) Psicologia como “ciência do comportamento” Para Figueiredo e Santi (2006), Watson redefiniu a psicologia como “ciência do comportamento” e livrou-se do método da auto-observação para estudar o comportamento humano. Nos seus estudos, teve influencia de Ivan Pavlov (1849-1936), fisiologista que criou o conceito de reflexo condicionado, a partir de uma pesquisa sobre as glândulas digestivas dos cães, e estudou a formação das respostas condicionadas e outros fenômenos como o reforço (elemento essencial para que a aprendizagem ocorra), a extinção de resposta, a generalização, a discriminação, entre outros. O método do reflexo condicionado foi adotado por Watson em razão de ser um método objetivo de análise do comportamento, ou seja, de redução do comportamento às suas unidades elementares, os vínculos estímulo-resposta.
do às unidades de estímulo-resposta (SR), o que permitia a investigação do comportamento humano em laboratório. Figueiredo e Santi (2006) analisam a importância dos estudos sobre o comportamento: Com o comportamentalismo, pela primeira vez, os estudos psicológicos “deram as costas” à experiência imediata. Tudo aquilo que faz parte da experiên-
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Para Watson, todo comportamento podia ser reduzi-
cia subjetiva individualizada deixa de ter lugar na ciência, seja porque não tem importância seja porque não é acessível aos métodos objetivos da ciência. Nessa medida, o “sujeito” do comportamento não é um sujeito que sente, pensa, decide, deseja e é responsável por seus atos: é apenas um organismo. Enquanto organismo, o ser humano se assemelha a qualquer outro animal, e é por isto que essa forma de conceber a psicologia científica dedica uma grande atenção aos estudos com seres não humanos, como ratos, pombos e macacos, entre outros. Esses sujeitos não falam, mas isto não representa um obstáculo para o comportamentalismo de Watson, já que ele não tem o mínimo interesse na “vivencia” do sujeito, na sua experiência imediata. O comportamentalismo watsoniano interessa-se exclusivamente pelo comportamento observável, com
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o objetivo muito prático de provê-lo e controlá-lo de forma mais eficaz. (FIGUEIREDO; SANTI, 2006, p. 66-67)
Depreendemos, com base nos autores, que Watson interessava-se pelo estudo do comportamento observável, mensurável e que pudesse ser reproduzido em outras circunstâncias. Tecia críticas ao que não poderia ser verificado por uma observação independente e os relatos introspectivos
como instrumentos metodológicos de pesquisa. Posteriormente, Skinner (1981), utilizando procedimentos experimentais nas suas pesquisas sobre o comportamento, trouxe contribuições ao estudo das interações entre organismos vivos e seus ambientes. Skinner (1981) analisava o comportamento como uma matéria difícil, que exige do cientista grandes técnicas de engenhosidade. Queremos saber por que os homens se comportam da maneira como fazem. Qualquer condição ou evento que tenha algum efeito demonstrável sobre o comportamento deve ser considerado. Descobrindo e analisando estas causas poderemos prever o comportamento, poderemos controlar o comportamento na medida em que o possamos manipular. (SKINNER, 1981, p. 34)
uma ciência de laboratório.
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Skinner procurou analisar as causas do comportamento, criticava a tendência na Psicologia de explicar o comportamento em termos de um agente inferior, sem dimensões físicas, chamado “mental” ou “psíquico”. Para o autor, o hábito de buscar uma explicação do comportamento dentro do organismo tende a obscurecer as variáveis que estão fora do organismo, no seu ambiente e em sua história ambiental. Assim, é possível prever o comportamento se conhecermos o máximo possível sobre as variáveis e suas relações com o comportamento. Para tanto, é necessário investigar quantitativamente os efeitos de cada variável com os métodos e as técnicas de
O Behaviorismo de Skinner ficou conhecido como Behaviorismo Radical. Esta designação foi feita pelo próprio Skinner para se referir à filosofia da análise experimental do comportamento. O termo radical vem de raiz, no sentido em que se designaria uma proposta que se atém ao estudo do comportamento a partir do próprio comportamento, sem o recurso explicativo a qualquer outra entidade. (CANÇADO; SOARES; CIRINO, 2006, p. 188)
O Behaviorismo formula importantes conceitos para compreensão das nossas interações com o ambiente, como o comportamento operante. Vamos conhecê-los: • Comportamento operante - abrange as atividades humanas. Descreve a ação do organismo sobre o meio do qual emergem as consequências do comportamento. As respostas são definidas por sua relação com a consequência. Para Skinner (1981), então, o que propicia a aprendizagem dos compor-
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tamentos é ação do organismo sobre o meio e o efeito que resulta desta ação. O comportamento operante faz referência à interação sujeito-ambiente e é fundamental a relação entre a ação do organismo e as consequências que, por produzir uma alteração ambiental, age sobre o sujeito, alterando a probabilidade futura da resposta. • Comportamento respondente ou reflexo - abrange os comportamentos não voluntários. Para Bock, Furtado e Teixeira (2008), os comportamentos respondentes são interações estímulo-resposta incondicionadas. Os estímulos eliciam certas
respostas do organismo que independem da aprendizagem. Os autores acrescentam que essas interações também podem ser provocadas por estímulos que não provocavam esse tipo de resposta, para tanto, é preciso parear temporalmente esses estímulos com estímulos eliciadores, em situações bem específicas. Essas novas interações, chamadas de reflexos, são condicionadas (aprendidas) devido ao pareamento.
Fonte:UNIFACS
A maioria das nossas ações evidenciam comportamentos operantes, pois referem-se à interação sujeito-ambiente. Segundo Skinner (1981), operamos sobre o mundo em função das consequências criadas pela nossa ação. Os reforçadores estão presentes quando alteram a probabilidade futura da ocorrência desta resque aumenta a probabilidade da resposta que o produz, ou negativo, que diz respeito a todo evento que aumenta a probabilidade futura da resposta que o remove ou atenua. Segundo Skinner (1981):
No condicionamento operante fortalecemos um operante, no sentido de tornar a
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posta. O reforço pode ser positivo, que consiste em todo evento
resposta mais provável ou, de fato mais frequente. No condicionamento pavloviano ou respondente o que se faz é aumentar a magnitude da resposta eliciada pelo estímulo condicionado e diminuir o tempo que decorre entre o estímulo e a resposta. (SKINNER, 1981, p. 74)
Compreende-se, com o autor, que, através do condicionamento operante, o meio ambiente modela o repertório básico com o qual andamos, trabalhamos, praticamos esportes, tocamos instrumentos, falamos, escrevemos, dirigimos, entre outros. A presença dos reforços modela o repertório comportamental e aumenta a eficiência do comportamento e o mantém fortalecido por muito tempo, mesmo depois que a aquisição ou a eficiência já tenha perdido o interesse. Os conceitos do Behaviorismo têm aplicação na educação, clínicas psicológicas, treinamento nas empresas, publicidade, entre outros. Vamos conhecer uma outra importante teoria da Psicologia. Psicologia e comportamento
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(2.3) G estalt
“[...] é no campo da experiência, daquilo que nós percebemos tal e como
percebemos, que nós nos comportamos, agimos e nos emocionamos.” (MORAES, 2006, p.308)
Você sabe o que significa Gestalt? Já ouviu falar? A Teoria da Gestalt nasceu na Europa e postulava a necessidade de compreensão do ser humano como uma totalidade, aceitava o valor da consciência e criticava a tentativa de analisá-la em elementos, como também fazia oposição às tendências psicológicas do século XIX que fragmentavam as ações humanas. A palavra alemã Gestalt, explicam Schultz e Schultz (1981), causou dificuldades na compreensão do movimento porque não tem um equivalente exato em outras línguas. O emprego da palavra em alemão refere-se à forma como propriedade dos objetos e, também, como um todo ou entidade concreta que tem, como um dos seus atributos, uma forma ou configuração específica. Bock, Furtado e Teixeira (2008) analisam que embora a Teoria da Gestalt tenha sido importante e complexa, não pesquisas iniciaram-se a partir dos conceitos de forma e da noção de totalidade, como as pesquisas de Kurt Lewin sobre a dinâmica dos grupos e sobre o conceito de campo social, que é formado tanto pelas características da pessoa quanto pelas características do meio onde a pessoa está inserida. Kurt Lewin analisou a partir da teoria de campo da física que as atividades psicológicas da pessoa ocorrem numa espécie de campo psicológico, denominado de espaço vital. O campo compreende os eventos passados, presentes e futuros
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prosperou como as outras teorias. Porém, muitos estudos e
que possam influenciar uma pessoa. Do ponto de vista psicológico, cada um desses eventos pode determinar o comportamento a partir das interações das necessidades da pessoa com o ambiente psicológico (SCHULTZ; SCHULTZ, 1981). Vamos conhecer mais sobre os fundamentos desta teoria, que tem como orientação filosófica a fenomenologia. A partir desses fundamentos filosóficos, a preocupação incidia na percepção, no modo como as pessoas compreendiam o seu entorno. Moraes (2006) analisa que um dos desafios da psicologia do século XIX era encontrar parâmetros que permitissem uma investigação experimental da sensação como experiência psicológica. A sensação, importante conceito para compreender a relação entre a experiência e o mundo físico, era compreendida como um acontecimento fisiológico, provocado pelo estímulo físico que causava uma modificação no corpo, e um acontecimento psicológico, porque essa experiência tinha na sensação seu fundamento. No final do século XX, com os avanços das pesquisas em psicologia, ocorreu o reconhecimento dos limites da sen-
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sação para definição da experiência psicológica. A psicologia passou a investigar não o conteúdo da experiência, mas sim o ato de representar. A distinção entre o ato e o conteúdo tornou-se fundamental para a compreensão da experiência psicológica (MORAES, 2006). Tratava-se, então, de analisar a importância das relações entre as sensações e, não apenas definir a experiência através das sensações. Imagine que você esteja escutando a famosa música “Ga-
rota de Ipanema”, de Vinícius de Moraes e Antônio Carlos Jobim. Agora, imagine a mesma música sendo cantada por João Gilberto e, depois, por Gal Costa. A melodia é a mesma, no entanto, o tom no qual a música é executada por cada um é bem diferente.
Para escutar as diferentes interpretações da música, indicamos os vídeos: http://www.youtube.com/watch?v=6LrUHQky71Y http://www.youtube.com/watch?v=ITsKmGfiStY&feature=related Por que somos capazes de reconhecer a identidade da música em diferentes tons? Vamos ler um pequeno texto que permitirá a compreensão da razão do reconhecimento da melodia em um tom diferente do habitual e provocará a reflexão sobre a importância do deslocamento das pesquisas em psicologia da noção de sensação para as relações entre as sensações.
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Tomemos, por exemplo, uma melodia (A). Nós podemos transpô-la para outro tom, formando uma melodia (B). Nessa transposição de (A) para (B), todas as notas se alteram. No entanto, somos perfeitamente capazes de perceber a semelhança entre (A) e (B). Ora, se todos os elementos variam quando fazemos a transposição da melodia, por que somos capazes de reconhecer a semelhança entre (A) e (B)? Podemos, por exemplo, reconhecer a música Garota de Ipanema, de tom Jobim e Vinicius de Moraes, em qualquer tom que a executemos. Por que
somos capazes de reconhecer a identidade da música mesmo quando alteramos o tom no qual a música é executada? A semelhança percebida não pode advir das sensações, dos elementos, já que todos os elementos se modificam quando ocorre a transposição de um tom para outro. (MORAES, 2006, p. 303)
Então, qual a sua ideia? O reconhecimento da identidade da música em diferentes tons evidencia que reconhecemos as relações entre os elementos, e não os elementos isoladamente. Percebemos, então, a importância da qualidade estrutural, que diz respeito às relações entre os elementos. Então, esta análise da melodia em diferentes tons expressa o limite da sensação, explica que há algo que não se reduz ao campo das sensações consideradas isoladamente. Assim, entendemos que o campo da sensibilidade é formado por sensações e qualidades estruturais. O conceito
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de qualidade estrutural diz respeito à forma ou estrutura. Para que possamos compreender uma situação, não podemos limitar a nossa análise aos elementos que constituem a situação, mas devemos analisar as relações entre esses elementos. No início do século XX, Wertheimer, Koffka e Kohler, nomes integrantes da Escola de Berlim, investigaram a experiência psicológica tomando como referência a percepção tal como é vivenciada por cada um de nós, com a compreensão de que a experiência perceptiva é marcada por relações de sentido e de valor e não apenas por um acúmulo de sensações. (MORAES, 2006).
Em 1923, os princípios da organização da percepção foram apresentados. A proposta era que os objetos deveriam ser percebidos como totalidades unificadas, e não como aglomerados de sensações individuais. A organização da percepção ocorre de modo instantâneo, assim que entramos em contato com os elementos que estão ao nosso redor. A partir dos exemplos da organização da percepção, analisaremos os princípios da organização perceptiva. (MORAES, 2006).
1- Proximidade: partes que estão próximas no tempo ou no espaço parecem formar uma unidade e tendem a ser percebidas juntas. 2- Continuidade: na percepção, há uma tendência de seguir uma direção, de vincular os elementos de uma maneira que os faça parecer contínuos ou seguindo uma direção particular.
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Fonte: Banco de dados ThinkStock
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3- Semelhança: partes semelhantes tendem a ser vistas juntas como se formassem um grupo. 4- Complementação: tendemos a completar figuras incompletas e preencher lacunas. 5- Simplicidade: de acordo com as condições do estímulo, tendemos a ver uma figura completa e organizada, significando que há uma boa gestalt, simétrica, simples e estável. 6- Figura e fundo: a figura destaca-se do fundo, assim tendemos a organizar as percepções no objeto observado, a figura.
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Para a Gestalt, esses princípios estão presentes nos diversos estímulos. Contribuições da teoria: A Gestalt tem inspirado diversas pesquisas e, conforme analisam Schultz e Schultz (1981), ao contrário da teoria do comportamentalismo, a psicologia da Gestalt conserva sua identidade distinta ao enfatizar a experiência consciente como problema legítimo da psicologia e admite que não é possível investigá-la com a mesma precisão e objetividade, como o comportamento manifesto é estudado. Analisaremos uma outra importante teoria, a Psicanálise.
(2.4) Psicanálise “Palavras suscitam afetos e são, de modo geral, o meio de mútua influência entre
A Teoria Psicanalítica, concebida por Sigmund Freud, representou um grande avanço na teoria social e nas ciências humanas ao abrir um caminho para uma diferente orientação no mundo e na ciência. Freud (1913), médico vienense, propôs, na última década do século XIX, conceitos que alicerçaram a psicanálise como o inconsciente, a repressão, a sexualidade infantil, a relação entre sintomas neuróticos e fenômenos da vida
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os homens.” (FREUD, 1915, p. 29)
psíquica normal, entre outros conceitos do tratamento analítico. Freud (1913), ao afirmar que somos determinados por processos psíquicos inconscientes, descentrou o pensamento cartesiano que concebia o homem como um ser racional, pensante e consciente, situado no centro do conhecimento. Para Freud, a psicanálise, como um importante campo de saber, reivindicou o seu estatuto de ciências naturais, ou seja, sujeita à metodologia rigorosa, domínio de fenômenos físicos e ou naturais e, também, reivindicou um lugar nas ciências humanas pela sua dimensão interpretativa de um tipo de fenômeno psíquico que é o inconsciente. A história do desenvolvimento da psicanálise é marcada pelo interesse de Freud pelo estudo do inconsciente, assunto ignorado pelas outras Teorias psicológicas no período. O relato de Freud (1914, p. 31-32) esclarece a sua participação na história do desenvolvimento da psicanálise: De inicio não percebi a natureza peculiar do que descobrira. Sem hesitar, sacrifiquei minha crescente popularidade clientes nas minhas horas de consulta,
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como médico, e restringi o número de 54
para poder proceder a uma investigação sistemática dos fatores sexuais em jogo na causação das neuroses de meus pacientes; e isso me trouxe um grande número de fatos novos que finalmente confirmaram minha convicção quanto à importância prática do fator sexual. Ingenuamente, dirigi-me a uma reunião da Sociedade de Psiquiatria e Neurolo-
gia de Viena [...] na esperança de que as perdas materiais que voluntariamente sofri fossem compensadas pelo interesse e reconhecimento dos meus colegas. Considerava minhas descobertas contribuições normais à ciência e esperava que fossem recebidas com esse mesmo espírito. Mas o silêncio provocado pelas minhas comunicações, o vazio que se formou em torno de mim, as insinuações que me foram dirigidas, pouco a pouco me fizeram compreender que as afirmações sobre o papel da sexualidade na etiologia das neuroses não podem contar com o mesmo tipo de tratamento dado ao comum das comunicações. Compreendi que daquele momento em diante eu passara a fazer parte do grupo daqueles que “perturbaram o sono do mundo”. [...] Entretanto, desde que minha convicção quanto à exatidão geral de minhas observações e conclusões meu próprio julgamento e minha coragem moral não era exatamente o que se pode chamar de pequena, o resultado da situação não poderia ser posto em dúvida. Dispus-me a acreditar que tinha tido a sorte de descobrir fatos e ligações particularmente importantes, e resolvi aceitar o destino que às vezes acompanha essas descobertas.
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era cada vez maior, e que a confiança no
Depreendemos que as convicções de Freud (1914, p.31) sobre o papel da sexualidade na etiologia das neuroses e a influência dos conteúdos inconscientes no comportamento humano não foram bem aceitas inicialmente pelos contemporâneos, pois como ele próprio escreve “[...] perturbaram o sono do mundo.” A psicanálise constitui uma teoria sobre o funcionamento da vida psíquica, um método de investigação e pesquisa de natureza interpretativa e de tratamento. Os primórdios da teoria e da técnica são encontrados na publicação Estudos sobre a Histeria (1895) de Breuer e Freud, na qual são relatados os tratamentos conduzidos pelos autores com pacientes histéricos. A histeria, para Freud (1895), era uma doença psíquica que apresentava quadros clínicos bem variados e que poderia ser tratada através da hipnose. O tratamento psicanalítico foi iniciado com o auxílio da hipnose que, posteriormente, foi abandonado e substituído pelo método da associação livre (ou livre associação) com o paciente em estado normal. O método da associação livre consiste em deixar o paciente falar sem qualquer censura ou inibição, por quase todo o tempo,
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sem explicar nada mais que o necessário para fazê-lo prosseguir no que está dizendo (FREUD, 1913). Freud (1925) verificou que as associações livres emergem de múltiplas redes de sentido que remetem umas às outras, constituindo redes associativas. As associações tinham um sentido oculto, estavam relacionadas umas às outras. Freud acreditava que havia um determinismo psíquico. O determinismo psíquico, importante pressuposto da teoria, estabelece que todo comportamento tem uma causa (isto é, ele é determinado) e que a causa deve ser encontrada na mente (psyche, em grego).
Freud, inicialmente, parecia acreditar que suas ideias podiam ser reduzidas a princípios fisiológicos. Entretanto, posteriormente, concentrou-se nos constructos mentais (id, ego, superego). Seu trabalho em fisiologia também convergiu com outra influência – o trabalho de Darwin sobre a evolução. O conceito de continuidade biológica entre as espécies convenceu Freud de que a motivação humana tem uma base biológica. Então, um dos pressupostos de Freud, além do determinismo psíquico que estabelece que todo comportamento tem uma causa, é o inconsciente.
(2.5) O inconsciente O conceito de inconsciente (Ics) é fundamental para a teoria psicanalítica, surgiu da experiência de tratamento de mulheres e homens. Freud (1915), no artigo O inconsciente, afirma que o conceito abrange atos que são meramente latentes, temporariamente inconscientes e abrange processos tais sobre o inconsciente na psicanálise, Freud (1912) analisa que o inconsciente é um sistema que possui conteúdos, mecanismos e uma energia específica. Os conteúdos do inconsciente, para Freud (1905), são os representantes da pulsão. Para ele, a pulsão é um desvio do instinto, um desvio de uma função biológica do instinto. O instinto é uma força biológica motivadora que leva os membros da espécie a agir visando sempre à mesma finalidade, enquanto que a pulsão não tem um objeto específico, mas
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como os reprimidos. Em 1912, ao escrever o artigo Uma nota
precisa de um objeto para que possa obter satisfação. Este objeto, que não é específico, está ligado à história do sujeito, suas fantasias, seus desejos. O conceito freudiano de pulsão surgiu na formulação de um modelo de funcionamento psíquico, no estabelecimento das bases fisiológicas do psiquismo e no momento em que foram situados os fatores biológicos do comportamento. Este conceito, que foi lançado nos Três Ensaios da Sexualidade (1905), evidenciou a intenção de Freud de estabelecer a psicanálise como ciência natural. Ainda sobre o inconsciente, Freud (1915, p. 213) analisa: O núcleo do Inconsciente consiste em representantes instintuais que procuram descarregar sua catexia; isto é, consiste em impulsos carregados de desejo. Esses impulsos instintuais são coordenados entre si, existem lado a lado sem se influenciarem mutuamente, e estão isentos de contradição mutua. Quando dois impulsos carregados de desejo, cujas finalidades são aparentemente
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incompatíveis, se tornam simultaneamente ativos, um dos impulsos não reduz ou cancela o outro, mas os dois se combinam para formar uma finalidade intermediária, um meio-termo. Não há nesse sistema lugar para negação, duvida ou quaisquer graus de certeza [...] os processos do sistema inconsciente [...] não são ordenados temporalmente, não se alteram com a passagem do tempo; não tem absolutamente referencia ao
tempo. [...] os processos do Inconsciente dispensam pouca atenção à realidade. Estão sujeitas ao principio do prazer; seu destino depende apenas do grau de sua força e do atendimento às exigências da regulação prazer-desprazer.
Com base nas ideias do autor, compreendemos que o inconsciente (Ics) possui como características específicas a ausência de negação, de dúvida, de indiferença em relação à realidade, não havendo relação de tempo. Regido pelo princípio do prazer, há um interjogo livre de cargas, a energia é móvel e busca a gratificação, a expressão e o escoamento.
(2.6) A regra fundamental da psicanálise A ausência de inibição, o intercâmbio de palavras e, particularmente, a liberdade para escolher o que falar, constituiu a regra fundamental da psicanálise. Sobre isso, Freud (1913, p. 177) orientava os seus pacientes no início do tratamento:
[...] diga tudo o que lhe passa na mente. Aja como se, por exemplo, você fos-
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se um viajante sentado à janela de um vagão ferroviário, a descrever para alguém que se encontra dentro as vistas cambiantes que vê lá fora. Finalmente, jamais esqueça que prometeu ser absolutamente honesto e nunca deixar nada de fora porque, por uma razão ou outra, é desagradável dizê-lo.
Dessas orientações de Freud subtende-se que o conteúdo a ser tratado através do tratamento analítico dependeria unicamente do paciente e que todo e qualquer pensamento, até mesmo os mais desagradáveis, deveria vir à consciência e serem falados. Sobre o tratamento psicanalítico, Freud (1925, p. 29) o caracterizava como:
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[...] uma forma de executar o tratamento médico de pacientes neuróticos [...] quando, porém, tomamos em tratamento analítico um paciente neurótico, agimos diferentemente. Mostramos-lhe as dificuldades do médico, sua longa duração, os esforços e sacrifícios que exige; e, quanto a seu êxito, lhe dizemos não nos ser possível prometê-lo com certeza, que depende da sua própria conduta, de sua compreensão, de sua adaptabilidade e de sua perseverança. [...] Nada acontece em um tratamento analítico
além de um intercâmbio de palavras entre o paciente e o analista. O paciente conversa, fala de suas experiências passadas e de suas impressões atuais, queixa-se, reconhece seus desejos e seus impulsos emocionais.
Percebemos que Freud (1913), em relação a este assunto, alertava que a resistência desempenha um importante papel no tratamento, pois, por muitas vezes, impedia que um conteúdo valioso fosse comunicado e tratado na análise. Uma técnica especial de interpretação foi desenvolvida a fim de tirar conclusões das ideias expressadas pela pessoa em análise.
(2.7) A histeria cientes, constatou que os sintomas histéricos, que as pessoas que o procuravam queixavam-se, eram resíduos (reminiscências) de experiências profundamente comovedoras que foram afastadas da consciência. Nos estudos sobre a Histeria, Freud (1895) esclarece que, embora a pessoa não lembrasse, havia um nexo causal entre o fator desencadeante (o trauma) que tinha sido reprimido e afastado da consciência e os sintomas que causavam sofrimento. A vida sexual prestava-se, particularmente, como conteúdo para formação dos traumas pelas restrições e repressões do instinto sexual, impostos pela organização cultural e social da época.
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Freud (1913), ao investigar os processos mentais incons-
Sobre isso, analisa:
O desenvolvimento cultural imposto à humanidade é o fator que torna inevitáveis as restrições e repressões do instinto sexual, sendo exigidos sacrifícios maiores ou menores, de acordo com a constituição individual. O desenvolvimento quase nunca é conseguido de modo suave e podem ocorrer distúrbios (quer por causa da constituição individual ou de incidentes sexuais prematuros) que deixem atrás de si uma disposição a futuras neuroses. Tais disposições podem permanecer inofensivas se a vida do adulto progride de modo satisfatório e tranqüilo, mas podem tornar-se patogênicas se as condições da vida madura proíbem a satisfação da libido ou exigem gravemente sua supressão.
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(FREUD, 1913, p.267-268)
Então, se as ideias, quase sempre de natureza sexual, são incompatíveis com as condições de vida, há uma expulsão da consciência, porém estas ideias se mantêm registradas no psiquismo e podem ser resgatas através da Análise. De seus estudos, Freud (1905) concluiu que nem todas as manifestações histéricas eram provenientes de experiências traumáticas, pois constatou que as experiências
de sedução relatadas como vivenciadas na infância não tinham ocorrido de fato, constituíam-se em fantasias, porém fantasias de natureza sexual. Freud (1905), então, deslocou a ênfase nos traumas infantis para fantasias infantis como responsáveis pela formação dos sintomas histéricos e passou a interrogar-se sobre a tese de que a sexualidade humana só se constitui na puberdade. Estas investigações e outras descobertas encaminharam Freud (1905) a investigar a sexualidade na infância, importante aspecto da sua teoria e que trouxe mudanças na concepção do desenvolvimento infantil. A descoberta da sexualidade infantil foi compreendida, no início do século XX, como uma profanação da inocência da criança. Segundo o autor, a vida sexual das crianças é diferente da do adulto. Os estudos apontaram que, ao longo do nosso desenvolvimento, os objetos que são o foco e o modo da gratificação mudam, mas em determinados períodos da vida a energia da pulsão estará concentrada em determinadas partes do corpo (zonas erógenas). As mudanças no modo de gratificação, associadas com diferentes zonas erógenas, definem as fases do desenvolvimento. Estas fases refletem diferenças na expressão da sexuais do desenvolvimento. Freud (1940) descobriu que esses fenômenos que surgem na tenra infância fazem parte de um curso ordenado de desenvolvimento. Vamos ler, a seguir, um trecho da obra de Freud (1940, p. 179-180) em que é analisado o desenvolvimento da função sexual. O primeiro órgão a surgir como zona erógena e a fazer exigências libidinais
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energia da pulsão (sexual) e são definidas como fases psicos-
à mente, da época do nascimento em diante, é a boca. Inicialmente, toda a atividade psíquica se concentra em fornecer satisfação às necessidades dessa zona. Primariamente, é natural, essa satisfação está a serviço da autopreservação, mediante a nutrição; mas a fisiologia não deve ser confundida com a psicologia. A obstinada persistência do bebê em sugar dá prova, em estágio precoce, de uma necessidade de satisfação que, embora se origine da ingestão da nutrição e seja por ela instingada, esforça-se, todavia por obter prazer independentemente da nutrição e, por essa razão, pode e deve ser denominada sexual.
Durante essa fase oral, já ocorrem esporadicamente impulsos sádicos, juntamente com o aparecimento dos dentes.
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Sua amplitude é muito maior na segunda fase, que descrevemos como anal-sádica, por ser a satisfação então procurada na agressão e na função excretória. Nossa justificativa para incluir na libido os impulsos agressivos baseia-se na opinião de que o sadismo constitui uma fusão instintiva de impulsos puramente libidinais e puramente destrutivos, fusão que, doravante, persiste ininterruptamente.
A terceira fase é a conhecida como fálica, que é, por assim dizer, uma precursora da forma final assumida pela vida sexual e já assemelha muito a ela. É de se notar que não são os órgãos genitais de ambos os sexos que desempenham papel nessa fase, mas apenas o masculino (o falo). Os órgãos genitais femininos por muito tempo permanecem desconhecidos[...] Com a fase fálica, e ao longo dela, a sexualidade da tenra infância atinge seu apogeu e aproxima-se da dissolução. A partir daí meninos e meninas têm histórias diferentes. Ambos começaram a colocar sua atividade intelectual a serviço de pesquisas sexuais; ambos partem da premissa da presença universal do pênis. Mas agora os caminhos do sexo divergem. O menino ingressa na vida edipiana; começa manipular o pênis e, simultaneamente, tem fantasias de executar algum tipo de até que, devido ao efeito combinado de uma ameaça de castração e da visão da ausência de pênis nas pessoas do sexo feminino, vivência o maior trauma de sua vida e este dá início ao período de latência, com todas as suas conseqüências. A menina depois de tentar em vão fazer as mesmas coisas que o menino, vem a reconhecer sua falta de pênis ou, antes, a inferioridade de seu clitóris,
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atividade com ele em relação à sua mãe,
com efeitos permanentes sobre o desenvolvimento do seu caráter; como resultante deste primeiro desapontamento em rivalidade, ela com freqüência começa a voltar as costas inteiramente à vida sexual.
Depreendemos, com o autor, que essas fases do desenvolvimento psicossexual - oral, anal, fálica e período de latência - são importantes para a compreensão da personalidade. Percebemos, com o autor, que a energia das pulsões sexuais (libido) vai se organizando em torno do corpo e em cada momento do desenvolvimento direciona-se a uma zona erógena particular. As inibições, em uma das fases, podem manifestar-se como distúrbios na vida adulta, por isso, a etiologia dos distúrbios precisa ser procurada na história do desenvolvimento do indivíduo. Para Freud (1940), essas fases não se sucedem de forma clara, podem sobrepor-se e podem estar presentes lado a lado. A organização completa só se conclui na puberdade, na fase genital. Autores, como a psicanalista Nancy Chodorow (2002), Psicologia e comportamento
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criticam os conceitos freudianos, como a análise da diferença anatômica entre os sexos a partir de pressupostos culturais patriarcais, que igualam a diferença entre homens e mulheres, associando-os a relações de superioridade e inferioridade. Expõem, assim, os preconceitos ideológicos da cultura patriarcal, a superior valoração do órgão genital masculino e a construção de explicações científicas a partir de relatos de fantasias dos(as) pacientes.
(2.8) O aparelho psíquico No texto “A Interpretação dos Sonhos” (1900), Freud (1900) analisa que os processos do sonho permitem compreender as formações do inconsciente. Nesse texto é apresentada a primeira concepção sobre a estrutura e funcionamento do aparelho psíquico, que é constituída por três sistemas: inconsciente, pré-consciente e consciente. O inconsciente é constituído por conteúdos recalca-
dos que não têm acesso aos sistemas pré-consciente e consciente. O pré-consciente é formado por conteúdos que não
estão acessíveis à consciência. Designa o que está implicitamente presente na ati-
vidade mental, sem se situar, por isso, como objeto de consciência. Definido como descritivamente inconsciente, mas acessível à consciência. (LAPLANCHE;
O consciente é o sistema que recebe as informações
do mundo exterior e as provenientes do interior. Para Laplanche e Pontalis (1988, p. 135) “é qualidade momentânea que caracteriza as percepções externas e internas no meio do conjunto dos fenômenos psíquicos”. Posteriormente, Freud (1923) elabora uma outra concepção sobre o aparelho psíquico, dividindo-o em 3 sistemas: Ego, regido pelo princípio da realidade, é regulador, orientado para o
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PONTALIS, 1988)
mundo externo; Id, reservatório das pulsões e regido pelo “princípio do prazer”, princípio que impulsiona a buscar o prazer mediante a descarga de excitação; e Superego, que representa a consciência social e moral interiorizada pela pessoa. Laplanche e Pontalis (1988) analisam que Freud aponta como funções do superego a consciência moral, formação de ideais, a auto-observação. Herdeiro do complexo de Édipo, o superego constitui-se por interiorização das exigências e interdições parentais. Esses sistemas não são separados, o ego e o superego têm partes inconscientes também, e são constituídos pelas histórias de vida, pelas experiências pessoais e particulares; pois, com a Psicanálise, entendemos que o sujeito é um ser singular que participa das relações interpessoais, ocupa um lugar e faz laços sociais. Compreendemos, ainda, que o ser humano constitui-se na relação com o outro sujeito que lhe fornece os elementos para que ocorra a inserção no campo da cultura, instituído como lugar de troca, convivência e intercâmbios sociais. Vamos analisar uma outra importante teoria.
Psicologia e comportamento
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(2.9) Psicologia sócio-histórica A Psicologia sócio-histórica estuda os fenômenos psicológicos (experiência pessoal) como construções históricas e sociais. Bock, Furtado e Teixeira (2008) analisam que a experiência pessoal do ser humano não pertence à natureza humana, pois a natureza humana, como uma essência pronta, abstrata, eterna e universal, não existe. O que há é uma condição
que é construída nas relações sociais. Esta psicologia é fundamentada nos estudos de Vigotski que enfatizava que o desenvolvimento humano tem sua raiz na sociedade e na cultura. Destacando as origens sociais da linguagem e do pensamento, propôs que as funções psicológicas superiores precisariam ser compreendidas à luz da teoria marxista da sociedade humana. Vigotski iniciou sua carreira como psicólogo após a Revolução Russa de 1917. Predominavam, neste período, as produções teóricas de Wilhem Wundt, fundador da Psicologia Experimental, e W. James, representante do pragmatismo americano. Pavlov e Watson, expoentes da Psicologia Comportamental, e Kohler, Koffka e Kurt Lewin, fundadores do movimento da Gestalt na Psicologia, foram seus contemporâneos (VIGOTSKI, 1998). Para o autor, nenhuma das escolas de psicologia fornecia as bases firmes necessárias para o estabelecimento de uma teoria unificada dos processos psicológicos humanos. Ele se referia a uma crise na psicologia, impondo-se a tarefa de elaborar uma síntese das concepções antagônicas, em ba-
Cole e Scriber (1998, p. 7) esclarecem que:
Para os gestaltistas contemporâneos de Vigotski, a existência da crise devia-se ao fato de que as teorias existentes (fundamentalmente behavioristas de Wundt e Watson) não conseguiram, sob seu ponto de vista, explicar os comporta-
69 Teorias psicológicas
ses teóricas completamente novas.
mentos complexos como a percepção e a solução de problemas. Para Vigotski, no entanto, a raiz da crise era muito mais profunda. Ele partilhava da insatisfação dos psicólogos da Gestalt para com a análise psicológica que começou por reduzir todos os fenômenos a um conjunto de “átomos” psicológicos. Mas, ao mesmo tempo, ele sentia que os gestaltistas não eram capazes de, a partir da descrição de fenômenos complexos, ir além, no sentido de sua explicação [...]. O que Vigostki procurou foi uma abordagem abrangente que possibilitasse a descrição e a explicação das funções psicológicas superiores, em termos aceitáveis para as ciências naturais.
Vigotski criticou as teorias que afirmam que as funções intelectuais resultam dos processos maturacionais, ou seja, estão pré-formadas na criança. Ele criticou severamente Psicologia e comportamento
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as teorias que postulam que a compreensão das funções psicológicas superiores humanas poderia ser feita através dos princípios da Psicologia Comportamental. Vigostki (1998) compreendia a sua teoria como aplicação do materialismo histórico e dialético marxista. A psicologia, para Vigostki, tinha como princípio que todos os fenômenos deveriam ser estudados como processos em movimento e em mudança, pois, de acordo com a teoria marxista, as mudanças históricas da sociedade e na vida material produzem mudanças na natureza humana, ou seja, na consciência e no comportamento.
Vamos, então, conhecer mais sobre Vigostki (1998):
Lev Semionovich Vigotski nasceu em Orsha, uma pequena cidade na Bielo Rússia, em 17 de novembro de 1896. Mudou-se para Gomel, outra cidade deste país, onde viveu por um longo tempo. Sua família era de origem judaica e o ambiente familiar lhe propiciava grandes condições de desenvolvimento intelectual, visto que tanto seu pai como sua mãe eram pessoas cultas, que lhe oportunizaram uma educação ampla e consistente. Até completar seus 15 anos, a educação de Vigotski processou-se em casa, mediante os ensinamentos de tutores particulares e desde cedo ele já demonstrava grande interesse e dedicação aos estudos. Conhecia várias línguas e, portanto, teve acesso precooutros países. Aos 17 anos completou o curso secundário e desde já recebeu medalha por seu ótimo desempenho. Estudou Direito e Literatura em Moscou ao mesmo tempo em que frequentava o curso de História e Filosofia na Universidade Popular de Shanyavskii. Pouco tempo depois, Vigotski interessou-se pelo desenvolvimento psicológico, em especial, pelo desenvolvimento humano
71 Teorias psicológicas
cemente a tudo que era produzido em
em pessoas que apresentavam algum tipo de deficiência. Este fato lhe fez se aproximar da Medicina, logo, sua produção acadêmica transitava, dentre outros campos do saber, pela arte, antropologia, filosofia, psicologia, linguística e até medicina. Vigotski chegou a ser convidado para assumir a direção do departamento de psicologia no Instituto Soviético de Medicina Experimental (VIGOTSKI, 1998, p.22). Vigostki (1998) viveu até seus 37 anos, pois teve sua vida abreviada pela tuberculose. Para o autor, o indivíduo internaliza elementos da cultura, os quais passam a fazer parte da natureza humana. Vigotski (1998) afirma, no livro A formação social da mente, que [...] a internalização das atividades socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o aspecto característico da psicologia humana; é a
Psicologia e comportamento
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base do salto qualitativo da psicologia animal para a psicologia humana. (VIGOTSKI, 1998, p. 76)
(2.10) O ser humano é um ser social e histórico Para a Psicologia sócio-histórica, explicam Bock, Furtado e Teixeira (2008), sujeito e mundo são criados no mesmo processo, complementam-se e referem-se um ao outro. Desse modo, não há como compreender o ser humano sem conhecer o seu mundo social, que contempla as formas de relação, de produção da sobrevivência, os valores sociais e os diferentes modos de ser de cada um. O acesso que cada pessoa tem à cultura, ou seja, todas as coisas materiais e intelectuais criadas ao longo da história diferem entre os grupos sociais e marcam a construção das subjetividades. O ser humano está em permanente estado de movimento e mudança dos processos psicológicos, que estão na pela via do aperfeiçoamento interno das próprias funções psicológicas (atenção voluntária, memória, pensamento abstrato, entre outros). A atenção aos movimentos da história social e individual é necessária para a compreensão do ser humano (VIGOSTKI, 1998). A psicologia busca, então, compreender o indivíduo nas suas relações e vínculos sociais, como ser determinado histórica e socialmente. Procura conhecer o ser humano na sua inserção social em um dado momento histórico, identifi-
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dependência do domínio dos meios culturais externos ou
cando as determinações, o modo como essas experiências são interpretadas pelos sujeitos (BOCK, FURTADO E TEIXEIRA, 2008). A atividade, a consciência, a identidade, a linguagem, o sentido e o significado constituem-se categorias de análise da psicologia para compreender o ser humano. A identidade, a consciência e a atividade constituem aspectos importantes para a compreensão da constituição subjetiva do ser humano. Sobre identidade e subjetividade, importantes conceitos desta teoria, analisaremos de modo mais aprofundado na próxima aula.
Síntese Nesta aula, compreendemos que existem diferentes teorias que, a partir de fundamentos filosóficos, sociais e políticos, elaboraram conceitos para compreender o ser humano. A partir de conceitos das Teorias psicológicas como o Behaviorismo, a Gestalt, a Psicanálise e a Psicologia sócio-histórica, analisamos as suas contribuições para os estudos sobre à complexidade que é o ser humano.
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questão para Reflexão Como as teorias percebem o ser humano? Quais os principais conceitos?
Leituras indicadas BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. São Paulo: Saraiva, 2008.
SITES INDICADOS http://www.mariaritakehl.psc.br/ http://contardocalligaris.blogspot.com/ http://www.jorgeforbes.com.br/br/index.asp www.youtube.com/watch?v=2qnBE_8A6Fk www.youtube.com/watch?v=QSOBXfcHbHI
Referências BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. São Paulo:
CAMBAÚVA, L.G.; SILVA, L.C.; FERREIRA, W. Reflexões sobre os estudos da psicologia. Disponível em: <http://www. scielo.br/pdf/epsic/v3n2/a03v03n2.pdf>. Acesso em: 25 mai 2012. CANÇADO, C., SOARES, P. CIRINO, S. O behaviorismo: uma proposta de estudo do comportamento. In: JACO-VILELA, A. M.; FERREIRA, A. A. L.; PORTUGAL, F. T. História da psicologia: rumos e percursos. Rio de Janeiro: Nau, 2006. p. 13-46.
75 Teorias psicológicas
Saraiva, 2008.
CHODOROW, N. Psicanálise da maternidade: uma crítica a Freud a partir da mulher. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2002. COLE, M.; SCRIBNER, S. Introdução. In: VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 1-19. FERREIRA, A. A. L. O múltiplo surgimento da psicologia. In: JACO-VILELA, A. M.; FERREIRA, A. A. L.; PORTUGAL, F. T. História da psicologia: rumos e percursos. Rio de Janeiro: Nau, 2006. p. 13-46. FIGUEIREDO, L. C. M.; SANTI, P. L. R. de. Psicologia, uma (nova) introdução: uma visão histórica da psicologia como ciência. São Paulo: EDUC, 2006. FREUD, Sigmund. Estudos sobre a histeria. Rio de Janeiro: Imago; Standard Brasileira, 1895. Obras Completas, vol II. A interpretação dos sonhos. Rio de Janeiro: Imago; Standard
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Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Rio de janeiro:
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Brasileira, 1900. Obras Completas, vol IV.
Imago; Standard Brasileira, 1905. Obras Completas, vol VII. Uma nota sobre o inconsciente na psicanálise. Rio de Janeiro: Imago; Standard Brasileira, 1912. v. 12 (Obras Completas). Sobre a psicanálise. Rio de Janeiro: Imago; Standard Brasileira, 1913. Obras Completas, vol XII. A história do movimento psicanalítico. Rio de Janeiro: Ima-
go; Standard Brasileira, 1914. Obras Completas, vol XIV. Conferências introdutórias sobre psicanálise. Rio de Janeiro: Imago; Standard Brasileira, 1915. Obras Completas, vol XV. O Ego e o ID. Rio de Janeiro: Imago; Standard Brasileira, 1923. Obras Completas, vol XIX. Uma breve descrição da psicanálise. Rio de Janeiro: Imago; Standard Brasileira, 1924. Obras Completas, vol XIX. O inconsciente. Rio de Janeiro: mago; Standard Brasileira, 1915. v. 14. (Obras Completas) A questão da análise leiga. Rio de Janeiro: Imago; Standard Brasileira, 1925. Obras Completas, vol XX. Esboço de psicanálise. Rio de Janeiro: Imago; Standard Brasileira, 1940. v. 23. (Obras Completas). GLASSMAN, W.; HADAD, M. Psicologia: abordagens atuais.
LAPALNCHE, J.; PONTALIS, J. Vocabulário de psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1988. SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes, 1981 SCHULTZ, D.; SCHULTZ, S. História da psicologia moderna. São Paulo: Cultix, 1992.
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Porto Alegre: Artmed, 2008.
VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
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(3)
A construção social do ser humano: subjetividade e identidades
À duração da minha existência dou uma significação oculta que me ultrapassa. Sou um ser concomitante: reúno em mim o tempo passado, o presente e o futuro, o tempo que lateja no tique-taque dos relógios. Clarice Linspector
Cláudia Vaz Torres
Nesta unidade, analisaremos os aspectos da construção da subjetividade, das identidades e sua importância nas relações sociais. A identidade é um tema multidisciplinar da Filosofia, Antropologia, Sociologia, Psicologia e outras áreas. Apreende-se o conceito através da análise das condições de vida historicamente construídas de um sujeito e não através do estudo das singularidades da alma ou no arcabouço biológico. Propomos, nesta unidade, algumas reflexões acerca da construção do conceito das subjetividades e identidades do ser humano e, em especial, as motivações psicológicas que ensejam a realização das suas ações. Vamos refletir sobre as questões: Como homens e mulheres investem continuamente
em assumir características e traços considerados inerentes à constituição do ser? Por que este tema é importante para o estudo das re-
lações sociais?
Importa, para você, a identidade do outro? Você sabe conceituar identidade? E subjetividade?
Existe uma tensão constante do termo identidade com o termo subjetividade. Woodward (2000, p. 55) esclarece que os termos “identidade” e “subjetividade” são, às vezes, utilizados de forma intercambiável.
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Existe, na verdade, uma considerável sobreposição entre os dois. Subjetividade sugere a compreensão que temos sobre o nosso eu. O termo envolve os pensamentos e as emoções inconscientes que constituem nossas concepções sobre ‘quem somos nós’. A subjetividade envolve nossos sentimentos e pensamentos mais pessoais. Entretanto, nós vivemos nossa subjetividade em um contexto social no qual a linguagem e a cultura fornecem elementos para a construção do significado sobre a experiência que temos de nós mesmos e no qual nós construímos e adotamos identidades.
Depreendemos que os conceitos de identidade e subjetividade tencionam entre si porque envolvem discussões sobre a subjetividade individual e coletiva, a historicidade, as interações sociais, a dependência do outro como constituinte da subjetividade e os processos de individuação. As tensões,
também, revelam a dificuldade de exprimir conceitualmente as suas complexidades. A subjetividade pode ser compreendida como o que constitui o nosso modo de ser, envolve a maneira de pensar, sentir, agir, etc. E a identidade é o modo como nos apresentamos ao mundo e somos reconhecidos. As pessoas vão se constituindo umas às outras, ao mesmo tempo em que constituem um universo de significações que as constitui. As identidades envolvem a articulação de várias personagens, articulação de igualdades e diferenças atravessada por uma história pessoal.
(3.1)
Como se constroem as nossas identidades?
85
Reflita sobre a questão a partir dos vídeos:
A construção social do ser humano: subjetividade e identidades
Construindo um conceito de identidade
Identidade de Fernando Meireles disponível em http://www.youtube. com/watch?v=yKG8no8OKDg e Identidade cultural na pós- modernidade disponível em http://www. youtube.com/watch?v=x4mwIWTEdC8
Para construir o conceito de identidade, é necessário que se façam opções epistemológicas, metodológicas e políticas, pois existem diferentes formas de pensar sobre qualquer conceito. Para os propósitos deste estudo, constitui-se pressuposto fundamental a ideia de identidade como uma construção social, superando aquele que a apresenta como uma entidade fixa e imutável, destacando o caráter ativo do indivíduo no contexto sócio-histórico de sua vida. Nesse sentido, fazemos uma incursão pelos trabalhos de Ciampa (1987), Hall (2001), Woodward (2000), entre outros, que permitem a construção de saberes necessários para a compreensão do processo de constituição da identidade. O termo identidade remete ao que é idêntico, ao que torna os indivíduos iguais aos demais, mas também ao conjunto de caracteres que possuem e que os tornam diferentes e únicos. Ao mesmo tempo em que se representa semelhante ao outro por pertencer à determinada classe, raça ou categoria, o indivíduo percebe-se como um ser úni-
Psicologia e comportamento
86
co a partir de um conjunto de traços que o diferenciam e o distinguem por algo que ele não é. Para Ciampa (1986), a criança antes de nascer já é representada como filho de alguém e essa representação prévia a constitui efetivamente e objetivamente como filho e membro de uma determinada família. Posteriormente, essa representação é interiorizada pelo indivíduo e reafirma-se à medida que as relações nas quais estiver envolvido confirmarem essa representação, através de comportamentos e discursos que reforcem a sua identificação com o fazer do pai e/ou mãe e com tudo que envolve a dinâmica familiar. A identidade de um sujeito não é fixa, permanente, es-
tável, ela está em constante processo de transformação. Confere-se, ainda, importância ao conceito de identidade ao longo da história.
(3.2) O conceito de identidade na história Em diferentes períodos históricos, o conceito de identidade tem variado de importância. Segundo Gaarder (1995), um dos maiores filósofos da Antiguidade, Sócrates (469-399 a.C.), acreditava que a identidade humana busca o saber essencial da realidade e não apenas o conhecimento do que pode ser útil às suas necessidades. O acesso ao que é essensem a busca do conhecimento e o reconhecimento de que o homem é capaz de realizar o desejo de conhecer e de se associar às diferentes realidades de seu dia a dia. Para Sócrates, explica Gaarder (1995), era importante encontrar um alicerce seguro para o conhecimento. Ele acreditava que esse alicerce estava na razão humana. Através da razão, do ato de conhecer, a identidade humana experimentava um comum-pertencer à realidade. A realidade, assim, era compreendida pelo homem através das sensações. Estas conformam um saber útil, constituído pelos sentidos e também pelo conhecimento e pelo discurso, com a função de entrelaçar o homem à sua realidade. Posteriormente, o homem passou a incumbir-se da ta-
87 A construção social do ser humano: subjetividade e identidades
cial, na realidade, para Sócrates, não poderia ser conseguido
refa de construir sistemas de ideias com os quais julgaria e atribuiria um valor à realidade. Para Platão (427-347 a.C.), o mundo material torna-se compreensível através das hipóteses das ideias, realidades invisíveis, incorpóreas, perfeitas e imutáveis. As ideias são modelos ideais a serem buscados e copiados de modo imperfeito e transitório. Para o filósofo, a identidade humana sempre esteve e está na clareira das ideias, o que a torna capaz de recordá-las, através das sensações do corpo. Assim, em Fédon, Platão (1983, p. 115) explicava:
Uma vez evidenciado que a alma é imortal, não existirá para ela nenhuma fuga possível a seus males, nenhuma salvação, a não ser tornando-se melhor e mais sábia. A alma, com efeito, nada tem consigo, quando chega ao Hades, do que sua formação moral e seu regime de vida.
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A alma, neste sentido, é a possibilidade da relação entre a natureza e a sociedade, e a identidade humana passa a ser associada ao Ser. Na Idade Média, a identidade humana já não era mais entendida à luz das ideias, mas de acordo com os preceitos da fé cristã. Para os teólogos, o que importava era unir o homem a Deus através da crença. A fé cristã referida era, então, enunciada através de um discurso teológico que se servia do conhecimento filosófico
da época e praticada para assegurar ao homem o seu pertencimento a Deus. A existência, os desejos e as necessidades do homem não interessavam à teologia medieval; o importante era que o homem se aproximasse do divino. Santo Agostinho (354-430), um dos maiores teólogos da Idade Média, acreditava que toda a existência humana é de natureza divina. No cerne da antropologia agostiniana, Deus é a bondade absoluta, e o homem, um miserável condenado ao inferno, só obtendo salvação mediante a graça divina. No fim da Idade Média e no início do Renascimento e da Reforma, importantes transformações ocorridas nos séculos XV e XVI marcam uma mudança na concepção da identidade, que passou a ser compreendida não mais ancorada nas sensações ou na fé, mas na autonomia e liberdade de pensamento e crença. Assim, o início da Modernidade é geralmente interpretado dentro de um pensar cartesiano: “Penso, logo existo!”, principalmente no que tange ao exercício da razão. Deste modo, o homem tomou para si a necessidade de estabelecer o eixo da sua existência e elevar-se a um nível superior reinantes da Idade Média, em que todos os aspectos da vida humana estavam atrelados a Deus, possibilitou que o homem voltasse a ocupar o centro de tudo. A égide deste movimento, segundo Gaarder (1995, p. 216), era a seguinte: “De volta às fontes”. E a principal fonte era o humanismo da Antiguidade. Deste modo, a maior contribuição do Renascimento foi a abertura para uma nova visão de homem, cuja existência não estava presa ao divino.
Sobre a posição ocupada pelo homem nesse momento, Gaarder (1995, p. 219) declara:
89 A construção social do ser humano: subjetividade e identidades
para tornar-se ser humano. O distanciamento das concepções
O homem não existia apenas para servir a Deus, mas também para ser ele próprio. Por esta razão, o homem podia desfrutar aqui e agora de sua própria vida. E se o homem podia se desenvolver livremente, ele tinha possibilidades ilimitadas. Seu objetivo era ultrapassar todas as fronteiras.
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O famoso homem vitruviano Fonte: Banco de dados ThinkStock
Conhecer não era compreender a essência, mas as relações do objeto com o contexto através de estruturas matemáticas quantitativas. A contemplação cedeu lugar à manipulação; os sistemas hierárquicos sucumbiram à relatividade; o mundo empírico abriu espaço para o conhecimento proveniente da razão. Deste modo, não se pode refletir sobre o conceito de identidade sem o apoio da Filosofia, da Antropologia, da Sociologia e da Psicologia. Expressões distintas – como imagem, representação e conceito de si, que se referem a um conjunto de traços, imagens e sentimentos que o indivíduo reconhece como fazendo parte dele próprio – são empregadas, fazendo referência ao conceito de identidade. Como enuncia Jacques (1998, p. 160): A identidade pode ser representada pelo nome, pelo prenome eu ou por outras predicações como aquelas referentes ao papel social. No entanto, a representação de si através da qual é posa representação de um objeto ausente (o si mesmo). Sob este ponto de vista, a identidade se refere a um conjunto de representações que responde a pergunta ‘quem és’.
91 A construção social do ser humano: subjetividade e identidades
sível apreender a identidade é sempre
(3.3) “Q uem eu sou?” Responder à pergunta “quem eu sou” implica, para o indivíduo, tornar claro o modo como está inserido no mundo social, a atividade produtiva que se presentifica como atributo do eu e as relações sociais estabelecidas.
Percebe o quanto estas questões são importantes? Então: Quem és? O que faz?
Para a Psicologia Sócio-Histórica, que tem como referência a Psicologia Histórica Cultural, o entendimento de
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92
como as identidades se constituem não pode prescindir de levar em conta as condições históricas, sociais e econômicas nas quais o homem está inserido, a compreensão de que a identidade não é preexistente ao homem e que a análise do “mundo interno” exige a análise do “mundo externo”, que estão em movimento contínuo de construção e desconstrução. O mundo interno dos seres humanos não pode ser entendido descolado da realidade, que inclui aspectos importantes, como o trabalho social e a atividade humana, característica que promove a divisão das funções e origina novas formas de comportamento, bem como o uso de ferramentas e o aparecimento da linguagem.
A linguagem é um sistema de códigos e um recurso que permite a abstração, a generalização, o pensamento, a imaginação, a criatividade, a reestruturação emocional e a construção da subjetividade. Não se pode estudar o mundo interno do ser humano sem levar em conta esses aspectos: o trabalho, o uso de ferramentas, a linguagem e a atividade consciente entendidos não de modos justapostos, mas como presenças que caracterizam uma unidade. Antônio Ciampa (1987), psicólogo social que desenvolveu uma concepção psicossocial da identidade, explica que ela aparece como um processo, sem características de permanência ou independência entre os elementos biológicos, psicológicos e sociais que a constituem. Para Ciampa (1987, p. 152): “A identidade de uma pessoa é um fenômeno social e não natural.” É, então, um processo em constante movimento dialético, construído pela atividade e ação do sujeito. O autor citado emprega o termo “metamorfose” como possibilidade de transformação e supemento em que é preciso articular estabilidade/transformação, como também a dicotomia do igual e do diferente.
Uma identidade nos aparece como uma articulação de várias personagens, articulação de igualdades e diferenças, constituindo, e constituída por uma história pessoal. (CIAMPA, 1987, p.157).
93 A construção social do ser humano: subjetividade e identidades
ração da identidade pressuposta, para expressar este movi-
A identidade que um indivíduo assume em determinado momento da sua existência é o desdobramento das múltiplas determinações a que está sujeito. Há, como diz Ciampa (1987), uma rede intricada de relações, em que cada identidade reflete outra identidade, sem que se possa estabelecer um fio condutor para se alcançar um fundamento originário para cada uma delas. O conceito de identidade proposto por Bock, Furtado e Teixeira (1993) tem que ser pensado na sua implicação com a realidade social, que constitui a história de vida do sujeito e lhe dá sentido. As experiências concretas que o sujeito vivencia em determinada época, cultura, classe social, grupo étnico, grupo religioso, etc., exercem grande influência sobre a formação do ser. A identidade é resultante de toda uma vida real e de todo um conjunto de condições materiais experienciadas. “A identidade é a síntese pessoal sobre si mesmo, incluindo dados pessoais, biografia e atributos que os outros lhe confe-
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rem” (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1993, p. 145). Nesse conceito está implícita a ideia de singularidade, da construção de uma representação de si no confronto com o outro, através da dinâmica das relações. Há, então, um processar contínuo na construção e definição de si mesmo. Do mesmo modo, na sociedade moderna, não há espaço para uma identidade bem definida e localizada no mundo social e cultural em que o homem possa ser pensado como um conjunto de papéis, atitudes, valores, etc., distanciado da sua realidade.
Leia o poema de Carlos Drummond de Andrade e reflita sobre o que estamos tratando:
Eu, etiqueta Em minha calça está grudado um nome Que não é meu de batismo ou de cartório Um nome... estranho Meu blusão traz lembrete de bebida Que jamais pus na boca, nessa vida, Em minha camiseta, a marca de cigarro Que não fumo, até hoje não fumei. Minhas meias falam de produtos Que nunca experimentei Mas são comunicados a meus pés. Meu tênis é proclama colorido De alguma coisa não provada Por este provador de longa idade. Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, Meu copo, minha xícara, Minha toalha de banho e sabonete, Meu isso, meu aquilo. Desde a cabeça ao bico dos sapatos, São mensagens, Letras falantes, Gritos visuais, Ordens de uso, abuso, reincidências. Costume, hábito, premência, Indispensabilidade, E fazem de mim home -anúncio itinerante, Escravo da matéria anunciada.
95 A construção social do ser humano: subjetividade e identidades
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Estou, estou na moda. É duro andar na moda, ainda que a moda Seja negar minha identidade, Trocá-lo por mil, açambarcando Todas as marcas registradas, Todos os logotipos do mercado Com que inocência demito-me de ser Eu que antes era e me sabia Tão diverso de outros, tão mim mesmo [...] Onde terei jogado fora meu gosto e capacidade de escolher, Minhas idiossincrasias tão pessoais, Tão minhas que no rosto se espelhavam E cada gesto, cada olhar, Cada vinco da roupa Sou gravado de forma universal, [...] Por me ostentar assim, tão orgulhoso
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De ser não eu, mar artigo industrial, Peço que meu nome retifiquem. Já não me convém o título de homem. Meu nome novo é Coisa. Eu sou a Coisa, coisamente. . Fonte: http://www.pensador.info/p/eu_etiqueta_-_carlos_drumond_de_andrade/1/
(3.4) Identidade...mais contribuições Outro teórico que desenvolve uma reflexão sobre a questão da identidade cultural na modernidade é Stuart Hall (2001). Para ele, as identidades existentes num mundo que se intitula pós-moderno, que tem como base uma sociedade informatizada e pós-industrial, em que não existem “grandes narrativas” como o discurso iluminista, que pregava a emancipação pela revolução ou pelo saber para fundar a ciência, se inserem em sociedades que têm como preocupação central a extinção de fronteiras, nas quais predominam o hedonismo, o consumismo exagerado e estruturas psíquicas narcisistas que valorizam a estética e encontram-se distanciadas ou esvaziadas das demais subjetividades. Estas características promovem o descentramento, o deslocamento e a fragmentação pela perda de um sentido de si estável e permanente. Neste ções de identidade: a do sujeito do Iluminismo, a da Sociologia e a que enfatiza o caráter de mudança na construção da identidade do sujeito pós-moderno. Segundo esse autor, de acordo com a concepção de sujeito, centrado na racionalidade e libertado dos dogmas religiosos, própria do sujeito do Iluminismo, o indivíduo nascia e permanecia idêntico ao longo de toda a existência. A razão, a consciência e a ação predominavam. A identidade era fixa, havia uma identidade verdadeira que era um apelo à existência do sujeito. Para o Iluminismo, o homem era um ser perfectível, com condições de libertar-se dos medos e preconceitos através do conhecimento que advém das ciências, da políti-
97 A construção social do ser humano: subjetividade e identidades
sentido, Hall (2001) propõe a distinção de diferentes concep-
ca, das artes e da doutrina jurídica, áreas que expressavam o grau de progresso de uma civilização. O instrumento do Iluminismo era a consciência individual e autônoma que possibilitava ao homem a libertação da ignorância e dos medos. Também o controle sobre si mesmo, que advém da racionalidade, era condição de fundamental importância para a formação pessoal (TORRES, 2003). Do ponto vista sociológico, a identidade tem um núcleo ou essência interior que é o “eu real”. Este núcleo forma-se e se modifica num diálogo contínuo com o outro e com o mundo. “A identidade, então, costura o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis” (HALL, 2001, p. 12). Para a Sociologia, tudo o que está ocorrendo com o sujeito, num dado momento, como a sua história, os tencionamentos, os conflitos e as crises existentes no mundo, está presente na construção da sua identidade. Para refletir:
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Há possibilidade de existirem identidades contraditórias? Há uma identidade mestra? É possível ser “isso” e “aquilo”? Mudanças estruturais e institucionais ocasionaram a perda da estabilidade, do centramento e da unificação da identidade com as “necessidades” objetivas da cultura, produzindo o sujeito pós-moderno que não tem uma identidade fixa, essencial ou permanente. Os sujeitos passam a assumir identidades conforme são representados ou interpelados pela família, pela escola, pelo trabalho e pelos diversos sistemas sociais e culturais em que estão inseridos. Não há garantia da posição de identidade
que o sujeito quer assumir, em consequência dos diversos apelos feitos por outras identidades envolvidas e das negociações e conflitos que são travados. Assim, Hall (2001, p. 13) explica que há possibilidade de existirem identidades contraditórias, que se cruzam e se deslocam mutuamente. Não há uma “identidade mestra”. Por conseguinte, a análise dos determinantes centrais das posições sociais não pode ser simplificada, tomando como causa, apenas, os fatores socioeconômicos. É preciso levar em conta, também, a raça, o gênero e a sexualidade, assuntos que serão discutidos na próxima aula. Todos esses aspectos, assim como as representações simbólicas e a linguagem, fornecem as condições para que as identidades existam e lhes conferem um sentido. Através das relações sociais e da apropriação da cultura, o homem desenvolve um sentido pessoal, compreende as coisas que estão ao seu redor, compreende a si mesmo e aos outros. O caráter de mudança presente nas situações sociais, nas relações e na história de vida de cada um promove um ressignificar contínuo sobre a consciência que se tem de si mesmo. Desse modo, cas referem-se a processos necessários para a construção e a manutenção das identidades.
(3.5) “S omos sujeitos de muitas identidades” A análise do posicionamento do sujeito frente a con-
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entende-se que o mundo social e as representações simbóli-
dições fundamentalmente diferentes e das motivações que determinam a preferência por algumas representações, em detrimento de outras, deve levar em conta os estudos da Psicologia Social, da Filosofia e da Psicanálise. Estas explicam que as identidades são produzidas em locais históricos, emergem de conflitos e negociações, resultam da marcação da diferença, da exclusão e distanciam-se da homogeneidade e da unificação. Conforme diz Louro (1999, p. 12): “Somos sujeitos de muitas identidades”. Essas identidades se apresentam de modo transitório e refletem os resultados das relações e embates entre o sujeito e os grupos. Nesta análise, precisamos refletir, ainda, sobre os atributos sociais que são conferidos a uma pessoa, grupo ou povo, e que marca, cria lugares e posições cujo valor pode ser negativo ou positivo. Esses atributos são os estigmas que revelam a dificuldade do outro de lidar com as diferenças e que são perpetuadas na convivência social (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008).
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Portanto, na nossa sociedade, não há espaço para uma identidade bem definida e localizada no mundo social e cultural, em que o homem possa ser pensado como um conjunto de papéis, atitudes, valores, etc., e distanciado da sua realidade. Peculiar é a paixão pelo efêmero, pela satisfação-insatisfação com a imagem, pelas novas tecnologias, pelo consumo, pelo descartável. Sobre isso, concorda-se com Chauí (2001) ao admitir que o pós-modernismo é a ideologia que acompanha a nova forma de acumulação do capital, relega os conceitos que fundaram e orientaram a modernidade, como as ideias de racionalidade e universalidade, contrapõe necessidade com contingência e despreza as discussões sobre a relação entre sujeito e objeto.
Portanto, na sociedade contemporânea, o individualismo e a fragmentação caracterizam a construção das identidades de homens e mulheres, valorizando-se a imagem de prestígio, poder, sucesso, juventude e beleza e sua possibilidade de ser substituída a qualquer tempo para acompanhar os rumos do mercado como, também, privilegia-se a subjetividade fragmentada, conflituosa e insatisfeita. De qualquer modo, é importante lembrar que a identidade permite uma relação com o outro, propicia o reconhecimento de si, cria e demarca lugares e posições que não são fixos, estão em constante mudança.
SÍNTESE Nesta aula, analisamos os aspectos da construção da subjetividade, das identidades e sua importância nas relações sociais. Analisamos que a identidade de uma pessoa é um fenômeno social e não natural, é um processo em constante moNa próxima aula, você continuará refletindo a dimensão subjetiva a partir de conceitos como raça, gênero e sexualidade.
questão para Reflexão O que é subjetividade? Qual a importância do “outro” na construção da identidade?
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vimento dialético, construído pela atividade e ação do sujeito.
Leitura indicada EWALD, A.; SOARES, J. Identidade e subjetividade numa era de incertezas: estudos da Psicologia. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/epsic/v12n1/a03v12n1.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2012.
Sites Indicados Assista aos vídeos que evidenciam as dimensões subjetivas no cotidiano e reflita sobre o conteúdo estudado. Que beleza! Ser bonito. Isso faz diferença? Alguém já disse que a beleza é fundamental. [...] Diariamente julgamos e somos julgados pela aparência. Os valores e sentimentos que dividem o mundo entre feios e belos são o tema desse programa.
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Assista ao vídeo disponível em: http://www.pol.org.br/pol/cms/pol/publicacoes/videos/ videos_081030_0001.html Preto no branco Todos os brasileiros são iguais perante a lei. Mas será que todos os brasileiros se sentem iguais? Assista ao vídeo disponível em: http://www.pol.org.br/pol/cms/pol/publicacoes/videos/ videos_081030_0001.html Lugar comum
Ter uma casa própria. Esse é o sonho de muita gente. Afinal, todo mundo quer ocupar um lugar no espaço. Mas de quanto espaço a gente realmente precisa? Esse episódio mostra que a forma de criar e ocupar espaços faz parte da dimensão subjetiva. Assista ao vídeo disponível em: http://www.pol.org.br/pol/cms/pol/publicacoes/videos/ videos_081030_0001.html
Referências BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. de L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia. São Paulo: Saraiva, 1993. BUZZI, A. A identidade humana: modos de realização. Pe-
CHAUI, M. Escritos sobre a universidade. São Paulo: UNESP, 2001. CIAMPA, A. A estória do Severino e a história da Severina. São Paulo: Brasiliense, 1987. FURTADO, O. O psiquismo e a subjetividade social. In: BOCK, A. M. B.; GONCALVES, M. da G. M.; FURTADO, O. (Org.). Psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em Psicologia. São Paulo: Cortez, 2001. p. 75-93.
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trópolis: Vozes, 2002.
GAARDER, J. O mundo de Sofia: romance da história da Filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. HALL, S. A identidade cultural na pós modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro. 6. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. HALL, S. Quem precisa da identidade? In: SILVA, T. T. (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 103-133. JACQUES, M. da G. Identidade. In: STREY, M. et al. Psicologia social contemporânea. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 159-167. LOURO, G. L. Pedagogias da Sexualidade In: LOURO, G. L. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p. 7-34.,0 PLATÃO. Diálogos. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
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TORRES, C. R. V. Sobre gênero e identidade: algumas considerações teóricas. In: FAGUNDES, T. C. P. C. Ensaios sobre identidade e gênero. Salvador: Helvécia, 2003. WOODWARD, K. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, T. T (Org.). Identidade e diferença. Petrópolis: Vozes, 2000. p.7-72.
(4)
S er Humano: discutindo relações raciais, gênero, sexualidade e orientação sexual
As ideias preconcebidas, as racionalizações com base em premissas arbitrárias, a autojustificação frenética, a incapacidade de autocriticar-se, os raciocínios paranoicos, a arrogância, a recusa, o desprezo, a fabricação e a condenação de culpados são as causas e as consequências das piores incompreensões [...]. A ética da compreensão é a arte de viver que nos demanda, em primeiro lugar, compreender de modo desinteressado. Demanda grande esforço, pois não pode esperar nenhuma reciprocidade (MORIN, 2011, p.85-86).
Cláudia Vaz Torres
Olá! Esta unidade tem como objetivo refletir sobre temáticas de gênero, sexualidade e orientação sexual e relações raciais. Como você analisa a citação de Edgar Morin? Você concorda que a incompreensão entre as pessoas tem aumentado? Quais são as piores incompreensões? O que você faz para compreender o outro? Morin (2011, p. 81) evidencia, no seu livro Os sete Saberes necessários à Educação do futuro, que “há importantes e múltiplos progressos na compreensão, mas o avanço da incompreensão parece ainda maior.” Com o autor, entendemos que a compreensão entre as pessoas precisa ser ensinada como condição e garantia da solidariedade intelectual e moral da humanidade. Vamos discutir mais essa questão a partir da leitura do texto a seguir:
As duas compreensões
A comunicação não garante a compreensão.
A informação, se for bem transmitida e compreendida, traz inteligibilidade, condição primeira necessária, mas não suficiente, para a compreensão.
Há duas formas de compreensão: a compreensão intelectual ou objetiva e a compreensão humana intersubjetiva. Compreender significa intelectualmente apreender em conjunto, com-prehende-
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re, abraçar junto (o texto e seu contexto, as partes e o todo, o múltiplo e o uno). A compreensão intelectual passa pela inteligibilidade e pela explicação. [...] A compreensão humana vai além da explicação. A explicação é bastante para a compreensão intelectual ou objetiva das coisas anônimas ou materiais. É insuficiente para a compreensão humana.
Esta comporta um conhecimento de sujeito a sujeito. Por conseguinte, se vejo uma criança chorando, vou compreendê-la, não por medir o grau de salinidade de suas lágrimas, mas por buscar em minhas aflições infantis, identificando-
-a comigo e identificando-me com ela. O outro não apenas é percebido objetivamente, é percebido como outro sujeito com o qual nos identificamos e que identificamos conosco, o ego alter que se torna alter ego. Compreender inclui, necessariamente, um processo de empatia, de identificação e de projeção. Sempre intersubjetiva, a compreensão pede abertura, simpatia e generosidade (MORIN, 2011, p. 82).
Compreender, então, envolve apreender em conjunto o ser e o seu meio ambiente, à complexidade do ser humano com seus desejos, anseios, ideologias, orientações, isto é, to-
Para compreender o outro, é preciso a compreensão de si, com suas carências, seus sucessos e suas fragilidades. É preciso, ainda, lidar com os obstáculos intrínsecos à compreensão, a saber: o egocentrismo, o etnocentrismo, o sociocentrismo e a indiferença. O etnocentrismo, que designa o sentimento de superioridade que uma cultura tem em relação a outras culturas, e o sociocentrismo, que tem como característica situar-se no centro do mundo e considerar como secundário tudo que é estranho, conforme analisa Morin (2011), nutrem xenofobias e racismos e podem despojar o estranho, o estrangeiro da qualidade de ser humano. Nos contextos escolares, de trabalho, de lazer, entre outros, são evidenciadas a diversidade e a heterogeneidade dos sujeitos que estão envolvidos em uma complexa rede de
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das as condições do comportamento humano.
relações sociais e de poder. Há contextos em que predominam o sexismo, o racismo, a homofobia e outras formas de violência, porém é preciso sempre explorar e incentivar as redes de compreensão e solidariedade entre todos e, principalmente, entre aqueles que vivenciam a exclusão social, racial, de gênero e de sexualidade. O racismo é uma questão complexa, analisada por pesquisadores, que envolve tensões e cuidados. Diferentes concepções abordam a questão racial referindo-se a um comportamento, uma ação resultante da aversão ou do ódio em relação a pessoas que possuem um pertencimento racial observável por meio de sinais, como cor da pele, tipo de cabelo, etc., bem como a um conjunto de ideias e imagens referentes aos grupos humanos que acreditam na supremacia de uma raça (GOMES, 2005).
sa, de modo individual, por meio de atos discriminatórios,
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O racismo é um comportamento social que se expres-
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como agressões e outras violências de indivíduo para indivíduo e institucionais, quando há práticas discriminatórias sistemáticas que se manifestam pelo isolamento dos negros em bairros, escolas e empregos (GOMES, 2005). No Brasil, a discussão sobre racismo, discriminação racial, democracia racial, enfim, sobre as relações raciais é marcada por divergências entre atores sociais, pesquisadores e militantes. Nesta discussão, é importante destacar o Movimento Negro, que resgata a cultura afro-brasileira e denuncia a desigualdade e segregação racial que atinge a população negra, denuncia, ainda, a neutralidade do Estado diante da desigualdade racial e reivindica a adoção de políticas de ação
afirmativa e inserção de ativistas nas administrações federais, estaduais e municipais. O Movimento Negro desmistifica o mito da democracia racial no Brasil. O Movimento Negro e outros pesquisadores, explica Gomes (2005), usam o termo raça baseados na dimensão social e política do referido termo, e não mais como era originalmente usado no século XIX, alicerçadas na ideia de raças superiores e inferiores. Utilizam, também, “[...] porque a discriminação racial e o racismo existentes na sociedade brasileira se dão não apenas devido aos aspetos culturais dos representantes de diversos grupos étnico-raciais, mas também devido à relação que se faz na nossa sociedade entre esses e os aspectos físicos observáveis na estética corporal dos pertencentes às mesmas” (GOMES, 2005, p. 45).
Essa difícil tarefa de identificar e definir quem é negro no Brasil é analisada pelo antropólogo Kabengele Munanga, professor-titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Leia um trecho da entrevista, a seguir:
ESTUDOS AVANÇADOS – Quem é negro no Brasil? É um problema de identidade ou de denominação?
Kabengele Munanga – Parece simples definir quem é negro no Brasil. Mas, num país que desenvolveu o desejo de branqueamento, não é fácil apresentar
113 Ser humano: discutinfo relações raciais, gênero , sexualidade e orientação sexual
Mas, você sabe quem é negro?
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uma definição de quem é negro ou não. Há pessoas negras que introjetaram o ideal de branqueamento e não se consideram como negras. Assim, a questão da identidade do negro é um processo doloroso. Os conceitos de negro e de branco têm um fundamento etno-semântico, político e ideológico, mas não um conteúdo biológico. Politicamente, os que atuam nos movimentos negros organizados qualificam como negra qualquer pessoa que tenha essa aparência. É uma qualificação política que se aproxima da definição norte-americana. Nos EUA não existe pardo, mulato ou mestiço e qualquer descendente de negro pode simplesmente se apresentar como negro. Portanto, por mais que tenha uma aparência de branco, a pessoa pode se declarar como negro.
No contexto atual, no Brasil, a questão é problemática, porque, quando se colocam em foco políticas de ações afirmativas – cotas, por exemplo –, o conceito de negro torna-se complexo. Entra em jogo também o conceito de afro-descendente, forjado pelos próprios negros na busca da unidade com os mestiços.
Com os estudos da genética, por meio da biologia molecular, mostrando que muitos brasileiros aparentemente brancos trazem marcadores genéticos afri-
canos, cada um pode se dizer um afro-descendente. Trata-se de uma decisão política.
Se um garoto, aparentemente branco, declara-se como negro e reivindicar seus direitos, num caso relacionado com as cotas, não há como contestar. O único jeito é submeter essa pessoa a um teste de DNA. Porém, isso não é aconselhável, porque, seguindo por tal caminho, todos os brasileiros deverão fazer testes. E o mesmo sucederia com afro-descendentes que têm marcadores genéticos europeus, porque muitos de nossos mestiços são euro-descendentes.
Sabemos que essa discussão é complexa e com muitas discordâncias, uma vez que envolve o conceito de identidade com todos os traços culturais, posições sociais, políticas e históricas que marcam a nossa condição. Os dados estatísticos produzidos pelo IBGE, através do Censo de 2010, indicam que mais pessoas estão se declarando pardas e negras.
Negros e pardos – Os dados trazem ainda a informação de que há mais pessoas se declarando pretas e pardas.
115 Ser humano: discutinfo relações raciais, gênero , sexualidade e orientação sexual
(http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010340142004000100005&script=sci_arttext)
Este grupo subiu para 43,1% e 7,6%, respectivamente, na década de 2000, enquanto, no censo anterior, era 38,4% e 6,2% do total da população brasileira. Já a população branca representava, em 2010, 47,7% do total; a população amarela (oriental) 1,1% e, a indígena, 0,4%. (IBGE, 2010)
Podemos agregar pretos e pardos para formar o grupo racial negro, uma vez que, analisa Santos (2002), o racismo no Brasil não faz uma distinção muito significativa entre os grupos. Na nossa sociedade, há uma negação do racismo e do preconceito racial, analisam militantes, mas os dados indi-
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cam que há discriminação e desigualdade racial quando é feita uma comparação com outros segmentos étnico-raciais. Você se lembra da campanha nacional Diálogos contra o racismo: pela igualdade racial, que perguntava: “Onde você guarda o seu racismo?” Assista aos vídeos: Diálogos contra o racismo http://www.youtube.com/watch?v=yX8Y6S1l8nw http://www.youtube.com/watch?v=3YEx5O9SDK4
Então, responda: onde você guarda o seu racismo?
Em 21 de março de 2003, Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, instituído pela Organização das Nações Unidas, ampliou-se o debate sobre a igualdade racial e surgiu a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Vamos conhecer os objetivos da Secretaria: Criada pela Medida Provisória n° 111, de 21 de março de 2003, convertida na Lei 10.678, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República nasce do reconhecimento das lutas históricas do Movimento Negro brasileiro. A data é emblemática, pois em todo o mundo minação da Discriminação Racial, ins-
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tituído pela Organização das Nações
Ser humano: discutinfo relações raciais, gênero , sexualidade e orientação sexual
celebra-se o Dia Internacional pela Eli-
Unidas (ONU), em memória do Massacre de Shaperville. Em 21 de março de 1960, 20.000 negros protestavam contra a lei do passe, que os obrigava a portar cartões de identificação, especificando os locais por onde eles podiam circular. Isso aconteceu na cidade de Joanesburgo, na África do Sul. Mesmo sendo uma manifestação pacífica, o exército atirou sobre a multidão e o saldo da violência foram 69 mortos e 186 feridos.
Finalidades:
- Formulação, coordenação e articulação de políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial;
- Formulação, coordenação e avaliação das políticas públicas afirmativas de promoção da igualdade e da proteção dos direitos de indivíduos e grupos étnicos, com ênfase na população negra, afetados por discriminação racial e demais formas de intolerância;
- Articulação, promoção e acompanha-
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mento da execução dos programas de cooperação com organismos nacionais e internacionais, públicos e privados, voltados à implementação da promoção da igualdade racial;
- Coordenação e acompanhamento das políticas transversais de governo para a promoção da igualdade racial;
- Planejamento, coordenação da execução e avaliação do Programa Nacional de Ações Afirmativas;
- Acompanhamento da implementa-
ção de legislação de ação afirmativa e definição de ações públicas que visem o cumprimento de acordos, convenções e outros instrumentos congêneres assinados pelo Brasil, nos aspectos relativos à promoção da igualdade e combate à discriminação racial ou étnica.
Documento de referência
A SEPPIR utiliza como referência política o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010), que orientou a elaboração do Plano Plurianual (PPA 2012-2015), resultando na criação de “Enfrentamento ao Racismo e Pro-
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moção da Igualdade Racial”. Resultou
Ser humano: discutinfo relações raciais, gênero , sexualidade e orientação sexual
um programa específico intitulado
também na incorporação desses temas em 25 outros programas, totalizando 121 metas, 87 iniciativas e 19 ações orçamentárias, em diferentes áreas da ação governamental.
Em 2003, foi sancionada a Lei nº 10639, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9394/96, e incluiu no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-brasileira. A Lei nº 10639 impulsionou a realização de programas e ações que reforçassem o direito à diversidade étnico-racial nos currículos, políticas educacionais, programas de ensino, entre outros.
Com avanços e limites, a Lei 10.639/03 e suas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História Afro-Brasileira e Africana (BRASIL, 2004) possibilitaram uma inflexão na educação brasileira. Elas fazem parte de uma modalidade de política até então pouco adotada pelo Estado brasileiro e pelo próprio MEC. São políticas de ação afirmativa voltadas para a valorização da identidade, da memória e da cultura negras reivindicadas pelo Movimento Negro e demais movimentos sociais partícipes da luta anti-racista. [...]
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É importante reconhecer que a Lei 10.639/03 e suas diretrizes representam a implementação de ações afirmativas voltadas para a população negra brasileira, as quais são (e devem ser!) desenvolvidas juntamente com as políticas públicas de caráter universal. Trata-se de uma demanda política do Movimento Negro nos dias atuais e de outros movimentos sociais partícipes da luta anti-racista na construção da democracia.
Uma democracia que assuma o direito à diversidade como parte constitutiva
dos direitos sociais e assim equacione de forma mais sistemática a diversidade étnico-racial, a igualdade e a equidade. (GOMES, 2011, s.p.)
Depreendemos, então, que a Lei nº 10.639/03 e suas diretrizes representam a implementação de ações afirmativas para atender à população negra. O Movimento Negro, ao desmistificar o mito da democracia racial no Brasil, posiciona-se contra o racismo e luta para que todos tenham condições dignas de vida e oportunidades iguais. Vamos, então, refletir sobre outras temáticas, como o gênero, a sexualidade e a orientação sexual, que também produzem situações de exclusão. Será uma análise introdutória sobre os condicionantes de gênero, a sexuacom as leituras indicadas.
(4.1) O que é Gênero? As relações, historicamente, definiram lugares sociais diferenciados para homens e mulheres. Tomando por base Scott (1992), que define gênero como um elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças que distinguem os sexos, ou nas diferenças percebidas entre os sexos, entende-se que as mulheres e os homens são tratados de modo
121 Ser humano: discutinfo relações raciais, gênero , sexualidade e orientação sexual
lidade e a orientação sexual. Procure ampliar os estudos
diferente desde o seu nascimento, em consequência do sexo biológico. O meio social fornece e imprime significados diferentes para o comportamento de mulheres e homens que vão sendo introjetados e assumidos como naturais e pertencentes a um ou outro. Gênero é assim definido por Scott (1991, p. 4): “[...] é uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado.” Quais são as categorias impostas aos gêneros masculino e feminino? São opostas, não são? Vamos nos lembrar de algumas:
Homens: razão - mulheres: mais emoção Homens: dominação - Mulheres: submissão Homens: público - Mulheres: privado
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Homens: fora - Mulheres: dentro
O conceito de gênero permitiu o abandono das concepções biológicas e estigmatizantes e enriqueceu as discussões através da análise das contradições internas e das articulações da constituição do feminino e do masculino com o meio social, com todas as marcas da diversidade e da instabilidade. Como analisa Guacira Louro (2003), as diferenças de gênero e sexualidade que são atribuídas às mulheres se expressam materialmente nos seus corpos e nas suas vidas de modo concreto, ou seja, o significante de diferente é formado por representações e práticas sociais discursivas que demarcam e atribuem sentidos aos corpos e às identidades. Na cultura, mulheres e homens encontrarão elemen-
tos que construirão as suas identidades. Há um investimento contínuo de um e outro, para assumirem os sinais considerados próprios na trajetória da constituição do ser homem e do ser mulher. A cultura atribui funções reais e simbólicas próprias de cada um, mas é no interior dos processos e estruturas psíquicas inconscientes que esses traços são internalizados, reelaborados, ressignificados e transformados em valores e atitudes.
(4.2) Identidade de Gênero
aspecto a ser estudado no processo de construção da identidade. A identidade não é construída da mesma forma por homens e mulheres. Cada um se apropria da realidade simbólica e sociocultural a partir da interpretação que faz da diferença anatômica entre os sexos. “O sexo é socialmente modelado”, diz Saffioti (1992, p.189). Pode-se nascer do sexo masculino e, culturalmente, tornar-se mulher. Atitudes femininas podem ser tomadas tanto por homens quanto por mulheres. Há diferenças entre sexo biológico e a questão de gênero. Ser homem ou ser mulher varia de acordo com as condições sócio-históricas em que valores, tabus e sanções são transmitidos, introjetados e ressignificados, resultando em posicionamentos diferentes frente ao mundo. Para Saffioti (1992):
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O conceito de identidade de gênero é um importante
[...] o gênero é uma maneira contemporânea de organizar normas culturais passadas e futuras, um modo de a pessoa situar-se em e através destas normas, um estilo ativo de viver o corpo no mundo. (SAFFIOTI, 1992, p.189)
O gênero não pode ser entendido apenas como uma resultante das influências das relações sociais estabelecidas ao longo do desenvolvimento. Gênero é uma questão social, política. Ser mulher e ser homem são posições diferentes. Tratar de gênero implica situar a identidade feminina e masculina nas diferentes instâncias sociais. Significa, também, entender que o mundo social impri-
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me no corpo e na percepção os princípios sociais de divisão, de diferença e de dominação dos homens sobre as mulheres. Encoraja as práticas que convêm a um ou a outro sexo, organiza as posturas corporais, direciona os impulsos e enaltece os traços que simbolizam os valores que estão de acordo com a visão falocêntrica do mundo. Assim, Bourdieu (1995) acrescenta: Não é o falo (ou sua ausência) que é o principio gerador dessa visão do mundo, mas é essa visão do mundo que, estando organizada (por razões sociais que seria necessário tentar descobrir) segundo a divisão em gêneros relacionais, masculino e feminino, pode instituir o falo [...] e basear na objetividade de uma diferença natural entre
os corpos biológicos à diferença social entre duas essências hierarquizadas. (BOURDIEU, 1995, p.149)
O discurso da diferença entre os sexos com identidades, qualidades, interesses e aptidões particulares engendra a constituição de espaços unicamente reservados ao sexo masculino, restando, à mulher, o investimento na família, no mundo doméstico. Essas ideias encontram ressonância entre os homens, revalidando o seu poder sobre as mulheres e a exclusão das mesmas do poder político. Imersos em um espaço de partilha, homens e mulheres, através dos mais diversos instrumentos, códigos e signos, afirmam-se e assumem distintos papéis sociais.
identidade só faz sentido quando, independentemente de se
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negar a diferença biológica entre os sexos, parte-se do pressu-
Ser humano: discutinfo relações raciais, gênero , sexualidade e orientação sexual
Falar do caráter histórico e cultural da construção da
posto de que os homens, para exercerem o domínio, constroem um quadro de referência subjetivo, no qual é reservado à mulher a submissão, a contemplação, a meiguice, a emoção e a sensibilidade. A eles são atribuídas a objetividade, a competitividade, a praticidade, a determinação e a inteligência, dentre outras características relevantes e valorizadas na maioria das sociedades, em diferentes períodos da história.
Assista ao vídeo Acorda Raimundo e analise os papéis designados às mulheres e aos homens na nossa sociedade: http://vimeo.com/5859490
Vamos continuar discutindo gênero a partir da análise do conceito de sexualidade e orientação sexual.
(4.3) S exualidade, Gênero e Orientação Sexual Inicie a leitura, respondendo às questões:
O que é sexo? O que é gênero?
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O que é orientação sexual?
A sexualidade é um aspecto constitutivo da nossa vida. E o que é sexualidade para você? O conceito de sexualidade humana não pode ser compreendido sem uma análise das dimensões biológica, psicológica, social e histórica das experiências vividas por homens e mulheres. De acordo com Foucault (1988, p. 78), a sexualidade é o correlato de uma prática discursiva desenvolvida lentamente, que é a scientia sexualis. As características fundamentais a essa sexualidade não traduzem uma representação mais ou menos confundida
pela ideologia, ou um desconhecimento induzido pelas interdições; correspondem às exigências funcionais do discurso que deve produzir sua verdade. No ponto de intersecção entre uma técnica de confissão e uma discursividade científica [...] a sexualidade foi definida como sendo, “por natureza”, um domínio penetrável por processos patológicos, solicitando, portanto, intervenções terapêuticas ou de normalização; um campo de significações a decifrar; um lugar de processos ocultos por mecanismos específicos; um foco de relações causais infinitas, uma palavra obscura que é preciso, ao mesmo tempo, desencavar e escutar.
Compreende-se, com Foucault (1988), que a sexualidade tem uma densidade nas relações humanas que são, também, relações de poder, podendo servir como ponto de manipulação, de apoio e de articulação das mais variadas estratégias. A sexualidade, para o autor, é um dispositivo histórico de estratégias de saber e poder que envolve a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação dos conhecimentos, o reforço dos controles e a resistência. O autor acrescenta que o dispositivo da sexualidade desenvolveu-se nas margens das instituições familiares, nas instituições religiosas, nas práticas pedagógicas e posteriormente centrou-se na família. Os pais são os principais agentes de um dispositivo de sexualidade que, no exterior, se apoia nos
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médicos, padres, pedagogos e outros. A família, pela sua penetrabilidade e sua influência, é fundamental como dispositivo de sexualidade, pois se incumbe de difundir uma sexualidade “que de fato reflete e difrata” (FOUCAULT, 1988, p. 122). Concordando com outros autores, Tereza Fagundes (2005) admite que:
Para dar conta do entendimento desta dimensão humana que é a sexualidade, é preciso, contudo, analisá-la como um processo relacional intenso que se fundamenta, basicamente, em elementos discretos, mas complementares: o potencial biológico, as relações sociais de
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gênero e a capacidade psicoemocional dos indivíduos. Neste sentido, é possível admitir, para uma mais sólida compreensão, que a sexualidade tenha três grandes componentes: o biológico, o psicológico e o sociocultural. (FAGUNDES, 2005, p.16)
Depreende-se que a sexualidade precisa ser compreendida na su à complexidade e nas variações que a caracterizam. Nos diferentes processos de subjetivação e modos de viver os gêneros e a sexualidade, a dimensão biológica está em sintonia com o corpo, com a dimensão psicológica da sexualidade e com as condições sociais, culturais e históricas nas quais homens e mulheres estão inseridos.
De acordo com a determinação genética ou biológica, temos o sexo feminino e o masculino, porém apenas o sexo social, o gênero e suas relações nos permitem refletir sobre as construções simbólicas e históricas de homens e mulheres a partir das diferenças biológicas que norteiam a construção da identidade do sujeito, abarcando a divisão de papéis sociais, a divisão de trabalho, a desigualdade das relações e o acesso aos recursos disponíveis que são compatíveis com o momento social e histórico.
(4.4) S exualidade e identidade de gênero: qual é a relação? O conceito de sexualidade se encontra imbricado no conceito de identidade de gênero e ambos perpassam a construção cultural da diferença entre os sexos. O emprego do termo identidade de gênero como um conjunto de traços construídos social e culturalmente, definindo gestos, comportamentos, modos de falar, vestir e agir para homens e mulheres, nem sempre está em consonância com o sexo biológico do sujeito, pois não é uma estrutura fixa, fechada e sem possibilidade de tencionamentos e conflitos. A identidade de gênero é resultante de construções singulares durante o processo de desenvolvimento e socialização do indivíduo, a identidade de gênero está fortemente ligada à representação dos papéis sociais.
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Como analisa Tereza Fagundes (2001):
[...] dada a natureza do conceito de gênero como uma categoria social, a identidade e o papel das mulheres e de homens estão afinados com os estereótipos culturais, fundamentados nas diferenças genitais – feminina e masculina – que as transcendem. (FAGUNDES, 2001, p.43)
Não há, acrescenta essa autora, uma única forma de explicar a construção da identidade de gênero. Existem as
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orientações biológica e psicanalítica e, ainda, a abordagem sociocultural para explicar como homens e mulheres constroem a sua identidade.
(4.5) “Ninguém nasce mulher [...]” Simone Beauvoir (1980, p. 13) sublinha a constituição do feminino como condição social ao postular que “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. A autora evidencia que o sentimento de soberania dos homens em relação às mulheres é inventado pelos adultos e aceito pelos meninos como modo compensatório de justificar a diminuição ou ausência de afagos e
carinhos por conta do crescimento. A partir daí, inaugura-se uma sociedade desigual, em que a superioridade masculina se afirma. Do mesmo modo, a influência da educação e do ambiente desencadeia o desenvolvimento de traços como a passividade, que caracteriza essencialmente a mulher “feminina”. Simone Beauvoir (1980) também afirma que as mulheres não têm domínio sobre o mundo masculino porque são ensinadas a serem passivas e a aceitarem a autoridade do homem, não aprendendo a tomar a iniciativa, a manejar a lógica e a técnica. Como o Outro, a mulher desempenha o papel que a sociedade dela espera: ser submissa, dócil e indefesa. A partir de Beauvoir (1980), compreendemos que a análise dos processos e práticas sociais e culturais é importante para intervenções nas relações de poder entre homens e mulheres.
identidades e sexualidades necessita assumir uma visão ampliada desses assuntos, distanciando-se de uma essência universal, inerente, de impulso biológico. Para compreender as identidades e a sexualidade, é preciso pensar que elas são influenciadas por valores sociais e por questões individuais. Então, não há uma essência universal... A anatomia não é o destino para ninguém, dizem pesquisadores sobre o assunto.
E você concorda que, hoje, nós estamos circulando entre os gêneros, como foi comentado por uma estudante numa das aulas de Psicologia e Comportamento? Pense sobre o assunto! Críticas feministas, como Leonore Tiefer (1993) e Margareth Rago (2001), discutem em profundidade as premissas essencialistas que postulam um caráter fixo e eterno à natureza humana. Insistem que a sexualidade não é biologicamente
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Admite-se, então, que a pesquisa contemporânea das
dada, não é uma qualidade humana inerente, não é um instinto, mas, ao contrário, é um modo de ser e de se relacionar a partir da cultura, da história e da organização social. Destaca-se, ainda, que as concepções não biologizantes da sexualidade postulam que, na constituição do sujeito sexuado, estão imbricadas as diferenças e as desigualdades de classe, raça/etnia, gênero e geração entre homens e mulheres, assim como a dimensão corporal. É, então, ao longo do desenvolvimento que a criança, na interação entre os indivíduos e as estruturas sociais, constrói seu corpo sexuado, que envolve um aprendizado sobre o corpo, o gênero e a sexualidade. Com relação à sexualidade, a mesma é vivida pela pessoa individualmente, porém é constituída a partir do campo das relações sociais, da cultura, dos valores e das formas sociais de vida.
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Numa perspectiva culturalista é possível vislumbrar que os constructos relacionados ao ser mulher surgem em oposição ao significado do ser homem, numa sociedade com esquemas de relacionamentos sociais bem definidos; são introjetadas nas meninas e nos meninos, desde muito cedo, em diversos âmbitos de suas personalidades e do seu ser social, as dicotomias associadas à divisão homem-mulher, tais como: caça, coleta, dominação-submissão, luz-sombra, ciência-magia, razão-intuição, cultura- natureza, força-
-fragilidade,
para-fora-para-dentro,
superioridade-inferioridade, produção-reprodução, mundo público-mundo privado, de forma a tornar aparentemente natural, a identidade que, às mulheres e aos homens, foi socialmente imposta. E essas construções sobre o ser homem e o ser mulher interferem diretamente em suas vivências sexuais. A mulher pode inibir o seu desejo em consequência de ter aprendido a ser passiva, paciente, obediente, não ousada. Pode, por outro lado, exacerbá-lo como uma forma de quebrar drasticamente os padrões que lhe foram impostos. O homem que aprendeu a ter o poder sobre a pre ativo pode desenvolver erotomania
133
ou, em menor escala, diante de pressões
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mulher, a mostrar-se viril, forte e sem-
sociais maiores que lhe façam sentir-se pequeno, fraco, sem poder manifestar inapetência
sexual.
(FAGUNDES,
2008, s.p.)
E a orientação sexual? A orientação sexual envolve uma relação entre desejo, comportamento e identidade sem linearidade e direção única. Então, não se deve pressupor uma relação direta entre o desejo que uma pessoa sente ao seu comportamento sexual e o modo como percebe a si mesmo. “É possível, por exemplo, praticar relações homossexuais sem se considerar
homossexual ou bissexual, assim como sentir desejos homossexuais sem manter relações homossexuais” (ARAUJO; PEREIRA, 2009, p. 129). A orientação sexual, analisam Araujo e Pereira (2009), refere-se ao sexo das pessoas que elegemos como objetos de desejo e afeto. A heterossexualidade, a homossexualidade e a bissexualidade são tipos de orientação sexual. A heterossexualidade se caracteriza pela atração afetiva, sexual e erótica por pessoas de outro gênero. A homossexualidade diz respeito à atração afetiva, sexual e erótica por pessoas do mesmo gênero e a bissexualidade, à atração afetiva, sexual e erótica por pessoas do mesmo gênero e do gênero oposto. Utilizamos o termo orientação sexual e não mais opção sexual, pois a definição dos objetos de desejo não resulta de uma opção mecânica e voluntariosa. Os nossos
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134
desejos resultam das vivências, construção de sentidos e do contexto social.
Informação: Você sabia que, segundo o Censo de 2010, há mais de 60 mil pessoas vivendo com parceiros do mesmo sexo?
Casais gays – A pesquisa do IBGE mostra que o Brasil já registra mais de 60 mil pessoas vivendo com parceiros do mesmo sexo. A região Sudeste é a que tem mais casais que se assumiram homossexuais, com 32.202. Em segui-
da, está a região Nordeste, com 12.196; e a Sul, com 8.034. O número representa 0,2% do total de cônjuges (37,547 milhões) em todo o país. É a primeira vez que o dado foi pesquisado. (http://blog.planalto.gov.br/censo-2010-populacao-brasileira-esta-mais-velha-e-chega-a-190-755-799/)
Retomamos, então, o conceito de “sexualidade como elemento constitutivo da pessoa, é dimensão e expressão da personalidade” (FAGUNDES, 2005, p. 14). Então, com base na autora, compreendemos que a sexualidade manifesta-se independente de qualquer ensinamento e é um modo singular de viver, investir afeto, ser e se relacionar, construído a partir da cultura, da história e da organização social. Vamos finalizar a nossa aula com a leitura do texto: “Estar atenta ao intolerável” – critério significativo para alguém reconhecer o que vale a pena colocar em primeiro plano em sua vida, em suas reflexões e ações. Essa idéia, que não é minha, tomei emprestada de uma estudiosa espanhola chamada Maite Larrauri. Ela parece justificar minhas escolhas acadêmicas e profissionais. Perguntada sobre que vem a ser “o intolerável”, Maite responde que não pode ser aquilo que muita gente acha que é, pois “uma das condições do intolerável é que, para a maioria, não é intolerável, mas nor-
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mal” (Larrauri, 2000, p.14). O que eu considero intolerável possivelmente é colocado, por outros ou por muitos, no plano do aceitável, talvez no âmbito do comum ou do “normal”.
Desprezar alguém por ser gay ou por ser lésbica é, para mim, intolerável. No entanto, na nossa sociedade, essa parece ser uma atitude comum, corriqueira, talvez mesmo “compreensível”. Conviver com um sistema de leis, de normas e de preceitos jurídicos, religiosos, morais ou educacionais que discriminam sujeitos porque suas práticas amorosas e sexuais não são heterossexuais é, para mim, in-
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tolerável. Mas esse quadro parece representar, em linhas mais ou menos gerais, a sociedade brasileira. Por isso, sinto-me autorizada a afirmar que a sexualidade ou as tensões em torno da sexualidade constituem-se numa questão que vale a pena colocar em primeiro plano.
Vale a pena observar também, imediatamente, que o que se coloca aqui é mais do que um problema de atitude. Esta é uma questão que se enraíza e se constitui nas instituições, nas normas, nos discursos, nas práticas que circulam e dão sentido a uma sociedade – neste caso, a nossa. As formas de viver a
sexualidade, de experimentar prazeres e desejos, mais do que problemas ou questões de indivíduos, precisam ser compreendidas como problemas ou questões da sociedade e da cultura.
(LOURO, 2003, s.p.)
Síntese Nesta aula, refletimos sobre temáticas de gênero, sexualidade e orientação sexual e relações raciais. Vimos que o conceito de sexualidade se encontra imbricado no conceito de identidade de gênero e ambos perpassam a construção cultural da diferença entre os sexos, e que há contextos em que de violência. Porém, é preciso sempre explorar e incentivar as redes de compreensão e solidariedade entre todos e, principalmente, entre aqueles que vivenciam a exclusão social, racial, de gênero e de sexualidade.
questão para Reflexão Assista aos vídeos e responda: Os segredos do casamento, de Stephen Kanitz, disponível em: <http://www.kanitz.com/index_refresh.htm>. Acesso em: 17 ago.2012. Entrevista com Stephen Kanitz, no Programa “Mais Você”, disponível
em:
<http://www.kanitz.com/entrevistas.htm>.
137 Ser humano: discutinfo relações raciais, gênero , sexualidade e orientação sexual
predomina o sexismo, o racismo, a homofobia e outras formas
Acesso em: 17 ago.2012 Por
que
alguns
grupos
não
conseguem
aceitar
o
direcionamento sexual de cada pessoa?
Leituras indicadaS Negros e Negras Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT): construindo políticas públicas para avançar na igualdade de direitos. “Num momento em que diversos órgãos governamentais buscam avançar na garantia dos direitos e na construção de políticas públicas para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, em suas respectivas áreas de competência, a SEPPIR se engaja nesse esforço criando as condições
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138
necessárias em âmbito interno para que a pauta LGBT, legitimamente reivindicada por negras e negros pertencentes a esta parcela da população, possa ser incorporada ao conjunto das ações deste Ministério.” Disponível em: <http:// www.seppir.gov.br/publicacoes>. Acesso em: 17 ago.2012.
ARAUJO, A. B. L.; PEREIRA, M. E. A noção moderna de sexualidade. Disponível em: <http://moodle.epmcelp. edu.mz/pluginfile.php/3286/mod_resource/content/1/ o%C3%A7%C3%A3o%20Moderna%20de%20Sexualidade. pdf>. Acesso em: 17 ago 2012. FAGUNDES,
T.
Sexualidade
humana:
causas
socio-
culturais das disfunções sexuais. Disponível em: <http:// www.sexoemocoes.com.br/index.php/home/41-artigosrapidos/106-sexualidade-humana-causas-socio-culturais-
das-disfuncoes-sexuais>. Acesso em: 17 ago.2012.
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O ser humano: construindo relacionamentos
O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. Guimarães Rosaa
Cláudia Vaz Torres
Olá! Nesta unidade, analisaremos a construção dos relacionamentos e os principais elementos que interferem nessas relações; discutiremos importantes processos que estão presentes nelas, como a comunicação, a liderança, o poder, entre outros. Vimos, na unidade passada, como nos constituímos como sujeitos, indivíduos singulares e com modos diversos e complexos de ser e estar no mundo. Compreendemos também que as inúmeras possibilidades de ser de cada um são construídas na interação com o outro e com o mundo. Discutir sobre os relacionamentos e a importância das interações nos diferentes grupos nos remete ao poeta João Cabral de Melo Neto:
Tecendo a Manhã João Cabral de Melo Neto
Um galo sozinho não tece a manhã: ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro: de um outro galo que apanhe o grito que um galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzam os fios de sol de seus gritos de galo
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para que a manhã, desde uma tela tênue, se vá tecendo, entre todos os galos. E se encorpando em tela, entre todos, se erguendo tenda, onde entrem todos, no toldo (a manhã) que plana livre de armação. A manhã, toldo de um tecido tão aéreo que, tecido, se eleva por si: luz balão.
Fonte: MELO, João Cabral de Melo Neto. Tecendo a manhã. Disponível em: <http:// www.consciencia.net/2006/0117-melo-neto.html>. Acesso em: 26 jul.2012.
Como escreve João Cabral, “um galo sozinho não tece a manhã: ele precisará sempre de outros galos”, ou seja, precisamos do outro, do coletivo, dos grupos, da participação na vida social, pois, a partir das relações vivenciadas no coletivo, singularizamos, produzimos significações, agimos, construímos múltiplas histórias e a nossa.
As interações humanas que são ações recíprocas e conscientes entre pessoas, tecem vidas, histórias e manhãs, implicando transformações, modificações dos comportamentos, significações e ressignificações dos atos individuais e recíprocos de acordo com o tipo de contato, as expectativas e as respostas. A busca de identidades, as afirmações de um modo de ser, são movimentos constantes na sociedade humana, assim como o uso desta como referência de liberdade, felicidade e cidadania nas relações interpessoais (SAWAIA, 2004). O medo do desconhecido (quem é o outro?), explica o autor, gera ansiedade, agressão e a busca de sinais identitários. Nas nossas relações, indagamos pela identidade do ouquais as afinidades, o que repudia. Mas, para quê? O que se esconde nesta pergunta e nessa necessidade de saber qual a identidade do outro? Essa pergunta e a resposta são repletas de sentidos e constituem o passo inicial no modo como nos relacionaremos com essa pessoa que diz quem é, qual é a sua bandeira ou que etiqueta possui. A partir daí, estabelecem-se relações de poder, de conflito, de solidariedade, de admiração, de desconfiança, enfim, modos diversos de inclusão ou exclusão e, por conseguinte, estratégias de relacionamentos. Sawaia (2004) esclarece que a identidade é uma categoria política disciplinadora das relações entre as pessoas, grupo e sociedade, usada para transformar o outro em estranho, igual, inimigo ou exótico.
149 O ser humano: construindo relacionamentos
tro, queremos saber a que grupo pertence, que ideais possui,
No estudo sobre as constituições das subjetividades, não podemos desdenhar a relevância dos diferentes grupos e entender a natureza das pressões e influência social que exercem para alcançar a uniformidade e os seus fins. Nesse processo, é importante dar especial atenção ao potencial dos grupos virtuais que se encontram no ciberespaço, se acolhem, aprendem, se mobilizam e se expandem para divulgar as suas ideias. Sobre esse espaço que a internet produz, Sibilia (2008, p.27) explica:
Ao longo da última década, a rede mundial de computadores tem dado à
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luz um amplo leque de práticas que poderíamos denominar “confessionais”. Milhões de usuários de todo planeta - gente “comum”, precisamente como eu ou você - tem se apropriado das diversas ferramentas disponíveis on-line, que não cessam de surgir e se expandir, e as utilizam para expor publicamente a sua intimidade. Gerou-se, assim, um verdadeiro festival de “vidas privadas”, que se oferecem despudoradamente aos olhares do mundo inteiro. As confissões diárias de você, eu e todos nós estão aí, em palavras e imagens, a disposição de quem quiser bisbilhotá-las; basta apenas um clique no mouse. E, de fato, tanto você como eu e todos nós costumamos dar esse clique.
Junto com essas instigantes novidades, vemos instigarem-se algumas premissas básicas da autoconstrução, da tematização do eu e da sociabilidade moderna; e é justamente por isso que essas novas práticas resultam significativas [...]. A rede mundial de computadores se tornou um grande laboratório, um terreno propício para experimentar e criar novas subjetividades: em seus meandros nascem formas inovadoras de ser e estar no mundo, que por vezes parecem saudavelmente excêntricas e megalomaníacas, mas outras vezes (ou nez mais rasa que se pode imaginar. Como quer que seja, não há dúvidas de que esses reluzentes espaços da Web 2.0 são interessantes, nem que seja porque se apresentam como cenários bem adequados para montar um espetáculo cada vez mais estridente: o show do eu.
Depreendemos, com a autora, que há uma tendência na contemporaneidade a buscar a visibilidade, o exibicionismo e o reconhecimento pelo outro. Então, perguntamos:
Como essa tendência repercute nas nossas relações?
151 O ser humano: construindo relacionamentos
ao mesmo tempo) se atolam na peque-
E quanto aos relacionamentos? Como os conflitos, as relações de poder, as comunicações, as expectativas do grupo interferem nos nossos relacionamentos? Em que medida o nosso comportamento reflete as características do grupo a que pertencemos? Estamos tão habituados a viver em relação com as pessoas que, poucas vezes, percebemos a tônica dos relacionamentos, o quanto influenciamos e somos influenciados em nossas ações, decisões, sentimentos e comportamentos (ALBUQUERQUE; PUENTE-PALACIOS, 2004). Nossa vida decorre num universo de relações interpessoais, mas, ainda assim, é crescente a dificuldade no domínio
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dessas relações. Sabemos que não é possível ensinar relações interpessoais a alguém. Não há uma receita a ser seguida. O que é possível é analisar os princípios que fundamentam essas relações. De qualquer modo, é importante destacar que é amplo o campo de estudo das relações interpessoais. Nesse estudo das relações interpessoais, alguns conceitos da ciência psicológica contribuem muito, como os diferentes modos de subjetivação, as identidades, entre outros. A Psicologia Social, área da Psicologia que analisa a dimensão subjetiva dos fenômenos sociais, é importante para a compreensão do quanto as pessoas são diferentes, do modo como as pessoas agem no mundo, as transformações que realizam, as suas relações sociais, etc. Entretanto, a Psicologia Social tem teorias que a caracterizam como um estudo científico da influência recíproca entre pessoas (interação social) e do processo cognitivo gerado por essa interação (pensamento social). O pensamento social são
processos cognitivos decorrentes da interação social. Desse modo, nesta análise, a interação humana e suas consequências cognitivas e comportamentais constituem o objeto de estudo da psicologia que, através de conceitos como percepção social, atitudes, papéis sociais, socialização, atração interpessoal, grupo social, entre outros, (RODRIGUES, ASSMAR, JABLONSKI, 2009), analisa a interação social. E tem teorias que criticam a separação indivíduo e sociedade, pois esta não existe sem aquele. Para essa perspectiva, o indivíduo age sobre o mundo, transformando-o e transformando-se a si mesmo. São conceitos estudados: a consciência, a atividade, a identidade, entre outros (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008). A seguir, vamos analisar, brevemente, alguns concei-
(5.1) Percepção A percepção é um processo cognitivo, uma forma de conhecer e interpretar o mundo. É o ponto de encontro entre a cognição, ou seja, o processo de selecionar, organizar, interpretar informações, eventos, etc., e o que está presente na realidade. A percepção é uma interpretação singular da realidade. Durante a percepção, o conhecimento sobre a realidade combina-se com as nossas habilidades construtivas (antecipação, hipótese, amostragem, armazenamento e integração), a fisiologia (sistema sensorial e nervoso) e as nossas experiências, que advêm do processo de construção subjetivo (DAVIDOFF, 2001).
153 O ser humano: construindo relacionamentos
tos estudados pela Psicologia.
Diante de situações ambíguas, percebemos claramente o nosso esforço para interpretar o que vivenciamos. Considere, então, a cena do pintor holandês Maurits Escher: O que vê?
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Escher Relativity, 1953 Fonte: Banco de dados ThinkStock
Percebemos que as cenas mudam conforme as nossas direções perceptivas. Desse modo, compreendemos que o que o indivíduo percebe e como percebe são dados importantes para a compreensão do comportamento humano, para a análise das suas relações, pois as pessoas são seus próprios referenciais na percepção dos outros. Ressaltamos, então, que a percepção é o ponto em que cognição e realidade se encontram – depende da pessoa e do ambiente.
Como você entende a percepção? E as atitudes?
O processo perceptivo é estruturante na relação da psicológica é vida perceptiva, consequentemente, problemas psicológicos são questões, distorções perceptivas”.
(5.2) Atitudes São estados mentais e representam crenças pessoais de uma natureza avaliativa que influenciam nossas reações com relação às pessoas e às coisas. As atitudes são compreendidas como tendo três componentes: a crença em si (componente cognitivo); sentimentos associados a ela (componente emocional) e ações resultantes (componente comportamental). Bock, Furtado e Teixeira (2008) explicam que, a partir
155 O ser humano: construindo relacionamentos
pessoa com o mundo. Como diz Campos (2002, p.1): “Vida
da percepção do meio social e dos outros, o indivíduo organiza as informações, relacionando-as aos afetos, e desenvolve uma predisposição a agir em relação às pessoas ou aos objetos do meio social. Essas informações, que predispõem o indivíduo para a ação, são as atitudes. As atitudes, analisam os autores, são desenvolvidas. “Nós não tomamos atitudes (comportamento, ação), nós desenvolvemos atitudes (crenças, valores, opiniões) em relação aos objetos do meio social” (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008, p. 181). As atitudes são modificadas à medida que surgem novas informações, afetos ou situações. Sobre este conceito, leia as considerações de Glassman (2008), que esclarece que uma das teorias mais conhecidas da
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mudança de atitude é a teoria da dissonância cognitiva desenvolvida por Leon Festinger, em 1957.
Segundo Festinger, todos procuramos nos comportar de uma maneira autoconsistente. Ou seja, nossas ações devem se adequar às nossas palavras e às nossas atitudes. O que acontece, no entanto, se nossas ações não se ajustam às nossas crenças, ou se duas crenças estão em conflito? Festinger declarou que, quando há conflitos deste tipo, experimentamos uma tensão que ele chamou de dissonância cognitiva. Por exemplo, suponhamos que você odeie o burburinho da cidade de Nova York, mas tem bons amigos que vivem lá e que quer ver. Isso cria um conflito en-
tre sua atitude com relação à Nova York e sua atitude com relação a seus amigos, o que resulta em dissonância. A teoria de Festinger lida com a natureza desses conflitos e com o modo como os resolvemos. [...] A teoria da dissonância tem gerado enorme quantidade de pesquisa na psicologia social, em parte porque as questões que levanta são interessantes e, em parte, devido às aparentes fragilidades da teoria. (GLASSMAN, 2008, p. 218)
As fragilidades da teoria ocorrem porque não há posdeterminada situação, tendemos a ignorar as informações ou situações que criam conflito e estão disseminadas as reações de dissonância na vida diária. A teoria de Festinger mostra a influência da cognição ao sinalizar que os processos internos, como as atitudes e a redução da dissonância, são importantes para a compreensão do comportamento social. Vamos continuar conhecendo outros conceitos estudados pela Psicologia.
(5.3) Aptidão Consiste no potencial para realização de tarefas e pode ser agrupada em três categorias:
157 O ser humano: construindo relacionamentos
sibilidade de prever, com precisão, o que acontece em uma
Aptidão verbal, numérica, espacial, compreensão Cognitivas ou
mecânica, criatividade literária
intelectuais
e artística, velocidade de percepção, percepção de formas, etc.
Físicas
Interpessoais
Coordenação motora, destreza manual, aptidão sensorial, etc.
Capacidade de liderar, lidar com o outro, decidir, etc.
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(5.4) I nteligência Capacidade cognitiva ou intelectual que integra a globalidade humana nos seus aspectos afetivos, sociais e cognitivos. Há diversas definições e teorias sobre inteligência. A abordagem da psicologia diferencial, baseada na tradição positivista, define a inteligência como um composto de habilidades que poderiam ser medidas pelos testes psicológicos. A abordagem dinâmica define a inteligência como a produção cognitiva e intelectual do homem. A inteligência passa a ser compreendida como capacidade cognitiva e intelectual
que integra a globalidade humana e não pode ser analisada isoladamente (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008). Uma outra corrente, de Howard Gardner, que estuda a inteligência, defende a existência das múltiplas inteligências, ou seja, que temos a capacidade lógico-matemática, capacidade linguística (aptidões medidas pelo QI), a capacidade musical, espacial, corporal-cinestésica, naturalista, existencial e a capacidade intrapessoal e interpessoal, todas inter-relacionadas. No final do século XX, os estudos sobre um tipo específico de inteligência foi bastante debatido: a inteligência emocional. A teoria da inteligência emocional, defendida por Daniel Goleman e Howard Gardner, explica que a inteligência emocional pode ser desenvolvida, proporcionando maior facilidaa dos outros. Fazem parte desse conjunto: autoconhecimento, autocontrole, empatia, habilidades interpessoais, etc. Voltaremos a tratar da inteligência emocional nas próximas aulas.
(5.5) Comunicação É um processo presente nas relações interpessoais em qualquer grupo, assim como a liderança e a motivação, mas, se for pouco cuidada, gera como consequência muitos conflitos. Nesse processo, há o emissor e o receptor e, entre os dois, existem os ruídos e bloqueios que advêm de interpretações, respostas que, muitas vezes, atrapalham a comunicação.
159 O ser humano: construindo relacionamentos
de para o indivíduo lidar com suas próprias emoções e com
Vale lembrar que inúmeras são as formas de comunicação - fala, escritos, desenhos, corpo, códigos, entre outros - e muitos são os ruídos que interferem na comunicação e que derivam da falta de atenção, dos preconceitos, do negativismo, do uso impróprio da linguagem, da parcialidade e da ausência de uma comunicação franca e aberta. Minicucci (2001) acrescenta que os bloqueios, as filtragens e os ruídos provocam ressentimentos nas reações interpessoais e podem durar muito tempo. As nossas necessidades e experiências tendem a colorir o que vemos e ouvimos, a dourar certas pessoas e excluir o que não queremos saber, pois entram em conflito com as nossas velhas ideias. Sem contar que o efeito de uma emoção poderá distorcer a comunicação, ou seja, “[...] quando nos sentimos inseguros, aborrecidos ou receosos, o que ouvimos
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e vemos parece mais ameaçador do que quando nos sentimos seguros [...]” (MINICUCCI, 2007, p. 55). Leia o exemplo, a seguir, e reflita sobre o que ocorreu Capitão ao Sargento-ajudante: -Sargento! Dando-se amanhã um eclipse do Sol, determino que a companhia esteja formada, com uniforme de campanha, no Campo de exercício, onde darei explicações em torno do raro fenômeno que não acontece todos os dias. Se por acaso chover, nada se poderá ver e neste caso fica a companhia dentro do quartel. Sargento-ajudante ao Sargento de Dia: -Sargento, de ordem de meu capitão, amanhã haverá
um eclipse do sol, em uniforme de campanha. Toda a companhia terá de estar formada no campo de exercício - onde seu capitão dará as explicações necessárias, o que não acontece todos os dias. Se chover, o fenômeno será mesmo dentro do quartel! Sargento de Dia ao Cabo: Cabo, o nosso capitão fará amanhã um eclipse do sol no campo de exercício. Se chover, o que não acontece todos os dias, nada se poderá ver. Em uniforme de campanha o capitão dará a explicação necessária, dentro do quartel.
Soldados, amanhã para receber o eclipse que dará as explicações necessárias sobre o nosso capitão, o fenômeno será em uniforrne de exercício. Isto, se chover dentro do quartel, o que não acontece todos os dias. Fonte: http://www.sit.com.br/SeparataDIV0034.htm
A comunicação é importante para que os processos se desenvolvam adequadamente, é uma aliada na execução de tarefas. A comunicação, esclarece Robbins (2002), tem quatro funções básicas dentro de um grupo, a saber:
161 O ser humano: construindo relacionamentos
Cabo aos Soldados:
na comunicação do capitão ao sargento, até alcançar o cabo: Comunicação Linear - O Eclipse Solar no Quartel Controle A comunicação estimula a motivação, através do esclareciMotivação
mento sobre as tarefas, as metas, a qualidade do desempenho e o que pode ser melhorado. A comunicação favorece a
Expressão emocional
expressão de sentimentos e posicionamentos frente aos mesmos. A comunicação proporcio-
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Informação
na as informações que as pessoas precisam para analisar, avaliar e tomar decisões.
É importante lembrar que existem barreiras que podem impedir a eficácia da comunicação, como a filtragem ou manipulação das informações pelo emissor; a percepção seletiva, ou seja, o receptor vê e escuta, de acordo com os seus interesses, as suas experiências e características pessoais; a sobrecarga de informações; a defesa diante de sentimentos de ameaça; o tipo de linguagem e o medo ou a ansiedade de falar, escrever, evitando a comunicação em situações necessárias. E os grupos sociais? Como você analisa? “O outro guarda um segredo: o segredo do que eu sou” (J. P. Sartre)
Sabemos que o comportamento não reflete apenas o
nosso modo de ser e pensar, mas também a posição que o sujeito ocupa nos seus grupos de referência e as relações que estabelece.
Você concorda com a expressão de Sartre? A imagem que você tem de você mesmo é o retrato do que os outros veem em você?
Certamente que não! Concorda? Mesmo porque os outros não veem a mesma pessoa, porém acrescentam muito nessa construção de quem somos nós, nessa “viagem” de querer responder às inquietações, dúvidas e, às vezes, angústias sobre quem somos. Então, contam muito as imagens que os outros, que estão nos nossos grupos de referência (famíinauguram-se modos bem diversos de relações. Reflita: Por que, nos grupos, às vezes, é tão difícil um trabalho coletivo? Como trabalhar as relações interpessoais num grupo de pessoas que não se gostam, não confiam umas nas outras, não se respeitam, não cedem e não se retiram? Os grupos têm uma grande relevância na nossa vida, em todos os contextos, inclusive no mundo do trabalho, aspecto que chamaremos mais atenção nesta aula.
(5.6) Grupos: definição e classificação
163 O ser humano: construindo relacionamentos
lia, amigos, comunidades, trabalho), têm de nós. A partir daí,
Um grupo é definido pela interdependência e interação entre dois ou mais indivíduos que visam alcançar um determinado objetivo. Podem ser classificados como formais os grupos de uma organização que possuem atribuições, tarefas e metas a serem alcançadas; e como informais os caracterizados pela reunião de pessoas com outros interesses, como contato social. Podem ser classificados como primários os voltados para relacionamentos interpessoais diretos, como a família; e secundários, os orientados para tarefas e metas, como os grupos de trabalho. Um outro modo de classificar os grupos é através da duração da existência. Assim, eles poderão ser temporários ou permanentes. Os motivos para a formação de um grupo são muitos,
Psicologia e comportamento
164
como a amizade, a segurança, o reconhecimento, o poder, a solução de problemas, entre outros. O grupo é o elemento que completa a dinâmica de construção social da realidade, reproduz, realiza, reformula as regras e promove os valores. São atributos básicos do grupo: o status individual e do grupo, papéis, normas, coesão e pensamento grupal. O grupo é responsável pela produção dentro das organizações e pela singularidade, afirmam Bock, Furtado e Teixeira (2001). No campo da psicologia do século XX, sobre esse assunto, destacamos os estudos de Kurt Lewin (1890-1947), professor alemão refugiado do nazismo nos Estados Unidos, que considerava que o comportamento humano deve ser visto em sua totalidade. Segundo esse pesquisador, o comportamento humano é função tanto das características da pessoa quanto do meio em que a pessoa está inserida; por essa razão, deve ser levada em consideração a totalidade dos fatos coexistentes. No grupo, há uma interdepen-
dência entre as pessoas. Os processos que ocorrem no interior do grupo alteram a sua dinâmica e podem afetar, de modo singular, cada um. Os estudos de Lewin tiveram grande importância para as pesquisas na área da motivação social e da dinâmica dos grupos, pois os conceitos de grupo e campo social embasam as teorias e técnicas de trabalho de grupo, explicam Bock, Furtado e Teixeira (2001). Sobre isso, eles acrescentam que, quando um grupo se estabelece, os fenômenos grupais passam a atuar sobre as pessoas individualmente e sobre o grupo (o processo grupal). A coesão é condição necessária para a manutenção do grupo, através do cumprimento das regras que foram estabelecidas.
de um novo grupo, terá seu comportamento avaliado para verificação do grau de adesão. Os membros mais antigos já não sofrem esse tipo de avaliação e se, eventualmente, quebram alguma regra (que não seja muito importante), não são cobrados por isso. Ocorre que, no caso dos membros mais antigos, é conhecido o grau de aderência ao grupo e sabe-se que eles não jogam contra a manutenção do grupo. Esta certeza da fidelidade dos membros é o que chamamos de coesão grupal. Os grupos, de acordo com suas características, apresentam maior ou menor coesão grupal (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001, p. 221).
165 O ser humano: construindo relacionamentos
Quando alguém começa a participar
Depreendemos que um grupo tende a se dissolver se há um baixo grau de coesão grupal e que a coesão é um aspecto que influencia o relacionamento interpessoal e a produtividade.
Reflita: No ambiente organizacional, o que promovem os grupos muito coesos? Promovem mais sinergia e menos conflito? Um elevado nível de coesão grupal pode afetar o desempenho e a criatividade individual? A coesão diz respeito ao grau em que membros são atraídos entre si e motivados a permanecer como grupo, esclarece Robbins (2002). A coesão está relacionada com a pro-
Psicologia e comportamento
166
dutividade do grupo e depende das normas de desempenho estabelecidas:
Se essas normas forem de alto nível (por exemplo, excelência de resultados, trabalho de qualidade, cooperação de indivíduos de fora do grupo), um grupo coeso será mais produtivo do que um grupo menos coeso. Se a coesão for grande, com normas de desempenho fracas, a produtividade será baixa. Se a coesão for pequena e as normas, de alto nível, a produtividade será mais alta, mas menor do que um grupo coeso com as mesmas normas. Quando tanto a coesão como as normas de desempenho são fracas,
a produtividade fica entre baixa e moderada (ROBBINS, 2002, p. 231).
A atenção e o estímulo em relação à coesão do grupo são necessários e podem ser alcançados através de redução do tamanho do grupo, do aumento do tempo juntos, do prestígio social do grupo, entre outros. Silvia Lane (1984) revisou as teorias sobre os grupos e, ao tratar desse assunto, enfatiza o seu aspecto histórico e dialético. Os grupos existem em todas as instituições - família, escola, universidade, entre outras - e, na análise, é preciso estar atento ao tipo de inserção do grupo na instituição e a experiência histórica que se constrói através das relações, das contradições sociais que expressam e da articulação entre aspectos pessoais, características grupais, vivência subjetiva e a realidade objetiva. O grupo é uma estrutura social, um conjunto que não pode ser reduzido à soma dos seus membros através de relações de interdependência. As relações de poder e as práticas compartilhadas promovem a construção das identidades.
Veja o quadro Operários, de Tarsila do Amaral, disponível em http://www.tarsiladoamaral.com.br/index_frame.htm
Observe a imagem e responda: as pessoas serão necessariamente um grupo?
167 O ser humano: construindo relacionamentos
participação de cada membro. O grupo, para a autora, é uma
Albuquerque e Puente-Palacios (2004) esclarecem que, para lidar com pessoas, devemos compreender que o grupo é maior do que os indivíduos. Você concorda? Vamos analisar o que os autores explanam sobre essa questão: [...] o grupo é maior do que os indivíduos, embora por eles seja constituído. Possuir uma visão global ou sistêmica é o caminho mais adequado para conseguir estabelecer padrões de comportamento desejáveis em uma organização. Compreendendo que os grupos existem, que
Psicologia e comportamento
168
estabelecem normas de convivência e que essas normas podem ir a favor ou contra os objetivos organizacionais o administrador pode estabelecer suas próprias regras comportamentais para interagir de maneira adequada com os diversos grupos e assim lograr seus objetivos.
Embora possa parecer simples, gerenciar o comportamento humano é uma tarefa complexa. Os membros da organização reconhecem as diferenças entre os comportamentos socialmente sustentados pelo seu grupo e as cobranças feitas pela organização. Nessas circunstâncias, a comunicação constitui um elemento que favorece o adequado gerenciamento. Contudo, ela é benéfica
apenas à medida que as pessoas encarregadas de gerenciar indivíduos conhecem os grupos aos quais pertencem e também as regras que, nesses grupos, norteiam o comportamento (ALBUQUERQUE; PUENTE-PALACIOS, 2004, p. 360).
à complexidade de comportamentos que existe em qualquer organização aponta para a necessidade da comunicação, do diálogo e do silêncio, que implica saber falar, saber ouvir, comunicar-se face a face, não fingir que ouve, estar saber distinguir o momento oportuno da mensagem ser en-
169
viada, não gerar intrigas e procurar ser direto e simples (MI-
O ser humano: construindo relacionamentos
atento às expectativas, predileções e aos interesses do outro,
NICUCCI, 2007). Desse modo, o diálogo é um princípio e não pode ser reduzido a uma estratégia nas relações. Além dos processos analisados, vamos refletir sobre a liderança. O líder, explicam Albuquerque e Puente-Palacios (2004), é um fenômeno grupal, funcional, ele sintetiza as aspirações do grupo e existe de modo contextualizado, ou seja, em determinada circunstância e lugar histórico. Exercer a liderança significa estabelecer um processo interativo, estar centrado nos grupos, ser capaz de defender os interesses, correr riscos para cumprir metas e representar o poder instituído. Existem diferentes modos de ocupar as posições de liderança. Estas podem ocorrer de acordo com a oportunidade e por determinado tempo. Acrescentamos que nem sempre há valorização da cooperação, da competência e da interação nessas situações:
As pessoas são o ingrediente essencial das organizações. Se as pessoas, no seu conjunto, não mudam, as instituições não mudarão. As pessoas com liderança são as que ditam o ritmo das mudanças. Existem líderes que inspiram confiança e incentivam a participação; outros só impõem diretrizes e conseguem obter adesões superficiais. Em organizações autoritárias, há muito pouca comunicação real. Existem muitas mensagens vel. Muitos se limitam a obedecer e ofe-
Psicologia e comportamento
unidirecionais e feedback pouco confiá170
recer informações desejadas, esperadas, não as reais.
Por ter tido educação deficiente, principalmente no aspecto emocional, encontramos muitas pessoas mal resolvidas, que guardam rancor e esperam o momento de prejudicar alguém ou sabotar decisões tomadas. Elas conseguem atrasar significativamente o processo de mudança organizacional. Muitas delas estão mais atentas às críticas do que à cooperação, à sabotagem do que à colaboração. Funcionários mal resolvidos semeiam discórdia, divisão, mal-estar e pessimismo. Fomentam o ambiente de fofoca, de intrigas. Estabelecem redes
paralelas de informação, que corroem a confiança, geram incerteza e envenenam umas pessoas contra as outras.
Existem grupos de pessoas que não sabotam diretamente, mas adotam uma postura passiva e indiferente quanto às mudanças. São aquelas que resistem silenciosamente. Aparentemente colaboram, mas, sem um controle externo, pouco produzem. Infelizmente nossa educação valoriza mais a obediência do que a autonomia; a competição do que a colaprofissional. (MORAN, 2007, s.p.)
Compreendemos, dessa forma, que os grupos possuem as suas características, se organizam, se influenciam e tendem a se ajustar, porém, quanto mais coeso o grupo, maior será a resistência às mudanças no próprio grupo e mais poder ele exercerá sobre os demais. A discussão sobre liderança tem a contribuição dos estudos de Hersey e Blanchard (1986), que analisam que não existe um único estilo de liderança que é adequado a todas as situações. O que irá nortear o comportamento do líder com os liderados é a relação entre líder, liderados e a situação. Esse estudo sobre liderança situacional fundamenta-se na inter-relação entre a quantidade de orientação e direção que o líder oferece, estabelecendo objetivos, metas e definindo papéis; o apoio emocional dado pelo líder aos seus liderados - encora-
171 O ser humano: construindo relacionamentos
boração, e isso se reproduz no ambiente
jando, ouvindo, elogiando - e a maturidade dos subordinados no desempenho de uma tarefa. Sobre as relações de poder que existem, Albuquerque e Puente-Palacios (2004) analisam que é um fenômeno complexo presente nas interações, que pode ser considerado como força impulsionadora, provocadora de mudanças ou manutenção de comportamentos de pessoas, grupos, organizações.
Os elementos básicos do poder são os jogadores - pessoas pertencentes ou não à estrutura organizacional que tem
Psicologia e comportamento
172
a intenção de exercer influência nos resultados organizacionais - chamados influenciadores. Esses influenciadores usam meios e sistemas de influência autoridade, ideologia, especialidade ou perícia e política - para controlar as decisões nas organizações (PAZ; MARTINS; NEIVA, 2004, p. 386).
É necessário identificar as pessoas que exercem influência, ou seja, que utilizam o tempo, a habilidade política e a competência na dinâmica das organizações para alcançar as necessidades que desejam que sejam atendidas, pois o poder que possuem é capaz de afetar os resultados nas organizações. O poder é um componente importante em qualquer grupo ou organização. A psicologia social e a psicologia organizacional adotaram o poder como objeto de estudo, analisan-
do a dinâmica do poder nos níveis grupais e organizacionais. Muitos estudos contemplam a dimensão negativa do poder e o concebem como coerção, repressão, manipulação, dominação, etc. Os estudos da abordagem comportamental caracterizam o poder, descrevendo-o como imposição de vontade de uns sobre outros. Para a psicologia social, o poder está na tessitura das relações humanas, demarcando, delimitando territórios e produzindo sentidos e estratégias de enfrentamento e resistência. De acordo com Paz, Martins e Neiva (2004), a teoria do poder organizacional de Mintzberga2, caracterizada pelo enfoque sistêmico, contempla os níveis individual e coletivo, interno e externo, intra e entre grupos e caracteriza o poder afetar os resultados organizacionais. O poder organizacional é refletido nas configurações de poder, que sinalizam aos grupos e membros quais são os comportamentos típicos das organizações e as formas de funcionamento:
Autocracia
O poder é centralizado no mais alto chefe da organização que define as metas. Nas organizações pequenas, esse tipo de configuração é comum.
A teoria de Mintzberg resultou de pesquisa em organizações na sociedade ocidental sobre o poder dentro e em torno das organizações.
2
173 O ser humano: construindo relacionamentos
organizacional com dinamicidade, fluidez e capacidade de
Psicologia e comportamento
174
Instrumento
O poder se encontra fora da organização, que serve de instrumento para o alcance dos objetivos propostos pelo influenciador ou grupo de influenciadores dominantes. A hierarquia é rígida e o poder flui de fora para dentro.
Missionária
O poder é a própria ideologia organizacional. A dinâmica da organização é centrada em uma missão que domina toda a atividade organizacional. Há um comprometimento afetivo.
Meritocracia
O poder é dos especialistas que, com base nas habilidades e no conhecimento, influenciam fortemente a organização.
Sistema autônomo
O poder é da coalizão interna, de pessoas que vivem o cotidiano das organizações. Os influenciadores são os próprios membros da organização que, para exercerem controle interno, usam de padrões burocráticos e trabalham com um sistema de metas.
Arena política
O poder fica dividido numa organização em crise em que os influenciadores perseguem seus objetivos individuais.
Para os autores Paz, Martins e Neiva (2004), essas configurações de poder são as mais comuns, mas não são estanques, pois as organizações vivem processos de
transformação ou declínio. Reflita: O assédio sexual no local de trabalho é um aspecto importante para discussão, pois envolve poder e gênero. O assédio sexual é definido como ato de constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função (Art 216 A - Lei 10.224).
E o assédio moral? O assédio moral, que diz respeito à exposição das tratrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho ou no exercício de suas funções, também envolve uma intensa discussão sobre as relações de poder. A questão do poder, da liderança e da comunicação são aspectos importantes na discussão sobre a teoria dos grupos. Muitos outros autores, como Pichon-Rivière (1998), analisaram a estrutura e o funcionamento dos grupos através do conceito de Grupos Operativos, baseado na teoria do vínculo. O Vínculo, estrutura psíquica complexa, de caráter social, um dos princípios organizadores do grupo operativo, é importante para a compreensão do conceito, assim como a Tarefa, um outro princípio, que diz respeito ao modo pelo qual cada integrante do grupo interage a partir das suas necessidades. O grupo operativo configura-se como um modo de intervenção, organização e resolução de problemas grupais. Através dessa teoria, é possível avaliar determinado grupo durante a realização de tarefas concretas, e identificar o campo de fantasias e simbolismos presentes nas relações interpessoais.
175 O ser humano: construindo relacionamentos
balhadoras e trabalhadores a situações humilhantes, cons-
Moscovici (1998) esclarece que o relacionamento interpessoal harmonioso proporciona um trabalho cooperativo, mas essas condições resultam das competências interpessoais que se expressam no interjogo entre sentimentos, interações e atividades. As relações interpessoais e o clima de grupo influenciam-se reciprocamente. Sentimentos de simpatia e atração nas organizações ensejam mais produtividade, ao passo que sentimentos de rejeição tendem a afetar as interações, a comunicação e produzem queda na produtividade. Na teia de relacionamentos, não podemos deixar de tratar da dimensão ética que regula as relações e as ações, pois a ética é o conjunto de valores e a moral que conduzem a pessoa a tomar decisões. Vidal (1998), sobre esse assunto,
Psicologia e comportamento
176
esclarece que a ética nasce da pessoa e se refere à pessoa, pois somos pessoas quando estamos em relação, partilhando e exercendo uma escuta sensível do outro. Reflita: O que significa ética? Ela define um modo de comportar-se com o outro? É o mesmo que moral? E os valores morais? Qual é a sua importância neste estudo sobre as relações interpessoais?
Para tratarmos desses termos, seus significados e relações, precisaríamos de mais uma aula, mas é importante enfatizar que ambas refletem o nosso momento histórico, não provêm da natureza, e sim da disposição humana para a sociabilidade e para valores como justiça, honradez, integridade, generosidade e tantos outros que dizem respeito a nós
mesmos e às relações que mantemos com os outros. Na contemporaneidade, há uma redescoberta da ética, esclarece Passos (2007), pois há exigências de valores éticos e morais em todas as instâncias sociais. No momento em que a nossa sociedade passa por uma crise de valores, identificada pelo senso comum como falta de decoro, de respeito pelo outro, de limites e, também, pela dificuldade de internalizar as normas, leis e regras sociais, precisamos da ética, ciência que estuda o comportamento moral dos homens na sociedade, para compreender os valores que constituem a vida humana e que configuram os projetos de vida individuais ou coletivos. Portanto, é importante identificar as bases morais da nossa sociedade hoje, as características das relações humanas
Precisamos, então, encontrar meios para melhor conviver com as pessoas, quer seja na família, no trabalho, na comunidade. Para isso, torna-se necessário interrogar sempre: Que valores estão orientando a minha vida e minha prática profissional? Qual é o meu projeto de vida? Quais são os compromissos que assumi com o outro, com a sociedade? A preocupação com a dimensão humana, com a construção do projeto de vida compromissado com a sociedade significa preocupação com a dimensão ética, “pois se estabelece o respeito no lugar do desrespeito, a confiança em vez da desconfiança, o companheirismo e a solidariedade e não a competição cega e desenfreada” (PASSOS, 2007, p.124). Ainda, como explica a autora:
177 O ser humano: construindo relacionamentos
e a repercussão desses aspectos nas dimensões subjetivas.
As pessoas são chamadas e incentivadas a mostrarem suas preferências e suas competências, a reivindicarem e participarem, sem o receio de serem tomadas como impertinentes e criadoras de problemas. A ética assegura o respeito à diferença e a inclusão de todos e não somente dos que pensam e agem dentro da mesma tendência (PASSOS, 2007, p.124).
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A submissão às coisas e às exigências do mundo, para dar conta das ânsias de consumo e aquisição de bens, poderá ser rompida através da redefinição constante do papel social e da interrogação sobre a razão de ter que se submeter, aceitar uma condição. Saber escolher e construir espaços individuais e coletivos, em que o respeito seja ponderado e em que possamos participar fraternalmente de equipes de pessoas, implica reconhecer-me no outro. Enfim, podemos nos sentir convocados a criar redes mais envolventes, a aprender a partilhar, a ser sensível ao outro... São caminhos e compromissos de cada um. Fiquemos, agora, com o poema de Olavo Bilac, que selecionamos para terminar a nossa aula:
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-las, muita vez desperto E abro as janelas, pálido de espanto ... Direis agora: “Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo?” E eu vos direi: “Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas.” Fonte: BILAC, Olavo. Ora (direis) ouvir estrelas. Disponível em: http://www.jornaldepoesia. jor.br/bilac2.
Saudações afetuosas!
SÍntese Nesta aula, analisamos a importância das relações interpessoais nos grupos sociais e os elementos que interferem nessas relações. Discutimos os processos presentes nelas, como a comunicação, a liderança, entre outros.
questÃo para ReflexÃo Assista ao vídeo Indivíduo Coletivo, da série “Não é o que parece”, disponível em http://www.pol. org.br/publicacoes/video_ play _dvd05.cfm,
e
reflita
sobre o conteúdo estudado. Como
podemos
individual e o coletivo?
analisar
a
relação
entre
o
O ser humano: construindo relacionamentos
179
Leituras indicadas Para aprofundar os seus conhecimentos, leia o texto: CAMPOS, Vera Felicidade. A questão do ser, do si mesmo e do eu. Disponível em: <http://www.verafelicidade.com.br/ page13.html>. Acesso em: 01 ago.2012.
Sites Indicados Assista aos vídeos e reflita sobre o conteúdo estudado: Mesa redonda on-line Diálogos com a Psicologia
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Organizacional e do Trabalho - Evolução, desafios e novos rumos.
Assista ao debate disponível em: http://www.youtube.com/ watch?v=Aaw6GTT7jgc>. Acesso em: 15 ago.2012. Liderança: Profissão Impossível Como se constrói um líder? Ele é realmente necessário? Nem sempre foi assim. O que se espera, então? Qual o papel da liderança? E do liderado? Disponível em: <http://www.pol. org.br/publicacoes/video_play_dvd06.cfm>. Acesso em: 15 ago.2012. http://www.pol.org.br/pol/cms/pol/publicacoes/videos/ videos_020701_0052.html http://www.assediomoral.org/spip.php?article1
Referências ALBUQUERQUE, F. J.; PUENTE-PALACIOS, K.E. Grupos e equipes de trabalho nas organizações. In: ZANNELI, J. C.; BORGES-ANDRADE, J.; BASTOS, A. V. B. Psicologia, organizações e trabalho no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2004. BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. de L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. São Paulo: Saraiva, 2001. BRASIL. Lei nº 10.224, de 15 de maio de 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/LEIS_2001/L10224.
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O ser humano: construindo relacionamentos
183
(6)
A dinâmica das relações nos grupos e equipes de trabalho
Cláudia Vaz Torres
Olá! Analisamos, nas unidades passadas, os grupos, as relações interpessoais e os elementos que interferem nessas relações. Discutimos como nos constituímos como sujeitos, indivíduos singulares e com modos diversos e complexos de ser e estar no mundo. Compreendemos, também, que as inúmeras possibilidades de ser de cada um são construídas na interação com o outro e com o mundo. Nesta aula, ampliaremos a discussão sobre as dinâmicas dos relacionamentos que ocorrem nos grupos e nas equipes de trabalho. Mas, antes de discutirmos sobre isto, precisamos assistir ao vídeo: Trabalho em equipe: http://www.youtube.com/watch?v=oYmWPucPRTQ
E, então? A partir do que foi abordado, é possível interrogar:
Quais são as principais dificuldades para a realização de um trabalho em equipe? Qual é a diferença entre grupos e equipes de trabalho?
O desempenho é o mesmo? E as relações?
Um grupo de trabalho tem por objetivo compartilhar informações e tomar decisões sem, contudo, ter o engajamento de um trabalho coletivo. São pessoas que dão a sua contribuição individual, na área em que cada uma é responsável. A equipe de trabalho apresenta um esforço coletivo coordenado para o alcance de objetivos; uma responsabilidade compartilhada em torno de um projeto específico; certa autonomia para decidir e a efetividade da equipe é evidenciada a partir
Psicologia e comportamento
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do seu desempenho e produção.
Há situações de desigualdade em um grupo de trabalho?
Em um grupo de trabalho, podemos analisar a divisão sexual do trabalho que envolve a constatação da situação de desigualdade e a necessidade da reflexão sobre os processos que existem na sociedade, que fazem essas diferenciações para hierarquizar essas atividades e os gêneros. Helena Hirata e Daniele Kergoat (2007) analisam que a divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente de princípios (separação e hierárquico) que regem as relações sociais entre os sexos, que designam aos homens a realização de funções com maior valor social e às mulheres, a esfera reprodutiva. Muitos autores definem grupos e equipes de trabalho de modo divergente. Albuquerque e Puente-Palacios (2004, p. 370-371), a partir dos estudos de Gonzáles, Silva e Cornejo (1996), esclarecem que grupos e equipes de trabalho possuem estruturas de desempenho bem diferentes.
[...] as diferenças são claras, pois, enquanto os grupos se caracterizam por: a) ter um líder claramente designado por um elemento externo perante o qual responde pelo grupo; b) trabalhar em prol do objetivo da organização; c) enfatizar, em aspectos individuais para o desempenho, definição de responsabilidades e estabelecimento de recompena partir da influência que exercem sobre outros membros ou grupos da organização, as equipes se caracterizam por: a) compartilhar as responsabilidades que não recaem apenas sobre o líder; b) trabalhar em prol de um projeto específico e próprio; c) enfatizar no esforço conjunto tanto para o desempenho como para recompensas e responsabilidades; d) ter a sua efetividade evidenciada a partir dos produtos da equipe.
O comprometimento e a dinâmica das relações são diferentes nas equipes de trabalho, por conta do interesse nos resultados. As mudanças nas estruturas organizacionais que abandonaram um padrão de verticalização para a formação de equipes com mais autonomia e flexibilidade estão de acordo com o momento histórico e social de consolidação do capitalismo, do consumo, da competitividade e da necessidade de fle-
189 A dinâmica das relações nos grupos e equipes de trabalho
sas; d) ter a sua efetividade evidenciada
xibilização do processo produtivo nas diversas organizações. É importante considerar, conforme apontam analistas como Segnini (2000), que, no contexto atual, a força de trabalho está fragilizada pela flexibilização das estruturas produtivas, das formas de organização do trabalho, por meio do emprego/desemprego. Com a ampliação das novas tecnologias apoiadas na automação e informática, as mudanças estruturais na sociedade e no mercado de trabalho (altas taxas de desemprego, precariedade das formas de ocupação, flexibilização da força de trabalho evidenciada nos contratos (avanços nos processos de escolarização) e a formação pro-
Psicologia e comportamento
de tempo parcial, subcontratação, terceirização), a educação 190
fissional são considerados aspectos necessários para adaptar os trabalhadores às mudanças relacionais, técnicas e sociais. Acrescentamos que o contexto, os recursos, a estrutura, a liderança, o clima de confiança, o sistema de avaliação de desempenho, as recompensas, as habilidades dos integrantes para a solução de problemas, tomadas de decisões e relacionamento interpessoal, são aspectos a serem observados antes da formação de uma equipe. Depreendemos que as mudanças numa organização, tornando-as mais horizontalizadas, proporcionam desafios como saber e ter autonomia para decidir, lidar com a informação rápida e com o poder implicado nas relações. A confiança que resulta do estabelecimento dessas relações numa equipe de trabalho torna as pessoas mais comprometidas, criativas e capazes de atuar em um ambiente dinâmico.
Reflita sobre o trecho da música da Legião Urbana: Sem trabalho eu não sou nada Não tenho dignidade Não sinto o meu valor Não tenho identidade Mas o que eu tenho É só um emprego
(6.1) C lassificação das equipes Há uma diversidade de classificação de equipes, entretanto, analisaremos a classificação adotada por Albuquerque e Puente-Palacios (2004). Para os autores, as equipes podem ser classificadas a partir do tempo de duração, natureza da atividade, organização dos elementos (objetivos, pessoas, tecnologias, formas de desempenho), finalidades, etc.
Por tempo de duração Permanentes - realização de tarefas permanentemente. Temporárias - realização de uma tarefa específica, por tempo determinado. Pela natureza do trabalho Equipes de trabalho - execução de tarefas. Equipes de desenvolvimento - incrementação da efeti-
A dinâmica das relações nos grupos e equipes de trabalho
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vidade dos processos organizacionais. Pela organização dos elementos e finalidades Grupos força-tarefa - priorização de um objetivo a ser alcançado Equipes - valorização dos indivíduos e as relações interpessoais estabelecidas. Ex.: time de futebol Tripulação - valorização do objetivo e da tecnologia. Ex.: tripulação de um avião. Robbins (2002) adota um outro modo para classificar as equipes, a saber:
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Pessoas trocam ideias, oferecem sugestões sobre processos e métodos de trabalho. Raramente a equipe tem autoridade para implementação de ideias.
Equipes de solução de problemas
Na década de 80, os Círculos de Qualidade formados por pequenos grupos de funcionários de uma organização, que se reuniam durante determinados períodos do trabalho para identificar, analisar e debater formas de melhorar a qualidade, a produtividade, reduzir custos, reduzir acidentes de trabalho, etc., eram exemplos de equipes de solução de problemas.
Equipes multifuncionais
São formadas por pessoas de nível hierárquico equivalente nas diferentes áreas de uma organização, que desenvolvem ideias, sugestões, solucionam problemas e coordenam projetos complexos.
Equipes virtuais
São pessoas que compartilham informações, tomam decisões, realizam tarefas on-line, utilizando meios de comunicação como redes internas ou externas, videoconferência, entre outros.
Para refletir: Imagine situações que representem as equipes estudadas. O que supera o individualismo nas equipes de trabalho? Quais são as dificuldades enfrentadas por pessoas de nível hierárquico equivalente, áreas e habilidades diferentes na solução de problemas de uma organização? Como conciliar as vaidades dos membros de uma equipe com os objetivos da organização?
Períodos de turbulência diante de situações complexas
193 A dinâmica das relações nos grupos e equipes de trabalho
Equipes de trabalho autogerenciadas
São grupos de funcionários que têm responsabilidade pela administração do seu trabalho e desenvolvimento de carreira, realizam trabalhos muito relacionados ou interdependentes e avaliam os desempenhos uns dos outros.
e falta de confiança fazem parte do processo de desenvolvimento de uma equipe, em que pessoas possuem diferentes experiências, histórias e perspectivas. As equipes de trabalho passam por diferentes fases, que vão desde a formação até o favorecimento do desempenho de tarefas. Sobre isso, esclarecem Albuquerque e Puente-Palacios (2004, p. 372):
Essas fases não são uma peculiaridade das equipes de trabalho. São fases do desenvolvimento na vida dos grupos,
194 Psicologia e comportamento
e, como as equipes constituem um tipo específico de grupo, passam também por elas. De maneira adicional, cabe destacar que nem todas essas etapas são seqüências e pode ocorrer de voltar de uma etapa para a anterior antes de ir para a seguinte. Isso pode ser conseqüência de mudanças ou pressões vindas do meio externo. Também é possível que uma equipe nunca atinja o estágio final ou até faça o possível para não atingi-lo.
Algumas fases do desenvolvimento das equipes podem ser identificadas, tornando mais fácil o reconhecimento de que as experiências e situações vivenciadas fazem parte de um processo de crescimento que, às vezes, precisam de uma intervenção direta. Sabemos que trabalhar em equipe envolve desafios,
principalmente quando estamos realizando um trabalho em um ambiente altamente competitivo. Robbins (2002, p. 261) acrescenta que: Para ter um bom desempenho como membro de uma equipe, a pessoa precisa ser capaz de se comunicar aberta e honestamente, confrontar diferenças e resolver conflitos, bem como sublimar suas metas pessoais, para o bem do grupo.
Para o autor, algumas pessoas possuem habilidades interpessoais que facilitam a realização de trabalho em equipe; outras, habituadas a contribuir e a serem reconhecidas pelo seu trabalho e desempenho individual, encontram dificuldade para se perceberem como parte de uma equipe em que o reconhecimento por um desempenho satisfatório é compartilhado por todos e não apenas um. [...] a implantação da equipe de trabalho exige do indivíduo habilidades diferentes daquelas exigidas para realizar o trabalho sozinho. Ao trabalhar em equipe, facilmente pode-se perder o controle sobre a evolução do trabalho, os avanços tidos ou os problemas enfrentados, pois não depende mais do que um indivíduo faz ou deixa de fazer, depende agora do esforço conjunto. (ALBUQUERQUE; PUENTE-PALACIOS, 2004, p. 377)
A dinâmica das relações nos grupos e equipes de trabalho
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Depreendemos, com a citação, que algumas habilidades são imprescindíveis para o trabalho em equipe.
Reflita: Como desenvolver habilidades de resolução de problemas, comunicação, manejo de conflitos, gerenciamento, etc.?
É possível desenvolver habilidades de resolução de
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problemas, comunicação, manejo de conflitos, gerenciamento, etc., embora envolva um exercício de paciência e um eficiente sistema de recompensas individuais e coletivas, acompanhado de uma boa comunicação entre as pessoas que fazem parte de uma equipe e de uma disponibilização adequada pela organização das informações que são necessárias para a análise da relação entre esforço, desempenho e resultados. Alguns funcionários possuem excelentes habilidades interpessoais, mas outros precisam de treinamento para melhorá-las. Isso inclui aprender a ouvir, a comunicar as ideias de maneira mais clara e a ser um membro mais eficaz na equipe (ROBBINS, 2002, p. 469).
Além das habilidades interpessoais e habilidades técnicas, é também possível desenvolver o raciocínio e a habilidade de identificação de problemas, de levantamento das causas, alternativas e soluções para ampliar a efetividade de uma equipe.
Acrescentamos que não existem procedimentos únicos para o alcance dos objetivos nas equipes, é preciso sempre uma atenção ao contexto, aos recursos disponíveis, ao tempo, à seleção dos membros, aos mecanismos que favorecem o desempenho, entre outros. Assim, na construção de uma equipe, é importante analisar os processos que ocorrem, determinar como o trabalho vem sendo realizado, analisar os papéis de cada um, a percepção que as pessoas têm em relação aos outros, os estereótipos e os conflitos. Depois da formação de uma equipe, é traçado, pelos sabilidade, comprometimento e autonomia de cada um. Sen-
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do assim, o comprometimento de todos com um propósito
A dinâmica das relações nos grupos e equipes de trabalho
integrantes, um projeto de trabalho que possibilitará respon-
comum, o estabelecimento de metas específicas, a identificação dos níveis de conflito e a contribuição com a formação de pessoas como membro de uma equipe são pontos que precisam ser destacados.
Síntese Nesta aula, discutimos as dinâmicas dos relacionamentos que ocorrem nos grupos e nas equipes de trabalho. Na próxima aula, refletiremos sobre a importância das emoções e dos afetos no cotidiano do trabalho.
questÃo para reflexÃo Como preparar pessoas para serem membros de uma equipe?
Leitura indicada ROBBINS, S. P. Comportamento organizacional. São Paulo: Prentice Hall, 2002.
Sites Indicados http://www.rh.com.br/ler.php?cod=4539 http://www.catho.com.br/estilorh/index.phtml?combo_ ed=95&secao=200
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ROBBINS, S. P. Comportamento organizacional. São Paulo: Prentice Hall, 2002. SEGNINI, L. Educação e trabalho: uma relação tão necessária quanto insuficiente. Disponível em: http://www.scielo.br/ pdf/spp/v14n2/9791.pdf Acesso em: 28 ago. 2012.
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E moções, sentimentos e afetos: delimitações conceituais e repercussões no cotidiano do trabalho
Socorro, alguém me dê um coração, Que esse já não bate nem apanha Por favor, uma emoção pequena, Qualquer coisa Qualquer coisa que se sinta, Tem tantos sentimentos, deve ter algum que sirva Arnaldo Antunes
Cláudia Vaz Torres
Olá! Nesta unidade, iremos refletir sobre a importância das emoções, sentimentos e afetos na composição da nossa dimensão subjetiva, e discutiremos sobre a importância das emoções e afetos no cotidiano do trabalho.
Você conhece bem as suas emoções? Os afetos determinam o nosso comportamento? Quais afetos acompanham seus pensamentos e fantasias?
Como conciliar as diferentes emoções com as obrigações do trabalho? O que controla a sua emoção? É a cognição? Qual a importância da cognição no estudo sobre as emoções?
Todos os nossos campos de estudo, trabalho, lazer, etc. são extremamente ricos em objetos, pessoas e situações que despertam reações afetivas, cognitivas e comportamentais. Falamos, então, em afeto, emoção, sentimento; mas, antes de respondermos as perguntas feitas anteriormente, faz-se importante compreender o significado de cada termo. Até o século XIX, os termos emoção e sentimento eram utilizados de modo indiscriminado. Atualmente, distinguimos
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204
esses termos de modo mais preciso. A emoção diz respeito a um estado agudo e transitório e o sentimento é um estado mais atenuado e durável, esclarece Bock, Furtado e Teixeira (1993). Gondim e Siqueira (2004) aprofundam a compreensão e esclarecem que não há consenso em relação às definições das diversas manifestações afetivas. Os autores resumem, da seguinte forma, os estados afetivo-emocionais, que incluem as emoções e afetos:
Na maior parte das definições há forte associação das emoções com alterações fisiológicas e corporais desencadeadas por estímulos internos ou externos que parecem não estar sob total controle consciente da pessoa. Os afetos abarcariam os sentimentos, os humores e os temperamentos, que teriam em comum sua maior persistência no tempo e sua relação com aspectos cognitivos. Os sentimentos não estariam relacionados à prontidão da ação tanto quanto as emoções, mas à interpretação subjetiva
da situação que pela persistência do objeto na memória faria perdurar o afeto em relação a ele. O humor também seria um estado afetivo mais duradouro, mas não estaria relacionado especificamente a um objeto, repercutindo de modo significativo na maneira como a pessoa agiria em vários contextos de interação seu estado afetivo. O temperamento, por sua vez, seria a manifestação de um estado afetivo individual persistente no tempo, pouco passível de modificação por fatores circunstanciais e que estaria incorporado nas características subjetivas de cada pessoa. (GONDIM; SIQUEIRA, 2004, p. 211)
Assim, depreendemos que os afetos estão presentes na vida da pessoa, constituem a nossa dimensão subjetiva e marcam a nossa relação com o outro. Porém, definir os estados afetivos tem criado divergências teóricas no que diz respeito à ênfase em determinados aspectos, como a influência da cultura na expressão das emoções e afetos. Henry Wallon, um importante teórico da Psicologia, destacou as manifestações da vida afetiva, como as emoções, os sentimentos e os desejos nos seus estudos sobre o desenvolvimento da pessoa humana, numa perspectiva integrada. Para o autor, somos pessoas completas em que o afeto, a cognição e o movimento são interdependentes e participam das nossas relações. Na análise walloniana, a afetividade é um
205 Emoções, sentimentos e afetos: delimitações conceituais e repercussões no cotidiamo do trabalho
durante o período de permanência de
conceito mais abrangente no qual se inserem manifestações ou expressões, como a emoção. A emoção, para o autor, é uma atividade eminentemente social, que se nutre do efeito que causa no outro. As emoções possuem características específicas que as distinguem de outras manifestações da afetividade. São sempre acompanhadas de alterações orgânicas, como acele-
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ração dos batimentos cardíacos, mudanças no ritmo da respiração, dificuldades na digestão, secura na boca. Além dessas variações no funcionamento neurovegetativo, perceptíveis para quem as vivem, as emoções provocam alterações na mímica facial, na postura, na forma como são executados os gestos. Acompanham-se de modificações visíveis do exterior, expressivas, que são responsáveis por seu caráter altamente contagioso e por seu poder mobilizador do meio humano.
No bebê, os estados afetivos são, invariavelmente, vividos como sensações corporais, e expressos sob a forma de emoções. Com a aquisição da linguagem diversificam-se e ampliam-se os motivos dos estados afetivos, bem como os recursos para sua expressão. Tornam-se possíveis manifestações afetivas como os sentimentos, que, diferente das emoções, não implicam obrigatoriamente em alterações corporais visíveis (GALVÂO, 2003, p. 61-62).
A análise walloniana sobre a emoção traz importantes elementos para que possamos compreender melhor o comportamento emocional, as situações de conflitos, as crises e identificar os fatores que provocam os conflitos, os posicionamentos das diferentes pessoas que acirram a crise, as nossas próprias reações e o que reduz a temperatura emocional. O exemplo, a seguir, ilustra essa ideia:
Confusão começou com discussão entre duas meninas; em outra oportunidade, teriam tentado pôr fogo no colégio “Porrada, porrada, porrada.” Foi em meio a esses gritos que os alunos da Escola Estadual Amadeu Amaral, no Belém, zona leste de São Paulo, começaram a depredar o colégio, por volta das 9h40 de ontem. Pedras e carteiras foram arremessadas nos vidros, portas arrombadas, tapas e socos fizeram os professores, acuados, se trancarem dentro de uma sala. A “rebelião” só terminou por volta das 12 horas com a entrada da Polícia Militar, acionada por vizinhos e funcionários da unidade. Em meio à correria, adolescentes de 5ª a 8ª séries choravam e gritavam e a diretora da escola desmaiou, segundo testemunhas. U., uma aluna de 15 anos que teria sido pivô da confusão, ficou levemente ferida.
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[...] Um professor, que pediu para não ser identificado, afirma que desde o início do ano os alunos têm quebrado janelas e até tentaram botar fogo na escola na segunda-feira passada [...] (REHDER, 2008, s.p.)
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Esse fato, ocorrido numa sala de aula, é apenas uma das situações que acontecem em muitas outras escolas do país, mas que reflete uma situação de tensão emocional, em que professores e alunos convivem com agressões verbais e físicas no ambiente escolar.
Reflita: Como enxergar e lidar com essa situação de modo mais objetivo? Por que os grupos apresentam um espaço propício para manifestações emocionais coletivas?
Para Wallon, as emoções têm um poder de contágio e propiciam relações interindividuais nas quais se diluem os contornos da dimensão subjetiva de cada um. O poder contagioso e coletivo da emoção tem uma importância decisiva na coesão do grupo social, pois estabelece uma comunhão imediata, esclarece Galvão (2003).
Vamos assistir ao vídeo do Pink Floyd - The Wall: http://www.youtube. com/watch?v=HxsexRjNcb4 e refletir sobre o conteúdo da nossa aula: Como analisou as manifestações das emoções?
A partir do vídeo, podemos depreender que a apologia à disciplina, o adestramento, a racionalidade e a tendas emoções, podem provocar uma explosão de emoções que resulta em ações negativas. Nas revistas semanais ou em jornais, podemos encontrar relatos de experiências que evidenciam os benefícios das expressões das emoções na vida pessoal e profissional, e os danos que podem advir quando guardamos tudo para nós mesmos por conta da dificuldade em expressar as angústias, o medo, a raiva, etc., ou pelo receio de ser considerado frágil, imaturo, passional, etc. diante de uma repentina manifestação de emoções. Embora exista o preconceito com relação à livre expressão das emoções, é importante enfatizar que as emoções permitem a comunicação interpessoal, a manutenção das relações, a interação social e a preparação para a ação diante de situações importantes para a nossa sobrevivência. Acrescentamos, porém, que nas pesquisas em Psicologia existem muitas divergências teóricas, uma delas em consequência da função que a emoção cumpre na vida da pessoa. As discordâncias com relação à ênfase nas funções biológica, psicológica ou social da emoção não são únicas, pois existem outros focos de divergência. Quanto à compreensão
209 Emoções, sentimentos e afetos: delimitações conceituais e repercussões no cotidiamo do trabalho
tativa de suprimir os impulsos, impedindo a manifestação
de como ocorre o processo emocional e o nível de consciência da resposta emocional, esclarecem Gondim e Siqueira (2004). As abordagens biológicas defendem que:
O cérebro, ao detectar subliminarmente por meio de algum mediador um
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determinado estimulo, desencadeia reações fisiológicas, tais como aumento dos batimentos cardíacos, sudorese e sensação de calor, que ao se tornarem conscientes fariam com que a pessoa procurasse interpretar o evento atribuindo estados afetivos: medo, tristeza, alegria, etc. (GONDIM; SIQUEIRA, 2004, p. 212).
A abordagem cognitiva incorporou alguns aspectos das teorias de origem biológica, mas enfatizou a emoção e o afeto como manifestações culturais que dependem dos contextos sociais. Nessa perspectiva, a excitação biológica, como as mudanças na frequência cardíaca, na respiração e na pressão sanguínea, é importante, mas é preciso analisar o modo como a nossa interpretação da situação influencia as nossas emoções, em termos de como percebemos o seu efeito no nosso bem-estar ou em nossos objetivos. Nessa abordagem, Glassman e Hadad (2008) esclarecem:
[...] as emoções atualmente desempenham um papel muito mais matizado em nossas vidas, em grande parte graças à influencia dos processos cognitivos. Através da interpretação perceptual e da memória das experiências passadas, avaliamos as situações para sentir não apenas medo ou prazer, e vergonha. Como acontece com muitos fenômenos, o entendimento final da emoção pode envolver uma interação complexa de diferentes fatores - e os processos cognitivos certamente serão um fator. (GLASSMAN; HADAD, 2008, p. 222)
Assim, compreendemos que o modo como interpretamos o contexto tem um importante papel nas emoções e que essas diferenças estão muito baseadas na aprendizagem, através das interações que ocorrem na cultura. Outras abordagens como a filosófica, comportamental e clínica adotam premissas específicas para a compreensão das emoções e afetos: - Abordagem filosófica - este tema é tratado desde a Antiguidade. Nesta abordagem, os filósofos partem da premissa de que o afeto implica uma ação sofrida e que a emoção está na base da formação moral. - Abordagem comportamental – baseada no estudo de eventos observáveis, enfatiza os fatores externos no desenca-
211 Emoções, sentimentos e afetos: delimitações conceituais e repercussões no cotidiamo do trabalho
mas também amor e tristeza, orgulho
deamento das emoções. Para esta abordagem, as emoções são condicionadas. Glassman e Hadad (2008) citam, como exemplo: Um bebê recém-nascido pode instintivamente responder ao contato com o corpo da mãe, mas, mais tarde, essa resposta agradável torna-se associada ao rosto da mãe e, mais tarde ainda, a ob-
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jetos da casa e, talvez, mesmo a própria casa. Os indivíduos que experimentam prazer ao escutar uma velha canção favorita experimentam emoções que se tornaram associadas ao estimulo condicionado da música. Mesmo quando vamos ao cinema, o condicionamento está envolvido (provavelmente através de um processo de ordem mais elevada em nossas reações aos heróis, aos vilões e a várias situações intrigantes). (GLASSMAN; HADAD, 2008, p. 138)
Os teóricos desta abordagem acreditam que a aprendizagem é o principal fator para explicar as mudanças de comportamentos e, dependendo do tipo de resposta, isso envolve o condicionamento clássico, que destaca que os estímulos condicionados vão eliciar respostas condicionadas, ou o condicionamento operante, que enfatiza a possibilidade de uma resposta voluntária mudar em função das consequências ambientais. O condicionamento clássico e o condicionamento operante estão inter-relacionados no nosso comportamento, mas esta abordagem postula que a aplicação do condiciona-
mento operante ao comportamento cotidiano consiste na modificação do comportamento. De qualquer modo, assim como os pensamentos, os sentimentos e os outros estados mentais internos não podem ser estudados empiricamente, portanto, não têm lugar nesta abordagem. - Abordagem clínica – aborda as emoções como pertura atenção nos processos psicopatológicos. O conceito abrange uma intricada rede de outros conceitos, como angústia e pulsão. O afeto é um estado emocional permanente e intenso, que inclui toda a variedade de sentimentos e que estão presentes ao longo da nossa vida.
Leia um trecho do texto “O afeto no tempo” de Corrêa (2005). Disponível em: http://www.cbp.org.br/rev2806.htm
A partir deste ponto Lacan propõe reconsiderar outros textos de Freud sobre o afeto. A separação entre representação e quantidade (quantum) e a separação entre o intelectual e o afetivo criam dificuldades no seu entendimento. Lacan nos diz então que “algo no afeto é verdadeiro como um signo, quer dizer, ele é imediatamente compreensível” Laurent (1986). O afeto seria uma relação, um acesso direto ao verdadeiro independente da cultura, da época ou da
213 Emoções, sentimentos e afetos: delimitações conceituais e repercussões no cotidiamo do trabalho
bações decorrentes da dinâmica psíquica inconsciente, centra
língua. Existe sua expressão como as lágrimas na tristeza, o riso na alegria, embora esse riso possa também, em determinadas circunstâncias, expressar ferocidade, como é o caso dos chineses.
O ponto de partida para a compreensão do afeto pela psicanálise tem sido sem-
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pre a manifestação histérica. Em 1915 Freud disse que o afeto é um ataque histérico codificado, estabelecido e fixado na espécie. Daí possivelmente Lacan ter considerado o afeto como uma estrutura de ficção, como no sintoma histérico. Dito de outro modo, o sujeito histérico sabe que o afeto mais verdadeiro é faz-de-conta, é semblante. Esta questão coloca o próprio sujeito frente à suspeição sobre a verdade e não-verdade do próprio afeto. No seu conflito, é comum o histérico declarar as dúvidas sobre a autenticidade ou veracidade de seus afetos e até de suas paixões.
Em Televisão, Lacan (1973) ensina também que o afeto não é verdadeiro, ele é aquilo que deve ser verificado. Na experiência analítica precisamos fazer com que o afeto seja tomado como verdadeiro, isto é, explorar aquilo que no afeto tem a ver com o inconsciente. Mas, precisamos saber até que ponto
um afeto procede do inconsciente. Para Lacan o afeto não é sentimento, como a angústia. Não sendo um sentimento é uma paixão, ou como está dito mais claramente: “o afeto é uma paixão da alma”, reforçando a diferença entre afeto e paixão.
ser decifrado, compreendido e interpretado, o afeto não é sentimento, como podemos compreender a angústia. Não sendo um sentimento, é uma paixão; ou como explica: o afeto é vivenciado como uma paixão da alma. Tal definição explica a diferença entre afeto e paixão. Nesta direção, compreendemos que o afeto permeia a nossa condição humana e pode ser percebido no nosso modo tão singular de expressar a nossa divisão, o nosso desassossego, a nossa falta, tudo que nos move e nos torna sujeitos desejantes. E no trabalho, como as emoções são vivenciadas? O trabalho, além de viabilizar a construção de um lugar singular para mulheres e homens, repercute também na subjetividade, à medida que dá origem a novas referências e atitudes frente à realidade. Na psicanálise, Freud (1930), no texto O Mal-Estar na Civilização, revela que um dos aspectos que parece melhor caracterizar a civilização é a estima e o incentivo à atividade. Quando o homem descobriu que estava em suas mãos melhorar a sua sorte na terra e dominar a natureza através do trabalho, um outro homem que trabalhasse com ele ou contra ele
215 Emoções, sentimentos e afetos: delimitações conceituais e repercussões no cotidiamo do trabalho
Lacan (1973) nos diz, então, que o afeto traz algo para
passou a não ser mais indiferente, passou a ser um auxiliar na garantia de melhores condições de vida. “Esse outro homem adquiriu para ele o valor de um companheiro de trabalho, com quem era útil conviver.” (FREUD, 1930, p. 119). Desse modo, através das atividades humanas, há um deslocamento de grande quantidade de componentes libidinais, agressivos e eróticos para a utilidade, obtenção de prazer e substituição do poder do indivíduo em prol de uma comunidade.
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Sabemos que, principalmente no contexto de trabalho, os aspectos afetivos sempre foram desconsiderados em prol da objetividade, da previsibilidade, da estabilidade e do controle. Pensar um espaço em que exista a espontaneidade, a impulsividade e a expressão de emoções tem sido possível nos dias de hoje, por conta da valorização da afetividade e da sua importância nas análises sobre motivação e satisfação no trabalho. Tornou-se um imperativo, na contemporaneidade, conhecer mais sobre as pessoas e os seus processos psicológicos. A nossa realidade, alicerçada nas bases aparentemente ilusórias da cultura do espetáculo e da visibilidade, exercem uma pressão, como esclarece Sibilia (2008) sobre as subjetividades, para que estas se projetem de acordo com os novos códigos e regras. Mas, as pessoas não mudam facilmente para se tornarem compatíveis com as engrenagens da cultura organizacional. Precisamos, então, sempre considerar que a prescrição de papéis, que cada pessoa inserida num contexto organizacional irá exercer, auxilia na lógica da racionalidade que prevalece nesses ambientes e que define o que, como e quando fazer, mas não assegura que as ações realizadas pelas pessoas serão bem feitas e bem-sucedidas. Isso ocorre porque as pessoas vivem um turbilhão de emoções construídas nas suas relações familiares, comunitárias, de lazer, trabalho, etc. e to-
dos esses processos repercutem no seu fazer diário. Por isso, para analisarmos as repercussões das emoções, sentimentos e afetos no mundo do trabalho, importa refletir, inicialmente, sobre a relação entre cognição e afeto. A psicologia possui diferentes abordagens teóricas, uma delas é a cognitivista. Esta abordagem prioriza todos os processos envolvidos no conhecer (BASTOS, 2004). A atividade de conhecer inclui, de acordo com o autor, construção, orcessamento, armazenamento e recuperação de informações e que envolve o raciocínio, julgamentos, afirmações, atribuições e interpretações. A cognição, então, não deve ser traduzida apenas como atividade racional, intelectual e consciente. As abordagens cognitivistas têm um importante papel na análise da complexa relação entre contexto de trabalho e comportamento do trabalhador. Para Bastos (2004), a importância que vêm assumindo as variáveis cognitivas nos estudos sobre as organizações deve-se ao reconhecimento de que a natureza do ambiente ao qual o indivíduo responde é construída nos seus processos de interação social. Pesquisador da Universidade Federal da Bahia, Antonio Virgilio Bittencourt Bastos conduz um conjunto de pesquisas sobre cognição e organização. Ele esclarece que a ênfase nos processos cognitivos, ou no entendimento do que as organizações são, e os processos nelas envolvidos, não devem nos levar a uma visão simplista das complexas relações que unem a cognição humana e os processos constitutivos das organizações de trabalho, pois não existem relações simples e lineares, como também não há uma tecnologia cognitiva efetiva que ajude a lidar com os problemas organizacionais. Não há, então, como fixar modelos ou adotar ma-
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ganização e uso de conhecimento; algo que vai além do pro-
nuais sobre como gerenciar cognições individuais e coletivas. Analisar em profundidade a cognição humana é um importante aspecto para a compreensão de vários fenômenos. Sobre esses fenômenos, Bastos (2004) esclarece:
Estes, vão desde as percepções indivi-
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duais sobre eventos, passam pelas interações e seus conflitos no interior de díades e pequenos grupos de trabalho, pelas cognições e decisões das pessoas com poder gerencial de moldar regras e estruturas, e chegam até aos processos pelos quais o ambiente é percebido e interpretado e como tais percepções influem na formulação de planos, projetos e políticas, tidos como necessários para a sobrevivência e melhoria das organizações. (BASTOS, 2004, p. 203)
Compreendemos, com o autor, que os estudos sobre a cognição humana possibilitam a compreensão sobre as percepções individuais, as interações, os conflitos, as lideranças, as relações de poder, as retaliações, etc. Os avanços nesse campo de estudo destacam que as pessoas são ativas na construção da sua realidade, interpretam o seu mundo, interagem, e não podem ser manejadas no ambiente organizacional na mesma lógica que os recursos materiais o são. A cognição e a emoção são processos imbricados e in-
separáveis no contexto de uma organização e em todos os outros em que estejam presentes as ações humanas. A abordagem da cognição e do papel das emoções no campo dos estudos organizacionais ampliou o debate sobre as pessoas, os seus processos psicológicos e rompeu com a ideia da ênfase na racionalidade, no ambiente de trabalho. Esses estudos promovem a compreensão do modo como o ambiente externo repercute nas manifestações afetilizar, ajustar a expressão das emoções a diferentes situações sociais. Algumas emoções devem ser inibidas para garantir o bem-estar coletivo.
Você concorda que as emoções devem ser inibidas? Quais manifestações afetivas devem ser inibidas? E a inveja, a raiva e o ciúme? E, ainda, a hostilidade, a atitude de retaliação, a insegurança? Como devem ser consideradas as manifestações afetivas no ambiente de trabalho? É possível um trabalho emocional para compreender e redirecionar essas manifestações? É possível padronizar a expressão das emoções no ambiente de trabalho para que todos demonstrem alegria e satisfação?
Vamos analisar, então, as emoções a partir da HQ “Conveniências emocionais”, de campos de estudo e pesquisa sobre o assunto:
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vas e como há uma tentativa constante de neutralizar, norma-
“Conveniências emocionais” de Vinicius Mitchel disponível em oglobo. globo.com/blogs/gibizada/default.asp?a...
A HQ “Conveniências emocionais”, as questões anteriores e tantas outras questões são de interesse de estudiosos que discutem a afetividade no contexto do trabalho. As investigações sobre as condições de trabalho (físicas, temporais,
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sociais) e sua relação com a afetividade do trabalhador podem ser encontradas em estudos realizados na primeira metade do século XX. Nesses estudos, em que é apontada a visão mecanicista, há o esclarecimento de que o homem é avesso ao trabalho e o realiza com desagrado, tendo como incentivos, o dinheiro e o medo do desemprego. Para aqueles que não concordavam com a visão mecanicista, uma configuração adequada do ambiente de trabalho poderia tornar as pessoas mais felizes, produtivas e assíduas no trabalho e contribuir com o bem-estar físico e emocional de todos os envolvidos (GONDIM; SIQUEIRA, 2004) Nesse campo de investigação, alguns pesquisadores têm profundo interesse em conhecer como agem as pessoas emocionalmente inteligentes e como é possível aprender a controlar as emoções (GOLEMAN, 1995). Goleman (1995) analisou as habilidades que as pessoas emocionalmente inteligentes possuem - como autoconsciência, automotivação, autocontrole, empatia e sociabilidade - e reconheceu que essas habilidades são importantes na solução de problemas, na regulação de ações em diversos contextos, no conhecimento de si (inteligência intrapessoal) e na interação satisfatória com os outros. Saber lidar com emoções implica saber identificar o impacto
das emoções no ambiente de lazer, familiar e de trabalho e tomar a iniciativa para saber responder às emoções conflitantes das pessoas de modo construtivo.
Para saber mais sobre a inteligência emocional, leia a entrevista de Daniel Goleman no endereço que está disponível a seguir:
(7.1) A afetividade no contexto de trabalho Vamos iniciar nossa reflexão sobre o tema, através da leitura do texto, a seguir:
Emoções e manifestações afetivas discretas no trabalho
Emoções discretas no trabalho são definidas como manifestações afetivas de qualidades distintas. Entre elas estão, por exemplo, o medo, a raiva, a surpresa, a alegria, a tristeza e o asco. No Brasil, pouco se tem dado atenção aos estudos
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http://www.abrae.com.br/entrevistas/entr_gol.htm
que são voltados para as emoções discretas no trabalho.
Uma pesquisa de Mendonça (2003), porém, vem avaliar uma outra manifestação afetiva discreta, a retaliação. Ele avaliou se a orientação dos valores individuais, a percepção de justiça organizacional e a
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percepção e o julgamento da retaliação influenciam a atitude de retaliação, dentro da organização. A atitude de retaliação seria formada por dois componentes, o afetivo e o conativo. O componente afetivo da atitude de retaliação se apoia na crença de que a injustiça provoca ressentimento e também no próprio sentimento de indignação para com a organização. Já o componente conativo inclui a tendência consciente para retaliar, sendo que, para a pessoa, esta é a maneira mais adequada para reparar uma injustiça.
Dentre as conclusões da pesquisa, contatou-se que a percepção e o julgamento da retaliação favorecem a atitude de retaliação. Porém, nesse aspecto, nem sempre os trabalhadores irão reagir com a mesma intensidade emocional às injustiças, pois nem todos a perceberão da mesma forma. Constatou-se também que pessoas com mais tempo na organização tendem a ter atitudes de retaliação.
A escolaridade pareceu não influenciar nessas atitudes, porém pessoas com maior grau de instrução percebem injustiças na empresa com mais rapidez e de forma mais aguçada. No entanto, mesmo as percebendo com mais clareza, elas não avaliam a retaliação como a melhor forma de reparação.
Outro aspecto constatado foi o de que cargos de chefia não aprovam a retaliação e tendem a perceber poucas injustiças, devido ao grau de comprometimento com a empresa e seus valores. Em relação aos aspectos individuais, pessoas que visam alcançar objetivos apenas pessoais, dentro da empresa, estão mais propensas às atitudes de retaliação.
Uma das limitações dessa pesquisa está no fato de que ela avalia a retaliação apenas no plano cognitivo e não a atitude propriamente dita, ou seja, ela analisa a propensão à retaliação, o que não é o mesmo que analisar a retaliação na prática das empresas. Isso ocorre porque, mesmo agindo de forma coerente com nossos sentimentos, nem sempre essa relação se estabelece de modo concreto, ainda mais em organizações, onde não se permite quaisquer atitudes de agressão ou violência. Fonte: Emoções e Afetos no Trabalho - Psicologia Organizacional - Atuação - Psicologado Artigos http://artigos.psicologado.com/atuacao/psicologia-organizacional/emocoes-e-afetos-no-trabalho#ixzz22dKczcfn
Emoções, sentimentos e afetos: delimitações conceituais e repercussões no cotidiamo do trabalho
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Uma perspectiva de estudo no campo da Psicologia sobre a afetividade é a teoria sobre as atitudes, explicam Gondim e Siqueira (2004), que compreende as atitudes como uma rede de sentimentos, crenças, tendências para agir em direção a pessoas, grupos, ideias e objetos. Esta abordagem foi a que conseguiu levar maior número de pesquisadores em Psicologia e de outras áreas correlatas a investigar afetividade no contexto de trabalho. Ela também
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pode ser apontada como o principal eixo teórico responsável pelo conhecimento psicossocial aplicado ao trabalho durante o século XX, tendo como seus principais representantes os conceitos atitudinais denominados por: satisfação no trabalho, que diz respeito ao grau de contentamento com chefia, colegas, salário, promoções e trabalho realizado; envolvimento com o trabalho, que pode ser compreendido pelo nível de identificação com o trabalho realizado e o comprometimento organizacional afetivo, que são os afetos dirigidos à empresa empregadora (GONDIM; SIQUEIRA, 2004). Depreendemos, com os autores, que satisfação, envolvimento e comprometimento com o trabalho são vínculos que se relacionam entre si. O conceito de satisfação no trabalho envolve mais que grau de contentamento com chefia, colegas, salário, promoções e trabalho realizado. A satisfação no trabalho, que resulta de experiências no meio organizacional e tem os seus desdobramentos na vida social da pessoa, é um aspecto a ser destacado por ser um indicador de influências do trabalho na saúde mental, na relação entre trabalho e vida familiar e entre trabalho e vínculos afetivos. A satisfação no trabalho, afirmam Siqueira e Gomide Junior (2004), abrange um bem-estar semelhante à satisfação geral com a vida, estado de ânimo, otimismo e autoestima.
Este conceito, assim como tantos outros que estudamos ao longo da disciplina, possui as suas divergências, pois alguns consideram a satisfação no trabalho como um conjunto de reações específicas a vários componentes do trabalho, que produzem graus diferentes de satisfação ou insatisfação. Outros aspectos também são considerados como fontes de satisfação, como: relação com a chefia, com os colegas, atribuições do cargo, o salário e as chances reais de promoção (GONDIM; na proximidade do trabalho com a casa, na carga horária, nos benefícios, etc. De qualquer modo, é importante destacar que a satisfação no trabalho, que também diz respeito à natureza de um vínculo afetivo, promove melhor desempenho, mais produtividade e bem-estar. Para tratarmos desse assunto, convém uma reflexão sobre um ponto extremo que diz respeito ao sofrimento mental relacionado ao trabalho. As políticas internas da organização, a política de pessoal, a competitividade, as práticas gerenciais e de organização do trabalho produzem diferentes sentimentos, criam culturas e novos modos de subjetivação. Algumas vezes, as situações de medo, insegurança, incerteza, as retaliações, as injustiças, o individualismo em diferentes contextos que a pessoa está inserida produzem um mal-estar e, em certas circunstâncias, um sofrimento psíquico. Elizabeth Roudinesco (2000), psicanalista, esclarece que o sofrimento psíquico manifesta-se, atualmente, sob a forma de depressão.
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SIQUEIRA, 2004). Para outros, a satisfação no trabalho incide
Atingido no corpo e na alma por essa estranha síndrome em que se misturam a tristeza e a apatia, a busca de identidade e o culto de si mesmo, o homem deprimido não acredita mais na validade de nenhuma terapia. (ROUDINESCO, 2000, p. 13)
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Para a autora, antes de buscar vencer o vazio refletindo sobre as causas da angústia, a pessoa trata as suas dores com receitas médicas. Sobre isso, ela acrescenta:
Quanto mais a sociedade apregoa a emancipação, sublinhando a igualdade de todos perante a lei, mais ela acentua as diferenças. No cerne desse dispositivo, cada um reivindica sua singularidade, recusando-se a se identificar com as imagens da universalidade, julgadas caducas. Assim, a era da individualidade substituiu a da subjetividade: dando a si mesmo a ilusão de uma liberdade irrestrita, de uma independência sem desejo e de uma historicidade sem história, o homem de hoje transformou-se no contrário do sujeito. Longe de construir seu ser a partir da consciência das determinações inconscientes que o perpassam à sua revelia, longe de ser uma individualidade biológica, longe
de pretender-se um sujeito livre, desvinculado de suas raízes e de sua coletividade, ele se toma por senhor de um destino cuja significação reduz a uma reivindicação normativa. Por isso, liga-se a redes, a grupos, a coletivos e a comunidades, sem conseguir afirmar sua verdadeira diferença (ROUDINESCO,
Depreendemos que, nas suas relações, a pessoa procura evitar a angústia, através muito mais de estratégias de normalização e fuga que de enfrentamento do vazio, que fulmina as relações sociais e afetivas. Discernir a evolução desse sofrimento e o modo como afeta o trabalho é um aspecto importante dos estudos sobre a psicopatologia do trabalho. Para muitas pessoas, o trabalho pode ser pesado, exaustivo, obrigatório e meio de sobrevivência, não há satisfação e prazer. Somado a isso, as políticas internas da organização de estruturação das práticas, as políticas de pessoal, a rotina massificante, as dificuldades nos relacionamentos, a ausência de momentos de lazer repercutem nas subjetividades e podem ocasionar problemas de ordem física, emocional ou social. Os problemas mais comuns são: estresse, irritabilidade, depressão, ansiedade, distúrbios de sono, etc. O trabalhador pode fazer muito por si mesmo no seu ambiente de trabalho, porém, a organização deve preocupar-se com a qualidade de vida de todos os seus integrantes, desenvolvendo ações que promovam o bem-estar e crescimento profissional. Uma ação interinstitucional é necessária, diante
227 Emoções, sentimentos e afetos: delimitações conceituais e repercussões no cotidiamo do trabalho
2000, p. 13-14).
dos graves problemas de saúde que atingem os trabalhadores.
Para finalizar a nossa aula, assista ao vídeo disponível em: http:// www.youtube.com/watch?v=rUWqQZMyK7M
Leia, a seguir, o poema de Fernando Pessoa para reflePsicologia e comportamento
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tir sobre os afetos e direcionamentos que damos à nossa vida: Se em certa altura Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita; Se em certo momento Tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim; Se em certa conversa Tivesse tido as frases que só agora, no meio-sono, elaboro Se tudo isso tivesse sido assim, Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro Seria insensivelmente levado a ser outro também. Mas não virei para o lado irreparavelmente perdido, Não virei nem pensei em virar, e só agora o percebo; Mas não disse não ou não disse sim, e só agora vejo o que não disse; Mas as frases que faltou dizer nesse momento surgem-me todas,
Claras, inevitáveis, naturais, A conversa fechada concludentemente, A matéria toda resolvida... Mas só agora o que nunca foi, nem será para trás, me dói. O que falhei deveras não tem esperança nenhuma Em sistema metafísico nenhum. Pode ser que para outro mundo eu Mas poderei eu levar para outro mundo o que me esqueci de sonhar?
Saudações afetuosas!
SÍntese Nesta aula, refletimos sobre a importância das emoções, sentimentos e afetos, parte integrante da nossa dimensão subjetiva e analisamos as manifestações afetivas no ambiente de trabalho. Na próxima aula, discutiremos sobre a motivação humana e as suas principais questões.
QUESTÃO para reflexão Como evitar que as pessoas não sejam manejadas no ambiente organizacional na mesma lógica que os recursos materiais o são?
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possa levar o que sonhei.
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(8)
A motivação no trabalho
â&#x20AC;&#x153;O alcance da promessa O salto do desejo O agora e o infinito SĂł o que me interessaâ&#x20AC;? (Lenine)
Cláudia Vaz Torres
Olá! Nas unidades anteriores, refletimos sobre a importância das emoções e afetos no cotidiano do trabalho. Nesta aula, discutiremos sobre a motivação, processo psicológico básico que, n à complexidade da vida organizacional, é assunto muito discutido por pesquisadores da psicologia organizacional, administração, entre outros. Para iniciarmos, é preciso refletir sobre as seguintes questões: O que é motivação? A motivação é o que desperta, mantém, orienta e demarca o nosso comportamento. É uma força que nos impulsiona a buscar, perseverar, sustentar, criar estratégias para alcançar e atingir metas. A motivação envolve uma discussão sobre necessidade, que produz uma tensão, novos estímulos e ações. É, também, associada a outros conceitos como satisfação, comprometimento e envolvimento no trabalho, o que dificulta sua delimitação teórica no campo de estudos do comportamento organizacional. Gondim e Silva (2004) esclarecem que os conceitos, citados acima, estão relacionados à motivação. Entretanto, exis-
tem especificidades, pois, satisfação, como analisado na aula anterior, refere-se ao nível de contentamento com as relações entre chefe e colegas, com o sistema de recompensas, remuneração e trabalho realizado. O envolvimento está atrelado à identificação e à afinidade com o trabalho realizado e o comprometimento organizacional refere-se aos afetos dirigidos Psicologia e comportamento
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ao trabalho e ao contexto organizacional. A motivação, para Gondim e Silva (2004), é definida como ação dirigida a objetivos, autorregulada, biológica ou cognitivamente, persistente no tempo e ativada por um conjunto de necessidades, emoções, valores, metas e expectativas.
(8.1) Motivação: ênfase, foco, pergunta e resposta Ênfase, foco, pergunta e resposta, envolvidos no conceito de motivação, repercutiram na construção de teorias sobre esse processo psicológico. A ênfase envolve ativação, direção, intensidade e persistência como pontos importantes para compreender a motivação; o foco é o objeto de atenção; a pergunta envolve indagações a respeito da escolha do alvo, da intensidade da motivação; e a resposta abrange o nível de compreensão que se deseja obter. De acordo com Robbins (2002), a motivação é um processo responsável pela intensidade, direção e persistência de esforços para o alcance de uma meta. Intensidade diz respeito
à medida do esforço que a pessoa despende em direção aos objetivos da organização. A qualidade e a persistência são medidas que apontam quanto tempo uma pessoa consegue manter-se motivada para que os objetivos sejam atingidos. Nas décadas de 40, 50 e 60 desenvolveram-se importan(1943); Teoria das Necessidades (afiliação, poder e realização) de McClelland (1953); a Teoria ERC (existência, relacionamento e crescimento) de Aldefer (1969); a Teoria bifatorial de Herzberg, Mausner e Snyderman (1959); entre outras. As antigas teorias fundamentam as teorias contemporâneas sobre motivação e os conceitos ainda são utilizados para explicar a motivação.
(8.2) Três modelos de classificação das teorias da motivação As teorias da motivação podem ser organizadas em três modelos de classificação, de acordo com os estudos de Gondim e Silva (2004). Como afirmam os autores, o primeiro modelo da classificação divide as teorias da motivação em dois grupos: teorias de conteúdo, que explicam a motivação a partir das necessidades/carências; e teorias de processo, que entendem a motivação como um processo de tomada de decisão, que abrangem as percepções, objetivos, expectativas e metas pessoais. As mais conhecidas são a Teoria de Maslow e a Teoria de McClelland. As teorias motivacionais de processo explicam o processo pelo qual a conduta inicia-se, mantém-se
239 A motivação no trabalho
tes teorias da motivação: Teoria das Necessidades de Maslow
e termina. Nesse grupo, desponta a teoria de Vroom. O segundo modelo de classificação postula uma outra dimensão de diferenciação entre as teorias da motivação, em razão das referências ao reforço da conduta e à cognição. De acordo com esse modelo, é possível estabelecer uma relação
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240
entre a motivação e o que ocorre depois da ação (reforço), ou na mente da pessoa que decide agir (cognição). Já o terceiro modelo de classificação enfatiza a motivação como uma teoria da ação. Destacamos, a seguir, algumas das teorias mais referidas nos manuais que tratam do tema: A motivação é intrínseca, ou seja, é impulsionada internamente e constitui a base para buscar a novidade, o desafio, o envolvimento e a satisfação. Não resulta de treino, instrução, mas pode ser influenciada pela ação do outro. Como exemplo, podemos citar a situação de um aluno motivado em sala de aula, que demonstra envolvimento no processo de aprendizagem, engaja-se nas tarefas, faz uso de estratégias, esforça-se, desenvolve novas habilidades, apresenta entusiasmo e orgulha-se da superação dos desafios. Nesse contexto, temos o estilo motivacional do(a) professor(a) que está - de acordo com as suas crenças, confiança e estratégias de ensino - interagindo com esse aluno e facilitando a sua autonomia.
(8.3)
De acordo com a Teoria de Maslow, as necessidades humanas têm origem biológica e estão dispostas em uma hierarquia. O autodesenvolvimento e a capacidade de realização fazem parte desse conjunto; mas, é preciso que as necessidades básicas, como as necessidades fisiológicas e de segurança, sejam satisfeitas e as necessidades sociais e de estima sejam motivadoras da conduta humana. A autorrealização, para o autor, é o maior estágio que a pessoa pode alcançar. É sempre singular. Maslow procurou difundir o movimento da Psicologia Humanista e conferir-lhe um grau de respeitabilidade acadêmica. Ele estudou uma pequena amostra de pessoas saudáveis psicologicamente a fim de determinar de que maneira diferiam das pessoas com saúde mental comprometida. A partir desse estudo, o autor desenvolveu uma teoria da personalidade que enfatizava a motivação para crescer, desenvolver-se e realizar-se a fim de concretizar de modo pleno as capacidades e potencialidades humanas (SCHULTZ; SCHULTZ, 1981). O método de pesquisa e os dados de Maslow foram criticados em razão da pequena amostra pesquisada e dos critérios subjetivos de escolha dos sujeitos. Sobre isso, Schultz e Schultz (1981, p. 397) confirmam: “apesar da sua populari-
241 A motivação no trabalho
Teoria das Necessidades de Maslow - Teoria da Hierarquia das Necessidades (1943)
dade entre os lideres de negócio, a teoria tem um baixo grau de validade cientifica e uma aplicabilidade apenas limitada ao mundo do trabalho.”
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(8.4) Teoria ERC (existência, relacionamento e crescimento) de Aldefer (1969) Aldefer, no final da década de 60, a partir da teoria de Maslow, redefiniu as cinco necessidades hierarquizadas e as agrupou em três (GONDIM; SILVA, 2004): Existência (E) - necessidades fisiológicas e de segurança. Relacionamento (R) - necessidades sociais e de estima. Crescimento (C) - necessidade de autorrealização. Para Aldefer, não há uma hierarquia, como foi apontada por Maslow, pois a motivação da conduta humana não obedece a um único sentido, o progressivo. As necessidades de nível baixo promovem o desejo de satisfazer as necessidades do nível mais alto; mas múltiplas necessidades operam, ao mesmo tempo, motivando a conduta humana e provocando sentimentos de frustração pela não satisfação da necessidade.
(8.5)
A teoria de McClelland afirma que há três tipos de necessidades: poder, afiliação e realização; que são interrelacionadas e se apresentam em níveis de intensidade variados, de acordo com o perfil psicológico da pessoa e os contextos dos seus processos de socialização. Gondim e Silva (2004, p. 151) esclarecem: Quando a necessidade de auto-realização prepondera, a pessoa evidencia alta motivação para a auto-realização e a busca de sua autonomia, assumindo, inclusive, desafios realísticos no trabalho e lutando continuadamente pelo seu sucesso pessoal. Quando a necessidade mais forte é a da afiliação, a pessoa centra sua atenção na manutenção de seus relacionamentos interpessoais, muitas vezes em detrimento de seus interesses individuais. Estar mais próximo do outro e ser aceito por ele é o que orienta sua ação. Por último, quando a necessidade de poder é a que está mais desenvolvida, a pessoa se sente motivada pelo desejo de influenciar, reorientar e mudar as atitudes e as condutas alheias.
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Teoria das Necessidades (afiliação, poder e realização) de McClelland (1953)
Percebemos que para compreender a motivação é preciso analisar os arranjos entre os três tipos de necessidades de McClelland, que destacou, ainda, que o comportamento não é aleatório, está relacionado aos grupos, aos processos de socialização e à cultura.
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(8.6) Teoria bifatorial de Herzberg, Mausner e Snyderman (1959) Esta teoria foi formulada a partir da investigação sobre o que as pessoas desejam do seu trabalho, destacando o que promovia bem-estar ou mal-estar nesse contexto. Depois de categorizadas, as respostas foram separadas pela relação direta com a satisfação e insatisfação no trabalho. De acordo com Robbins (2002), as pesquisas de Herzberg apontam que o oposto da satisfação não é a insatisfação, pois a eliminação das características de insatisfação de um trabalho não o torna necessariamente satisfatório.
[...] os fatores que levam a satisfação com o trabalho são diferentes e separados daqueles que levam á insatisfação. [...] as condições em torno do trabalho, como a qualidade da supervisão, a remuneração, as políticas da empresa, as condições físicas de trabalho, o re-
A motivação das pessoas no trabalho, de acordo com Herzberg, deverá incidir nos fatores intrínsecos ao trabalho, ou seja, aqueles associados com o trabalho em si ou nos resultados diretos dele, como as oportunidades de crescimento pessoal, reconhecimento, responsabilidade e realização. Fatores higiênicos extrínsecos ao
Fatores de motivação
trabalho
intrínsecos ao trabalho
Política da empresa
Realização
Supervisão
Reconhecimento
Salários
O trabalho
Condições de trabalho
Responsabilidade
Relacionamento com os colegas
Crescimento
A teoria de Herzberg foi muito divulgada e, também, criticada por vários motivos, como: não há uma medida geral para satisfação; as variáveis situacionais são ignoradas; não há relação entre satisfação e produtividade. A partir dos estudos de Kanfer - que considerou as te-
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lacionamento com os outros e a segurança no emprego foram caracterizados por Herzberg como fatores higiênicos. Quando elas são adequadas, as pessoas não se mostram insatisfeitas, mas também não estão satisfeitas. (ROBBINS, 2002, p. 155)
orias de Maslow, Aldefer, McClelland, Herzberg como teorias baseadas no conceito de necessidade e insuficientes para a orientação da conduta humana - Gondim e Silva (2004) explicam que apenas a identificação da necessidade não promove a ação, pois, às vezes, a pessoa não dispõe de informações que a encaminhem para a satisfação da sua necessidade.
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Podemos acreditar que uma pessoa apresente um desempenho ruim no trabalho porque não se sinta aceita por sua equipe e concluir que ela precisa suprir tal necessidade para melhorar sua performance, mas este reconhecimento não traz implícito quais seriam os passos para conseguir tal aceitação. (GONDIM; SILVA, 2004, p. 153)
As ações seriam sempre consequência de fatores internos e, desse modo, não conseguiríamos redirecionar a motivação de uma pessoa, pois a intervenção externa não provocaria mudanças.
(8.7) Teoria das expectativas Uma teoria bem difundida e aceita é a Teoria das Expectativas de Vroom, visto que concebe a motivação como uma força de natureza emocional e consciente, que é ativada no momento em que a pessoa é levada a escolher entre diversos planos de ação (GONDIM; SILVA, 2004). A força dessa
escolha estaria relacionada às expectativas individuais e à avaliação subjetiva das consequências. Podemos citar, como exemplo, uma pessoa que deseja uma promoção e constrói a expectativa que o resultado do seu trabalho resultará numa boa avaliação do seu desempecance do que deseja. Para Gondim e Silva (2004), na teoria de Vroom, as pessoas decidem sobre suas ações de modo instrumental, maximizando o prazer e ganhos e minimizando as perdas e o desprazer. A escolha resultaria de três conceitos:
Valência, Instrumentalidade e Expectância.
Valência
Sentimentos acerca dos resultados, importância atribuída aos resultados obtidos; “é o que faz com que uma pessoa sinta atração ou repulsa, por exemplo, por uma promoção” (GONDIM; SILVA, 2004, p. 153).
Instrumentalidade
Clareza da relação entre a ação a ser empreendida e a obtenção do resultado esperado.
Expectância ou expectativa
Relação percebida entre esforço e rendimento; clareza de que os esforços concretizarão os objetivos desejados (GONDIM; SILVA, 2004).
A valência, a instrumentalidade e as expectativas sofrem as restrições do ambiente, assim como é importante enfatizar que não há um princípio universal que explique a motivação das pessoas. Essa teoria procura compreender os objetivos de cada pessoa, a relação entre esforço e desem-
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nho, que esta avaliação irá oferecer-lhe recompensas e o al-
penho, desempenho e recompensa e recompensa e alcance de metas pessoais. Para o autor, uma pessoa irá esforçar-se bastante no trabalho se perceber que existe uma forte relação entre esforço e desempenho, desempenho e recompensa e recompensa e satisfação de metas pessoais.
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A relevância das teorias está em compreender o alcance e as limitações de cada uma delas, pois não são modelos que explicam universalmente o comportamento humano ou resolvem os problemas enfrentados numa organização quanto à satisfação, produtividade e comprometimento no trabalho. As teorias fornecem subsídios importantes para a realização de intervenções efetivas com o objetivo de motivar as pessoas, como também refletir sobre o pacto que envolve a relação da pessoa com a organização, os vínculos e o desempenho.
As diferentes teorias motivacionais não podem ser concebidas como soluções fáceis para a compreensão da amplitude da disposição de determinada força de trabalho. A concepção da necessidade e integração de diferentes teorias, entendidas como complementos que auxiliam na visibilidade do quadro motivacional de determinado agrupamento humano, aparece apontar a tendência de os teóricos desse tema perceberem, cada vez mais, as diferentes facetas e circunstâncias que acompanham o fenômeno da motivação (GONDIM; SILVA, 2004, p. 173).
Identificar os fatores que são motivadores para as pessoas, no ambiente do trabalho, em determinada circunstância, e intervir de modo efetivo é necessário. Assim como é importante estar atento à relação entre motivação e desempenho no trabalho, aspecto que envolve uma discussão sobre o significado do trabalho para a pessoa que o realiza, a história as punições, as relações interpessoais, o estilo de liderança e a relação entre os objetivos pessoais e os organizacionais. Atualmente, as discussões sobre motivação e satisfação no trabalho foram ampliadas através das questões que envolvem o conceito de Qualidade de Vida no Trabalho. Esse conceito baseia-se numa visão integral das pessoas, com ênfase no grau de satisfação da pessoa com a empresa, condições ambientais e promoção da saúde.Origina-se da medicina psicossomática, que propõe uma visão integrada ou holística do ser humano. A promoção da Qualidade de Vida no Trabalho é estratégica, pois os impactos da baixa qualidade de vida do trabalhador na produtividade não podem ser desconsiderados. Um aspecto importante é a satisfação no trabalho que decorre, entre outras coisas, das relações interpessoais agradáveis e produtivas.
SÍntese Nesta aula, analisamos a motivação humana, os modelos de classificação e as principais teorias. Percebemos que existem diversas concepções sobre o tema e que o estudo de cada uma das abordagens proporciona a compreensão do ser humano nas dinâmicas intrapessoais e interpessoais no mundo do trabalho. Saudações afetuosas!
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de vida, as identidades assumidas, o sistema de recompensas,
QUESTÃO PARA REFLEXÃO E você, está motivado para o estudo, o trabalho? O que mais proporciona o seu envolvimento e satisfação?
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Leitura indicada GONDIM, S. M. G.; SILVA, N. Motivação no trabalho. In. ZANNELI, J. C.; BORGES-ANDRADE, J.; BASTOS, A. V. B. Psicologia, organizações e trabalho no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2004.
Sites Indicados CARDOSO, R. F.; ZACCARELLI, S. B. Estratégias para Motivação e Desenvolvimento de Carreiras. Portal do Marketing, 02 ago. 2002. Disponível em <http://www. portaldomarketing.com.br/artigos/estrategias%20para%20 motivacao%20e%20desenv%20de%20carreiras.htm>. Maslow - www.maslow.org
ReferÊncias GONDIM, S. M. G.; SILVA, Na.. Motivação no trabalho. In: ZANNELI, J. C.; BORGES-ANDRADE, J.; BASTOS, A. V. B. Psicologia, organizações e trabalho no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2004. ROBBINS, S. P. Comportamento organizacional. São Paulo:
Prentice Hall, 2002. SCHULTZ, D.; SCHULTZ, S. E. História da psicologia moderna. São Paulo: Cultrix, 1981.
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