O PaĂs do Medo
Era uma vez uma criança que vivia num país chamado Portugal. Nesse país as pessoas não sorriam, mal falavam umas com as outras, andavam sempre cabisbaixas e amedrontadas e as crianças também agiam assim. Não havia música, nem brincadeiras, nem alegria… Um dia, alguém bateu estrondosamente à sua porta. Escondido no quarto, conseguiu espreitar e viu dois homens armados, vestidos de polícias, algemarem brutalmente o seu pai e levá-lo à força para longe de casa. A mãe chorava amargamente. Aproximouse dela assustado e perguntou : - Para onde levaram o meu pai? Entre soluços, a mãe respondeu: -A Pide levou o teu pai preso para ser interrogado. -Interrogado…?Mas o que é que eles querem que o pai lhes conte? O que fez o pai de mal?-insistia o menino. -Não sei filho, ninguém sabe! É assim, às vezes alguém inventa que os outros disseram mal do governo… e eles vêm, entram nas nossas casas e prendem- nos …- dizia a mãe enquanto chorava com o rosto escondido entre as mãos que tremiam. -E quando é que o pai vai voltar? Quando é que ele volta para casa?-perguntava a criança desesperada. -Não sei, ninguém sabe… alguns nunca chegam a voltar… - sussurrou a mãe naquele choro aflito. -Nunca chegam a voltar… - murmurou o pequeno, como que a refletir - matam-nos lá na cadeia, mãe?-perguntou ele já com lágrimas a escorrerem- lhe pelas faces e abraçando – se à mãe.
Nessa noite e durante muitas noites que se seguiram, mal conseguiam dormir. O pequeno tinha muitos pesadelos e a mãe nunca mais voltou a falar. A dor emudeceu-a! Passaram alguns anos e o pai nunca mais voltara. O menino era agora um rapaz, tinha 17 anos e a mãe, no dia do seu aniversário, dera-lhe um bilhete de viagem e dissera-lhe que daí a dois meses iria embarcar para o Brasil para trabalhar com o tio nos negócios. Mas, ele sabia que a mãe só estava a tentar salvá-lo de ir morrer, como soldado, na guerra do Ultramar. Os filhos da vizinha tinham ido para lá e a mãe recebera a notícia da sua morte, um mês depois da sua partida. Naquela noite, antes da sua viagem, não conseguia conciliar o sono, precisava muito do colo da sua mãe, dos seus carinhos…sentia-se triste e perdido. Não queria abandonar a sua querida mãe. Não conhecia o tio, não sabia onde era ou como era o Brasil… Muito cedo no cais, embarcou, não sem antes apertar nos braços a sua mãe e… partiu para o desconhecido fugindo à morte certa.
Após aquela longa viagem pelo Atlântico, finalmente avistou aquela que seria a partir de agora a sua terra: o Brasil. Desembarcou e com ele trouxe as suas pequenas malas. Olhou à volta e viu aproximar-se um homem que em muito lhe lembrava a mãe. Não se enganou, era de facto o seu tio. Estava ali para o receber e cuidaria dele com se fosse seu próprio filho!
Naquela terra reencontrou a alegria de viver, era um país quente, verde, o seu povo era alegre, adoravam música, dançavam, cantavam… eram livres e felizes! Todas as semanas escrevia à sua mãe. Tudo permanecia igual em Portugal: dor, medo, morte e tristeza! « Qualquer dia, vou aí buscá-la!» dizia ele nas cartas. Mas, a resposta da mãe era sempre a mesma: «Não filho, é aqui que eu quero estar.»
Decorria o ano de 1974 e no dia 25 de Abril pela manhã ouvia-se em todas as rádios que tinha havido uma Revolução em Portugal. O governo tinha sido derrubado pelos militares. A guerra do Ultramar terminara e a Pide fora desmantelada! O rapaz nem queria acreditar no que ouvia! - Tio, ouça isto! Será que a minha mãe está bem? Terá havido violência e mortos? – gritava ele enlouquecido. - Calma meu filho! Vamos ouvir! - tentava o tio acalmá-lo. Ouviram a rádio com atenção. Afinal, a Revolução foi pacífica. Das armas não saíram tiros. Nos canos das espingardas foram colocados cravos e o povo saíra à rua e rejubilava de alegria. - Liberdade, liberdade! – ouvia-se o povo gritar! - Tio, amanhã volto para o meu país, quero muito saudar o meu povo e abraçar a minha mãe!
FIM