O processo do design na permacultura

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O PROCESSO DO DESIGN NA PERMACULTURA O ser humano sempre tentou desenhar ao seu redor, para criar melhores condições de vida para si e seus semelhantes. Inspirado nos problemas socioambientais atuais, a permacultura não faz mais que por em evidência esta característica básica do ser humano, propondo explicitamente um processo consciente do desenho ecológico. Mas como fazê-lo? Na antiguidade e não há muito tempo, seus desenhos e ações eram quase sempre ecológicos ainda que em muitas ocasiões demasiadamente ineficientes e isso contribuía para a dureza da vida naqueles tempos. Houve casos nos quais a ação do homem trouxe repercussões negativas sobre ele e o seu meio, mas as conseqüências tardaram centenas de anos para manifestarem-se (abatimento massivo de bosques na Itália e Espanha durante os impérios romano e espanhol) e de todas as formas na antiguidade a terra estava em um estado mais virgem e tinha a possibilidade de recuperar-se mais depressa, sem contar que os danos eram bem mais localizados. Durante o século XX, a atividade humana que não tem em conta as necessidades da terra causou graves danos ao meio em que se desenrola e as repercussões futuras são difíceis de prever, ainda que efeitos como a mudança climática, devido à atividade industrial dos últimos 200 anos, começa a mostrar a classe de conseqüências que teremos de enfrentar. A permacultura pode ajudar a mudar essa situação. O design em si é inerente à permacultura enquanto esta não é mais que uma metodologia de design ecológico aplicável a qualquer âmbito da experiência humana. Dado que pretendemos modelar, através de nossos desenhos, o funcionamento de sistemas naturais em constante evolução, um design de permacultura não é nunca, pelo geral, algo totalmente acabado, mas que evolui com seus usuários. De fato se trata de um processo – aberto – com distintas fases. Este artigo descreverá as fases desse processo de design.

O que é o design? - Um processo de busca de moldes, construção e conexão de relações positivas. - Para criar ordem desde o caos – dar coerência a uma situação. - Um processo de resolução de problemas. - É criativo e utiliza o « Pensamento Lateral » [1] - É um processo de decisões – sobre valores e ética.

São precisas algumas ferramentas: - Habilidades de observação, - Técnicas de análise, - Métodos de design, - Conhecimentos práticos e experiência, - Princípios de permacultura, - Intuição - Sentidos


Imagem 1. Composição de um desenho de permacultura Localização: paisagem, clima, terra, água, plantas, animais, estruturas. Energia: fontes, estruturas, tecnologias, conexões. Conceitual: informação, idéias, ética, planificação. Social: gente, legalidade, cultura, comercio e finanças.

O design na permacultura Sabemos que para fazer planejamentos de permacultura nos guiamos explicitamente por três princípios éticos [2]: -

Cuidado com a terra, Cuidado com as pessoas, Redistribuição igualitária dos excedentes.

Bill Mollison [3] assinala que em todos os nossos trabalhos de design, favorecemos sempre aquele “super cliente” chamado GAIA, a Deusa Mãe Terra em grego antigo, que hoje em dia denota o mesmo planeta Terra considerado como um ser vivo em sí. Também utilizamos os princípios de desenho que Zoe Costa descreveu anteriormente na revista ReHabitar [4] que fala de leis e princípios que se podem adaptar a qualquer condição climática e cultural [2]: -

Colocação relativa, Cada elemento cumpre múltiplas funções, Cada função importante está suportada por múltiplos elementos, Planificação energética eficiente, Utilização de recursos biológicos, Diversidade de elementos e de conexões, Reciclar energia e nutrientes. Criar Sistemas intensivos a pequena escala, Potencializar os efeitos das fronteiras,


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Princípios de atitude.

Em alguns livros de permacultura, assim como na literatura que se pode encontrar na internet, é possível encontrar mais princípios, mas os mencionados acima representam a síntese do pensamento sistêmico que há por trás da permacultura. David Holmgren co-fundador da permacultura junto com Bill Mollison, em seu livro recém publicado [5], reformula os princípios do design à luz de sua experiência. Os livros da atitude [3] [1] estão dirigidos às pessoas que oferecem um enfoque alternativo de pôr-se em frente a situações novas, como ocorre sempre que queremos realizar um trabalho: -

Cada problema contém sua própria solução ou ser parte da solução no lugar do problema, A permacultura se baseia na coleta intensiva de dados e no uso intensivo e criativo da imaginação. Trabalhar a favor da natureza e não contra ela.

O princípio de design de “Colocação Relativa” descrito por Bill Mollison [1], explica claramente que a essência da permacultura é o design, e ele representa a conexão entre as coisas. Por exemplo, a relação entre galinheiro e estufa ou a importância de produzir alimentos na cidade. Existem, além disso, diferentes métodos de design [6] e outras ferramentas (ver quadro 1) que nos ajudam especialmente na hora de recordar a informação relevante antes de realizar o desenho e durante sua realização. É possível aplicar também todos os princípios expostos previamente, tratando de encontrar essas relações entre os elementos que necessitamos incluir em nosso desenho. Mas independente se somos designers profissionais ou só queremos desenhar para nós mesmos, necessitamos de um método claro, relativamente simples e eficaz para aplicar de uma maneira coerente os princípios e os métodos antes mencionados. Patrick Whitefield [6] remarca a diferença entre o processo convencional de design, um processo ativo onde o desenhista acaba tendo a maior influência sobre o projeto final, e a aproximação ao design desde a perspectiva da permacultura ou da sustentabilidade, um processo mais passivo e receptivo, com o desenho como facilitador, sendo a terra e as pessoas as duas maiores influência sobre o desenho final (ver imagem 2).


Um esquema para o processo de design. O esquema que vem a continuação (imagem 3) foi representado durante o curso que se realizou em Can Bosc no mês de maio de 2003, o cargo de Morag Gamble e Evan Reymond do SEED Internacional (Schlumberger Excellence in Educational Development - http://www.seed.slb.com) e a ecovila de Crystal Waters na Austrália. Existem outros esquemas (ver quadro 2) possíveis, mas geralmente, são equivalentes. As distintas fases mostradas na imagem 3 se podem descrever assim: Identificar Representa o ponto de partida do nosso processo de desenho. Nesta fase trataremos de identificar com precisão quais os motivos para realizar o projeto. Iremos reconhecendo todos os dados possíveis sobre o tema a estudar e trataremos de compreender seu contexto – geográfico, socioeconômico, energético, etc. Por exemplo: planejar uma maneira eficiente de aproveitar a água da chuva, ou propor uma estratégia para o tratamento de resíduos orgânicos, ou ajudar a planejar uma estratégia para revitalizar a economia de uma pequena comarca de ecovilas. Há muitas maneiras de conseguir os dados que nos interessam: -

Preparando um questionário para entregar aos interessados em receber o projeto, onde se realizam perguntas sobre todos aqueles aspectos que se tem que contar (imagem 1): estilo de vida, necessidades, hábitos alimentícios, ambiente, clima, economia, etc.

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Realizando entrevistas individuais com cada pessoa «afetada » pelo projeto, incluindo as crianças,

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Realizando um exercício de visão com todas as pessoas, para verificar que elementos comuns e que aspirações deve cumprir o projeto desde esse momento até daqui a 5 ou 10 anos.

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Pedindo uma lista dos resultados desejados e das coisas que se querem

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Passando um tempo no lugar do projeto e observar os processos naturais ou não, que se tem (por exemplo: atividade das águas pluviais sobre o terreno, ventos, rios – especialmente se contaminado, etc.)

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Propor visitas a outros lugares já projetados para clarear as idéias.


O design é um processo contínuo

Imagem 3. Um possível processo de design

Investigar Nesta segunda fase do processo procuramos conhecer todos os dados sobre o lugar e compreender suas potencialidades. Para isso tentaremos: - Conseguir mapas a várias escalas do lugar, fotos aéreas, - Conseguir informação sobre a história passada do lugar (usos do solo, tradições, geologia, clima, etc.) - Perguntar às pessoas que levam muito tempo vivendo no lugar, as pessoas importantes da zona ou dos arredores. - Conhecer a legislação local, - Realizar auditorias ambientais, sociais e energéticas, - Tratar de compreender quais são os pontos fortes do lugar e o que é abundante. - Fazer medições, etc. Geralmente se trabalhamos por encomenda, pedimos a nosso cliente que nos facilite todos os dados, como mapas, partes metereológicas, fotos aéreas, análise da água, solo, etc.

Avaliar Então, com todos os dados disponíveis: - temos que começar a dar um sentido, analisá-lo, - reunir, comparar e organizar, - preparar um relatório detalhado, - preparar um mapa analítico do espaço onde se indiquem possíveis problemas ou situações e possíveis intervenções, - compreender as oportunidades do lugar, suas limitações e características FDOD, PNI, (ver quadro 3). - deduzir, - realizar uma análise de setores, inclinação e redes [1].


Opções Nesta fase, se apresentam aos receptores do desenho todas as alternativas que emergem da análise realizada na fase anterior, sem excluir nenhuma, esperando que ajude a individualizar exatamente o objetivo que se pretende alcançar. Também se tenta agrupar os elementos que surgiram da análise realizada.

Estudar as alternativas Nesta fase se comprova a viabilidade das alternativas encontradas: - Se pode realizar uma análise dos elementos – suas necessidades, produtos e características, - Se comprova que seja adequado para o meio ambiente, - se comprova se adere à visão dos receptores – se responde às necessidades expressadas, - se comprova a viabilidade econômica, - se verificam os princípios de design e as éticas - se trata de antecipar os possíveis resultados, - se esta contribuindo sobre os pontos fortes, - se está adequado ao terreno, - se requer contribuição mínima. Por exemplo, todas as comprovações se poderiam realizar com respeito a eventuais sistemas aquáticos, a gestão de pragas e o mato, os acessos, as infra-estruturas, as barreiras, as entradas de nutrientes e o material de acolchoamento, as estratégias de melhora do solo, e o espaço dos animais e outros sistemas que pensamos que poderiam fazer parte do sítio.

Design conceitual Nesta fase é onde realmente começamos a agrupar todos os elementos uma vez escolhidas as linhas diretrizes de nosso design, havendo comprovado sua viabilidade na fase anterior. Aqui se produz um documento que explicita todas as partes do desenho e se dá indicações para realizá-lo com uma tábua de cortes e planificação temporal das várias fases necessárias para pô-lo em prática. Também se incluirá no apêndice uma biblioteca de textos úteis e materiais necessários (e como conseguir no local). Utilizaremos várias técnicas para realizar tudo isso: - Zonificação - Diagramas de borbulha, - Traspassar transparências, - Encaixar elementos casuais, - Diagrama de fluxo, - Identificar aquelas opções chaves realizáveis. - Integração com as edificações, - Checar os princípios, - Tomar decisões sobre o que fazer, - Tratar de incluir todas as idéias do grupo, - Realizar uma apresentação do resultado e discuti-la entre todos.


Realizar o documento de um desenho em todos os seus detalhes pode constituir um trabalho grande e laborioso. Neste documento se deve explicar ao cliente como abordar todos os temas tratados em detalhe e porque esse desenho lhe ajudará a melhorar sua qualidade de vida, lhe ajudará a solucionar os eventuais problemas existentes e melhorará o ambiente onde está instalado e seus arredores.

Realização Finalmente chegamos ao momento tão esperado da realização. Nesta fase temos que salientar os seguintes aspectos: - Saber como providenciar o projeto, - Por em prática a planificação feita, - Ter claros os fluxos de trabalho e temporalidade, - Estabelecer regras e responsabilidades, - Ter acesso aos recursos necessários, - Começar com decisões e eleições óbvias - Fazer que o desenho evolua.

Observação Apesar da menção à observação do solo agora, o certo é que a observação é uma atividade que começa desde o primeiro momento e nos acompanha ao longo de todo o processo e o guia. Desenrolar uma boa capacidade de observação é um dom fundamental de qualquer desenhista de permacultura e, acrescentaria, de qualquer pessoa que pretende viver e interagir um (eco)sistema modelado sobre o funcionamento dos ecossistemas naturais. Assim nos perguntaremos em cada momento, e especialmente uma vez realizadas as atuações no espaço, como esse vai responder a essas ações ao longo do tempo. Para tirar um sentido de nossas observações podemos: - manter um diário - tirar fotografias, - e monitorar constantemente o desenho.

Reflectir As observações continuadas nos farão compreender que coisas estão funcionando e quais não estão. Trataremos então de: - identificar os problemas e os êxitos, - compreender por que as coisas funcionaram ou não, - perguntar a pessoas que estão envolvidas ou afetadas, - perguntar-se se há maneiras melhores de fazer as coisas, - convidar a todos os envolvidos a oferecerem contribuições, Também cabe perguntar-se se necessitamos de mais informações.


E por último, Revisar. É o momento em que repensamos e redefinimos as coisas. Para isso necessitamos: - Abrir um processo de consulta com as pessoas envolvidas ou com outros especialistas em determinados temas, - Podemos tentar provar ouras opções (ver Opções) - Podemos redefinir as linhas de ação e as motivações, - Podemos chegar a repensar todo o projeto, - Podemos querer adicionar novas pessoas, Mas o importante é que todo este processo se mantenha flexível e dinâmico. Outro exemplo de processo de design que se encontra frequentemente na literatura britânica: O (observation) => Observação do lugar, seus usuários, seus arredores, os fluxos de energia que o atravessam, etc. B (boundaries and resources) => Limitações e recursos: registra-los e fazer um mapa com a localização. R (research) => Investigar E (examination and analisis) => Examinar e analisar os dados do terreno e outras informações. D (design) => Desenhar, Planear. I (implement) => Realizar M (monitoring, modification, maintenance) => Monitoramento, mudanças e conservação.

É muito importante ter esquemas como o que tem sido objeto deste artigo para enfocar um design, mas, evidentemente, não é suficiente. Especialmente se nos falta experiência e não tem pessoas ao redor que passaram pelo menos uma vez pela experiência parecida e não podem ajudar. Talvez não sobre nada incluir em nossos desenhos a possibilidade de ter acesso a pessoas deste tipo. Para que isso seja possível gostaria de abordar a criação de uma rede de permacultores que possam ajudar a quem precise, iniciativa que poderia pegar impulso graças à recém formada Rede Ibérica de Permacultura. Para muitos, internet poderá também constituir uma possibilidade de ter acesso a recursos distantes sem ter que deslocarse. Nos fóruns de discussão que existem por ai, principalmente anglo-saxões, se vêm considerando em muitas ocasiões a possibilidade de criar uma base de dados mundial de recursos de permacultura, ou seja, uma maneira de estruturar a informação com base nos critérios próprios da permacultura e a experiência real dos permacultores de todo o mundo. Neste contexto também entraria a criação de uma base de dados de “desenhos estandard” para aspectos concretos, e assim evitar ter que reinventar a roda, como por exemplo o planejamento de uma cooperativa de consumidores de produtos ecológicos, ou de um galinheiro para um clima temperado, ou uma granja urbana em clima mediterrâneo. Talvez seja um começo nesta direção [9].


Conclusões Como se pode deduzir, um desenho de permacultura é um processo importante e não pode ser improvisado. Requer sem dúvida, que desenrolemos toda uma série de habilidades que no curso habitual de nossa educação estão fomentadas cada vez menos. É notório, nos ambientes de permacultura, que quando queremos nos instalar em algum lugar, especialmente se este se encontra na natureza, é conveniente esperar pelo menos um ano antes de tentar abranger desenho algum, justamente para dar a esse processo de observação e recolhimento de dados a possibilidade de surgir e que nos ajude a compreender as inter-relações que ali acontece, sem as quais, estaremos destinados a recair na maneira habitual de fazer as coisas que tanto dano causou a nossa mãe Terra, seremos capazes de esperar tanto? Algumas ferramentas úteis durante o processo de planejamento: FDOD = Análise de pontos forte, pontos fracos, oportunidades e desafios de uma situação. PNI = Individualizar os aspectos positivos, negativos ou interessantes de uma situação. Análise de necessidades = Se trata de individualizar cada uma das necessidades e as maneiras de solucioná-las o mais localmente possível. Análise de elementos = Individualizar necessidades, produtos e características dos elementos chaves do desenho. Nos ajudará a conectar as necessidades de uns (inputs) com os produtos de outros (outputs). As características (o comportamento) nos ajuda a saber como um elemento se pode utilizar de outras maneiras (múltiplas funções). Elementos das zonas = Estudar em que zonas colocar cada elemento, estudando quantas vezes se necessita visita-lo ao longo do ano ou quantas vezes ele necessita nossa visita. Quantas mais visitas se necessitam mais perto da casa deveria estar. Análise de abundâncias e limitações = Identificar problemas, vantagens, abundâncias e soluções. É uma ferramenta muito útil tanto na fase de investigação como na de revisão. Referências: [1] “El Pensamiento Lateral”, Edward De Bono, Paidós 1998. [2] “Introduction to Permaculture”, Bill Mollison, Tagari, 1999. [3] “Designing for Permaculture”, Bill Mollison, Pamphlet VIII in the Permaculture. Design Course Series, Yankee Permaculture, 1981. [4] “¿Cuáles son los Principios de la Permacultura?” Zoe Costa, ReHabitar nº 10. Invierno 2004. [5] “Principles and Pathways Beyond Sustainability”, David Holmgren, Holmgren Design Services 2002. [6] “Permaculture:A Designer’s Manual”, Bill Mollison, Tagari 1988. [7] “Permaculture Teachers’ Guide”, Permaculture Association Britain/WWF-UK, 2000. [8] “Working with Nature. A Practical Philosophy For Health and Sustainability”, Steve Charter 1999. http://www.ecoforest.org


[9] http://www.ibiblio.org/ecolandtech/pcwiki/index.php/Permaculture SEED International: http://www.permaculture.au.com


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