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Alexandra Maria Duarte
LUZ
Alexandra Maria Duarte
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Era habitual fazer a ronda naquele bairro. Um pouco problemático, com algumas famílias disfuncionais, ainda assim, um bairro familiar. Não era estranha a chamada para a polícia; discussões familiares, com álcool pelo meio, pais negligentes, algum jovem rebelde envolvido em negócios mais ou menos ilícitos. Era cedo, ainda, quando o guarda Santos passava pela Rua da Junqueira, nº45. Uma pequena casa de aspecto descuidado, jardim de ervas secas, com alguns brinquedos velhos espalhados pela terra. Apenas uma luz, um sinal de esperança, se encontrava nos grandes olhos castanhos de Lisete, a pequena da casa, que de cara e mãos coladas ao vidro da janela, todos os dias presenteava o guarda com um aceno de mão. Não recordava a primeira vez que a vira, mas, facto é que não havia dia que ele passasse sem que Lisete estivesse do outro lado da janela. Dirse-ia que o esperava. Ele devolvia-lhe sempre o adeus e ela abria um enorme sorriso. Às vezes comia umas bolachas, talvez um pequeno-almoço mal amanhado. Se passasse 15mn mais tarde, já ela estaria a caminho da escola. Mas naquele dia não passou 15mn mais tarde, por isso estranhou o vazio na janela. Abrandou o passo, mas depois continuou, afinal, ela podia estar
a acabar de se vestir, a por os livros na mochila, qualquer coisa. Mas uma inquietude, ou talvez o instinto de polícia, fê-lo parar e voltar atrás. “Não custa nada, só ver se a pequena está bem. ” Tocou à campainha, uma vez e outra. Sem resposta. Espreitou pela janela e, após habituar os olhos à pouca luz interior, vislumbrou uma mulher caída no chão e a pequena Lisete sentada junto dela. Porta arrombada e chegada dos paramédicos. Overdose. Disseram que mais uns minutos e teria sido tarde demais. O guarda Santos olhou a pequena, “não te preocupes, vai tudo ficar bem.
Nota – o presente texto não segue a grafia do novo Acordo Ortográfico