semeadura
revista semeadura edição 1 trimestre I - 2017 revista trimestral de literatura distribuição online gratuita sem fins comerciais todo o conteúdo das obras publicadas são de responsabilidade de seus autores. imagens retiradas da internet: Pinterest e Google ou com créditos a seus devidos autores.
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semeadura
JAN/FEV/MAR 2 0 1 7
EDITORIAL/ .
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sumário
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A SEMENTEIRA/ Wilson Gorj .
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POESIA DA TERRA/
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Marco Magalhães/ 16
Carmo Vasconcelos/ 18
Fernando Antônio Fonseca/ 20
Ana Paula Barbosa/ 22
Lipe Costa/ 24
Jardim/ 25
Jorge Wesley Bezerra/ 27
Elisandra Campos/ 30
Nadia Junqueira/ 32
Aldenor Pimentel/ 33
PROSA DA RAIZ/
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Adnelson Campos/ 38
Giordana Medeiros/ 41
Cristina Bresser/ 44
Ana Luiz/ 46
Ronald Oliveira/ 48
Aidil Araújo Lima/ 51
Emanuela Rodrigues/ 52
Daniela Fagundes/ 53
Thassio Ferreira/ 54
ILUSTRA/.
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NORMAS DE PUBLICAÇÃO/ .
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editorial Qual o tempo da literatura? Responder tal pergunta é ofício de mentiroso, garanto! Mas, arrisco dizer que está na literatura a permanência dos tempos. Escrever é demorarse e como sabemos disso!
Com quase três meses de atraso enfim se pode apreciar a edição primeira desta revista. Iniciativa ousada e trabalhosa mas que, por certo, vindoura! Já peço desculpas pela demora, mas, veja: não é que saiu? O resultado é este belo trabalho com textos que evidenciam e enaltecem o cenário literário nacional. Há muitas escritas por descobrir! Agradeço às centenas de inscrições e a generosidade das autoras e autores que submeteram seus trabalhos. Poucos, hoje, estão por aqui. Mas ainda muitos estão porvir. E que não demore! Edhson J. Brandão o editor
a
SEMEN TEIRA WILSON GORJ
A
Sementeira é a seção da semeadura para autoras e autores
convidados e que (e)levam a literatura aos patamares que estão hoje. Personalidades que movem a atividade literária brasileira sejam pelas suas escritas ou ações em campos acadêmicos, editoriais, movimentos independentes, entre outros.
Wilson Gorj
WILSON GORJ é editor há oito anos e desde 2012 administra, em sociedade com o poeta Tonho França, a Penalux, editora que já conta com mais de 450 títulos. Também é autor dos livros "Sem contos longos" (2007), "Prometo ser breve" (2010) e "Histórias para ninar dragões" (2012). Além dessas publicações, tem participações em antologias, jornais, revistas e sites literários. Possui alguns textos traduzidos para o espanhol, inglês e italiano. É pai da Marina, sua melhor obra
Projetados na tela da mente, reviu, numa seqüênciaⁱ vertiginosa, os melhores momentos de sua vida. Ao final, brotaram, dos seus olhos fechados, algumas lágrimas póstumas. Nunca pensara que sua vida desse um filme tão bom...
“Uma rosa é uma rosa é uma rosa.” Gertrude Stein A professora explicava que o poeta queria dizer que a constante pedra no meio do caminho representava os obstáculos da vida. Mas ela só dizia isso porque não era poeta. Se fosse, saberia que uma pedra no meio do caminho não representava outra coisa a não ser uma pedra no meio do caminho. Uma pedra é uma pedra é uma pedra.
ⁱ foi mantida a escrita original da época da publicação.
A criança escuta estranhos ruídos vindo do quarto da mãe. Corre para lá. Ao abrir a porta, vê, através da semi-escuridãoⁱ do quarto, um vulto fugindo da janela. Imediatamente a mãe puxa a coberta até o pescoço. “Mamãe?” “Não tema, querido. Ele já foi embora.” “Mas quem era?” “Um ladrão, filho.” “Ele fez algo à senhora? Roubou alguma coisa?” “Não, meu anjo. Ele não me fez nada, não roubou nada.” Enquanto isso, debaixo da coberta, as mãos dela traíam suas palavras. Ao mesmo tempo que uma descia pelo ventre para se aninhar entre as pernas nuas e lassas, a outra subia até o peito, a fim de conferir se o coração ainda estava lá.
De pé, no buzão, presencio a seguinte cena. Moço de terno pede para sentar ao lado de senhor grisalho. Até aí, tudo bem. Eu, xereta, observo a cena: o rapaz puxa papo com o velho sobre o tempo, etc e tal, e de repente (ele traz uma Bíblia na mão) lhe pergunta: "O sr. teria um minuto para a Palavra de Deus?". E o senhor grisalho, muito educadamente: "Não, obrigado". Mas o moço insiste: "É rapidinho..." e vai já abrindo o livro para ler alguma passagem. Mas o outro o interrompe, um pouco menos educado. "Não quero mesmo. Obrigado". "Mas é a Palavra de Deus...", argumenta o moço. "Para você. Para mim, não é". "É para todos, senhor". E o homem já sem paciência: "Isso é a sua crença. Esse livro, no meu conceito, é mera invenção humana, como tantas outras. Uma ficção com um pouco de história e rasa filosofia". Eita, penso comigo. Isso vai dar treta (pensamentos também rimam). Mas não deu. O que deu, o senhor, foi o sinal. Antes de descer, disse ainda para o rapaz: "Quer conhecer a verdadeira palavra de Deus? Leia tratados de Física". O ônibus parou, ele desceu e eu, antes de disfarçar a minha xeretice, fui pego pelo olhar evangelizador. "E o amigo aí: tem um minuto para ouvir a Palavra de Deus?" Eita. ⁱ foi mantida a escrita original da época da publicação.
Johanna Basford em Pinterest
POE
SIA
DA
TE
RRA
Marco Magalhães e essa maldita cidade com seus pilotis e seu concreto pintado de branco é o que mais me lembra de ti não é teu cabelo cacheado que falta em meus dedos não é teu cheiro doce que não se impregna mais em mim não é o suave cheiro da sua boca adocicada pelo rivotril a não beijar mais a minha é essa maldita asa que em tudo me lembra você e em nada se assemelha com todas aquelas ruas em que nos amamos quando éramos jovens um do outro minha saudade é uma superquadra cortada pelo eixão da tua ausência
bolei um cigarro sambando a seda e o fumo preto entre os dedos e a boca meu pulmão é um porta-retratos guardando a foto desbotada do teu rosto
caminho olhando para os coturnos sujos e arranhados a se estapear por um espaço que o grau alcoólico no meu corpo não permite e nos célebres bancos vandalizados de praças há muito esquecidas pela juventude rebelde eu me deito e me lembro das madrugadas que passamos em claro no escuro do teu quarto onde agora outros se deitam se ficam e se demoram e nada trazem de mim enquanto eu me deito com outras e outros tentando apagar com suor e gozo aquilo que você escreveu com fogo pego no sono enquanto fantasio épocas mais fáceis nas quais em outros braços eu não tentava te esquecer e com outros corpos você não precisava se aquecer
pichei teu nome na parede daquele hotel onde a gente se beijou pela primeira vez ainda ontem te vi e desviei meu caminho logo logo é carnaval mas no meu peito tua lembrança é pra sempre samba-enredo
Marco Magalhães publicou textos em coletâneas como Bacanal e Futura e também em sites como Papo de Homem e Casal Sem Vergonha. Escreveu para o blog Consumismo Cultural na Obvious Magazine e para o site Arte Com Pipoca. Também idealizou o tumblr Jack‟s Cancer, que teve um tempo de vida de dois anos e cujos textos se tornaram material para seu primeiro livro: Diário de Dias Esquecidos.
Carmo Vasconcelos Mulher Fatal Pobre mulher fatal e tão vazia! Fêmea ondulante em rendas e cetim, Avis rara, boneca de pasquim, Toda ela é simulacro e fantasia. Madeixas coloridas, rubra boca, Olhos em alvo, a todos dizer sim, Fez do viver um álgido festim, Imersa em vanidade e estima pouca. Já lhe ferem a pele os gestos ávidos Dos machos esfomeados de luxúria Ante o seu corpo de êxtases impávidos!
Vendeu-se a troco reles de prazer, E agora, corpo gasto e alma espúria, Só deseja partir... Pra renascer!
De repente De repente, mergulhada em bruma, lama sem rumo caída na vereda da ausência. Em rajada de mau vento meus sonhos amputados, meu sangue coalhado na voragem absoluta. Na mente, um turbilhão, a dúvida irresoluta: Farsa, comédia, drama, revolta, dor, ressentimento?... E o ódio enrubescendo em chama! Porém, nos olhos vazios de espanto choro de criança era o meu pranto. Para além do entendimento, de repente, amada de repente, o nada... de repente...de repente!
A Noite A noite sempre a noite... Traz-me de ti os cheiros e as palavras que tento olvidar... E nas paredes nuas põe teu gesto que me afaga como luas os seios e o sexo num incesto de almas gémeas impedidas de se amar. A noite sempre a noite... Acende no silêncio mais profundo os teus lumes e sons de enfeitiçar… Cegam-me de luz os olhos teus e ébria me deixa a tua voz a prometer-me o mundo... E fundo, muito fundo, pela mão da falsa noite eu deixo-te entrar!
Sintonia Hoje, de mão na mão, nos completamos assim como se casam noite e dia; se enlaçam terra e céu em sintonia; namora a luz com o ar que respiramos. Tal como o mar e a espuma nos ligamos, vogando na maré calma ou bravia, amando quer no estio quer na invernia do tempo que ora juntos navegamos. Somos na Natureza caminhantes, seguindo a par seus doutos elementos que, sábios, sempre alternam inconstantes. E também nós, amor, nossos instantes temperamos com doce na acidez e mudamos o gelo em calidez!
Carmo Vasconcelos nasceu em Lisboa/Portugal, onde reside. Escritora, Poetisa, Declamadora, Tradutora, Revisora Literária. Autora de 23 livros - romance, ensaios, poesia. Divulgadora como Directora Cultural da Revista eisFluências e Antologias LOGOS sediadas no seu site FÉNIX: http://www.carmovasconcelosfenix.org
Fernando Antonio Fonseca Constatação não espero sua ausência onde sei que não caminho o que carrego: redemoínho é um embrulho sem aparência invento o próximo encontro se quisesse lhe ver para evitar o confronto convocaria o arco-íris queria a essência da flor e um cálice de perfumes raros subtraindo-me o torpor ao invés do horizonte claro desvisto a mesma fantasia para visualizar o espelho reflexos de uma idiossincrasia com que me assemelho
Rotina termino a preparação determino a última instância precedo o eventual atraso tenho cara de bons amigos trespasso a fronteira entre as duas cordilheiras imagino o céu em diagonal não me canso de calar... as horas ganham as honras e também a sinusite evito o eixo do relógio conquanto sou impelido para dentro renuncio aos subterfúgios para obter segredos dos túmulos a inércia gera ressonância devolvo aos mortos sua mortalha e desprezo a escória silicosa dos ribeirões violados
Visão da Alma se fossem meus óculos que olhassem meus olhos eu não precisaria de lentes de contato e exames com o oftalmologista minha cegueira seria de fora para dentro e à noite ficaria com os óculos fechados e tiraria os olhos para dormir... e quando eu enxergasse alguma coisa seria uma visão da alma ou uma alucinação qualquer? melhor é não usar óculos e ser míope ou ter astigmatismo pra ver se vejo o mundo com bons olhos...
Nozes desfez-se o nó e a nossa voz moscada somos nós mascarados na lâmina da navalha somos a gravata e a barba boba por fazer
Auto-avaliação destaco o pássaro de seu habitat resumo o dia em cenas úmidas ainda há tempo de rever minha rotina e batizar a gestante com a unção do ventre poupo a minha vida nas alamedas doentes apenas temo o que conheço o que desconheço: que mal me fará? remeto minha conduta aos pesadelos intranquilos imagino medusas nas árvores vermelhas e não repito o verso no reverso do espaço branco, branco
Aos “17” anos foi premiado com uma menção honrosa em um concurso de contos da “Academia Municipalista de Letras de Belo Horizonte”. Cursou “Engenharia Química” na “UFMG”. Devido às atividades acadêmicas se afastou da literatura, por um período. Em seguida iniciou o mestrado em “Ciência da Computação”. Publicou em “2013” um livro de poesias chamado “Luzes em Monólogo”. Participou de várias antologias, e publicou poemas em blogs e sites.
Ana Paula Barbosa Se anoiteço Quando o meu corpo veste o teu corpo, desfilo pelos teus braços, rodopio nas tuas mãos, escorro-te pelo pescoço. Em busca de essência me perdi, num mundo até então desconhecido. E foram riachos, e foram montanhas, vales floridos e bosques desconhecidos. Colhi frutos silvestres, bebi das fontes água pura. Quando o meu corpo veste o teu corpo, deixo-me adormecer nos teus braços. Esta noite, impeço-te de me leres os pensamentos. Cerro as pálpebras. [Escondo a alma. De ti. Esta noite, não te deixo ver-me, voo para longe, desfazer-me desta dor, desta [amargura. [... feridas abertas curam-se ao ar...] Esta noite, sou carne e sangue. Rebeldia e revolta, cega-me a fúria, rasgo o [desdém.
Se Quando o meu corpo veste o teu corpo, desfilo pelos teus braços, rodopio nas tuas mãos, escorro-te pelo pescoço. Em busca de essência me perdi, num mundo até então desconhecido. E foram riachos, e foram montanhas, vales floridos e bosques desconhecidos. Colhi frutos silvestres, bebi das fontes água pura. Quando o meu corpo veste o teu corpo, deixo-me adormecer nos teus braços.
Malabarista de palavras, aprende sobretudo com as que tombam no chão. Circula em ambientes abertos em Lisboa, onde nasceu, vive e trabalha. Participa em Concursos, Campeonatos, Antologias & Colectâneas, Obras Colectivas, Workshops de Escrita Criativa (só) para dar dores de cabeça aos organizadores.
Lipe Costa Que a força da boca que eu abro Seja usina na língua que eu bebo E o corte da palavra falada Seja a gíria no verso que escrevo Que a poça do vento que eu choro Seja a dança na frente do espelho Que o peixe na mesa posta Seja o veneno de quem me faz medo E os óculos da retina sofrida Seja o colírio da íris yellow Que a gota da alma triste Seja vida no útero estéril E a seca lá do sertão Seja o balde de quem não me engole E Oxum seja sempre a questão De quem tem contas e sempre resolve
Residente em Alagoinhas-Ba , fotógrafo, co-fundador e escritor de poesia de terreiro na página Barravento, dofonitinho de Oxum, aquariano do primeiro decanato, 27 anos. Lipe Costa
Jardim nos olhos vermelhos de marta as frases do seu discurso sem nexo, a lembrança de que a vida é breve, seu querer não querendo, seu sexo. no riso histérico e romântico de marta a dor, a revolta e a coragem. a certeza de que suave é a noite e nos espelhos a sua imagem. nas mãos geladas de marta o tempo de que já não dispomos, a urgência de que um deus venha e que não lembremos mais de quem somos.
MARTA
levo comigo uma sílaba por onde quer que ande, new york, pequim, chernobyl, em qualquer canção que cante. levo comigo uma sílaba veloz, precisa, fugaz, na guerra eterna de todos os dias ou na quietude de um cais. levo comigo uma sílaba, um signo, um nó, um segredo, um ideograma: a mensagem clara do último beijo.
versos no diário: o avesso do dia, seu comentário. o dia, o riso, o noticiário. versos diários se revezam como as roupas no armário. vida versus vida, raios, para-raios, os risos sucedem as praias, o canto sucede as vaias. em suas páginas o inventário das sombras e das saias. as tarefas, as descobertas, o documentário. os ritos, os mitos, os riscos e o registro, em suas linhas, diário. telefones, nomes, lembranças várias. notas, provas, juras, datas no calendário. os rostos se revezam como as cartas no baralho. O DIÁRIO
Me faço poeta para libertar as emoções aprisionadas nas masmorras da alma, refugiar-me dos meus demônios, contar as mentiras que me tornam verdadeiro. O jardim é uma tentativa humana de organizar a natureza e também uma alternativa para organizar e conciliar a metamorfose das emoções. Mas Jardim também é aquele que me habita, Um pedaço de mim que se aventura pelos portais onde nunca me aventurei. Meu maior patrimônio são os meus versos, com eles construo meu jardim.
Jorge Wesley Bezerra CERA QUEiMADA Como eu gosto de gente que se transforma pelos labirintos da vida nas palavras desse tempo louco e em outras que parecem loucuras maiores loucura no tempo medida não tem e se tem é a loucura de alguém o argumento simples a invasão do outro em mim a troca em si Sinais exibem
Chama vela queima arde Derrete e inflama Gente extinta que profana o mito Instinto que em pleno altar se prostra ao verbo Entre a língua, letra e membro ereto do touro divino Movimento a movimento, e agudo e vice versa e por completo decreto da infâmia Proclama liberdade em batismo em repouso e submerso e mais profundo e ainda mais fundo pois o profano é sagrado o sagrado é insano
Gente que se afoga no gozo e faz de tudo um pouco teoria mitologia da memória fantasia fé nostalgia de um futuro distante boca em boca a boca clama engenhosidade estranha que molda com as próprias mãos mel de abelha e céu dando acabamento com a língua santa Lança o filho a própria morte que sorte teria o homem? Deu-lhe então duas asas para que pudessem ir mais longe
nele o significado de alguma coisa e a significância do nada um abraço apertado entre covardia e coragem abraço e coragem de verdade de gente de verdade gente que se desfaz e se refaz no mesmo eu todo dia Gente que viaja sem sair do lugar tira os dois pés do chão Esquece o bom conselho do pai e vai tão alto tão longe tão fundo quanto a cera permite
Liberdade do improvável Dependência do impossível Gente que como Ícaro, inebriado pelo desejo voa bem próximo ao sol da imoralidade do deslumbre da imortalidade do impuro sem medo de se queimar de ser feliz e despenhar no mar Egeu flutuam penas sobre imensas águas Sobre imensas águas ele andou
Poeta e cronista, trabalhando há 03 anos em seu primeiro romance. Servidor publico federal. Jorge Wesley de Souza Bezerra é nascido em 11 de julho de 1981 na cidade de Castanhal, PA. Morou por 10 anos em São Paulo onde trabalhou em uma gravadora, música e grandes eventos era sua rotina através dos estados brasileiros. Em 2012, volta ao Pará e é aprovado em primeiro lugar no curso de Letras língua espanhola pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Em 2013 foi selecionado e publicado em antologia pela instituição (III prêmio PROEX/UFPA de literatura).
Elisandra Campos Violino Mudo ...E assim me retiro em silêncio. O mudo é meu tormento Onde o violino se cala E minha dor se abala Um homem sem palavra Em noite sem sono meu corpo se acaba Olho para o céu e penso: que terei feito? Culpada, inocente, que ensejo, anseio... Acabo em pensamentos dormentes.
Um salmão, um vinho, um sushi. Um salmão que parou na peixaria, Um vinho que não saiu da adega, Um sushi que não passou de um sonho, Uma mulher que aparece no meio da história Abandonada numa noite fria...
Oh, dor... Quanta lágrima caída! Sofre mulher frívola, deixa a dor ressentida... Um homem a tocar numa noite cálida, A sorrir das lágrimas daquela a quem maltratada estava, Sonetos e rimas num acorde Sopram ao vento no pensamento De quem desprezada foi.
Fotógrafa, formação Técnica em Processos Fotográficos pelo SENAC/ SP2016. Atriz profissional. Dançarina modalidades Dança do ventre, moderno contemporâneo e Ballé Clássico. Escrevo textos teatrais e poesias. Artes plásticas: óleo sobre tela
Nadia Junqueira AI DE TI Ai de ti e de todos que levam a vida a querer inventar a máquina de fazer felicidade (Alberto Caieiro)
Ai de ti que teces teias e tramas nas entranhas do mundo. Ai de ti que fazes fibras e frestas nas fornalhas do mundo. Ai de ti que clamas choques e chamas nas camadas do mundo. Ai de ti que sopras gases capazes de assolar o mundo.
Ai de ti, de mim, de nós, perdidos sem bússola nos olhos e rastros desse mundo vasto mundo desafiando em soluços confusos o pó dos corpos o eco das palavras o limbo dos vivos e o duelo do silêncio na urgência da rendição desarmada.
Nadia Junqueira Maciel Ferreira, de Cruzília (MG), professora aposentada, formada em Pedagogia, Supervisão Pedagógica e Pós-Graduação em Teologia e Cultura. Viúva, mãe de 02 filhos e avó de 03 netos, 73 anos, leitora de ensaios, romances, contos, crônicas e poesias. Participante de concursos literários (1996 a 2016) com premiações em 10 cidades de MG, SP, RJ, com Peça Teatral, Crônicas, Contos, Poesias, Redação (professores), Festivais da Canção local, Monografia do Rotary Clube (Aquecimento global) e Dicionário Ruas de Cruzília (MG).
Aldenor Pimentel Êxodo No êxodo narrado na Bíblia, o povo hebreu feito escravo no Egito caminha pra libertação na Terra Prometida E por muito tempo assim será: quem parte, busca uma vida melhor Migrantes Refugiados Nômades Retirantes
Sem razão Ernesto nunca teve educação nem qualquer outro direito desde sempre, todos lhe foram negados Um dia, Ernesto não se conteve olhando direitos que nunca teve cuspiu na mão que o esmagava Ernesto perdeu a razão gritou contra a mão que o calava de berço pobre, cansou de ser pobrezinho quem nunca se levou pela emoção ali deixava a razão de lado
Mas, cá entre nós, pensando só com a razão, no seu lugar, muitos fariam o mesmo e com razão e digo mais: e até mais.
Aldenor Pimentel é natural de Boa Vista-RR. Jornalista, poeta e escritor, recebeu mais de 20 prêmios e menções honrosas em concursos literários nacionais e internacionais. É autor do livro Deus para Presidência (2015). Mantém o blog O Estado da Arte de Aldenor Pimentel, escreve para a coluna Letras Políticas, do Portal da Escrita, e é colaborador da Revista Pacheco, revista literária on-line.
PROSA DE RAÍZ
Adnelson Campos Adágio Depois de tantos anos subi a ladeira revestida de pedras e com algum esforço superei os
degraus da Igreja Matriz. A noite estava fria, precisava me abrigar do vento. Antes, admirei a cidade lá do alto da colina. No céu límpido, olhei para as estrelas, como fazia no meu tempo de garoto. Também era possível observar o casario e os contornos da Serra de São José. Minha cidade continuava serena, calma. Entrei. A igreja estava cheia. Consegui acomodar-me. Todos os olhares já se dirigiam ao altar-mor. No mais absoluto silêncio, se podia ouvir o ruído do fogo consumindo os pavios das velas que iluminavam o ambiente. Apesar da pouca luz, o material do douramento se destacava em meio às pinturas e estátuas que povoavam o altar. As imagens de santos e anjos também pareciam admirar a beleza da jovem, que agora impunha seu violino. Em seu vestido branco, de pele alva e longos cabelos negros e ondulados, ela parecia mais um deles, saltado de uma das paredes. Apanhei o folheto depositado no encosto do banco e busquei identificar a violinista. Incrível! Ligia, a minha pequena Ligia, hoje mulher feita, continuava linda. Lembrei-me de um dos dias em que brincávamos nas ruas de Tiradentes, descalços e pisando as ruas calçadas com lajes de pedra ou revestidas com pés-de-moleque. Passávamos em frente ao prédio da Prefeitura e, em meio a algazarra da turma, Ligia parou para escutar. Voltei para ver de que se tratava. Ela pegou em minha mão e me disse: - João, ouça! O som dos anjos! - É só um violino – respondi. - É mais do que isso: um violino, um violinista e a música. É algo divino.
Ela conseguiu que eu parasse por alguns instantes, vencendo a minha inquietude. - Eu tenho um sonho. Vou ser uma violinista e farei um concerto na Igreja Matriz – me disse ela com um belo sorriso. - Mas você nunca tocou nada na sua vida! Para se tocar uma música como essa é preciso estudar, praticar. Nem violino você tem! - Mas vou ter e eu sei que posso, esta música tomou conta de mim. Foi como se ela me chamasse: “Ligia, vem, ouve, toca por mim. ” - Já estou ficando assustado! - Calma, bobo. É só o espírito da música. Tudo pronto no altar da Matriz de Santo Antônio. Concentrada, Ligia produziu os primeiros acordes. Arrepios tomaram conta do meu corpo. Depois, não tive como conter as
lágrimas. Era a mesma música que ouvi quando criança. Talvez naquele dia fosse o espírito do próprio Bach que estivesse a convidando para executar o seu Adágio. No dia em que nos despedimos, em frente ao Chafariz de São Jose das Botas, eu carregava as malas nas mãos, rumo a São Paulo e ela mudaria na semana seguinte para São João Del Rey onde estudaria. Falamos dos nossos planos: eu seria um motorista de ônibus para sair dirigindo mundo afora, ela seria veterinária, pois amava os bichinhos. Ela me beijou pela primeira e única vez. Não tínhamos certeza dos nossos sentimentos, se éramos meio irmãos, amigos ou algo além. Só quando me afastei, percebi quanta falta Ligia me fazia. Neste tempo em que fiquei longe, me desliguei dos meus sonhos e resolvi correr o mundo. Deixei de lado a faculdade de engenharia, o emprego, os amigos e a minha querida Ligia. Éramos só eu e minha mochila. Foram três anos de estrada, alguns idiomas aprendidos, muitas horas de solidão. Numa de minhas últimas cartas eu disse a ela que só voltaria quando tivesse conquistado algo na vida. Até que chegou a hora, decidi voltar, retomar a vida, buscar mais estabilidade. Conclui meu curso, consegui trabalho e algum dinheiro para investir em meu próprio negócio. Ligia tocava divinamente, com expressão serena, porém cheia de energia. Foram cinco minutos de intensa emoção. Ao final as lágrimas continuavam molhando meu rosto e eu aplaudia com entusiasmo. Uma senhora ao meu lado falou, baixinho: - Joãozinho, a nossa Ligia está linda, não é? - Olá Dona Candinha! Tudo bem com a senhora? – Sorri lembrando do quanto saborosa era a comida dela e do carinho com que nos tratava.
- Olha meu filho, a minha neta está muito feliz. Ela sonhou com a sua volta por muito tempo, porém ela resolveu levar a vida adiante. Queria lhe pedir que não a atrapalhe. Neste exato momento o mestre de cerimônia pediu a atenção de todos. Um rapaz surgiu da porta de entrada da igreja com um buquê de lindas rosas vermelhas. Foi até próximo dela, entregou as flores e beijou-a. Em seguida apanhou, no bolso do paletó, um par de alianças e a
pediu em casamento. Ela sorriu, o abraçou novamente e retomou o concerto, sem desviar o olhar do rapaz. Despedi-me de Dona Candinha, que me disse: - Não contarei que esteve aqui. Saí. Passei a noite perambulando pelas ruas da cidade. Quando o dia quase amanhecia, fui até à beira do Rio das Mortes, no local onde costumávamos pescar à sombra de um grande jacarandá. Nos pés da árvore, no lado onde
havíamos deixado a nossa marca, fiz um pequeno buraco e enterrei o anel que eu pretendia entregar para a minha Ligia. De volta à cidade, depositei o violino, que eu comprara numa loja de antiguidades de Viena, na varanda da casa dela. Comprei uma passagem para o primeiro ônibus que deixaria a cidade e parti. Procurei um banco isolado, fechei os olhos, pois não queria ver mais nada
que me lembrasse o passado. Já não tinha mais forças para chorar. As conversas e ruídos no ambiente confundiam meu pensamento e as vozes pareciam se multiplicar aos milhares. Eu me esforçava para concentrar-me no vazio. Parecia impossível. Apanhei a jaqueta e cobri a cabeça, numa atitude desesperada de afastarme do mundo ao meu redor. Assustei-me com a freada brusca do veículo. Todos se levantaram para ver o que acontecia. Empilhados no corredor, os passageiros chamavam de maluca a garota que se jogara em frente do ônibus. O motorista não teve tempo de frear. Perdi-a para sempre. .
Adnelson Campos, 53 anos, administrador, casado com Denise, pai de Lucas, Vinícius e Helena. Autor do livro Histórias que as estrelas contam – um pouco de astronomia para adolescentes. Possui vários textos selecionados e publicados em antologias impressas e digitais.
Giordana Medeiros História Urbana “Quando?” “Um dia”. “Mas que dia”? “Qualquer dia desses”. “Mas quando?” “Já disse mulher, um dia”. O homem empurrou a esposa com brutalidade. A mulher caiu por cima de uma barraca de camelô. O autônomo irritado e temeroso de perder a mercadoria gritou: “aí, xará, você vai pagar pelo que quebrou”. A mulher chorava caída sobre os produtos de origem chinesa. Um menino de rua, aproveitando-se da confusão, agarrou uma das mercadorias que jazia no chão e correu. Apesar dos apelos do camelô, o menino sumiu entre as pessoas que assistiam ao espetáculo que se apresentava em plena tarde de segunda-feira entre o Conjunto Nacional e o Conic. Injuriado, o vendedor atacou o homem: “viu, culpa sua. Ah, mas você vai pagar por tudo. Nem que eu tenha de chamar a polícia”. “Vai chama a polícia, aproveita e chama a Agefis, também, seu ambulante”. “Sou sim, mas trabalho com meu suor”. “O que mais você traz do Paraguai além dessas suas tralhas? Ein? O quê”? “Você está me insultando. Eu sou camelô, mas sou honesto…” “Ah, tá, vai lá senhor honestidade”. O homem levantou a esposa chorosa. “Vamos mulher e pare de chorar, que nem te bati nem nada”. “Ah, não vai não. Antes tem de pagar pelos meus danos”. O ambulante gritava. Em pouco tempo uma multidão reunia-se entorno da cena. “Não vou pagar por nada. Você nem tinha de estar aí. A via é pública”. De repente um grito soou ao longe: “olha o rapa”! O vendedor recolheu seus produtos antes que o prejuízo fosse maior. Saiu correndo com uma multidão de ambulantes que temiam perder a mercadoria para os agentes da Agefis. A discussão teve fim. E o homem respirou aliviado. “Viu o que você me obriga a fazer”? A mulher murmurou algo de cabeça baixa. “O quê? Repete para que eu possa ouvir”! “Nada não, desculpa”. “Ah bom. Pensava que queria me desafiar. Aí eu iria te ensinar a me respeitar. Sou seu marido. E quem paga a sua comida e a dos seus filhos, sou eu”. “Nossos filhos”. Retrucou a mulher e um tapa estalou em sua face. “Quem te ensinou a me responder, sua vagabunda”? A mulher com as mãos na face em chamas, entre lágrimas sentidas, sibilou um pedido de perdão. O homem puxou-a violentamente pelo braço a caminho da Rodoviária. “Vamos, que só me falta agora é perder o ônibus por sua causa”. “Chip da Tim, já vem com bônus e internet”. Gritava uma vendedora. Mendigos disputavam espaço com o comércio de produtos de procedência duvidosa e passageiros que transitavam de lá para cá. “Iphone novinho. Vai querer, moça”? “Ela não vai querer nada não, rapá. Ela não tem um pau para matar uma onça”. Zombou o marido. A mulher abaixou a cabeça ressentida. O homem continuou com os insultos. “Maldita hora que fui casar com você. Mas, naquele tempo, você era bonita. Agora está aí: cheia de varizes, estrias e com um buxo enorme”. Ela ouvia resignada todos os impropérios que o marido lhe dirigia. O homem puxava violentamente a esposa pelo braço. “Se tivesse escutado minha mãe… Ela dizia: “esta aí é uma imprestável, só vai dar prejuízo”. Dito e feito. Olha você. O que você é? Nada. Só faz cozinhar e limpar e ainda faz muito mal”. As pessoas já olhavam indignadas para a violência contra aquela pobre mulher. Uma senhora bloqueou-lhes o do caminho. “Pode parar, não vou deixar você maltratar mais a sua esposa”. “Sai da frente, velha, não se mete”. Respondeu o homem, grosseiramente. “Não vou permitir. Solte o braço dela. Vamos já para a delegacia da mulher”.
Insistiu a senhora corajosamente. “Não te disseram que em briga de marido e mulher não se mete a colher”? Alertou o homem à idosa e voltando-se para a cônjuge: “Olha, sua vagabunda, pelo que me faz passar”! A idosa puxou a mulher para desvencilhá-la dos braços do marido. A mulher não sabia o que fazer. Queria a salvaguarda da senhora, mas temia apanhar quando voltasse para casa. Afinal, tinha momentos que ele era bom com ela. Ficaram mais raros porque estava desempregado. E a falta de dinheiro era ruim para todo mundo. Por isso estava tão nervoso. Mas, tão logo encontrasse um trabalho fixo e não tivesse de viver de bicos, tudo iria melhorar. Pelo menos era o que, à noite, ele a prometia entre lágrimas sentidas. Não tinha coragem de abandoná-lo neste momento tão difícil. Ele precisava do auxílio dela, só não conseguia admitir frente as outras pessoas. A mulher, então, se pronunciou. “Ele é meu marido. Está nervoso, mas, normalmente, não é assim”. A senhora ficou atônita. Não tinha como convencer à vítima da perversidade de seu algoz. E a mulher continuou, ao lado do marido, seu caminho. “Ah, se você desse só um pio contra mim, só queria ver. Iria deixar você toda roxa”. A mulher respondeu apenas que: “nunca faria nada contra ti. Sei que os tempos estão difíceis. Eu não deveria ter insistido para saber quando você levaria a Pauliane ao médico. É que ela está tão doentinha. Dói o coração ver minha filha tão fraquinha naquela cama”. “Mulher, eu já não disse que estou sem dinheiro? O médico vai mandar eu comprar remédios. E não tenho o suficiente nem para o pão de cada dia, imagina para ir na farmácia com uma lista enorme de medicamentos…” “Eu… Eu tenho medo que ela morra…” Disse a mulher com a voz embargada. “Ela não vai morrer. Não aguentou até agora? Ela suporta mais um pouquinho. Agora corre que o ônibus está saindo. Viu, no que dá as suas confusões? Se a gente perder o ônibus, você vai ver”. Correram até o veículo que já manobrava para sair da baia. Mas o motorista parou e as portas abriram-se para que o casal embarcasse. Sentaram ambos, lado a lado, em um banco frente ao cobrador. “Tomara que eu consiga aquela vaga de servente naquela empresa. Se conseguir, vou levar sua filha ao médico. Você entende, não é? Tenho medo de não sobrar nada para nós todos. São oito pessoas naquela casa. Você prefere ficar sem comer? Pois é isso que vai ocorrer. Então, vai morrer todo mundo, não só a Pauliane…” A mulher de olhos baixos, murmurou: “ela não vai morrer. Deus não vai deixar”. “Seu Deus é muito poderoso, não é? Manda ele me arranjar um emprego. Então, toda a nossa situação muda de figura. Não vou precisar mendigar pelo auxílio dos outros. Nem mesmo, aguentar insulto na rua por causa de você”. “Eu rezo todos os dias, peço que Deus nos ajude e que salve a minha menininha”. “Deus não faz nada por nós. Fica rindo do sofrimento da gente aqui na Terra”. Resmungou o homem. “Não diga isto. Deus é tão bom para nós. Estamos conseguindo viver apesar das dificuldades e tenho fé que você vai ser chamado para aquele emprego” disse a esposa esperançosa. “Fé não é o suficiente, mulher. Não é”. Por fim, completou o homem com olhos na paisagem que passava veloz pela janela do ônibus. Após duas horas de viagem, o ônibus chegou à Santo Antônio do Descoberto. Ambos os cônjuges desceram no ponto e andaram por algum tempo até avistarem o barraco que alugavam. Entraram e cinco das seis crianças que possuíam correram para a porta. Todas a falar ao mesmo tempo. A mãe pediu calma e o mais velho pronunciou-se por todos. “A Pauliane não está bem. Ela não se mexe, nem respira. A gente tem que ir com ela para o hospital”. A mãe correu para o quarto onde menininha estava. E o que a mulher viu foi um o corpo hirto e arroxeado sobre a cama. Sem esperanças, ela abraçou o corpo da filha e chorou. Não questionou a vontade divina. Se tinha que ser daquele jeito, era porque Deus pensou ser o melhor. O homem entrou no quarto. “E aí, morreu”? A mulher balançou a cabeça, afirmativamente. “Porcaria, agora a gente tem que chamar a polícia. Vai, veste uma roupa nela. Vamos levá-la ao hospital e dizer que ela morreu quando procurávamos por socorro”. “Será que você não se ressente nem pela morte de sua filha?”
Disse a mulher sem sequer levantar a cabeça “Vai agora agir cheia de sentimentalismos? Se a polícia pegar ela aqui, nós dois vamos para a cadeia”. A mulher correu para a porta, tranco-a e jogou a chave fora entre as grades da janela do quarto das crianças. E gritou: “Edirlei, vá para a casa da vizinha e liga para a polícia”. A mulher estava abraçada ao corpo da menininha. O pai dizia que iria matar a mulher para ela acompanhar à filha ao inferno. A mulher desafiou-o: “bate, vai me bate, que além da morte de sua filha você vai responder ainda por agressão”. “Você ficou doida, mulher”? A mãe abraçada ao gélido corpinho da menina, disse: “eu e você matamos nossa filha. Eu, por esperar tempo demais e você, por considerar qualquer coisa mais importante que sua família. Enquanto você só agredia a mim, estava tudo certo. Mas, ao desprezar sua filha doente, você foi longe demais. É tempo de darmos um jeito nisso”. “E seus outros filhos, o que será deles”? “Agora você pensa em NOSSOS filhos? Eles vão viver com a sua mãe. Está mais que na hora de dar para ela o prejuízo que tanto dizia”. O homem ainda tentou arrebentar a janela e a porta. Mas foi em vão. Em alguns minutos as viaturas estacionavam frente ao barraco. O homem sentou-se sob a janela, olhou o corpo da filha nos braços da mãe e chorou.
Giordana Maria Bonifácio Medeiros tem 35 anos, nasceu no Gama-DF, é licenciada em Letras pela Universidade de Brasília-UNB, é bacharel em Direito pela Universidade do Distrito Federal – UDF, é Pós-graduada em Ordem Jurídica pela Escola do Ministério Público do Distrito Federal e é advogada pela OAB/DF.
Cristina Bresser ressaca nasci calma e delicada, mas fui presenteada com o nome de maria capitolina! minha mãe deve ter tido dores de parto excruciantes para se vingar de mim desse jeito. ou terá sido ideia do meu pai? complexo de gente pobre que na falta de um “pedigree” adequado, compensa seus rebentos com nomes esdrúxulos. eu fui desde sempre tímida e discreta. julgada por alguns como cínica e dissimulada. torneime capitu, dos olhos de ressaca. não lembro como adquiri este “sobrenome”, mas quem me apelidou me conhece. intimamente. ressaca, sim, daquelas bravas do mar. violenta e ensurdecedora. ondas enormes quebrando-se contra as muretas da praia, carregando o que encontra pela frente, invadindo a terra, limpando, transformando e destruindo tudo aquilo que não tem base sólida. esta sou eu. a ressaca por detrás dos meus olhos só é percebida por poucos privilegiados. estes conhecem minha alma. será que alguém sabe como me sinto? quando foi que bentinho deixou de ser meu melhor amigo, companheiro inseparável, para se tornar este marido ciumento e desconfiado? um homem cinza, assim o vejo atualmente. espectro amargo, quase um casmurro! não me recordo o dia exato que acordei ao lado deste estranho numa cama fria, num quarto escuro numa casa que há muito deixara de ser um lar. quem sabe bento santiago teria sido menos infeliz na vida monástica, como dona glória havia prometido quando lhe deu à luz. toda esta tragédia é no fundo culpa dela. sogras! tentar enganar à deus? se ela tivesse cumprido a promessa à risca, quem sabe nossas histórias teriam sido menos desastrosas. hoje talvez eu fosse casada com escobar. se o destino fosse menos sarcástico, envelheceríamos juntos. ele continuaria nadando em mares agitados como sempre lhe aprouvera. e eu não teria essa alcunha sombria. hoje faço jus a ela. ressaca, sim! talvez não tivesse me casado de forma nenhuma. se eu tivesse escolhido o celibato, teria me poupado de tanta discórdia, dor, julgamentos precipitados. e da amargura que veio junto com tudo isso. agora me exilam. culparam-me e fui silenciosamente condenada por algo que nunca terão coragem de provar. ezequiel, filho amado. por ele suportei a angústia de um casamento sem paixão, há muito sem tesão. por ele valeu continuar a viver. e calar. jamais imaginaria que bentinho pudesse ter sido tão vil. covardia descontar suas frustrações num inocente. por toda a eternidade vou culpá-lo por nossas infelicidades. pulha!
perdão para ele é fora de cogitação. meu filho não se tornou um homem feliz e seguro por conta da maldade do pai. ouvi dizer que bentinho está construindo uma morada tal qual à da sua infância na rua de matacavalos. e que pensa escrever suas memórias. quem iria lê-las? quanta soberbia! desejo-lhe uma vida longa e circunspecta, doutor bento de albuquerque santiago. não preciso desejarlhe uma velhice infeliz. disso já me certifiquei! quanto à mim, não consigo me imaginar envelhecendo. não nasci para me tornar a avozinha afável que se realiza limpando ranho de narizes congestionados. ou batendo bolos e mais bolos até ficar com os braços flácidos para saciar as lombrigas dos fedelhos. papel escrito sob encomenda para a doce sancha. O que eles chamaram de exílio, para mim é liberdade, ainda que tardia! talvez um dia eu mande às favas minha discrição. dou uma de louca e provo que não são apenas meus olhos de ressaca. meu corpo todo é tormenta, minha mente é trovão e minha alma, ah, essa é puro maremoto! ezequiel, meu filho amado! um dia, quem sabe... os olhos de capitu se cerram, sua imagem se esvai. fecho o livro, vou em frente.
Comunicação-UFPR, Proficiency in English-Cambridge University, Escrita Criativa, Oficina Relatos de Viagens, 2014, com Otto Winck. Autora do conto Capitolina, do Livro Torre de Papel, 2015. Oficina de Romance, Cezar Tridapali, 2016. Julho e agosto/2016, Creative Writing (bolsa de estudos) da University of Edinburgh, Escócia. 2016, prêmio de primeiro lugar contos - Captolium, no I Concurso Literário do Núcleo em Direito e Literatura, em Fortaleza, CE.
Ana Luiz Pelo Menos Naquele momento senti que não conseguiria suportar nem mais um minuto naquela casa. Levanteime da fatigante cadeira e lancei-me em furiosa corrida até à porta da rua, levando pelo ar as cortinas arrancadas às janelas do quarto e a carpete enegrecida do corredor. Quebrei a porta com o peito, de braços abertos sentindo os destroços de madeira queimar-me a cara, enquanto solicitava que o ar fresco do exterior me enchesse o tórax magoado. Mas foi ar bafiento com cheiro a doença e decrepitude que inalei, acordando-me para a triste realidade. A épica e ciclónica corrida que tinha vivido na minha mente tinha-se resumido afinal a seis ou sete cambaleantes passos, que apenas, e a custo, me levaram ao início do corredor. Aí me encontrava em cima de pernas tão débeis, que sem os braços apoiados na parede não susteriam o meu corpo de pé. Sentia tanto sofrimento quanto a doente de quem cuidava, um puro exagero uma vez que pessoa vencida por sedativos que abandonara no quarto estava a falecer. Toda aquela situação era avassaladora e arrependia-me amargamente por estar ali. A minha chegada parecia ter ateado um qualquer incorpóreo rastilho que acelerara o seu processo de expiração. Levantei a cabeça, olhei a velha parede amarelecida e toquei novamente aquelas marcas. As lágrimas vieram-me aos olhos instantaneamente deflagradas pelo meu sentimento de tristeza. Era tudo triste em excesso, amargo em demasia. Aquelas marcas simbolizavam mais do que apenas a ausência de quadros, e eu sabia-o. Soubera-o quando a agora moribunda, deitara no lixo os quadros responsáveis pelas marcas e comigo se confessara «Se pelo menos eu tivesse tido algum talento para a pintura, poderia ter sido uma pintora famosa, mas vê-se aí nessa porcaria desses quadros como eu seria sempre mediana…mediana não, medíocre!» Não havia filhos ou família a quem deixar os quadros, desculpa que tentei utilizar para tentar demover a autora dos mesmo. «Mãe? Eu? Não me faça rir…Se pelo menos eu tivesse um pingo sequer de instinto maternal, talvez…mas trazer crianças ao mundo para terem uma mãe como eu? Deus nos livre!...», dissera a esse respeito. Do corredor conseguia ver a biblioteca também ela esvaziada, todos os livros queimados. A máquina de escrever antiga fora partida como tantos outros objetos magníficos. «Se pelo menos tivesse talento para escrever…para fotografar…para tocar um instrumento…para cozinhar… para ser esposa… amiga… tia…». O padrão estabelecia-se, cruzava-se nos caminhos da sua vida que chegaria agora brevemente ao fim. Teria sido famosa sim, se pelo menos… Mas não fora, nem famosa, nem excecional, nem mediana, nem medíocre, nem nada. Simplesmente não fora. Nos últimos meses eu tivera a angústia de assistir à destruição do pouco que ocupava ainda algum espaço naquela casa, tudo o que era seu ou que fora feito por si. Da vida dela nada sobraria, consistente com o facto de a sua vida ter sido uma perene contestação, uma não vida. Negara-se simplesmente a viver por calcular que não o poderia fazer de forma excecional. E agora morreria, sozinha sem sequer entender o que fizera da sua vida. Eu era a assistente, que testemunhava de alma triturada esta pungente morte, e à aflitiva e cruel história da sua morte em vida. Era esmagador.
De onde me encontrava espreitei o quarto, e notei que lutava para respirar. Voltei lentamente e nauseada para o seu lado, ocupando o lugar na cadeira que sabia nunca mais ir esquecer enquanto eu própria vivesse. Peguei-lhe na fria mão, afagando-a enquanto pensava em como ninguém merece morrer sozinho, nem mesmo aqueles que desperdiçam a vida e que já estavam mortos há muito, como ela. Inesperadamente abriu os olhos e proferiu alto e a bom som como se nada lhe atrofiasse a respiração «Se pelo menos eu quase morresse mas depois voltasse e contasse a todos a minha experiência de quase morte…» e caiu como se desmaiasse, calando-se quase tão repentinamente como começara. Voltei a sentir-me mal e novamente o meu corpo exigiu que me levantasse por minutos. Na casa de banho depois de ter vomitado, vi a minha própria brancura aflitiva no espelho. Lavei a cara mais vezes que o necessário, tentando que as palavras que ouvira escorressem para o esgoto onde pertenciam. Que desconsolo pensar que talvez aquelas tivessem sido as suas últimas palavras. Eu não conseguia compreender. Eu vira os seus quadros, lera os seus textos, vira as suas fotos, ouvira-a tocar piano, comera do que ela preparara… Ela poderia ter sido excecional em tudo. Mas agora morria apenas com quarenta e cinco anos, conseguindo ainda assim rejeitar e espezinhar a sua vida naquelas que talvez tivessem sido as suas últimas palavras. O espelho refletia-me a sentença de tentar sobreviver enquanto ela morria. Que angústia aniquiladora. Se pelo menos o rosto maldito que me olhava não fosse o mesmo da pessoa que findava na cama. Se pelo menos tivesse mais tempo. Se pelo menos eu não fosse ela. Se pelo menos não fosse já.
Ana Luiz nasceu em Portugal em 1974. Possui formação superior em Psicologia e em Informática, e é apaixonada pelas letras. Publicou solo o romance “O QuebraMontras”, e os contos “Ashram” e “A Lagartixa Manca e o Homem Desempregado”. Participou também em diversas coletâneas, antologias e revistas, tendo alguns dos seus contos sido distinguidos em concursos literários. Site: http://cristinaluiz.wix.com/analuiz
Ronald Oliveira Aqueles Saltos das Madames Judias Androides feitos de poesia e névoa surgem em passos cada vez mais parecidos com aqueles saltos das madames judias que saiam dos bordéis sujos da Armênia. Suas meias-calças desfiadas com o cinzento do cigarro. Teias piramidais empilhadas no seu quartinho de hotel lembram o cuspe que dei na sua cara, depois do fumo ser manipulado por uma ilha. Por uma ilha fui observado metodicamente. Lá, semelhantemente aos homens simples como nós, de uma ou de outra forma sabemos da efetivamente importância do fazer o que outros homens de boa índole; os das outras e muitas das mesmas categorias que os animais, que os cientistas lunáticos ou que, puxando o rabo dos filósofos ratos existentes na lógica do fazer o correto, tudo sem erro e com clareza. Consideramos esta uma questão fundamental e geral e por isso partimos da idéia de que as idéias a seguir, por exemplo, chegaram lentamente, se por um lado numa certa tradição de saltos em meio às roupas francesas, inclusive com associações muito bem feitas, dignas de um alfaiate. Bem esta não é a discussão aqui. Trata-se de um exame das imagens australianas aborígenes de mais tarde, lembrarei também do cheiro que diz sobre a importância do pancalismo, um pancalismo nas cavernas? Quem sabe um achado como a da tintura de algum duque ou como no corte de carne de um açogueiro do Rei. O ofício é o seguinte: Administrar duas etapas: a máquina de cunhagem e os cozinheiros na arrumação do banquete do Rei. As imagens nos parecem mais bem largadas em sua imediatez. O que faço aqui é uma tentativa penetrante de fugir dos franceses, de, olho no sapato da madame judia, na verdade, segue uma proposta de que Elas, isto é, as idéias, chegam até mim enquanto imagens, com muito mais força do que antes. Elas estão ou estaria num mundo do mundo. Um mundo que não é uma substância de muitos saltos. De qualquer modo, mas sem dúvida é uma passagem como sempre foi para os antigos. À moda Armênia. As formas gástricas viram meu intelecto com muita vontade de pensar. Foram até gentis, mas, as minhas formas gástricas atingiram dores maestrais. Hoje mesmo os Glúteos grandes que tenho os achei na floresta de muitos. Glúteos estes que também encontrei em pensamentos às vezes elegantes e às vezes irascíveis. Então continuando, olhei para o farol da pick-up de Michele – a garota armênia e judia - e meu cigarro deixou aí mais uma cinza no pote do casarão onde o camaleão se escondeu. Lá e ali e o pensamento escondeu com mais esforço o esquadrinhar do grande sistema de nível quântico. Esse mundo não é o de Michele e nem o meu.
A história que se passa é muito rápida e não tem o quê de alongar-se porque rapidamente terei que pedir mais uma bicicleta para pegar o côco das cinco da tarde. Então, minha vida filo-gostosófica consistia em dar uma volta e tomar um côco três vezes ao dia. Aos poucos fui vendo que era o maior presente que eu poderia dar a outra pessoa. Por isso fui fazendo comigo mesmo todos os dias e insistido em tomar côco com desglutinador e depois ralar e comer na tapioca. Ei, estou cansado. Olho para os lábios, mas eles não me querem. Olho para a terra e as sementes não choram. Não quero que a tristeza vá e ao mesmo tempo, no meu leito de consolação, na hora da morte que eu repouse com meus filhos próximos. E espero que eles me enxerguem nesse meu leito mesmo. Temo que a desonestidade comigo e com meus sonhos seja o encontro com os monges do desprezo. Meu choro não tem ouvinte e não chegam até o teu juízo, grandíssimo Duque. Ó Altíssimo, ajuda-me, tira-me deste embrulho. eu quero sentir os choros, as lágrimas dos outros, sem entender as minhas eu choro bebendo com outro bêbado que diz que o estado de tristeza é melhor que a embriague.. De que valem as depressões? Se eu não entendo nem os portões pretos que a poeira do deserto me traz. Oh!De que valem meus vales e depressões e os tão grandes portões. E eu sairia a badalar rua afora: SIM-NÃO. E na superfície cobrir outras superfíceis. O verdume cristalizado arrepiou apressadamente o sabor amargo do café. O prontuário de cada corpo vegetal desertou até chegar no braço do mar. Um esqueleto achatado deslizando na neve O autóctone androgenizado! Arajá, palmeira tropical ao fundo. Mas Mandacaru a frente dos discursos era a paisagem da pastelaria mais imediata... As ervas doninhas corriam animadas, pisoteando as pisados do pequeno gladiador. E uma pitada de pitanga caiu com o sopro do daga escuro. Horas do desassossego; quantas horas me virão destas ? Estas horas são virtudes dos loucos. Te envergonharei diante da tempestade Santa do adivinho. Seremos marionetes ou artifícios da Senhora da Severidade lá no imaginário da Cruz? Pobre Cruz. Michele gritava ao percebê-lo! - Vai-te Sacerdote Maligno: Foste a tua operação que desencadeou a ira de Arjuna, a mística judia de saltos. De nada Valem os portões de Dr. Weimar. Carmo circundou para fora da Novela e tomou feições horrendas e o seu coração circuncidou o coração de uma borboleta. Caminhou com a onça no lombo, como vindo de uma charqueada. Então, me mostrou no lombo de um jumento as frutas mais belas e mais novinhas do Jardim. A Casa susurrava: - De tudo sei fazer. Enquanto isso a Senhora Severo criava planos: não deixo ninguém mexer nas roldanas! Os anzóis eram temas de novela e o louco me arguiu: É louco, é? Fez o meu coração ainda mais oprimido, mas o pôs de pé, ao menos. Calcificou um gole de café nas tuas têmporas. A carne é quente como o sukco das árvores, do Jardim de Deus. À tardinha, além dos baldes virarem, eles planavam nas chuvas de sangue vindas da linguagem planetárias. O peixe de Michele tinha a textura das nuvens e a casa murmurava ao observar a velha Severo lambendo os beiços sem batom. Esclareça este olhar perdido, dona. Esclareça! - Casa, a espinha dorsal do Oceano, tomou como isca a Clávicula de Deus. As vértebras umedecidas absorveram auréolas de anjos. Radiografia de um campesinato. Carmo fora angélica antes que estacionassem outros jardins cobertos por fibra Carmesim.
Severo metia-se de sangue e gabava-se diante da hélice de um Girassol. Pó dos jardins de Deus são comandos imensos de tropas. Sequências de cavalos de ouro pelos jardina; Severo nutria-se de sangue. Como gabava-se, Carmo, diante da hélice de um girassol!; Inicia-se ainda nos seus primeiros movimentos na infância. Em relação ao azedume primeiro? Ele queimava, virava torrão à proporção que as boas novas chegavam. Demoravam um pouco: Não atinjo a ti: tu vens a mim e quando vem mostra-me uma espada! Ah, que coisa boa essa nossa discussão em torno da garrafa de café! Alquimia diferentes dos dias do The Doors of Perception ou Mate-me Por favor. Agora olhe para você! Veja o divino deste obscuro que está em nossa divisas. Agramáticas institucionalizadas são maiores do que Eu. Então arrancaram todos os cabelos como no seriado dos Simpsons. - O esqucimento de Café e de mim afirmou a poesia como se fosse um cálculo renal. O esquecimento do belo bateu na retina e nas máscaras microcósmicas atadas na cintura de Cruz. E nas máscaras construídas por palavras controla-se o desespero humano? Michele, o Jardim de Deus, agora estava com quinze anos. Casa, tu tiraste as minhas lágrimas: vírgulas por vírgulas, e como ! Como um leão que come e sai correndo de medo.
Atualmente cursa especialização no ensino de Filosofia e escreve um romance chamado: Os Enigmas do Carmo.
Aidil Araújo Lima Cor de Fogo A alegria da mulher foi sumindo dentro do corpo a olhos visto, até desaparecer inteira. Uma tristeza estranha se esparramou como água em sua alma. Alguns diziam ser castigo por descumprir promessa. O marido desconversava essa invenção de preceitos. Procurou motivo nas ideias, teve uma certeza, a alegria de viver da mulher foi arrancada no parto em hospital da cidade. Deitaram sua florzinha em cama estranha, a menina amuada na barriga, tão sem nascer e já com medo do mundo, o médico mexeu com a mão por dentro de sua intimidade e puxou Maria Aparecida. Ela ficou assim acabrunhada e nunca mais voltou para antes, foi-se entrando nela mesma, até sumir lá dentro. Os outros nasceram em casa, na cama cheia de lembranças; agarrava-se às recordações, fazia força e a gente via a cabeça, fazia outra força e ele vinha completo. Ela pegava o filho no peito e sorria já esquecida da dor. Passado os dias de respeito, ela se afogueava, cedo embalava as crianças com voz de ninar, depois vinha com o corpo ardente, fazia um cafuné para acabar meu cansaço e despertar o desejo, logo, logo, eu já estava tinindo no ponto, ela sempre queria mais, tinha dias que eu dizia: mulher... Assim não aguento, desse jeito tu vais me matar. E agora parece que virou freira, não posso nem encostar um dedo, que ela faz cara de ofensa, imagina se encosto outras coisas; a casa parece uma igreja, só falta o altar. Para distrair a raiva falava com o vento, o vento já cansado de tanto lamento soprou-lhe no ouvido uns conselhos, que comprasse um vestido vermelho, cor de fogo que acende a vida apagada. Saiu desalentado pela rua, viu um vestido vermelho na vitrine, se mostrando, provocando o juízo, comprou com seu último recurso. Deitou nos braços cansados da mulher o presente. Com gestos amolecidos ela abriu a caixa, seus olhos quando viram o vestido, brilhou que nem relâmpago, seu corpo tremeu como já havia quase esquecido. Ele sorriu em gozo pensado. Rapidamente colocou o presente no corpo e, dançou. Num rodopio chamou o vento que se espalhou por toda parte, chamando muita gente, chegaram por todos os lados, trazendo ofertas de comidas e bebida quente. Vieram tocadores com os atabaques. O céu mandou seus raios e relâmpagos para a celebração. Nesse dia a sua voz voltou a cantar para embalar as crianças. Desentristeceu-se. Era madrugada, um grito rasga o silêncio.
Aidil Araújo lima, nasceu e cresceu na cidade de Cachoeira-Ba. Após andanças pela vida retorna a terra dedicando-se a escrever, alinhavando o tempo, costurando palavras. Cursou Filosofia na Universidade Católica de Salvador, Jornalismo na Faculdade Dois de Julho. Foi premiada com alguns de seus contos e poesias.
Emanuela Rodrigues Sustentável Leveza de Ser Maria “Morreu como um passarinho”. E de que outro modo poderia alguém com alma de pássaro morrer? Maria de Camargo, Maria do povo, Maria de três, Maria entre mil, Maria do bairro, simplesmente Maria. Seu paladar, nem jiló pôde amargar. Sua meninice, nem o implacável tempo. Mineira migrante, Maria roceira, costureira, mãe de casa, mãe de fora, mãe dos filhos, mãe dos netos. Maria não viveu as coisas do mundo. Maria viveu a simplicidade da vida. Reverenciou a terra e a morte, sem reivindicar o marido que cedo partiu, um filho ainda infantil, o filho jovem e promissor, e um filho adulto pistoleiro. Não houve pecado alheio que a fizesse atirar pedras. Não houve culpa que maculasse sua alma. Analfabeta, ignorante dos males do mundo, testemunha dos males dos seus. Não houve tristeza que lhe sacasse a alegria, não houve guerra que lhe tirasse a paz. Maria plantou café, semeou amor, colheu do pé, com fé caminhou. Aos bons frutos, deu amor. Aos maus, ainda mais. Chamaram-na rosquinha, bonequinha, passarinho, gracinha e tadinha. Tadinha de quê? Das penas que não lhe permitiram voar para além do amor. Tadinha por que, se fora esse mesmo amor sua única ambição? Para ela, a grandeza do mundo cabia em seu coração. Não houve pobreza que saqueasse de Maria seu tesouro interior. “Diga aos „meninos‟ que estou forte como um côco”, informava Maria. Resistente como um côco, suave como uva passa, pássaro como ave Maria. Ao calor da Primavera, a menina, ofegante como pássaro, fechou os olhinhos espertos, gemeu como de um „pio‟, e fez seu último biquinho. Morreu o corpo de côco revestido em uva passa. Evaporou-se a água doce de Maria. “Morreu como um passarinho”, narrou a filha que a assistiu. E de que modo morre um ser abençoado, senão do próprio à sua espécie? A andorinha viveu oitenta e oito anos, quando oito é o número do infinito alado de beija-flor. Viveu oitenta e oito anos, quando a soma dos infinitos resulta em liberdade numerada em sete. Não sabia fazer contas pontuadas por caneta. Tampouco o precisou. Contou um dia de cada vez, escreveu no livro do tempo, e somou afetos por onde passou. Levou da vida não mais que a sustentável leveza de ser Maria. Passarinho voou.
Emanuela Rodrigues nasceu no estado de Goiás, em Junho de 1983. Graduou-se em Design de Moda e estudou um ano de Serviço Social pela UFG. Em 2013 publicou seu primeiro livro „Metamorphose de Sophia‟, inspirado na sabedoria oriental hinduísta. Em 2014, publicou com o apoio da União Literária Anapolina, „Prosa e Poesia em Vila Boa de Goiás‟. Tem alguns trabalhos publicados em revistas e plataformas virtuais.
Daniela Fagundes Os Amores Dela Se lhe perguntam sobre o seu primeiro amor, Mariela responde segura - O Couto! Afirma, com um certo orgulho, que o amou durante seis anos, desde o primeiro dia em que o viu se abaixando para pegar o estojo. "Este é o homem com quem vou me casar", pensava ela. A verdade, é que sempre foi de longos amores ou, segundo amigos, de eternos desamores. Amava muito e acreditava no para sempre, sempre. Tinha certeza ser a cara metade de fulano, mas a realidade é que quando amava perdia a cara e se tornava metade. Tudo para ser cordial ao amor. Depois do Couto, amou o Greg. Um desses amores que parecem durar a vida inteira (e que, talvez, dure). Em seguida veio o Diego, depois o James, que acabou virando amigo, uma forma que Mariela encontrou de não desperdiçar o amor. Aliás, desperdiçar amor é pecado para Mariela, que ama para sempre, sempre. Segue a filosofia de São Francisco de que "nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". E assim, segue sua vida. Transformando o amor em amizade, em necessidade, em saudade. Foi assim com o Alexandre, que se tornou refúgio, com o Bento, que hoje é amigo, e com o Roberto, que ainda nada virou. Com o Davi não, desse ela ainda quer o amor. Dentre tantos amores, ou como diria seus amigos, eternos desamores, Mariela só não amou a ela. Pobre Mariela.
Daniela Fagundes – Jornalista formada pela UFMG e mestranda na UFOP. Apaixonada por memórias, palavras e viagens. Autora dos blogs Tantas Mulheres e Por Ceca e Meca, e colunista no Follow the Colours. Adora falar, beber e falar. Uma mistura de samba com funk, de praia com campo, de Dani com Ela mesma.
Thassio Ferreira A Eternidade E Seu Epílogo Fazia um frio sutil na sala de espetáculo. Um frio que, entre os espaços da música, era sentido como um retinir metálico, um badalar de sinos, só que esférico. A plateia, imersa em breu e silêncio, era toda olhos e ouvidos atentos e pele arrepiada ao toque daquele frio esférico que preenchia os hiatos da melodia feito uma contravoz distante, em tom menor. E então.
A música não se interrompeu, não reprimiu qualquer nota dissonante, nem prendeu sua respiração de sons, quando. Aliás, o que houve nem mesmo se deu no intervalo minúsculo entre um retinir e outro. Não, foi bem ao meio mais agudo de uma das ritmadas notas que enchiam a imensidão negra do teatro. Quase como se fizesse parte da sequência de movimentos coreografados e exatos que se desenrolavam no palco. Quase como se não fosse um acidente. Mais que um acidente. Uma pequena tragédia, uma ferida aberta, em carne lacerada e sangue doído, numa das pétalas daquela rosa a se desabrochar que era o espetáculo de dança, deslizando sobre o tablado seco e ao mesmo tempo úmido feito uma campina depois da chuva. Quase uma lâmina a seccionar milimetricamente um sorriso, uma guilhotina, um ato cru e inexplicado de impiedade, a bailarina caiu. Do alto do ar, onde voava lançada pelo parceiro de corpo tão esguio e forte quanto o dela, tão ensaiado e capaz quanto o dela, do alto do movimento agudo em meio à nota aguda de retinir metálico, do alto do frio seco que inconscientemente todos acreditávamos não fosse permitir que nada escorregasse um palmo além do necessário, do alto da ausência dolorosa e impressentida de onde deveriam estar as mãos que não estavam, de onde ambos achavam que estariam, de onde todos queríamos que estivessem, no instante que precedeu a ausência; ou talvez do alto do espaço deslocado onde ela não deveria estar, quem sabe tão libertada em seu voo - como nunca antes que tivesse flutuado para fora do alcance firme e lógico de seu par, cegamente guiada por uma ousadia inata, toda sua e toda entranhada em seu corpo desde sempre, desde o primeiro engatinhar que foi seu primeiro passo de dança, do alto mais alto, a bailarina caiu, sem perdão.
Não se ouviu o baque de seu corpo teso ao bater o chão. Disciplinados, nem ela nem o bailarino que não a segurara precisaram sufocar nenhum grito, nenhum gemido, o qual simplesmente não houve, não se formara, ambos inteiramente corpos em silêncio na cena nua. A música não silenciou. Nenhum dos outros bailarinos, talvez sete ou oito em cena, estancou seus movimentos, nem alongou ou desacelerou qualquer gesto, na tentativa de recuperar, como quem se esforça em rejuntar estilhaços de um cristal partido, a harmonia rompida por aquela queda sem disfarce. O frio da sala de espetáculos prosseguiu, sutil. O tempo, ao contrário do que se diz, não parou. Mas dentro daquele instante - não tivesse ele existido com a intensidade enorme dos desastres, alguém poderia dizer ter parecido não existir, tão breve em seu percurso do ar ao chão - germinou-se uma eternidade. E a eternidade varreu a plateia eletrizando-nos como se cada um de nós fosse uma partícula da mesma corrente. Eletrodos, conduítes, da primeira à última fila, todos nós. Circuito fechado. Nós presenciáramos o desastre. Nós, que não esperávamos nada daquela sorte, fomos tocados pelo desastre como se ele tangesse nossas espinhas feito a corda de um violino. Nossos nervos em rede, entrelaçados, conectados todos, fios a constituírem-na, viva, pulsante, reconhecível enfim (mas não compreensível, isto nunca!), porque éramos todos inocentes a sentir dor, e a dor dos inocentes é a própria eternidade. E como dentro da eternidade, dentro da dor, cabem espantos incalculáveis, cada um de nós sentiu em sua carne, e em seus nervos conectados, a dor do outro, as infinitudes da dor do outro. De muitos outros, todos os outros, na multidão sentada a ouvir a música que não se interrompera. Dentro daquela eternidade que não era cronológica, que não se sucedia nem permanecia estancada, mas era toda simultaneidade, a leve náusea que subiu à garganta da senhora da poltrona A5. Como um engasgo, com o qual todos nós, nas poltronas quase todas ocupadas, tínhamos que lidar. Dentro daquela eternidade, como dentro da noite uma noite dentro do peito, a angústia da moça da terceira fila, que a custo contem um gemido, sacrificando a empatia que é sua grande qualidade, controlando a vontade de se levantar e acorrer ao palco, sem todavia impedir sua mão de gelar no braço da poltrona, transmitindo a mesma angústia, mas por outros motivos, ao namorado ao lado, que pouco se dera conta da queda, absorto em outro ponto do palco, e que lhe aperta a mão com força porque prefere não se virar para mirar o rosto da moça tão linda linda linda que ele ama mas ainda não tem certeza se o ama, e ele não pode, em plena noite de sábado, correr o risco enorme de deparar-se com algo maior do que suas forças, um rosto tão lindo e tão amado que pode não hesitar em demonstrar que não o ama de volta, com a sinceridade dos rostos pegos desprevenidos. Dentro daquela eternidade que era toda tumultos, o espanto que se formou todo, pleno, gordo em ser espanto - antes mesmo de compreender sua própria causa - dentro da carne tão pouca daquele jovem da terceira fila, que aspirava secretamente reunir um dia a coragem de ser bailarino também, mas que por enquanto só reunia espantos pela vida que nem mesmo chegava a compreender. Esse espanto de quem descobre, com o horror eletrizante de toda primeira vez - porque toda descoberta das incomensuráveis possibilidades da vida traz horror e traz volúpia - que os bailarinos erram, que as bailarinas caem, que a beleza é frágil, o salto é grande, e haverá sim joelhos quebrados e vergonha e medo e, enfim, se é mortal; esse espanto convulsionado de compreensões que de tão novas eram ainda incompreensíveis, nós todos o sentimos, com os mesmos espasmos musculares do jovem franzino que desejava ser bailarino e agora o deseja ainda mais, porém quase desejando não desejar, porque descobriu o medo e a potência inebriante contidos no desejo.
Naquela eternidade compartilhada, que não era paz, não era quietude, nem remanso, nem regaço, a dor na córnea da mulher solitária feito um arrancão, como se lhe extraíssem o pulmão esquerdo à força de presenciar aquela queda, aquela impossível queda, inaceitável queda. Toda tão metódica, tudo tão necessariamente, organizadamente, inafastavelmente metódico, porque assim ela mantinha a sanidade contra o mundo de acasos e improvisos, agarrando-se e refestelando-se no que de menos imprevisto podia encontrar, as comidas industrializadas congeladas assépticas, as roupas de tecido sintético que não amarrotava, as traduções que lhe davam o ganho sem que as palavras a serem traduzidas oferecessem resistência, as apresentações de dança que eram a celebração do ensaio, do exato, sem espaço para a invenção nem para o erro, e ali então aquela queda, como um soco, e era também à nossa boca gelada que vinha o sangue quente agredido e estúpido daquela mulher solitária e medíocre, e tão contundida e tão coitada que do contato com sua dor ecoávamos todos uma piedade imensa que expandia a eternidade, dores e dores e penas e afagos a ressoarem e se multiplicarem aproveitando-se da acústica da sala como nenhuma música jamais fizera.
No centro geográfico daquela eternidade que preenchia o teatro como a areia de uma ampulheta infinita, a senhora vestida com a ostentação dos impiedosos. Vistosa. Impávida. Só os que não têm compaixão ostentam roupas (e maquiagem, e joias, e carros, e salas de estar, de jantar e de chá) como uniformes, como medalhas por sua dureza que lhes permite caminhar pelo mundo sem dobrar-se ao peso da iniquidade que vestem. Impávida. No centro da sala de espetáculos, no melhor assento que o dinheiro poderia comprar, a executiva de um grande banco transmite, pela rede neural que toma o ambiente, sua impassibilidade, acostumada a ver os outros caírem, a ver os outros errarem, saltos que não se completam, mãos que não acolhem, esgarçamentos. Impávida. E triste, ligeiramente, quase imperceptivelmente doída, lá ao fundo, não da queda, não de tantos desastres que já presenciara, mas de sua própria incapacidade de solidarizar-se. Mas ao mesmo tempo em que transmite essa frieza de esfinge, de montanha que mira o lago e jamais se abala com a neve que a recobre, e essa dorzinha nas suas entrelinhas, no subtexto de si mesma, tão estranha a sua personalidade que mal chega a percebê-la, a dama de chumbo também recebe - oh, com a brutalidade de um vagalhão que nos arrasta e nos afoga e nos faz vomitar sal e espuma - a piedade que nós, os outros, reverberávamos por compaixão com a outra senhora bem ao seu lado!, sua vizinha na segunda ou talvez terceira melhor poltrona do teatro, arrancada para sempre de seu mundo sem erro. Para sempre, Por toda a eternidade.
Na fila H, o grupo de adolescentes - já anteriormente tão conectados entre si, meninos e meninas e hormônios e transgressões e diluições de fronteiras e identidades e regras - e o espanto muito simples, a dor muito natural, a inquietação muito pura de flagrarem algo que não deveria estar lá, para deleite e pasmo de suas retinas ainda desacostumadas com os solavancos do mundo. Para suas retinas aprendizes, a novidade é apenas uma naturalidade a mais, desconhecida. Três rapazes, quatro garotas, desnudos de medo ou julgamento, espraiando pelo ar frio a sensação muito límpida e muito ingênua, toda descomplicada e quase inexplicável, de doer ao contato do mundo que se altera e absorver na carnatura de sua própria existência essa mutação, qualquer que seja, como um alimento que se ingere, como os seios que crescem, como a voz ou os pelos que se engrossam, como uma eternidade que se vivencia sem interrogações. Ah, os inocentes dentre os inocentes! E logo atrás, porque dentro da eternidade cabem todas as contradições, a antítese: o velho senhor com olhos impacientes de quem busca sempre o inesperado, sôfrego, doendo a cada minuto - há tantos anos! - em que a vida não lhe traz o imprevisto, a ruptura; e doendo ainda mais sofregamente quando, como agora, o atordoamento que saboreia é pouco para quem vive dessas fagulhas, como um viciado condenado à escassez de sua droga e a precisar de doses cada vez maiores para saciar, pelas breves eternidades do tempo afora, sua fome, seu vício de assombros que lhe façam sentir vivo e que lhe digam, na linguagem clara dos fatos, que o mundo ainda se modifica ao acaso, apesar das células tão acostumadas à mesmice de tudo que seu corpo carrega, enrugado, ressecado, quebradiço. Mas ainda curioso, ainda sôfrego, ainda esperançoso das dores que busca nos incalculados da vida. Inocente, nos dando de beber seu vício, agrura e delícia. À direita da eternidade, o crítico, ofendido pelo erro como se lhe fosse uma injúria pessoal. A ele!, que tão cuidadosamente cultivara sua sensibilidade e buscava, nas penumbras dos teatros, fugir da rudeza do mundo acelerado sob o sol, e mergulhar apenas em beleza sua alma cultivada. Ofendidíssimo, as mãos tremendo. Inocente. À esquerda, a irmã da bailarina, sofrendo uma vergonha muda sem sentido, por dever familiar, por convenção social que nada tem a ver com seu amor pela bailarina. A noroeste. No balcão nobre, nas frisas e camarotes. Nas bordas todas daquela eternidade. Nos oitocentos e trinta e sete lugares ocupados. Em todos, entre todos, de cada inocente ao outro, a dor, as muitas dores, tão pungentes, delicadas, expostas aos desconhecidos com quem se compartilhara uma visão da queda. Para sempre. E então, porque tudo cessa, a eternidade cessou. A dor, toda dor, sempre amaina. E no instante seguinte, nos entremeios da dança que prosseguia, coreografando o tempo infinito, nossas dores inculpadas, matéria da eternidade, também foram se aquietando e a eternidade foi desvanecendo, até que não mais. Mistérios, porque tudo são mistérios.
Epílogo Depois de recomposto o mundo, depois de cessada a eternidade - porque as eternidades também se acabam -, muito depois, quase ao fim do espetáculo, um outro desastre, um outro soluço na fluidez do mundo. Esgarçamento, ruptura. Desta vez, sim, a música. Interrompida. Durante segundos que gritavam tão alto o seu silêncio que poderiam ensurdecer as aves migratórias do Ártico em pleno voo. E o silêncio, vocês sabem, é sempre perigoso. Sempre emprenhado de eternidades possíveis. Mas dessa vez, mesmo já tão longe daquela outra eternidade, desvanecida, outra não se germinou. Já fôramos tocados. Não éramos mais inocentes.
Thássio Ferreira, criou-se em Niterói e mora há dez anos no Rio de Janeiro. Formouse em Direito pela UERJ e trabalha com projetos de preservação ambiental e desenvolvimento socioeconômico da Amazônia. Escreve poesia e prosa desde a adolescência, já participou de antologias de poesia e prosa e lançou, em 2016, seu primeiro livro individual de poemas: (DES)NU(DO), pela Ibis Libris.
ILUSTRA
Marcelo Paixão
Marcelo Paixão, 31 anos, nasceu na zona norte de São Paulo, formou-se em Artes Plásticas pela Unesp de Bauru, atualmente mora em São Bernardo do Campo. Trabalhoa como de Professor de Artes do ensino fundamental na rede pública em paralelo atua como ilustrador freelancer. Artistas visuais podem colaborar com o design da semeadura. Basta enviar fotos e ilustrações para revistasemeadura@gmail.com com foto e biografia de até cinco linhas.
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durante os períodos de CHAMADA DE PUBLICAÇÃO anunciados no blogue oficial, redes sociais e demais parceiros. Para a edição #2 serão selecionados 10 textos para a seção de poesia e 10 para a seção de prosa. Sendo que dentre os dez textos de cada seção, são selecionados cinco textos para autoras mulheres (cis ou trans) e cinco textos para homens (cis ou trans). Não havendo quantidade suficiente de quaisquer gêneros, os espaços permanecerão vazios. Os interessados deverão encaminhar email com: 1 arquivo de Word contendo único texto para submissão (até duas laudas para prosa e poesia) + minibiografia de no máximo 5 linhas. Formatação: Arial, tamanho 12. Nome do arquivo: POESIA/PROSA – TÍTULO DO TEXTO – AUTOR/A 1 foto em boa qualidade. (Caso haja interesse de integrar duas seções, enviar em mesmo email os anexos. Ambos com minibiografia.) As inscrições que não seguirem estas normas não serão avaliadas. Emails enviados fora do prazo da chamada de publicação também não serão considerados. A revista semeadura segue o critério de eleger textos que dialogam com os anseios da literatura contemporânea buscando originalidade e qualidade na estética, narrativa e demais aspectos da escrita. Textos de cunhos rascistas, homolesbotransfóbicos e que contenham discursos de ódio sobre qualquer perspectiva são descartados. PRAZO PARA ENVIO – SEMEADURA #2 15 de abril a 15 de maio de 2017 revistasemeadura@gmail.com PREVISÃO DE LANÇAMENTO 2ª quinzena de Junho/2017
Querido, Tenho certeza de estar ficando louca novamente. Sinto que não conseguiremos passar por novos tempos difíceis. E não quero revivê-los. Começo a escutar vozes e não consigo me concentrar. Portanto, estou fazendo o que me parece ser o melhor a se fazer. Você me deu muitas possibilidades de ser feliz. Você esteve presente como nenhum outro. Não creio que duas pessoas possam ser felizes convivendo com esta doença terrível. Não posso mais lutar. Sei que estarei tirando um peso de suas costas, pois, sem mim, você poderá trabalhar. E você vai, eu sei. Você vê, não consigo sequer escrever. Nem ler. Enfim, o que quero dizer é que é a você que eu devo toda minha felicidade. Você foi bom para mim, como ninguém poderia ter sido. Eu queria dizer isto - todos sabem. Se alguém pudesse me salvar, este alguém seria você. Tudo se foi para mim mas o que ficará é a certeza da sua bondade, sem igual. Não posso atrapalhar sua vida. Não mais. Não acredito que duas pessoas poderiam ter sido tão felizes quanto nós fomos. V.
virginia woolf
semeadura