Semeadura 0

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Editorial

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Ornelle Marie Sérgio Aral

Edhson Brandão

Mariana Belize Semeie

revista semeadura edição 0 revista bimestral de literatura distribuição online gratuita sem fins comerciais todo o conteúdo das obras publicadas são de responsabilidade de seus autores. imagens retiradas da internet: Pinterest e Google

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De adubar a terra até escolher os grãos. Talvez escrever seja isto: um eterno separar de grãos para que um texto seja regado. Acredito que nossas palavras são sementes que, plantadas no solo sucoso de uma página, eclodem num caule – corpo primoroso – e sujeito à colheita daquele que não sabemos quem é – o leitor. Dando fé a esta premissa temos então um novo espaço para a cultura literária. A Semeadura surge no espaço midiático que a palavra ocupa com o propósito de semear as literaturas que a língua produz. Tomemos, então, este espaço como chão fértil para nossos plantios. A palavra é de quem a tem; então tome-a que o espaço é vosso!


Amores Que duram Um dia Semana Ás vezes Só uma foda Resumo num verso Feito no afã Pois coito Depois de uma garrafa De vinho Um beck Virou rotina Nem sempre acontece Falta encaixe Forço versos Sem enlace Mal ditos amores líquidos! Escorrendo pelos Corpos Sem dar tempo Pros sentidos Vida de poeta é Difícil Buscando por aí Inspiração Transpiração Encontrando apenas Paixões fulgazes Que não te tiram A razão O coração Mas se vive de poesia Fingindo amar Eternamente Pra dar sentido a dor Que não sente A falta que não faz Tudo é fome E a vontade de não pertencer...

Ornelle Marie


"Mas você tem cara que fode bem"

Escrevo Poesia Como Uma Conversa Que Não Tive Uma Vontade Reprimida Palavras Que Não Se Foram No vento Mas Que Me Transbordam Perdidas Entre Gemidos E despedidas

Fodo mesmo! Fodo Na vida Com Corpo Mente Fodo Por Todos Os poros Fodo E de tão fodida Me fodo Inteira Sem medida

Ornelle Marie, poetisa, feminista, negra e subversiva. Amante de vinho, gatos e boa comida. Não sabe se descrever. Não sabe se definir. Fim

Minha poesia Não é pra Declamar em sarau Publicar livros Ganhar prêmios Escrevo Porque não suporto As palavras Que gritam Aqui dentro Desesperadas Explodem No papel Na tela No chão No corpo Minha poesia É gozo!


Sérgio Aral Poesia

Para adolescente — Pergunto-te: se reclamas da precocidade masculina quanto ao prazer no relacionamento sexual

e queixas da falta de paciência, cor e vitamina daquele que te suprime o afago inicial, não te compadece o esforço deste varão viril, que se prostra porque ninguém vê como procura, de modo mui gentil,

Ferida sob sal

o escondido desse tal ―ponto G‖?

Frio peito imerso

Bem que podias me dar a chance

Traição que desola

de entender o teu momento de extrusão,

Destino sem verso

ao que dizes que só passo de relance,

remotamente, por tua atividade de vulcão? Cativo ora solto Verso sem destino Bússola tanto faz Razão por desatino

— Respondo-te: já que assumiste a postura de um aprendiz,

mereces saber como a mulher mais se contrai Escrevas cada palavra na lousa com giz,

Concisão fala mais Poeira cada grão Destino sem verso

Morte com razão

que a partir de agora, da minha boca cai. Não haverá motivo de alento,

se não entenderes, de vez por todas, que o ato não é só o renhimento de órgãos desejosos entre coxas.

Verso sem destino Alma cuja trajetória Procura toda vida

Perdida na memória

Deves alternar todas as primícias: mordiscadas no pescoço, lambidelas nos ouvidos,

e pelo corpo inteiro, insanas carícias, que deixam os pudores quase corrompidos. Não deixes o teu intento sorver a ansiedade, que o gozo, num instante prematuro, flui.

E não encares como simples saciedade a entrega da mulher que vier a te amar. Fui!

Fotos: Pinterest


Era para ser um dia melhor Hoje. Não me habitou a insônia de outras madrugadas, nem a fissura de acender unzinho logo cedo, mas a parva sensação de que algo está mudando. Comprei jornal. Não queria as novidades, fui aos anúncios. Quis ver – sem propósito definido – o que o mercado estampava naquelas páginas. Tinha preparatório para concurso público que nem o cacete. Emprego de verdade quase sem oferta. Faculdades querendo laçar todo mundo, algumas oferecendo vaga de graça. Qualquer um pode ter faculdade. Para mim não sei não. Tenho

minha convicção. Defendo o mínimo esforço. Mas a sensação de algo errado encarnou em mim hoje. Já me senti assim uma vez antes e tinha razão de ser. Quando cheguei em casa há um mês e estava todo mundo na sala: mãe, irmão mais novo, namorada que agora é ex, dois amigos, tio Lucas que forçou meu pai a participar da recepção e o nosso cãozinho Gengis Khan, vi compaixão e repreensão nos olhares e ouvi palavras de encorajamento para retornar aos

eixos. Era estranho se ajustar a eixos que jamais tive. Surpresa foi meu pai, que nunca reprimendou ninguém, dizer, com rudeza, juízo agora, sua cabeça é mestre. Não imaginavam que eu não estava arrependido. Fiz está feito. Meu irmão mais velho não apareceu, nem falou mais comigo. Pensa que só porque fez uma bosta de faculdade é mais que os outros. Se deu bem na vida por sorte, sociedade com amiguinho rico. Antes até me passava conselhos, que eu era

bom de português e ia me dar bem se fizesse comunicação, publicidade, coisa assim. Acho que insinuava que eu tinha facilidade para engrupir os outros. Mas pergunta se ele sabe o que é ficar nu em cachoeira, fazer trilha, cravar grampos em montanhas, adrenalina selvagem, sabe bosta nenhuma. Concordo que marquei bobeira em fazer um troço daquele sem plano. Fizemos na empolgação. Minha intenção era pegar a namorada e passar o fim de ano em uma pousada de Boiçucanga. Aí veio a oportunidade para fazer o larápio.

Aquele mercadinho sem segurança, sugestão do Zuca e do Gordinho. Sabia que


eram ligeiros como caninana. Insisti para eu ir. Você não tem experiência e precisa ter sangue frio, deixa com a gente, disseram. Fiquei a uns bons metros, na virada da

esquina, de motorista em um Chevette que eles

arranjaram.

Os

dois

foram para o

confronto. Desde o anúncio – passa toda a grana – até o momento em que a viatura deu uma cortada no Chevette não chegou a cinco minutos. A dona do estabelecimento tinha uma

conexão

eficiente

com

o

filho

policial.

Inventaram que os dois foram violentos, com ameaça de voltar em breve. Sei que fiquei dezessete dias preso. Só saí porque o pai da minha namorada é advogado e tomou a frente, sob a promessa dela de se transformar em ex. Angustiante essa sensação de hoje. Bem no dia

do aniversário. Será que vinte e três é a idade em que a doidice envelhece? Duvido. Muitas aventuras pela frente. A primeira é ver a cara do

mano primogênito quando souber que

acabei de me inscrever para o vestibular de Letras.

No

final de

tudo ainda vai ser

professor, dirá, desdenhoso. Estranha esta sensação de querer mudar o mundo de uma vez. É de embrulhar o estômago. Era para ser um dia melhor. Hoje. Vida virada.

Sérgio Aral mora em São Paulo. Participou da coletânea de contos Retalhos (Andross, 2007) e é autor de Até a esquina e meia-volta (contos, 2010). Lançará em novembro o livro de poemas Sobre essa esfera suspensa (Ed. Penalux, 2016).


Edhson Brandão Madrugada pobre e areia quente E ia descendo assim sem nenhum beijinho, nem ao menos no rosto. Catou o dinheiro e enfiou na bolsa; muito obrigado e boa viagem: um sorriso humilde de felicidade guardada. Desceu do caminhão perto do quilômetro vinte e sete da Anchieta (pra dar tempo de filar uma carona e até mais um michêzinho, nem que fosse de dez reais). Você tá com cara de quem não volta mais, ele disse. Se tudo der certo não. Por quê? O vento, parecia que não, cortava o pescoço lá fora. Arrumei um trabalho. Chega de programa. Mas você é tão bom nisso e depois de tanto vai largar? E a gente, comé que fica? Ah, e riu, de vez em quando eu apareço então. Era bom se sentir querido; mesmo por ele, o peludo que cheira axe, o motorista do LT1178 vermelho-velho que usa guia de exú. Serão saudades das madrugadas pobres. Eu apareço, pode deixar... Pode deixar. Então esperou que o caminhão passasse deixando a brisa pesada de sua fumaça de diesel queimado. O vento que se fez desfez seu penteado trazendo a tona cinco dedos de raíz e o resto de uma progressiva mal feita em dezembro do ano passado quando rolou uns trocos a mais. Observando os carros que iam e vinham, sentidos norte e sul, Litoral-São Paulo, nenhum dos transeuntes talvez tivesse em seus olhos os vestígios da sorte dele. Procurou fechar os dois botões do cardigã próximos ao peito para conter os catorze graus da rodovia. Buzinas e faróis altos. O mundo tenta debochar dos travestis. Sem perspectiva de carona foi seguindo a pé até a passarela para chegar do outro lado. Breu total e as trevas dos marginais. Enquanto caminhava de braços cruzados e segurando a bolsinha fazia os cálculos de um novo orçamento ainda virtual como planos de uma nova era. Subiu as escadas, cortou a rodovia, desceu do outro lado e mal reparou no cara do ponto que o olhava e fazia sinais pra um oral rapidinho ali sem muita enrolação, mas também, sem remuneração. Continuou se perseguindo pelo caminho estreito na trilha artificial causada por botas operárias até as beiras da represa. Nenhuma carona então. Olhou o espelho d’água que era o reservatório bem


como os pontos iluminados no reflexo dele que se confundiam entre luzes de postes e estrelas. O mundo pode ser bom, sentia. Em um mês daria pra mandar rebocar pelo menos a cozinha e com um esforço colocar um forrinho de pvc nela, assim tampa as ripas de um telhado velho. Mais adiante e chegava na sala; tapetes de crochê, um jogo de banheiro e passadeiras na cozinha. Seria devagar porque ainda há o que economizar. Ganhar bem é uma proeza, concluía. Não dá pra sair gastando assim ganhando mil reais, contou à Dirce outro dia. Seus planos também incluíam uma colcha nova e uma noite no Flutuante, ainda que sozinho. Se a Dirce estivesse boa da perna ia com ela, ele fazia questão de pagar. Mas se não desse ia sozinho. Tem o Japão também, mas ele teria vergonha. O caso com o Japão é só na noite, beira de pista, Motel Estoril e fio terra. Mesmo ele sendo tão simpático e já tendo o cumprimentado no mercado junto da mulher; um jantar no Flutuante era demais. Que sonhadora, pensava. Ao meio da travessia da represa e muitas ideias já se debandaram. Como a cabeça da gente muda, falou a si mesmo. Em três segundos e já previu a saudade que terá das longas noites na Anchieta pra ganhar seu pão. Nas buzinadas e jogadas de carro para acertá-lo. Nos mendigos safados que se masturbavam embaixo da passarela para (tentar) sedução. Nos clientes, já amigos hoje, e nas boas trocas de conversa. Mas será bom sair dessa vida porque desde ano passado que o mar não tá pra peixe. Com a crise, os caminhoneiros ganham menos porque cortaram os vales de quase dois paus; o que mantinha muito o fluxo de dinheiro nos programas. De agosto passado pra cá houve muita negociação porque os caras queriam o serviço completo pelo preço de boquete. E as minhas contas quem paga? Vida difícil pra todo mundo e ele entendia. Ele entendia que não tava fácil para seus clientes que mantinham suas famílias nas cidades mais distantes comendo pó com arroz e precisavam se satisfazer nas estradas. É um investimento duro essa infidelidade matrimonial gerada pela distância do trabalho. Ele sabia disso e não se culpava porque ele trabalhava e não mantinha afetos com os trabalhadores. É claro que um e outro sempre voltavam; porque o tinham esperando. Principalmente aqueles com as cargas vazias porque, se bobeasse, rolava até um passeio pela cidade e ele, coitado, que nunca dirigiu, se pegava encantado em andar pela cidade de caminhão e de carro. Era uma felicidade de menino. Mas a sorte de todo mundo muda, graças a deus, e a partir de então as ciladas e os prazeres ficariam no passado porque ganharia mil reais para cuidar dos cachorros da chácara alugada pelos homens da sabesp. Uma responsabilidade e tanto porque dona Jaci ofereceu a oportunidade a ele e mais ninguém. Muito embora o que ele queria fosse mesmo ficar com a faxina e lavar as roupas dos homens - porque na certa se ganhava mais. Mas não deu porque a dona Jaci lhe disse que uma pessoa como ele não seria interessante lá no meio da homarada. Querendo ou não os peões estavam longe de casa, longe das esposas então poderiam facilmente cantá-lo e oferecer dinheiro para algumas trepadas e brincadeiras o que ficaria muito chato e dona Jaci não gosta de misturar essas coisas. Arranjou um outro moço que faz estes serviços e disse a ele que o rapaz era homem mesmo. Ele era mulher e alimentar os cães já era bom. Quem sabe depois


de um tempo dona Jaci não perceberia que poderia confiar nele e lhe desse as funções da casa? Quem sabe? Foi pensando e supondo que atravessou aquele braço da Billings num tanto. Viu a prainha deserta e decidiu tocar a areia com seus pés. Aquela noite tinha um charme singular. O sereno cheirava a boa-nova. Em seus quarenta e sete anos experimentaria algum tipo de reconhecimento diferente dos elogios ao seu ânus e da maneira como chupa. Colocando a quantidade certa de ração, água limpa e deixando o quintal dos cachorros limpinho ele teria a atenção e algum reconhecimento. Quem diria então. Talvez a Dirce ficasse orgulhosa; Cosme, seu irmão, voltasse a falar consigo e deixasse-o assistir TV com o Juninho. Assim quem sabe o Pedrão, o Cardoso e o Bigode o cumprimentassem quando ele fosse tomar um trago no Pulo da Onça. Quem sabe comesse uma costela no Lírios; tomasse um café na Lurdes; comprasse um perfume na Favorita; uma consulta com a Sete Saias e não precisasse... não precisasse mais subir em scanias, mercedes e volkswagens para poder comprar pão e miojo no outro dia. Não precisasse mais esperar a noite para ser gente e ter ocupação. Não precisasse trocar prazeres por trocados. A areia da prainha estava curiosamente quente e os grãos entre seus dedos diziam a Damião que o futuro era de presente.

Edhson Brandão não inventou a lâmpada mas está nas intenções de inventar prosas e poéticas que conectem as pessoas com suas perplexidades. É autor de “Letra de Mão e Mais Algumas Historietas Escolares” (Giostri, 2016), de dois textos em “Fio de Contas” (Lampejo Editorial, 2016) e investe poesia na Revista Gente de Palavra. Nunca foi procurado mas quer ser encontrado.


Mariana Belize coloquei meu coração

de tudo ao meu amor serei distraído

como relógio de parede

a família só achou estranho porque não estava no horário de verão.

sem título e sem maiúscula II coloco cartola e perturbo o branco

ambiente. mulher sempre destoa.

Mariana Belize é estudante de Letras - Língua Portuguesa/ Literaturas - da UFRRJ – Nova Iguaçu e tem como objeto de estudo a obra "Lavoura Arcaica" de Raduan Nassar. Como poeta e fanzineira, integra os Coletivos “Fulanas de Tal” no Sarau de Gêner@s (em NI) e “Pó de Poesia” no Sarau Donana (em Belford Roxo) e participa de vários saraus espalhados pelo Rio de Janeiro. Criou o Projeto Literário Olho de Belize em que analisa, pelo viés da teoria e crítica literárias, artistas e produções da Baixada Fluminense.


[...] Não é o caso da literatura. Essa simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso.

Fernando Pessoa


a semeadura é para escritoras e escritores, poetizas e poetas que compõem o cenário da literatura contemporânea em língua portuguesa. são aceitos versos e prosas nos mais diversos estilo para as publicação bimestrais da revista. fique atentx às chamadas ou envie seu material com: - textos em arquivos do word em anexo - minibiografia - foto para:

revistasemeadura@gmail.com

consulte as normas de publicação no blog para maiores detalhes!



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