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“Agindo Deus, quem impedirá?” (Isaías 43;13)
EDITORIAL
A energia elétrica pressiona a inflação
Quando o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu intensificar o aperto monetário, elevando a Selic em um ponto porcentual após uma sequência de aumentos de 0,75 ponto, o dado mais recente de inflação era o já preocupante 0,72% do IPCA-15 de julho. A inflação cheia do mês passado, divulgada nesta terça-feira pelo IBGE, veio ainda pior: 0,96%, elevando o acumulado do ano para 4,76% e o acumulado dos últimos 12 meses para 8,99%. É a pior inflação para um mês de julho desde 2002. Há um culpado óbvio para esta aceleração: o custo da energia elétrica, que subiu 7,88% no mês e correspondeu a 0,35 ponto porcentual do IPCA de julho – ou seja, mais de um terço da inflação do mês passado veio apenas deste item específico, sem contar o repasse da energia mais cara aos preços dos mais diversos produtos e serviços que também ficaram mais caros em julho. A elevação combinou reajustes em diversas cidades brasileiras e a nova sobretaxa da bandeira tarifária vermelha 2, que passou de R$ 6,243 para R$ 9,49 para cada 100 MWh consumidos – este novo valor foi definido pela Agência Nacional de Energia Elétrica no fim de junho e passou a vigorar em julho. Sem sinais de melhora da crise hídrica, a conta de energia mais cara vem para ficar ao menos por mais alguns meses, na esperança de um verão chuvoso Sem sinais de melhora da crise hídrica que vem secando reservatórios país afora e prejudicando tanto o abastecimento de água quanto o fornecimento de energia elétrica, com a necessidade de ativar as usinas termelétricas, mais caras e poluidoras, a conta mais cara vem para ficar ao menos por mais alguns meses, na esperança de um verão chuvoso. A essa altura, os brasileiros poderão se dar por satisfeitos se não for necessário um racionamento de energia semelhante ao ocorrido em 2001 – pesquisa da Confederação Nacional da Indústria mostra que cerca de 60% dos empresários do país já consideram a possibilidade de racionamento ou alguma forma
de restrição no fornecimento de energia elétrica neste ano, retardando o crescimento da atividade econômica brasileira no pós-pandemia. Se o custo da energia elétrica continuar elevado, espalhandose por vários outros itens que compõem o índice de inflação, as perspectivas de desaceleração até o fim do ano ficarão cada vez mais distantes. Hoje, o Banco Central prevê que o IPCA termine 2021 em 6,5%; o mercado financeiro, cujas estimativas são recolhidas semanalmente na Pesquisa Focus, já fala em 6,88%. Ou seja, considerando o atual acumulado de 8,99% em 12 meses, seria preciso que a inflação dos últimos meses do ano desacelere – e, de qualquer maneira, o índice ainda ficará bem acima da margem aceitável pelo regime de metas, já que o objetivo para este ano é de 3,75%, com tolerância de 1,5 ponto porcentual para cima ou para baixo. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, já deve estar preparando mentalmente a carta que terá de enviar ao ministro da Economia, Paulo Guedes, em janeiro de 2022 – uma guinada radical em relação a quatro anos atrás, quando Ilan Goldfajn teve de explicar a Henrique Meirelles por que a inflação de 2017 tinha sido tão baixa a ponto de ser menor que o limite mínimo de tolerância para aquele ano. O regime de chuvas não depende dos governos, embora eles tenham falhado ao negligenciar a preparação e a busca de alternativas em caso de eventos climáticos adversos – nunca será demais recordar como uma canetada de Dilma Rousseff, a MP 579, desorganizou o setor elétrico brasileiro. Mas não é apenas a energia que pressiona a inflação. O Banco Central tem insistido no “risco fiscal” causado pelo atraso nas reformas e pelo incentivo ao aumento do gasto público, até mesmo contornando regras como o teto de gastos. Este, sim, é fator que está completamente nas mãos de Executivo e Legislativo, mas infelizmente não há demonstrações firmes de compromisso com o ajuste fiscal em Brasília. Com sinais adversos vindo tanto das forças da natureza quanto das forças políticas, um preço alto é cobrado de cada brasileiro.
Edição de Notícias
Uma guerra pela vida Pandemia transforma experiência de residência médica e promove um aprendizado profundo inédito
A formação de um médico já é reconhecidamente uma jornada longa e de muito estudo. Após seis anos intensos entre os ciclos básico, clínico e o internato, a residência é a etapa de aprendizado obrigatória para se tornar um especialista. Por mais dois anos, o profissional passa por uma imersão na área escolhida. Imagine, então, cumprir esse período em meio aos desafios impostos pela pandemia de Covid-19? A doença, ainda pouco conhecida para toda sociedade científica, ditou o ritmo e definiu o perfil dos residentes. “Aqueles que enfrentam essa doença estão capacitados para trabalhar em qualquer situação, em qualquer lugar do mundo. São profissionais muito bem formados, que tratam pacientes com complicações múltiplas e complexas”, afirma Sônia Confortin, preceptora da residência Clínica médica do Hospital Norte Paranaense, o Honpar. Uma dessas residentes que enfrentou a pandemia cara a cara é a médica Caroline Lopes de Lima, que está no segundo ano de estudos. O período de sua especialização coincidiu exatamente com o início da disseminação da doença. Num primeiro momento, ela estranhou o pronto socorro vazio, enquanto o coronavírus ainda era somente uma ameaça. “Lembro daquele telefonema que falava do primeiro suspeito da doença. Era noite e o ambiente estava demasiadamente pacato. O corpo gelou, o sentimento era um misto de ansiedade, medo e inquietação. Enquanto aguardávamos a chegada do paciente, vestimos nossas roupas de batalha e esperamos aflitamente”, lembra. O primeiro paciente foi alarme falso, mas era o indício de que a doença estava bem próxima. Os meses seguintes foram dignos de uma guerra. Porém, sem armas e com um inimigo invisível. O uniforme correspondia à gravidade da situação:
touca, máscara, face shield, privativo, capote e propé. “Me questionava se daria conta. Ninguém avisou que eu, recém-formada, iria viver todo esse pesadelo. Foram meses de muita dedicação, estudo e trabalho. Dias muito tristes, de choro fácil, alguns outros de reconhecimentos e vitórias. Horas e horas ao lado do paciente”, lembra, com afetividade, a residente que faz um balanço positivo, apesar de tamanha luta. “Levo uma quantidade exorbitante de conhecimento e crescimento pessoal e profissional. Sou imensamente grata por ter tido a oportunidade de viver e fazer parte ativamente desse espaço temporal e evoluir tanto a partir disso”, aponta. O Honpar oferece especialização nas áreas de Anestesiologia, Cardiologia, Cirurgia Geral, Cirurgia Vascular, Ortopedia e Traumatologia. Mas, para a batalha contra a Covid-19, foi a Clínica Médica que esteve à frente do processo. Segundo levantamentos prévios, de março de 2020 até agosto, foram mais de 3.000 internamentos. Um volume expressivo para a equipe. “Fizemos um trabalho ortodoxo, baseado em evidências, sem promover experimentos. Apesar das pressões, seguimos a ciência. Um professor não pode entrar na moda, com influências externas”, lembra a preceptora do Honpar. Sônia Confortin afirma que há um ganho médico com a pandemia. “Aprendemos muito. Hoje parece que as coisas são mais fáceis, especialmente com outras doenças. A Covid-19 nos levou a tratar casos extremos, o que nos deu perspectivas novas para outras enfermidades. Aprendemos muito com os pacientes, na parte científica, lendo artigos, e tentando entender da fisiologia ao tratamento, medidas diagnósticas. A união da equipe fez diferença”, aponta. Uma luta que ainda não se encerrou.