2 minute read

Contribuições aqui e acolá

O modernismo paulista tem na figura de Oswald de Andrade um de seus principais expoentes. Incitador e ideólogo – ao lado de outro Andrade, o Mário –da ebulição cultural vivida pela Pauliceia das primeiras décadas do século xx, o poeta e escritor distingue-se por sua destreza em captar as coisas no ar. Sagaz intérprete do espírito de seu tempo, Oswald cultivara suas faturas literária e crítica em um campo decididamente aberto a contribuições múltiplas e cruzadas, recolhidas nos mais diversos domínios da vida e do fazer artístico. Daí que tanto a língua talhada na boca do povo quanto a visualidade experimentada pelos artistas vanguardistas tenham representado impulsos decisivos para o delineamento de sua dicção poética e de sua embocadura crítica, marcadas pela capacidade de síntese, pela mordacidade e pela irreverência.

A investigação de Thiago Gil Virava acerca da produção literária oswaldiana traz para o primeiro plano a atividade de um escritor ávido por “fotografar” ambientes em incessante movimento e mutação, traduzindo a experiência moderna em instantâneos feitos de versos e frases fragmentários, sensíveis ao estilhaçamento das representações coesas da realidade – academicamente calcadas em cânones. As vanguardas em artes visuais, com as revoluções formais que as caracterizam, terão exercido influência direta na escrita do autor. Pari passu ao fre- nesi das metrópoles – tanto europeias quanto sul-americanas –, flagra-se na lavra poética e romanesca de Oswald procedimentos de enquadramento, montagem e colagem, além do jogo com variações cromáticas e luminosas, todos eles caros à pintura, à fotografia e ao cinema.

As correspondências entre as linguagens verbais e visuais também se deixam notar na vertente intelectual do autor dos Manifestos da poesia pau-brasil e Antropófago, cuja fortuna crítica incorpora a pintura e a escultura como hábeis aparelhos de sondagem do mundo em transformação. Essas modulações encontram no primeiro manifesto um oportuno argumento: “A contribuição milionária de todos os erros”, em alusão à maneira como fala o povo; em sua voz, milho vira “mio”, melhor, “mió”, pior, “pió”, telha, “teia”, telhado, “teiado”. A pesquisa de Virava pode ser lida como uma espécie de paráfrase dessa propensão, na medida em que aponta para a contribuição inestimável da visualidade artística na escrita oswaldiana – ao mesmo tempo que decompõe suas operações estilísticas e o modo como estas decodificam textualmente o que o autor vê ou, mais precisamente, a sua forma de escrever como vê.

Interseções dessa natureza são particularmente caras à ação desenvolvida pelo Sesc, que tem na pluralidade das manifestações artísticas e do pensamento o suporte de uma política institucional que aposta, e investe, na engenhosidade dos artistas, dos intelectuais e dos pesquisadores em produzir amálgamas de dimensões, vocabulários e sentidos – abrindo com isso surpreendentes perspectivas para a concepção de nosso país em bases emancipatórias. Atinando para o legado do modernismo brasileiro, a fim de compreender seus desdobramentos no presente, o Sesc entende as contribuições – com os intercâmbios e reciprocidades que lhe são inerentes – como dimensão crucial da dinâmica cultural.

This article is from: