Hist처rias de Vida de
Caminhoneiros
Quem ser찾o os CAMINHONEIROS de amanh찾?
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ H578 Histórias de vida de caminhoneiros : quem serão os caminhoneiros de amanhã? / organização Nereide Tolentino ; [colaboradores Antônio Jayro da Fonseca Motta Fagundes, Adriana Depieri, João Barcellos]. - São Paulo : EDICON ; Caxias do Sul, RS : Instituto Elisabetha Randon , 2012. 200p. : il. Apêndice ISBN 978-85-290-0851-6 1. Motoristas de caminhão - Brasil. I. Tolentino, Nereide II. Instituto Elisabetha Randon. 12-0125.
CDD: 388.3240981 CDU: 647.3
Coordenação Editorial
Valentina Ljubtschenko Colaboradores
Antônio Jayro da Fonseca Motta Fagundes Adriana Depieri João Barcellos Revisão e Notas Explicativas
Antônio Jayro da Fonseca Motta Fagundes Prof. Titular e Emérito - UnG, Guarulhos (SP) Produção Gráfica
André Furlan Fábio Mottola Daniela Ljubtschenko Motta Nilza Aparecida Hoehne Rigo Soraia Ljubtschenko Motta Vinicius Zanetti Garcia
O Ministério da Cultura apresenta
Histórias de Vida de
Caminhoneiros Quem serão os CAMINHONEIROS de amanhã?
Organização
Nereide Tolentino
Realização
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Sou motorista de caminh茫o, gestor de unidade m贸vel.
HOMENAGEANDO E PROPONDO DISCUSSÃO
Caminhoneiros, em reconhecimento à grandeza social da sua profissão, pois cuida da distribuição de mais de 60% da riqueza deste país, queremos homenageá-los com esta publicação. Ela reune histórias de vida, causos, relatos curiosos, queixas de um número considerável de profissionais, de todas as regiões do território brasileiro, inclusive as mais longinquas, mesmo aquelas cuja malha rodoviária é precária e insuficiente. Esta é uma forma de preservar as suas histórias e de fazê-las conhecidas, principalmente por quantos não têm a oportunidade de conviver com vocês e, dada a riqueza de informações aqui coligidas, ousamos dizer que pode ser também ocasião de melhor conhecimento por parte dos que lidam com vocês só no corre-corre diário, mas não têm tempo ou disposição para propiciar momentos de descontração, para que vocês se abram e contem suas histórias. Além de homenageá-los, este livro pretende, ao expor seus depoimentos, dúvidas e inquietações, levantar questões para discussão, por parte das associações de classe, empresas e autoridades, e, com isso, prestar-lhes um serviço, que possa resultar numa melhor qualidade de vida para todos vocês, pois merecem pelo diuturno, cansativo e abnegado serviço que prestam a todos nós. Caminhoneiros, recebam nosso preito de admiração!
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APRESENTAÇÃO . ............................................................................. 8 INTRODUÇÃO ...................................................................................12 PARTE 1 O SONHO E O PRAZER DE SER CAMINHONEIRO.................. 16 O caminhoneiro. E ela, também..........................................................................21
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Um volante, uma carga, muita estrada, pouca solidariedade & muita fé. .........................................................................28 Um bruto chamado caminhão & o caminhoneiro................................................34 Uma história marcante.......................................................................................35 O que é? O que faz o caminhoneiro?..................................................................38 Motorista de frota & caminhoneiro...................................................................38
PARTE 2 VIDA NA ESTRADA.................................................................... 40 Estrada, amor & filhos......................................................................................44 Saúde.................................................................................................................46 Postos de serviços..............................................................................................54 Recursos humanos & afeto. ...............................................................................58 Uma questão chamada segurança na estrada.....................................................63
PARTE 3 SOCIEDADE & PROFISSÃO....................................................... 74 Exemplos institucionais em prol do caminhoneiro (Fabet; Centronor; Sest/Senat)..........................................................................80
PARTE 4 EMPREENDIMENTO & RISCO ENTRE A ESTRADA E O CAMINHONEIRO............................... 84 Depoimentos – Della Volpe, Ouro Verde, Dalla Valle, RodoLatina, Vantroba.......................................................................................86
PARTE 5 A SENSAÇÃO DO BRASIL NA BOLEIA DO POSSANTE........... 104 Qualidade de vida. .............................................................................................106 Lazer, fuga & família. ........................................................................................110 Meio ambiente....................................................................................................113 Sua vida. ............................................................................................................114 Festas.................................................................................................................126 Cultura de para-choque. ...................................................................................128 Causos...............................................................................................................132 Receita. ..............................................................................................................140
CONCLUSÃO ...................................................................... 142 APÊNDICE A Dados completos de levantamento de opinião de motoristas de todo o Brasil (total geral)................................................... 150 APÊNDICE B Comparativo das respostas dos caminhoneiros que frequentam Caxias do Sul e Guarulhos. .................................................. 174
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APRESENTAÇÃO 8
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or meio do Instituto Elisabetha Randon, fomos convidados a desenvolver atividades que pudessem ser realizadas pelos motoristas, enquanto esperavam seus produtos nas Casas do Cliente, dentro de uma metodologia de aperfeiçoar conhecimentos de trânsito e comportamentos seguros. Entre outras atividades, inclusive diferentes jogos, elaboramos um instrumental para conhecermos o que o motorista pensa a respeito de vários assuntos representativos de seu tipo de vida. Trabalhamos esse levantamento junto a 1.512 motoristas e usuários das Casas do Cliente das empresas Randon. A tabulação e análise dessas informações nos levaram a sugerir um aprofundamento de alguns temas, por meio de entrevistas individuais e diretas, levantando histórias de vida que vieram enriquecer a nossa visão. Outras entrevistas, mostrando o outro lado da história – alimentação versus restaurante que os atendem na estrada; saúde versus centros de atendimento, – trouxeram o complemento para o tema. A oportunidade da divulgação desse trabalho foi um passo e assim nasceu a ideia do livro.
O livro está dividido em cinco partes, que terminam com uma conclusão e é seguida de dois apêndices. Daremos uma breve notícia sobre o conteúdo deles. Na Parte 1, falamos do “sonho e do prazer de ser caminhoneiro”, contando um pouco da história desse meio de transporte, mostrando o que é e faz esse e essa – sim, essa! – profissional (de frota e autônomo), o amor deles pelo caminhão, bem como suas aspirações e decepções. Na Parte 2, abordamos “a vida nas estradas”, que, para muitos, quase toda se passa nelas, o que complica a vida familiar e as amizades; um pouco menos para os raros que, literalmente, carregam a família para viver junto com eles, na boleia. Comentamos a respeito da sofisticação crescente das cabines, das questões de saúde e alimentação do motoris-
ta, das dificuldades quanto à conservação das vias e da segurança nelas, bem como do atendimento especial que é necessário existir, e começa a ser prestado nas rodovias. Na Parte 3, descrevemos a relação sociedade e profissão, com exemplos institucionais em prol dos caminhoneiros. A Parte 4, sobre “os empreendimentos e riscos estrada/caminhoneiro”, traz depoimentos de cinco empresas a esse respeito. A Parte 5 levanta questões a respeito da qualidade de vida do caminhoneiro, saúde, o que lhes agrada ou desagrada e seu lazer, do meio ambiente, da sua fé pela vida – ah, não podia faltar! – da cultura do para-choque, bem como curiosidades das estradas. Na Conclusão, fazemos um fecho para a obra, apontando dois grandes problemas e propomos uma discussão ampla sobre as questões abordadas, de modo que se possa evitar o apagão de caminhoneiros que parece estar em curso. Nos dois Apêndices, a fim de disponibilizar todos os dados e oferecê-los como subsídio para uma discussão mais ampla: A – Fornecemos as informações completas do levantamento de opinião, feito com 1.512 caminhoneiros(as), provenientes de todos os estados brasileiros e do Distrito Federal; B – Comparamos as respostas dos dois grupos de profissionais ouvidos: Caxias do Sul (RS) e Guarulhos (SP). Esperamos que goste e faça bom proveito.
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INTRODUÇÃO 12
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Introdução
Q
uem serão os caminhoneiros de amanhã? A pergunta título desta publicação surgiu da análise e estudo do histórico da profissão de caminhoneiro e da surpresa das respostas de alguns motoristas diante de si mesmos. É um grupo de motoristas amadurecidos que declararam como motivos para escolha da profissão o seguinte: trabalho do pai (família); salários altos para o nível de escolaridade exigida; realização pessoal; características pessoais (o caminhoneiro não consegue ficar parado/ liberdade); sonho de criança, entre outros. Pela pesquisa soubemos que:
14 70%
dos motoristas entrevistados tinham, já na infância e adolescência, a expectativa profissional de ser motorista de caminhão, bem distante das demais expectativas de vir a ser mecânico, jogador de futebol, policial, médico que ficaram entre 3 e 4%;
53%
iniciou na profissão por influência familiar – pai, tio, outros familiares – e amigos;
29%
dos profissionais possuíam atividades agrícolas antes de serem caminhoneiros. Nessas atividades, incluem-se o trabalho na terra e a operação de máquinas do tipo trator;
60% 55%
já pensaram em parar de trabalhar como caminhoneiros;
parariam por considerar sua vida com baixa qualidade, longe de casa e da família e com pouca valorização;
86%
não gostariam que seus filhos fossem caminhoneiros, e consideram que a profissão oferece baixa qualidade de vida (solidão, desrespeito, discriminação, insegurança, risco, perigo);
16%
voltariam à agricultura, se pudessem deixar de ser caminho-
neiros.
Se voltarmos aos motivos que os levaram à profissão de caminhoneiro, teremos para analisar alguns aspectos interessantes, enumerados a seguir:
• Se a continuidade pai para filho está em declínio de intenções, diminuindo os sonhos de criança; • Se a escolaridade exigida hoje é maior (exigência de mais tecnologia veicular); • Se o trabalho hoje é controlado (viagens/paradas/horários), diminuindo a liberdade individual; • Se o trabalho hoje é considerado de risco, oferecendo baixa qualidade de vida. Então, de imediato, eis uma questão crucial para ser colocada para a sociedade brasileira e suas instituições de transportes rodoviários:
Teremos caminhoneiros amanhã?
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O Sonho e o Prazer de ser Caminhoneiro
parte 1
16
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E
scutamos alguns caminhoneiros dizerem que no volante do caminhão realizei o meu sonho de liberdade, e outros, que se foi um sonho no início da carreira, virou pesadelo pela falta de condições de trabalho e o isolamento longo da família, e outros, ainda, que dizem: ser caminhoneiro é um prazer que divido com a família quando a coloco na boleia e vou dar conta da minha fé em alguma peregrinação, mas não sei se o meu sonho de menino, agora realizado, pode ser o sonho do meu filho, por causa das dificuldades que temos...
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Depois das tropas de muares, e já no Brasil imperial, os protagonistas do transporte de cargas eram os trens e as ferrovias, e os veículos responsáveis pela distribuição das cargas das estações até seus destinos eram de tração animal. Com o passar dos anos, a tecnologia foi se desenvolvendo, à medida que o crescimento econômico exigia mais flexibilidade e maior capacidade de atendimento, devido à demanda sempre crescente. Logo, a história criou novos personagens... Muito além da necessidade de transporte dos produtos que chegavam pela malha ferroviária, era preciso aumentar a capacidade e a segurança, diminuir o tempo e as perdas. Assim começou a entrar na esfera do transporte brasileiro outro tipo de veículo: o caminhão. Depois do raiar do século 20, o caminhão começou a circular. A demanda pelo novo veículo foi tal que os fabricantes começaram a se instalar oficialmente, no Brasil, por meio de pequenas lojas. Nesse período, os caminhões eram importados. Em um mercado crescente, com a necessidade de gerar empregos, as indústrias não tiveram dúvidas: instalaram montadoras no Brasil e o século 20 marcou o crescimento exponencial da frota nacional de caminhões, acompanhando e propiciando o desenvolvimento crescente da nossa era industrial. Os primeiros passos, para o desenvolvimento do setor, surgiram com o governo de Getúlio Vargas. Durante a Segunda Guerra Mundial,
criou-se um parque industrial automotivo para fomentar a fabricação de peças no próprio país, mas o passo decisivo aconteceu no governo Juscelino Kubitschek, que deu início à construção da malha rodoviária, ligando as principais cidades ao interior do país. Foram mais de 18.000 km de estradas construídas no governo JK, o que abriu caminhos para o desenvolvimento de diversos setores industriais e comerciais e mais campo de atuação para duas novas profissões: o operador de cargas rodoviárias e o caminhoneiro. Assim, o veículo grande, que transportava de tudo, começou a ocupar um lugar de destaque no desenvolvimento econômico. De pequenas, passou a cobrir médias distâncias e, logo, com a construção de estradas e rodovias, já percorria grandes trajetos, transportando frações de muitas histórias que, juntas, falam do imenso Brasil. As ferrovias reduziram-se ao cenário urbano e as rodovias passaram a ligar o Brasil moderno. O personagem desta história, como qualquer um, só passou a existir por ter outro que lhe deu vida, movimento, sustento. Em muitos casos, também deu amor, paixão e carinho, tornou-se companheiro, deu-lhe segurança. O condutor desta máquina, desenvolvida para atender as necessidades que apareciam e continuam surgindo, a velocidades cada vez maiores, é forte como as ferragens que constroem sua máquina, mas passa também todos os sentimentos humanos para o veículo que roda as suas emoções. E ele – o veículo – faz parte da família, e por vezes transporta a própria família, tem nome (meu bruto, meu amor, minha família...), tem detalhes da personalidade de seu condutor. É figura única e característica, longe dos seus criadores que não imaginavam que um caminhão fosse capaz de gerar tamanha emoção, envolvendo tantas histórias e tantos personagens, que aparecem de todos os cantos da estrutura social. É
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um mundo composto por fabricantes, clientes, governos e outros, um mundo que tira o chapéu para sua excelência: o caminhão. O Brasil está entre os países que mais utilizam a malha rodoviária para o transporte de cargas, serviço fundamental na cadeia de produção e distribuição de bens industriais e agrícolas. De acordo com o Conselho Nacional de Trânsito (DENATRAN), a participação dos caminhões no transporte de cargas no Brasil é de 61,1%.
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Segundo dados de novembro de 2011, divulgados pelo DENATRAN, temos uma frota de 2.263.224 caminhões, dos quais 26,8% são do Estado de São Paulo. Tais informações fazem do transporte rodoviário no país um fator determinante para a eficiência de sua produtividade e economia, tanto que comparativos internacionais mostram que existe significativo espaço para a melhoria e eficiência da atividade em território nacional. E neste cenário, o caminhoneiro, protagonista desta história, é quem faz a engrenagem se mover. Não se trata de uma profissão em que, como outras, o indivíduo estuda, se forma e vai seguir carreira. Ser caminhoneiro vem, muitas vezes, do histórico familiar, da paixão. A jornada é pesada, os benefícios podem ser poucos, às vezes inexistem, mas o caminhoneiro ama o que faz. Sem ele, não há comida, não há combustível, não faz sentido a indústria. A economia do país só produz frutos porque ele viaja o tempo todo a bordo de um caminhão. Tão importante personagem, então, precisava ser melhor conhecido. Fazia-se necessário, portanto, desvelar o que ele pensa e sente, conhecê-lo melhor, a partir do seu próprio relato e ouvir suas histórias de vida. Foi o que fizemos. E o resultado lhes é, agora, apresentado neste livro.
O Caminhoneiro. E ela, também...
O filho vê o pai a conduzir aquele veículo imenso, a rodar estradas,
trazer o sustento da família enquanto provê o sustento do país. Acha bonito, acha interessante, considera aquilo um exemplo, gerando sentimentos de liberdade, de desbravar, de conquistar, e assim alimenta o desejo de se tornar caminhoneiro também. Essa, com certeza, foi a base de muitas histórias na profissão. O homem torna-se caminhoneiro por sonho, necessidade ou diversão. E não apenas o homem, também ela – a mulher. Sim, na virada do século 20 para o 21, surgiram várias mulheres caminhoneiras que formaram um pequeno punhado de pioneiras. Eles e elas são pessoas que, desde pequenas, cultivam o desejo de dirigir o caminhão e, já na idade adulta, adquirem o próprio caminhão. Há também aquelas histórias diferentes: gente que trabalhava na roça e enxergava no rastro dos caminhões a possibilidade de crescer na vida; e gente que aprendendo a dirigir decidiu seguir estrada afora, a tocar a vida a bordo de um caminhão. Em todos os casos, uma certeza: a profissão de caminhoneiro só serve para quem realmente gosta de ser caminhoneiro. A esse respeito, vamos transcrever o que nos disseram os(as) caminhoneiros(as) entrevistados(as).
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Me chamo Aurilene Pereira Borges, sou natural de Quirinópolis, Goiás. Há 4 anos sou motorista de caminhão. Já fui motorista de ônibus também. Nesses anos de profissão, trabalhei atendendo duas usinas de cana na região de Bom Jesus, em Goiás, numa usina mais simples e informal do que as se encontram por São Paulo, mas a carga de cana ficava longe uns 40 km. Nessa região, onde recolhíamos a carga de cana, tem várias fazendas, e tem umas pessoas que, quando saem da fazenda de carro, põem a arma para fora para espantar os outros.
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Um fazendeiro atravessou a estrada, fechando a passagem, e mandou um motorista de caminhão parar. E ele não parou. Passou pelo acostamento quase atropelando pai e filho, só não matou porque eles pularam para
o lado, caindo no mato. Esse motorista era um ignorante. para que fazer isso? Ganha salário fixo, ele deveria ter parado e aguardado. Esse motorista foi até o local da carga, carregou o caminhão e voltou por outro caminho. Disseram que o fazendeiro tinha arrumado um pessoal para matar o motorista, mas ainda não tinham identificado quem era, porque os caminhões eram todos iguais. Quando íamos buscar a cana, ficavam lá na estrada duas motos e saiam atirando em qualquer caminhão que passava por lá. Muitos caminhoneiros não queriam passar por lá. inclusive aquele motorista fez de tudo para mudar de turno no trabalho, passando a trabalhar das 8 da noite às 4 da manhã. Certo dia eu estava na balança, só esperando me liberarem, quando apareceu um homem tremendo, todo amarelo e disse que só não fez nas calças porque não tinha nada pronto, – para se usar o português que se fala por lá. Com medo, o pessoal chegava a passar a 70 km por hora, naquela estradinha de terra. Quando voltavam carregados, ninguém parava para bater nos pneus1, e começou a chegar muito pneu estourado, pois ninguém batia. a única que parava para bater era eu, pois era novata e me disseram que iam descontar o pneu do salário. Era coisa demorada, pois havia, em média, 34 pneus na carreta para bater. Ficaram uns seis meses nessa situação, foi quando os motoqueiros armados descobriram o nome do motorista e pararam de atirar em qualquer um que passava por ali, para procurar só por ele. O patrão fez esse motorista ir dirigir em outra frente, e nós continuamos nesse caminho, sossegados. Sendo mulher, como motorista já passei por algumas situações constrangedoras. Certa vez, trabalhando em uma usina, com cerca de 200 motoristas, divididos em três turnos, estava para encostar e sair, quando o chefe do setor de canavieiro veio e me perguntou para onde ia. Disse a ele que eu ia para o campo. Ele respondeu: não, lugar de mulher é ali dentro (apontando pra cozinha). ele não acreditou. falei que estava indo buscar a carga de viagem. Quando foi a segunda viagem, eles filmaram e soltaram fogueNota Explicativa (NE). Costuma-se bater em cada um dos pneus com um martelo de borracha, para se certificar se estão cheios.
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te. Era época de chuva e todos estavam falando que o primeiro e o segundo motorista que entrassem na usina iam ganhar um churrasco e cerveja.
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Em Bom Jesus (GO), cidade pequena de 20.000 habitantes, também não tinha motorista, de ônibus, fui a primeira. Depois que me viram, muitas mulheres decidiram seguir esse sonho que tinham de serem motorista de ônibus ou de carreta, porque em cidade do interior quando o pessoal me via dirigindo, saía para fora de casa e sentava na rua para ver uma mulher dirigindo ônibus. No começo foi difícil. até pensei em desistir, pois nos três primeiros dias quando os homens subiam no ônibus e viam que era uma mulher dirigindo eles davam meia-volta e desciam. Depois desses dias, o pessoal só descia quando não tinha vaga, pois passaram a dizer que mulher era mais cuidadosa, experiente. Mas também tem muitos homens que dizem que lugar de mulher é o de pilotar o fogão. Fiquei oito meses na empresa de ônibus, mudei a categoria da habilitação e fui para a usina. Na usina fizeram comigo um teste: me deram um caminhão velho para carregar as canas inteiras na plataforma e tinha que amarrar com corda. Como era novata, seguia muito o que os motoristas mais experientes falavam, mas eles “aprontavam” comigo. Eu aprendi muito com os erros, pois não tinha quem viesse me explicar as coisas. Uns homens ajudam, outros se aproximam por interesse, tem uns que têm inveja e fazem intriga. Tem homem que vem falar para mim: “você tá tomando lugar de homem, você quer tomar nosso lugar”. Me veem como afronta. Eu não quero tomar o lugar de ninguém, se eu estou aqui é porque tenho capacidade e tive uma oportunidade que agarrei com as duas mãos. Lá na empresa teve um curso, eles fizeram avaliação com os motoristas, e o palestrante, que era muito bom, veio falar comigo. disse que eu sabia bem as coisas e depois disse para o pessoal que, se alguém tivesse dúvida com alguma coisa, que era para ir falar com a Leninha (é assim que me chamam) que eu explicaria. Teve só um que veio e se aproximou de mim, um senhor de 40 anos. muito humilde, me perguntou a respeito de
vários aspectos do caminhão, de como fazer para dirigir e do computador de bordo. Aprendi dirigindo na prática e lendo os manuais. Evanísio dos Santos diz que: Ainda hoje a gente se surpreende ao encontrar mulher caminhoneira. Certa vez fui para a portaria de uma empresa, onde era muito difícil encostar a carreta. Todo mundo que chegava para encostar a carreta ficava meia hora zanzando, pra frente e pra trás. Acontecia de fazer fila, por causa da demora. De repente, chegou um caminhão e, de primeira, entrou na empresa e encostou, manobrando a carreta. Todos que estavam esperando ficaram curiosos em saber quem era esse que conseguiu entrar tão rápido na empresa. E eu também fui lá ver. Nem acreditei, pois era uma mulher! Há muito descaso em dizer que mulher não serve para esse trabalho, porque é sensível e fraca. No entanto foi uma mulher que chegou, manobrou e deixou a carreta encostada, e de primeira! Neucid Bellato da Cruz, natural de Piracicaba (SP), há mais de 30 anos nessa profissão, opina: Nesses anos de profissão já vi mulher nova, de 2 uns trinta anos, dirigindo bitrem , lá no nordeste. Vi muita violência nas estradas, motorista ignorante. Em Caxias do Sul (RS) tem um motorista que mora dentro de um caminhão com a esposa e mais dois filhos, que são gêmeos, e estão com seis anos. 2
NE. Bitrem é o veículo composto por dois corpos para cargas, unidos entre si, e tracionados por um cavalo mecânico. Mais longo que ele, o tritrem conta com três corpos para carga, interligados, tracionados por um cavalo mecânico. Bitrem e tritem são chamados de treminhões.
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Eles viajam Nordeste e Argentina. Acho errado as crianças não irem para a escola, pois já estão na idade de começar a ir. Rogério Nunes Costa, natural de Curvelo (MG), com seis anos de estrada, diz que a melhor parte do trabalho é estar todo dia em um lugar diferente.
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Certa vez, indo de Recife (PE) a Medina (MG), pela BR116, ficou sabendo da história sobre a Mulher da Caveira. Era uma mulher cujo filho era motorista de caminhão. Um dia ele volta para casa, depois de muito tempo longe a trabalho, e bate muito, muito mesmo na sua mulher. Ela, desesperada, decide se matar e se enforca numa serra. Hoje a serra é conhecida como Serra da Caveira, onde toda noite a mulher aparece e assusta os caminhoneiros e tomba os caminhões. Em uma viagem a Salvador (BA), quando chegou numa parada, estava ele e outros colegas almoçando. Enquanto comiam, também conversavam a respeito de um caminhão parado lá do lado de fora. Todos tinham visto e não podiam deixar de falar a respeito, pois era impossível não falar: jamais tinham visto algo desse jeito. O caminhão, vejam bem, CA-MI-NHÃO, não era capacete de moto ou carro, era um grande caminhão pintado por inteiro rosa, sim exatamente R-O-S-A, rosa, rosinha da silva; todos estavam a comentar: onde já se viu pintar um bruto de rosa? O motorista só poderia ser muito frutinha... Qual não foi a surpresa quando, no meio do buchicho, uma mulher, que se apresentou como Aurora, disse ser ela a dona daquele tão falado gigante cor-de-rosa. Todos ficaram surpresos; teve um que disse: – Agora tá explicado! Mas a maioria não estava acreditando que ela conseguiria dirigir e manobrar aquela enormidade toda. Pois, para espanto dos presentes, ela disse ter 70 anos e, para todos prestarem bastante atenção, que ela já estava de saída e eles poderiam assistir uma mulher em ação, manobrando caminhão. E foi dito e feito! Deixou a todos de queixo caído ao sair com aquela máquina estrada afora.
Aconteceu com um motorista que, certa vez indo de Apucarana (PR) para carregar o Truck, em Dourados (MTS), estava perto de casa e, querendo passar a noite com a família, deixou outros carregarem. Ele chegou no dia seguinte, passou os olhos, conferindo. Estava tudo em seu lugar, e seguiu seu rumo. Durante o caminho, houve blitz da Polícia Federal. Pararam ele e foram conferir a carga, como ocasionalmente ocorre. Preocupado apenas com o prazo da entrega, esperou os policiais verificarem o que precisavam. Para seu espanto descobriu, da pior maneira, que aqueles que colocaram a carga, puseram também uma carga extra: drogas!!! Até a última notícia que tive, ele ainda estava preso. O que mais surpreendeu nessa história foi o fato da esposa dele tirar carta e assumir o trabalho. A Marlene começou a levar o caminhão; junto com ela ia a filha de 15 anos. A menina teve que deixar os estudos, mas depois fez supletivo. Muito talentosa, a menina nas paradas vendia as poesias e frases de parachoque que escrevia durante as viagens. Conheci as duas numa empresa de adubo em 2007, conta Alexandre Braga. Sebastião Alceu Borges acredita que: Mulher caminhoneira é mais educada. O rapaz quando entra na empresa recebe treinamento dois meses e já sai cantando de galo; a mulher respeita mais.
Destruidor de distâncias, devorador da saudade!
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Um Volante, Uma Carga, Muita Estrada, Pouca Solidariedade & Muita Fé
Na estrada, o caminhoneiro está só. Nem sempre ele tem a seu lado o
chapa – o ajudante, que ele pega pelo caminho para carregar e descarregar o caminhão. Com ele apenas o rádio, os pensamentos e a saudade de casa. Nas rotas de entrega, curtas ou longas, ele enfrenta asfalto, terra, motoristas bons e ruins, paradas sem quaisquer condições de higiene, lugares de difícil passagem e estradões. Mas também, para quem sabe apreciar, as paisagens espetaculares que só a natureza pode proporcionar.
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Ontem, ele era um desbravador notável de estradas, sem rotina, a traçar, até em mapas desatualizados, a melhor maneira de chegar a seu destino, sempre com a carga e as novidades. E pronto para ouvir. Hoje, a vida do caminhoneiro não é assim. As condições são outras: os perigos de roubo e morte infestam o dia a dia, as cabines dos caminhões são bolsões de alta tecnologia digital de comunicação e segurança, que lhe roubam parte da liberdade de agir – e ele, como ela, sente-se piloto de bólide pesado de corrida, com tanto aparelhinho a piscar no painel. Entretanto, entre o aparelho que fornece as melhores rotas e o computador de bordo, com as ordens pré-selecionadas pela empresa transportadora, está uma carga que tem de ser entregue num determinado prazo. A parafernália digital de hoje não permite a aventura da paradinha não programada e até a hora da bóia tem ponto agendado no computador de bordo... O que não está no computador do avião sem asas, que é o caminhão moderno, é a redução da jornada que permita ao caminhoneiro estar em sua casa mais vezes durante o mês, mais Casas de Apoio na malha rodoviária, com assistência médica e psicológica, além da oficina técnica para o próprio instrumento de trabalho – o caminhão.
A carga tem de ser entregue, sim, e vai ser, mas quem solicita o frete (cliente) e quem o opera (transportadora) também têm de saber que entre ambos está um recurso humano que deve ser objeto de mimo comportamental, da mesma maneira que a carga que recebe todos os cuidados. Ou não? O caminhoneiro não é um objeto, é uma pessoa que precisa de descanso e da solidariedade da família e dos próprios profissionais dos segmentos do universo das transportadoras. Vejamos como costumam ser as viagens.
76% 42%
das vezes o motorista viaja sozinho;
das viagens tem mais de 6 dias de duração;
42%
delas tem de 2 a 5 dias, e apenas;
16%
das viagens tem a duração de 1 dia.
O caminhoneiro é uma personalidade no mundo dos negócios. Não é o “executivo”, mas o executivo sem ele não tem emprego, porque não há carga em circulação. Por isso, o caminhoneiro é uma figura que se tornou, em alguns casos, uma lenda urbana, de tantos causos que faz circular em torno si. O seu mundo vai além das rodovias. Ele movimenta a economia das cidades e das pequenas vilas e dá emprego, direta ou indiretamente, para muitas pessoas. Há estabelecimentos comerciais voltados exclusivamente para ele e o seu caminhão,
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desde bares a restaurantes e hotéis, oficinas elétricas e mecânicas. Existem programas de rádio e também de televisão, oficinas de serigrafia e gráfica digital que transformam em comunicação visual palavras, sonhos, mensagens etc, que ele espalha em auto-adesivos, pelo veículo.
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Ele percebe, e isso é a sua angústia maior, que é um profissional de uma categoria que só agora começa a se estabelecer formalmente. Quando as crianças o questionam em casa, embora já possa dizer eu sou um profissional dos transportes rodoviários, ele sabe que não pode dizer está tudo bem. A categoria acaba de ser regulamentada e as grandes transportadoras implantaram sistemas de trabalho que melhoraram a vida do caminhoneiro, como: carga horária de trabalho estabelecida e controle de paradas para descanso. Mas, ele sabe que ainda é pouco para um profissional que abastece o Brasil. Por mais esdrúxula que possa parecer a questão, no meio de uma sociedade onde empresas transportadoras têm a possibilidade de incentivar política e decisivamente uma solução quase definitiva, isso provoca angústia. Aqui começa a descrença das novas gerações na profissão de caminhoneiro. Por que vou seguir os passos do meu pai, do meu avô? Ora, para a juventude que hoje tem o que os pais e avós caminhoneiros não tiveram – leia-se: escolaridade de base – a demanda por empregos geradores de qualidade de vida está em primeiro plano, não mais o estilo vou ser o que o meu pai foi. Se o caminhoneiro chega na maioria das paradas e acha o álcool, a droga e a prostituição, em vez do encontro solidário, fraternal, dos camaradas de profissão, obviamente que ele pensa naquilo que não é, mas que deveria ser – um profissional devidamente identificado com o próprio meio profissional. Algumas empresas, e entre elas, a Dicave (concessionária da Volvo, em Santa Catarina), alocaram recursos físicos e humanos para os seus empregados que passam a vida ao volante de um caminhão: a Casa do Cliente. Isso diminuiu a angústia e a solidão do
caminhoneiro, mas é pouco para quem carrega o Brasil pelos brasis... As manifestações religiosas são comuns na vida dele. Mesmo o cético, ou quem não segue dogmas ou crenças místicas, demonstra uma fé inabalável na vida, porque ele não está somente na estrada, ele conduz a vida na estrada – a dele e a de muitas outras pessoas! Seja qual o for o credo, ou nenhum, o certo é que o caminhoneiro ocupa a cabine do caminhão já com aquela fé de dar continuidade à vida. A colonização luso-jesuítica evangelizou o Brasil e um dos santos católicos é o padroeiro desta turma de gente ousada: São Cristóvão. É fácil ver autocolantes com figuras religiosas em diversas partes do caminhão, ao lado de dizeres que se popularizaram pelo mundo, desde o guiado por Deus ao louco por ti, gata passando pelo rastreado pelos buracos. Dos caminhoneiros entrevistados:
79% 19% 2%
são católicos;
evangélicos;
espíritas.
Se você não vê meu retrovisor, é sinal que eu também não estou te vendo.
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Alexandre de Almeida Fernandes conta algumas de suas experiências marcantes enquanto viajava: Aconteceu na beira da estrada, foi um dos piores dias da minha vida: tive de contar a um colega que a mãe dele falecera. Recebemos um telefonema, avisando. Tive que convencer esse colega a parar e eu falei para ele que tinha que ir embora, porque a mãe dele tinha morrido.
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Isso foi na Rodovia Regis Bittencourt, na altura do quilômetro 400, logo depois de Registro (SP). É barra! Aí, eu ficava pensando: como que eu vou explicar para ele que aconteceu isso, isso e aquilo. Viemos em dois caminhões e eu conversando com ele até Guarulhos (SP) para ele pegar um avião. Tem um fato que eu vi, fato verídico. Vi uma senhora ganhar bebê dentro do caminhão; ela era esposa de um caminhoneiro e viajava com ele. Eu estava parado em um posto em Ibituba (SC). Como eram só os dois, para ela não ficar sozinha em casa, resolveu passear junto com o marido, mas chegou a hora dela! Depois que ajuntou muita gente em volta, chamaram uma ambulância para ver se estava tudo bem com o bebê. Graças a Deus deu tudo certo. Estavam todos bem. Nunca mais os vi. Meu avô era caminhoneiro, faleceu em dezembro de 2011; estava aposentado com 86 anos. Eu falava para ele: de manhã estou em Porto Alegre (RS) e de noite em São Paulo (SP). No tempo dele, essa viagem levava uma semana. Agora que faço só Porto Alegre-São Paulo, fico três ou quatro dias fora de casa. Mas quando fazia Mercosul, tinha vezes que ficava 60 dias sem ver a família; a saudade é sempre muito grande. A esposa do caminhoneiro tem que ser mãe, pai e tudo mais. Porque nós vamos trabalhar e a mulher fica para criar os filhos da gente. Já aconteceu de eu ter que parar na estrada, na época que trabalhava com caçamba, e virem dois, três motoristas, que eu nunca tinha visto na vida, parar e me ajudar. Nesse sentido, ainda se encontra bastante compa-
nheirismo; já soube de colega que ficou parado no precipício e desconhecidos virem ajudar. Tem estrada que você anda mais de 100 km e não tem nenhum borracheiro; se estoura pneu o pessoal para, desce com as ferramentas, e ajuda mesmo. O rádio amador também ajuda muito. Ali na serra do 90 (Serra dos Cafezais - SP), se um colega tá em cima no posto e avisa que tá tudo parado, você já vê para onde vai, para não ficar na fila, pois se tu entra na fila e fica ali parado, aparece todo tipo de vagabundo, sem-vergonha, para te assaltar. Na Serra do Azeite (SP), uns homens quebraram o cadeado do baú de um colega quando o caminhão ia descendo devagar, pois era uma subida longa. Um carro ia seguindo logo atrás, com os homens levando as caixas de cima do baú. Acho que ele deve ter parado na beira da estrada para comprar alguma coisa ou tomar um café e eles se aproveitaram e quebraram o cadeado. Um colega vinha atrás, percebeu a movimentação e chamou mais alguns colegas. Nós fechamos eles. Eles tiveram de voltar a pé. Mas isso acontece o tempo todo, é o que mais tem. Tem uma história fantástica que me contaram. Um colega saiu na curva e tombou. Estava ele, a mulher e dois filhos deles: um menino e uma menina. A menina ficou com o braço preso embaixo do caminhão, e o caminhão pegando fogo. Um colega chegou e perguntou para o pai: – Tu quer salvar a tua filha? Ele respondeu que sim. O rapaz pegou um facão e cortou o braço da menina. Não sei se é verídica essa história, mas pode até ser. Não se sabe se é verdade, mas é história que se conta por aí.
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Um Bruto Chamado CAMINHÃO & o CAMINHONEIRO
O historiador J. C. Macedo escreveu: Importante empresário, como indus31
trial e como inventor, no ramo automobilístico, o alemão (Gottlieb Wilhelm) Daimler desenvolveu os motores de combustão interna a gasolina. Do seu engenho científico surgiu, em 1896, o primeiro caminhão a gasolina. O bru4 to2 foi equipado com motor de 4 a 10 hp e fazia de 3 a 12 km/h carregando até 6 toneladas de produtos. Uma nota de rodapé do autor esclarecia que o bruto dava mesmo marcha à ré com certa facilidade de manobra.
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Já no Brasil, diz o mesmo autor, os brasileiros conheceram o caminhão em 1920, quando a Ford instalou em São Paulo a fábrica para produzir o Modelo T, e de imediato o caminhão começou a rodar nas velhas trilhas dos tropeiros e a dar conta de uma rapidez de entrega de cargas que os ferroviários não tinham como competir pela falta de mobilidade logística. O aparecimento do caminhão nas ruas da Europa, enquanto nos EUA se armavam já as primeiras corridas de automóveis, proporcionou sonhos de aventura nas crianças e adolescentes. Em certos casos urbanos o motorista do caminhão transforma-se em figura central e gente sai de casa para 5 o ver manobrar aquele peso-pesado das estradas. 3 Este profissional, que no Brasil leva o nome de caminhoneiro, é tão importante socialmente que virou personagem de livros, novelas, programas de rádio e de televisão, e de muitas canções românticas e tantas que elegeram até uma musa para o caminhoneiro – a cantora Sula Miranda. As músicas mostram, com perfeição, o quanto o caminhoneiro está presente no imaginário popular e é querido por ele, reconhecendo seu valor, enaltecendo sua vida solitária e seu destemor, ao percorrer estradas mal conservadas e repletas de perigos. E tão mais importante parece ser o reconhecimento de seu valor quanto mais cantores têm composto João Carlos. Na era de todos os volantes. O Volante. Porto [Portugal], 1973. [Volante, em Portugal designa o que chamamos de condutor, motorista, caminhoneiro]. 4 Bruto, termo usual no sul do Brasil e em Portugal, é sinônimo de caminhão. É maneira carinhosa de o caminhoneiro se referir, no cotidiano, a seu veículo: o bruto encrencou..., lavei o bruto todinho.. 5 MACEDO. Obra Citada. 3 MACEDO,
Uma História Marcante
obras sobre ele, e quanto mais letras falam dele e sua vida de heroismo e quanto maior é a diversidade de intérpretes que têm gravado tais músicas. Para fazer minha primeira viagem eu menti para o cara que já tinha viajado de caminhão (e não tinha viajado coisa nenhuma), peguei na em6 presa um truck para puxar Caxias (RS) – Porto Alegre (RS), onde eu fiquei três anos. O cara disse: – Você já viajou de caminhão? Eu disse: – Já! A minha ansiedade era tanta... parecia uma criança. Quando saí com o caminhão eu beijava a direção, ficava feliz, ligava para um e para outro para me verem dirigindo o caminhão, deslumbrado. Então, aquilo para mim foi maravilhoso, eu cheguei ao ponto de pensar que eu teria que pagar para o cara, por ele estar me dando essa oportunidade. Era dia e noite, era sábado, domingo, feriado. Sabe, criança com presente novo? Então, foi assim que eu me tornei caminhoneiro. Não tem nenhum caminhoneiro na minha família. Meu pai é corretor de gado, aposentado, minha mãe é dona de casa, meu irmão é advogado e eu fiz vestibular para Direito. Passei, ia começar a faculdade, foi aí que fui “puxar nordeste”, fui para o nordeste levar umas cadeiras. – A carreta é sua! – ouvi, quando voltei. Aí, eu larguei a faculdade e fui. Essa é a história de Luciano Gimenez Maciel. A dele e a de muitos e muitos caminhoneiros que, de repente, e a partir de um simples experiência, tornaram-se profissionais do volante e companheiros do possante de 4 rodas (ou mais). Hoje, com os problemas de saúde, a falta de formação, os riscos e a solidão (muito tempo longe da família), ainda vale a pena ser caminho6
NE. Truck se refere ao caminhão com eixo duplo na carroceria. Trata-se de um conjunto único, dotado de motor, cabine e carroceria aberta ou fechada (baú) para acomodar a carga.
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neiro? Quais são os fatores positivos da profissão? E os problemas têm responsáveis? Quais seriam as possibilidades de solução? Quem é essa pessoa cujo ambiente de trabalho é uma cabine de caminhão? Sabe-se: na maioria das vezes o caminhoneiro não é somente motorista do caminhão, pois além de dirigir o veículo, ele tem que conferir e entregar a carga, resolver questões com policiais e, muitas vezes ainda tratar com clientes que nem o cumprimentam...
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Ele é o que antigamente era o tropeiro: o faz-tudo. O que hoje se traduz por multitarefa. Ele faz o controle do veículo, ajuste contínuo da velocidade e da trajetória durante toda a operação, regulação da ambiência térmica, o atendimento de chamada radiofônica e, agora, de e-mail pelo computador de bordo. É ele, a boleia do caminhão e a estrada. Por isso precisa de um treinamento e foco na segurança da conduta. Tem inúmeras vidas em suas mãos. Pode-se afirmar que o mundo está numa estrada, quando o assunto trata do caminhoneiro e das cargas que ele tem de entregar.
93%
considera sua profissão arriscada. Principais riscos indicados:
38% Assaltos: 24% Roubos: 14%
Acidentes:
Contratado como agregado pela empresa, ou como terceirizado (a
prestar serviço em nome de outra empresa, ou como autônomo), o motorista, dono de caminhão e/ou cavalo mecânico,7 percebe-se caminho8 neiro a partir do momento em que assenta o pé na tábua e faz avançar o veículo para uma ou mais entregas. Entretanto, quando ele é o dono de caminhão, está por conta própria e risco, enquanto que o contratado, ao dirigir veículos da empresa, está por conta dela. O caminhoneiro é muito importante. Quando o tropeiro se fez aos sertões carregou a independência do Brasil, mas o Brasil só veio a ser independente quando abraçou a tecnologia de comunicações rodoviárias e o caminhoneiro fez conhecer, de uma vez, os brasis que o Brasil contém e oferece ao mundo. Entretanto, e sabendo-se que em alguns casos de sucesso o dono de caminhão multiplicou a sua oportunidade de vida e transformou-se em empresário de transportes rodoviários, convém dizer que se o sonho foi e é viável, a dura realidade da maioria dos caminhoneiros sugere que ele apenas se realiza ao dar às suas crianças a escolaridade que não teve. E ele precisa de mais. Precisa que os antigos motoristas/ caminhoneiros que hoje são empreendedores do ramo percebam que não podem olhar para o lado, quando lhes surge a realidade nua e crua do caminhoneiro sem apoio logístico e social... E não basta dizer: Ah, eu também passei por isso! Ora, o que é preciso é agir com e pelos valores humanos, para incentivar a continuidade de quem está caminhoneiro na estrada, e trazer sangue novo para esta comunidade de gente ousada.
7 NE. Cavalo mecânico ou só cavalo, ou, carinhosamente, cavalinho – designa o veículo dotado de força motriz, formado pela cabine, motor 8
e rodas de tração – ao qual se acopla um ou mais elementos para acomodar a carga. NE. Pé na tábua é sinônimo de acionar o acelerador com o pé.
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O que é? O que faz o Caminhoneiro?
E se o caminhoneiro é um profissional na base de sustentação do Brasil
que dá certo, então, esse profissional tem que crescer social e financeiramente.
Ele não pode ser apenas o cara do frete que anima as estradas do país. Agregado, autônomo etc etc, o caminhoneiro deve ter recursos logísticos e sociais que lhe permitam respirar a liberdade que vislumbra da cabine do caminhão, ou a profissão pode sofrer um apagão difícil de solucionar, mesmo quando ele diz que ama muito o que faz...
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Motorista de Frota & Caminhoneiro À parte o estar caminhoneiro, há comportamentos que ajudam a definir, parcialmente, essa pessoa que passou a ser fundamental no desenvolvimento do Brasil, conforme se depreende dos depoimentos dados por eles mesmos, como se mostrará a seguir. O bom de você dirigir, em uma autoestrada, um caminhão deste tamanho é o prazer de dirigir, de gostar daquilo que faz. Uma coisa que eu adoro é manobrar, pegar um bitrem e manobrar. É uma coisa que enaltece o ego, eu me sinto realizado. As pessoas param e se perguntam: como ele consegue manobrar um trem daquele ali? E para mim é uma coisa tão simples... Então, você está manobrando; às vezes na empresa (é bem na rodovia) os caras param de ônibus, de carro e ficam olhando aquele trenzão grandão. Não tem preço, é gostoso, me sinto bem. Você se sente bem fazendo o que gosta. Se você me oferecer 5 mil reais para administrar sua empresa, eu não consigo. Não é que eu não saiba administrar, eu não consigo é ficar preso em um lugar só. Nestes 12 anos que estou em Caxias (RS), fiquei 3 dias dentro de uma empresa. Agradeci o cara: muito obrigado, não é para mim. Por exemplo, agora estou aqui com você e daqui a pouco já estou em São Paulo, entendeu? O
que eu ganho é suficiente, entre aspas, e gratificante para mim – diz Luciano Gimenez Maciel, de Caxias do Sul (RS), com 13 anos de carreira no ramo. Muitos dizem eu não consigo é ficar preso em um lugar só e é essa característica a mola maior que lança esta gente na aventura de carregar o Brasil estrada a fora. Essa circunstância, que é a liberdade de estar andarilho sobre 4 rodas (ou mais), leva até alguns deles a sacrificarem o convívio familiar. Eu gosto da minha profissão. Se me deixarem de férias, em 10 dias não aguento mais ficar em casa. Já fico irritando a mulher – afirma João Matias, de Bariri (SP). Para alguns, a essência nômade está no sangue. A profissão de caminhoneiro é em si uma realização, e nem a família é entrave a isso.
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VIDA NA ESTRADA
parte 2
40
41
S
er caminhoneiro é estar em mutação geossocial o tempo inteiro, porque ele é o cara que deixa de ser quem é para batalhar pela vida de um país, a de milhões de outras pessoas que não conhece. Até por isso deveria ser mais respeitado, receber mais solidariedade.
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Este ramo vem se modificando desde o século 20, mas na primeira década do século 21 a tecnologia de última geração invadiu a cabine do caminhão e o romântico caminhoneiro do volante ficou para trás. É só lembrança. As tecnologias obrigam o moderno caminhoneiro a estar plugado no computador de bordo, que lhe diz o que fazer e o que não fazer, quando e onde... Ele era multitarefa, agora é digital. Com um problema: as suas dificuldades são as mesmas, ou seja, continua a ser mal servido logisticamente nas paradas que deveriam dar-lhe o apoio social-solidário adequado! É verdade que as preocupações do caminhoneiro também mudaram. Antes, a pergunta era: como faço para chegar a tal lugar? Pegavam-se mapas, roteiros, era uma intensa pesquisa. Quem conhecia mais caminhos e mais estradas era o mais eficiente. É óbvio que a segurança e o tempo de entrega da carga passou a ser assunto diário nas transportadoras e entre quem está atrás do volante dos caminhões. Hoje, tecnologias como a do GPS (Sistema de Posicionamento Global) indicam caminhos. Além disso, já são comuns os equipamentos que fazem o rastreamento da posição do caminhão ao longo da rota pré-determinada, o que oferece segurança e controle. Mas a segurança e o posicionamento de quê e de quem? Do caminhão, da carga ou do caminhoneiro? Ao que se dá mais atenção? Os modernos caminhões quase imitam a complexidade tecnológica de um Fórmula 1 ou Indy. Alguns oferecem até comodidade de cabine para sultão algum botar defeito... Mas, o que é feito para assegurar a reciclagem profissionalizante do caminhoneiro romântico que se vê diante de um trenzão digital e com painéis de luzes que mais parecem os complexos dispositivos de disparar mísseis?
Atentas à questão, algumas empresas preparam a comunidade de caminhoneiros para a realidade tecnológica, a bordo dos novos e modernos caminhões. Essa é, aliás, a grande oportunidade que o setor tem para sensibilizar os que abusam, para que eles ofereçam ao caminhoneiro a necessária redução de jornada/frete, uma vez que os (ainda) altos índices de acidentes com caminhões indicam fadiga e medicação energética que, a certo momento, deixa de funcionar... porque o corpo não resiste, os olhos não veem, e o caminhão escapa do controle. Já existe tecnologia que alerta o motorista (Ei, acorda, mano!), mas ela não impede a dormência do corpo nem evita o acidente.
43 Alexandre de Almeida Fernandes já foi a trabalho para o Chile e Argentina. Ele nos diz: Vi gelo e neve, fiquei muitos dias na estrada. Teve vezes que tive que ficar alguns dias sem tomar banho por causa da neve. Mas no geral, o dia a dia tem muito acidente, muita gente irresponsável no volante, e os horários que são uma loucura, além de muitas empresas ficarem fazendo pressão sobre o motorista. Algumas empresas, como a Randon, oferecem uma boa estrutura para receber os motoristas, mas algumas empresas nem têm lugar ruim para acomodá-los! Os motoristas ficam no meio da rua esperando, muitas vezes sem previsão, ao Deus dará, sem banheiro, nem coisa alguma. Os postos não têm lugar para dormir, em outros, só pode dormir quem abastece. Se não abastece, tem que pagar para ir tomar banho; não pode parar nesses postos.
Estrada, Amor & Filhos
Um caso que chamou a atenção do Brasil está na matéria Casal de es-
tradeiros cria filho na boleia, assinada por Luciano Alves Pereira, na edição 155 da revista Carga Pesada, que agora resumimos.
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É certo que a vida estradeira afasta a família. O marido fica fora por muitos dias, o ano inteiro. Mas essa solidão não existe para Roberto Gasparin e Cristiane Bosing. Eles formam um casal rebelde, que gosta de ficar junto. Nascidos em Itaipulândia (PR), o então adolescente Roberto foi para a estrada tocar caminhões dos outros e não deu bola aos apelos do pai, Isauro, para seguir com os estudos. Em pouco tempo estava viajando, acompanhado da namorada Cristiane, outra teimosa. Quando as coisas melhoraram, Roberto comprou um Scania 1985/86, 112, faixa cinza, todo financiado, e em 2001 caiu na rota internacional, para Mendoza, Argentina. E a Cristiane aprendendo junto! O casal logo concordou que o crescimento da família dependia da compra de outro caminhão. Seria cada qual com o seu, diz Roberto. Ele ficou com o Scania 113 H, 1995, 6 × 2, e passou o 4 × 2 para a sócia. As duas carretas ficariam ligadas entre si. Ia ser mais difícil a captação de cargas conjuntas. Difícil, mas possível – e eles seguiram fazendo a de Mendoza. Em 2007, Cristiane teve que parar por uns tempos: ficou grávida. Roberto procurou rotas mais próximas. Cristiane voltou à estrada e ao volante, quando o bebê Gabriel tinha apenas 10 meses. Arrumou uma babá embarcada, que viajou com ela durante um ano. Quando o bebê precisava mamar, a mãe parava o caminhão e dava o peito. Nesse período, seu serviço, como o de Roberto, já era outro, mais ameno: concentraram-se num bate-e-volta entre Santos (SP) e Contagem (MG). Farinha de trigo, do porto para a Bunge, e, no retorno, cimento ou tijolos refratários da Magnesita. Estão nessa até hoje, e não podem deixar de criticar a proibição da entrada de acompanhantes na área de movimentação de carga das indústrias. Por isso não podemos descarregar as duas carretas
na mesma hora, conta Cristiane. Alguém tem de ficar com o Gabriel. Pai e mãe se revezam nesses cuidados. Cristiane, no entanto, sabe que seu filho logo terá de ir para a pré-escola. Percebe-se o seu desgosto diante do inevitável. Para não largar a estrada, ela teria de deixar o filho com os sogros. Mas prefere educá-lo ela mesma. Além do mais, pensa em ter mais filhos, um reenquadramento da vida móvel para a fixa. Enquanto corre o prazo, o casal Gasparin amplia a frota, sem afrouxar os laços familiares. Este ano, Roberto adquiriu um Scania novo, modelo 420, 6 × 2, da Battistella, de Cascavel (PR), e o engatou num bitrem da Randon. Agora são três carretas e um único destino. Roberto assumiu o volante do zero km e passou o outro 6 × 2 para o sogro Adelar Bosing, um jovem com menos de 50 anos. Adelar, casado com Solange, também está criando um filho, o lourinho Leonardo, na cabine de um Scania. O guri está com um ano e também virou estradeiro, ou melhor, filho da estrada. Roberto contrata fretes para todos. Não é fácil encontrar cargas que somem 55 + 35 + 30 toneladas a cada viagem, para o mesmo destino. Mas, como se viu nestas breves linhas, Roberto e Cristiane têm escrito uma história em que compartilham muitos desejos e conquistas.
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Saúde
À parte a sua disposição para enfrentar a solidão, tocando violão ou
gaita à sombra do possante, o caminhoneiro enfrenta problemas inerentes ao esforço da própria profissão:
78%
46
22% 75% 59%
alimentam-se durante as viagens em restaurantes ou lanchonetes de estrada;
(ainda) cozinham sua comida e trazem experiências de preparações rápidas e saudáveis;
acham que, em geral, os caminhoneiros têm problemas de saúde;
alegam que ele próprio também apresenta problema de saúde.
Os caminhoneiros citam como seus principais problemas:
Dor nas costas/coluna:
Pressão alta:
25% 21% 18% 7%
Estresse:
Obesidade:
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A respeito de drogas e seguro de vida:
9
76%
informam que a maioria usa rebites ;
59%
possuem seguro de vida; sendo que
65%
deles são pagos pela empresa.
9
E.oRebites são drogas sintéticas (anfetaminas) que estimulam o sistema nervoso central, deixando a pessoa mais N desperta, mais ativa e com menos apetite. São conhecidas como bolinhas pelos estudantes que precisam passar noites em claro, em vésperas de provas, ou pelos que fazem regime para emagrecer, que querem ter menos apetite. Caminhoneiros tomam rebites para poder dirigir com disposição por mais tempo, sem descanso, de modo a cumprir prazos exíguos. Embora fiquem mais despertos e mais ativos, passado o efeito da droga, sofrem as consequências: seu organismo fica extenuado por ter se esforçado acima de sua capacidade e a pessoa, por falta da droga, fica deprimida. Outros efeitos, sérios para quem dirige: dilatação da pupila, que acarreta ofuscamento por faróis, ao cruzar com veículos, à noite; provocam, igualmente, taquicardia e aumento da pressão arterial. Sem falar que o uso continuado pode levar à degeneração irreversível de células cerebrais, bem como fazer que os efeitos procurados serem cada vez menores, demandando doses cada vez mais altas para obter os mesmos resultados. Doses excessivas podem provocar irritação, agressividade, delírio persecutório, intoxicação, aumento de temperatura e convulsões, demandando internação para desintoxicação.
Ele sabe, também, que a sua saúde é o ponto-chave da profissão: motorista fraco é caminhão a criar acidentes. Ele tem a justa noção do fato. Mas os empresários também já verificaram que não basta ter noção do caso, é preciso agir. Doenças como hipertensão, colesterol alto, diabetes, úlceras, gastrites, entre outras, incluindo as psíquicas, são um indicador da urgência de levar atendimento aos caminhoneiros.
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Hoje, as melhores rodovias são construídas e mantidas por empresas privadas, com algum envolvimento governamental. As melhores estão no Estado de São Paulo, ainda o eixo maior da ação rodoviária brasileira e principal ligação ao MERCOSUL (Mercado Comum do Sul). E é nelas que a boa notícia está acontecendo para atender a esses profissionais. Algumas concessionárias de rodovias instalaram postos de apoio em suas áreas de atuação, com o objetivo de levar atendimento preventivo e corretivo. 10
A CCR AutoBan lançou o Programa Estrada para a Saúde em agosto de 2006. Instalado em um moderno Centro de Atendimento de 260 m², na Área de Descanso do Caminhoneiro, no km 56 da Rodovia dos Bandeirantes (SP 348), na região de Jundiaí (SP), junto ao Posto de Serviços Graal, com quem tem parceria. Tal programa oferece atendimentos gratuitos diários, de segunda a sexta-feira, das 8 h 30 às 12 h 30 e das 13 h 30 às 21 h 30, facilitando e estimulando o comparecimento dos motoristas que podem escolher o dia e horário mais adequados. O caminhoneiro pode fazer exames de tipagem sanguínea + fator Rh, glicemia, colesterol, triglicerídeos e pressão arterial; eletrocardiograma; acuidade visual; cálculo de IMC (Índice de Massa Corpórea); consultar o 10 NE.
A empresa CCR (Companhia de Concessões Rodoviárias) administra cerca de 2.500 km de rodovias em São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná, dela fazem parte a CCR AutoBan (Rodovia dos Bandeirantes) e a CCR ViaOeste (Rodovia Castello Branco), dentre outras.
Divulgação CCR
49 médico ou psicólogo e cuidar da saúde bucal (tratamento odontológico preventivo, limpeza e restaurações), além de usufruir de outros serviços como corte de cabelo, massagem bioenergética e cuidados com os pés (podologia). A CCR ViaOeste lançou, em 2002, o mesmo projeto, no km 41 da Rodovia Castello Branco. O principal foco é avaliar a saúde do caminhoneiro, por meio de exames médicos periódicos, como glicemia, pressão arterial e acuidade visual e vacinas, entre outros. Além dos exames gratuitos, o caminhoneiro tem oportunidade de participar de palestras educativas sobre doenças sexualmente transmissíveis, preservativos, bem como pode cortar o cabelo. Tudo gratuitamente. Esse tipo de ação contribui para reduzir o número de ocorrências por mal súbito do motorista, em decorrência de eles não terem acesso às informações que detalham sua condição de saúde, podendo, com
isso, evitar doenças, bem como acidentes de trânsito.
Divulgação CCR
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Segundo o enfermeiro Jean Lênin Onofre Silva - Mairinque (SP), com vasta experiência em rodovia, incluindo resgate avançado na CCR ViaOeste, a maior parte dos caminhoneiros acredita não ter tempo para se cuidar, problema que tem origem nas transportadoras que ainda não têm uma visão humana do assunto. Muitos deles viajam 16 horas seguidas e ai aparecem com muitas dores, sem contar os problemas psíquicos ligados à solidão e ao estresse constante. O que pode levá-los à utilização de drogas: antes eram os rebites, para se manterem acordados, hoje em dia já se vê o uso de maconha e cocaína.
Conheça as peripécias que Evanísio dos Santos vivenciou. Era uma hora da manhã em Vacaria (RS), num posto. Tudo estava em silêncio. Como era verão, todos dormiam com vidros abertos. Eu estava indo escovar os dentes, enquanto todos estavam dormindo. Um dos que estavam dormindo, enquanto eu passava na frente do caminhão dele, de repente deu um grito e pisou no freio, certamente pensando que ia me atropelar. Imaginei que ele estava sendo assaltado, mas não. Quando olhei melhor, ele também estava olhando para mim, um tanto sem graça, não sabendo o que fazer. De vergonha, ele decidiu voltar a dormir. Teve uma época que eu tinha que tomar rebite, estava carregando de São Paulo (SP) a Porto Alegre (RS), e só “botando lenha”, só correria. Chegando em Porto Alegre, fui dormir enquanto o pessoal descarregava. Era de madrugada. O banheiro da plataforma era meio longinho. Estava o maior toró, uma chuva que só vendo para crer. Eu tinha umas garrafinhas de água mineral vazias, – pensei – não vou sair nesse toró para ficar ensopado, só para ir ao banheiro. Vou usar essas garrafinhas aqui mesmo e amanhã eu jogo no lixo. E segui viagem. E lá de Porto Alegre, carreguei de volta para São Paulo. Até nesse momento, tudo normal, tranquilo. Lá pelo meio da viagem, liguei para um gerente para saber da programação. O rapaz me disse que era véspera de um feriado e que o primeiro que chegasse em São Paulo sairia com a maleta da carga prontinha, para voltar pro Sul. – Opa! É minha! – pensei. Chegando na Serra do Azeite (SP), como estávamos em dois, eu e um outro colega, e batia o sono, falei para o Salsicha, que era o apelido dele: – Não vou aguentar, - e ele me respondeu: – Aguenta aí, Sabiá (meu apelido), acelera aí senão tu perde a vez, se parar para dormir. Os caras vão passar na frente e tu vai passar o feriadão em São Paulo. Aí, ele me perguntou:
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– Você tem rebite? Disse que sim. – Pois então, – disse o Salsicha –, toma um. Era de noite. Com a mão, “cacei” a garrafa, chacoalhei, e pensei: – É essa mesmo! – só tinha uma cheia. Rapaz! Quando botei aquele troço na boca, começou a escorrer água dos olhos, mas pensei:
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– Se eu por para fora essa coisa, vou ter que parar para dormir e os caras vão me passar para trás, vou ficar quatro dias em São Paulo, mas se eu engolir, é meu mesmo e vai dar certo. Eu engoli aquele negócio! Aquilo subia e descia em mim. Nunca mais! Se tiver chuva eu me molho, mas vou até o banheiro. Sobre esse mesmo assunto, me lembro de um outro caso. Certa vez, lá na empresa, estavam vários reunidos, inclusive um senhor mais idoso, porém bacana. Ele tinha mania de não ir no banheiro e só usar garrafa; o banheiro dele era garrafa de dois litros de coca-cola. Falei pros colegas distraírem ele e fiz um monte de furinhos na garrafa. De manhã não deu outra, era xixi para todo lado, lençol, cama, tudo molhado. O velho ficou danado de bravo. Uma vez estava em São Paulo. Descarreguei e fui para dentro do caminhão. Estava dormindo. Quando deu uma hora da manhã, o pessoal veio bater na porta; a carga estava pronta para sair. Fui fazer entrega em Porto Alegre, com prazo muito apertado e, para não perder tempo, ficava o máximo que aguentava sem dormir; quando não suportava mais parava e dormia 20 minutos, acordava e continuava a viagem, mas dali a pouco o sono ficava insuportável e parava para dormir outros 20 minutos: tantas vezes que nem precisava de despertador: o cérebro já tinha acostumado e eu acordava sozinho.
Cheguei a tempo, porém completamente moído, totalmente acabado; minha última parada tinha sido em Gravataí (RS). Estacionei o caminhão no pátio e fui dormir. Dali a 20 minutos acordo, ligo o caminhão, dou a partida e começo a sair quando escuto uma barulheira danada, ruído de coisa caindo: era carga e gaiola de carga, gente gritando, só confusão. Foi então que veio um senhor e perguntou se eu estava tentando matar alguém, olhei com cara de interrogação ou de confusão e ele complementou: – O pessoal está descarregando! Tu tá doido da cabeça?! Tu bebeu quanto? Só depois de ouvir aquilo, é que percebi que estava no pátio, que eu acabara de chegar, mas achava que estava em Osório (RS). A pressão foi tanta que nem parecia ter acabado. Ele falou pra mim: – Tu tá é ficando louco, você quase matou os caras lá trás, que estão descarregando o caminhão. Na outra viagem, o velho veio do meu lado, achei estranho que ele não saía do lado do caminhão. O senhor falou pra mim: – Você está muito cansado, vá dormir. Disse a ele que agora não, mais tarde eu ia. E ele continuava observando. Pensei: esse senhor tá insistindo muito para eu ir deitar, não tira os olhos do caminhão. Fui dormir. Quando estava deitado, eles foram lá e desligaram as mangueiras de ar; fizeram isso por mais ou menos um mês, que era para eles descarregarem e eu não engatar e sair, machucando algum deles!....
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Postos de Serviços
Postos de parada & descanso Ao longo das grandes rodovias e da malha de estradas do Brasil existem postos de parada e descanso que são de grande importância para o profissional caminhoneiro.
Quinta do Marquês
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É o mais completo empreendimento rodoviário na Castello Branco. Conta com uma grande estrutura para tornar a parada do caminhoneiro um momento de descontração e descanso, em um lugar seguro e agradável. Oferece aos viajantes todos os serviços de autoposto, bem como um restaurante, loja de conveniência, padaria, banca de jornal, cyber café e espaço caminhoneiro. Tudo isso com o máximo de higiene, conforto, produtos de primeira e um ótimo atendimento.
Espaço caminhoneiro Existem espaços especiais, voltados especificamente para o conforto do caminhoneiro, dotados de lavanderia, lazer, lanchonete, banheiros com chuveiros, serviços médicos e estacionamento com segurança, funcionando por 24 h, em vários estados. Destacamos alguns da região sul e sudeste:
Rio Grande do Sul
– Portão – Posto Hoff.
Santa Catarina
– Itajaí – Posto Santa Rosa.
– Lages – Posto Palmeiras.
Paraná
– Curitiba – Posto Aldo Locatelli.
– Paranaguá – Posto Locatelli.
– Cascavel – Posto Rosário II.
São Paulo
– Guarulhos – Posto Sakamoto.
– Ribeirão Preto – Posto Gavião.
– Marília – Posto Gigantão.
Minas Gerais
– Estiva – Posto Dom Pedro II.
– Contagem – Posto Bonanza.
Como se pode notar, embora sejam muitos os espaços para o caminhoneiro, nas regiões sul e sudeste, são bem poucos quando se considera a extensão da malha rodoviária existente nelas. O mineiro Samuel Pereira de Matos, no possante há 5 anos, revela que: antes eu era pedreiro, aí fui para o caminhão que é mais fácil do que ser pedreiro, pois o trabalho de pedreiro é duro demais. Como caminhoneiro, eu trabalho para uma empresa e só faço viagens curtas. Sempre faço as paradas em postos que estão no convênio com a empresa, mas nem sempre é possível, às vezes tem que parar em outros. Eu prefiro parar nos postos que têm uma assistência para o caminhoneiro, porque é mais fácil, é melhor tratado que nos outros. Tenho uma cozinha no caminhão e quase sempre preparo minha comida. A gente se sente como se estivesse em casa, quando faz a própria co-
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mida. Preparo a minha na caixa do caminhão e fica igual quando faço em casa. Só cozinho o simples: arroz, feijão, carne e macarrão. No caminhão, não dá para carregar mais coisa para cozinhar. Sei fazer outras comidas, mas no caminhão não dá não. Só carrego o básico, mesmo, e prefiro fazer a minha comida do que comer em restaurante, pois a gente não sabe como é feito... Acerca do seu modo de vida ele é enfático: Acho que a profissão é desvalorizada, o salário é muito baixo para uma profissão tão arriscada como a de motorista.
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Já o paulista e autônomo Wilson Lopes Ferreira, com 25 anos de estrada, é tradicional: Meu pai era motorista e me ensinou a dirigir. Nunca fiz outra coisa na vida a não ser guiar caminhão e agora pretendo me aposentar nessa profissão. O trajeto que faço pela empresa leva a estradas que têm posto com atendimento especializado para o motorista. é melhor parar nestes postos em que a gente é melhor tratada, pois tem muito lugar em que as pessoas não gostam do caminhoneiro. Mas não é sempre que dá para achar esses postos especializados, e aí tem que parar no que tem. Mas sempre procuro um posto que tenha segurança. Apesar de ter origem na vocação familiar, Wilson já não segue os mesmos rituais: a) Como mais em restaurante. O caminhão não tem cozinha. Prefiro, porque é mais rápido não se perde muito tempo; b) O trabalho é desvalorizado, o salário é muito baixo. Também hoje em dia as estradas estão mais seguras, mas ainda há lugares muito perigosos, inclusive em relação a assalto. Tenho dois filhos e não quero que eles sejam motoristas de caminhão...
Aqui, as vidas se cruzam! E, o que é trabalhar no Posto Sakamoto? O que é estar nos bastidores do apoio à turma das 4 Rodas (ou mais) que cruza o Brasil? Reginaldo Nascimento França é encarregado do estacionamento do Posto Sakamoto, e diz: O estacionamento é usado, geralmente, pelas empresas que exigem que o motorista descanse, por causa da segurança. A clientela do dia a dia vem de outros estados para cá, para pernoitar, mas muitos passam o final de semana aqui, por causa da segurança e do apoio que recebem. Tudo isso ajuda o motorista. Aqui temos a sala de lazer com internet, mini-cinema, dentista, tem o SEST/SENAT que dá apoio ao motorista. A tarefa é árdua, e o operador sabe que não está aqui apenas para abrir e fechar a porteira. No final de semana o posto fica cheio de motoristas. Eles se juntam na sala de lazer, se apóiam na solidão, pela falta que sentem da família, ficam conversando, contando histórias, dando risada. Vários eventos acontecem no posto: o caminhoneiro faz festa, traz a família. 11
O olhar de Reginaldo registra o cotidiano do caminhoneiro e percebe: Vêm para cá e se divertem, mas não acho que é uma categoria unida. Acho que alguns passam a perna nos outros motoristas. Ao invés de se ajudarem, alguns atrapalham os outros caminhoneiros. Acho que falta responsabilidade de alguns caminhoneiros. De tanto convívio, Reginaldo sinaliza: Faltam postos como este no Brasil. Os motoristas têm muitos problemas na estrada, mas acho que eles estão na profissão porque gostam e sabem das dificuldades da profissão. E confessa: Mesmo sendo uma profissão desvalorizada, por causa dos baixos salários e do tempo que obriga ficar longe da família, eu gostaria de ser motorista de caminhão, trocar de profissão. Eu pretendo um dia ser motorista, gosto do tipo da profissão, de sair viajando pelo Brasil, mas sei das dificuldades também. 11 NE.
O Serviço Social do Transporte (SEST) e o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (SENAT) são entidades civis sem fins lucrativos. Foram criados em 1993 (Lei 8.706) para a valorização de transportadores autônomos e demais trabalhadores do setor de transporte, graças à conscientização da categoria, incentivada pela CNT (Confederação Nacional do Transporte), que, desde então, a organiza e administra. Conforme consta em seu site, “Na área social, o Sest/Senat é responsável por gerenciar, desenvolver e apoiar programas que prezem pelo bem-estar do trabalhador do trabalhador em áreas como saúde, cultura, lazer e segurança no trabalho. Na área educacional, o foco se volta a programas de aprendizagem, que incluem preparação, treinamento, aperfeiçoamento e formação profissional.” (Disponível em: www.setsenat.org.br/Pagina/Quem-Somos.aspx. Acesso em: 31 dez. 2011).
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Recursos Humanos & Afeto
Trafegam pelas estradas brasileiras cerca de 2 milhões de caminhoneiros que transportam 60% da carga movimentada.
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Randon e Dicave instalaram a Casa do Cliente em suas sedes, o que permite aos profissionais descanso, higiene e distração, enquanto os prepara, também, para a tecnologia de bordo que chega e se renova a cada ano. A empresa de transportes rodoviários não pode parar – se parar o caminhão, o Brasil pára –, e se é assim, é preciso cuidar da saúde física e mental do caminhoneiro. O profissional deve ter acesso a mais tempo para estar com a família, e mesmo aquele que nem por isso se interessa precisa de descanso, de afeto, e precisa olhar a vida que existe além da boleia do caminhão. Entre as pesquisas feitas para este trabalho há um dado relevante: em 76% dos casos o motorista viaja sozinho. O que significa isso? 1º Os reflexos da vida longe de casa influenciam diretamente no cotidiano da família. A mulher do caminhoneiro vê-se inteiramente privada de seu homem, mas não de suas atividades profissionais. Ou seja, a privação do homem impele-a às atividades profissionais dele. Os caminhoneiros dizem: sou visita em casa, porque o seu local de trabalho são as rodovias brasileiras. 2º Ao ser visita no próprio lar, o caminhoneiro, mesmo sem o perceber, pode destruir esse lar pela ausência contínua. Para que isso não aconteça, alguns carregam a família na boleia do caminhão, e outros fazem isso no período das férias das crianças. Em ambos os casos, percebe-se que o ramo das empresas de transporte rodoviário não conseguiu esquematizar um apoio social adequado aos seus profissionais, mas que, paralelamente, estão plugadas nas novas tecnologias de segurança dos caminhões... Ora, se não se der segurança social, para um equilíbrio mental sustentável do caminhoneiro, para que serve a segurança da carga e do caminhão?
Para nada! Os acidentes vão aumentar e o caminhoneiro pode passar a ser uma profissão sem pessoas que se interessem por ela. A falta de valorização desses profissionais tem levado muitos ramos de atividade a sofrer com a falta de recursos humanos, hoje, um desses ramos é o transporte rodoviário, porque se privilegia muito a tecnologia e pouco o profissional que terá de manipulá-la. Dos poucos exemplos de apoio, e entre eles estão as notáveis Casas do Cliente, da Randon em Caxias do Sul (RS) e Guarulhos (SP), percebe-se ainda uma evidente carência de recursos voltados para o bem-estar do caminhoneiro. Sabemos que dirigir um veículo ligeiro, durante horas a fio, é um erro quase fatal; imagine-se o mesmo com um de carga pesada! Ao longo do dia surgem lesões por esforços repetitivos (conhecidos pela sigla inglesa LER), mas isso ainda não impressiona a muitos dos empreendedores do ramo, de modo a fornecerem recursos de apoio para a sustentação do profissional caminhoneiro. Mas, sobre esse assunto, o que dizem os profissionais do volante peso-pesado? O que sentem eles (e agora, também elas) diante do quadro de falta de apoios? É o seguinte: até uns 30 anos atrás, caminhoneiro tinha valor, respeito, união. Era muito gostoso trabalhar. A estrada não era como hoje. Por exemplo, no Paraná, quando chovia, caminhão não andava, porque patinava. Quando era urgente e tinha que chegar, usávamos a corrente, acorrentava o pneu para não escorregar. Hoje ninguém sabe dessas coisas. Então, às vezes, ficam estacionados 3 a 4 dias num lugar só, até parar de chover, para poder andar. Naquele tempo, todo mundo ajudava, raspava barro da pista pro caminhão andar. Era gostoso. E outra: naquela época, caminhoneiro tinha que fazer carga. Não é igual a hoje, pois encosta o caminhão e outras pessoas carregam, fazem tudo. Era gostoso trabalhar e também dava dinheiro. Naquela época, chegava em torno de 60% ou 70%, ganhava 10.000 e economizava 7.000. Hoje,
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tem que saber economizar para ganhar 30% disso. Então, o que acontece? A pessoa trabalha dia e noite “rebitado”. Nunca tomei rebite, mas sei que é muito perigoso. Não se pode perder tempo. Estraga a saúde, e quem toma está morrendo antes do tempo. Hoje motorista não tem valor porque ele mesmo fez por onde. Caminhoneiro, hoje, não tem classe, não tem respeito. Na estrada, se quiser jogar no acostamento, joga. Não são todos, mas a maioria...
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Eu não tenho nada que reclamar, não. Até hoje, eu trabalho do meu jeito. Sem pressa. Eu ando sozinho, paro para comer e dormir. A maioria não. Compra marmitex e, às vezes, é comendo e andando. Eu não faço isso e descanso no mínimo 8 horas por dia. Quando chego em casa, não saio de jeito nenhum. Se folgar 3 dias, são 3 dias em casa; se folgar um mês é um mês em casa. Se estiver frio, durmo e se estiver calor, fico mexendo nas plantas no quintal. Chego em casa e deixo o caminhão na frente dela.
Esse depoimento, de Shorei Sumyoshi, 72 anos, japonês, aposentado há 15 anos, mas que ainda trabalha, é um desabafo e uma denúncia. Um desabafo pela precariedade da profissão e uma denúncia contra os falsos profissionais e a falta de consciência cívica de alguns empresários. Quais são as variáveis que impedem uma maior satisfação de realização profissional por parte do caminhoneiro? Este profissional opera, segundo a pesquisa, com rota variável (75%), mas também com carga variável (69%), e isso é o que dificulta um planejamento melhor de tempo, convivência e periodicidade. Por outro lado, apenas • 6% das viagens tem a duração de 1 dia; • 42% delas têm de 2 a 5 dias; e • 42% têm mais de 6 dias. Retomemos a entrevista de Luciano Gimenez Maciel: Quando viaja, você conhece as capitais, mais pontos turísticos. Por exemplo, cheguei a Fortaleza (CE), descarreguei na sexta. É muito difícil você carregar no final de semana. Aí o que você faz? Desengata a carreta no porto e vai passear, vai para praia, vai para os pontos turísticos, conhecer um pouco. Já conheci muitos lugares: João Pessoa (PB), Salvador (BA) onde visitei o pelourinho (cidade baixa, cidade alta), o centro e as praias de Maceió (AL), praias de Recife (PE). Enfim, no local em que você está, se tiver um tempo, você pergunta: tem um ponto turístico? É a única maneira de conhecer, senão você só passa pelo lugar. Por exemplo, Curitiba (PA) eu não visitei, passo milhões de vezes por lá e não conheço. Um lugar que me marcou foi Salvador. É uma região muito linda. Tem paisagens maravilhosas, mas tem uma pobreza imensa, uma marginali-
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dade incrível. O que a gente vê pela televisão é uma coisa, e você estando lá é outra bem diferente. Você conversa com outros motoristas, muita gente não quer carregar para o Rio de Janiero (RJ), o frete pode ser bom, mas você não vai. Tem assalto. Isso agrega ao Rio. Então, não faço questão de carregar para lá. Eu, fui uma vez só para o Rio.
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É um depoimento forte, radical. É a realidade. E mostra duas verdades: o despreparo de algumas empresas de transporte rodoviário de cargas e o despreparo dos seus caminhoneiros. É um ciclo que gera descontentamento, pois se o profissional não pode operar em determinada região, é porque a sua empresa não lhe dá as condições, ou não possui a estrutura necessária para isso.
Uma Questão Chamada Segurança na Estrada
Entre o roubo e o acidente Além da insegurança nas estrada, daquelas que são mal conservadas e mal sinalizadas, o caminhoneiro enfrenta uma dura realidade: o roubo de cargas alcançou proporções inacreditáveis. Os valores são espantosos: só em 2009, foram 900 milhões de prejuízo. Com esse dinheiro daria para comprar 2 mil caminhões de 450 mil reais. O número de ocorrências também é enorme. Foram 13.500 ocorrências, 37 por dia, ou uma a cada 40 minutos. Os números foram divulgados pela NTC&Logística – Associação Nacional do Transporte de Carga e Logística. Ainda de acordo com essa entidade, em 2008 o prejuízo alcançou 805 milhões e houve 12.400 ocorrências. Ou seja, em 2009 a situação só piorou. Sendo que 82 de cada 100 ocorrências aconteceram nos estados do sudeste – Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Na região norte houve o menor número. No geral, os produtos mais visados foram os alimentícios. O quadro da insegurança, se deixa o próprio caminhoneiro insatisfeito com as condições de trabalho, também não lhe permite passar o bastão/volante para o filho, se é que ainda se pode falar em tal situação familiar... A juntar a tal quadro da insegurança está o da estatística de acidentes, que, aliás, vem diminuindo, mercê de ações empresariais e governamentais. A região de Minas Gerais ocupa o topo das preocupações, no capítulo de acidentes com caminhão e, por isso, é aqui foco de análise. Dados do Instituto Cuidando do Futuro e da Federação das Empresas de Transportes de Cargas do Estado de Minas Gerais (FETCEMG) mostram que caiu em 22% a frequência de acidentes envolvendo caminhões, enquanto a redução no restante do País foi 2%. Apesar da redução, Minas Gerais continua à frente do restante do Brasil em número de vítimas. No primeiro trimestre de 2009, do total das vítimas, 26% foram registradas em Minas. Já no segundo trimestre, esse número caiu para 22%.
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É uma queda pequena na quantidade dos eventos e das mortes. Contudo, esperamos que nosso trabalho com o Pacto Rodoviário Mineiro comece a repercutir significativamente a médio e longo prazo, afirma Vander Francisco Costa, presidente da FETCEMG. O Pacto foi criado com o objetivo de tirar Minas Gerais da liderança do ranking entre os estados com maior índice de acidentes rodoviários envolvendo caminhões. A meta é, em três anos, reduzir este índice em 40%.
O que dizer? O que diz o caminhoneiro?
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Existem acidentes de todo o tipo, com vítimas ou não. Os mais comuns têm a ver com a falta de sinalização entre os motoristas ligeiros e os pesados. Tinha um colega que carregou na noite anterior e que estava em um posto a 20 km de onde estávamos. Passei um rádio para ele, explicando a situação e onde estava, ele ficou me aguardando. O carro que estava me seguindo me ultrapassou e freou, aí eu fui para cima dele e a carreta desse meu amigo freou também, então, prensamos ele. Ele imediatamente deu um jeito de ir embora. Eu quebrei todo o parachoque, do lado direito, só fui parar para arrumar o parachoque 300 km depois, – diz Luciano Gimenez Maciel. Tão comuns quanto os acidentes, os assaltos ainda surpreendem o ousado caminhoneiro. E alguns deixam de operar em diversas regiões porque se sentem inseguros. Luiz Geraldo cita o assalto como o seu maior medo. Principalmente no nordeste. Conta que, por isso, não faz mais viagens para estas localidades. Prefere as regiões sul e sudeste, e procura fazer suas paradas nos pontos de apoio das empresas, por considerar mais seguro. A prevenção de acidentes e de roubos já é coisa assumida por empresas, sindicatos e governos, mas enquanto a infraestrutura da malha rodoviária continuar sob a precariedade do tapa-buraco e da possibilida-
de do luar como iluminação, os acidentes vão continuar e a bandidagem continuará a ter pontos de vantagem para sequestrar, matar e roubar. Segundo o último levantamento da Associação Nacional do Transporte de Carga e Logística, em 2009, o Transporte Rodoviário de Cargas (TRC), quando comparado às demais atividades econômicas, responde, sozinho, por 15% dos óbitos nas rodovias e 7% dos casos de invalidez permanente. O Programa de Redução de Acidentes nas Estradas, do Ministério dos Transportes, revela que os acidentes de trânsito no Brasil são o segundo maior problema de saúde pública do país, só perdendo para a desnutrição. Ainda segundo o programa, 62% dos leitos de traumatologia dos hospitais são ocupados por acidentados no trânsito. Uma quantidade considerável das rodovias públicas brasileiras – 78% delas – tem sua malha em condição péssima, ruim ou deficiente, segundo estudo da Confederação Nacional do Transporte (CNT). O setor de infraestrutura rodoviária apresentou, nos últimos anos, graves problemas de financiamento devido, principalmente, à dependência de recursos fiscais, inclusive para atividades de conservação e manutenção. Uma comparação interessante de ser feita é a do nível de investimento governamental por quilômetro de rodovia, no Brasil e nos Estados Unidos. Os investimentos por quilômetro de rodovia pública no Brasil estiveram cerca de 10 vezes menores que os dos Estados Unidos, no período de 1991 e 1996. A consequência para a sociedade é o aumento do nível de insegurança nas vias rodoviárias e maiores custos de manutenção dos veículos. Levantamos alguns dos fatores que, segundo os motoristas, causam acidentes nas estradas.
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59%
dos entrevistados declararam não ter participado de nenhum acidente de trânsito;
41%
declararam ter tomado parte e apontam como causas principais: • Imprudência de outro carro (em 45% das vezes); • Cansaço/sono no volante ( cerca de 14%);
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• Pista molhada/neblina (cerca de 12%); • Alta velocidade (7%); • Curva acentuada (7%); • Utrapassagem (5%); • Carga mal acondicionada (4%); • Problema do caminhão (3%); • Outros fatores (2%). Alguns dos entrevistados, inclusive, relatam cenas pelas quais passaram nas rodovias e estradas do país. O caminhoneiro sensibiliza-se, reage à violência do trânsito: O acidente que mais me marcou foi um que eu vi na Rodovia Dutra, em um domingo. O pessoal ia para Aparecida (SP), quando houve uma batida com um carro, que começou a pegar fogo. O pessoal começou a falar que tinha gente no carro e eu nem fui lá para ver... A gente fica impressionada com essas coisas. Revela Gediel Pereira da Cruz, de São Paulo, há 16 anos na profissão.
Evanísio dos Santos conta-nos o caso de quando foi assaltado, lá no Sul, além de vários outros. Eu fazia uma linha de Caxias do Sul (RS) até Porto Alegre (RS), todo dia. O pessoal me assaltou, uns 20 km antes de eu chegar em Caxias do Sul. Me colocaram no porta-malas. Fiquei seis horas trancado, enquanto eles desovavam a carga. Isso aconteceu às cinco horas da manhã e quando foi dez para o meio-dia, eles me largaram no mato. Levaram o caminhão, mas depois consegui localizá-lo em Porto Alegre. Foi uma situação que marcou muito a minha vida como caminhoneiro. Conheço e vivi várias histórias, umas boas, outras nem tanto, algumas até divertidas, conta-nos Celso Roberto Ferraz. Numa dessas histórias quando eu ia na rodovia Rio-Santos e cheguei em Bananal (SP), estava carregado com querosene para navegação. Um policial da policia rodoviária do Estado de São Paulo me parou, era uma 15-19, modelo 80, e no Brasil estava começando a introduzir o tacógrafo; só os novos tinham. O policial veio exigindo e verificando tudo, porque na época quando se transportava combustível, além da documentação, tinha que ter uma caixinha com fichas telefônicas, cartão telefônico (que estava começando), e kit de primeiros socorros. Estava tudo certo: cinto de segurança, faixa, luva, bota. Mas ele queria, porque queria, me multar.abriu a cabine e foi direto para onde? Para o tacógrafo, claro. Veio dizendo que iria apreender o caminhão porque não tinha tacógrafo. Imagine apreender um caminhão cheio, com 20.000 litros de combustível! Perguntei para ele: – O senhor vai apreender o caminhão? Ele disse: – Vou! Entrei na cabine, peguei minha mala e pedi a minha carteira de habilitação, que estava com ele. Atravessei a rua. vinha passando um ônibus; entrei nele, e o guarda só olhando pra mim. Eu fui embora. estava todo
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acomodado dentro do ônibus, deu quinze minutos, vieram duas viaturas cercando o ônibus. Veio um Oficial, acho que general, dizendo: – Senhor, o senhor é o Celso Roberto Ferraz? Respondi: – Sou sim, senhor. Ele continuou: – O senhor transportava uma carreta 15-19 carregada de combustível? Disse-lhe que sim.
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– O senhor pode nos acompanhar até o posto policial para retirar o caminhão? Disse a ele que o policial que me parou falou que iria apreender o veículo por falta do tacógrafo, então sem problema nenhum, tem seguro, nota fiscal e tudo mais, está tranquilo, pode apreender. E surpreendentemente ele falou assim: – Por favor (nunca ouvi dizer de um policial que ele pedisse “por favor”, mas esse disse!), queira nos acompanhar. Falou que ele liberaria o caminhão para mim e que, depois, eu colocaria o tacógrafo. Pois então, eu fui com eles até uns 20 km para trás, onde estava a carreta, e aquele que me parou estava lá, ao lado do caminhão. Ele veio e me pediu desculpas porque ele tinha acabado de sair da academia e que não sabia o procedimento legal. Foi um caso hilário, porque um policial não pode apreender um caminhão que transporta combustível altamente inflamável e, se ele fizer isso, tem que ficar de prontidão ao lado da carga 24 horas, sem sair para ir ao banheiro ou ir beber água, até que o dono volte para retirar. Eu sabendo disso, quando o policial disse que o veiculo estava apreendido, mais que depressa peguei minha mala e entrei no ônibus e fui embora, larguei ele lá falando sozinho.
Outra história foi quando fui para Buri (SP). Subi uma serra, entreguei a carga de combustível; voltando, desci a serra, uns 3 km só de descida reta e, no final, um cotovelo de 90 graus. Juntei a mão no maneco para tentar frear a carreta; não consegui. Tentei pisar no freio em conjunto com o maneco (que é o freio independente da carreta; nos caminhões atuais você primeiro pisa no freio de trás, depois no do cavalo). Numa 15-19 modelo 80 semileito, tem-se o maneco no painel. Puxa-se o maneco para frear a carreta, mas não o do cavalo. Se pisar no freio do cavalo dá confusão completa, a carga vira e vem para cima do cavalo e se perde o controle de vez. Vim freando o máximo que podia, arrastando por uns 20 ou 30 metros; não ia dar para fazer a curva. Forcei mais, manobrei e fiz a curva. Levei junto meio pacote de peças do bruto; o estrago do prejuízo foi grande, mas fiz a curva. Arrastei um monte de pé de laranja da estrada; aproveitei e puxei umas para dentro da cabine. Falando, ainda, do acidente, cito mais três. Corri para ajudar um colega, estava fazendo entrega de óleo diesel para a Schain que estava reformando, quando ele passa no outro sentido carregando um ajudante. Não sei ao certo o que aconteceu, parece que a amarração da bobina rompeu e ela abriu pra cima da cabine; fui correndo socorrer, mais não tinha muito o que socorrer: o estrago foi grande. Deu enchente numa região do ABC (SP) e eu desengatei o cavalinho e entrei na enchente com o caminhão para tirar as pessoas da enchente; isso aconteceu em 1978 ou 1979, na região do bairro prosperidade, fundação. Como o caminhão era de diesel, dificilmente parava, dava para ir até a água chegar no meio da porta; resgatei muita gente, várias senhoras de idade. Eles embarcavam com o caminhão ligado e desciam com ele funcionando, para o motor não parar. Teve um dia, em que um amigo estava dirigindo pela BR 116 e, justo na curva, o caminhão quebrou. Ao passar por lá, reconheci o caminhão dele
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e desci para ajudar, desengatei e fomos para um posto. ele ligou para a empresa e ela disse que enviaria alguém, que ele tinha que aguardar. O caminhão dele não tinha cozinha e ficamos, imagine só, cinco dias parados ali naquele posto, esperando, esperando e esperando. Quando o pessoal da empresa finalmente chegou, cada um seguiu viagem, conta Rogério Nunes Costa. Solução inusitada é a que Alexandro de Almeida Bernardes teve na situação relatada a seguir.
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Uma vez estava indo com meu caminhãozinho pela Brasil Petróleo, distribuidora para postos de gasolina. A primeira vez que fiz essa viagem, foi para Bom Repouso (MG). Nessa época, depois de Cambúi (MG), a estrada era de terra. Lá eles plantam muita batata. Estou eu lá subindo com minha 15-19, com 5.000 litros de óleo diesel na rabeira do caminhão, que é mais pesado; 5.000 em cima da quinta roda, com álcool, que é mais leve, e ainda joguei mais 5.000 de gasolina na frente. Deveria ser ao contrário. Quando cheguei para buscar o romaneio de Paulínia (SP) só dizia a quantidade de combustível; não me falaram para onde era. Depois que eu cheguei lá, sofri as consequências: teve que chamar um trator; um trator e um ônibus-caminhão e um morteiro para puxar o caminhão para cima, porque ele não subia. Na vigésima viagem, me mandaram para Santos (SP) descarregar, fazer transferência de anidro, e aí eu tava muito pesado: 20.000 litros de anidro; comecei a pisar no freio e o freio não funcionava, até que uma hora ele começou a arrastar o terceiro eixo da carreta. Eu tive que encostar, no meio da serra, e bater com o martelo para ver se despregava a lona. E não tinha
como despregar; eu precisei urinar em cima da roda, que estava presa na lona de freio, para ver se despregava; não tinha água, nem no caminhão, nem nada por perto. E deu certo! Há cerca de 35 anos nessa profissão, José Gildo da Silva, 58 anos natural de Surubim (PE), e atualmente residente em Recife (PE), diz gostar do que faz e, no final de ano, leva toda família junto, nas viagens. Nos relata um acontecimento que jamais há de esquecer. Em todos esses anos, percorrendo as estradas deste Brasil, vi muito acontecer nas empresas, nos postos; na estrada então nem se fala... De tudo o que já vi, o mais impressionante foi um evento ocorrido anos atrás. Foi tão marcante que a lembrança parece viva na memória. Estava na divisa de Bahia e Minas Gerais, numa viagem corriqueira, quando vi um homem atravessando a pista de bicicleta, e vinha um ônibus de passageiros com 32 pessoas mais o motorista dentro. O motorista, ao perceber o rapaz com bicicleta, viu que não havia espaço nem tempo para frear, para evitar uma fatalidade. Na ânsia de salvar uma vida, o motorista gira o volante para o lado. O ônibus avança cada vez mais, a distância entre os dois reduzindo, a iminência do impacto aumenta, o desvio do ônibus para o lado salva a vida do ciclista, mas tira o ônibus da pista, e ele roda na terra cheia de pedregulho e plantas, onde, especialmente em velocidade, não há freio que seja o suficiente. Logo mais, pouca coisa à frente, uma descida com rio; acima dele uma ponte. Foi lá, de frente, exatamente na ponte, que o ônibus bateu e caiu no rio. Nenhuma alma foi salva. Por causa de um ciclista, todos os 32 passageiros, mais o motorista, morreram.
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Nivair Belo Mesquita reside no Mato Grosso e é natural do Estado. É caminhoneiro há 5 anos. O interesse pela profissão surgiu quando trabalhava em um posto de gasolina como frentista e via os caminhões que chegavam para abastecer. É casado há nove anos e tem duas filhas. Afirma que coloca a família em primeiro lugar. Muitas vezes, leva a família em sua suas viagens. Realizou muitas viagens longas, mas agora faz a maioria das viagens dentro do estado do MT. Nos lugares por onde passa, procura ir à Igreja Evangélica.
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Aponta como dificuldades nas estradas a falta de estrutura, como banheiros. Nunca sofreu acidente, mas já viu diversos. Acredita que muito dos acidentes com caminhoneiros é o desespero para chegar. Fala sobre a ajuda mútua entre caminhoneiros. Acredita que a maior dificuldade na profissão é a falta de respeito e confiança em relação aos motoristas, que ocorre pelas atitudes erradas de alguns poucos motoristas que acabam com a reputação de todos os demais. Tem o desejo de mudar de profissão.
Josenaldo Alves de Almeida mora em Jaciara (MT). É motorista há nove anos. Iniciou numa usina canavieira. Tinha o desejo de trabalhar na estrada e fez curso para ser motorista. Foi influenciado pelo irmão. Normalmente faz viagens curtas. Costuma levar a família nas viagens. Nessas viagens com a família, preparam sua própria alimentação, para que as despesas não sejam altas. Vê perigo nas estradas, devido ao uso de drogas por alguns motoristas. Gosta da profissão, de conhecer os lugares. Fala da importância da amizade nas estradas. Nas horas de lazer, gosta de fazer programas com a família. Nunca sofreu acidente e nem assalto. Diz que quando se trabalha em empresas corre-se menos risco de assalto. Gosta da profissão, mas tinha o desejo de ser torneiro mecâni-
co. Hoje, se preocupa com o futuro dos filhos. Não quer que os filhos sigam a mesma profissão, por considerar perigosa e sofrida. A maior dificuldade que vê é o preconceito e desrespeito em relação ao motorista. Fala do mau tratamento que recebem da polícia e das empresas, nos pátios onde descarregam.
Ronier Ribeiro Martins, desde 1987 roda o Brasil. Cada dia em um local diferente. De vez em quando, a esposa e até o filho andam junto no caminhão. Uma vez, indo de Belém (PA) para Brasília (DF), a gente seguia numa noite bem escura, mas com céu estrelado. Numa curva com lombada, eis que ocorre uma colisão frontal, não houve vítima, mas tiveram, cada qual, de esperar o responsável da empresa chegar; nessa hora todos ajudam, o companheirismo vem à tona. Diz que ocorrem muitos acidentes por irresponsabilidade e pressa. Tem caminhoneiro que toma rebite e fica vendo coisas: para na rodovia, vê luz, vulto, mulher loira que aparece na pista e some, e outras assombrações...
Danglares Duarte é dono de empresa de transportes. Reside em Araraquara (SP). Comprou o primeiro caminhão em 1960; antes já havia trabalhado como empregado. Durante 25 anos rodou como motorista. Hoje é empresário, mas mantém a paixão por caminhões e ainda dirige. Faz apenas viagens curtas. Desde a infância tinha vontade de ser motorista. Como empresário, percebe a falta de motoristas que sejam bem preparados e, quando encontra, acha que eles querem se valorizar demais. Já teve 13 caminhões roubados. O pai era maquinista e isso despertou interesse pelos meios de transporte. Transporta combustível. Tem mais de 60 motoristas contratados em sua empresa. Percebe irresponsabilidade em muitos motoristas. Para ele 60 a 70% não dão valor ao trabalho.
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Sociedade & Profissão Da mesma maneira que o tropeiro fez história e é memória, também o caminhoneiro pode virar pó memorial, se não se cuidar e não der sustentação a si mesmo. E também o empresário tem que saber: garantir a formação e saúde do empregado não é gasto, é investimento profissional!
parte 3
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P
ara suprir as novas realidades de trabalho, que mudaram principalmente nos últimos 30 anos, o caminhoneiro precisou adotar comportamento bem diferente daquele que o caracterizava anos atrás, época em que, para conseguir um bom frete, bastava ter um caminhão e saber dirigir. A profissão de motorista podia ser resumida em 12 pegar e entregar a carga, enlonar o caminhão e saber fazer nós, como se fosse um marujo rodoviário.
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Com o progresso e crescimento do país, a profissão de motorista começou a ser vista de outra forma, pelo valor agregado da carga transportada, pelo custo elevado do próprio caminhão e dos problemas que podem ocorrer com a movimentação de cargas complexas, como a de produtos químicos. Com o passar do tempo, a imagem romântica do motorista de caminhão foi perdendo espaço para outro tipo de profissional, que tem a necessidade de novas aprendizagens, de atualização. A formação entra aí como um fator importante, já que auxilia o motorista em sua evolução pessoal, ao passo que dá à empresa um profissional mais dinâmico, bem apresentável e versátil.
10%
da frota brasileira de caminhões, estima-se, está parada por
falta de condutores qualificados, um número que corresponde a mais de
100
mil veículos.
Embora o treinamento dos motoristas seja um investimento da empresa em sua própria qualidade, alguns empresários ainda encaram a forEmbora não conste nos melhores dicionários, enlonar é termo corriqueiro entre caminhoneiros. Refere-se à operação para proteger a carga, em caminhões com carroceria aberta, cobrindo-a com lona e amarrá-la com cordas (cintas ou cabos de aço). Requer cuidados especiais, em função do tipo do caminhão, da espécie e quantidade da carga, bem como da experiência do caminhoneiro. Demanda toda uma técnica especial, tanto na correta distribuição da carga, na escolha de onde (ripa ou gancho da carroceria) e no modo de passar as amarrações, bem como nos tipos de nós mais adequados. Operação que costuma demorar de 30 min a 2 h, e pode, no percurso, demandar revisão e novos apertos. O aprendizado do enlonamento, muitas vezes, é passado de pai para filho. Muitos que não tiveram uma tal escola, delegam a tarefa a auxiliares, os chapas.
12 NE.
mação dos profissionais como um gasto extra ou como um empecilho para sua logística. Mas a realidade está mudando e cursos de formação já fazem parte do cotidiano de diversos profissionais da estrada. A iniciativa vem de exemplos de alguns países da Europa – como Holanda, Alemanha e Bélgica – em que a prática é bem comum e a maioria dos motoristas de caminhões de grande porte possui curso superior e algum tipo de curso técnico de direção. Segundo Vânio da Silveira Albino, da área de desenvolvimento de competências e desenvolvimento de concessionárias e negócios da Volvo, é importante ressaltar que entre 80 a 90% do resultado de uma transportadora estão nas mãos do motorista. O restante, nas mãos de mecânicos e do administrativo. Nos cursos de formação, os motoristas precisam ter noções de geografia, de mecânica, de leitura de mapas, além de, sobretudo e fundamentalmente, aprimorarem sua prática em direção. Alguns cursos também proporcionam ao motorista orientações sobre saúde e prevenção de doenças, meio ambiente e mecânica básica. Mas, tão importante quanto o caminhão, é necessário conhecer o contexto que envolve o condutor e outras pessoas na viagem: as condições do motorista e do meio ambiente, dos passageiros, dos pedestres, enfim, tudo o que atua naquele momento. Uma viagem segura depende do preparo e empenho do motorista em poder avaliar antecipadamente as diferentes situações e gerenciá-las do melhor modo possível. Assim como utilizar mais corretamente os recursos oferecidos pelo caminhão para obter melhores médias de consumo e contribuir para o negócio.
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Dos motoristas entrevistados, para a pesquisa deste livro, 82% participaram de algum curso de formação. Espalhadas pelo Brasil, algumas instituições prestam esse tipo de apoio, e algumas montadoras de caminhões possuem programas extensos de educação específica para seus clientes e concessionários.
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A Volvo, por exemplo, que tem por sua principal bandeira a segurança, famosa por seu Programa Volvo de Segurança no Trânsito, criado em 1987, também possui programa para a formação específica dos caminhoneiros. É o TransFORMAR. Ele leva em consideração o cotidiano do condutor. Ou seja, todo o treinamento é executado por meio dos três principais elementos nas situações do dia a dia do motorista: o veículo, o contexto e o local. Durante uma semana, os motoristas recebem informações sobre a importância de conhecer o melhor possível esses três itens. No caso do veículo, ficam sabendo sobre suas características técnicas e a carga que transporta. Junto dos chamados facilitadores (instrutores), também estudam como o local da viagem pode interferir na segurança e no resultado da viagem. Para tanto, são levados em consideração o tipo de pavimento, as condições climáticas, a situação das rodovias, entre outros itens. Toda a metodologia do programa está dirigida para o comportamento do motorista, nas diferentes etapas da viagem, desde o planejamento e a implementação das verificações, passando pela operação propriamente dita, até a avaliação final dos resultados. O treinamento se baseia no gerenciamento de todos os momentos, como na projeção da viagem, quando o motorista faz as verificações gerais: o asseio pessoal, tipo de roupas e calçados que irá usar; condições físicas e emocionais; objetos de uso pessoal; informações sobre o veículo, a carga, o trajeto, o cliente e os possíveis fornecedores; check-list do caminhão, entre outros dados. Os mesmos procedimentos são adotados durante a viagem e na avaliação final. Entre eles, o que fazer em situações previsíveis e emergenciais; detalhamento da sinalização; manobras; os locais por onde rodará (pontes,
viadutos, túneis); ultrapassagens; áreas cegas; condições de sono; estresse e fadiga; comportamentos agressivos; velocidade; computador de bordo; distância do veículo da frente; topografia das estradas; alimentação; paradas programadas e inesperadas; conservação do meio ambiente; relação com os demais usuários da rodovia; abastecimento de combustível; acidentes; apresentação pessoal; contato com o cliente e desempenho do veículo. Para os responsáveis pelo programa, o motorista, ao avaliar como se encontra antes da viagem, se prepara melhor: desde arrumar sua bagagem de forma mais eficiente, programar sua alimentação e locais mais seguros para o roteiro de paradas, lembrar de levar medicamentos, até definir o responsável pelo atendimento das necessidades e emergências familiares durante sua ausência. Da mesma forma, ele faz o planejamento do veículo (documentação, carga, concessionárias mais próximas, condições técnicas) e do local (origem e destino, consulta de mapas, informação sobre o tipo de vias, sinalização nos trechos). O programa da Volvo também pode ser um dos fatores determinantes para solucionar um dos principais gargalos do transporte rodoviário de cargas. De acordo com a montadora, estatísticas de diferentes entidades ligadas ao setor de transporte apontam um déficit de mais de 100 mil motoristas profissionais de caminhão no Brasil. Embora os números não sejam oficiais, segundo a empresa, estima-se que 10% da frota brasileira esteja parada por falta de condutores qualificados, um número que corresponde a mais de 100 mil veículos. Para a empresa, ter caminhões parados por falta de profissionais é um problema muito sério. Com um programa um pouco mais antigo, desde 1982, a Mercedes-Benz oferece aos seus clientes um amplo programa de treinamentos técnicos e de condução econômica para mecânicos e motoristas. Em média, são envolvidos anualmente cerca de 20.000 profissionais.
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Exemplos Institucionais Em Prol Do Caminhoneiro
FABET, CENTRONOR, SEST /SENAT Se, por causa do treinamento dos motoristas, apenas uma vida for salva, tudo o que fiz já terá valido a pena. Porque uma vida não tem preço. Pedro Rogério Garcia [idealizador da Fundação Adolpho Bósio de Educação no Transporte (FABET)].
FABET
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No Brasil faltam 100 mil motoristas preparados para dirigir caminhões de alta tecnologia, de maneira segura, econômica e ecológica. Uma forma de o caminhoneiro se preparar para entrar nesse mercado é por meio do Projeto Caminhão Escola, da Fundação Adolpho Bósio de Educação no Transporte (FABET), fundada em 1997. A entidade oferece treinamento especial para profissionais do transporte rodoviário de cargas e já formou mais de 20 mil profissionais em todo o País, sendo mais da metade motoristas de caminhão. O curso ensina o caminhoneiro a ser um Gestor de Unidade Móvel, ou seja, o gerente do caminhão, responsável por parte da empresa: o veículo e sua carga. Por isso, fazem parte das aulas lições sobre como trabalhar com segurança e comprometimento. O caminhoneiro também aprende a representar bem a sua empresa, já que, por onde passa, ele fala em nome dela. Para fazer o curso, é preciso ter habilitação C, D ou E. O projeto oferece dois níveis: o Básico, para quem não tem experiência, e o Avançado para quem já trabalha com transporte de cargas. Nos cursos, os alunos têm aulas de Desenvolvimento Interpessoal, Cuidados com a Saúde, Primeiros Socorros, Mecânica Básica, Direção Defensiva, Redução de Custos no Transporte – que ensina a dirigir economizando combustível –, Legislação de Trânsito, entre outras matérias. Todos os meses a FABET forma turmas do Projeto Caminhão Escola. Os cursos são oferecidos nas sedes de Concórdia, em Santa Catarina, e Mairinque, em São Paulo.
Algumas empresas participam do projeto educacional da FABET em São Paulo, cedendo Caminhões Escola para as aulas práticas, equipando os laboratórios de mecânica e fornecendo material didático, além de apoio financeiro. Para a matriz, em Concórdia, algumas empresas mantêm outros caminhões dedicados ao treinamento de motoristas, além do mesmo suporte didático e estrutural. O curso, inédito no País, tem como meta a profissionalização do motorista de caminhão, mediante uma educação para salvar vidas. A instituição, sem fins lucrativos e voltada para a qualificação de profissionais do setor de transportes, nasceu com o apoio de empresas parceiras e, em 1999, por meio de convênio firmado com o Ministério da Educação (MEC), conseguiu recursos para a construção de sua estrutura. Um ano depois da fundação, graças ao convênio com o MEC, a FABET lançou o Centro de Educação e Tecnologia no Transporte (CETT), projeto pioneiro no Brasil e na América Latina, inaugurado em 2002. Seu modelo de sustentabilidade, por meio de parcerias, foi considerado exemplo no Brasil, sendo que em 2005 foi elevado, pelo Ministério da Educação, à condição de Faculdade de Tecnologia Pedro Rogério Garcia (FATTEP), nome que recebeu em homenagem ao idealizador da fundação.
CENTRONOR O Centro de Treinamento de Motoristas da Região do Nordeste do Rio Grande do Sul (CENTRONOR) é a única escola gaúcha que oferece curso de formação para motoristas de carreta. Com sede em Vacaria, o centro de treinamento foi fundado há sete anos graças a uma parceria entre as empresas Transportes Cavalinho, Rodoviário Schio e Transportes Bertolini, com o objetivo inicial de atender às próprias demandas. Na época, não havia um déficit de motoristas tão acentuado como nos dias atuais. Mas as três empresas acreditavam que os profissionais precisavam de uma qualificação adicional.
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Com mais conhecimento sobre a mecânica do caminhão e a melhor maneira de conduzi-lo, eles acreditavam que os motoristas conseguiriam reduzir o consumo de combustível, o desgaste dos pneus, o número de multas e o envolvimento em acidentes. A iniciativa deu tão certo que a procura pelo treinamento oferecido pelo CENTRONOR aumentou e, no final do mesmo ano, a escola foi aberta a todos os interessados, independentemente da empresa em que atuavam.
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Frente a essa nova realidade, começaram a surgir as preocupações com a proteção do meio ambiente e com a saúde dos motoristas. Em função disso, o CENTRONOR passou a contemplar em seu currículo disciplinas focadas nos cuidados com o ambiente, especialmente durante o transporte de cargas especiais e perigosas. Da mesma forma, também incluiu temas voltados à proteção da saúde do motorista, como doenças sexualmente transmissíveis, os malefícios provocados pelo consumo de drogas, bebidas alcoólicas e fumo. Atualmente, o CENTRONOR oferece o curso de qualificação e aperfeiçoamento de motoristas de caminhão – que tem duração de 45 horas/ aula distribuídas ao longo de cinco dias – destinado a profissionais que necessitem de aperfeiçoamento e também o curso de formação de mão de obra carreteira. Esse treinamento tem duração de seis dias, com um total de 80 horas/aula e um currículo que abrange desde noções de direção econômica e defensiva, mecânica, legislação até conhecimentos sobre condutas de proteção ao meio ambiente e cuidados com a saúde física e mental. Após a conclusão das aulas práticas, o aluno realiza uma viagem de 4,1 mil quilômetros acompanhado pelo instrutor.
SEST/SENAT O Serviço Social do Transporte/Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (SEST/SENAT) oferece mais de 200 cursos na área dos transportes pelo Brasil, entre eles o de especialização de carreteiro, que conta com uma carreta-escola utilizada para a reciclagem de mão de obra; o de direção defensiva e econômica, e o de Movimentação Operacional de Produtos Perigosos (MOPP).
OUTROS CENTROS DE TREINAMENTO Além dos citados, existem vários Centros de Treinamento de Motoristas que recebem todo o apoio das empresas, por exemplo: •• ATC, em Rondonópolis, em Mato Grosso (Associação dos transportadores de cargas do MT). •• CTQC, em Maringá, no Paraná (G10). •• SETCEPAR, em Curitiba, no Paraná (Sindicato dos Transportes do Paraná).
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Empreendimento & Riscos Entre a estrada e o caminhoneiro
parte 4
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Depoimentos
A
empresa transportadora de cargas e valores, via malha rodoviária, pertence a um ramo de atividade que, no mundo dos negócios, não é novidade alguma. Desde a mensagem/carga transportada por estafeta, por cavaleiro e por marujo, é que esse negócio é parte da civilização que somos.
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Existem, no Brasil, milhares de empresas no ramo do transporte rodoviário, e isso significa que existem milhares de caminhoneiros, investimentos de risco, conversações com sindicatos e governos etc etc mas, se é comum escutarmos o descontentamento de caminhoneiros, é raro o eco público das reações dos empresários. Quem é o empresário do ramo de transportes rodoviários? Se alguns dos empresários tiveram origem no aprendizado de pilotar o bruto nas estradas da nação, hoje existe uma comunidade mais elitizada, mais realizada nos meandros do negócio global e politizada. Sejam exemplos as empresas Della Volpe, Ouro Verde, Dalla Valle, RodoLatina e Vantroba, com as quais agora nos ocuparemos, transcrevendo os depoimentos que nos deram.
Della Volpe
Quem nos concedeu a entrevista foi o presidente da empresa: José Della
Volpe e seu filho, diretor executivo da empresa, Gilberto Della Volpe.
Fundada como Della Volpe & Irmão, em 1956, a empresa nasceu da união dos irmãos José e Rafael Della Volpe, que trabalhavam como carreteiros autônomos e tinham sob sua direção alguns motoristas. No ano de 1964, a empresa viria a se tornar Della Volpe Sociedade Anônima, denominação que utiliza até hoje. Com 53 filiais e 2.000 funcionários espalhados pelo Brasil, nos informa José Della Volpe, a transportadora mantém a origem de transporte de carga geral, desde siderurgia, papel e celulose, até coisas do setor petroquímico. O raio médio de suas viagens gira em torno de 1.500 km, operando com equipamentos de grande porte (bitrens, carretas de três eixos, entre outras). A pequena parte que anda em trucks obedece a raios menores de quilometragem. Para a Della Volpe, trabalhar com empresas particulares é bem menos moroso do que com o governo. Os setores públicos têm, sistematicamente, atuado sobre o transporte de cargas, para que ele tome padrões internacionais, mas têm tido dificuldades, devido à burocracia e à amplitude dos seus compromissos. Se, por um lado, obras de infraestrutura têm sido feitas, pedágios foram colocados e ampliados os sistemas de controle das estradas, qualquer coisa que a empresa precise fazer fica “amarrada”. Isso cria um caos logístico. É necessário que se caminhe “para o mesmo lado”, segundo entendem. As obras demoram a ser aprovadas para execução, mas a carga está ali todo o tempo, e esse tempo todo vale dinheiro. Se o governo vai passar uma linha de trem de 1.000 quilômetros, em qualquer lugar, ele tem que medir, desapropriar, falar que ela vai passar aqui, ou vai passar lá.
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Tudo muito difícil de mexer. A iniciativa privada tem que se mover mais rápido, porque nesse tempo todo a carga existe. O que ela faz? A carga precisa chegar no seu destino. Aí a empresa compra um bitrem, uma carreta maior, ela se vira. E o transporte rodoviário vai crescendo mais, ganhando seu espaço.
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A mesma coisa ocorre em São Paulo: não dá para a prefeitura chegar e falar: vamos abrir 20 avenidas. Ela não consegue! O governo, para fazer qualquer coisa, precisa lidar com muitos interesses, desde os da Associação de Bairro até os de outros implicados, cada qual com seus problemas. Agora, a pessoa que será beneficiada precisa comer, se vestir, quer que a carne, o peixe, a roupa, chegue na casa dele. Aí é a iniciativa privada que precisa ir dando um jeito, enquanto aguarda o governo. Os transportadores, ou as empresas que precisam fazer o produto chegar lá, são muito cobrados, e estamos num estágio que tem sido difícil inventar modalidades. O setor está esbarrando em alguns limites. O motorista de caminhão é o profissional que mais sofre. Não é uma profissão valorizada, porque em qualquer situação a culpa é sempre dele. Todo mundo chega e fala: o motorista é isso, o motorista é aquilo, mas ninguém se coloca no lugar do ser humano que ele é. Quem quer ser motorista? Ele está com o caminhãozinho para entregar o que for, seja um bolo de casamento, seja qualquer coisa, aí ele para na frente do lugar para descarregar. Chega um atrás e xinga, dizendo que ali não é lugar de parar. E onde é que ele vai parar? Como faz? Tudo fica nas costas dele, porque é ele que está presente quando ocorre o problema. Vamos viajar para o Norte. As estradas aqui em São Paulo são boas, chega-se em Minas Gerais, já decai um pouco, chega-se nos Estados do Norte, decai mais ainda. Não há postos em todas as áreas. Em alguns lugares existe uma boa infraestrutura, em outros não tem nem lugar para comer, para dormir. O caminhoneiro tem que estar preocupado com roubo em rodovia, porque tem muito...
Tudo o que está para acontecer ele vai descobrindo, não tem nada garantido: cai ponte na estrada, não dá para passar, ele atrasa 30 minutos. Aí reclamam que ele atrasou, e se atrasou, só vai descarregar no dia seguinte. Tudo é emergência, até a hora em que o motorista chega. Depois largam o cara lá, por três dias, sem lugar para comer, para dormir, passando o final de semana lá. São dois pesos e duas medidas, e na maioria das vezes o maior prejudicado é sempre o motorista. Acho que não só nós, mas algumas empresas, também têm batido no embarcador com um pouco de ferocidade: tiram foto do local, fazem filme para mostrar a situação, se o banheiro está viável, ou se não existe o banheiro, por exemplo. Só algumas empresas se sensibilizam para fazer isso. O motorista dentro da empresa é muito respeitado. Nas maiores, ele é o grande representante dos produtos que está entregando. Ele faz propaganda da empresa. Se, no entanto, ele faz um risquinho em algum carro, ele já vira vilão. Aqueles que ficam reclamando do motorista deveriam, uma vez só, tentar manobrar um caminhão. Ele tem que estacionar em espaços determinados, com pessoas esbravejando, guarda reclamando! É muito duro. O motorista é quem está na ponta, ele é quem sabe de todos os problemas. Se você não o chamar para perguntar como é a vida na estrada, o atendimento, você não vai ter informação segura. Ele sabe quem atende direito, quem não atende, onde tem lugar para parar etc. Às vezes os motoristas chegam com cada história aqui e, quando vamos falar com a empresa em que eles foram, já resolvemos o problema, por ele saber exatamente como é. Às vezes, até problemas da nossa empresa resolvemos assim. Em alguns casos eles nem pensaram que iriam conseguir resolver uma determinada questão, mas sem eles, isso não seria possível.
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Você pensa: tem o médico. Se ele errar, ele mata o cara. Tem um piloto de aviação. Se ele errar, mata 200. E o motorista de caminhão? Se causar um acidente, é capaz de matar uns quatro ou cinco, leva um monte. O médico estudou bastante, o piloto também, e são remunerados por isso. Por que o motorista não? A sociedade fala que devemos remunerar bem o médico, o piloto de aviação, mas o motorista de caminhão, esse tudo bem, não vamos dar valor para ele, deixa ele...
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Pela tamanha responsabilidade que ele tem na mão, ninguém quer olhar para ele, ninguém quer ele perto. O caminhão é um equipamento muito grande, ninguém gosta de ficar perto porque pode ocorrer algum risco; ninguém olha o caminhão como importante, parece que ele não te atende, não faz parte do nosso cotidiano. Não se enxergando o caminhão, também não se vê o que está lá dentro, só se enxerga que ele incomoda, de que está atrapalhando o trânsito etc. Às vezes, o que está lá dentro é muito mais importante do que se imagina. Então, a imagem que é feita dele é ruim. Não existe um trabalho para mudar essa imagem. Algumas empresas estão tentando mudar essa imagem, mas não se vê a sociedade se mobilizar nesse sentido. No governo Mário Covas houve uma greve nacional de carreteiros. Começou em São Paulo, depois foi explodindo por todos os cantos do Brasil. Nós chegamos a conversar com o pessoal dos sindicatos; eu, pessoalmente, fui falar com eles. Pedíamos quase pelo amor de Deus, pois se a greve continuasse ia ter ainda mais problemas no país. No Rio de Janeiro não tinha mais arroz, nem feijão. Hospital não tinha mais oxigênio, porque os caminhoneiros começaram a parar nas estradas. Combustível em posto acabou; no Rio 50% dos postos não tinham mais combustível, em São Paulo, 40%. Aí o governo resolveu acabar com a greve simplesmente mandando voltar a trabalhar! Não se deve peitar os caminheiros dessa forma, com motorista tem que conversar.
Teve um juiz que determinou a volta deles para o trabalho e os motoristas falaram “Ah é? Vamos ver se o juiz anda sem gasolina”. Quando acabou a gasolina, os sindicatos de outros produtos pararam também. Saiu a lei do pedágio, em 24 horas, chamaram o representante deles em Brasília, junto com o outro do Rio, e o presidente atendeu na hora. O setor tem nas mãos 60% da carga que circula no País, se os motoristas pararem, será um problemão! Começará uma sequência de desastres, por falta de se dar a eles um pouquinho mais de valor. Então, a primeira coisa pela qual eles lutam é a valorização da profissão, e, a segunda, é que se tome mais cuidado e atenção com a formação do motorista. Hoje, para os motoristas dirigirem alguns tipos de caminhão, com determinados tipos de carga, a exigência é muito grande. Ele tem que ter a ficha limpa, não pode ter uma prestação atrasada, nem da compra de uma televisão simples. Isso porque a carga é cara, não pode isso, não pode aquilo, mas ninguém paga esse cara como deveria. Isso é uma discussão, uma briga. A gente vive falando para o pessoal: vocês estão realmente preocupados com o salário do motorista? Preocupam-se com a carga que tem que chegar, como a carga vai chegar, com a imagem que você tem lá, gastam um milhão com propaganda, e esquecem o caminhoneiro que está mostrando esta propaganda para as pessoas que estão lá, e a cara dessa propaganda é o motorista de caminhão, do ajudante que está fazendo a entrega. Aqui, a gente tem curso, tem motorista instrutor, tem período de experiência. Tem que formar este motorista, tem vídeo ali, aqui, vídeo de segurança. Pior que uma carga chegar atrasada é ela não chegar, pior que você chegar atrasado na sua casa é você não chegar, esse é o grande problema.
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É preciso botar isso na cabeça dos motoristas e lutar para que outros tenham essa visão. O cara tem que entender que é preciso ter mais de 11 horas entre jornadas. A gente tem um sistema de aviso para todos. Chegou certa hora da noite, a gente manda um aviso que é para parar, porque, às vezes, o cara roda um pouco mais durante a noite, porque de dia está muito sol. Isso é perfeitamente possível, porque eu não fico controlando ele o dia inteiro.
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Ele está livre, ele sai para fazer aquilo que quer e a gente dá um prazo de um dia de folga para poder chegar e fazer uma situação na qual ele controle o próprio dia, porque ser humano é ser humano. Se você levanta de manhã e tem uma dor de cabeça, você não vai ficar dirigindo assim. Para embaixo de uma sombra, vai a algum lugar e decide que de noite vai rodar mais. O caminhão é mal visto, e a grande maioria acha que o motorista tem que ficar isolado. Não é bem por aí.
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A gente está no Programa na Mão Certa 1. Pois notamos que, na estrada, havia exploração sexual infantil nos postos de combustível, em paradas de veículos e tudo mais. Entramos nessa campanha, assinamos até um acordo de sensibilização dos nossos motoristas sobre a questão. Para cada motorista, além das aulas e informações sobre o assunto, fizemos também um termo de responsabilidade de que ele não vai se envolver com adolescentes e crianças e que se compromete, no lugar em que ver isso, a denunciar, porque denunciando ele ajudará e divulgará a campanha. A ideia já começa a vingar e é isso que há cinco anos fazemos e está dando certo, pois alguns lugares foram desmontados pela ação de denúncia dos próprios caminhoneiros. A luta ambiental nasceu por pressão social e vem se espalhando. Os nossos veículos são todos licenciados e passam pelo controle. Comprando diesel controlado, os resíduos da empresa vão para lugares em que se reciclam os materiais. Nós até compramos equipamento com assoalho de aço auto-reciclável, para não ter a madeira. Estamos adotando o que é possível fazer, mas, por exemplo, óleo diesel é o que temos no Brasil. Acho que o caminho do futuro é a globalização. Temos que pensar na sociedade, na diminuição da carga tributária, pois é bom para todo mundo. Tudo aqui no Brasil é mais caro. É preciso haver uma pressão de toda a sociedade. Desonerando os serviços, fica bom para todo mundo, sobra mais dinheiro para investir. Gostaria que o governo ajudasse a sociedade como um todo.
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O Programa na Mão Certa, segundo informa seu site oficial, é iniciativa da Childhood Brasil, braço nacional da World Childhood Foundation. Mobiliza governos, empresas e ONGs para um enfrentamento mais eficaz da exploração sexual de crianças e adolescentes nas estradas brasileiras, incluindo ai a educação dos caminhoneiros, por meio da informação, sensibilização e capacitação de pessoas que atuam direta ou indiretamente nas rodovias. Age em parceria com a Secretaria de Direitos Humano (SDH) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF), com apoio da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Graças ao Programa, segundo o último levantamento da PRF, referente a 2009/2010, nas rodovias federais do País, foram mapeados 1.820 pontos vulneráveis à exploração sexual de crianças e adolescentes. (Disponível em: www.namaocerta.org.br. Acesso em: 30 dez. 2011).
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OURO VERDE
Segundo depoimento de Celso Frare, de Curitiba (PR): o início da Ouro Verde foi o começo da nossa parceria com a Randon. Nós fundamos a Ouro Verde em 1º de junho de 1973, isso no papel. Antes disso, já havíamos comprado seis carretas da Randon.
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Eu tinha que deixar tudo arrumado, tudo certo para a empresa funcionar, porque eu estava com o casamento marcado para o dia 2 de junho. Eu ia ficar 30 dias em lua de mel e tinha que deixar tudo pronto para a Ouro Verde começar a rodar. A empresa saiu no dia 1º de junho e eu casei no dia 2. Quando cheguei de viagem, era um dia de chuva e lá estavam as seis carretas estacionadas. Assim teve início a transportadora, isso já em julho de 1973. Nessa época, eu não era mais motorista. Já tinha sido motorista antes de formar a Ouro Verde. Possuia uma serraria no norte do Paraná, onde serrava madeira para transportar para São Paulo. Contava com dois caminhões para fazer esse transporte e um deles era eu que dirigia. Fiquei três anos trabalhando no caminhão. Depois que montei a Ouro Verde, nunca deixei de viajar. Uma vez por mês, eu fazia uma viagem para ver como estava o motorista, como estavam as estradas. Viajava, geralmente, a distância de um dia. Em 1974, uma fábrica de adubo se instalou em Ponta Grossa (PR). Tinha uma mina muito grande em Cajati, perto de São Paulo, de onde vinha a matéria-prima. Então, era ela que reabastecia a fábrica de Ponta Grossa. Nessa época, as caçambas ficavam em cima de truck, e nós desenvolvemos com a Randon a primeira caçamba em cima de três eixos, carreta-caçamba, só que pesava muito, parecia um tanque de guerra. Nessa mesma ocasião, começamos a mexer com locação de veículos. Passamos a trabalhar, então, com transporte e locação desde aquela ocasião. Nós tínhamos uma escola aqui na Ouro Verde, com currículo e tudo, e exigíamos a nota nove para aprovação. A exigência da nota nove, pensávamos, significava que os aprovados não iam bater nunca, só que, dos 60
motoristas, dos quais eu cuidava de sua formação, somente três concluíam. Decidimos diminuir a nota para oito, e se formavam cinco, mas já tinha algum risco. Se diminuísse a nota para seis, dos 60 se formariam metade, mas já começava a ocorrer duas batidas por mês. Tentamos empregar mulher como motorista. Duas mulheres, isso 20 anos atrás. Na BR, elas saíam com caminhão para São Paulo, iam “300” caminhões atrás. Se elas paravam no posto, parava todo mundo atrás. Não deu muito certo. O transporte fluvial é o menos desenvolvido de todos, e sua fatia no mercado é muito pequena ainda. Hoje, é preciso fazer um milagre para trabalhar no principal meio de escoamento, que são as estradas. Os índices de acidentes são muito altos, poucos se preocupam em fazer seguro do caminhão contra terceiros. Tem que se organizar. Tinha que existir financiamento de longo prazo e uma facilidade de cadastro um pouco melhor para liberar esse financiamento. A maior dificuldade do motorista é ficar longe de casa. Também o risco de acidente no Brasil é muito grande. Pegando a estrada é que se vê a quantidade de coisas erradas. Tem assalto, inclusive com quadrilhas especializadas em roubo de
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carga. O profissional não ganha bem, paga-se muito pouco, e também as empresas não conseguem pagar melhor.
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Falta muita fiscalização nas estradas. Tem lugares nas estradas em que a pista ainda é simples, isso não poderia existir. Melhorou um pouco a formação do motorista, mas falta bastante. A gente sempre incentivou o motorista da empresa. Organizamos prêmios. Os caminhões mais novos a gente dá para os mais velhos. Teve uma época em que nossa assistente social visitava a casa dos motoristas. Sempre procuramos ajudar, em caso de acidente, sempre demos assistência médica. Também fazemos festa de final de ano e incentivamos as famílias dos motoristas a participarem. Teve uma vez que quatro motoristas, viajando pelo Mato Grosso, pegaram uma forte chuva que bloqueou as estradas. Tiveram que parar em um posto no meio da rodovia, que era muito pequeno e não tinha muita coisa. Passados quatro dias, a caixa de cozinha já estava vazia e os motoristas, todos com fome, não viam possibilidade de sair daquele posto. Foi quando viram passar um galo, e não pensaram duas vezes. Pegaram o galo e se esbaldaram com uma deliciosa canja. No outro dia, para surpresa dos motoristas, o dono do posto apareceu com uma baita indagação: – Vocês não viram meu galo de briga? É que tem uma rinha hoje e ele desapareceu...
DALLA VALLE
Eu fui criado no interior de Bento Gonçalves (RS), na roça, trabalhando na
lavoura, de pé no chão, com muita dificuldade, diz Arcile Dalla Valle. Nasci em uma família humilde. Até meus 18 anos eu fiquei na roça, depois servi o exército. Lá, aprendi a ter disciplina e vi que era diferente da roça. Saí do exército e fui me aventurar na vida. Quando estava no exército, me mandaram para o Rio de Janeiro (RJ) com um caminhão. Naquela época (1948), ir para o Rio de Janeiro, partindo de Bento Gonçalves, era que nem hoje ir à lua. A volta levou 40 dias e, quando retornei, o exército fez uma festa por eu ter feito a viagem sem que nada tivesse acontecido. Resolvi então, ser caminhoneiro. Mas, como começar se não tinha dinheiro? Saí de casa com uma malinha, com meia dúzia de roupas. Comecei a trabalhar como sapateiro e não gostei. Trabalhei como pedreiro, e também em olaria, armazém e engorda de porco. Até que, um dia, em sociedade, comprei um caminhão, muito pesado e duro. Para mim, estava bom, porque fazia o que gostava. Comecei a trabalhar com caminhão e estou até hoje nos transportes. É um serviço muito perigoso e muito pesado, mas é o que eu gosto, a gente tem que fazer o que gosta. Nesse meio tempo, eu ia para São Paulo e Rio de Janeiro. Comprei uma carreta importada. Descobri a Randon, que fabricava reboque para puxar madeira e o irmão do Hercílio Randon, amigo nosso, me pediu para eu deixar a carreta lá com ele, para que ele desenhasse e fizesse uma igual, em Caxias (RS). Deixei a carreta com ele, que trabalhava como ferreiro. Quando fui buscar, ele perguntou quanto eu ia cobrar, e eu respondi que não ia cobrar nada. Então, ele disse que ia caprichar no serviço e a primeira carreta ele ia vender para mim, por um preço mais baixo. Demorou seis meses para ele fazer uma carreta, hoje a Randon faz mais de 100 por dia. Quando fui pegar a carreta nova da Randon, engatei o cavalinho e falei para ele que acertasse o preço. Ele não quis cobrar a mão de obra, só o material que tinha usado.
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Comecei a viajar: Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e Bahia. Em todos os lugares que passava, as pessoas me perguntavam da carreta e quem era esse tal de Randon. Cheguei para o Raul e disse para ele fazer uns cartões que as pessoas estavam perguntando aonde era a empresa e eu não sabia explicar. Então comecei a carregar um papelzinho com endereço e telefone da Randon. Até hoje, temos amizade e respeito por esse começo juntos.
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De Bento Gonçalves até São Paulo, a gente levava 8 dias. Foi um tempo difícil de viajar pelas estradas que tínhamos, passava fome, sede, sono, mas estava fazendo o que gostava. Tinha sempre um lugarzinho para a gente fazer comida, às vezes passava um dia inteiro e não encontrava ninguém na estrada. Quando achava alguém, sempre parava para conversar, perguntar como estava a estrada e trocávamos informações. O Brasil, em 50 anos cresceu muito. Naquele tempo, não havia nada. Passei muitos apertos na estrada. O motorista, naquela época, era muito respeitado. Eu carregava batata e cebola para São Paulo. Quando chegava lá, a cebola tinha até brotado de tão longa que era a viagem. Era uma época bem difícil, só que não tinha assalto e roubo como tem hoje. Quando eu chegava nas cidades, todo mundo ficava curioso, vinha olhar o caminhão e perguntar coisas. Hoje, transportamos ferro, farinha, arroz. A nossa linha hoje é do Rio Grande do Sul ao Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, e algumas para a Bahia. Temos em torno de 100 motoristas que são funcionários da empresa. O motorista deveria ser muito mais valorizado, e ter mais conforto na cabine. Alguns, eles próprios, não se valorizam, não se respeitam. A maior dificuldade hoje, nas estradas, é o roubo, há muito assalto. Deveriam tomar alguma providência, o motorista sai para viajar e não sabe se volta. Muitos não querem mais a profissão de motorista por causa dos perigos da estrada.
Tem uma festa na cidade na qual os motoristas participam. Também na empresa tem festa para os motoristas. A empresa valoriza esses profissionais, dá oportunidades, investe na formação, o salário é bom. Também fazem um curso de uma semana, no qual aprendem noções de mecânica, primeiros socorros, psicologia. Treinamos o motorista, a fim de tentar reter a mão de obra, que hoje está bastante disputada. Depois da formação, o motorista fica bastante diferente. Consome menos combustível, melhora o tratamento ao cliente. O motorista é o cartão de visita da empresa, e ele tem que atender bem o cliente, a aparência melhora, ele se valoriza como profissional e como pessoa. Além disso, os caminhões estão muito avançados tecnologicamente, e o condutor tem que aprender essas novas tecnologias. O Brasil não copia as coisas boas de outros países. As estradas são as mesmas de 50 anos atrás, nada melhora. Não tem posto de parada sossegado, para o motorista dormir, até dentro da cabine, e em posto se assalta as pessoas! Acidente, aqui, é um atrás do outro, não existe respeito no trânsito. No ritmo em que o Brasil está indo, está difícil de avançar. Tinha que melhorar as estradas, fazer mais rodovias. São colocados milhares de veículos novos nas estradas por dia e não aumentam as rodovias. Os postos de parada são poucos. Às vezes, o caminhoneiro chega e não tem lugar para encostar. Os postos que existem são pequenos para o número de caminhões que rodam no Brasil. Não há sequer segurança no posto para o motorista.
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RODOLATINA
segundo informa Agostinho Zibetti, de Curitiba (PR), a Transportadora
Rodolatina tem 15 anos.
Nasceu em 1996, sendo que começamos a empresa por termos gosto por caminhão.
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No começo, não tínhamos uma especialidade definida, mas naquele mesmo ano começamos por atuar mais no transporte de cimento a granel, participando da construção da barragem de Caxias (RS), da Usina Hidrelétrica. Essa barragem requereu uma expansão da nossa atividade para dar conta da demanda. No mesmo momento, começamos a atender outras empreiteiras na região Sul e, posteriormente, expandimos para os estados de São Paulo e Minas Gerais. Hoje, somos especialistas nesse mercado, e nosso trabalho é focado no transporte de cimento a granel para indústrias do ramo e para grandes empreiteiras. Nós temos, hoje, 1.225 funcionários e uma frota de 840 conjuntos. O setor de transporte rodoviário é relevante para a economia brasileira. O Brasil está mudando de patamar, está entrando em outra condição, passando a ser um país desenvolvido. Isso requer um crescimento da economia, e o País, comparativamente com o mundo, continua crescendo, se desenvolvendo. Tudo isso passa pelo transporte, pela logística. Não dá para uma nação crescer, se desenvolver, sem ter uma infraestrutura no transporte. O país funciona a partir da matriz rodoviária, quase tudo é baseado na rodovia. Então, trata-se de um setor relevante, que tem participação efetiva nos rumos do Brasil. Os principais desafios passam pela equipe. É preciso desenvolver gente, motorista, um time que possa manter todo esse crescimento. As mudanças tecnológicas que estão pela frente passam pela administração e formação, contratação de motorista, treinamento e desenvolvimento desse pessoal, e adaptação às novas tecnologias. Ao mesmo tempo, precisam acompanhar o aumento de custo que está acontecendo com todo
esse movimento. Tudo isso é um desafio que estamos enfrentando para manter a empresa crescendo, funcionando, focada no cliente. O motorista está valorizado. Ele é importante para o dia a dia nosso, senão, não existe transporte. Mas o caminhoneiro está tendo que se atualizar. E essa atualização deve ser um trabalho conjunto: da empresa, do motorista, do governo, do SEST, do SENAT, e das montadoras, também. A Rodolatina tem uma relação muito próxima com os motoristas, de ouvi-los, de acompanhá-los, dar assistência. Ela também procura manter determinadas regras. A questão da segurança do motorista é uma situação muito relevante. Nós temos que aprofundar o trabalho de segurança nas estradas, direção defensiva, controle de velocidade, cortesia no trânsito. São questões que temos que trabalhar para que o motorista possa desenvolver o novo perfil de profissional, principalmente nessa questão de segurança para preservar sua vida, das outras pessoas na estrada e o equipamento. A gente coloca o assunto da segurança como prioridade no trabalho com os motoristas. O relacionamento com eles é bom, é de proximidade, e a empresa está comprometida com ele. Assim, o caminhoneiro também se compromete com a empresa. A mão de obra toda está sendo demandada no Brasil. Então, é preciso haver uma formação e desenvolvimento dos novos motoristas. Gostaria que o mercado continuasse crescente como está, que o progresso e a evolução tecnológica continuassem a crescer. A empresa Randon tem produzido materiais de alta qualidade e aplicado tecnologia avançada a esses materiais, tendo se destacado mundialmente como fabricante de equipamentos rodoviários. O setor rodoviário precisa fazer jus ao espaço que lhe cabe na economia do país.
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VANTROBA
A Vantroba foi fundada em 1973, explica Eduardo Vantroba, em Curitiba (PR).
Antes, na verdade, eu já trabalhava, desde 1964, como pessoa física, e tinha uns dois ou três caminhões. Comprei os equipamentos da Randon e esse foi o nosso início, na cidade de Irati (PR). Na época, de 1964 a 1973, nós fazíamos a rota até o Rio de Janeiro, carregando feijão preto, batata, cebola e também madeira de pinho araucária.
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Em 1971, demos início ao transporte de safras de milho e soja, e transportávamos as carretas para o sudeste do Paraná, Foz do Iguaçu, Mato Grosso e Goiás. Essas foram as regiões em que atuamos, além de São Paulo, por conta do serviço industrial. Hoje, atuamos em quatro segmentos, que vão desde carga seca (90% em São Paulo e 10% em outras localidades) e transporte de combustíveis. Comparando com o passado, o setor de transportes, hoje, está muito mais fácil. Há investimentos do governo, custo de diesel barato, então, tem bastante serviço e viabilidade para trabalhar, para administrar. Acredito que a situação que vivemos hoje deve durar bastante tempo, pelo volume de transporte, de serviço, seja na construção civil, na construção de estradas de ferro, no norte e no nordeste, e outras obras de grande porte, principalmente. A profissão de motorista é valorizada. O perfil do motorista, geralmente, é bom, porque, no passado, havia mais motoristas com problemas. Tinha motorista bom e muito bom, mas eram comuns também os maus motoristas. Ainda temos, embora em menor número. Sendo assim, é preciso dar formação, prepararmos e observá-los. O bom desempenho do serviço depende do motorista. O motorista não pode beber, precisa dirigir corretamente. No meu tempo de motorista, a situação era diferente. As estradas eram mais pesadas e havia muito mais
acidentes nas pistas. Hoje, tem mais caminhões circulando e não tem tanto acidente, mas poderia ter menos ainda. O motorista deve ser 100% mais atencioso, observando sempre as normas da empresa, a velocidade e o cuidado nas rodovias. Na empresa, há um curso de formação para o condutor. No entanto, não tem tudo que precisa. Acho muito importante a formação, pois todo treinamento é válido. A relação da empresa com o motorista é boa. Há um prêmio para os melhores profissionais da empresa. No horário das 22 às 5 h da manhã, a empresa aconselha o caminhoneiro a parar. Quando percebemos que ele está andando além do limite de horas estabelecido pela empresa, bloqueamos o caminhão.
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A Sensação Do Brasil Na Boleia Do Possante
parte 5
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Qualidade de Vida
P
ode-se pensar que, por causa da baixa escolaridade da maioria dos motoristas de caminhão, – o que é uma realidade também entre muitos empresários do ramo – essa turma de gente esforçada não observa o Brasil nas suas características de continente-celeiro, de importância vital para a civilização globalizada. É um pensamento errado. Ele olha, registra, e quando tem oportunidade de dizer o que pensa, assim o faz. Pode não ser aquela fala acadêmica cintilante, mas é a fala da gente da terra.
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Exemplo de diversidade social na família rodoviária: a mulher no volante No segundo semestre de 2011, a revista Carga Pesada publicou uma matéria de grande importância social e profissional: o mercado de transporte está cada vez mais interessado em mulheres caminhoneiras. É o que garante a ATG – Associação de Transportadores Graneleiros, de Rondonópolis (MT). Tanto é que a entidade resolveu fazer treinamentos específicos para esse grupo. No dia 18 de junho de 2011, a ATG formou a primeira turma do Guia Volante, exclusivo para mulheres. O programa tem dois objetivos: o primeiro é habilitar as alunas para buscarem a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) da categoria E. O segundo é capacitar, as que já possuem essa carteira, a serem contratadas em uma das empresas filiadas à ATG. Na primeira turma, foram 20 alunas que, durante uma semana em tempo integral, tiveram aulas teóricas de técnicas operacionais em veículos extra-pesados, direção defensiva, direção econômica, mecânica básica, uso racional dos pneus, tecnologia embarcada, manutenção preventiva, documentação do veículo e da carga, saúde do motorista, ergonomia e primeiros socorros. O curso é gratuito e as aulas práticas já começaram, mas somente as que possuem a Carteira Nacional de Habilitação na categoria E é que poderão viajar num percurso de aproximadamente 1.200 km, nos quatro
caminhões que a ATG disponibiliza para as motoristas alunas praticarem o que aprenderam nas aulas teóricas. Muitos empresários têm ligado para a nossa entidade à procura de motoristas do sexo feminino nos últimos meses, pois, segundo eles, as mulheres que atuam nessa profissão estão apresentando excelente resultados operacionais e econômicos. É o que afirma o diretor executivo da associação, Miguel Mendes. O requisito básico para o curso é ter habilitação nas categorias B, C, D e E. O programa Guia Volante da ATG já treinou e qualificou mais de 2.000 profissionais, desde a sua criação em 2002.
O que agrada e o que desagrada ao caminhoneiro? •• A oportunidade de conhecer lugares está entre o que mais agrada na profissão, para 31% dos casos. Conhecer pessoas e fazer amizades aparece com 19% e, o sentimento de liberdade, com 11%. •• O que mais desagrada é ficar longe da família, para 23% dos caminhoneiros. •• Os comportamentos ligados à qualidade de vida, que incluem o desrespeito, os preconceitos e a discriminação, estão em 18% das respostas. •• Para os caminhoneiros pesquisados, a alimentação divide estilos, porque 78% alimentam-se durante as viagens em restaurantes ou lanchonetes da estrada, e 22% ainda cozinham sua própria comida e trazem experiências de coisas rápidas e, algumas vezes, até saudáveis. Há a expectativa, entre os viajantes eventuais de estrada, que os restaurantes para caminhões sejam melhores e com preços menores. A sua origem está na necessidade desses restaurantes atenderem uma clientela muito sensível ao tratamento recebido. Contrastam com os especializados no atendimento de passageiros de ônibus e automóveis, onde se pretende oferecer uma sofisticação maior. Seus preços são mais altos e diferenciam-se, também, na maneira dos funcionários se relacionarem com a clientela.
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Nos restaurantes que tipicamente servem aos caminhoneiros, bate-se muito papo de balcão e a comida servida nas mesas é variada e distribuída em várias travessinhas. Os outros, para quem viaja nos carros e ônibus, são do tipo cardápio e as pessoas que atendem o fazem de modo formal e distante.
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Nas lanchonetes, algumas exigem o pagamento adiantado nos caixas e o pedido é feito mediante o cupom das caixas registradoras; em outros, recebe-se uma ficha na entrada que deverá ser entregue na saída, com os valores a serem pagos. Se a ficha for extraviada, o cliente terá que pagar uma taxa estipulada pelo restaurante. Os restaurantes de ônibus pertencem à própria empresa, ou mantêm contrato com elas. Os motoristas não têm alternativa: têm de parar nesses pontos obrigatórios. No passado, as empresas não investiam em restaurantes; esse investimento começou tomar vulto por volta de 1977, quando o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) determinou paradas obrigatórias a cada 200 km. As paradas, anteriormente, resultavam mais do cortejo que os motoristas recebiam de restaurantes e, em troca, eram gratuitas suas despesas de refeições, cigarros etc.
Desde pequeno os caminhões exercem fascínio sobre Eder Fábio de Jesus Lima, 35 anos, há orgulhosos 18 como caminhoneiro. Atrás da casa, onde morava em Matão (SP), passavam os caminhões: todo dia Eder ia lá para ver; para ele era uma visão de encher os olhos. Começou num caminhão para levar laranjas, depois foi trabalhar numa usina com um caminhão pipa, ainda na usina mudou para carreta; levava cana-de-açúcar. A primeira viagem foi inesquecível; foi nela que efetivamente Eder se tornou motorista. Ser caminhoneiro é realização de um desejo, um sonho que se concretizou, se tornou realidade. Considera importante a amizade, pois essa profissão exige muito tempo longe de casa. Assim, se distrair com os colegas fazendo churrasco, ou, no posto, conversando com eles, ou fazendo um almoço, na beira da usina são coisas importantes. Inclusive, ele já levou a família em algumas viagens, inluindo as crianças pequenas, pois elas se divertem.
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Lazer, Fuga & Família
As vivências dos caminhoneiros mostram o que é a colcha de retalhos sociais, que motivam comportamentos diversos no ser-estar brasileiro.
Dos motoristas entrevistados, 64% declaram que nas horas de folga o
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que gostam de fazer é ficar com a família, dormir e descansar. As atividades de lazer são pouco significativas, mesmo considerando o futebol (7%), a TV (5%) e o bate-papo com amigos (2%). Na preferência por tipo de jogos, aparece o futebol com 44% e a sinuca com 15%. Declaram 18% dos caminhoneiros pesquisados que não apreciam nenhum tipo de jogo. Quando o motorista volta para casa, o caminhão continua ocupando todo o seu tempo, pois já está precisando de revisões e/ou manutenção para dar continuidade às suas viagens. A sua dedicação integral ao caminhão torna significativa a afirmação, feita por vários entrevistados, de que não entendo nada de casa. Só faço o que a mulher manda... Bem, nem sempre... Antônio Francisco, de 26 anos, de Caibi (SC), um jovem na profissão, e que nela ingressou pelo fato de o pai ter um caminhão, diz:
Quando estou em casa, eu e minha esposa brigamos na cozinha. Eu gosto de tomar conta, gosto de cozinhar. Se não fosse caminhoneiro, gostaria de ser cozinheiro, de abrir uma lanchonete ou coisa parecida. Poderia ser mecânico, também, mas o que gosto é de cozinhar.
Quem sou eu fora da boleia do caminhão? O que me dá prazer?
Eu sou músico, eu toco bateria. Meu irmão toca gaita, eu toco violão e guitarra, mas profissionalmente toco bateria. Toquei bastante tempo no grupo Garotos de Ouro, nos anos de 1995 e 1996! Agora a gente tem um grupinho que toca em casamento, aniversário, velório, tudo! Além disso, não posso ver piscina. Em Recife, região pernambucana onde não se pode entrar no mar, por causa dos tubarões, e faz um calor infernal, achei um clube, por 20 reais, para passar o dia inteiro na piscina. Aqui em Caxias (RS) também: procuro um clube, pergunto quanto é para usar a piscina e vou nadar - diz Luciano Gimenez Maciel. É que, mesmo com o caminhão estacionado no quintal de casa, ou num galpão anexo, nem todo caminhoneiro fica na sua sombra, e há casos em que esse profissional busca formas diversas de entretenimento para superar o desconforto das muitas horas e dias sobre as rodas do bruto, que é o seu instrumento de trabalho. O lazer do caminhoneiro é diverso, retraído às vezes, exuberante outras ocasiões (em fuga a tudo o que lhe cheire a caminhão), simplesmente caseiro na maioria das oportunidades. Hoje tem muitos que viajam com a família, quando estão de férias, até eu mesmo, um tempo atrás, pois a empresa permitia que a família fosse junto. Mas, hoje em dia, as empresas estão cortando essa possibilidade – lamenta Evanísio dos Santos. Para Lúdio Batista Garcia, motorista há seis anos, o que mais aprecia na profissão são as viagens longas. Todo ano durante as férias escolares leva a esposa, a filha de doze anos e o filho de três; todos aproveitam a viagem, os grandes conversam, o pequeno se encanta com tudo o que vê. Nas paradas é churrasco, alegria e diversão, e na hora de dormir... na hora de dormir a família fica ainda mais unida. Lúdio diz que no dia a dia, não há muita ajuda dos colegas, mas quando um caminhão quebra na estrada todos param para ajudar.
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Fernando Dias de Paula nasceu em Juquiá (SP) e há 15 anos aprecia a liberdade que a profissão proporciona. Há várias histórias a contar; as mais marcantes ocorrem ao lado de colegas. Anos atrás, numa viagem ao nordeste, estávamos seguindo em comboio. A entrega era urgente; o prazo mais do que apertado. Já há alguns dias sem dormir, o colega que seguia na frente, para avisar, passou um rádio aos outros que vinham atrás dizendo, um tanto afoito:
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– Páaara, páaara. Freia tudo. A pista tá cheia de jegue! É jegue de cá, é jegue de lá, é jegue que não acaba mais. Todos, preocupados, pararam. Quando desceram para ver, nada, nadica de nada, zero. Não tinha jegue nenhum, nem pra remédio; tudo não passou de um delírio de sono. Ia viajando com dois colegas dentro da cabine, ele dirigindo e eu no carona. Quando estávamos em Vitória da Conquista (ES), um policial pediu para parar o caminhão. Meu amigo abriu a porta jogou a chave para o guarda e falou: – Enche o tanque e lava o parabrisa. e o outro colega não parava de rir, enquanto tudo acontecia. Foram dois dias na cadeia, até o advogado da empresa chegar. Presos por desacato. Também, pudera, há tanto tempo sem dormir, quando parou, o motorista achou que estava no posto e que o policial era o frentista...
Meio Ambiente
Na coleta de informações para este livro, 71% dos profissionais obser-
varam o alto nível de degradação da natureza ao longo da malha rodoviária nacional. E é algo que lhe diz respeito diretamente: a estrada. A construção e a utilização de estradas de rodagem provocam grandes alterações no meio ambiente físico e humano. Mas, se o impacto negativo é inevitável, medidas podem ser executadas para amenizar e/ou compensar os estragos. O problema, e ele – o caminhoneiro – percebe a circunstância que lhe toca como profissional, é que pouco é feito para harmonizar a modernidade humana e a natureza. Ora, muitos dos acidentes que envolvem caminhões são provocados por estradas mal conservadas, diz ele, num alerta geral que poucos políticos e empresários escutam. É verdade que hoje, e por meio de exemplos como o das Casas do Cliente, da Randon, o caminhoneiro tem acesso a informações que valorizam a sua percepção da realidade que registrou em torno da devastação da natureza. Por outro lado, o caminhoneiro de hoje já busca formação técnica e universitária, não é apenas um cara de pouco conhecimento acadêmico dirigindo um bruto... Aos poucos, da boleia do bruto, do possante, o Brasil é olhado e vasculhado para ser interpretado com vista a um futuro melhor – o olhar/pensamento de um caminhoneiro envolvido com a sorte da sua terra.
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SUA VIDA
E quem pensa que caminhoneiro não batalha para si mesmo, se engana. Apesar das dificuldades (horários, isolamento, pouca representação junto dos patrões e dos sindicalistas), ele está no batente da própria vida profissional.
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Sabe que a Confederação Nacional do Transporte (CNT) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Transporte Terrestre (CNTTT) já pleiteiam junto ao Legislativo (Câmara dos Deputados), alterações no Código de Trânsito Brasileiro, como, por exemplo, a proibição do motorista profissional dirigir por mais de 4 h ou 6 h seguidas e, ainda, observarem um intervalo de 11 h de descanso num período de 24 h. Mais: haverá fiscalização sobre o absurdo que é permitir que motoristas rodem sem parar, sequer para se alimentar! E os novos caminhões serão abastecidos com diesel mais puro para diminuir a poluição do ambiente. O caminhoneiro de hoje está mais atento à sua própria comunidade, tanto que os abusos, do tipo jornada sem horário, estão já em extinção na maioria das empresas. O caminhoneiro romântico gosta de ficar à sombra do seu bruto companheiro e aí preparar as refeições – o que também já é proibido por muitas empresas, que garantem refeições em pontos estratégicos da malha rodoviária –, pratos do tipo farofa de caminhoneiro, enquanto ouve o som da musa Sula Miranda e de duplas sertanejas que lhe povoam o imaginário, ou rabisca num papel mais uma frase para bombar no para-choque.
Na estrada da vida não tem acostamento.
Celso Roberto Ferraz trabalha há seis anos como caminhoneiro, mora em São Caetano (SP), 52 anos, mais uns seis anos de carreta, e outro tanto de baú de 7,5 m. Apresenta-se: Sou estudado. Fiz faculdade na área de saúde. Sou formado em enfermagem, pela Faculdade de São Camilo (hoje Universidade São Camilo). Tenho e pago o COREN (Conselho Regional de Enfermagem) até hoje. Pago também o sindicato de fotógrafos do Estado de São Paulo. Estudei fotografia na Escola Superior de Propaganda e Marketing. Hoje, o que recebo como motorista, não ganharia como fotógrafo ou enfermeiro. Quando fazia enfermagem, havia muito preconceito dos colegas, não sentava ninguém três carteiras para frente e três para trás, porque ia direto do serviço e ficava com cheiro de gasolina. Às vezes, saía às 4 horas da manhã e parava às 16 horas para ir à faculdade; fazia muita transferência de carga, porque é mais rápido, abastecia os postos, ia para Santos (SP). No fim de semana intensificava o ritmo das entregas, para compensar a semana; quando tinha estágio no hospital, no final de semana, combinava com os colegas para me ajudar, ou até mesmo pagava para eles para isso. Perdi muita aula também. quando eu comecei em enfermagem, a minha situação apertou e um amigo propôs para eu trabalhar com caminhão e lucro de 60%. Como o curso era muito caro, não hesitei. Assim que pude, comprei o meu caminhão 11-13 toco baú 9,5 m. Passei a trabalhar com o pessoal de cinema e publicidade. Enquanto trabalhava, via o pessoal fotografando e quis fazer isso também. Entrei primeiro na Escola Panamericana de Fotografia; foram seis meses lá. Depois, prestei um concurso para a escola de propaganda e marketing, no curso de fotografia para jornalismo. Levei uma carta de apresentação de uma produtora de cinema. Vendi o caminhão e comprei uma Gran Caravan; fiquei seis anos com ela e agora estou com um caminhão.
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No dia primeiro de março de 2012, fui contratado para ir, sozinho com o caminhão da empresa, até o porto de Santos (SP) buscar uma escavadeira, conta Alexandre Braga. Segui viagem pela rodovia Anchieta; ia tranquilamente durante o dia. De repente, ao passar pela passarela amarela no quilômetro 52 da Rodovia Anchieta, notei que os carros ao passarem estavam sinalizando algo. Não, não era possível ser golpe para assalta14 rem, pois a prancha estava vazia, e os carros passavam avisando e iam embora. Um motoqueiro emparelhou comigo e disse que havia fumaça, estava pegando FOGO! Fui de imediato para o acostamento e vi:
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Labaredas e mais labaredas de fogo. Houve tempo apenas para sair de dentro da cabine, o fogo queimou roupas, sapatos, papéis, fotos, queimou tudo dentro do caminhão. O acidente gerou confusão no trânsito e foi, inclusive, televisionado pelo pessoal de um helicóptero que gravou tudo. No dia a dia há muita correria, ninguém se ajuda, mas quando acontece um acidente todos param. Nesse dia, dois caminhões encostaram e ficaram me acompanhando; uma mulher que morava ali perto nos acolheu, deu tênis e roupas do filho dela para que pudesse me trocar. Ela colocou uns colchões na garagem para nós. Ao anoitecer o marido dela chegou e ela explicou tudo o que tinha acontecido, ele nos chamou para comermos juntos, depois fomos para a garagem dormir. No dia seguinte, assim que amanheceu agradecemos a família por tudo o que tinha feito por nós e partimos. O dono do caminhão o perdeu, pois não pagava seguro, como também não pegou a carga lá no porto de Santos (a escavadeira), deixou de receber o frete. Foi um tremendo prejuízo, causado por um defeito na parte elétrica. Lá no Mato Grosso, indo de Campo Grande para Rondonópolis, tem um trecho de serra, com uns 15 km só de descida, que termina perto da Gruta do Açaí. Bem ali, tinha mais de 100 cruzes que o pessoal coloca de14
NE. Prancha: se refere a um tipo de carroceria aberta, uma plataforma sobre rodas, apropriada para acomodar tratores, colheitaddeira ou objeto muito volumoso.
pois que morre alguém em acidente. Contam que tudo isso acontece porque nesse lugar aparece uma loira na pista. Agora não tem mais nenhuma cruz, o governador mandou arrancar tudo. Também contam que há uma loira que aparece às 17 h na balsa do Bertolini. Teve um colega de profissão, Sílvio, que conduzia cegonheiro, que se enamorou de uma menina, ainda de menor. Depois de uns meses eles se casaram e ela foi morar dentro do caminhão com ele. Um dia não faz mais do que um par de anos, estavam os dois dentro do Volvo ML10, o conhecido janelinha, passando por São Bernardo do Campo (SP), a mulher entrou em trabalho de parto, foi tudo tão rápido. Foi justo o tempo do pessoal da concessionária chegar lá e ela ganhou o bebê ali mesmo, dentro do Volvo. Esse motorista foi cowboy de rodeio, andou por cinco anos em touro, que renderam muitas cicatrizes e pouco retorno financeiro. Diz que o caminhão dá um pouco mais, que é para curar as cicatrizes. Desde 1975, Sebastião Alceu Borges, 58 anos, nascido em São José dos Pinhais, Curitiba, Paraná, é caminhoneiro. Diz ter visto muita coisa nesses 37 anos de profissão. Atualmente é proprietário de 11 veículos equipados com semirreboques da Randon. Em abril de 2012, em São Paulo (SP), na marginal, trafegando na segunda faixa de rolagem da direita para esquerda, veio um carro quase a bater no caminhão, dizendo que tava pegando fogo, que tinha que parar. Mas esse truque é velho, eles queriam era roubar a carga. Tentei despistá-los, mas logo chegaram outros carros fechando o caminhãozinho VUC. Não teve jeito, perdi. Depois consegui encontrar o caminhão, mas a carga... 15
Se der fila (trânsito) na Serra do Noventa, o melhor é deixar atrás aberto, os ladrões vêm,abrem, olham. Se a carga não interessa, eles deixam lá e vão embora, agora se trancar... Eles vêm da mesma forma e rasgam a lona 15
NE. Trata-se da Serra do Cafezal, que fica entre os municípios de Miracatu e Juquitiba, no Estado de São Paulo.
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para olhar o que tem dentro; só dá prejuízo. Quando estava numa viagem, lá pros lados do nordeste, ia dirigindo calmamente, quando repentinamente sinto um solavanco, e o caminhão não era mais o mesmo. O solavanco foi entrar e sair de um buraco, mas não ileso; o pneu saiu rodando sozinho pela pista. No nordeste tem muito bandido que, de madrugada, põe lombada, só para o motorista reduzir e eles darem o golpe.
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Há uma história, que se conta, em Caxias do Sul (RS) e Curitiba (PR). Relatam que de noite, na Serra do Espigão (SC), aparece uma freira vestida de branco na pista. Dizem que ela pula no para-brisa assustando e causando acidentes. Muitos contam preferir não passar por lá à noite, só para garantir. Um funcionário trafegava com um caminhão bitrem às 7 h 30 da manhã, na primeira faixa da direita na marginal, em São Pailo, capital. Ao passar pela ponte do Piqueri, veio um carro dizendo que o caminhão tinha batido, falando para parar. O novato foi para o acostamento. Os ladrões vestiram um saco na cabeça dele e levaram o caminhão. O motorista ficou parado no local. Esse caminhão não tinha seguro. Foi um prejuízo gigante! Natural de São José do Rio Preto (SP), Leandro Soares, 34 anos, é, há pelo menos seis anos, motorista e aprecia as amizades que se faz nesse trabalho. Mas sua maior felicidade é chegar em casa e encontrar a filha de oito anos. O companheirismo é o que mais marcou sua memória, quando ocorreu um problema no caminhão e para evitar acidentes foi para o acostamento. Ficou parado em Pereira Barreto (SP), por duas longas horas, até que, por pura sorte, um companheiro passou por lá e, reconhecendo o caminhão do colega, logo o socorreu. Ao parar para ajudar, descobriram ser um problema na ignição.
Também foi um colega que o avisou, enquanto ia de São José do Rio Preto (SP) para Cuiabá (MT), no mês de setembro de 2011, às 9 horas da manhã. Chovia muito forte; não era possível ver nada além de poucos metros à frente (que pareciam ser centímetros); pelo rádio amador avisaram que veio um raio e derrubou um enorme arvoredo; esse caiu na rodovia. Ficou um trânsito danado! Tudo absolutamente parado por quatro horas, todos preocupados com o prazo, porém vivos e sem acidentes. O pai de Daniel da Silva Vargas é caminhoneiro há 35 anos, o filho desde pequeno já adorava ir na boleia. e como se divertia! Iam nas praias, entravam no mar, folia na areia, paravam em algum lugar e faziam churrasco. Atualmente a tradição continua: o filho Daniel, 37 anos, é motorista há 10 anos e, quando é possível, principalmente no final do ano, leva a esposa e a filha, o que permite criar, também para seus filhos, novas lembranças e recordações dos momentos de lazer que têm juntos fazendo churrasco, indo às praias, jogando bola. A primeira vez que dirigiu um caminhão, a família foi junto; o pai quis que ele fosse sexta-feira para Guarulhos (SP); a preocupação do pai era tamanha que, a cada 30 minutos, ligava para saber se estava tudo bem; o filho completamente empolgado dizia pacientemente ao pai: – Sim está tudo bem, todos bem, todos vivos, tudo tranquilo. Anos depois, quando foi junto na cabine, o pai pode ver e presenciar as palavras do filho, tudo ocorreu bem, calmo, tranquilo e seguro. Teve um colega que estava fazendo a viagem junto, acompanhando em comboio. Daniel reparou que o colega dirigia diferente. Ao pararem, o encaminhou para o médico, que disse que era cálculo renal. Dizem que dor de cólica renal é igual à do parto, mas ele decidiu continuar a viagem,
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mesmo com a crise. Dias depois foi ao médico e direto fazer cirurgia. Os amigos foram visitá-lo no hospital. Na estrada, se passa muito tempo sozinho, precisa conservar as amizades. Nesse trabalho, o lado ruim é sempre ver acidentes, sempre nos mesmos pontos das estradas. Tem uns e outros, principalmente os mais jovens, que se envolvem com drogas, rebite, e coisas bem mais pesadas.
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Há 34 anos atrás, em São Paulo (SP), nasceu Elcio de Faria, desde 1997 no comando do bruto, dirigindo e apreciando as viagens. Ele nos relata dois casos tristes. O primeiro aconteceu em Iguatu (CE), em 2007. Era uma noite quente, depois de um dia de trabalho, estava jantando e veio um menino pedindo dinheiro para comprar um leite para os irmãos. Comecei a falar com ele e o chamei para jantar junto comigo. Depois de comer fomos até a casa dele que não era muito distante dali. Chegamos a uma casa simples. Umas crianças estavam do lado de fora: do lado de dentro, uma verdadeira escadinha. Vi que não era leite que fazia falta para os irmãos do menino; era feijão, arroz, tudo quanto era coisa. Ali faltava era tudo; aquela cena mexeu, mexeu de verdade, bem lá no fundo. Saí, comprei uma cesta básica e levei para eles. O segundo caso também ocorreu em 2007, no estado de Minas Gerais, em Pontes dos Volantes. Dei graças e vi o quanto sou feliz por ter a minha linda família, minha esposa, meus quatro filhos. Nessa viagem tive o desprazer de ver algo que me fez ficar revoltado até o último fio de cabelo. Me deixou indignado deparar com uma mãe levando sua própria filha para prostituição, uma menina de 12 anos!!!
Nesta profissão o bom mesmo é dirigir os caminhões, diz Lidinei César Freires. É motorista desde 1985 e tem 45 anos de vida. Acredita que haveria menos acidentes na estrada se a família fosse junto, pois os motoristas prestariam mais atenção na estrada, teriam mais vidas a serem zeladas. E com ou sem família na boleia, os caminhoneiros vivem tudo fora, fora de casa, fora da cidade, do estado... Quando estão nos postos de abastecimento sempre há colegas de profissão, e aí aproveitam para se reunir, papear e, como bom gaúcho de Porto Alegre (RS), não poderia faltar, comem o tradicional churrasco. Quando não se cuidam, não fazem o descanso necessário, acontecem os acidentes. Falo de um deles: era dia claro em 1997, com pista seca, na Rodovia Fernão Dias, quando um ônibus foi ultrapassar um caminhão, foi terrível! Tudo o que aparece nos filmes de terror estava bem ali, ao vivo e a cores. Era outubro de 1995, Evandro da Fonseca, atualmente com 34 anos (sendo motorista há 14), fazia a linha Belém (PA) em comboio com sete carretas. Ao chegar em Santarém (PA), os índios fecharam a rodovia. era uma área da FUNAI (Fundação nacional do Índio), eles estavam protestando contra a grilagem das suas terras. Ninguém passava, não podiam seguir em frente, nem voltar para trás. Ficaram três dias inteiros parados naquele local, tempo de sobra para pensar nas lembranças de São Miguel Paulista, sua cidade natal. Nesses dias, os índios saquearam a carga de colegas, levando alimentos e outras coisas que eles poderiam usar. Por sorte a carga do comboio era de eletroeletrônicos que não tinham muita serventia para o pessoal do protesto.
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Há 48 anos, em Teolândia, cidade separada por 3 horas de viagem de Salvador (BA), nascia Antônio Arcanjo de Araújo, há cerca de 25 anos, apreciando as viagens da vida de caminhoneiro. Nesses anos de profissão, ouviu muitas histórias, entre elas uma que batizou uma curva perto de Cuiabá (MT), a Curva da Noiva. Contam que nesse exato lugar uma mulher vestida de noiva morreu, e é lá que ela aparece, na beira da pista, dentro da cabine. alguns dizem que ela procura pelo noivo e ou por um novo noivo, dizem até que o culpado pode ter sido o noivo.
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O pior acidente que Antônio presenciou aconteceu de dia, quando seguia na BR 116, próximo à cidade de Cândido Sales (BA). Aparentemente sem motivo, um caminhão na sua frente tombou, virou e capotou. um desastre com gente presa nas ferragens. Há 17 anos motorista, o catarinense de Mafra (SC), Nélson Landoviski, 37 anos, diz que ainda existe a camaradagem entre os colegas. às vezes acontece de um ter compromisso e eles trocam as entregas para ajudar o outro. Já aconteceu com ele mesmo, há dois anos: não iria dar tempo de cumprir a entrega e chegar a tempo para o casamento de seu irmão em Guarulhos (SP), o amigo cedeu a vez e ele pode comparecer à celebração. Ao falar de casamento me vem à memória uma história que contam. Dizem os catarinenses que na Serra do Espigão, em Santa Catarina, de madrugada, aparece na beira da estrada uma mulher muito bonita vestida de noiva; a beleza dela é tanta que encanta e distrai os motoristas e ocorrem os acidentes. Uns acreditam que essa linda mulher aparece porque no dia que ia se casar ela morreu num acidente ali. Acidente foi o que aconteceu há dois meses, saímos juntos, um amigo e eu, de Caxias do Sul (RS) rumo a Belo Horizonte (MG). Seguimos viajem juntos até chegarmos a Curitiba (PR), de noite, na Rodovia Regis Bitten-
court, ele ia na frente. Lá pelas duas da madrugada, com muito sono, os olhos pesaram por um instante, estávamos na Serra do Azeite, ele passou direto na curva e tombou. Natural de Resende (RJ), Jonatas Antônio Lima Rodrigues, 29 anos começou aos 23 anos como caminhoneiro, por gostar de conhecer novos lugares. Certa vez, quando estava na Bahia, viu uma carreta que vinha no sentido contrário e caiu na ribanceira. Em Caçapava (SP), deu pane no freio, e o caminhão pegou fogo. Há oito anos caminhoneiro, Deocar Ferreira da Cruz, 33 anos, considera poder andar nas estradas e a liberdade, como sendo a melhor parte da profissão. Quando, bem cedo, numa manhã de 2001, ia na BR 040 do Rio de Janeiro (RJ) para Belo Horizonte (MG), viu um carro de passeio cheio de malas com toda família dentro. O pai estava dirigindo e cochilou ao volante. o carro invadiu a contramão e o caminhão, que vinha na outra pista, bateu de frente. A família toda que viajava junta, também se foi toda junta. Natural de Oliveira (MG), há cerca de 20 anos motorista, Giovanni Bastos Gonçalves, que tem 54 anos, diz que os momentos que mais gosta é quando está dentro do caminhão, dirigindo na estrada, e também toda vez que é bem atendido numa casa do cliente Randon. Quando estava no inicio da carreira, seguia carregado numa viagem de Itaguará (SP) para Belo Horizonte (MG); deixou o caminhão acelerar numa descida e o freio acabou, por falta de treinamento no pós-venda; hoje desce tranquilo. Teve outra vez, dentro de um Ford F750, que desceu reto e parou no
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meio de uma horta de alface em um Igarapé (MG). O caminhão ficou meio enterrado nela, só dava para ver o parachoque: “Pense Ford”. Giovanni comenta que entrou nessa profissão por conta do pai caminhoneiro, motorista da Viação Cometa por 35 anos; ele viajava com o pai, logo depois que voltou para a estrada, ficou um tempo afastado, trabalhando com vendas, ajuizado, era só elogios. Disse ter encontrado com várias caminhoneiras, e que não buscam diferença ou conforto; elas fazem os caminhoneiros serem mais humildes.
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José Maia de Oliveira, 35 anos, há cinco como caminhoneiro, gosta do que essa profissão proporciona: poder viajar pelo Brasil. Uma dessas viagens não saiu como planejado. Em 22 de maio de 2012, ia de Rondonópolis (MT), para Minas Gerais. chegava à Serra de Luz, que tem 115 km de descida. A carreta estava carregada de pluma; quase no trecho final o caminhão perdeu o freio, a preocupação tomou conta! Foram 40 km só descendo, descendo em velocidade, aproximando-se da curva não teve escolha, José foi obrigado a tombar a carreta. A carga deslocou de cima da carreta, felizmente ele não se feriu, mas foi pluma para todo lado!
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festas
Apesar da solidão, o bravo herói da estrada também faz festa. Em diversos lugares do país, são realizados festejos, homenageando aquele que provê o sustento de norte a sul do Brasil, demonstrando a importância desse profissional.
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A cidade de Parelhas, no Rio Grande do Norte, realiza a festa desde 1980; Guarulhos, em São Paulo, desde 1989; Iconha, no Espírito Santo, desde 1997. Também existem festas em Itajaí (Santa Catarina), Cubatão (litoral de São Paulo), Rondonópolis (Mato Grosso) e diversas outras cidades. Mas nada é como a maior e mais tradicional delas: a Festa dos Caminhoneiros de Itabaiana, em Sergipe, conhecida como a capital brasileira do caminhão. Realizada desde 1966, a Festa dos Caminhoneiros é um dos mais tradicionais festejos do Estado de Sergipe e de todo o país. A cidade de Itabaiana é a que, proporcionalmente, mais possui caminhões no Brasil, com cerca de 4.000 mil caminhões para aproximadamente 100 mil habitantes (um caminhão para cada 25 pessoas). Destaque no agreste sergipano, Itabaiana também é dona de um dos maiores comércios do Estado. O evento recebe, anualmente, caminhoneiros e turistas do Brasil todo, que vão à cidade conferir uma vasta programação festiva, enfatizando a cultura do município. A data se inclui na chamada Trezena de Santo Antônio, festividade do padroeiro da cidade, que acontece por 13 noites. No dia 12 de Junho de cada ano, os caminhoneiros são homenageados com grandes shows, brincadeiras e sorteio de prêmios. A festa está também no Calendário Nacional de Eventos, ocorrendo concomitantemente com a famosa Feira do Caminhão, que, numa grande exposição, reúne empresas ligadas ao setor.
Dentro da festa, há, por exemplo, a escolha da Rainha dos Caminhoneiros, um torneio de futebol e outras atividades. A carreata, que faz parte da festa, começa ainda de madrugada e acompanha o evento, que transcorre por todo o dia. Além de festas dessa envergadura, também existem pelo país diversas exposições e Feiras de Transporte, já que o caminhoneiro carrega consigo um mercado bastante importante. Além de servir à indústria, ele criou seu próprio nicho, e diversas empresas trabalham diuturnamente para servir esse público tão peculiar. A Serra Gaúcha tem diversas festas tradicionais: Festa de Nosso Senhora Aparecida e dos Motoristas, em São Marcos, que também é considerada a terra dos caminhoneiros, porque é uma das cidades que possuem a maior quantidade de veículos per capita do País. As festas de Antônio Prado e Garibaldi realizam uma série de eventos. Em meio à exposição de equipamentos rodoviários e acessórios, não faltam os shows musicais e farta distribuição de brindes.
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cultura de para-choque
Muitas frases que estão no gosto popular passaram e ser conhecidas
Brasil afora, mercê de uma paixão de caminhoneiro: traduzir a sua alma pela comunicação visual de um letreiro que tem por base o para-choque do seu companheiro.
Lampejos de cultura, religiosidade, humor, sarcasmo, protesto, assim são as frases de para-choque de caminhão. Selecionamos algumas, revelando um pouco do que pensa o caminhoneiro sobre os aspectos da vida, entre a poesia com que fala da vida e a amargura de quem reclama do governo, da solidão ou das saudades de casa e do amor.
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Não perca o bom humor, pois quem achar não devolverá. A saudade é a memória do coração. A distância mostra como é bom estarmos juntos. A felicidade não é um destino, mas uma maneira de viajar. Destruidor de distâncias, devorador da saudade. Dirijo devagar, tenho pressa de chegar. Minha vida é uma rede que o destino balança. Movido a chimarrão. Na vida tudo passa, até uva passa. Sob a sombra do altíssimo. Respeite o meu trabalho que respeitarei seu passeio. Sorria, você está sendo ultrapassado.
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Voando sem asa com saudade de casa. A ciência é infalível, quem se engana são os sábios! A confiança mata o homem... e engravida a mulher. A distância mostra como é bom estarmos juntos. A esperança é o sonho do homem acordado. A inveja é sintoma de incompetência. A luz dos teus olhos ilumina o meu caminho. A medicina não cura a dor da separação. A mulher que eu mais amo tem compromisso com meu pai. Cada cidade passada, uma experiência guardada. Carinho é o óleo que lubrifica as engrenagens da vida.
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Com Deus e Nossa Senhora, por esse Brasil afora. É bom ser importante, mas importante é ser bom. Enganar o próximo é fácil, difícil é explicar a Deus! Gato que já levou tijolada não dorme em olaria. Levando as inocentes para matar a fome dos pecadores. [Frase escrita em um caminhão carregado de galinhas...]
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Muitas cidades deixadas, várias lembranças guardadas. Muitos me seguem, mas só um me acompanha. Não vou tão bem como quero, nem tão mal como pensam. Nas rodas deste caminhão, roda o meu destino. No decote do horizonte, vejo o seio da saudade! Nunca é tarde para ser feliz. O mundo inteiro não vale o meu lar. O sol nasce para todos, a sombra para quem merece. Pela cidade se conhece o prefeito. Poeira é vitamina de caminhoneiro. Prá quem tem juízo, estrada não dá prejuízo. Praia de pobre é caminhão de areia. Saiba ir para poder voltar.
Se você não é parte da solução, é parte do problema. Seja dono de sua boca para não ser escravo de suas palavras! Só tem amor quem tem amor pra dar. Velocidade controlada pelos buracos na estrada. Viajo porque preciso, volto porque te amo. Deus é dono do mundo e eu sou filho do dono. A culpa é minha e eu coloco em quem quiser. O rico pega o carro e sai... O pobre sai e o carro pega! Na vida tudo é passageiro, menos o motorista e o cobrador. Boa romaria faz quem em sua casa está em paz. Pai que trabalha muito, filho nasce cansado. A chave da educação abre todas as portas. A vida é como um dado: tem os seus pontos marcados. A saudade é companheira de quem não tem companhia. Com Deus na mente viajo contente, sem acidente. Em festa de formiga não se elogia tamanduá. Deus ilumina os caminhos da minha vida. O amor é luz que não deixa escurecer a vida. A motivação é o que te faz começar; o hábito é o que te ajuda a continuar.
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cAUSOS
Os causos na vida de caminhoneiro são muitos. Alguns cronistas já os
apelidam de pescadores do asfalto, por causa das suas estórias sem fim... Algumas delas são corriqueiras e perfeitamente explicáveis. Outras, não.
Entre as histórias contadas, há alguns casos de fenômenos sobrenaturais, como visões e assombrações, vistas por mais de uma pessoa. Para situações assim, as explicações são bem diversas, mas sempre hipotéticas, já que não se pode afirmar, com toda a certeza, as razões pelas quais essas coisas acontecem.
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Algumas assombrações chegam a ficar, inclusive, famosas num trecho rodoviário e, como quem conta um conto acrescenta outro, logo surgem diversas histórias. Isso sempre causa alguma reação (medo, receio), tanto naqueles que acreditam quanto nos mais céticos. O caminhoneiro Valério Voos , da região catarinense de São Miguel d´Oeste, há 22 anos na estrada, fala de um caso que aconteceu na região de Sertanejo (PR). A gente viajava sempre à noite por essa região. É uma estrada bem acidentada, com muitos buracos, e sempre tinha uma mulher, uma noiva, pedindo carona. Um dia, um amigo meu deu carona para ela e, chegando ao posto policial, ela mandou parar. Quando ele olhou para o lado, ela não estava mais. Ele chegou em desespero muito grande na polícia rodoviária. Até o policial falou que era uma assombração. a recomendação é que, em hipótese alguma, se dê carona, para quem quer que seja. Várias pessoas daquela região dizem ter visto a tal noiva. Paulo Roberto dos Santos Teixeira relata: Uma vez, porque estava com sono, parei e deitei no caminhão, com ele parado, mas tava sonhando que estava dirigindo e o caminhão ia bater;
nessa hora dei um ronco forte e acordei... no que acordei, lembrei que o caminhão estava parado. Não sei se era assombro ou não, outro caso acontecido no Rio de Janeiro (RJ), na época do carnaval, quando levava uma carga de urgência. Só que eu tinha medo de dormir de fora do caminhão por causa da carga da empresa, uma escola de samba. A empresa fica numa região onde aconteceu muito confronto político, preso político em um quartel; morreu muita gente de tortura por lá, na época do regime militar. Até hoje dizem que é meio assombrado por lá. O pessoal já tinha carregado; perguntaram se deixava o ventilador ligado, disse que sim, pois estava calor, entrei no meu amarelão, fechei a cortina e dormi. Não sei se sonhei ou se era realidade: de repente ouvi um barulho que nem o de avião; veio uma gritaria, uma agitação. estavam falando: – Vamos aproveitar que ele tá dormindo e matar ele sufocado; aproveita e apaga a luz que ele tem medo do escuro. – Ai meu Deus, ai meu Deus, acendi a luz e parecia que atrás tinha gente correndo. O medo foi tanto que me fechei no caminhão, cobri a cabeça e fiquei rezando: – Me salve, me salve, – quase no choro, e caí no sono. Quando acordei, estava tudo normal. e aconteceu a mesma coisa com outro colega que ficou perturbado, foi em um outro dia, quando eu não estava lá. O gerente do lugar colocou uma santinha, naquele lugar. Eis Luciano Gimenez Maciel, para nos falar de algo surpreendente... Estava indo de Mato Grosso para Goiás, eram 3 h da manhã e eu estava sozinho. Eu estava com vontade de rodar, estava tranquilo. Quando, no meu PX 16 dava para escutar dois caras se falando: – Tubarão! Estou levando batatas. – Certo, Tubarão!
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Só que eles não diziam o local em que estavam, daí eu resolvi puxar conversa: – Tubarão, boa noite, tá na escuta? Aqui é tubarão da serra, estou indo para tal lugar. Só que ninguém me respondia, mas eu ouvia os dois caras conversando. Bom, eu pensei: eles devem estar na minha frente, estão conversando e não estão me escutando. Eles deviam estar uns dez quilômetros na minha frente. Aí um fala para o outro:
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– Cuidado tem um cara sozinho na tua contramão, não vai atropelar. Eu ouvi isso, e 5 minutos depois, passei por esse cara na contramão, pensei: esses caras não estão longe de mim, acelerei e nada de encontrar os caras. Eu ouvia eles nitidamente e nada de encontrar os caras. Depois um falou: – Na sua direita tem uma mulher de “pé de breque”16 com o pisca ligado, mas não para, não! Aí, eu passo pelo carro no acostamento. Pensei: eles estão muito perto. Aí um deles falou: – Cuidado! Tem um homem sem cabeça na estrada!... Aí, eu gelei, eram três da manhã. O que consegui fazer foi dar uma gargalhada e pensar que só faltava a mula sem cabeça na estrada. Então, parei no primeiro posto e fiquei por lá, não com medo, mas pela situação. Evanísio dos Santos nasceu em Caxias do Sul (RS); há 14 anos é caminhoneiro. Para ele, nem um dia é igual ao outro, nenhum deles segue uma rotina. E ele gosta de ir contando as aventuras e as brincadeiras que acontecem na estrada: Já fiz uma brincadeira com os colegas que passavam numa rodovia em Santa Catarina, na Serra do Espigão. Eu tinha um celular com lanterna 16
NE. Pé de breque = que breca muito, que anda devagar.
e um pessoal vinha descendo a serra. Pelo rádio amador, escutei que diziam que a serra era assombrada, que não era bom passar por lá, perto da meia-noite. Então, enquanto subia a serra, liguei o rádio e fiquei só ouvindo os colegas falando. Encaixei o celular entre os botões da camisa, de forma que a lanterna só iluminava o meu rosto de baixo para cima, e fiquei lá parado na cabine do caminhão na beira da estrada, só esperado os bobos. Era o olho na estrada e o ouvido no rádio. Os colegas foram descendo, falando um para o outro que lá aparece assombração assim, o outro dizendo que o fantasma que por lá aparece era assado, cada um contando uma história de alma penada e o outro vinha e falava de aparição. Quando eles me viram... Ah! quando eles me viram, tive que me esforçar muito, muito mesmo para não rir deles. Eles saíram cantando pneu, se escafederam e, de ouvido atento no rádio, ia me esborrachando de rir. Eles diziam: – Ave, Vixi Santa! A assombração tá lá, tá bem ali. Eu vou tratar de ir embora. Foi uma das melhores peças que eu já preguei por um bom tempo... Teve um caso engraçado em Jacareí (SP). Estava eu vindo do Rio de Janeiro e dois guardas rodoviários me pegaram, já em Jacareí. O caminhão era tão velho, que mais parecia sucata; pneu não tinha mais. Um guarda veio e me pediu os documentos e o outro foi para a frente, fazer a vistoria do caminhão e depois deu uma volta em torno do caminhão. Na verdade, todo o caminhão estava irregular. Não tinha luz, não tinha pneu: era uma bagaceira só. Quando o guarda que fazia a vistoria estava junto dos pneus do jacaré, o pneu estourou. O guarda deu um pulo daqueles e o bonezinho dele foi rodando para o meio da pista. Eu ri da situação, pois achei muito engraçado. O guarda que estava falando comigo queria me prender, embora ele risse também, mas tentava ficar sério e ria de novo. Ele queria me punir por rir do colega dele. O guarda veio me perguntando: – Do que você está rindo? – E eu disse para ele: – Ué você não viu o seu colega? Ele acabou de levar um susto e dar um
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pulo desta altura e o quepe dele foi rodopiando lá pro meio da pista! O guarda disse que ia me prender por desacato, mas acabou me liberando. Certa vez, eu estava em Curitiba (PR), indo para São Paulo (SP). Era umas 2 horas da manhã; naquela hora que dá bobeira, que chega o sono. Passava por um caminhão antigo, jacarezinho. Tava derrubado. Quando eu estava bem do lado daquela velharia, estourou um pneu dele, me dando um susto danado! Parecia um tiro. Por pouco não me matou de susto.
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Alexandre Braga, há 13 anos apreciando a liberdade na direção de caminhão, relata que certa vez indo de Belém (PA) para Manaus (AM) teve de pegar a balsa. Permaneceu no caminhão, diferentemente de outros que embarcam o caminhão e seguem de avião. Durante a noite, presenciou uma cena absurda. Estavam roubando a carga dos caminhões, toda carga eletrônica dos caminhões estava sendo roubada, e por quem menos se suspeitaria. Mas a Polícia Federal chegou e prendeu todos em flagrante; estavam há dias observando e estudando a movimentação, apenas aguardando o melhor momento. Os ladrões eram os funcionários da própria balsa! Conta-se que, quando tinham testemunhas, aparecia notícia nos jornais de que o caminhoneiro bebeu demais e acabou morrendo afogado. Tive sorte da polícia aparecer, senão vocês nunca saberiam disso. Nivaildo da Silva nasceu em Rio Claro. Nos diz: De carreta tenho uns seis meses. Estava em Minas Gerais, vindo para São Paulo, abasteci num posto e dei carona para o frentista que vinha para São Paulo. Seguíamos viagem quando deu no rádio PX: formou um pouco de fila com muitos caminhões. Ao nos aproximarmos, vimos que era um acidente. o carona olhou e disse que o caminhão do acidente era
do pai dele e pediu para pararmos. Ele foi lá ver e o motorista tinha morrido queimado ali, na hora. O coitado entrou em desespero e nem quis seguir viagem; foi impressionante. Estávamos conversando, alegres e de longe ele reconheceu o caminhão do pai! A cabine estava toda queimada. Foi uma batida com um carro preto; estourou o tanque do carro e pegou fogo em tudo, matando seu pai! Olinto Lemes Domingues é caminhoneiro, entre idas e vindas, há uns 35 anos. Gosta de conhecer lugares novos, da liberdade, das amizades que se fazem e se encontram aqui e acolá. Ele e sua esposa estavam fazendo a viagem juntos; pararam para fazer o café da manhã e conversavam tranquilamente sobre ir comprar leite. nem podiam imaginar o que aconteceria a seguir. Nesse exato momento, inesperadamente, uma mulher entra dentro do caminhão; ela queria, porque queria, que eles fossem para a casa dela. Pedia, exclamava, insistia. Olinto acreditava ser uma amiga da esposa e a esposa acreditava ser conhecida do esposo. O marido dessa mulher chegou e explicou que ela estava confundindo a esposa com a irmã e cunhado que não via há anos. Olinto relata uma história muito marcante que aconteceu com um colega. Esse colega fazia um mesmo trajeto durante um longo tempo. Nesse percurso ele costumava dar carona para uma menina que ia para a aula todos os dias. Ele fez uma viagem diferente da habitual, quando voltou não viu mais a menina. Toda dia ao passar por aquele local com os olhos procurava por ela, mas nada via. Depois de 30 dias a menina aparece novamente no mesmo lugar e estava vestida por inteira de branco; ela pedia e insistia para que ele fosse à casa de seus pais. Passou o dia pensando no pedido, se ia, se não ia, enquanto trabalhava. Decidiu e no dia seguinte foi até a casa
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dos pais da menina. Ficou perplexo com o que ouviu, os pais contaram que esse era o dia exato da missa de 30º dia dela. Certa vez teve um colega que viu uma mulher chorando na pista, ela dizia: – Meu filho! Meu filho está lá embaixo no carro!
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O colega ficou tocado e comovido com a cena, que decidiu sair e ajudar. Olhou o enorme barranco abaixo e começou a descer. Qual não foi a surpresa de, ao chegar no carro todo batido e estropiado, encontrar a criança viva no banco de trás e uma mulher no volante, a mesma mulher que lhe pedira ajuda lá no alto, na beira da pista. Porém essa estava morta, definitivamente. Tem um caso de assombração, relata Alexandre Braga, no quilômetro 565 da Rodovia Régis Bittencourt. Há logo antes numa curva, o Buraco do Lula. Neste local, do lado contrário ao que se vira na curva, tem uma serra muito bonita com grandes pedras. dizem que, no pôr e nascer do sol, aparece, em cima daquelas belas pedras, uma linda mulher sentada que acena para os motoristas. Eles, ao virarem a cabeça para enxergar melhor aquela imagem de figura feminina, passam reto na curva. É certo que termina em acidente! O caminhão é o que mais gosta o catarinense de Mafra (SC), Dirlei Andrzejewske, 33 anos. Há uns 12 anos caminhoneiro, diz que há seis anos atrás, ao passar por General Carneiro, pela estrada do Paraná, no quilometro 153 o cavalo do caminhão que dirigia saiu do pivô, provocando uma grande confusão. Mais recentemente, cerca de um ano atrás, estava em Caxias do Sul (RS), eram 8 horas da noite, quando um amigo ia partir, rumo a São Paulo, carregado com base da Randon. Estava chovendo, chovendo tanto, parecia que iria cair um pedaço do céu. O barro era tanto, mas tanto que chegava à altura do joelho. O caminhão dele não queria pegar. mexe dali, fuça daqui
e nada de funcionar. Fui ajudar. Puxa, solta, aperta, rosqueia, abre, fecha, mexe, remexe e acabamos tomando um banho de diesel. Ficamos das 8 horas da noite até às 3 horas da madrugada para fazer aquele caminhão funcionar; também, dali até a entrega não houve mais problemas. Somente por amizade para, de graça, tomar banho de diesel e gostar de ver o caminhão partindo. Certa vez, indo de Caxias do Sul (RS) para São Paulo (SP), já na terceira viagem da semana, íamos em três caminhões, um na frente, eu e o outro seguindo logo atrás, todos carregados. Na saída de São Paulo, passando da Marginal Tietê para entrar na Dutra, há uma curva; reparei numa peça caída, mas não dei muita atenção. Chegamos aliviados ao local de entrega; depois de tanta viagem emendada uma na outra, queríamos parar um pouco, refrescar a cabeça, quando íamos sentar chega o conferidor, ele vinha caminhando direto em nossa direção. Veio nos dizer que estava faltando uma peça. Imagina, bobagem, disse um colega, quando saímos estava tudo certo, verificado, checado, conferido e reconferido. Fomos até lá dar uma olhada e nada da peça. o conferidor estava certo. Ficamos a pensar como poderia ter desaparecido, pois peça não evapora, nem sai andando por conta própria por aí. Foi quando veio a lembrança, daquela peça lá perto da Marginal. devia ser a peça que faltava! Pensamos, trocamos ideias e para ter certeza fomos lá. E não era que era a danada! o cansaço faz cada coisa... acredite se quiser.
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Receita
Pouco atrás, falamos de uma tal farofa de caminhoneiro. Mas o que vem
a ser isso. Você não sabe? Ora, temos aqui a receita que um deles nos forneceu. Testamos e aprovamos!
Farofa de Caminhoneiro Ingredientes
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1 xícara de linguiça frita e cortada em rodelas 2 xícaras de farinha de milho 1 xícara de cheiro verde bem picado; azeitonas a gosto 2 ovos cozidos e picados 1 cebola picada 2 dentes de alho picados Sal a gosto; água, cerca de 1 xícara Óleo de girassol, para refogar Sendo uma questão de gosto, escolha a linguiça de sua preferência (toscana, calabresa ou caipira).
Preparo Frite a linguiça, ou asse na churrasqueira, corte em rodelas e reserve. Adicione água à farinha de milho, aos poucos, para ficar ligeiramente úmida. Reserve. Refogue a cebola e o alho, até a cebola murchar, sem dourar. Acrescente os demais ingredientes e refogue por alguns minutos, mexendo sem parar, para não grudar no fundo e misturar bem. Dica: use uma frigideira de ferro ou uma panela grossa. Se for panela fina, pode pegar no fundo, e prejudicar o paladar. Rende 6 porções, e é ótima para acompanhar churrascos e assados.
SORAIA LJUBTSCHENKO MOTTA
Na verdade, a farofa é preparada para acompanhar carnes, mas muitos motoristas só têm tempo de aquecer (quando aquecem) a farofa, e a comem assim mesmo. Esse é um dos pontos que o profissional tenta riscar, ou seja, eliminar das jornadas longas, para ter tempo para uma refeição bem feita, por ele mesmo ou num restaurante. O caminhoneiro tem várias receitas aprimoradas ao longo dos anos, mas esse tempo romântico do aventureiro que aquece a boia no fogareiro está terminando, ademais muitas empresas oferecem a alternativa de refeições completas em pontos de descanso. A farofa já foi refeição muito prática para o caminhoneiro que viaja sem parada, pois ele podia, a qualquer momento, agregar um pouco de frango ou de carne grelhada... e a semana corria.
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conclus達o 142
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e forma simplificada, pode-se dizer que este livro mostrou a existência de dois grandes problemas relativos aos caminhoneiros, afetando a eles e as transportadoras, com reflexos sérios para a sociedade e para a economia do País, já que a maioria do nosso transporte de bens é feito por meio da rodovia. O primeiro deles decorre das inovações tecnológicas das cabines, que a cada dia estão mais sofisticadas, demandando que os condutores tenham mais competência, melhor qualificação, precisando conhecer bem o computador de bordo e usá-lo adequadamente. No entanto, como se mostrou, a razão que levou os atuais e os mais velhos caminhoneiros a seguir a profissão foi uma remuneração razoável para os nossos padrões, para pessoas de pouca escolaridade. Atualmente existe a exigência de maior escolarização e preparo. No entanto, como vimos, o jovem com tais conhecimentos tem muitas outras oportunidades mais atraentes. Ademais, o caminhoneiro tem hoje uma imagem social muito ruim. Tornou-se um vilão. Ele é o que acidenta, é o que passa por cima dos carros, é o que sofre assaltos, é o que corre altos riscos. É uma
profissão que tem uma imagem social de coisa de grande risco, e, portanto, os pais não querem que seus filhos se exponham a tais perigos e os amigos desaconselham. A consequência imediata, que já estamos assistindo, é a falta de mão de obra com e até sem qualificação, e pátios com caminhões parados, por falta de quem se interesse, de pessoas que queiram dirigir caminhão, e não só de quem saiba dirigi-los. Então, o grande perigo é um possível apagão da mão de obra especializada. Existem alguns projetos do SEST/SENAT de se fazer uma grande mobilização de treinamento básico, para a formação de novos caminhoneiros e muitas empresas também estão preocupadas e fazendo por onde. Entretanto, o nosso segundo, e bem grande problema, não esta nem no curso, nem no treinamento, está no recrutamento de pessoal, para uma profissão que até hoje vinha acontecendo em decorrência de uma continuidade familiar – como muitas outras profissões – uma continuidade de pai para filho, de tio para sobrinho, uma continuidade que hoje não mais acontece. Os pais caminhoneiros – e este livro mostra bem este aspecto – não querem que seus filhos continuem nessa profissão. A grande razão
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para tal recusa é, em primeiro lugar, a baixa qualidade de vida que se desfruta. Sentem o distanciamento da família, o distanciamento dos amigos, o relacionamento muito escasso com eles, uma vida afetiva pobre. Conforme se mostrou, o relacionamento do caminhoneiro é insatisfatório em todas as etapas. É pobre na empresa onde trabalha porque ele só entra, carrega ou descarrega e sai. É pobre onde ele estaciona para comer, já que tem um tempo reduzido para isso, pois precisa correr para entregar a mercadoria. E quando ele volta para casa é para ficar bem pouco tempo e, portanto, nem sempre pode construir uma relação afetiva suficientemente confortável. Porque, claro, é a hora de ouvir todas as reclamações, de tomar conhecimento de tudo que aconteceu com os filhos e ser solicitado e tomar medidas a esse respeito, e até de resolver outros problemas domésticos, por exemplo, estudos dos filhos, consertos ou pendências com os vizinhos. Como, então, ter uma qualidade de vida ao menos razoável? Existem saídas? É claro que existem. E a primeira delas é a que está
sendo praticada em outros países: é uma mudança radical na condição de trabalho desta pessoa, que não pode se resumir a uma simples diminuição na carga horária de direção. Pois é principalmente com isso que as autoridades (Senado e Câmara dos Deputados) estão preocupadas, ao regulamentar a lei referente à profissão de caminhoneiro. Só reduzir a carga horária não irá resolver o problema desses profissionais, pois o que eles precisam é de condições em um trabalho que lhes proporcione qualidade de vida. E existem interessantes propostas que poderiam ajudar a resolver essa questão, e várias outras, certamente, surgirão se muitos se debruçarem sobre essa questão. Este livro gostaria de propor, exatamente, uma ampla discussão a esse respeito. Uma delas, já adotada por empresas de ônibus com linhas de maior percurso, é o rodízio dos motoristas. Outra proposta, como se mostrou aqui, já sendo praticada por algumas empresas, é a preocupação com a relação de seus funcionários, quando eles chegam para descarregar, proporcionando a eles um acolhimento melhor, em suas Casas do Cliente, dando a eles um mínimo de relacionamento, para que
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possam, enquanto esperam, assistir a um filme, junto com outros caminhoneiros, e conversar com eles, que possam fazer um joguinho, ler uma revista ou um livro, colocados à sua disposição, que eles disponham de uma alimentação boa e fornecida adequadamente. Coisas simples, mas que dão a eles um ambiente que propicia qualidade de vida. As Casas do Cliente são poucas no Brasil, mas começam a existir e, com isso, a aumentar a satisfação do caminhoneiro, sua produtividade, e até seu gosto pela profissão, bem como seu interesse em aconselhar os filhos a seguir seus passos. Então, a grande discussão que este livro gostaria de incitar em todos os que estão envolvidos – caminhoneiros, empresas, associações de classe e políticos – é como garantir maior qualidade de vida para esse profissional. porque em havendo mais pessoas contentes na profissão, elas ficariam interessadas, pois muito do que o caminhoneiro faz já é cativante. Por exemplo, dirigir é algo que fascina jovens e adultos, uma vez que operar uma máquina possante é gratificante. Viajar também é outro aspecto que agrada a muitos. Na hora em que se garantir uma boa qualidade de vida para o caminhoneiro, teremos mais gente interessada nesse tipo de trabalho.
O essencial, o quanto antes, é por em discussão essa questão e não apenas pensar em só garantir que ele não trabalhe mais do que tantas horas por dia, pois carga horária e até remuneração, embora importantes, não são as queixas principais reveladas pelos caminhoneiros. O que eles mais querem é ter uma boa qualidade de vida. O ideal, então, é fazer-se um amplo fórum de discussão de como melhorar a qualidade de vida do motorista de caminhão. Em havendo tal discussão, surgirão mais sugestões para que mais e mais pessoas possam se interessar pela profissão. Sem se esquecer, também, da grande e fundamental saída, que é o investimento em treinamento e em novas tecnologias para desenvolver o profissional caminhoneiro. É o fundamental para que consigamos preencher as vagas ociosas e evitemos o apagão que se prenuncia, e tenhamos caminhoneiros no futuro.
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Dados completos dE levantamento dE opiniĂŁo de motoristas de todo o Brasil (total geral)
ApĂŞndice A
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151
O
presente apêndice fornece o conjunto completo dos resultados obtidos, seu Total Geral, com a aplicação de um Levantamento de Opinião, patrocinado pelo Instituto Elisabetha Randon, realizado de agosto de 2010 a março de 2011, por Marco Tecnologia (Marcotec), coordenado por Nereide Tolentino. Dele participaram 1.512 caminhoneiros/caminhoneiras que frequentavam as duas Casa do Cliente – Randon, a de Caxias do Sul (RS) e a de Guarulhos (SP), provenientes de todos os 26 estados brasileiros e do Distrito Federal, bem como alguns profissionais de dois outros paises (2 da Bolívia e 6 do Uruguai).
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Os resultados obtidos serviram de embasamento para a presente publicação, ao lado dos dados decorrentes das entrevistas com caminhoneiros, transportadoras, restaurantes de estrada, atendimentos de saúde ao longo das rodovias e outros, de modo a complementar a visão atual das condições de trabalho do caminhoneiro. As informações principais deste levantamento foram comentadas ao longo dos capítulos. Contudo, muitos dos dados, especificamente dos questionários e formulários, embora não mostrados, são importantes para a completa e melhor compreensão, entre outros, de quem são, como vivem, o que pensam os/as caminhoneiros/as. Por isso, fazemos questão de fornecê-los integralmente, de modo a que o leitor interessado possa ter um conhecimento mais completo a respeito desse importante profissional. Tendo em vista a quantidade de motoristas ouvidos e sabendo-se que todas as unidades federativas do País tiveram representantes no conjunto dos profissionais ouvidos, salientamos, por isso mesmo, que as respostas deste levantamento fornecem um perfil representativo do que é e pensa o caminhoneiro brasileiro, prestando-se, portanto, para servir como bom subsídio para discussões a respeito do assunto. Nesta pesquisa, utilizou-se um questionário, que era respondido por escrito pelos motoristas, ou um formulário – com as mesmas perguntas
– que era anotado pelo aplicador, para transcrever as respostas dos profissionais de menor instrução. Todas as perguntas eram abertas, menos algumas de caracterização pessoal, e foram respondidas individualmente pelos caminhoneiros que, voluntariamente, aceitaram participar da pesquisa, no que gastaram até 20 minutos. As figuras dadas a seguir constituem o Total Geral de todo o levantamento feito, englobando as respostas dos caminhoneiros que compareceram tanto em Caxias do Sul como em Guarulhos, seja para entregar ou retirar produtos nesses locais. Os títulos das figuras (e os das tabelas do Apêndice B) não são as perguntas apresentadas aos participantes, bem como as respostas constantes nelas não foram apresentadas aos caminhoneiros (as questões eram abertas), ambos tão somente constituem categorias resumidoras, para a devida classificação do rico material obtido. Para conhecimento, em separado, dos dados obtidos em cada uma dessas cidades, consulte-se o Apêndice B.
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Dados completos do levantamento da opinião de motoristas de todo o Brasil (total geral)
17
154 Figura22- -Você Vocêcomeçou começou como como motorista, motorista, por Figura porquê? quê? 60% 60% 50% 50% 40% 40% 30% 30% 20% 20% 10% 10% 0% 0%
17
NE. Quando a dispersão das respostas era grande, com bem menos de 15% em cada uma, elas foram reunidas na categoria residual “ Outros”
Figura 3 - Você gostaria que seu filho fosse também caminhoneiro? 90%
80% 70% 60% 50% 40%
30% 20% 10%
0% Sim
Não
155
156
Figura 5B - Tipo da carga 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Variรกvel
A mesma
Figura 5C - Duração das viagens (em média) 45%
40% 35% 30%
25% 20% 15%
10% 5% 0%
1 dia
2 a 5 dias
6 a 10 dias 11 a 15 dias 16 a 20 dias 21 ou + dias
157
Figura 5D - Como viaja na maioria das vezes 80%
70% 60% 50%
40% 30% 20% 10% 0%
Sozinho
Outro motorista
Comboio
Amigos
Figura 6 - Na maioria das vezes, nas viagens, você come
90% 80%
70% 60% 50%
40% 30% 20%
10% 0% Lanchonete/restaurante
Cozinha
Família
158
159
160
161
18
Voando sem asa com saudade de casa. 18
NE.oMOP = Movimentação Operacional Perigosa ou MOPP = Mov. Operacional de Produtos Perigosos.
162
163
164
A esperança Ê o sonho de um homem desperto.
20
165
19
NE. Um esclarecimento a respeito do rebite encontra-se na NE de nĂşmero 9.
166
Figura 17A17A - Já- teve questões desaúde saúdedecorrentes decorrentes disso? Figura Já teve questões de disso? 80%
80%
70%
70%
60% 50%
60% 50% 40%
40%
30%
30%
20%
20%
10%
10%
0% Sim
Não
0% Sim
Não
167
Figura 19A - A preocupação com dívidas faz a pessoa ter quais comportamentos? 50% 45% 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0%
Mau humor
Falta de concentração
Insônia
Falta de apetite
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Figura 17A - Já teve questões de saúde decorrentes disso? 80%
Figura 21 - Você já pensou em parar de trabalhar como caminhoneiro?
0.7 70%
0.6 60% 0.5 50%
0.4 40% 0.3 30% 0.2 20%
10% 0.1 0% 0 Sim Sim
Não
Figura 21A - Por quĂŞ? 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0%
169
Figura 24 - Estado civil 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0%
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Figura 25 - Filhos 40% 35%
30% 25%
20% 15% 10% 5% 0%
1
2
3
4 ou +
Não
Figura 26 - Escolaridade 35% 30% 25% 20% 15% 10%
5% 0% Até 4ª série
Até 8ª série Até 8ª série completa incompl.
Ensino médio completo
Ensino médio incompl.
Universitário
Figura 27 - Religião 90%
80% 70% 60%
50% 40% 30% 20%
10% 0% Católica
Evangélica
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Figura 28E - Residência Centro-Oeste 45% 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% Mato Grosso
Mato Grosso do Sul
Goiás
Espírita
Distrito Federal
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Figura 28E - Residência Centro-Oeste 45% 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% Mato Grosso
Mato Grosso do Sul
Goiás
Distrito Federal
Figura 29 - Há quanto tempo você trabalha nesta empresa?
60% 50%
40% 30% 20%
10% 0% +de 20 anos
10 / 20 anos
6 / 10 anos
1 / 5 anos
Figura 30 - Cargo nesta empresa 90%
80% 70% 60%
50% 40% 30% 20%
10% 0% Motorista
Encarregado/superior
Proprietário/sócio
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Comparativos das respostas dos caminhoneiros que frequentam Caxias do Sul e Guarulhos
ApĂŞndice B
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175 PRECISA-SE DE CAMINHONEIRO
Comparativo das respostas dos caminhoneiros que frequentam Caxias do Sul e Guarulhos Antônio Jayro da Fonseca Motta Fagundes
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Neste apêndice, os dados resultantes do Levantamento de Opinião, realizado por Marco Tecnologia (Marcotec) e coordenado por Nereide Tolentino, para o Instituto Elisabetha Randon, são apresentados, separadamente, para os profissionais que se apresentaram nas duas cidades pesquisadas: Caxias do Sul (RS) e Guarulhos (SP), nas Casas do Cliente – Randon. Responderam enquanto ai esperavam, seja para entregar, seja para buscar alguma encomenda. A quantidade de caminhoneiros que, em cada uma dessas cidades, tomou parte nessa pesquisa foi a seguinte:
A maior participação de profissionais em Caxias do Sul pode ser entendida levando-se em conta que nela a Randon encontra-se estabelecida há 62 anos, tendo uma quantidade bem maior de clientes que, fieis, continuam a frequentar sua sede, diferentemente da Randon de Guarulhos, que conta apenas 5 anos de existência.
Maior longevidade e clientela, certamente, devem acarretar maior abundância de produtos a serem retirados em Caxias do Sul, o que poderia explicar a maior participação de profssionais da cidade gaúcha, quando comparada com a paulista.
No Apêndice A, fornecemos o Total Geral dos resultados da presente pesquisa. Aqui, damos, em separado, cada um dos dois conjuntos de respostas dos profissionais ouvidos, para que se possa compará-los e verificar se e até que ponto eles se assemelham, podendo ou não serem considerados como formando um único grupo e, portanto, se suas respostas traçam um mesmo e único perfil.
Os resultados, mostrados nas 56 tabelas deste apêndice, são uma síntese dos dados de todo o levantamento feito. Em cada tabela, as respostas estão distribuídas na ordem decrescente de sua ocorrência, deixando nos primeiros lugares as de maior importância.
Semelhanças e diferenças Para comparar os dois grupos participantes do levantamento, duas análises foram feitas, considerando-se principalmente as categorias mais importantes, as que concentram o maior número de respostas, escolhidas por maior número de caminhoneiros. Foram consideradas 51 das tabelas, pois 5 delas contêm as mesmas informações, distribuídas de modo a evidenciar outros aspectos (Tabelas 28A até E).
A primeira análise é para verificar a tendência de os dois grupos indicarem (ou não) as mesmas respostas, de terem (ou não) uma mesma opinião. Verifica-se que ambos os grupos têm uma mesma maneira de responder. A segunda análise é feita para saber se, percentualmente, os dois grupos tenderam a dar a mesma importância para as principais respostas que
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escolheram. Para isso, as tabelas foram agrupadas em 4 categorias: Iguais ou Muito Diferentes, levando-se em conta todas as respostas de cada uma e Quase Iguais (diferença até 9% no total) ou Diferentes (diferença a partir de 10%), considerando-se os primeiros dados de cada uma, que são os de maior grandeza/importância. A saber:
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Nota-se que as respostas dadas pelos dois grupos são bem semelhantes (69%), divergindo pouco (31%). Como se mostra a seguir.
São Muito Diferentes quanto a acharem “que os motoristas têm problemas relacionados a dívidas” (Tab. 19) e a “tempo de trabalho na empresa” (Tab. 29).
São Diferentes em 14 análises feitas, quanto: “ao que pensavam na profissão a seguir” (Tab. 1), “à duração das viagens” (Tab. 5C), “a viajar só ou acompanhado” (Tab. 5D), “ter problema de saúde” (7A), “receber informação para melhorar sua qualidade de vida” (12b), “ter tido acidente na estrada” (Tab. 15), “a conhecer ajuda para parar com droga” (16C), a “ter tido questões de saúde por fazer sexo com pessoas encontradas nas estradas” (Tab. 17A), “ao ganho mensal” (Tab. 18), “dos ganhos mensais, quanto está em carteira” (18A), “comportamentos que têm os motoristas endividados” (Tab. 19A), “o que acha que poderia melhorar na profissão” (Tab. 20), “quantidade de filho” (Tab. 25) e “estado onde reside” (Tab. 28).
São Iguais em dois aspectos: “possuir convênio médico” (Tab. 8) e ter “religião” (Tab. 27).
São Quase Iguais nas análises sumarizadas nas 33 demais tabelas. Conclui-se, então, que os participantes, de Caxias do Sul e de Guarulhos, podem ser considerados como formando um mesmo grupo e suas respostas exibem um mesmo perfil de caminhoneiro, o do caminhoneiro que temos hoje no Brasil. Tabela 1 – Importância dada pelos dois grupos para as principais respostas escolhidas
Paciência é a habilidade de desacelerar o motor, quando você sente que está forçando a engrenagem.
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Comparativos das respostas dos caminhoneiros que frequentam Caxias do Sul e Guarulhos
180 20
20
NE. Quando a dispers達o das respostas era grande, com bem menos de 15% em cada uma, elas foram reunidas na categoria residual Outros.
181 Meus far贸is iluminam a estrada e Deus ilumina meu caminho.
182
183
184
185
Quem inventou a dist창ncia n찾o conhecia a saudade.
186
187
21
188
21
NE. MOP = Movimentação Operacional Perigosa ou MOPP = Mov. Operacional de Produtos Perigosos.
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22
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22
NE. Um esclarecimento a respeito do rebite encontra-se na NE de nĂşmero 9.
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195
196
197
198 Para qualquer lugar que você for, vá com todo o seu coração.
199
Realização