um blog para chamar de meu
nanda andrade
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1 em que você acorda com a certeza de que ter ficado na cama era a melhor opção? Estou parecendo dramática demais? Talvez, mas começar o dia com olheiras de panda e se atrasar para uma das reuniões mais importantes do seu trabalho só poderia dar errado. Só que entre chegar muito atrasada com aparência decente e chegar um pouco depois da hora e assustar as pessoas com a minha aparência, escolho sempre a primeira alternativa! Não consigo sair de casa sem passar pelo menos uma base, batom, máscara de cílios e blush. Nossa Senhora das Maquiagens, nunca permita que me falte nenhum desses itens, porque é bem capaz de eu matar serviço, mas não chego de cara lavada! Consegui entrar no escritório depois de um trânsito infernal e quarenta minutos de atraso. A cara do meu chefe não estava das melhores: ele me fuzilava com os olhos. − Parabéns, Alana: mais uma vez atrasada! Só não te dispenso pelo resto do dia, porque precisamos de você para apresentação dessa reunião. – Acredito que aquele velho ranzinza sinta um certo prazer em pegar no meu pé. − Peço desculpas pelo atraso, sr. Antônio, mas é que eu... – Comecei a me explicar, mas fui interrompida de forma abrupta. sabe aquele dia
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− Não quero ouvir desculpas! Ah, e não pense que vai sair impune da situação. Conversaremos mais tarde... – falou com um sorriso sarcástico. Marchei para minha mesa, repetindo mentalmente como um mantra: “Eu preciso do meu trabalho, eu preciso do meu trabalho...” Se não estivesse tão atolada de dívidas, era capaz de mandar esse careca metido a besta ir à merda. Quem ele PENSA que é? Tá, é meu chefe, mas respeito é bom e eu também gosto. Morar em Belo Horizonte, conquistar meus sonhos e ser independente era o que eu mais queria na vida. Mas quando se enfrenta a vida sozinha, com pouco tempo de formada e cheia de dúvidas, as coisas tendem a ficar menos glamourosas. Ser adulta não é tão legal quanto eu imaginava, mas resolvi pagar para ver e tenho tentado bancar esse sonho sozinha. Assim que me aproximei da minha mesa, encontrei uma pilha de papéis e documentos que precisavam ser analisados antes de ir para a reunião. Eu já estava muito cansada e o dia ainda nem havia começado! Apesar de reclamar o tempo todo com a minha família e amigos sobre o quanto eu odeio o meu trabalho, preciso admitir que sou boa no que faço – só não me deram oportunidade ainda de mostrar. Trabalhar com marketing sempre foi o meu sonho; briguei com meus pais para que respeitassem a minha decisão de fazer a faculdade que eu queria, e não medicina; enfrentei quatro anos fazendo estágio e trabalhando duro para, no fim das contas, não fazer o que amo; por um ano fiquei no cargo de assistente e, até então, minhas funções se resumiam a marcar reuniões, analisar contratos, digitar memorandos e participar silenciosamente de reuniões com potenciais clientes – nada muito diferente do que eu já fazia quando era estagiária. Às onze horas da manhã, todo meu trabalho estava pronto. Faltava apenas revisar a apresentação. Essa reunião era de extrema importância para a empresa: se não fechássemos a conta 4
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com o novo cliente, cabeças iriam rolar. E eu já estava com a corda no pescoço. Não podia me dar ao luxo de ficar desempregada, não naquele momento! Ainda tinha que pagar as últimas compras: a nova coleção da Mac, o MiraCurl e a bolsa Schutz. Eu precisava tanto! Não tenho culpa se gostei de três cores de batom e todas ficaram lindas em mim! A paleta de sombras e o blush também eram essenciais, claro. O MiraCurl, aquele modelador de cachos, foi uma compra de investimento, já que não preciso mais gastar rios de dinheiro no salão. Eu sei que foi quase um terço do meu salário, mas valeu cada centavo; e por último a minha bolsa Schutz, outro investimento, pois precisava muito de uma bolsa de qualidade que tivesse uma boa durabilidade, de cor neutra e que me deixasse com cara de executiva. Tudo isso dividido em dez vezes sem juros. Do jeito que ando gastando, a solução é passar no banco urgentemente para aumentar o limite do meu cartão. Na mesa ao lado, estava Fabiana. Como todas as manhãs, ela graciosamente respondia todos os e-mails, resolvia pendências e era profissional. Tanta organização chegava a me irritar: todas as suas três pilhas de papéis em cima da mesa dispostas em: RESOLVIDOS, PARCIALMENTE RESOLVIDOS e ENCAMINHAR. Odeio a Fabiana Oliveira e sua roupa impecável de empresária bem-sucedida. − Tudo bem, Alana? – ela me perguntou, olhando pelo canto dos olhos. − Tudo ótimo! Estou apenas revisando a minha palestra de hoje – disse com falsa calma e simpatia. Com ar de extrema concentração, voltei a olhar para a tela do computador, cheia de palavras, frases e sentenças que eu deveria estar decorando. Mas minha colega de trabalho parecia não se importar em atrapalhar meu dia. − Você sabe que essa apresentação é sua chance de conseguir a promoção que tanto quer, né? Espero que tenha tido Um blog para chamar de meu
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ideias maravilhosas para a divulgação da marca do cliente! Se você conseguir que fechem o contrato de publicidade com a gente, você terá não só o seu emprego garantido, como também um bom aumento no salário... – Depois de soltar essas pequenas bombas de efeito moral, Fabiana se levantou e foi para a cozinha. Argh! Ela precisava me deixar mais nervosa do que já estava? Isso era maldade. Não me dei ao trabalho de responder. Minha melhor resposta seria o contrato fechado e todos do escritório me elogiando, exaltando minhas múltiplas qualidades. Já imaginava a minha promoção e meu novo cartão de visitas: Alana de Albuquerque – Executiva de Marketing. Passei a tarde inteira revisando gráficos, reformulando minhas falas e tentando não deixar que pensamentos negativos tomassem conta de mim. Afinal de contas, era muito fácil as coisas darem errado. Entre os meus maiores medos estavam: gaguejar, cair do meu salto ao entrar na sala, tremer, demonstrar medo, trocar o nome das pessoas, falar um monte de besteiras e, por fim, todo mundo rir de mim. Olhei para o relógio e já eram duas e cinquenta da tarde. Meu coração acelerava e sentia microinfartos. Em dez minutos começaria a primeira reunião que eu comandaria na vida. Era um fato inegável: tinha me tornado uma jovem profissional de sucesso. Está bem, sei que ainda não tinha feito nenhum sucesso, mas pensar positivo não faz mal a ninguém. Ora, todo mundo começa de algum lugar e era normal se sentir assim. Respirei fundo e não me dei outra opção a não ser fazer dar certo. Ai, minha Nossa Senhora dos Empregos!, a reunião havia começado e preciso admitir que estava tão nervosa que não prestei muita atenção nas apresentações. Não conseguiria dizer o nome de ninguém – na verdade, eu sabia o nome de todos eles, mas não tinha como associar cada nome a cada pessoa. Meu Deus! – um grande pavor tomou conta de mim – e se eu tivesse 6
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que chamar alguém pelo nome? Por que eu não consigo me concentrar em momentos de tensão? Por quê!? Não seja estúpida, Alana!, ninguém para no meio de uma reunião e pergunta: “E o que você achou das ideias apresentadas pelo sr. Ernane?” Se me perguntassem, eu daria uma resposta evasiva padrão, como: “Achei muito pertinente”, levaria a mão ao queixo para mostrar profunda reflexão e mudaria de assunto. O importante era continuar com uma aparência profissional, de quem sabia do que estava falando. Meu lema é: mantenha-se confiante e não demonstre medo, eles sentem o medo. Essa era a minha chance e não iria estragá-la. − Criação de identidade visual, reestruturação da marca, relação de custo-benefício, formatos novos de divulgação... As palavras certas saíam da minha boca, mas, de alguma forma, nem eu estava acreditando que eles poderiam querer comprar as minhas ideias com base no que eu dizia. − Gostamos muito da apresentação. Suas ideias agregam valor de marca ao produto. Vamos discutir antes de tomar uma decisão – disse o homem de terno e olhos azuis, cujo nome eu não sabia. Ele me deu um rápido sorriso, enquanto o exército de ternos se desmobilizava rapidamente. Recebi muitos elogios, inclusive do sr. Antônio, que esqueceu que queria ter uma conversa séria comigo − ainda bem. Assim que saí da reunião, estava eufórica. A primeira pessoa para quem eu queria ligar para contar tudo era o Bruno, meu namorado. Estávamos juntos desde o penúltimo ano da faculdade; não éramos da mesma sala, mas estudávamos no mesmo prédio. Ele fez Educação Física e é personal trainer em duas academias, o que me mata de ciúmes e gera muitas brigas entre nós. Por alguns momentos, fiquei indecisa se telefonava ou não para ele. Estávamos brigados. Quer dizer, eu tinha brigado com ele há dois dias e, como sempre, ele dava um tempo para deixar que eu me acalmasse naturalmente, e depois que a poeira abaiUm blog para chamar de meu
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xava acabava me ligando. Mas dessa vez ele estava tão diferente, distante... Fiquei sentada mexendo no celular, olhando mensagens anteriores e deixando que os pensamentos voltados para Bruno e nossos momentos felizes me consolassem. Ele tinha cabelos louros, ombros largos, corpo esculpido... além de um sorriso lindo que não saía do rosto por nada. Adoro como ele me acalma quando estou nervosa, cuida de mim quando estou doente, mexe nos meus cabelos e me diz o quanto eu sou perfeita para ele, e amo o modo como ele... ele... Isso é ridículo! Quero dizer, como uma mulher que se considera bem-resolvida, eu tenho o total direito de ligar para o meu namorado quando bem entender! Sempre odiei joguinhos e regras de relacionamentos. Liguei para ele. − Alô? – Ele atendeu em um tom seco. − Oi, amor, tudo bem? Eu sei que a gente tá meio brigado, mas eu queria conversar com você. A minha temida reunião com os clientes da Aurora Cosméticos foi hoje, e acho que me saí bem. Estou em uma fase bacana no trabalho, finalmente, e queria que as coisas entre a gente também se resolvessem. – A minha voz saiu um pouco embargada, o que me deixou com ódio, pois não queria parecer aflita. − Alana, eu não posso conversar muito. Ainda estou no trabalho. Hoje eu não posso te encontrar, pois minha última aula termina depois das dez da noite. − E sexta? Podemos ir a algum barzinho legal – falei com uma voz firme dessa vez. − Amanhã fica complicado. Tenho um happy hour com o pessoal da academia. Estamos fechando muitas turmas novas e vamos comemorar. Vamos fazer o seguinte: te ligo amanhã para marcarmos algo para sábado. Está bom para você? Agora tenho que desligar. Beijos. 8
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E a ligação terminou sem que eu pudesse me despedir. Queria tanto ter ouvido um “eu te amo” no meio dessas frases! Mais uma vez fui dispensada para que ele pudesse encontrar com os amigos. Guardei o telefone, passei os dedos pelo cabelo e olhei o relógio do computador. Minha vontade era de chorar, mas não podia. Não no meio do trabalho. Tinha acabado de sair de uma reunião satisfatória e começaria a chorar? As pessoas suspeitariam, ou melhor, teriam certeza de que sou louca. Consegui sair do escritório um pouco depois das sete. Minha cabeça estava estourando de dor, mas não importava, eu estava feliz! Sim, decidi que a emoção do dia seria felicidade. Não podia e não deixaria que o Bruno me abalasse. Tive uma conquista, um passo a mais para minha carreira, e iria focar nisso! Meu apartamento estava uma bagunça há dias. Eu sabia que precisava arrumar uma faxineira com urgência, mas o dinheiro tem sido tão pouco que isso estava fora de cogitação. Talvez eu pudesse arrumar um bico, trabalhar como frila e assim teria mais dinheiro para a faxineira. O problema era ter mais tempo para isso. Eu definitivamente não nasci para atividades domésticas. Eu juro que tentei aprender a fazer melhor, mas como diz o velho ditado: como faxineira, sou uma ótima publicitária. Olhando em volta, parecia que tinha passado um furacão – roupas em cima do sofá, roupas na escrivaninha, copos e pratos que ganharam vida e se espalharam para todos os lados, livros, revistas e papéis que resolveram decorar permanentemente o chão. Tudo bem! Era só começar a faxina e rapidinho teria uma casa limpa. Trinta minutos organizando o que iria para o lixo, o que guardaria e o que lavaria já me deixaram satisfeita. Já havia adiantado muita coisa por um dia e terminaria tudo no fim de semana. Estava tão cansada que só conseguia pensar em um banho. Me senti maravilhosamente bem depois do banho quente, vesti meu velho pijama e me joguei debaixo das cobertas da Um blog para chamar de meu
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cama macia. Para o jantar, uma pizza do dia anterior esquentada no micro-ondas, uma taça de vinho para relaxar e um filme de comédia romântica para finalizar. Não consegui achar nada decente na TV, e me pego pensando em ligar para casa. Queria já saber a resposta da reunião, para poder contar a novidade para meus pais e para Luana, minha irmã, a filha preferida deles que cursava medicina. Eu só iria dizer casualmente: “Ah, tenho novidades, fui promovida! Agora consigo pagar minhas contas em dia e não sou a fracassada que vocês pensam.” O telefone tocou e me assustei – seria muita coincidência se eles estivessem me ligando. Nem poderia ser o Bruno, já que havia me dito que só ligaria no dia seguinte. Era o número da Naty piscando na tela do celular. − Oi, Naty. – Atendi com uma voz de quem já estava pronta para dormir. − Oi! E aí? Como foi? Natália. Ou Naty, para os íntimos. Minha amiga mais antiga e também minha companheira em aventuras amorosas desastradas. Sempre saímos e entramos em histórias de amor épicas que terminam tão rápido quanto começam. Estudamos juntas no colegial, mas na época da faculdade ela resolveu que queria ser advogada e seguimos caminhos diferentes, porém nunca deixamos de ter contato. Agora ela mora aqui em Belo Horizonte também, desde que conseguiu um emprego em uma multinacional. − Acho que vou conseguir o contrato. Mas não quero ficar feliz demais antes de ter certeza – respondo apressada. − Isso é maravilhoso! Temos que marcar uma saída para comemorar. Sei que não quer cantar vitória antes da hora, mas preciso conversar e te contar umas novidades também. Mas dessa vez queria uma noite só das meninas. Nada do seu namorado a tiracolo. Pode ser amanhã, às oito da noite, em algum barzinho na Savassi? 10
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− Amanhã? Acho que amanhã... − Ah, não! Não tenta me enrolar com alguma desculpa esfarrapada de novo – ela me interrompeu, impaciente. − Você anda muito antissocial ultimamente. Ou fica em casa comendo, vendo filmes e se sentido triste ou está com o Bruno. E eu? Poxa, preciso te encontrar! Se você não sair comigo amanhã, te busco à força! − Tá bom, tá bom. Não precisa ficar brava! Te encontro amanhã. O Bruno já me dispensou mesmo para sair com a turma da academia. Me manda mensagem depois falando em qual barzinho que você vai estar, ok? – respondi automaticamente. Não teria como vencer essa briga com a Naty. Ela estava certa, fazia tempos que eu evitava sair só com ela. Entrei em uma rotina de trabalho-casa-namorado. Precisava sair dessa pequena bolha que tinha criado. − Ótimo. Amanhã conversamos com mais calma e acho que você vai ficar incrédula com as novas notícias. – Agora ela tinha me fisgado: fiquei curiosa com todo o mistério que ela estava criando. Ao desligar o telefone, senti uma onda de alívio: finalmente podia descansar e não pensar em nada. Liguei meu notebook e fiz meu percurso natural de todos os dias: checar e-mails, entrar no Facebook, entrar no Twitter e perder horas e horas visitando os meus blogs e vlogs de moda preferidos. Todas as noites, visito pelos menos uns cinco blogs. Amo ler as dicas de moda, conhecer as novidades do mercado. Admito que fico louca com os looks do dia, tutoriais de maquiagem, cabelo e tratamentos de pele. A vida seria tão fácil se eu pudesse ser uma dessas blogueiras e vlogueiras. Elas ganham para se vestir bem, fazem fotos com roupas lindas, vivem viajando e têm um estilo superfashion. Não precisam acordar cedo, enfrentar trânsito e dar de cara com um chefe chato todo santo dia. Um blog para chamar de meu
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Será que eu conseguiria manter um blog assim? Bem, era uma ideia a se pensar. E se desse certo? Eu gasto muito comprando as novidades de moda e beleza, mas se o blog fizesse um pouco de sucesso, eu poderia receber bastante coisa e até gastar menos!
Por algum milagre, acordei na hora certa. Precisava seriamente parar de ficar até de madrugada na internet. O vício de estar sempre on-line era maior do que qualquer vontade própria. Eu juro que tentava ficar longe dos vários blogs, vlogs e informações de moda, mas não dava, eu sempre queria ler mais um pouco, ver mais um vídeo no YouTube e, quando me dava conta, tomava aquele susto porque já passava de uma da manhã. Não era pra menos que minhas olheiras aumentavam a cada dia. Cheguei ao escritório pontualmente às oito da manhã, agradecendo aos céus que já era sexta-feira. Como sempre, a minha mesa já estava atolada de papéis, mas a alegria da proximidade do fim de semana não deixou meu bom humor, que aparece raramente, ser abalado. Fiquei o dia todo colada ao lado do telefone esperando uma resposta do sr. Matias Martins – esse era o nome do cara de terno e olhos azuis da reunião, o presidente da Aurora Cosméticos. Para a tristeza dos meus nervos e infelicidade da minha ansiedade, a resposta seria dada apenas na segunda-feira. Um fim de semana de tortura, que maravilha! Consegui sair do trabalho um pouco mais cedo, e era tudo de que eu precisava, pois tinha que retocar a maquiagem, dar um jeito no cabelo e ir direto para o bar encontrar a Naty. Acho que fiz milagre com minha roupa básica do trabalho: calça jeans escura, sapatilhas e camisa social preta. Mudando os acessórios certos e colocando um sapato de salto (que sempre 12
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deixo no trabalho para essas emergências), estava pronta para uma saída. O Utopia era um bar novo, por isso era a sensação do momento entre os jovens, solteiros, casais e baladeiros. Cheguei na porta e havia uma fila enorme; acho que BH inteira resolveu dar uma esticadinha do expediente. A fila estava dando voltas no quarteirão, o que quase me fez voltar para casa, mas promessa era dívida e precisava ouvir a novidade da minha amiga. A entrada era rústica, toda decorada com madeira maciça. Lá dentro, o ambiente era iluminado por poucas lâmpadas e muitas velas arranjadas sobre as mesas. Em uma das paredes as janelas eram grandes, de vidro, e iam do teto ao chão, exibindo as luzes da cidade. Havia um som ambiente gostoso e, pelo que percebi, mais tarde haveria apresentação de uma banda de pop rock. O lugar todo era feito sob medida para um encontro romântico, o que só fazia aumentar as minhas saudades do Bruno. Embora tenha desejado um milhão de vezes ter ido direto para casa, no momento em que entrei naquele bar percebi que precisava me divertir. Estava exausta. Precisava relaxar para reavaliar a minha vida, que estava tomando um rumo diferente daquele que eu sempre sonhei para mim e não sabia como tomar as rédeas da situação. − Não acredito que você realmente veio! – Naty disse assim que me viu. – Já estava esperando uma ligação sua me dizendo alguma bobagem para escapar. − Você não me deu escolha! Além do mais, usou de golpe baixo comigo. Você sabe como sou uma curiosa nata e fez tanto mistério sobre essa tal novidade... – falei enquanto me sentava à mesa. − Você já conhecia o Utopia? – ela perguntou, com mais animação ainda. − Ainda não. Gostei do ambiente, apesar de estar lotado. Você já tinha vindo aqui? Um blog para chamar de meu
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− Já, sim, várias vezes! Esse lugar é muito especial para mim... – Ela me disse isso com um brilho misterioso no olhar. − Como assim “veio aqui várias vezes”? E pelo seu jeito de olhar, já entendi tudo: qual o nome do cara, amiga? Você está com cara de apaixonada. Só não estou entendendo por que ainda não tinha me contado que estava com alguém. Você sempre me liga contando tudo assim que acontece! – aí falando em disparada, sem deixar que Naty me respondesse nada. − Eu ainda não te falei nada porque estava com medo da sua reação. É que não estou namorando um cara qualquer. E... – Agora ela parecia apreensiva, e eu estava ficando assustada. − Espera aí, antes de você me contar qualquer coisa, me deixa pedir algo para beber. Estou sentindo que vou precisar. Uma hora e vários chopes depois, resolvemos voltar ao assunto. − Por um instante achei que você me contaria que estava grávida, que iria mudar de país ou algo pior. Juro que não vou fazer julgamentos precipitados. Sei que costumo ser muito teimosa com minhas opiniões. – Que fique claro que tentei dar abertura para que ela me dissesse tudo e, ao mesmo tempo, se sentisse confortável. − Meu Deus, Alana! – Sua voz demonstrou alívio. – Estava tão assustada com a sua reação que pensei que não teria coragem de te contar. Naty tomou mais um gole, deixando seu copo quase vazio, e se voltou para mim. Daí começou a rir uma risada nervosa e sem sentido. − Voltei a namorar o Henrique! E, antes que você pense em me interromper, me deixe terminar. − Eu não disse nada... − Mas já ia dizer, que eu sei – falou, me fuzilando com os olhos. − Sei que ele é um dos meus ex-namorados de que mais reclamei com você. Ele foi um cafajeste, me traiu e me deixou em uma fossa gigante por meses. Mas ele também foi o cara com quem realmente sonhei me casar. Ele foi o único que conseguiu despertar em mim o desejo de ter alguém por perto todos os 14
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dias. E eu sempre disse que nunca ia casar. – Seus olhos brilhavam de excitação. − Ah, hum... É. – Estava sem palavras. − Você precisa de um tempo para absorver a informação? – Sua voz parecia ansiosa. − Eu sabia que você não iria aprovar. Por isso estamos namorando escondido há três meses – sussurrou. Olhei no fundo dos olhos da minha melhor amiga, minha irmã, e senti o tanto que a minha opinião pesava na sua decisão de continuar com aquilo. Fiquei triste, pois ela achou que esconder a verdade de mim era mais seguro. Será que eu sou uma pessoa tão difícil assim? De maneira alguma eu aprovava a volta daquele relacionamento. Henrique era um crápula, e eu tinha certeza que faria minha amiga sofrer novamente. Tivemos dois meses de uma fossa intensa, regada a chocolates, filmes, noites de porres e ficadas insignificantes com pessoas das quais nem lembramos os nomes para que ela conseguisse esquecer aquele moleque – pois é, era assim que eu me referia a ele. Todo aquele trabalho para nada! Assim que ele veio pedindo desculpas com um discurso clichê, ela aceita correndo? Não podia acreditar naquilo. − Não. Não é que eu desaprove. Eu apenas estou tentando entender a situação. – Tomei vários goles de chope, tentando encontrar no fundo do copo a reposta certa para dar a ela. – Você tem certeza de que é isso que você quer? Você está segura da sua decisão? − Sim! Eu o amo com todas as minhas forças. – Seus olhos flamejavam. − Você conseguiu perdoar tudo? Do fundo do seu coração? O seu relacionamento era tão conturbado... Vocês vivam terminando e voltando, e geralmente as brigas eram feias – rebati, tentando fazer com que ela se lembrasse dos momentos ruins. – Eu não quero mais te ver chorando. − E eu não vou ter motivos para chorar. Ele está mudado, Alana! Eu realmente quero construir uma família com ele! O Um blog para chamar de meu
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Henrique sabe o quanto você é importante para mim e está disposto a mostrar o quanto vai lutar por nós. Ele quer que você dê uma chance para provar que, dessa vez, a coisa é séria. – Sua voz era firme e, naquele momento, eu sabia que nada que eu dissesse a faria mudar de opinião. − Bem... se você está feliz...! É claro que eu te apoio – disse, a contragosto, mas sabendo que era o certo a fazer. − Alana!!! – gritou, numa alegria triunfante. – Obrigada por me apoiar, por estar ao meu lado! Sem você não teria sentido! − Menos, né, Naty?! Se você está feliz, eu também estou – falei meio da boca para fora, me sentindo um pouco mal, porque no fundo, no fundo, eu estava tão carente do Bruno que invejei a felicidade da minha amiga. Mas não era hora de pensar em mim: eu precisava dar meu apoio a Naty. Ela faria o mesmo no meu lugar. − Tem mais uma coisa... – Seus olhos agora pareciam assustados. − Ai, ai, ai... o que pode ser agora? – falei em um tom sério. − Nós vamos ficar noivos mês que vem e já estamos planejando morar juntos. − Garçom, pode trazer mais quatro chopes! – gritei para o garçom na mesa ao lado. – O que foi? Não precisa me olhar assim, Naty. Precisamos comemorar! – E eu precisava ficar bêbada.
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