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Prefácio
Este livro é uma dessas pinturas estonteantes. Cenas plásticas que nos prendem a atenção. Falando de nomes, a autora Kiusam de Oliveira nos pega pelas mãos e nos guia a uma festa especial: a do centenário de Seu Benedito, que é pai, avô e bisavô de gente idosa, adulta, jovem e criança. O casamento entre as palavras escolhidas pela referida autora e as ilustrações oníricas de Rodrigo Andrade resultam num encantamento. Como se isso já não bastasse, Kiusam destaca os nomes africanos com seus significados e locais de origens de forma a nos lembrar de um costume que atravessa muitos povos do continente: quando uma criança nasce, além do nome, ela traz uma canção que vai segui-la por toda a vida.
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Um nome é um presente porque o seu significado é mais do que uma descrição: o ato de nomear é fazer um convite à vida, e o momento de receber o nome é um festejar. Nesse sentido, os nomes não deixam de ser matéria-prima dos penteados, que são maneiras de enfileirar os fios, ajuntar os crespos de um lado para o outro, seja entrelaçando, trançando, escovando ou alinhando com o pente-garfo. Além disso, é uma forma encontrada pelas mãos adultas de conversarem com a cabeça de uma criança.
Com Qual Penteado Eu Vou? é um livro que já inicia instigando a criança com uma pergunta e, para mim, essa é uma das melhores maneiras de começar uma história. Um título que pergunta é ideal para a criança, pois a infância é, justamente, a fase de perguntar. Esta história tem o ritmo bom para dormir na cadência do pentear os cabelos crespos de uma criança. O ato de penteá-los é uma forma de narrar histórias exatamente no tempo em que se dá o encontro das mãos adultas com os fios de cabelo da filha, do filho, da neta, do neto, da sobrinha ou do sobrinho.
O livro é um convite para aproximar idosos, adultos e crianças celebrando o ato de contar uma história fazendo um belo penteado, com muito cuidado, afinal, contar uma história não deixa de ser uma maneira de escovar o coração da criança que conta e daquela que ouve. As virtudes de ouvir e contar histórias se transformam em hábitos como escovar os dentes antes de dormir.
Renato Noguera Filósofo e Escritor Professor de Filosofia na UFRRJ
Hoje, o telefone por aqui começou a tocar cedo, já que é um dia muito especial: o aniversário de 100 anos do meu bisavô, Seu Benedito.
A grande festa acontecerá no quintal de casa, e tudo está sendo preparado com muita animação: bandeirolas coloridas se agitam com o vento, e as borboletas querem competir com elas; o partido alto já toca cadenciado na vitrola antiga do bisa, e os cheirinhos de glacê, chantili e brigadeiro se espalham docemente pelo ar.
Posso ver a emoção de vovó ao dizer:
– Papai se tornou hoje um centenário. Um cen-te-ná-rio!!!
E posso também ver a admiração de minha mãe ao dizer:
– Vovô se tornou hoje um centenário. Um cen-te-ná-rio!!!
Do jeito que a mamãe fala, ser centenário é uma coisa extraordinária. E eu não duvido.
Você consegue imaginar uma pessoa vivendo cem anos? Um século?
Mas, hoje, eu preciso ser prática para resolver um grande desafio: decidir com qual penteado eu vou participar da festa.
A dúvida foi tanta, que pedi permissão à mamãe para telefonar para as minhas primas e meus primos, a fim de saber com quais penteados pretendiam vir à festa.
Conforme foram me contando, eu fui ficando confusa, até porque eram diversos os tipos de penteados. Resolvi não perguntar mais nada: fui até a minha mãe e pedi para que ela fizesse em mim um penteado capaz de deixar meu bisavô muito feliz.