Jesus e a sexualidade - prévia

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JESUS

E A SEXUALIDADE Revelações da Bíblia que você nunca viu

Padre Beto



JESUS E A SEXUALIDADE


Presidente: João Carlos de Almeida Diretor Executivo: Pedro José Chiquito Diretor Comercial: Silvino Brasolotto Junior Diretor de Redação: Sandro Paveloski Gerência: Gustavo Cândido e Mara De Santi (Editorial); Flaviana Castro (Marketing); Celso Rodrigues (Publicidade); Jason Pereira (Administrativo/Financeiro); José Antonio Rodrigues (Serviços Gráficos) Supervisão de marketing e licenciamento: Fabiano Flamínio Coordenação Editorial: Melanie Retz Edição: Natália Ortega Revisão: Adriano Vannini (Colaborador), Gabriele Alves (Colaboradora) e Victor Santos Direção de arte: Zuleide Fernandes • Otávio Mattiazzo Neto diagramação: Nicole Gobbi Augusto CAPA E DIAGRAMAÇÃO: Larissa Souza (Colaboradora) ILUSTRAÇÃO DA CAPA: Ricardo Avancini - Ilustração inspirada no vitral da Igreja de Kilmore, em Dervaig, na Escócia FOTOS: ShutterStock/Images FOTO ORELHA: Raphael Queiroz Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Padre Beto Jesus e a sexualidade : revelações da Bíblia que você nunca viu / Padre Beto. -- 1. ed. -Bauru, SP : Editora Alto Astral, 2014. ISBN 978-85-8246-133-4 1. Bíblia - Citações 2. Sexo - Aspectos religiosos 3. Sexo - Ensino bíblico 4. Sexo e religião 5. Sexo na Bíblia 6. Sexualidade - Aspectos religiosos - Cristianismo I. Título. 14-08870

CDD-241.677

Índices para catálogo sistemático: 1. Sexualidade na Bíblia : Cristianismo 241.677 1ª Edição • 2014 Impresso na INTERGRAF Gráfica © 2014 Editora Alto Astral Fica proibida a reprodução parcial ou total de qualquer texto ou imagem deste produto sem autorização prévia dos responsáveis pela publicação.

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JESUS E A SEXUALIDADE

Revelações da Bíblia que você nunca viu

Padre Beto



Introdução

Apresentação O que eu fiz de errado? Foi o que pensei naquela manhã do dia 23 de abril de 2013, quando recebi a inusitada convocação do Bispo da Diocese de Bauru para uma reunião. Para a minha surpresa, na ocasião, o Bispo me entregou uma Carta de Advertência e Censura, exigindo que eu retirasse, até o dia 29 de abril, todo o material publicado por mim nas redes sociais, e que também pedisse perdão pelo conteúdo veiculado. Saí da reunião me perguntando: afinal, o que eu fiz de errado? Eu não havia modificado nenhum ensinamento da Igreja, transformado nenhum dogma ou rito. Eu simplesmente levantara alguns pontos para a reflexão sobre a moral sexual da Igreja (como, aliás, sempre fiz em 15 anos de sacerdócio), querendo contribuir para o amadurecimento de nossa vivência como seres humanos e filhos de Deus. Para me manter em paz com minha consciência, decidi então me afastar de meus ministérios sacerdotais, já que a minha liberdade de pensamento e expressão não poderia ser exercida em minha Diocese. Na manhã do dia 29, portanto dentro do prazo que havia sido estabelecido pelo Bispo, fui à Cúria Diocesana entregar a minha carta de afastamento dos ministérios sacerdotais. O bispo me recebeu cordialmente e, como se nada estivesse acontecendo,


Capítulo 1

conduziu-me a uma sala, na qual estavam cinco padres do conselho de presbíteros, um desconhecido e uma cadeira vazia. Fui conduzido à cadeira desocupada pelo bispo que, rapidamente, retirou-se da sala. O desconhecido começou a falar. Pedi a palavra e disse que estava ali para entregar minha carta de afastamento. O desconhecido não quis aceitá-la e, subitamente, me disse que eu seria excomungado. Foi aí que percebi que estava em um tribunal e, somente nesse momento, fui informado de que o tal desconhecido era um juiz. Então, me dei conta: eu estava sentado na cadeira dos réus. Indignado, me levantei e, depois de uma pequena discussão, me retirei da sala. Na tarde do mesmo dia, a Cúria Diocesana de Bauru tornou pública a minha excomunhão. Parece paradoxal, mas não é: a minha recusa a retirar o material da internet e de pedir perdão por ter livremente refletido foi se confirmando com o tempo como pura coerência com a fé cristã e com a minha missão de padre. Para mim, foi ficando muito claro que não pedir perdão significou dizer NÃO à falta de reflexão, significou defender o fundamental da dignidade da pessoa humana, enfim, representou a possibilidade de refletir e a liberdade de expor nossos pensamentos. Não pedir perdão significou que ser padre não é ser um operário, mas, sim, ser alguém que tem por obrigação viver os critérios pregados e vividos por Jesus Cristo: o amor a Deus e o amor ao próximo. Assim, ficou nítido para mim como as religiões cristãs precisam de uma leitura mais lúcida da Bíblia e, principalmente, necessitam compreender que o texto bíblico não contém somente a Palavra de Deus, mas também visões de mundo estoicas, judaicas e helenistas típicas da Antiguidade – uma época na qual o homem não conhecia a natureza humana e sua sexualidade como as conhecemos hoje. Ficou claro com a excomunhão o perigo das religiões formarem pessoas com mentes dogmáticas e fundamentalistas,


Introdução

mentes que reproduzem esta forma de pensar o mundo em outros setores como política, sociedade ou meios de comunicação. Tornou-se nítida para mim a importância de aprofundar o diálogo entre fé e sexualidade. Principalmente nos momentos em que estive com o grupo LGBT (como, por exemplo, ao receber o Prêmio Rio Sem Preconceito no final do ano de 2013) pude perceber com mais nitidez a violência e as mortes provocadas pela homofobia. Embora excomungado, hoje me sinto mais Padre. Eu poderia estar tentando constituir uma família, desenvolvendo projetos particulares, e até já ter me filiado a um partido político para concorrer como candidato nas eleições, já que convites não faltaram. Mas, em vez de tomar qualquer outro caminho, mantenho-me padre. Mantenho-me na integridade de padre e na obrigação de difundir a mensagem de um Deus todo amoroso que deseja o amadurecimento e a felicidade de toda a humanidade. Mais do que nunca, tenho a certeza de poder contribuir para que nossa sociedade se torne mais humana. Meses após sofrer a excomunhão, publiquei o livro Verdades Proibidas, pela Astral Cultural. Isso me trouxe grande satisfação, pois vi as pessoas discutindo e refletindo sobre suas crenças e suas maneiras de agir. Hoje, continuo vivendo a alegria de ser reconhecido pelas pessoas como padre: muitos me convidam a celebrar, somente em nome de Deus, seus casamentos, ou oferecer o último adeus a seus entes queridos. Enfim, continuo a minha missão de estar com as pessoas em seus momentos alegres e tristes. O livro Jesus e a Sexualidade é reflexo da minha vontade de fazer com que as pessoas compreendam verdadeiramente a mensagem de Jesus Cristo para que possam viver uma vida feliz e saudável, como o Deus do Amor assim deseja.



Sumário Capítulo 1

Introdução............................................. 13

Capítulo 2

A Boa Nova de Jesus............................. 19

Capítulo 3

A Sagrada Família................................. 29

Capítulo 4

Jesus Cristo e a condição humana....... 35

Capítulo 5

A sexualidade e a Boa Nova de Jesus...... 41

Capítulo 6

O prazer................................................. 49

Capítulo 7

Sexo antes do casamento...................... 59

Capítulo 8

Casamento............................................. 65

Capítulo 9

Fidelidade.............................................. 73

Capítulo 10

Homossexualidade................................. 79

Capítulo 11

Métodos contraceptivos......................... 87

Capítulo 12

Conclusão.............................................. 93



introduÇÃo



Introdução

A

A Religião é a conexão entre a vida humana e Deus, entre Deus e todas as dimensões que pertencem ao ser humano. Se essa conexão é com Deus, ela necessariamente gera o movimento da vida para a completude, fazendo com que a vida humana transcenda do que ela é para um nível além do que ela é. Afinal, a relação com Deus é geradora de vida em abundância. Nesse sentido, o ser religioso é necessariamente um sujeito que, vivendo sua fé em Deus, aponta perspectivas para uma transformação qualitativa das relações entre os seres humanos. Frente a qualquer dimensão humana, não existe uma religião neutra. Toda religião toca na vida humana, colocandoa em uma determinada direção. No sentido cristão, o Verbo que se fez carne e habitou entre nós, se fez humano, corporal e se relacionou concretamente, ou seja, sem neutralidade, pois não existe comportamento neutro. Como qualquer dimensão humana, a sexualidade também é influenciada pela religião. O ser humano criado por Deus é um ser sexuado e relaciona-se consigo mesmo e com os outros como tal. O Verbo se fez carne, teve uma libido, sentiu prazeres do corpo, relacionou-se com os outros como um ser sexuado. Graças a uma longa história, a sexualidade humana vem sendo tratada pelas religiões cristãs como algo negativo, sujo, baixo e pecaminoso. A tendência que predominou na teologia cristã é a


Capítulo 1

da abstinência sexual, a santificação da castidade e a demonização da vivência sexual livre. A sexualidade é vista, a priori, como algo que no mínimo escraviza o ser humano e o faz tratar seus semelhantes como objeto de seus desejos. Nós assumimos a posição de que, como a pobreza é um pecado social, a anulação da sexualidade humana ou sua demonização também é um pecado social. Impõe-se com urgência uma mudança de mentalidade no que diz respeito ao diálogo entre sexualidade e vida religiosa. Um exemplo claro da visão negativa da religião cristã sobre a sexualidade humana são as imagens que temos de Jesus e sua mãe Maria, sem falar dos santos. Tradicionalmente, o Cristo é representado na cruz. O corpo é sacrificado, mortificado, anulado. O que é transmitido visualmente é o sacrifício do corpo para a salvação da alma. Mesmo as imagens que não mostram Jesus em sofrimento trazem uma figura de um corpo celeste, de alguém assexuado. Muitas vezes, Jesus é representado de uma forma bastante homossexual, afeminado ou feminino, contudo, com certeza, a intenção não foi transmitir uma visão positiva da homossexualidade, mas reforçar uma aparência angelical, sem sexo, puramente espiritual de Cristo. Nas imagens religiosas, Jesus não é um ser humano, mas uma entidade celeste. Por sua vez, Maria é representada, tradicionalmente, como a mulher que, dizendo sim a Deus, deixa de ser mulher e se torna a virgem que caminha passivamente até a cruz. Nas imagens que a representam, Maria perde qualquer dimensão feminina. Maria deixou de ser uma mulher para ser um anjo. Ela não possui quadril, seios e muito menos sensualidade. A impressão que se deixa é a de que esses traços femininos representam o pecado que Maria não possui. Ela se torna o oposto de Eva. Maria virou o ícone da assexualidade como virtude. E, assim, poderíamos abordar as várias imagens dos mais diversos santos que perderam sua humanidade e foram, nessas representações visuais, transformados em entidades


Introdução

assexuadas. A intenção desse livro é procurar desenvolver um diálogo sadio entre Deus e a sexualidade humana, entre a mensagem de Jesus Cristo e a vida sexual do cristão, tentando mostrar o que é obvio: a sexualidade humana é vontade de Deus e pertence à vida do Reino de Deus. A motivação do cristão, ou seja, o Reino de Deus, não se reduz ao pós-morte, mas inclui a sua construção no aqui e agora. A construção do Reino de Deus em nosso mundo significa a nossa própria salvação, pois salvação é a vida em sintonia com Deus, o que exige uma condição baseada no amor em todas as dimensões humanas. Portanto, o cristão sempre tem uma escolha a fazer diante das situações da vida: viver ou não viver como salvo. Viver como salvo é escolher os caminhos que constroem vida, e vida em abundância para todos. A construção do Reino de Deus, ou seja, a nossa salvação, não significa a exclusão da sexualidade e uma vida de abstinência sexual, mas, sim, a sua inclusão, como também as das outras dimensões da vida humana: família, política, economia, trabalho, educação, saúde etc. O universo humano é o único material que temos para viver a nossa sintonia com Deus. Esse universo não está fragmentado em espiritual e material, mas é uma unidade que expressa o que somos verdadeiramente. Assim, o Reino de Deus, ou seja, a sintonia com Deus, vai sendo concretizada por meio das nossas escolhas e transformações em todos os níveis: social, institucional, pessoal e sexual.



A boa nova de jesus Cristo



A Boa Nova de Jesus Cristo

J

Jesus Cristo veio essencialmente anunciar uma realidade: o Reino de Deus. Este se expressa nos Evangelhos por meio de diferentes elementos como a própria pessoa de Jesus Cristo, os milagres, a multiplicação dos pães, os encontros de Jesus com as pessoas, a quebra do formalismo da lei, o mandamento do amor, a coragem e a coerência de Jesus ao enfrentar sua morte, a ressurreição, as aparições do ressuscitado e a vinda do Espírito Santo sobre os Apóstolos. Todos esses fatos e circunstâncias demonstram que o Reino de Deus é a realização de vida em abundância e a transcendência, que leva o ser humano a uma constante completude do seu ser. A expressão “Reino de Deus”, que aparece 122 vezes nos Evangelhos oficiais e 90 na boca de Jesus, não pode ser limitada a uma simples descrição. Nós poderíamos dizer que o Reino de Deus significa sempre a superação de tudo que aliena, que escraviza, a superação de todo mal físico e espiritual, como também a conquista de tudo aquilo que libera, que liberta o ser humano (Lc 4, 18-19.21; Mt 11, 2-5). Por isso, o Reino de Deus sempre é uma perspectiva e se apresenta como uma realidade de transformação pessoal, social e universal. Como perspectiva, ele não pode ser delimitado por nenhuma realidade, época ou fato histórico. O Reino de Deus é uma perspectiva que, como tal, sempre está à nossa frente, movimentando o presente para uma transformação para melhor.


Capítulo 2

Alcançaremos de uma vez por todas o Reino de Deus com a passagem que, infelizmente, chamamos de morte. Enquanto não partimos para a dimensão superior, a nossa tarefa é concretizar o Reino de Deus nesta dimensão, ou seja, aproximá-lo transformando o mundo à nossa volta. De qualquer forma, o Reino de Deus é o interesse primordial do cristão, um interesse que, se buscado na prática, nos sintoniza com Deus e com a dimensão superior que chamamos de pós-morte. Importante é saber que o Cristo não fala simplesmente sobre o Reino de Deus, mas Jesus mostra por meio de atos concretos que o Reino de Deus já se faz presente (Mc 1, 15), que o Reino está em nós e no meio de nós (Lc 17, 20-21). Jesus age transformando tudo que limita a vida humana: a falta de vinho nas Bodas de Caná, a opressão moral e social, a injustiça, a falta de alimento, o pré-conceito contra os pagãos e samaritanos, a dor, a divisão, a marginalização das prostitutas e dos chamados pecadores e até mesmo a morte. Nos seus atos, acontece a liberação da vida e para a vida; a comunicação aberta para com o outro que só por meio do amor pode acontecer. Sem dúvida alguma, a atuação de Jesus ocorre no âmbito religioso, mas isso acontece pelo fato de que para o ser humano da Antiguidade não existia divisão entre religião e as outras dimensões da vida. O mundo para o homem da Antiguidade era um universo religioso. Muitas normas de saúde e higiene, como, por exemplo, não comer carne de porco ou realizar a circuncisão, tornaram-se normas religiosas, além das prescrições sobre educação dos filhos, práticas sexuais, regras sociais e políticas. Enfim, o homem da Antiguidade vivia mergulhado em um universo religioso. Nesse contexto, quando Jesus fala sobre religião, Ele está falando sobre política, sobre relacionamento humano, sobre sexualidade, sobre injustiça social etc. Por isso, Jesus não é um


A Boa Nova de Jesus Cristo

reformista de normas religiosas, mas como a religião está envolvida em todas as dimensões da vida, Ele apresenta um novo modo de pensar sobre todos os aspectos, inclusive a sexualidade. Hoje o desafio talvez seja retirar a carga religiosa que está sendo associada à expressão “Reino de Deus” e fazer com que as pessoas compreendam que isso significa algo mais palpável: uma transformação concreta da pessoa e de todo o seu universo, uma transformação no sentido do amor à pessoa humana e da superação de todos os elementos destrutivos do homem. Hoje as pessoas parecem não compreender a mentalidade da Antiguidade e interpretam Jesus e seus atos como puramente restritos a uma dimensão íntima e espiritual. Para compreender Jesus e o que significa Reino de Deus, como também para se entrar neste, é necessária uma mudança de mentalidade e de postura do nosso ser no mundo. Uma mudança de qualidade que, quando acontece, não se consegue voltar atrás e se espalha por todos os lugares. É como o grão de mostarda que, quando germina, cresce e torna-se a maior de todas as hortaliças (Mc 4, 30-32). Mas não somente isso, a mostarda se espalha e se multiplica, transformando todo o ambiente à sua volta. Assim, entrar no Reino de Deus é viver a dimensão do amor nas relações íntimas, na família, no trabalho, na política, na economia, nas estruturas sociais etc. Jesus inicia sua vida pública com a mensagem: “Converteivos, pois está próximo o Reino dos céus” (Mt 3,2; 4,17). Converter-se não significa pertencer a uma determinada religião, não significa assumir preceitos religiosos e morais ou mesmo a fuga do mundo contemporâneo. Converter-se significa um voltar-se para si mesmo e uma profunda autoanálise sobre sua vida e a nossa postura diante dela. Converter-se é um voltar para si mesmo, para uma transformação de mentalidade e de prática de vida.


Capítulo 2

A proximidade do Reino de Deus depende desse voltar-se para si mesmo, pois a proximidade do Reino não é cronológica, mas geográfica. Isso mesmo, quando Cristo afirma que o Reino de Deus está próximo, Ele não quis dizer que o Reino de Deus estava para chegar, mas que o Reino de Deus está próximo de se realizar a cada momento, dependendo da mudança das pessoas e de sua postura diante da vida. Ao me converter, ao fazer minha autoanálise, consigo transformar em mim e em minha volta muitas coisas e, com isso, aproximar o Reino de Deus cada vez mais da humanidade. O Reino de Deus está próximo, aqui na nossa frente, do nosso lado, pois a comunhão está na nossa frente, o abraço está do nosso lado, a fraternidade e a partilha dependem de nossa iniciativa. O Reino de Deus está próximo, pois só depende do meu querer e do meu agir. O Reino de Deus não depende do meu discurso, mas da mudança da minha mentalidade e da minha postura concreta, afinal dizer “Senhor, Senhor” não significa nada. A questão é querer fazer a transformação necessária para que a vida aconteça (Lc 6, 46). Para isso, o que conta não é frequentar uma religião oficial ou obedecer ritos e preceitos, mas pensar e agir de uma maneira totalmente nova. Para que o Reino surja é necessário nascer de novo (Jo 3, 3). Esta conversão, este nascer de novo, precisa ser algo espontâneo e fruto de uma verdadeira mudança que nos leve à liberdade de ser. Por isso, Jesus faz uma revolução em um mundo que determinava, de uma forma extremamente rígida, o comportamento e as relações das pessoas. Na época de Jesus, as relações para com Deus e as relações entre os homens estavam prescritas por meio de preceitos religiosos. Jesus não aceita simplesmente estas regras e as questiona de uma forma radical: “Não é o homem para o sábado mas o sábado para o homem” (Mc 2, 27). Jesus nos mostra que o ser humano não pode simplesmente seguir regras,


A Boa Nova de Jesus Cristo

mas necessita pensar e raciocinar livremente sobre todas as situações à sua frente. O critério do Cristo é simplesmente lúcido: os preceitos religiosos só podem ser aceitos se ajudam o ser humano a viver, se aumentam ou possibilitam o amor. O principal é o ser humano ser capaz de fazer esta constatação sobre o significado das regras em sua vida. Ele deve ser capaz de perceber se as regras escravizam, cegam ou bitolam. O ser humano deve ser crítico o suficiente, imitando Jesus a ponto de repudiar e quebrar as normas que nos limitam e nos tornam infelizes. Para Jesus, não é o cumprimento da lei que salva, mas o amor. Todas as atitudes de Jesus estão baseadas neste fundamento do amor (Jo 13, 34) que se desdobra no amor a Deus e no amor ao próximo (Mt 22, 34-40; Mc 12, 28-24; Lc 10, 25-28). O amor é a porta de entrada para o Reino de Deus e para a vida eterna (Mt 25, 11-46). A isto se acrescenta o amor aos próprios inimigos e perseguidores (Mt 5, 44-45). O Reino de Deus depende da reconciliação com o próximo (Mt 5, 23-24; Jo 2, 9-11). Este amor resume toda a lei e os profetas (Mt 7, 12). Enfim, o amor à vida e o amor ao próximo são perspectivas que levam à transcendência do ser humano. Para poder amar desta forma é necessário ser crítico, pensar, raciocinar, pois este amor não é um simples gostar. O amor bíblico é o amor ágape, mais abrangente que o amor eros (o amor erótico) e o amor philia (amizade). O amor ágape é um respeito profundo pela vida e pelo ser humano, uma convicção profunda de que o outro, sendo simpático à minha pessoa ou não, merece ter vida, sendo esta vida em abundância. Para nós, o importante é compreender que o amor ágape não está em oposição ao amor eros e ao amor philia. As religiões cristãs criaram a noção de que o amor ágape é sublime e divino, enquanto o amor eros e o amor philia seriam baixos e mundanos.


Capítulo 2

Quem afirma tal concepção só sabe amar na teoria. É preciso compreender que o amor ágape desenvolve o amor eros e amplia o amor philia. O amor erótico (eros) e o amor de amigo (philia) se completam com o amor ágape. A primeira coisa a deixar claro é que, se queremos, através de uma moral sexual, padronizar a sexualidade, não estaremos amando a vida e o próximo (amor ágape). Quem vive o verdadeiro amor ágape não impõe às pessoas um padrão em seu amor erótico, pois quem vive o amor ágape respeita o desenvolvimento da vida do outro e sabe que sua sexualidade é algo muito individual. Quem vive o amor ágape sabe que a vivência do prazer erótico não pode ser imposta e padronizada por uma regra, mas surge e se forma em cada um de uma maneira muito particular. Se uma instituição religiosa cristã, em nome de Deus, estabelece um padrão para a vida sexual humana, a instituição religiosa passa a desrespeitar o ser humano, comete um ato de desamor e entra em contradição com o amor ágape que prega. O amor ágape respeita a particularidade do amor erótico. Se, de um lado, o amor ágape torna o amor erótico e o amor de amigo mais abrangentes e mais abertos para o mundo, em contrapartida, o amor erótico e o amor de amigo tornam o amor ágape mais concreto. O interessante é que, mesmo Jesus mostrando isso, as instituições religiosas possuem grande dificuldade em lidar com o amor erótico e com o amor de amigo, e procuram controlar seus fiéis com preceitos e não educá-los ao pensamento de Jesus. As religiões oficiais se comportam exatamente como o judaísmo da época de Jesus, um judaísmo legalista que o próprio Jesus contestou. Afinal, é mais fácil estabelecer uma regra sobre o comportamento humano do que amar o ser humano, procurando educá-lo na compreensão de seus desejos, sentimentos e comportamentos.


A Boa Nova de Jesus Cristo

As igrejas cristãs de hoje impõem um catecismo como se Jesus tivesse escrito novos preceitos para serem obedecidos, o que não aconteceu. Jesus não prescreve novos preceitos, mas ensina a liberdade de pensar e de ser para amar. O Cristo liberta o ser humano das leis e preceitos religiosos, mas não o entrega à irresponsabilidade e ao egoísmo (Mt 5, 21s). A questão não é o seguimento cego de preceitos e normas morais ou o caos da irresponsabilidade, mas o pensamento crítico e a liberdade para amar, ou seja, a liberdade de ser que me leva a viver no amor comigo mesmo, com o outro e com o universo. A vivência do Reino de Deus depende da vivência do amor ágape, que respeita cada forma de amor erótico e o torna mais aberto e respeitoso. Justamente a concretização de todas as formas de amor nos leva à construção do Reino de Deus, um Reino no qual a exploração, a corrupção, a escravidão e a infelicidade não podem existir. O Reino de Deus é vivenciado por meio do orgasmo, do prazer de um jantar com amigos, do toque carinhoso entre as pessoas, da eliminação da pobreza, do prazer do contato dos corpos ou de uma sociedade mais igualitária.


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