Para-Heróis, de Joanna de Assis - 1º capítulo

Page 1



O SUPER-HOMEM

ALAN


O SUPER-HOMEM ALAN

Correr é uma habilidade primária. O instinto que guia o homem para a sobrevivência. Essa inteligência inata é também um daqueles momentos de epifania do corpo humano.

Tão natural, tão cedo, que ninguém se lembra do dia exato em

que aprendeu a dar um passo em velocidade. Alan Fonteles é como outra criança qualquer. Ele também não tem essa memória. Mas a história ele sabe contar como se recordasse cada momento, porque caminhar, para ele, tem um significado muito diferente.

Ouviu da família o relato emocionado uma porção de vezes.

Foi difícil alcançar o outro lado da sala. O trajeto entre a mesinha do consultório e o armário valia um picolé de limão. Suado. Valia a prova de uma vida toda. Lindo. Fez quatro pessoas chorarem. Alan andou e correu quase ao mesmo tempo, assim mesmo, sem intervalo. Desco-

16


Para-Heróis

briu tudo ali de uma só vez a poucos dias de completar dois anos de idade. Andou e correu sem as próprias pernas. Andou e correu com duas próteses de madeira.

Alan é o velocista paralímpico mais rápido do mundo. O cara

que desbancou o maior ídolo que a Paralimpíada já teve – Oscar Pistorius, o sul-africano que se consagrou como o primeiro atleta a disputar jogos paralímpicos e olímpicos e depois de 2012 manchou sua imagem por ser acusado de assassinar a namorada. Alan é o corredor que mostrou com seus números fantásticos que o esporte adaptado pode até deixar a Olimpíada para trás em termos de performance. Mas nem sempre foi assim.

Dona Cláudia não entendia bem o berro do filho recém-nascido. Em Canaã dos Carajás, cidadezinha do interior do Pará, havia várias crianças com o mesmo resmungo. Dizia o doutor que era virose, nada para se preocupar. Dava vômito e diarreia. Dava angústia. Passaria rápido, prometeu o médico, mas não passou. Com quinze dias de vida, o choro virou grito e os pés ficaram negros. Havia bolhas pelo corpo. Havia algo de muito errado com aquele bebê.

Canaã dos Carajás não tinha hospital. Era 1992, e a cidade só

virou cidade mesmo em 1994, porque antes disso era um assentamento agrícola que pertencia a outro munícipio, Parauapebas. Uma região cheia de conflitos de posse, com mais de 1.500 famílias sem-terra. Distante 760 quilômetros da capital Belém.

A família correu para o hospital público mais próximo, que fica-

va em Parauapebas mesmo. Assim que recebeu o atendimento, o plantonista avisou que não havia condições de tratá-lo ali. Foi encaminhado para Marabá. Cento e sessenta quilômetros de estrada. Duas horas e vinte e um minutos de viagem. Cláudia não podia seguir, porque nem documento tinha, e apesar dos vinte anos, parecia uma adolescente. A

17


Joanna de Assis

sogra foi quem conduziu o menino, descendo com a pressa do desespero a Serra dos Carajás, a grande cordilheira do Estado do Pará.

Em Marabá, os médicos reagiram da mesma maneira. Não sa-

biam como salvar Alan Fonteles. Sugeriram um hospital em Belém, mas teriam de correr ainda mais. Se fossem de ônibus, com a distância de 441 km, a viagem duraria oito horas e ele não iria sobreviver. A operação de guerra começou a ser desenhada graças a uma famosa cantora sertaneja.

Roberta Miranda estava na cidade para um show. Ela era um

fenômeno nacional na década de noventa, com músicas românticas com um certo tom de brega. Começou a fazer sucesso quando o já consagrado Jair Rodrigues gravou uma de suas composições, A majestade – O sabiá. O último voo da Varig naquele dia havia sido fretado por sua trupe.

Com uma vaquinha dos cunhados e primos, a família de Alan

comprou a passagem aérea. Ficou decidido que a avó paterna o levaria. Para embarcar, a tripulação impôs uma condição – se Alan morresse no avião, dona Diva não poderia sequer chorar. Teria de seguir viagem calada, e quando chegasse, enrolaria o corpo na coberta para fingir que o menino ainda estava vivo. Um trato cruel, mas que foi aceito na hora.

As aeromoças sabiam da situação. Observavam caladas aque-

la avó que mal se mexia na poltrona. Dona Diva passou o tempo todo de olhos fechados, ao lado de dois músicos da banda de Roberta, que não entendiam a tensão que havia naquela viagem. Uma das comissárias lhe ofereceu água. Ela nem reagiu. Seguiu apertando o peito de Alan. Foram 39 minutos de voo, 2.340 segundos de agonia, orações e promessas.

Alan sobreviveu.

Em Belém, mais uma ronda por vários pronto-socorros. Nin-

guém aceitava o menino. Todos repetiam que não sabiam o que fazer. A respiração estava fraca, Alan mal reagia. O único hospital que o re-

18


Para-Her贸is

19


Joanna de Assis

cebeu foi o Universitário João de Barros Barreto, que enfim explicou o diagnóstico – Alan tinha uma infecção intestinal, e já apresentava sinais de septicemia, ou seja, uma ruptura do intestino havia contaminado o sangue.

Dona Cláudia e Seu Almir ainda nem tinham começado a via-

gem de ônibus para Belém. Um dos cunhados, que trabalhava na Vale do Rio Doce, e estava com Alan no hospital, apressou o casal do jeito que podia, através de um telegrama. Contou que eles precisavam assinar um termo de responsabilidade para autorizar um procedimento de emergência.

No balanço daquele ônibus velho, os pais seguiram até a Capi-

tal. Não comeram nada durante o longo trajeto, dinheiro não tinham. Chegaram ao hospital secos de sede, secos de preocupação. Pediram para ver o filho e receberam o choque de uma imagem. Tomado pela febre, Alan foi colocado dentro de uma caixa de gelo, no meio da enfermaria. O corpo roxo, quase sem vida, inerte, com a pele desbotada. Seu Almir viu o filho ali como se fosse um peixe morto, jogado à sorte. Segurava suas mãozinhas frias. Rezava baixinho para Nossa Senhora de Nazaré.

Era preciso baixar a temperatura do corpo para que fosse feita

uma cirurgia radical. A infecção generalizada estava se alastrando muito rápido pelo corpo. Para conseguir salvá-lo, seria necessária a amputação das duas pernas, com um corte acima dos joelhos. O hospital não tinha recursos, nem um cirurgião experiente, mas naquele dia havia um doutor de São Paulo. Só iria passar algumas horas no prédio, mas foi convencido pelos enfermeiros a fazer a operação. Era um bebê de 21 dias. Não tinha como dizer não.

A cirurgia durou cinco horas. Parecia muito mais. Dias, talvez

meses. O tempo na realidade parou. Olhar para o relógio velho e com o vidro rachado pela dureza da vida só aumentava a ansiedade. Cinco horas. Depois veio a sensação oposta. A de que os minutos passaram

20


Para-Heróis

rápido. O médico apareceu na sala de espera. Sorriu. Contou que o bebê sobreviveu e que seus joelhos foram salvos. Pensar em perna e joelho naquele instante parecia confuso demais, mas esse detalhe era muito importante. Com a articulação íntegra, a reabilitação e a mobilidade seriam muito mais fáceis no futuro.

Essa era visão do médico, por isso o sorriso. Mas para um pai

e uma mãe, saber que o filho recém-nascido perdeu as duas pernas era receber uma péssima notícia. Entretanto, Alan estava vivo, e isso era o motivo real da comemoração naquela sala apertada com apenas duas cadeiras de couro rasgadas. Em duas semanas ele deixaria o hospital e iria para casa se recuperar. Juntou enfermeiro, médico, copeiro, faxineiro. A história comoveu o hospital.

Todos conheciam Alan, mas lá ele era chamando de “RN” – abre-

viação de recém-nascido. “Lá vem o RN”. “O RN está melhorando, pai”. “Terminou a cirurgia do RN”. Os pais estavam felizes, mas ao mesmo tempo tentavam absorver a ideia de que o filho não tinha mais as pernas. Um choque tão grande que podia deixar alguém fraco da mente.

Gente simples é diferente diante de problemas assim. São ape-

gados a Deus e confiam em seus propósitos. Não lamentam as dificuldades, lutam. Gente simples pensa simples. O impossível eles aceitaram. O indispensável foi dispensado. E o intolerável foi suportado.

A história se complicou justamente no dia em que Alan rece-

beria alta. Seu Almir colocou sua melhor camisa para buscar o filho. Entrou de braço dado com dona Cláudia, sorrindo para todos os funcionários. Os pais do “RN” chegaram. Mas Alan não poderia ir para casa. Nos dias em que passou na Unidade de Terapia Intensiva, o bebê contraiu uma pneumonia gravíssima e, diante do seu quadro delicado, só um milagre o deixaria vivo.

O médico era um japonês simpático, talvez de nome Walter,

que acompanhou de perto todos os dias do “RN”. Tinha um choro leve e sincero ao contar para seu Almir a situação do bebê favorito

21


Joanna de Assis

do hospital. E ainda fez uma espécie de promessa. Alan tinha pouquíssimas chances de sobreviver, mas se contrariasse a má sorte, se conseguisse superar mais esse problema de saúde, era sinal de que teria uma missão muito importante para cumprir na vida. A verdade é que Alan havia morrido duas vezes, mas tinha a teimosia dos que precisavam viver.

Barros Barreto não tinha berço térmico. Alan tinha febre alta

e convulsões. O equipamento ajudaria a controlar os espasmos do corpo doente. Seu Almir correu pelos hospitais mais sofisticados da cidade explicando sua história, e ele nem conhecia Belém. Pedia informação para estranhos aleatórios nas ruas movimentadas e partia em disparada, muitas vezes a pé mesmo. Ouviu muitos nãos, alguns por falta de solidariedade pura. As pessoas pareciam sem ternura, surdas às dores alheias.

Seu Almir seguiu a caminhada e ouviu um sim. O empréstimo

ele conseguiu no Hospital Santa Terezinha. Prometeu devolver assim que o filho melhorasse. Na volta, parado na faixa de pedestres da avenida Presidente Vargas, esbarrou em um mendigo sem braços e sem pernas que lhe sorriu imediatamente. Ele desenhava paisagens com o pincel apoiado na boca. Seu Almir chorou alto. Viu que a esperança existe nos casos mais graves e mais tristes. Pensou no filho que não tinha mais as pernas, mas que havia sobrevivido com os braços intactos. Deu Graças a Deus.

Aquele sem-teto feliz só poderia ser um sinal para mostrar que

a realidade não era cruel. Duas esquinas à frente, passou por uma menina também sem braços e sem pernas chorando por trocados no farol. Eles estavam lá há tanto tempo, mas ninguém parecia notar. Vidas que ninguém vê. Talvez seu Almir também não os percebesse se não estivesse com o filho na cabeça. Mas naquela tarde ele enxergava todas as dores. Eram suas dores também.

22


Para-Heróis

Pense no sofrimento. Primeiro ver um bebê de 21 dias perder as

duas pernas, depois ficar entre a vida e a morte com um quadro grave de pneumonia. Dois drenos foram colocados no corpinho de Alan – um na altura do ombro direito, outro abaixo da costela do lado esquerdo. Tentavam tirar o que podiam daquele líquido amarelo venenoso que estava tomando seus pequenos pulmões. Até hoje dá para ver as cicatrizes, dois buracos no peito. Marcas da luta que começou bem cedo.

Seu Almir e Dona Cláudia iam todos os dias ao hospital. No

vigésimo dia, Alan melhorou. Melhorou muito. Abriu os olhos, voltou a ter cor. O pulmão estava limpo. O bebê podia ir para casa. Foi tão inesperado que nem mesmo os médicos acreditaram. Nem os pais. Não sabiam direito o que sentir, se vinha saliva na boca, um choro, um sorriso de agradecimento. Estava tudo misturado, chacoalhado no coração. Nem roupinha eles tinham levado. Alan deixou o hospital

23


Joanna de Assis

envolvido apenas num lençol. Foram os primeiros dois meses de vida batalhando, lutando para respirar, para não morrer. O bebê mais forte que Belém já viu.

Alan surpreendeu médicos, curandeiros, pessoas comuns. Re-

novou a fé de muita gente, especialmente a dos pais, devotos de Nossa Senhora. Não dava para voltar para uma cidade que nem era bem cidade. Não dava para subir a Serra dos Carajás e viver na sombra. Era preciso cuidar de Alan. Por isso, eles precisavam ficar em Belém.

No começo, a família humilde ajudou. Emprestou dinheiro, um

canto para dormir. Seu Almir procurava emprego o dia todo. Fazias dezenas de bicos. Eletricista, instalador de linha telefônica, marceneiro, carpinteiro, limpava quintais, até ser contratado por uma empresa de gás. Com renda fixa, compraram uma casinha em Ananindeua, cidade vizinha a Belém. A vida começou a se organizar, mas eles não tinham ideia de como criariam uma criança sem as pernas. Não sabiam, mas também não se preocupavam, porque tinham certeza de que ele seria alguém importante. Fizeram uma promessa – Alan jamais teria ou se sentaria em uma cadeira de rodas.

Alan não tinha sete meses quando uma vizinha indicou um fi-

sioterapeuta. Bem, não era bem um fisioterapeuta, mas sim dois estudantes de Medicina que resolveram ajudar Alan em troca do trabalho de conclusão de curso. Dona Cláudia o levava para as consultas três vezes por semana. Aprendeu a fazer os exercícios e em casa mesmo movimentava os membros do filho de manhã, de tarde e de noite. Aos nove meses, usou a primeira prótese, de madeira, que está guardada até hoje em uma gaveta da casa de Ananindeua. Tinha uma cinta de couro envolvendo a cintura, como se fosse um suspensório, com um suporte para as coxas. Na altura do joelho, havia uma articulação de metal para auxiliar os movimentos.

Faltava quinze dias para Alan completar dois anos. Dona Cláu-

dia estava na sala de espera, aguardando mais uma sessão com orto-

24


Para-Heróis

pedistas. A prótese tinha sido trocada há poucos dias, e os exercícios de adaptação estavam ainda no início. Mas aconteceu uma surpresa. Alan pediu um picolé. Dona Cláudia brincou e mandou o garoto buscar. Naquele instante, ele se moveu com segurança, virou o tronco, e quase deu um passo. Todos se olharam.

Alan usava duas chupetas, uma na mão, outra na boca. Para

estimular ainda mais o menino que queria tomar sorvete, os médicos penduraram suas chupetas do lado de uma mesa, a uma altura que ele conseguiria apanhá-las, mas para tanto teria de andar. Sorvete e chupetas. Alan não tinha idade nem consciência para entender o que estava fazendo, mas da maneira mais natural do mundo caminhou sem dificuldade pelo consultório até alcançar seus tesouros infantis. Continuou pedindo o picolé de limão. Andou e correu minutos depois, motivado pelos desejos simples de qualquer criança. Dona Cláudia chorava tanto que não queria mais deixar o fisioterapeuta arrancar as próteses. Vai que ele esquece como fez aquilo tudo? Mas não havia risco. Alan aprendeu como qualquer outra criança a domar o corpo, mesmo com perna de madeira.

Seu Almir trabalharia até a noitinha aquele dia. Na rua em que

moravam, a luz era fraca. Para chegar ao seu portão, passava todos os dias por um pátio onde crianças da vizinhança ficavam brincando por horas, mesmo quando já era tarde. Toda vez que trombava com um moleque correndo, pensava que poderia ser seu filho. Será que um dia ele irá andar, cair de joelhos, e disparar em minha direção quando me visse chegando do serviço? Meu Deus, por que meu filho não faz isso? Seguiu caminhando no escuro, tomando cuidado para não trombar em ninguém, mas deu o melhor encontrão do mundo, com a trilha sonora que tanto imaginou. Ouviu “pai” lá de baixo, de um bebê lhe apalpando a calça jeans, de pé, sozinho. Seu Almir chorou e sorriu, apanhou o filho do chão. Colocou o filho no chão! Ele queria ver melhor aqueles passos tão esperados.

25


Joanna de Assis

O alívio era muito grande. Depois do susto, das dúvidas e do

sofrimento, veio a certeza de que Alan levaria uma vida normal. E foi exatamente o que aconteceu. O garoto era um espoleta. Aprendeu a se virar com as próteses muito rápido, e acompanhava os amiguinhos em qualquer brincadeira. Andava de bicicleta, corria, jogava bola. Pulava muro.

Dona Cláudia quase não teve estudo, mas tinha informação.

Sabia que sem as pernas, Alan teria direito a uma pensão do governo. Mas para ela, ganhar essa bolsa era o mesmo que aposentar o filho, marcá-lo com a palavra de incapaz. Nunca quis o dinheiro, e olha que em vários momentos lhe faltaram trocados.

A promessa da cadeira de rodas também foi mantida. Depois

da amputação das pernas, Alan passou por mais quinze cirurgias para corrigir o coto. A primeira foi feita quando ele tinha seis anos. O osso da canela crescia perto do joelho e toda vez que isso acontecia era preciso entrar na faca para uma raspagem, porque o osso virava uma espécie de tumor que o machucava. O procedimento era dolorido. Todos foram marcados pelo SUS e feitos no Hospital Santa Terezinha, o mesmo que lhe emprestou o berço térmico. Vários foram cancelados sem aviso prévio, depois de meses esperando atendimento. Tinha dia que o coto todo inflamava, era de dar dó.

Dona Cláudia já era mãe de Samara, um bebê de seis meses.

Com dor, Alan pedia a cadeira de rodas, no desespero. Ouvia um não. Para aliviar o sofrimento do filho, e manter a palavra, carregava os dois no colo, um em cada braço. De jeito nenhum ela o colocaria na cadeira. Além de ter sido uma promessa, ela não queria que Alan se acostumasse com o fácil, com o cômodo.

Aquela mãe era um general. Vigiava o primogênito o tempo

todo para que ele se não se machucasse, mas fingia que virava as costas para que ele sentisse livre e testasse suas possibilidades. Alan jamais engatinhou, porque criaria calos nos cotos. A mãe passou anos evitando

26


Para-Heróis

o movimento mais famoso dos bebês, que inclusive é responsável pelo fortalecimento dos músculos. Foram oito anos de zelo profundo.

Alan fazia natação e fisioterapia quase todos os dias, mas a mo-

lecada da rua gostava mesmo era do atletismo. Os filhos dos vizinhos, os filhos dos amigos. Um dia ele fez o pedido. Queria ir até a pista, de bicicleta, para começar a praticar o esporte, aos oito anos. Dona Cláudia tomou um susto. A primeira resposta foi não, mas ao ver a insistência de Alan, ela repensou a decisão e disse que quando ele voltasse do colégio eles iriam juntos até a escolinha de educação física. Enquanto Alan estudava, a mãe caprichosa lhe preparou um lanche com suco e pão. No começo da tarde eles estavam batendo à porta da professora Suzete Montalvão.

Suzete foi a única corredora paraense a disputar uma Olímpia-

da, em Seul, em 1988. Sua especialidade era a prova dos 400m, uma das mais difíceis do atletismo. Ficou em quarto lugar e se tornou um dos orgulhos do Estado do Pará. Quando deixou as pistas, passou a orientar e formar novos talentos do esporte. Só não imaginava que um dia receberia alguém tão especial quanto Alan.

Foi um desafio mesmo. Alan foi a primeira criança com deficiên-

cia que Suzete treinou. E não foi tão complicado porque ele sabia exatamente o que queria – ‘ser corredor como o Robson Caetano’. Um garotinho com objetivo e informação, pensou na hora. Ele sabia com detalhes quem era um dos principais nomes do atletismo brasileiro da época.

Robson, especializado em distâncias curtas, foi bronze em Seul

nos 200m, e no revezamento 4x100m em 1996, em Atlanta. Mas a comichão pelo atletismo apareceu depois de assistir uma prova dos 100m. “Robson corria 9s99” – um número mágico, e até hoje o recorde sul-americano, oficializado com 10 segundos cravados.

O jeitão descolado de Alan, a força de vontade, e a raridade

de sua história cutucavam a curiosidade de muita gente. Foram feitas dezenas de reportagens, quase sempre com o mesmo tema – o menino sem pernas que queria correr. Em uma entrevista, ainda com oito anos,

27


Joanna de Assis

na pistinha desgastada de Universidade Federal, ele não pensou duas vezes para responder ao repórter qual era seu maior sonho – “Disputar uma Paralimpíada”.

Sem as próteses apropriadas de corrida, Alan usava pernas de

madeira, pesadas e desconfortáveis. Não era obstáculo. Ele corria, perdia, chegava em segundo, terceiro, às vezes até ganhava dos meninos com pernas de carne e osso. Depois de horas debaixo de sol correndo, quando retirava as próteses, os cotos sangravam. Alan jamais reclamou. Muito menos pediu para sair.

Samara é a irmã oito anos mais nova. Frequentou os treina-

mentos durante muito tempo, mesmo sem gostar nadinha de atletismo, mesmo tão pequena. Sentia prazer em ver o irmão correr. Buscava água, massageava-lhe os ombros, ajudava a colocar e retirar a prótese. Gritava palavras de incentivo. Para ela, o irmão mais parecia um super-herói, com aquelas pernas diferentes das outras crianças.

Aos catorze anos, o talento foi descoberto pelo coordenador

de atletismo do Comitê Paralímpico Brasileiro, Ciro Wrinkler. Ele ainda corria com as próteses pesadas de madeira. Alan vencia todas as competições paralímpicas do Norte-Nordeste, e mesmo em provas convencionais se destacava. Ganhou a primeira lâmina especial de corrida em 2006, e aí ninguém mais o segurava – foi campeão dos 200m em Uberlândia e no ano seguinte partiu para seu primeiro desafio internacional, o Campeonato Mundial de Jovens, até dezessete anos, nos Estados Unidos. Venceu as provas de 100m e 200m e levou o bronze nos 400m, a prova favorita da professora Suzete.

Ciro estava encantado com Alan. Tanto que ele foi para Pequim

como o último convocado, porque seria exatamente o último homem do revezamento. E foi ele que garantiu a medalha de prata na China, com uma arrancada espetacular.

28


Para-Her贸is

29


Joanna de Assis

Quando recebeu a convocação, Alan transformou a surpresa

em motivação. Pediu para o Governo do Pará autorização para treinar no Estádio Olímpico do Mangueirão, que tem uma pista incrível de atletismo, de cor azul clarinha, reconhecida pela Federação Internacional. Ele conseguiu. Toda a preparação foi feita lá, no palco do derby charmoso do Pará, de Remo e Paysandu. Ele tinha dezesseis anos e iria para sua primeira paralimpíada.

Paralimpíada. Naquela época, antes da reforma ortográfica, ain-

da era paraolimpíada. A palavra soava tão difícil que era complicado explicar para os pais do que se tratava, já que nunca tinham ouvido falar. E ainda por cima seria realizada do outro lado do mundo, na China. Parecia muito assustador. Claro que dona Cláudia e seu Almir ficaram preocupados, mas confiavam na professora Suzete, e ela estava orgulhosa dos resultados de seu aluno mais brilhante.

O revezamento 4x100 foi disputado em um dia de muita chu-

va. A pista tinha poças, e Alan tinha medo. Respirou fundo e pensou apenas na medalha e que estava absolutamente preparado para correr bem. Quando apanhou o bastão das mãos de Claudemir dos Santos, o Brasil estava em quarto lugar. Alan sabia que podia ir ainda mais rápido, e acelerou a passada, com uma pisada firme sobre as próteses. Chegou a uma velocidade impressionante, arrastou água, poeira e os adversários. A cara de assombrado do australiano gigantão sendo ultrapassado ficará para a história. A prova ainda tinha o alagoano Yohanson Nascimento e André Oliveira.

Pequim foi a primeira experiência paralímpica de Alan e a pri-

meira vez também que ele vestiu uma prótese “cheetah”, que significa leopardo em inglês. É a lâmina de corrida mais eficaz do mundo, e foi desenvolvida nos anos noventa por Van Philips. Em 1976, ele só tinha 21 anos quando sua perna esquerda foi decepada abaixo do joelho em um acidente de esqui aquático. No hospital, suas medidas foram tiradas para uma prótese de madeira com borracha, para ele uma

30


Para-Heróis

verdadeira “sentença para o inferno”. Naquela época, a indústria das próteses se preocupava com a estética, e não com a funcionalidade. Ele descobriu também que desde a Segunda Guerra Mundial, quase nada havia avançado. Desanimado com o resultado das próteses que existiam no mercado, decidiu estudar no Centro de Próteses e Ortótica da Escola de Medicina da Universidade Northwestern para criar um protótipo melhor, que lhe permitisse saltar e se equilibrar ao voltar para o chão.

A primeira coisa que produziu foi um pé de carbono, capaz des-

se movimento dinâmico, já que absorve a energia da pisada e o peso do corpo do paciente e devolve em forma de impulso. Coisa que o corpo humano faz naturalmente através das articulações, sem necessidade de armazenar essa energia como a lâmina faz. A “cheetah” foi concebida imitando os pés do felino, em formato de um C. Quando se coloca força, a lâmina vira uma mola, que é uma das propriedades do carbono, e vai dobrar, empurrando o atleta para a frente.

Marcos Guedes é cirurgião ortopedista especialista em próte-

ses. É ele quem faz as do Alan, e as dele mesmo, já que também sofreu amputação de uma perna quando ainda estudava Medicina. Orgulhoso, ele bate na prótese para que todos na sala ouçam o barulhinho da madeira. E completa dizendo que vai jogar tênis no final do dia. Para ele, ouvir alguém dizer que a lâmina é mais veloz que um atleta de ponta com duas pernas é o maior absurdo, mas ele espera viver para ver isso acontecer um dia.

O atleta especial é primeiro uma pessoa especial.

Alan é rápido porque isso está na genética dele, nenhuma pró-

tese daria isso de bandeja. O que ele precisava era ser instrumentado, e isso aconteceu. No momento em que se juntou o homem correto com a prótese correta, o que se viu foi o paratleta perfeito.

O equilíbrio na lâmina é o primeiro obstáculo. Caminhar com

a prótese cheetah é ruim. Ela foi feita para correr. Por isso que, se

31


Joanna de Assis

você reparar bem, vai perceber que os paratletas não conseguem ficar parados com ela. Embora não tenha pés, e não possa se lembrar de como foi ter tido pés, Alan faz uma comparação interessante. Segundo ele, andar com elas é como andar na pontinha dos pés. E dá uma dor danada na região lombar. As mulheres vão entender melhor essa parte – é como andar de salto alto, muito alto, que faz com que a pessoa incline o corpo, e force a região lombar, porque no final das contas a força sai dali.

Cada dia é uma descoberta para correr melhor.

Uma vez por semana, Alan faz o “treino de bloco”, uma forma de

ensaiar a melhor maneira de largar. Alan apóia a perna direita no pedal, e a esquerda fica na pista. A mão direita ele toca o chão, para ter equilíbrio, enquanto a esquerda fica suspensa no ar. Assim ele encontrou a posição perfeita para sair mais rápido. O pedal da frente, o da perna esquerda, fica vazio. Só ele faz dessa maneira e se diverte com os atletas que já tentaram “imitá-lo”. No Mundial de Lyon, em 2013, um americano tentou utilizar a tática de Alan e caiu com o rosto no chão na largada.

A saída é fundamental em qualquer corrida de curta distância.

Um errinho simples, um décimo de segundo perdido, e o atleta está frito. Um corredor convencional tem mesmo uma saída de bloco melhor, porque possui os pés, as articulações do calcanhar, então é natural que ele domine sua aceleração. Para competir com um atleta olímpico, o paralímpico precisa compensar essa perda com velocidade. O olímpico sai na frente, o paralímpico tem a tendência de ultrapassá-lo no final.

Todos os treinos são exaustivos. São oito horas de trabalho por

dia. Fisioterapia, musculação, saltos, corrida na caixa de areia, corrida em morro. Tudo para fortalecer o atleta. É o que se chama de “trabalho de base”. E machuca muito. O impacto da prótese com o osso faz o coto sangrar quase todas as vezes. Treino com barreiras. Barreiras de ferro, de 30cm de altura. Obstáculos de madeira, com 70cm. Deslocamento lateral, frontal. Agilidade. Destreza. Saltos em caixa de areia.

32


Para-Heróis

Com uma perna só. Com as duas pernas, ao mesmo tempo. Fortalecer a coxa. Saltar outra vez. São muitos detalhes. Quem tem perna, trabalha o músculo. Quem tem prótese, aprende a domá-la.

Se Alan erra o movimento, sinal vermelho na hora da corrida,

porque ele precisa dominar todos os momentos que a pista exige. As curvas, por exemplo. O quadril é trabalhado para suprir a falta dos pés, que mantêm o equilíbrio das pessoas. Se a força aplicada na prótese sair descompensada, a corrida perde o rumo.

Com o sucesso conquistado em Pequim, Belém ficou pequena

demais para o velocista, que a convite do Comitê Paralímpico mudouse em 2010 para São Caetano, cidade vizinha à capital São Paulo, para treinar em um dos melhores clubes de atletismo do país. Tinha chegado o momento de deixar os pais, a pequena cidade de Ananindeua e a professora Suzete.

Daniel Mendes é cego e treina com Alan desde então, mas a

amizade eles fizeram ainda no avião, indo juntos para a Paralimpíada da China. Daniel perdeu a visão em 2002, aos 26 anos, quando trabalhava em uma serralheria. Um enorme bloco de mármore despencou e caiu em seu rosto, que foi esmagado. O impacto causou uma enorme lesão na face e a perda dos dois olhos.

O acidente aconteceu em Nova Venécia, no Espírito Santo ao

norte do Estado. Mas a dificuldade não o acomodou. Daniel se mudou para Vitória, estudou Direito, virou atleta e foi parar na Seleção, assim como Alan, mesmo com idade mais avançada. Os dois viraram amigos inseparáveis, e se prepararam juntos para os Jogos Paralímpicos de Londres.

Alan já tinha mudado a vida. Comprado carro, casa para os pais

e roupas da moda. Mas a simplicidade era a mesma. A fome também. Toda vez que vai a Belém, o pedido para dona Cláudia é o mesmo – frango com tucupi, o famoso molho do caldo da mandioca, e jambu, a verdura que dá choque na boca. Delícias paraenses. O açaí também

33


Joanna de Assis

não pode faltar, e estamos falando do verdadeiro açaí, o puro, sem xarope de guaraná. O creme da frutinha silvestre, devorado com farofa salgada ou açúcar, sempre gelado. Se o ídolo do atletismo mundial, o jamaicano Usain Bolt, tem o inhame como arma secreta de alimentação, Alan tem o açaí, a fruta mais popular das palmeiras de Belém.

Quando viajou para Londres, Alan já tinha a confiança dos téc-

nicos. Treinava com Amauri Veríssimo, um maestro durante todas as atividades dentro e fora da pista, e fã absoluto do açaí paraense. Quando sabe que vai viajar para visitar a família, Alan grita para o professor que o docinho “tá garantido”. Nem assim Amauri alivia. Pega pesado para que Alan descubra cada vez mais rápido um novo índice.

Amauri sabia que Alan alcançaria no mínimo o melhor resulta-

do da carreira dele, afinal de contas, além da prova do revezamento, ele correria provas individuais. Correria também ao lado de Oscar Pistorius, o então ídolo e símbolo da causa paralímpica. Em 2012, Pistorius rompeu uma enorme barreira e fez história ao competir a Olimpíada, ao lado dos atletas com pernas e consagrados mundialmente. O sul-africano disputou a prova dos 400m, e terminou em segundo lugar em sua bateria, com a marca de 45s44, garantindo assim lugar nas semifinais, de onde não avançou.

Imagine esse cara na paralimpíada, o seu verdadeiro reinado?

Era com esse monstro que Alan disputaria uma medalha, na prova dos 200m.

Pistorius era o recordista mundial das três distâncias de veloci-

dade – 100, 200 e 400m. Na apresentação da prova, quando os atletas são filmados e acenam para o público, Oscar Pistorius recebeu as palmas mais altas, e um brilho de flashes. Alan olhou para a câmera e fez sinal com as duas mãos em torno da cabeça apontando para a frente, como se dissesse “foco”.

Assim que foi dado o tiro, o sul-africano disparou na frente,

sem peso nenhum do favoritismo absoluto. Parecia imbatível, mas

34


Para-Heróis

Alan não havia desistido da briga, até porque sabia que o seu melhor sempre estava guardado para o final. Com mais uma arrancada incrível, ele deixou o rival famoso para trás... Pode assistir a prova em qualquer língua, com qualquer narrador, e a surpresa será a mesma. Muitos ficaram até alguns segundos em silêncio, tamanho o susto. Alan viu que venceu, com 21s45, fez o sinal da cruz e saiu apontando o dedinho para as câmeras do mundo inteiro. O público nas arquibancadas do Estádio Olímpico ficou calado, primeiro porque eram admiradores de Pistorius. Segundo porque foi difícil de assimilar o que Alan acabara de fazer. Todo mundo olhava para quem estava ao lado e perguntava “foi isso mesmo?”.

Ao final da prova, Alan foi cumprimentado por todos os adver-

sários. Não abriu o sorriso em nenhum momento, permaneceu sério. Recebeu apenas um abraço pela metade de Pistorius, notoriamente insatisfeito com a derrota. Nada que surpreendesse Alan naquele ponto, já que dias antes, até “ombrada” na Vila Olímpica ele jura que levou.

A cara séria foi o mesmo que dizer um “cala a boca” para o

rival, que era seu ídolo e inspiração. Ao criticar suas próteses, Pistorius acendeu uma fogueira dentro do brasileiro.

Uma coisa é não ser cortês ao ser vencido. Pistorius seguiu com

a sua legião de fãs pelo mundo mesmo perdendo a prova para Alan. Mas alguns meses depois, uma tragédia mudou a vida do paratleta para sempre. No dia 14 de fevereiro de 2013, dia dos namorados no mundo inteiro, menos no Brasil, Pistorius foi acusado de matar a tiros a própria namorada, a modelo Reeva Steenkamp, no banheiro de sua casa.

Sem o maior ídolo da velocidade paralímpica, Alan brilhou sozi-

nho no Mundial de Lyon, em agosto de 2013. Primeiro venceu os 100m. Depois, levou o ouro nos 200m com direito a quebra de recorde mundial, que pertencia ao rival sul-africano. Estabeleceu o tempo de 20s66, pulverizando o anterior, de 21s30. No último dia, foi o mais rápido da prova favorita de Pistorius, os 400m, destruindo seu recorde. Alan com-

35


Joanna de Assis

pletou a distância em 48s58. E olha que Alan mal treina a distância, corre porque é a prova que Suzete tanto gosta. No último quarto da prova, ele já nem tem a mesma potência, mesmo assim foi imbatível.

E se colocássemos Alan ao lado de Usain Bolt, o campeão olím-

pico, mundial e recordista dos 100m e 200m? O que aconteceria? O ponto positivo do jamaicano sempre será a saída, embora ele também tenha potência na arrancada. Mas a prótese é diferente, ganha velocidade com o tempo, e essa aceleração é percebida com força depois dos 40 metros de prova. A maioria dos atletas olímpicos sai veloz do bloco, mas apresenta uma queda nos últimos metros. Alan é o contrário. Com vinte, trinta metros ele já alcança impressionantes 34km/h, e isso se mantém até o final, até depois do final na realidade.

O número de passadas não importa muito. O que é avaliado é

a amplitude dessa pernada, o que foi motivo de polêmica nos Jogos de Londres. Oscar Pistorius implicou com o tamanho da prótese de Alan, alegando que ela seria 5cm maior do que o permitido. É claro que foi desconsiderada a reclamação, porque o tamanho da prótese não é escolhido a esmo. Tem regulamento para isso. Não fosse assim, apareceriam corredores com imensas pernas de pau e transformariam a paralimpíada em circo.

A igualdade será um momento no espaço. Um dia os amputa-

dos correrão com pessoas com pernas. Oba. No próximo passo tecnológico, os amputados serão mais velozes que as pessoas com pernas. E o que mais poderá acontecer? Teremos de esperar.

O lema dos atletas amputados é to close the gap, ou seja, fe-

char a diferença entre eles e as pessoas com o corpo normal. Chegar a um aparelho tão eficiente quanto um membro perdido é a corrida da ciência. Enquanto isso, vemos os atletas, com pernas ou não, desfilarem o domínio do corpo.

Alan Fonteles fez muito mais do que ser campeão, ganhou mui-

to mais do que medalhas e troféus. Alan derrubou a imagem de “coita-

36


Para-Heróis

dinho” dos amputados. Colocou no lugar da carinha triste das pessoas uma sedução pelo conceito de homem biônico, um super-humano, que fascina cada vez mais as novas gerações. Olha o que ele faz! Como assim aposentar esse cara? Pobrezinho onde?

Dona Cláudia sorri em todas as provas de Alan. Sente mais do

que orgulho, é como uma sensação de justiça. Gosta de saber que o filho corre mais do que muita gente com as duas pernas. Ela sorri tímida e fala “ele vence os normais”.

Alan não conhece limite e enquanto ele não depara com essa

barreira, o mundo segue acreditando em suas surpresas. O mundo segue esperando onde ele pode chegar. Nada mais será sofrido. Depois de tudo o que passou para viver, é a prova suficiente para os pais do significado da vida e dos milagres.

37


Para saber mais sobre nossos lanรงamentos, acesse:

www.belasletras.com.br


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.