Nove Provas de Autenticidade Cristã

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N VE PROVAS DE

AUTENTICIDADE

CRISTÃ

BELO HORIZONTE 2012


Do Original Nine Tests of Authentic Christianity © 2012 by Patrick B. Dugan © 2012 by Editora Betânia Tradução Myrian Talitha Lins Revisão Rita Leite Diagramação e Capa Inventiva Comunicação Composição e Impressão Editora Betânia Ficha catalográfica elaborada por Ligiana Clemente do Carmo Damiano. CRB 8/6219

Dugan, Patrick B. Nove provas de autenticidade cristã / Patrick B. Dugan; tradução de Myrian Talitha Lins; revisão de Rita Leite. – Belo Horizonte: Betânia, 2012. 240 p.; 21 cm. Título original: Nine tests of authentic christianity, c2012.

ISBN 978-85-358-0296-2

1. Cristianismo. 2. Vida cristã. 3. Conduta cristã. I. Título. CDD 248.4 1.ª edição, 2012 É proibida a reprodução total ou parcial deste livro, sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros, sem permissão por escrito dos editores. Todos os direitos reservados pela Editora Betânia Rua Padre Pedro Pinto, 2435, Venda Nova 31570-000 Belo Horizonte, MG Caixa Postal 5010, 31611-970 Venda Nova, MG


Dedico este livro aos vários cristãos autênticos que causaram impacto em minha vida. Entre eles, quero citar

LeRoy e Richard Dugan, meus irmãos mais velhos. Além de terem sido os meus “heróis” na infância, ainda foram para mim um modelo de cristianismo autêntico, inspirando-me a seguir seu exemplo. Posteriormente, na adolescência, o Richard me revelou a toda a potência contida na carta de João, inicialmente, numa série de mensagens e depois em textos. Ele, por sua vez, se inspirara no famoso pregador Paris W. Reidhead... Essa é nossa originalidade! Nedra Dugan, minha esposa, com quem estou casado há quarenta e dois anos. É a cristã mais autêntica que conheço. Até hoje ainda admiro seu caráter íntegro, sua forte sensibilidade para com as coisas espirituais e a maneira totalmente desprendida como ela serve aos outros. Como todos os nossos filhos já são adultos e não moram mais conosco, atualmente sou o principal objeto do seu amor. Sorte minha!



Sumário Prefácio.................................................................................... 09 Introdução – A Confusão do Século XXI................................ 13 1. Primeira Prova de Autenticidade Cristã – Verdade, a Base do Discernimento.................................. 24 2. Segunda Prova de Autenticidade Cristã – A Comunhão com Deus................................................... 43 3. Terceira Prova de Autenticidade Cristã – A Comunhão com os Irmãos............................................ 69 4. Quarta Prova de Autenticidade Cristã – A Conduta Cristã.............................................................. 93 5. Quinta Prova de Autenticidade Cristã – O Amor Sacrificial......................................................... 123 6. Sexta Prova de Autenticidade Cristã – O Crescimento Espiritual............................................... 146 7. Sétima Prova de Autenticidade Cristã – Vitória Sobre o Sistema do Mundo................................ 166 8. Oitava Prova de Autenticidade Cristã – Um Conceito Bíblico Sobre Cristo................................ 189 9. Nona Prova de Autenticidade Cristã – O Testemunho do Espírito Santo................................... 210 Perguntas Para Estudo Individual e em Grupo...................... 225 Notas...................................................................................... 234



Prefácio

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m Mateus 7.21-23, Jesus faz uma assustadora descrição de um fato que ocorrerá no futuro. Fala daquele dia em que todos iremos prestar contas de nossos atos a Deus. Nessa ocasião, muitos irão exibir a lista de suas credenciais espirituais. Mostrarão que profetizaram, expulsaram demônios e operaram inúmeras maravilhas no nome dele. Obviamente, tais indivíduos farão isso na expectativa de que o Senhor lhes responda com termos elogiosos em relação à vida e ao trabalho deles. Entretanto, naquele instante de intensa comoção, Jesus proferirá a sentença: “Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais iniquidade”. Imagine-se o choque e o senso de autocondenção que essas pessoas vão experimentar! É que, a essa altura, não terão mais condições de apelar para ninguém, nem de voltar atrás. Não haverá como corrigir os erros. A atmosfera predominante será de terror, pavor e de tristeza profunda. E lembremos que aqui não se trata de um conto de fadas, nem mesmo de uma parábola. Jesus descreve um evento real. Isso vai acontecer mesmo. Hoje em dia, nós, que frequentamos uma igreja, costumamos tratar a Palavra de Deus do mesmo modo como encaramos os


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pratos de um restaurante self-service. Vemos na Bíblia verdades que apreciamos e outras que parecem não se encaixar em nossa vida, nem em nossa compreensão da realidade. Em muitos casos, esses trechos “indigestos” têm a ver com exigências divinas que interferem com nosso desejo de sempre fazer o que nos dá vontade. Então, quando folheamos as páginas das Escrituras, temos a tendência de “nos servir” apenas dos textos que agradam ao nosso entendimento cultural e ao nosso estilo de vida prazeroso. Por vezes, nós, conscientemente, ignoramos as passagens mais difíceis, ou então arranjamos explicações para elas. E, com muita frequência, passamos por esses versículos sem ao menos notá-los. É que eles não se enquadram bem em nossa mentalidade e, por isso, nem os vemos. A consequência disso é que os princípios pelos quais regemos nossa vida não se baseiam nos valores bíblicos. Pelo contrário; formamos nossa visão de mundo e daquilo que desejamos para nossa existência, em grande parte, a partir do nosso contexto social. Adotamos as ideias, os valores e os sentimentos da sociedade em que estamos inseridos. E nos achamos mergulhados nesses valores até o pescoço, devido à influência da mídia, da escola, dos amigos e mesmo dos familiares. E essa condição já perdura há tanto tempo que, de modo geral, nem percebemos o quanto nossos pensamentos e sentimentos divergem das verdades bíblicas. Tal situação é perniciosa e terrivelmente perigosa. É que o fruto dela é um viver distorcido e não a vida abundante que Jesus veio nos conceder. Neste livro – Nove Provas de Autenticidade Cristã – Patrick vem expor exatamente essa nebulosa e sedutora prática de seguir os impulsos impensados. Seu intuito é levar-nos a fugir desse contexto cultural, que abraçamos de forma tão inconsciente e complacente. Seu objetivo é que tenhamos uma vida de belíssima integridade espiritual e uma firme confiança diante de Deus, para que não estejamos entre os que o Senhor Jesus irá rejeitar naquele dia.


PREFÁCIO

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Por causa desse interesse, Patrick apresenta aqui uma bela e evocativa descrição da vida cristã autêntica. Ao ler o texto, senti-me profundamente atraído para esse “retrato” do viver em Cristo que ele traça aí. E o apóstolo João, ao escrever sua primeira carta, demonstra as mesmas preocupações reveladas pelo Patrick. Com palavras inspiradas pelo infalível Espírito Santo, ele mostra como devem viver o homem e a mulher que conhecem a Cristo. Isso é clareza. Tal ensino pode nos comunicar uma grande confiança em nosso caminhar com Deus. É que não precisamos ficar na dúvida, sem saber se estamos ou não agradando ao nosso amado Jesus. E assim sendo, podemos gozar daquela profunda paz que deriva de um firme senso de segurança. E podemos desfrutar dela não porque estejamos nos esforçando desesperadamente para viver de acordo com determinados padrões, mas porque Cristo vive em nós, produzindo os frutos desejados! Entretanto, conhecendo a natureza humana, é bem possível que alguns, ao lerem esta obra, tentem assumir para si esses ensinamentos, arvorando-se em “xerifes” do Reino de Deus. Daí, vão se convencer de que, inteirados do conteúdo dela, serão capazes de determinar quem é trigo e quem é joio e abrirão guerra contra o joio. Entretanto, no Reino de Deus não existem “xerifes”. Nenhum de nós tem condições de apontar quem são os “verdadeiros” cristãos e muito menos distingui-los dos falsos. Então, por favor, que ninguém pense que agora possui discernimento para extirpar o joio. Se o fizer, estará agindo errado. E, como Patrick adverte neste texto, tal indivíduo certamente irá causar muita destruição. Portanto, vamos ler este importante livro, aplicando-o à nossa vida. Vamos lê-lo na presença do Senhor, intensamente sintonizados com sua Pessoa, permitindo que ele opere em nós de forma profunda. E, à medida que avançarmos nestas páginas, experimentaremos muito arrependimento em espírito de humildade. Minha esperança é que o leitor derrame lágrimas de convicção, bem como lágrimas de alegria, ao perceber novos progressos


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espirituais em seu viver. Seus anseios e expectativas se fortalecerão, pois estará pisando num terreno firme, fitando o futuro com toda confiança. O resultado será o nascimento de uma nova beleza em seu ser. E essa maravilhosa fragrância irá atrair outros para a autenticidade que você estará vivenciando. Desse modo, a verdade brilhará fortemente, dissipando a confusão destes dias que vivemos. O Reino de Deus prevalecerá em sua vida e na daqueles com quem se relaciona. – Jim Stier Escritor e fundador da JOCUM no Brasil


Introdução A Confusão do Século XXI

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o início deste novo milênio, o termo que melhor descreve o cenário evangélico no Brasil talvez seja “confusão”. Durante cerca de trinta anos, a igreja brasileira experimentou um dinamismo espiritual que, em dado momento, lhe valeu o título de “a igreja que mais cresce no mundo”. Hoje, porém, ela se assemelha a uma “colcha de retalhos” bem desigual, exibindo o bizarro e o sagrado, o ortodoxo e o heterodoxo, o egoísmo horrendo e a devoção sublime. Diante dessa atordoante variedade de crenças e condutas rotuladas como “evangélicas”, muitos crentes sinceros estão vivenciando uma crise de identidade.

• Falhas de natureza moral na vida de líderes evangélicos

muito presentes na mídia – para alegria dos críticos seculares e religiosos – abalam a confiança dos crentes na liderança. • Grupos evangélicos caracterizados por práticas estranhas e esotéricas surgem por toda parte, a ponto de “rosas milagrosas” e “óleo ungido” serem vistos como fato normal.


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Práticas pecaminosas, antes consideradas inimagináveis para um “crente” – como adultério, desonestidade, tramoias financeiras, luta por poder – hoje são minimizadas ou completamente ignoradas. Já não nos deixam mais chocados. • Alegações de poderes sobrenaturais – “Estamos determinando que o círculo de fogo vai descer”1, não vêm acompanhadas de comprovações sérias. Com isso, minam a fé das pessoas, ao invés de fortalecê-la. • Personalidades da mídia religiosa, com seus manipuladores apelos financeiros, suas promessas de prosperidade, suas “revelações” (que não encontram respaldo no cristianismo histórico) bem como sua vida de opulência nos deixam até meio envergonhados. Aliás, por vezes, tais situações nos levam inclusive a pensar se, quem sabe, não estamos “perdendo” algo aí. Os crentes mais sinceros, sem entender bem esses rodopiantes ventos religiosos, estão interiormente fazendo alguns questionamentos. “Então, em que devo crer?” “Afinal, qual é a conduta cristã bíblica?” “Será que eu deveria procurar ter comunhão com tal e tal grupo?” “Vendo todas essas alternativas, será que eu estou no caminho certo?” Em que devemos crer?

A confusão doutrinária é endêmica. Recentemente, eu estava folheando uma revista evangélica2 e percebi pontos de vista doutrinários claramente contraditórios entre um artigo e outro. O autor de um dos textos, citando Charles Spurgeon, um pregador inglês do século XIX, adverte-nos contra os “novos ventos” de apóstolos autonomeados e de pregadores da prosperidade (p. 12). No mesmo número, outro escritor que, ironicamente, se


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intitula “apóstolo” quer ajudar a igreja a se alinhar com os atuais “ventos” de Deus (p. 9). E encontramos ali até um acréscimo meio cômico a essa mistura de doutrinas. Há um anúncio de um “sistema de beleza” evangélico. Nele, afirma-se que “Jesus restaura tudo”, aparentemente por meio de implantes, peelings e tratamentos para a celulite! (P. 10.) E assim, inundados por esses apelos contraditórios, percebemos como a confusão está reinando. Os grupos mais conservadores, com os olhos voltados para o passado, lutam em favor dos credos históricos. Enquanto isso, os progressistas se mostram encantados com as últimas revelações do que “Deus está operando atualmente”. Então, em que nós, evangélicos, devemos crer? Como devemos agir?

E essa confusão não é apenas doutrinária. É também moral e ética. (As crenças têm suas consequências!) Então, como é que nós, os crentes, devemos agir? Muitos evangélicos ainda conseguem fazer com que alguns expressem (não sem um pouco de relutância) certo respeito por elevados padrões éticos e morais. Outros, porém, parecem estar de mãos dadas com a sociedade em geral, e vão deslizando pelo escorregadio declive que leva à decadência moral. Uma conhecida figura da mídia nacional, em entrevista na televisão, comentou, em tom bastante positivo, que participara de um filme pornográfico. Em seguida, no mesmo programa, revelou que era evangélico. Quem não fica confuso diante de uma situação dessas? Recentemente, uma das principais revistas de publicação semanal publicou uma foto da nova residência de um líder denominacional, que custara cerca de R$4.000.000,00! E o sustento de sua organização provém da contribuição – muitas vezes sacrificial – dos membros do seu rebanho.3 Ao que parece, esse homem acredita que tem direito a tal tipo de vida, enquanto as ovelhas dão a impressão de se sentirem satisfeitas com o “sucesso” dele.


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Certo homem traiu a esposa e depois explicou sua quebra dos votos matrimoniais nos seguintes termos: “Não sinto mais atração por minha mulher!” Essa justificativa parece mais uma frase de um personagem da novela das oito. Entretanto esse homem ainda acha pastores e amigos crentes que o apoiam nessa sua busca da felicidade. O resultado da soma desse tipo de incidentes é confusão. E o pior é que o pecado não parece mais ser tão iníquo. Será que os evangélicos estão vivendo basicamente pelos mesmos padrões de conduta pecaminosos dos incrédulos, com a diferença de que aqueles pedem perdão por seus pecados e – assim o esperam – o recebem? Com quem temos comunhão?

Essa confusão com relação às doutrinas e à conduta acaba provocando incertezas também sobre a questão dos relacionamentos. Não há dúvida de que temos de amar nossos irmãos e ter comunhão com eles. Mas quem são meus irmãos em Cristo? Será que, de alguma forma, estamos ligados a essa comunidade evangélica de padrões éticos e pensamento teológico tão incoerentes? E será que queremos estar? Os observadores externos tendem a generalizar, julgando iguais todos os evangélicos, para tristeza dos mais conservadores. Ultimamente, tenho ouvido, até com certa frequência, algumas pessoas levantando a hipótese de termos uma “segunda reforma”. Assim se faria distinção entre os crentes ortodoxos e essas estranhas versões do cristianismo que parecem estar continuamente brotando por aí. Será que fazemos parte do mesmo grupo que afirma que todos os cristãos devem ser ricos, felizes e saudáveis? Será que um crente teologicamente conservador pode ter comunhão com alguém que expressa uma opinião meio “baixa” das Escrituras? Um pentecostal pode comungar com um neopentecostal? ou com um não pentecostal? ou com aqueles que acreditam que o descanso sabático deve ser observado no sábado? É claro que os amamos por serem seres criados por Deus. Mas será que devo


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ter comunhão com pessoas que, a meu ver, estão ajudando a propagar crenças e práticas que considero distorções do cristianismo bíblico? Será que eu realmente sou cristão?

Por último, essas indagações têm profundas implicações pessoais e, muitas vezes, geram em nós uma dúvida bastante inquietante que hesitamos em expressar. Será que eu próprio estou no caminho certo? E essa crescente confusão em torno de crenças, condutas e relacionamentos podem levar-nos a questionar até nossa salvação. Será que, em meio a tantas opções e apelos religiosos, eu encontrei o “verdadeiro” cristianismo? Faço parte do corpo de Cristo, da verdadeira igreja, daquela cujo destino é o céu? Será que a certeza de salvação que acredito ter é válida? E será que existem meios de eu saber? E se existem, quais são? O apóstolo João tem a resposta

O apóstolo João tem uma boa notícia para nós. Em sua primeira carta, encontramos a “saída” para toda essa confusão. Ela nos oferece pontos de referência, marcos fixos, como os astros pelos quais se orientavam os navegantes da antiguidade. Tais indicadores constituem os elementos de que precisamos para exercitar discernimento. Pelas palavras dele e com a ajuda do Espírito Santo, somos capacitados a identificar o cristianismo autêntico. Podemos saber quais são as suas crenças, condutas e relacionamentos. Desse modo, em meio a este mundo mau e confuso, temos condições de encontrar a certeza da nossa salvação. A confusão nos dias do apóstolo João

E por que devemos examinar a primeira carta de João para obtermos orientação neste momento tão confuso da história? Assim como as igrejas evangélicas do século XXI, as comunidades sobre as quais esse apóstolo exercia sua liderança também enfrentavam sérios problemas de ordem ética, doutrinária e relacional. O que vou dizer pode até deixar perplexos alguns


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leitores que têm uma visão meio romântica da história da igreja primitiva. O fato, porém, é que os cristãos dos tempos apostólicos eram tão humanos como nós e, da mesma forma, susceptíveis ao erro. (Quem tiver alguma dúvida sobre isso, leia as cartas de Paulo às famosas igrejas de Corinto e da Galácia e verá os problemas que ele teve de resolver ali.) Para começar, essas igrejas da Ásia (região onde atualmente é a Turquia) sobre as quais o apóstolo exercia liderança, sofreram influência de duas linhas doutrinárias opostas. Hoje em dia é até difícil imaginar uma igreja evangélica que tenha tanta dúvida sobre o fato de que Cristo era humano e divino, como as da Ásia menor. De um lado, estavam alguns crentes de origem judaica que questionavam a divindade do Senhor. No outro extremo, achavam-se os de origem grega que tinham a tendência de exaltar Cristo, vendo-o como um ser superior à condição humana. Qual desses “Cristos” seria o verdadeiro? E por causa dessa controvérsia, inúmeros crentes abandonaram a igreja.4 Ademais, no plano moral também elas se achavam confusas com relação à importância da conduta certa. Alguns crentes haviam assimilado o legalismo dos judeus, enquanto outros afirmavam “transcender” o pecado. Ou seja, criam que podiam ser espiritualmente “santos” embora pecassem no corpo. Mas será que uma pessoa poderia ignorar a lei moral e ainda assim ser crente? E havia ainda a questão dos relacionamentos. Esses crentes da Ásia indagavam: “Os que saíram da igreja estão errados? Se estiverem, como vamos nos relacionar com eles? Será que eles ainda são nossos irmãos em Cristo? O que realmente significa amar os outros cristãos?” Por fim, essa incerteza geral acabou gerando insegurança pessoal. Eles pareciam atormentados pelas dúvidas. Será que sou crente mesmo? Tenho a vida eterna? Então o apóstolo João se dispõe a resolver essa confusão e, com termos firmes e seguros, promete certeza dos fatos. Diz ele: “Estas coisas vos escrevi, a fim de saberdes que tendes a vida eterna” (5.13 – grifo


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do autor). Ele queria dissipar todas aquelas nuvens de confusão para que eles pudessem palmilhar, alegremente e em humildade e certeza, a estrada em direção ao céu. Discernimento: o antídoto de João para a confusão

E como é que João se propõe a solucionar essas questões? Um detalhe interessante é que ele não fornece uma lista com o nome dos ensinos e movimentos heréticos, embora pudesse perfeitamente ter feito isso. Na ocasião, ele estava se defrontando com alguns falsos mestres, como Cerinto, por exemplo, que adicionava à doutrina cristã a filosofia dualista dos gregos5. E o apóstolo era tão avesso à nociva influência desse homem, que Policarpo, um discípulo dele, narra um fato digno de nota. Conta ele que, certo dia, alguém viu o apóstolo sair correndo de uma casa de banhos, porque ficara sabendo que Cerinto se encontrava ali. E saiu gritando: “Vamos fugir daqui, antes que o prédio venha abaixo, pois Cerinto, o inimigo da verdade, está aí dentro.”6 Entretanto, em vez de citar nomes como o de Cerinto, por exemplo, ele preferiu dar condições aos próprios membros para discernirem entre o que era falso e o que era verdadeiro. Com base nos pontos fixos que ele lhes forneceu, eles poderiam filtrar as doutrinas e práticas errôneas. O apóstolo entendia que o segredo para se sobreviver espiritualmente num mundo confuso, fosse no século I ou no XXI, era ter discernimento. Quem explica isso muito bem é Terry Muck: “Vivemos numa época em que, mais que nunca, é da maior importância ter discernimento... Precisamos do discernimento cristão teológico, baseado em padrões bíblicos. Necessitamos desse entendimento que nos possa mostrar o caminho estreito que há entre os excessos e a avareza, a libertinagem e o legalismo, a inovação e a esterilidade... As cartas de João nos oferecem esse discernimento.”7


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Nove provas de autenticidade

Para discernirmos a autenticidade de algo precisamos submetê-lo a determinadas provas, de acordo com critérios previamente estabelecidos. Durante vários séculos, por exemplo, os teólogos tiveram indagações acerca do chamado “santo sudário”, de Turim. Trata-se de um tecido de 4,35m por 1,30m, que apareceu pela primeira vez em 1357. Dizia-se que era o lençol no qual envolveram o corpo de Cristo quando o sepultaram. Será que aquela peça de linho rústico, onde se via uma leve imagem gravada em tinta de sépia, mostrando o corpo nu de um homem barbado e com as marcas da stigmata, era de fato o mesmo em que embrulharam o Salvador? Alguns cristãos o veneravam. Outros o olhavam com suspeitas, julgando-o uma fraude. Afinal, no século XX, alguns cientistas o submeteram a uma prova rigorosa, usando critérios previamente estabelecidos, a fim de se comprovar sua autenticidade. Então, em 1988, para a frustração de muitos, os testes demonstraram que a peça realmente era datada do século XIV. Na realidade, ela nunca tinha estado em contato com o corpo do Salvador.8 Nessa busca de autenticidade no cristianismo, de certa forma, estamos procurando evidências de um contato com Cristo. Aquele que tem relação com ele invariavelmente sofre alguma alteração em seu ser. É o caso de Pedro, por exemplo. Quando a criada do sumo sacerdote o viu no pátio, logo percebeu traços de Jesus na pessoa dele. E disse: “Tu também estavas com Jesus, o Nazareno” (Mc 14.67). E hoje, de igual modo, todos aqueles que experimentam uma proximidade com ele fatalmente irão revelar isso, pois passam por uma transformação de caráter. Todavia, como os cientistas fizeram com o “santo sudário”, os cristãos do século XXI também precisam ser submetidos a alguns testes para se saber se realmente estiveram em contato com o Salvador. Na primeira carta de João, encontramos os elementos que nos capacitam a efetuar essa tarefa de testar a autenticidade. O


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apóstolo fornece nove provas,9 às quais podemos submeter igrejas ou experiências bem como a nós mesmos, a fim de discernirmos se são de fato cristãs autênticas. Aqui, então, iremos estudar essas “marcas de autenticidade” na ordem em que aparecem em Primeira João. São as seguintes: 1. Verdade – a Base do Discernimento 2. A Comunhão com Deus 3. A Comunhão com os Irmãos 4. A Conduta Cristã 5. O Amor Sacrificial 6. O Crescimento Espiritual 7. Vitória Sobre o Sistema do Mundo 8. Uma Concepção Bíblica Sobre Cristo 9. O Testemunho do Espírito Santo Como este livro pode ser útil para o leitor

Nosso objetivo neste livro é ajudar o leitor a adquirir o discernimento bíblico em duas áreas de sua vida. 1. Avaliar a própria condição espiritual. O apóstolo Paulo recomenda: “Examinai-vos a vós mesmos se realmente estais na fé; provai-vos a vós mesmos”. É claro que, se não tivermos certa cautela ao fazer esse autoexame, poderemos deixar que ele se torne uma experiência mórbida, o que provocará sentimentos de frustração. Entretanto o objetivo de Paulo não era enfraquecer nossa confiança, mas fortalecê-la. E ele continua: “Ou não reconheceis que Jesus Cristo está em vós?...” (2 Co 13.5,6.) E João, ao explicar a razão por que escreveu sua carta, revela o mesmo interesse em que os leitores tenham certeza de salvação. Diz ele: “Estas coisas vos escrevi, a fim de saberdes que tendes a vida eterna, a vós outros que credes em o nome do Filho de Deus” (1 Jo 5.13).


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Ao final deste livro, o leitor encontrará uma série de perguntas para estudo sob o título Examine-se a si Mesmo – A Autenticidade no Espelho. O propósito aí é que cada um faça uma aplicação pessoal dessas nove evidências. Trata-se de algumas perguntas simples pelas quais podemos examinar a nós mesmos no “espelho” da Palavra de Deus. Esse tipo de exercício serve tanto para fortalecer sua confiança como para desafiá-lo a avançar na caminhada cristã. 2. Analisar, à luz da Bíblia, as novas doutrinas e movimentos que possam surgir no cenário brasileiro. Jesus faz a seguinte advertência: “Acautelai-vos dos falsos profetas” (Mt 7.15). Além de examinarmos a nós mesmos, com essas nove provas de autenticidade, podemos também, em espírito de humildade, fazer uma avaliação da grande variedade de opções do cristianismo do século XXI que o “shopping espiritual” vem nos oferecendo. Aqui, porém, precisamos ter muito cuidado com um fato. Estamos examinando questões e não pessoas. É necessário nos precavermos para não nos arvorarmos em juízes do nosso próximo. Jesus nos adverte claramente no sentido de não assumirmos uma atitude de julgamento. É que, por vezes, esquecemos-nos de nossas falhas pessoais e nos julgamos superiores a outros. Nesse caso, tendemos a emitir opiniões sobre o coração ou o destino eterno de terceiros. Então, ao avaliarmos essas doutrinas e movimentos atuais, precisamos, humildemente, lembrar que nós, de igual modo, estamos sujeitos a errar e, portanto, também seremos julgados. (Ver Mateus 7.1-5.) Ao final do livro, damos também algumas perguntas para uso em grupos, sob o título Acautelai-vos – A Autenticidade na Igreja. A finalidade delas é ajudar-nos a nos orientarmos nestes dias confusos que vivemos. Esse grupo de perguntas pode ser utilizado como guia de estudos numa célula ou classe de escola dominical.


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Ademais, este livro pode ajudar o leitor a focalizar naquilo que é essencial. As evidências que apresentamos não têm muito a ver com as questões secundárias do cristianismo, ou seja, com a liturgia, governo eclesiástico, modos de batismo, tipos de culto e com o exercício dos dons espirituais em público. Nessas áreas, temos de cultivar a generosidade de espírito que abre espaço para a diversidade e a individualidade dentro da totalidade do corpo de Cristo. Como veremos, as questões que João aborda constituem a própria essência daquilo que C. S. Lewis denomina “cristianismo puro e simples”. Elas constituem o âmago do cristianismo, sem o qual um crente não é um verdadeiro cristão e uma igreja não é a igreja de Cristo. A versão bíblica The New English Bible (A nova Bíblia inglesa) chama a carta de 1 João de “Um retorno aos fundamentos da fé”. E são esses “fundamentos” da fé cristã que João focaliza nessas provas de autenticidade.


PRIMEIRA PROVA DE AUTENTICIDADE CRISTÃ

Verdade, a Base do Discernimento “O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida... o que temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros.” (1 Jo 1.1,3.) “Permaneça em vós o que ouvistes desde o princípio. Se em vós permanecer o que desde o princípio ouvistes, também permanecereis vós no Filho e no Pai.” (1 Jo 2.24.) “Também sabemos que o Filho de Deus é vindo e nos tem dado entendimento para reconhecermos o verdadeiro.” (1 Jo 5.20.)

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erca de um mês após o ataque às chamadas “Torres Gêmeas” do World Trade Center, de Nova Iorque, um pastor evangélico conhecido mundialmente compareceu a um evento religioso de que participaram também líderes de


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outras religiões. Havia ali líderes judeus, islâmicos e sikh. O jornal Chicago Tribune publicou o seguinte a respeito dele: “Durante várias décadas... ele defendeu o proselitismo no sentido de levar os muçulmanos a se tornarem cristãos. Por fim, porém, convenceu-se de que pedir às pessoas para mudarem de crença era ‘totalmente ridículo’... Em 1999, o sumo mufti da Síria lhe pediu que fosse pregar em Damasco. Posteriormente, ele escreveu o seguinte em sua autobiografia: ‘Quando me encontrei com o mufti... senti a presença de Deus. O objetivo das religiões não é que alguém possa dizer: ‘Sei a resposta de tudo e minha tarefa é converter os outros’. Essa estrada leva a um fim como o das Torres Gêmeas’.”1

Temos de convir que a posição desse famoso pastor esbanja tolerância. (E nesse aspecto assemelha-se a algumas conferências ecumênicas inter-religiosas que acontecem no Brasil, reunindo protestantes, católicos, espíritas, budistas, animistas, etc.) E ele certamente tem razão ao afirmar que não devemos desejar uma escalada do ódio e da violência religiosa. Sem dúvida alguma, esse homem expressa o sentimento da sociedade em geral. Entretanto será que esse seu posicionamento politicamente correto reflete a verdade? Percebemos aí pelo menos dois modos pelos quais seu ponto de vista fere os princípios bíblicos. Primeiro, seu pensamento se acha em posição oposta às palavras do Senhor Jesus que, sem constrangimento algum, faz uma afirmação de caráter absoluto: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6). (Aprofundaremos mais nessa questão no capítulo 8.) Em segundo lugar, suas palavras dão a impressão de que ele se baseia fortemente em seus sentimentos. Diz que sentiu a presença de Deus, ao se encontrar com o mufti. Mas até que ponto ele poderia confiar nos próprios sentimentos? Será que as emoções humanas, que são tão frágeis e inconstantes, podem conferir crédito a uma declaração tão controversa? Não


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diz o profeta bíblico que o coração humano é “enganoso... e desesperadamente corrupto” (Jr 17.9)? Precisamos refletir sobre esse caso, pois é bem sintomático, já que revela as indagações que todos nós encontramos por aí. E não é somente no meio da liderança religiosa que percebemos essa falta de compromisso com a verdade bíblica e essa excessiva confiança em aspectos subjetivos. Nas decisões que nós, crentes, tomamos diariamente, a ideia de nos regermos por princípios absolutos vem sendo paulatinamente enfraquecida (e nisso ninguém é exceção, nem eu, nem você que me lê). Alguns anos atrás, eu conversava com uma jovem crente muito atraente chamada Joana (nome fictício), a respeito do namoro dela com um homem não crente. Lembrei-lhe da advertência clara que o apóstolo Paulo faz ao cristão no sentido de não entrarmos num jugo desigual com incrédulos (2 Co 6.14). E, quase sem hesitação, ela replicou: “É, mas eu sinto que ele é o homem certo para mim e que isso é a vontade de Deus para minha vida.” Naquele momento, as emoções de Joana tinham mais peso do que a Palavra de Deus. Certamente, todos nós praticamos esse tipo de racionalização em nossas decisões de natureza ética. Quando vemos a confusão moral, doutrinária e relacional que nos cerca e que, em alguns casos, está em nosso interior também, precisamos começar a procurar o cristianismo autêntico fora de nós, isto é, fora da nossa subjetividade, da intuição humana. Necessitamos ter pontos de referência fixos, ou seja, buscar uma orientação não fundamentada em sensações e pressentimentos. Em 18 de setembro de 1999, John Kennedy Jr. sofreu um grave acidente que lhe custou a vida. Ao que parece, o que ocorreu foi que ele perdeu os pontos de referência. Estava pilotando seu avião Piper Saratoga, na região da Nova Inglaterra, nos Estados Unidos, em meio a fortes ventos e um denso nevoeiro. Com isso, ficou sem o senso de direção visual e caiu no mar. E apesar de tudo, ele tinha instrumentos adequados na aeronave.


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Meu cunhado Steve, que também é piloto, explicou-me que numa situação dessas é muito difícil confiarmos só nos instrumentos. A pessoa pode ter a sensação intuitiva de que está voando ao nível certo quando, na verdade, os instrumentos demonstram que está perdendo altitude. Nesses casos, a decisão de confiar nas sensações pode significar um mergulho para a morte. O piloto precisará exercitar grande força interior para continuar seguindo os pontos de referência fixos de que dispõe, apesar de sofrer uma forte influência em contrário. O mesmo se aplica ao cristão. A prova da verdade

O apóstolo João, então, deseja que permaneçamos com nossa atenção fixa nesses pontos de referência. Segundo ele, a primeira placa de sinalização que nos remeterá para a autenticidade está escrita em letras maiúsculas: VERDADE. Para ele, a questão da verdade é fundamental. E o vocabulário que emprega em sua carta demonstra que ele atribui à verdade a maior importância. Em sua pequena carta, as palavras “verdade” e “verdadeiro” ocorrem cerca de quinze vezes e se opõem a “mentira” e “engano” que aparecem mais ou menos com igual frequência. O apóstolo direciona a atenção do seu rebanho (que, aliás, se acha confuso) para a verdade em geral, mas não apenas para ela. Mostra-lhe também uma verdade de natureza bem específica. Pelo que ele ensina (contrariamente ao pensamento do pastor que citamos e de nossa amiga Joana), a verdade “verdadeira” possui duas características: ela é bíblica e é objetiva. A verdade bíblica

João principia sua argumentação no sentido de demonstrar que a verdade é um elemento básico para termos discernimento, citando os registros apostólicos, ou seja, os Evangelhos. Suas primeiras palavras são: “O que era desde o princípio...” O “princípio” a que ele se refere não é o início dos tempos, mas do cristianismo relatado pelos apóstolos que foram as testemunhas oculares do ministério de Jesus.


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Mesmo correndo o risco de parecer ultrapassado, ele faz repetidos apelos aos seus leitores para não se apartarem de sua herança apostólica. “Ora, a mensagem que, da parte dele, temos ouvido e vos anunciamos”(1.5); “Amados, não vos escrevo mandamento novo, senão mandamento antigo”(2.7); “Permaneça em vós os que ouvistes desde o princípio”(2.24). Com isso, ele queria dizer que encontramos a verdade em testemunhas históricas, inspiradas e dignas de crédito. Hoje esse registro apostólico constitui uma parte do Novo Testamento. Em outras palavras, João está afirmando que começamos a obter esse discernimento por meio da base sólida da verdade escriturística. A Bíblia sempre foi, ao longo da história, a autoridade suprema de “vida e prática” para a grande maioria dos cristãos. E ainda hoje continua sendo, pelo menos nos credos e nas declarações de fé. Entretanto, no plano real, ela parece estar tendo cada vez menos peso para os crentes. Recentemente, uma pesquisa revelou que cerca de 50% dos pastores e líderes nunca leram a Bíblia Sagrada por inteira pelo menos uma vez.* Como poderemos ter esperança de manter a bússola bíblica, se os líderes (para não dizer os crentes leigos) nem ao menos conhecem o conteúdo dela? O fato é que se quisermos ter discernimento, é indispensável que tenhamos conhecimento da verdade bíblica. A verdade objetiva

Em segundo lugar, a verdade que nos trará o discernimento precisa ir além da subjetividade e passar a ser objetiva. Não é a mente humana que cria a verdade; ela apenas a descobre. Portanto, o fato real não é simplesmente fruto de opiniões ou sensações pessoais; é bem mais que isso. A verdade objetiva se baseia em algo que podemos observar e comprovar. Um homem pode *  O resultado é fruto de uma pesquisa feita pelo atual editor e jornalista da Abba Press & Sociedade Bíblica Ibero-Americana, Oswaldo Paião, com 1.255 entrevistados de diversas denominações, sendo que 835 participaram de um painel de aprofundamento. O motivo é a falta de tempo, apontaram os entrevistados.


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ter a impressão de que é um grande jogador de futebol, mas o que atesta a verdade objetiva é sua atuação em campo. Quem se orienta pelas sensações e ignora a verdade objetiva é como aquele rei da história infantil “A Roupa Nova do Imperador”. Um alfaiate inescrupuloso convenceu o rei de que criara uma roupa nova tão fabulosa que só as pessoas muito sábias conseguiam enxergá-la. Não querendo confessar que não era sábio, o tolo monarca saiu exibindo orgulhosamente sua inexistente “roupa nova”. Seus súditos, sentindo-se igualmente intimidados pelos argumentos do alfaiate, puseram-se a elogiar a fina vestimenta invisível. E o rei ia desfilando pelo reino apenas com a roupa de baixo. “Subjetivamente”, ele se considerava vestido. Na verdade, porém, “objetivamente”, estava nu. Afinal, um garoto simples reconheceu o fato, revelando assim a orgulhosa estupidez de todos eles. E nós também, se realmente quisermos deixar para trás nossas ilusões e chegarmos à “verdadeira” verdade, temos de fazer como o apóstolo João e cultivar um ponto de vista objetivo, como o do garoto da historinha. A fé do apóstolo não se baseava em uma visão, nem num exame pessoal de sua alma. Para atestar a existência objetiva da Verdade, logo de início, ele apela para evidências na Pessoa de Cristo. “O... que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da Vida... o que temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros...” (1.1,3.) Ele havia conhecido pessoalmente um homem real, de carne e osso. Assim como os outros onze apóstolos, João tivera contato com a realidade de Jesus, não por meio de sonhos, nem de encontros místicos, mas pelos seus cinco sentidos. Nesse texto, ele menciona três: audição, visão e tato. Eles conheceram Cristo num contexto de objetividade sensorial.

O som da voz de Jesus ecoara no monte das Oliveiras e a vibração sonora chegara aos tímpanos dos ouvidos físicos de Mateus. • Na saída da cidade de Jericó, Pedro fechara um pouco os


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olhos ao brilho intenso da luz do Sol, vendo Jesus curar o cego Bartimeu. • Quando João saudava Jesus com um beijo, deve ter sentido nos lábios o sal do suor do rosto do Senhor. E no momento em que esse discípulo amado se reclinava no peito de Cristo, sentiu o calor e o cheiro terreno de um ser humano. Esses biógrafos de Jesus, testemunhas oculares de sua vida, conviveram e trabalharam com ele durante mais de três anos. Caminharam por estradas poeirentas, almoçando em sua companhia, matando um ou outro mosquito que os importunasse. Ao mesmo tempo, também, iam absorvendo suas ações e reações, atitudes e palavras. Já a morte e ressurreição do Senhor foram testemunhadas por centenas de pessoas. Não há nenhum historiador respeitado que negue a realidade da existência de Cristo. Portanto, o verdadeiro cristianismo acha-se firmemente enraizado no solo da verdade sólida, objetiva, histórica, e não pairando nas nuvens etéreas de sonhos e visões subjetivas. Embora o fato de João se concentrar na verdade objetiva – algo típico do texto bíblico – é preciso lembrar que a Bíblia não ignora nossa vida interior, subjetiva, nem a comunicação por meio do sobrenatural. Nem todas as verdades que recebemos nos vêm por via dos cinco sentidos. A Bíblia se opõe diametralmente à cosmovisão “moderna” e materialista, que nega a existência de visões, sonhos e vozes sobrenaturais. Esse tipo de ocorrência é bem comum nas Escrituras, sempre com a finalidade de trazer a verdade ao plano da experiência pessoal. Entretanto essas experiências pessoais subjetivas jamais se acham isoladas da verdade objetiva. As expressões místicas nunca ocorreram de forma randômica ou descontrolada. O apóstolo Paulo afirma o seguinte: “Os espíritos dos profetas estão sujeitos aos próprios profetas” (1 Co 14.32). Aqueles porta-vozes de Deus, os gigantes espirituais que proclamavam: “Assim diz o Senhor...” eram julgados e reconhecidos como autênticos por meio de critérios objetivos. Também nós deveríamos agir de igual modo.


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As profecias e previsões deles se realizaram? A Bíblia revela que se a previsão de um profeta não se cumprisse “com soberba, a falou o tal profeta” (Dt 18.21,22). Aquela pessoa passava a ser olhada com dúvida, no que dizia respeito à revelação da verdade. Será que estamos levando a sério esse critério de avaliação? Hoje em dia temos ouvido muitos casos semelhantes a um que escutei ontem. Um profeta diz o seguinte a um ente querido que está sofrendo: “O Senhor revela que você foi curado do seu câncer!” Infelizmente, porém, três semanas depois, aquele paciente morre. E, no entanto, esse profeta continua a exercer seu ministério, sem sofrer nenhum ato disciplinar. A profecia deles era doutrinariamente correta? Se suas palavras não apresentavam um conceito certo sobre Jesus, eles eram “falsos profetas” (1 Jo 4.1,2). O que pensar, então, de um conhecido ministério para-eclesiástico que viaja pelo Brasil fazendo prodigiosas apresentações evangelísticas, mas não crê na doutrina da Trindade? Será que não deveríamos questionar os “resultados” sobrenaturais que eles obtêm? Eles tinham bom caráter moral? O religioso que profetiza, expulsa demônios e opera milagres em nome do Senhor, mas não “faz a vontade de meu Pai”, apesar de todo o seu poder e experiência espirituais, fatalmente irá ouvir a sentença: “Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade” (Mt 7.21-23). Não faz muito tempo, um dos principais líderes evangélicos foi acusado de haver ameaçado de morte um seu oponente político. E posteriormente esse homem foi reeleito para um cargo de liderança em sua denominação. Apesar de ter um caráter moral questionável, ele certamente continua orando por enfermos e expulsando demônios em nome do Senhor. Na Bíblia, as manifestações espirituais, místicas e sobrenaturais são vistas sempre através de critérios objetivos. Todas as vezes, era preciso que houvesse uma perfeita harmonia entre a revelação interior e a realidade conhecida; entre a emissão profética e a verdade bíblica. A conduta moral de uma pessoa


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condiciona seu sucesso espiritual. Então, embora o aspecto subjetivo fosse uma bendita e poderosa realidade, era regido e limitado pela verdade objetiva. A era da verdade pessoal

Portanto, a verdade é a chave para termos discernimento neste século XXI. Precisamos ter um entendimento claro dela, pois vivemos numa época em que todas as pessoas têm o direito de ter a própria verdade, sobretudo na área da fé e da religião. Muita gente pensa que se “realmente crermos” em algo, isso é “verdade para nós”. Todo mundo considera suas sensações interiores como a mais elevada autoridade em qualquer questão, principalmente se “pra mim, dá muito certo”. David Coimbra reflete esse tipo de mentalidade em sua coluna no jornal Zero Hora. Em sua crônica, ele fala da busca religiosa de sua avó que terminou numa seita oriental. Então, para ela, a prática religiosa se resumia numa contínua repetição de um tipo de mantra: “Obrigada, obrigada, obrigada!” A princípio, David estava meio cético com relação à validade dessa fé. Após certo tempo, porém, acabou percebendo que aquilo fazia bem para sua avó idosa. E o que foi que ele concluiu? “A fé!”, escreve ele. “A fé em si é que é importante! A pessoa acredita em algo e só o fato de acreditar já lhe faz bem.”2 Então o conteúdo da fé não importa. O benefício que ela traz é que é a verdade dela. Alguns anos atrás, estavam passando um filme intitulado Ponto de Vista, que narrava o assassinato de um presidente fictí­cio. A história era contada do ponto de vista de diversos personagens. Cada um deles dava sua versão dos fatos, ou seja, a sua “verdade” acerca do acontecimento. O filme era muito interessante. Contudo o pensamento que havia por trás da narrativa refletia a ideia pós-moderna de que cada indivíduo tem o direito de abrigar a própria visão da realidade, já que o conhecimento humano nunca consegue chegar à verdade absoluta. Hughes3 explica bem essa mentalidade subjetiva, o chamado pensamento “pós-moderno”. Diz ele:


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