Torções na Razão Freudiana - Especificidades e afinidades

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responsável por constituir uma espécie de “órgão” de percepção da realidade psíquica na clínica e na cultura. Assim, ela nos engaja no método, apropriando-o na escuta para a delineação dos quadros clínicos e o remanejamento da teoria psicanalítica. Este livro agrupa, portanto, textos em quatro setores: as configurações clínicas, as extensões (torções) na teoria, o método na formação e o biológico como fonte privilegiada das metáforas freudianas.

PSICANÁLISE

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Existe uma razão freudiana? Talvez seja a metapsicologia

Torções na razão freudiana

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É psicanalista, membro efetivo com funções didáticas da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP). Foi secretário científico, diretor científico e presidente da Federação Brasileira de Psicanálise (Febrapsi). É autor dos livros Entre Moisés e Freud: tratados de origens e desilusão no destino (Via Lettera, 2000), Depressão (Casa do Psicólogo, 2000), Depressão, estação psique (Escuta, 2002) e Epistemopatia (Casa do Psicólogo, 2003), entre outros artigos e capítulos de livros. Atualmente, vem se interessando pela ligação do trabalho clínico com as manifestações políticas contemporâneas.

Delouya

Daniel Delouya

Daniel Delouya

Torções na razão freudiana

Especificidades e afinidades PSICANÁLISE

2ª edição

“No rosto, uma tensão, um agito contido. João, atrasado para uma de suas primeiras sessões, toma seu lugar à minha frente depois de explicar, em seguida ao encontro furtivo de nossos olhares, sobre seu atraso: ‘trânsito’, uma só palavra. Sentado, permanece em silêncio, embora o rosto deflagre intensa atividade, preocupação, quase tristeza. Acompanho por um certo tempo esse trânsito antes de intervir: ‘o que passa?’. João abre então um leve sorriso, surpreso, como se eu pressentisse a inadvertida imagem que acabou de atravessar sua mente: ‘o corpo da minha avó debaixo da terra’. Ele recebeu a notícia da morte dela no dia anterior, bem como um aviso sobre o enterro, no dia da sessão, na cidade natal dele. A fala se abre então sobre lembranças saudosas da casa da avó onde ele, neto amado, era deixado às suas travessuras entre os arbustos do terreno.”


torções na razão freudiana Especificidades e afinidades

Daniel Delouya

2a edição

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Torções na razão freudiana: especificidades e afinidades, 2. ed. © 2019 Daniel Delouya Editora Edgard Blücher Ltda. 1ª edição – Editora Unimarco, 2005 Imagem da capa: iStockphoto

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 Rua Pedroso Alvarenga, 1245, 4o andar 04531-934 – São Paulo – SP – Brasil Tel.: 55 11 3078-5366 contato@blucher.com.br www.blucher.com.br Segundo o Novo Acordo Ortográfico, conforme 5. ed. do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, Academia Brasileira de Letras, março de 2009. É proibida a reprodução total ou parcial por quaisquer meios sem autorização escrita da editora. Todos os direitos reservados pela Editora Edgard Blücher Ltda.

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Delouya, Daniel Torções na razão freudiana : especificidades e afinidades / Daniel Delouya. – 2. ed. – São Paulo : Blucher, 2019. 330 p. ; il. Bibliografia ISBN 978-85-212-1847-0 (impresso) ISBN 978-85-212-1848-7 (e-book) 1. Psicanálise 2. Freud, Sigmund, 1856-1939 3. Metapsicologia I. Título. 19-1307

CDD 150.195

Índice para catálogo sistemático: 1. Psicanálise

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Conteúdo

Nota sobre a segunda edição

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Apresentação 11 Parte I Configurações psicopatológicas

17

A textura depressiva: histeria e fantasia

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Entre metáforas, formas e sensibilidades psíquicas

39

Entre corpo e objeto

69

O sono do sonhar e a área da escuta na análise

95

Parte II Extensões da metapsicologia freudiana

107

Uma perspectiva de construção em Freud

109

A pulsão “destrutividade” e o “pai” do self: o acesso ao real em Winnicott

131

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conteúdo

Repensando o pai e a destrutividade em Winnicott

151

Bion: uma obra às voltas com a guerra

163

Em torno do I: “Grid” e “Vorstellung” 181 Acerca da comunicação: entre Freud (1895) e Klein (1946)

191

A bissexualidade no eixo de escuta psicanalítica: considerações teóricas acerca da clínica 209 Freud e a feminilidade na cultura atual

221

Parte III Em torno da formação e do método

239

Sob o olhar de Goethe

241

O especialista, especificidade da alma

261

Um autor na instituição de formação

277

Parte IV Biologia, inquietação

291

O biológico em Freud, “corpo estranho” para o psicanalista 293 Entre natureza e metáforas freudianas

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A textura depressiva: histeria e fantasia1

Tristeza, rosto e trânsito No rosto, uma tensão, um agito contido. João, atrasado para uma de suas primeiras sessões, toma seu lugar à minha frente depois de explicar, em seguida ao encontro furtivo de nossos olhares, sobre seu atraso: “trânsito”, uma só palavra. Sentado, permanece em silêncio, embora o rosto deflagre intensa atividade, preocupação, quase tristeza. Acompanho por um certo tempo esse trânsito antes de intervir: “o que passa?”. João abre então um leve sorriso, surpreso, como se eu pressentisse a inadvertida imagem que acabou de atravessar sua mente: “o corpo da minha avó debaixo da terra”. Ele recebeu a notícia da morte dela no dia anterior, bem como um aviso sobre o enterro, no dia da sessão, na cidade natal dele. A fala se abre então sobre lembranças saudosas da casa da avó onde ele, neto amado, era deixado às suas travessuras entre os arbustos do terreno. 1 Publicado em 2003 na Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 6(1), p. 26-40.

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a textura depressiva: histeria e fantasia

Impressiona-me hoje, em uma análise já avançada, como a expansão representativa daquela sessão contrasta com o que João viria a expor como o fio condutor de sua demanda e configuração psicopatológica. Essas se remontam e aglutinam-se ao redor da adolescência, na qual convivia com uma mãe demasiadamente intrusa, pela amargura e decepção em sua vida conjugal. O pai, com grande renome em sua profissão, afastava-se para seus afazeres e aventuras amorosas. João está separado há uma década e não teve, desde então, outros relacionamentos. Apreendi que seu casamento foi motivado não pelo desejo, mas pelo companheirismo. Um padecimento com a amiga, cuja mãe estava, naquele momento, acometida por uma doença terminal, aproximou os dois, culminando, com a morte da mãe, em uma junção matrimonial. Nas cadeias associativas de sua fala, surge fortemente a semelhança de tal entrega e simpatia ao outro com os estados e os sentimentos de piedade em relação à própria mãe da adolescência. João é bastante consciente hoje da falta de desejo no seu casamento. Este durou, porém, alguns anos até vir a se romper pela aventura amorosa – uma volúpia desen­ freada – induzida, segundo o paciente, pela sedução de uma colega de trabalho. O incidente, verdadeira tempestade, e o remorso que acarretou, pela traição à mulher, apressaram a decisão do divórcio, bem como o impulso de se desligar da amante. Sentindo-se desestabilizado, iniciou uma terapia, na qual permaneceu alguns anos. Na primeira entrevista, João afirma que “aquela terapia me trouxe muitos benefícios, com exceção daquilo que tange aos relacionamentos”, que desde então deixaram de acontecer. O paciente transmite um ar, ou melhor, uma aparência de “bom menino, bom rapaz/adolescente”. A inibição e uma certa desistência marcam seus contatos com as mulheres. No início da análise, João esteve frequentemente imerso em devaneios, nos

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Uma perspectiva de construção em Freud1

A construção da qual se pretende tratar aqui não diz respeito ao aporte trazido pelas correntes construtivistas e intersubjetivas que vêm habitando a psicanálise contemporânea, sobretudo nos Estados Unidos. Pretendemos nos indagar sobre a perspectiva da construção no modelo freudiano no que tange às origens e ao engendramento do aparelho psíquico, cuja investigação – oriunda da clínica, mas apoiada sobre metáforas e modelos emprestados, em grande parte, da biologia – sempre seguiu uma abordagem de cunho predominantemente analítico. Lembramos, neste contexto, que mesmo quando Freud recorre, na interpretação, à construção, ele se vale de um artifício, evocado na sua mente, para uma finalidade analítica: a de colocar em marcha a rede associativa no paciente, tendo o efeito de corroborar, ao menos em parte, ou de remanejar, a proposta oferecida ao analisando. Algo semelhante ocorre na montagem dos desenhos e figuras da metapsicologia freudiana. Onde, então, surge a perspectiva da construção da vida psíquica?

1 Este capítulo foi publicado na revista Pulsional, (177), mar. 2004, p. 51-65.

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uma perspectiva de construção em freud

A ideia da construção é de uma sucessão, um processo, como na construção civil, em que de início instalam-se as bases e os fundamentos, erguendo sobre estes, com o auxílio dos andaimes, as colunas e as vigas de sustentação das lajes etc. Entretanto, todo esse processo é guiado por um projeto e uma programação que, portanto, o antecedem e o determinam. A construção implica meios e fontes materiais, além de uma condução e de formas de manejo. A existência de um projeto e de um programa remete a dois planos distintos: de um lado, a princípios constitutivos, e de outro, a um desenvolvimento. O desenvolvimento é concebido como linha de fabricação, seguindo uma programação genética e executado de maneira quase automática. Vejamos que nesse modelo, da forma como o apresento aqui (como linha de fabricação), há pouco lugar para a criatividade e a virtuosidade – rigidez atribuída (erroneamente) à genética biológica –, ou seja, não há nenhuma autonomia no processo de construção. Uma concepção que talvez encontre certa semelhança com algumas teorias de aprendizagem na psicologia cognitiva, mas não na psicanálise. Nesta, muitos se utilizaram do termo desenvolvimento de maneiras bastante variáveis, em alguns casos em analogia parcial com os modelos de emergência das formas, da morfogênese e/ou da evolução na biologia clássica. Em oposição a tal estreiteza, entre o programa do projeto desenvolvimentista e sua execução e manuseio, a ideia de constituição implica uma independência entre esses regimes. Em meio à construção de certa sociedade, o parlamento ou senado de certo país pode vir a estabelecer uma constituição com pouca ou nenhuma condição de ser realizada. A constituição diz respeito a princípios e coordenadas gerais que orientam uma formação. Os princípios constitutivos são exteriores às fontes, aos materiais e aos programas de realização da construção conforme as leis constitutivas.

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Sob o olhar de Goethe1

A arte e a ciência não bastam, É preciso ainda paciência! Fausto, Goethe

O que contribuiu para que Freud inventasse o método psicanalítico, que ele relacionava com um modo científico de trabalho? Tentaremos apontar os indícios de origem deste método examinando-o em relação a um outro componente, o gênero poético da escrita freudiana. Ambos os gêneros estão relacionados com ­Goethe, que ocupou um lugar significativo nas identificações do fundador da psicanálise. Em um dos sonhos “absurdos”, Goethe está no lugar de Fliess.2 Mais de um século separa os nascimentos de Goethe e Freud na cultura alemã, que, no entanto, permaneceu como horizonte das atividades filosófica e científica nas duas épocas; o patrimônio 1 Publicado inicialmente na revista Percurso, (16), p. 15-23, 1996. 2 S. Freud, The interpretation of dreams, Pelican Freud Library (PFL), vol. 4, Cap. VI.

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sob o olhar de goethe

literário e linguístico alemão teve importância capital na intensa criação de ambos até o fim de seus dias (os dois faleceram aos 83 anos). Embora o judaísmo de Freud o colocasse bem a distância de Goethe, há em suas biografias semelhanças – principalmente nas diferentes nuanças dos seus pontos de convergência – que formam um “material” esclarecedor para um estudo de seus destinos. Não cabe aqui, nem é da nossa competência, fornecer o “material”, sequer a análise dele; mas, por sua relevância, mencionaremos alguns aspectos. Como ocorre com a maior parte dos grandes homens, não há indício aparente em suas linhagens que deixasse entrever o futuro destino de cada um: eram primogênitos de mães muito jovens, casadas com homens mais de vinte anos mais velhos; nutriam-se de uma relação conflituosa com figuras paternas enigmáticas e mal-sucedidas (embora as lembranças fossem distintas: presença calorosa e atenciosa de Jacob Freud, frente aos maus tratos por parte do severo Johann Caspar Goethe); perda de irmãos em tenra idade (quatro irmãos no caso de Goethe e um no caso de Freud). Se dispusermos esses elementos em torno do eixo para o qual convergem, isto é, a relação com “a melhor mãe do mundo” (para Goethe e também para Freud),3 eixo que ao mesmo tempo os diferencia nas específicas Gestalten assim criadas, poderemos talvez entender as diferentes modalidades da cisão entre essa bela/boa mãe e seus negros continentes, suas erínias nas obras e vidas dos dois homens.

“Quero como Goethe” Freud nos conta como optou pela medicina após sua hesitação entre ela e a faculdade de direito: “e foi ouvindo o belo ensaio de 3 Freud,, S. “A chidhood recollection from ‘Dichtung und Warheit’”, PFL, vol. 14.

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O biológico em Freud, “corpo estranho” para o psicanalista1

Este trabalho foi escrito inicialmente em 1989, como monografia em um curso de formação, em função de certo espanto que nos tomava diante das várias maneiras como o biológico em Freud tornava-se objeto de negação e repúdio por parte de professores e colegas. Este estado de coisas modificou-se com os anos, tomando direções nem sempre animadoras, mas, de qualquer forma, sem a negação com a qual nos deparamos inicialmente. Nesse período, a biologia tornou-se um assunto “quente” para psicanalistas em vários países e escolas. A ascensão das neurociências, a potência crescente dos psicotrópicos, sobretudo o efeito que estes tenham gerado na mídia, obrigaram psicanalistas a afinar e a afiar suas posições em relação a ela. A publicação, em 1995, do livro de André Green, La causalité psychique (­ Paris: Odile Jacob), a atividade de Pierre Fédida no Centro do Vivente em Paris, que resultou em várias coletâneas em torno do assunto, e a recente inauguração, na Inglaterra, da revista de neuropsicanálise são apenas alguns dos novos rumos que ora destacamos quanto às novas 1 Este capítulo é uma versão modificada do artigo “O biológico em Freud: ‘corpo estranho’ ou heresia?”, publicado em 1992 na revista Percurso, (8), pp. 39-45.

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o biológico em freud

revisões tomadas em torno da questão do biológico em Freud. Entretanto, nenhuma dessas evoluções foi levada em conta nessa nova versão do nosso artigo que ora apresentamos ao leitor. À parte de alguns reparos de estilo da escrita, procuramos eliminar o tom contestador da publicação inicial. Continuamos a acreditar, algo que os filósofos perceberam há algum tempo, que mesmo que o psiquismo pressuponha a vida biológica (o ser vivo), existe um impasse epistemológico na investigação dos elos entre os processos descritos pela biologia e aqueles fornecidos pelos arrazoados emanados dos campos de saber sobre o homem, entre eles a psicanálise – uma vez que se trata de níveis incomensuráveis no que tange aos diferentes modos de aquisição dos respectivos conhecimentos. A desconsideração do hiato entre os diferentes métodos leva às querelas, à “sede ao pote” das comparações entre os conteúdos desses campos. Os esforços atuais conseguem, na melhor das hipóteses, estabelecer apenas correlações entre um campo e outro. É interessante notar que em autores notórios da psicanálise, como Winnicott, que não manifestaram nenhum prurido em relação à biologia, aquilo que entenderem como biológico, manifestado, por exemplo, nos movimentos espontâneos, nada tem a ver com a biologia, mas com a apreensão imaginativa do vivido do corpo, algo que concerne o modo singular – o método – de apreensão do nosso campo. No que diz respeito às construções teóricas de Freud, é a força heurística, metafórica, dos modelos e princípios da vida, fornecidos pela biologia, que tem sido o motor principal da metapsicologia. “As verdadeiras metáforas freudianas”, afirmou Fédida, “vêm da biologia”. Sugerimos que os psicanalistas não as percam de vista.

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É psicanalista, membro efetivo com funções didáticas da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP). Foi secretário científico, diretor científico e presidente da Federação Brasileira de Psicanálise (Febrapsi). É autor dos livros Entre Moisés e Freud: tratados de origens e desilusão no destino (Via Lettera, 2000), Depressão (Casa do Psicólogo, 2000), Depressão, estação psique (Escuta, 2002) e Epistemopatia (Casa do Psicólogo, 2003), entre outros artigos e capítulos de livros. Atualmente, vem se interessando pela ligação do trabalho clínico com as manifestações políticas contemporâneas.

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“No rosto, uma tensão, um agito contido. João, atrasado para uma de suas primeiras sessões, toma seu lugar à minha frente depois de explicar, em seguida ao encontro furtivo de nossos olhares, sobre seu atraso: ‘trânsito’, uma só palavra. Sentado, permanece em silêncio, embora o rosto deflagre intensa atividade, preocupação, quase tristeza. Acompanho por um certo tempo esse trânsito antes de intervir: ‘o que passa?’. João abre então um leve sorriso, surpreso, como se eu pressentisse a inadvertida imagem que acabou de atravessar sua mente: ‘o corpo da minha avó debaixo da terra’. Ele recebeu a notícia da morte dela no dia anterior, bem como um aviso sobre o enterro, no dia da sessão, na cidade natal dele. A fala se abre então sobre lembranças saudosas da casa da avó onde ele, neto amado, era deixado às suas travessuras entre os arbustos do terreno.”



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