:: mulher :::
Hist贸rias de lutas e conquistas
CEPAL / Imprensa Oficial Graciliano Ramos - Macei贸 - Ano II - N潞 4 - SET / OUT 2009
ISSN 1984-3453
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4 12
Reportagem
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Donas de suas histórias
38
Milena Andrade
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Lucy Serralvo
Farol da Noite Fernanda Guimarães
Memória
O cansaço num deixa
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Valdineide da Silva
Só eu que fiquei nessa vida
Maria Verilda da Silva
Eu era funcionária do município; aí fiz o concurso!
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Maria Aparecida Batista de Oliveira
Ensaio
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Lei “Maria da Penha” no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher Stela Valéria Soares de Farias Cavalcanti
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32 34
Documenta
A mulher e a história de violência
Luciana
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Conto
Anilda Leão
A gente não é máquina
20
40 42 50 56
Os ratos
Lucilene dos Santos
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Trilha Sonora
Definição
Caderneta de Lembranças
Mulheres de Alagoas: Um movimento de luta! Terezinha Ramires
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Artigo
Pão e rosas Andréia Malta Brandão Rodrigues
A mulher na literatura infantil: uma entre tantas abordagens
A tradição feminina do Natal
A Lei Maria da Penha e sua efetividade
Maria Heloísa Melo de Moraes
Vera Romariz
Maria Angelita de Lucena e Melo Sousa
As mulheres e a descoberta do inconsciente
Crônica
Literatura e cinema: Lady Chatterley, o autor inglês e a diretora francesa
Poesia
Izabel Brandão
- O lirismo de Lilith - Mulher
Jerzuí Tomaz
Violência: um destino?
Uma nova mulher e um novo homem: rumos do ser
Elvira Simões Barretto
Luiz Sávio de Almeida
Solange Chalita
- Eternidade - Soneto da menina que já fui Anilda Leão
Governo do Estado de Alagoas Teotonio Vilela Filho Governador de Alagoas José Wanderley Neto Vice-Governador de Alagoas Álvaro Machado Secretário-Chefe do Gabinete Civil Júlio Sérgio de Maya Pedrosa Moreira Secretário de Estado do Planejamento e do Orçamento
Marcos Kümmer Diretor-presidente da CEPAL / Imprensa Oficial Graciliano Ramos
Luiz Sávio de Almeida Organizador
Fernando Rizzotto Direção de arte / Projeto gráfico
José Francisco Pedrosa Diretor Administrativo Financeiro
Milena Andrade Coordenadora editorial
Produção cultural: Viviani Duarte, André Santos, Raffaela Gomes e Daniella Pontes
Hermann de Almeida Melo Diretor Comercial
Conselho editorial: Marcos Kümmer Milena Andrade Sérgio Moreira Guilherme Lamenha Simone Cavalcante
Revisão: Jackson Pinheiro
ISSN 1984-3453
Os textos assinados são de exclusiva responsabilidade do autor. Fotos da capa e quarta capa: Fernando Rizzotto
Maria da Penha: a vida e o direito da mulher
::: apresentação :: :
Graciliano dedica-se, neste número, à questão feminina. Inicia com uma reportagem no Sertão de Alagoas sobre mulheres que conseguiram romper com o machismo e o preconceito para tornarem-se protagonistas de suas histórias. Depois há uma seção com depoimentos que buscam o cotidiano e enfatizam a responsabilidade que a sociedade lança sobre as mulheres, no que se destaca a situação das mulheres pobres, negras, submetidas a vexações políticas, inclusive com múltipla jornada de trabalho. Em seguida, a revista traz ensaio sobre a Lei Maria da Penha, que completou três anos de existência no último dia 07 de agosto, de autoria de Stela Cavalcanti. O objetivo do ensaio consiste em trazer a discussão do suporte legal que as mulheres dispõem para o melhor aproveitamento da versatilidade da lei no combate ao preconceito e às diversas formas de dominação. Essa Lei necessita de divulgação sistemática. A seção seguinte dá visibilidade à produção literária de expressivas pessoas da cultura em Alagoas, com a participação de duas gerações de mulheres representadas em Vera Romariz, Solange Chalita e Anilda Leão. De Anilda, tem-se um conto e poesias; de Vera Romariz, uma crônica; e, finalmente, a poesia de Solange. O corpo poético é visto, também, por uma outra forma de escrita, com a fotografia de Maíra Vilela. Na trilha sonora surgem as letras de Lucy Serralvo e Fernanda Guimarães. Como é sabido pelos nossos leitores, o grande destaque da revista sempre é dado na seção Documenta. Ela traz um texto da professora Maria Aparecida de Oliveira sobre a violência contra a mulher, como ela se dá em Alagoas. Ao se organizarem, as mulheres passaram a responder aos ataques contra seus direitos, conforme se pode ver no histórico tra-
çado por Terezinha Ramires, que nos deixa um depoimento fundamental para uma história da luta das mulheres em Alagoas, no geral dos direitos civis e no particular da especificidade da condição feminina. Em seguida, a Graciliano propõe uma múltipla reflexão em artigos com assuntos variados, abrangendo colaborações que vão desde a militância política em movimentos populares a textos teóricos e de crítica, todos passando pelo eixo da condição feminina, inclusive, com o trabalho do professor Luiz Sávio de Almeida, que integra a luta das mulheres a da reconstrução da sociedade em geral. Esses textos são colaborações de Andréia Brandão, Maria Angelita Souza, Izabel Brandão, Elvira Simões, Maria Heloísa de Moraes e Jerzuí Tomaz. Graciliano continua com o propósito de articular um padrão de excelência entre forma e conteúdo de tal modo que uma área complemente a outra. A publicação procura minimizar a possibilidade de distâncias entre a escrita e o desenho, integrando a sua unidade contextual como expressão de um momento da cultura alagoana. Nesse particular, destaca-se a integração entre os trabalhos da direção cultural e da direção de artes. Por outro lado, nada poderia ser feito sem o espírito de equipe que une os que fazem e pensam a revista, em um largo processo de diálogo e afetuosa convivência. Graciliano espera que a sociedade brasileira saiba reagir em direção à justiça social que demanda, de modo prioritário, que seja resolvida a questão da mulher e dedica este número a todas aquelas que são humilhadas e ofendidas no curso de nossa história, concitando-as à luta e à afirmação de seus direitos. OBS: Qualquer semelhança com os casos de violência doméstica narrados na seção Documenta é mera coincidência.
Fernando Rizzotto
: ::: REPORTAGEM :: Dona Cícera Cupira superou a pobreza extrema criando abelhas
No Sertão de Alagoas, mulheres ven
Donas de suas
CEPAL / Imprensa Oficial Graciliano Ramos
Milena Andrade / Coordenadora editorial
Tirar do centro da vida o papel triplo de dona-de-casa, mãe e esposa é uma tarefa árdua para qualquer mulher; que se torna especialmente desafiadora quando isso envolve dividir a dedicação dada à família com o ofício que lhe trará independência. Histórias de mulheres vencedoras, que enfrentaram o machismo praticado não apenas pelos homens como também por suas iguais, não são exatamente uma novidade, mas nem por isso se tornam menos inspiradoras. Principalmente quando esses roteiros da vida real se desenrolam no cenário de clima, vegetação e sentimentos áridos do Sertão alagoano. Num local de difícil acesso da zona rural de Olho d’Água do Casado está a prova de que o ouro brilhante, muitas vezes, só é mesmo encontrado nas “profundezas da terra escura”. Cercada pela pobreza e pelo estigma da impossibilidade que acompanha todo sertanejo, Cícera Alves da Silva encarna o exemplo da mulher que não teve medo nem vergonha de se tornar não só a dona de sua história, mas a guia de toda uma comunidade.
Do alto de seus muito bem vividos 47 anos, Cícera Cupira é responsável por uma pequena revolução na localidade de Ouricurizeiro, onde mora há 30 anos e na qual adotou adultos, crianças e velhos; não se sabe se por puro instinto materno ou se para reparar a perda de sete dos 16 filhos que pôs no mundo. Aliás, foi a morte de um deles, em 1991, que deu início à nova história de vida de dona Cícera. Sem dinheiro para poder enterrar o pequenino de apenas 2 anos, ela prometeu que aquela cena nunca mais se repetiria e que, a partir de então, ela era a dona de seu destino. “Depois que perdi esse filho, jurei que eu só ia obedecer à minha vontade e não à de mais ninguém”, conta. A sertaneja decidiu criar abelhas, milhares delas. Para conseguir produzir o mel mais puro da região e extrair disso uma vida mais digna para sua família, Cícera Cupira e sua obstinação passaram por cima da falta de fé dos que a rodeavam, do preconceito e, por vezes, dos mais genuínos instintos femininos. “Diziam que eu era doida e irresponsável em deixar meu marido e meus filhos em casa pra fazer curso”, lembra a apicultora, contando, ainda, que se fortalecia em dire-
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ção ao seu objetivo quando olhava para sua casa vazia e sem qualquer tipo de conforto. “Eu não tinha sofá, geladeira, nada. Meus filhos nunca tiveram Natal, aniversário, roupa nova”, observa. Sob a justificativa de que sempre foi teimosa e “sonhadeira”, dona Cícera começou vendendo roupa. Saía de bicicleta, estrada de chão afora, levando as novidades de Caruaru para a vizinhança. O dinheiro extra melhorou a renda da família, mas ela achava que ainda não era aquilo o que queria fazer, pois precisava de algo em que colocasse o coração. No início de 2001, ela conheceu o fórum de Desenvolvimento Local Sustentável e Integrado, o DLIS, e se mandou para fazer seu primeiro curso de apicultura no Instituto Xingó. “Nunca tive medo de abelha. Comprei duas caixas com umas economias e povoei elas (sic) em 2002”, diz. Com as fotos do seu professor nas mãos, “seu Odério”, ela mostra sua gratidão por quem lhe deu as armas para mudar sua trajetória de vida. “Conheci as colmeias lá em Mossoró pelas mãos de seu Odério, que é um segundo pai pra mim. Ele veio de baixo, como eu, e hoje é doutor”, conta a apicultora.
cem o machismo e desafiam a cultura da impossibilidade
histórias
: ::: REPORTAGEM ::
Fotos: Fernando Rizzotto
Para comprar as duas primeiras colmeias, Cícera Cupira enfrentou uma verdadeira guerra dentro de casa. O marido não “botava fé” na ideia de criar abelhas e relutou até o fim em “desperdiçar” dinheiro com a “invenção” da mulher. “Briguei com meu esposo e obriguei ele (sic) a vender dois bois que a gente tinha pra começar na apicultura”, conta. Mesmo tendo vencido a briga e provado que sua aposta estava certa, Cícera comprou de volta os dois bois para dar ao marido, uma geladeira e equipamentos com a sua primeira produção de mel. Recentemente, o casebre humilde em que mora com a família ganhou outra novidade, um computador. “Preciso investir na minha qualidade”, ressalta a apicultora, que ainda acumula uma outra conquista – a aprovação no vestibular para o curso de Pedagogia. De que forma essa sertaneja humilde, quase sem instrução, chegou tão longe não é um mistério. Dona Cícera credita o seu sucesso ao fato de anotar tudo o que gasta numa caderneta e colocar em votação na família todos os investimentos no negócio, já que o dinheiro é escasso e qualquer compra geralmente é fruto de muita economia. Para entrar na faculdade junto com a filha, no ano passado, por exemplo, a família teve que ficar sem usar botijão de gás durante um ano inteiro. “Nos reunimos e aprovamos ficar um ano usando fogo de lenha”, conta Cícera, lembrando que, na hora de economizar para a geladeira, o sacrifício foi ficar sem comer carne. E quem pensa que Cícera Cupira guarda para si todas as benesses que obteve está enganado. Assim como há 30 anos, quando chegou do povoado de Panelas recém-casada, ela continua sendo a mãe, conselheira e incentivadora da comunidade. Ao lado da casa de mel que construiu com muito sacrifício está a escola onde ela dá aulas às crianças. Além disso, ela é uma das lideranças da cooperativa de apicultores do município, atua como agente de desenvolvimento regional e ajuda o marido na roça. Como ela consegue ser tudo isso sem perder a alegria, o ânimo e sem deixar de ser a mãe,
Sem medo de picadas, a sertaneja dispensa “cuidados de mãe” às colmeias
CEPAL / Imprensa Oficial Graciliano Ramos
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Dona Cícera e o companheiro de mais de 30 anos, José Martim, o “Zé Cupira”
a esposa e a dona do lar? União e desprendimento, segundo Cícera Cupira. “Aqui na nossa casa não tem mais esse negócio de diferença entre homem e mulher. Todo mundo faz todo tipo de trabalho sem reclamar: lava roupa, cozinha, ajuda na criação das abelhas e com a plantação”, revela.
Na verdade, o segredo se resume ao genuíno espírito cooperativista. A união de forças voltada para um objetivo comum. Como numa colmeia, o lar de Cícera funciona na lógica do “um por todos e todos por um”, em que a dedicação e a ajuda mútua são a base de tudo, do sustento à hora de defender a fa-
mília Cupira, sobrenome que batiza os seus integrantes e que é um tipo de abelha que faz “ninho” nos cupinzeiros. Uma doce ironia que talvez mostre que dona Cícera e os seus estavam mesmo predestinados a viver lutando contra os espinhos e ferrões da vida, mas cercados de flores e colmeias.
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Fotos: Fernando Rizzotto
Apesar das dificuldades, Joelma acredita que se tornará uma empresária
Cravada no Alto Sertão alagoano, a pequena Maravilha é um lugar daqueles onde podem ser encontradas várias linhagens de solidão, como a mítica Macondo de Gabriel Garcia Marquez. Com uma geografia única na região, a cidade abriga cavernas, imensos lajedos que quebram a insistente horizontalidade do semi-árido e o seu grande tesouro – parte da pré-história de Alagoas nos fósseis de animais que viveram ali há mais de um milhão de anos. Sem qualquer vitalidade econômica, a cidade não tem muitas alternativas para oferecer aos seus moradores. O pequenino comércio é composto pelo básico: uma farmácia, um mercadinho, uma quitanda na esquina; e não muito mais do que isso. Os homens de Maravilha sobrevivem da roça, e às mulheres resta apenas o contentar-se com as imensas limitações, cuidar dos filhos e da casa. Há quatro anos, a história de um grupo de mulheres da cidade começou a mostrar que é possível vencer o que parecia uma predestinação. Incomodadas com a ausência de empregos e oportunidades, 11 maravilhenses se uniram com o objetivo de conquistar a independência financeira. Elas foram encontrar a chance de mudar de vida justamente no que havia em abundância na região; e onde todos enxergavam cabras o grupo conseguiu ver oportunidade de negócio. Do leite desse caprino que adora se embrenhar pelos lajedos surgiram sabonetes artesanais de perfume singular e textura deliciosa. Tudo começou quando duas das 11 associadas da Natucapri, nome que escolheram para a linha de cosméticos artesanais, decidiram fazer um curso de fabricação de sabonetes numa cidade vizinha. As duas voltaram de lá tão animadas que logo reuniram as amigas que compartilhavam a insatisfação com a vida “do lar” e ensinaram tudo o que aprenderam nas aulas. Para variar, essas sertanejas enfrentaram - e ainda enfrentam - de tudo para persistir no empreendimento que acreditam ser a salvação de suas vidas. Joelma, Soninha, Maria, Vanda, Vilma, Jamille, as artesãs da beleza, têm em comum o desemprego, o peso do ofí-
::: Reportagem :: :
Alma perfumada
Fotos: Fernando Rizzotto
União é a palavra de ordem da associação, onde a entrada de homens é proibida
cio de ser mulher num lugar onde o machismo dita as regras e uma imensa vontade de escrever uma história diferente da atual. Sob as reclamações dos maridos – que cobram a presença em casa –, elas se reúnem quase que diariamente para discutir melhorias para a associação. Dona Maria Zilma, de 44 anos, é uma das fundadoras e hoje divide o trabalho na agricultura com a fabricação de sabonetes, sais de banho e buchas vegetais. O que ganha da venda ainda é muito pouco, mas ela acredita que um dia viverá só dos cosméticos. “Mesmo tendo que cuidar da associação, continuo fazendo tudo o que fazia antes, ajudo o marido no plantio de milho e feijão e a cuidar dos porcos e das ovelhas. Chego em casa e ainda tem mais trabalho. Eu ajudo ele, mas ele não me ajuda”, reclama dona Maria Zilma de uma situação que é vivida hoje por quase todas as mulheres que trabalham fora. Mais do que uma fonte de renda extra, a associação representa para essas mulheres esperança e incentivo. A dona-de-casa Vilma, por exemplo, voltou a estudar dez anos depois de ter parado para se casar. “Fiz até a quarta série e agora estou na oitava. Depois que entrei aqui na Natucapri, eu recebi apoio para voltar para a escola. Quem sabe eu não chego à faculdade?”, questiona a artesã. A diarista Maria José, que está no grupo desde o começo, conta que só há dois tipos de emprego para mulher na cidade em que mora: professora [para quem tem estudo] e
doméstica. “Meu objetivo é ter uma vida melhor, dar conforto aos meus filhos e adquirir o respeito das pessoas”, afirma. Um futuro diferente para os filhos é a meta comum a todas as associadas. Vanda, de 24 anos, conta que quer se tornar uma empreendedora de verdade para que os filhos não tenham o mesmo destino que o dela, que parou de estudar [e de sonhar] muito cedo. Apesar de não terem um ponto de comercialização de seus produtos, as artesãs recebem muitas encomendas de várias partes do País. No momento, elas aceleram o trabalho para entregar uma remessa de sabonetes de juá, aveia com mel, aroeira e maracujá para um cliente do Acre. O atestado de que essas mulheres podem ir longe veio por meio dos inúmeros convites que passaram a receber para levar sua delicada linha de cosméticos para feiras e exposições, dentro e fora de Alagoas. Vale ressaltar que sempre vendem tudo o que levam para esses eventos. Porém, elas não acham isso o mais importante. Para as 11 “meninas” da Natucapri, o maior tesouro que possuem é a união. O grupo trabalha numa sintonia tão perfeita que decidiu nunca aceitar um homem na associação. “Imagina pegar uma briga com um homem aqui dentro? Mulher é mais sensível e fácil de lidar. Homem acha que tudo se resolve na força bruta. Nós mulheres nos entendemos”, resume Soninha, uma das fundadoras da associação.
Segundo as artesãs da Natucapri, o leite de cabra “cura” até calvície
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::: Reportagem :: :
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: ::: mem贸ria ::
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O cansaço num deixa Valdineide da Silva, 38 Sururu de Capote / Maceió - A minha vida, minha filha, é que nem uma sofredora. Me acordo de quatro horas todo dia e só chego em casa meio-dia. Chego em casa, faço o almoço e no outro dia volto; a mesma luta de novo. E
assim vai sendo todo dia. Tenho dois filhos. Marido eu não tenho não. Eles estudam. Um tá em São Paulo, mas depois de Natal ele já tá de volta. Eu compro as verduras na Ceasa pra revender aqui. Agora tá mais caro; aí tá difícil de vender, né? Agora, quando tá barato, a gente vende melhor. O povo compra. Acordo de quatro horas e vou pra Ceasa. Aí venho
pra aqui; saio de meio-dia, duas horas, e aí vou fazer o serviço de casa. De domingo a domingo, num tem folga, não; só quando o mercado fecha, né? Quando eu saio, num tem mais nenhuma mercadoria. Tem que sair cedo pra conseguir a banca; amanheceu o dia, tem todos os tipos de mercadoria. Pra me divertir, é quando eu chego em casa; vou fazer as coisas. Aí, quando eu termino, num tenho mais vontade de sair; aí tomo um banho e vou dormir. A diversão é a cama, porque num dá mais pra sair depois que a gente chega em casa. O cansaço num deixa.
: ::: memória ::
Só eu que fiquei nessa vida Lucilene dos Santos, 40 Sururu de Capote / Maceió - Trabalha muito aqui; tem que levantar quatro da manhã. Num tem hora pra chegar em casa. A gente chega às três, duas horas da tarde. Quando chega, ainda tem os ‘serviço’ da casa pra fazer; quando eu venho sentar, já é à noite. Aí, de noite, a gente prepara as coisas na cozinha, num faz mais nada e vai dormir. No outro dia, acorda quatro horas da manhã; aí começa tudo de novo. A nossa vida é assim aqui. O sururu? A gente é que despinica. Tem canoeiro lá onde eu moro; eles tiram, a gente limpa da lama, cozinha e traz pra cá. Aqui, ele já vem todo pronto. Lá, eles somente fazem tirar da lagoa e lavar, e o resto quem faz é a gente. Despinica, lava ele, cozinha; aí cata e traz pra o mercado pra vender.
Tenho dois rapazes. Eles não trabalham aqui; cada um tem o seu emprego certo. Só eu que fiquei nessa vida; o meu marido também. Ele trabalha aqui, junto com a gente. Hoje não veio mercadoria pra ele; aí eu fico aqui com ele. A gente é que faz o freguês. Trata com muito carinho, dá muita atenção a ele. E todos eles conhecem bem. Da primeira vez que trata eles direito, eles já vêm na segunda vez, porque ‘gostou’ do atendimento. O sururu, ele já começou a chegar. Passou oito meses trabalhando mais com o sururu de fora, mas ele já começou a chegar. O sururu de fora é mais caro; o pessoal re-
clamava, mas já tá acostumado, já. Porque, de vez em quando, acabava o sururu daqui. Aí tem outras mercadorias, tem o camarão, tem o maçunim, tem o filé de siri, tem outra mercadoria pra gente se virar. E tem o sururu de fora, que traz pra gente trabalhar. Vem de Sergipe, tá de R$ 8,00. O daqui tá de seis, que o de fora tá mais caro do que o daqui. O gosto do daqui... O sururu da nossa terra é o melhor que tem, melhor do que qualquer um de outro país.
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A gente não é máquina Maria Verilda da Silva, 34 Sururu de Capote / Maceió - Olhe, a minha vida é assim: eu tenho uma filha de 6 anos, vai completar 7. Acordo seis horas da manhã, seis não, umas cinco e meia. Aí dou um tempinho, né? E vou arrumar as coisas. Acordo minha filha e levo ela pro colégio. Do colégio, eu venho aqui pro meu trabalho; fico aqui até quatro horas da tarde. Eu chego, aí vou fazer café, vou ajeitar minha filha, fazer tarefinha dela. Aí pronto! Quando é mais ou menos oito horas, tem acabado o que eu tenho pra fazer. Vou botar minha filha pra dormir. Dou o café pra ela e boto minha filha pra dormir. Vou tentar descansar. Num consigo, porque eu mesmo, particularmente, quando fico cansada, não consigo dormir. Então eu vou descansar um pouco, vou tentar; quando é 11 horas, mais ou menos, eu durmo. No outro dia, a mesma coisa; isso de segunda a sábado. No sábado, eu não tenho com quem deixe minha filha; então, eu tenho que trazer ela pra aqui pro mercado. Então, ela vem comigo, reclamando mais do que tudo no mundo: que quer ficar em casa, que quer ficar em casa. Mas no momento, assim, ela tá ficando em casa, porque minha sobrinha tá comigo. Então, como minha sobrinha tá comigo, aí ela fica com ela, né? Dá pra ficar. Mas aí, mês que vem, ela já vai embora. Então vou ter que começar a trazer ela de novo. O ruim é só assim: se um dia, por exemplo, você cair numa doença. O problema é esse. Você ser ambulante, o problema é esse. Porque quem trabalha fichado tem uma renda todo mês fixa. E, assim, além de você ter a sua renda todo mês fixa. No dia em que você adoecer, você pode ir lá pegar. A gente não. A gente tem o quê? Tem que pagar o nosso INPS, como no meu caso mesmo. Eu comecei a pagar tá com dois anos.
Eu acho muito caro. Porque a gente tem o quê? Tem que pagar R$ 83,00 todo mês. Hoje, eu já me arrependo em não ter começado a pagar antes. Hoje, eu tenho um arrependimento por isso. Mas nunca é tarde, né? Eu comecei, só que tem muita gente que não paga. Meu marido trabalha fora. Ele trabalha fora, e eu trabalho aqui. Então, assim, a gente vai juntando. Então, eu tenho como pagar. Só que muita gente vive só daqui, num tem condições de pagar. No caso dele, o INPS já tá confirmado, porque ele é carteira assinada. Ele trabalha num hospital, o Arthur Ramos. Então, dele já tá certo, já. Já vem descontado em folha. O meu não. Tenho que tirar daqui, agoniada. O dele, que já é descontado, ele paga que nem sente; mas eu, é diferente... É oitenta e três e uns quebradinhos, quase oitenta e quatro. E tudo de uma vez. Isso pesa. Então, eu acho, assim, que deveria ser mais barato pra quem é ambulante. Mas ainda tem gente que acha que tá barato. Então, muita gente não tem condições de pagar. Cai numa doença, fica sem ganhar dinheiro. Porque você que trabalha aqui num tem como trabalhar com doença. Como você vai trabalhar? A gente não é máquina. A gente adoece. Então é complicado, é complicado. Tem suas vantagens, mas também tem suas desvantagens por isso. Quem usar a cabeça... num é nem usar a cabeça, é ter condições. Quem tiver condições de pagar o seu INPS, beleza. Mas, se você num tem condições, você rala, rala, rala e num chega.
Como tem gente aqui que vive só daquilo ali. E aquilo ali é só pra quê. Só pra casa, só pra comida, né? Porque enricar mesmo, você não enrica. Não é isso? Mas todos os dias a gente agradece a Deus, porque Ele dá o pouco pra nós comer e dar de comida pros nossos filhos. Verdade?! Só que nem todo mundo consegue. Tem dois vizinhos aqui no meu trabalho. Homem, né?! As mulheres não trabalham. E tem umas que trabalham. Mas trabalham em quê? Em casa de família não ganham salário; ganham metade. Saem colhendo faxina, alguma coisa, outra, mas aí é complicado também. Tem pessoas que pagam aluguel. No meu caso mesmo, graças a Deus eu não pago aluguel. Tem muita gente que paga aluguel; além de trabalhar, tem que tirar a comida pra eles e pros filho, tendo, ainda mais, que pagar o aluguel. Aí fica mais difícil. Aí num tem como você pagar o INPS. Num tem como, viu? O que sai mais é essa casca aqui, babatimão; temos a arruda também. Aqueles galhinhos de arruda. Chá sai bastante; é boldo, canela, erva-doce, eucalipto. E também a gente vende bastante coisas, assim, pra fazer lambedor. Porque sempre tem gripe, as pessoas sempre gripam. Aí, por gripar, as pessoas pedem coisas pra fazer lambedor. É bom pra criança, pra adulto.
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Luciana, 32 Piaçabuçu / AL - Eu comecei... Eu era funcionária do município; aí fiz o concurso, num passei, e saí. Só que eu já, quando tinha festa, botava um barzinho ambulante mesmo. Quando tinha festa, eu colocava: comprava cerveja, vendia. Mas, quando passava a festa, eu não vendia mais. Aí, depois, eu aluguei um barzinho ali; aí botei, fiquei um ano, mas o aluguel era caro. Aí comprei esse trailerzinho e fiquei pagando; comprei até pra ir pagando. Depois, eu mandei os requerimentos pra prefeitura e foi... O prefeito, na época, disse
que eu tinha que escolher uns quatro locais; aí mandei quatro requerimentos e solicitei. Mas eu preferia mais esse daqui, porque era na beirada do rio, onde vem turista. Aí ele aprovou esse daqui, e eu fiquei até hoje, desde fevereiro de 2000. Sou solteira, mas ajudo minha família. Meu pai é tirador de coco; minha mãe conseguiu se aposentar agora e ajudo minhas sobrinhas, meus irmãos... Vivo somente daqui. Minha maior vantagem é essa paisagem e conhecer pessoas novas. Às vezes, quando eu chego aqui, tem um bocado desses pescadores, desse pessoal que pesca... O pessoal sentado aqui, conversando, passando o tempo. Aqui ficou um ponto. É, ficou! Porque
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tem essa árvore, é bem ventilado... O pessoal que trabalha aqui também fica esperando o turista chegar. Quando não chega, ele fica aqui sentado, sem comprar nada, fica só passando o tempo mesmo, conversando. Nasci aqui. É... A uns três ou quatro quilômetros, aqui no sítio mesmo do meu pai. Fiquei lá até os 15 anos. Estudei. A primeira série fiz lá mesmo, no sítio, numa escola que tinha lá. E a segunda série não quis mais fazer lá; vim fazer aqui na escola do Estado. Piaçabuçu está melhorando! Quando eu terminei o segundo grau aqui na escola do Estado mesmo, fui pra Penedo fazer faculdade para ser professora – que eu queria ser professora. Terminei o curso de História, me formei, mas não tô lecionando ainda. Mas eu vou fazer o concurso para ver... Eu vendo mais coco verde. O dia que dá mais gente é de sábado, porque tem a feira, e domingo. Sexta-feira, eu faço buchada; aí vem um pessoal comer a buchada. Acho que o rio é uma maravilha e não viveria sem ele. Sou amarrada no rio. Sou.
Eu era funcionária do município; aí fiz o concurso!
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Lei
“Maria da Pe no combate à violência doméstica e familiar contra a stela valéria soares de farias cavalcanti 1. EXPOSIÇÃO Dentre todos os tipos de violência contra a mulher, sustentamos que a praticada no ambiente familiar é uma das mais cruéis e perversas. O lar, identificado como local acolhedor e de conforto, passa a ser, nesses casos, um ambiente de perigo contínuo. Envolta no emaranhado de emoções e relações afetivas, a violência doméstica contra a mulher se manifesta como criminalidade oculta, envolvida no véu do silêncio, do medo e da impunidade. O sistema de repressão e prevenção à Violência Doméstica é recente no Brasil. Teve início em 1988, quando a Constituição Federal proclamou a igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações, art. 5º, inciso I. Evidencia-se também, no parágrafo 8º, do art. 226, que impõe ao Estado o dever de coibir a Violência Doméstica, in verbis: “o Estado assegurará assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. Essas normas constitucionais foram ponto de partida para que o legislador ordinário ampliasse a proteção dos direitos das mulheres contra a discriminação e a violência. Contudo, essas medidas não foram capazes de diminuir as desigualdades de gênero e os índices das agressões contra as mulheres, especialmente a violência doméstica. Pesquisas realizadas por Organizações Não-Governamentais e institutos de opinião pública apontam altos índices da violência
doméstica no Brasil. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão no Estado de Pernambuco, em 2006, concluiu que 60% dos casos de homicídio de mulheres foram considerados de proximidade, ou seja, foram praticados por parentes, companheiros ou ex-companheiros das vítimas1. Outra pesquisa realizada, em 2001, pela Fundação Perseu Abramo mostra que, no País, uma mulher é vítima da violência doméstica a cada 15 segundos2. Diante dessas constatações e em cumprimento aos Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil sobre os direitos humanos das mulheres (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, “Convenção de Belém do Pará”), a violência doméstica recebeu roupagem típica própria no Código Penal Brasileiro com a Lei nº. 10.886/04. Foram retirados do Código Penal os crimes de adultério e sedução, com a publicação, em 2005, da Lei nº. 11.106/05. Mais recentemente, a Lei nº. 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, veio satisfazer as expectativas das entidades de defesa 1 BIANCARELLI, Aureliano. Assassinatos de Mulheres em Pernambuco: violência e resistência em um contexto de desigualdade, injustiça e machismo. São Paulo: Publisher Brasil: Instituto Patrícia Galvão, 2006, p. 19. 2 Disponível em: <http//www.fundaçaoperseuabra mo.org.br>. Acesso em: 22 abr. 2007.
dos direitos das mulheres, criando mecanismos para coibir a violência contra a mulher e dispondo sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar, alterando o Código Processual Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal. A Lei nº. 11.340/06 apresenta uma estrutura adequada e específica para atender à complexidade do fenômeno da Violência Doméstica (VD) ao prever mecanismos de prevenção, assistência às vítimas, políticas públicas e punição mais rigorosa para os agressores. É uma lei que tem mais o cunho educacional e de promoção de políticas públicas de assistência às vítimas do que a intenção de punir mais severamente os agressores dos delitos domésticos, pois prevê em vários dispositivos medidas de proteção à mulher em situação de violência doméstica e familiar, possibilitando uma assistência mais eficiente e a salvaguarda dos direitos humanos das vítimas. Não há dúvida de que o texto aprovado constitui um avanço para a sociedade brasileira, representando um marco indelével na história da proteção legal conferida às mulheres. Entretanto, não deixa de conter alguns aspectos que podem gerar dúvidas na aplicação e, até mesmo, opções que revelam uma formulação legal afastada da melhor técnica e das mais recentes orientações criminológicas e de política criminal, daí a necessidade de analisá-la na melhor perspectiva para as vítimas, bem como discutir a melhor maneira de implementar todos os seus preceitos.
Penha” mulher
Após quase dois anos de vigência da Lei Maria da Penha, constatamos que os índices da violência doméstica permanecem altos; observamos, porém, que houve uma diminuição considerável na reincidência, o que já é um grande avanço. Contudo, ainda precisamos lutar pela divulgação da lei nos mais longínquos rincões brasileiros, bem como pela qualificação dos operadores do direito nas questões de gênero, a fim de aplicar a Lei nº. 11.340/06 em todos os seus termos em benefício das vítimas, pois ainda verificamos que o atendimento prestado às vítimas nas delegacias de polícias ainda não é o ideal, falta uniformidade na aplicação da Lei Maria da Penha, e as políticas públicas de assistência às vítimas e tratamento dos agressores ainda são insuficientes. Alguns estados brasileiros não criaram sequer Juizados de Combate à Violência Doméstica, o que tem acarretado sérios prejuízos às mulheres vítimas desses delitos, que não contam com todo o aparato da lei em seu favor. Mesmo diante da complexidade e interdisciplinaridade do tema, acreditamos que as ideias a serem desenvolvidas neste artigo contribuirão para o debate sobre os dispositivos da Lei Maria da Penha, seus mecanismos de proteção e promoção dos direitos humanos, bem como a indispensável e importantíssima participação do Ministério Público como fiscal da lei e promotor dos direitos fundamentais das vítimas da violência doméstica no Brasil.
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2. CONCEITO, CLASSIFICAÇÃO E SUJEITOS 2.1 CONCEITO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR A Lei Maria da Penha delimita o seu atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, por entender que a lógica da hierarquia de poder em nossa sociedade não privilegia as mulheres, bem como que estas são as maiores vítimas dessa forma de criminalidade. Assim, busca atender aos princípios de ação afirmativa que têm por objetivo implementar ações direcionadas a segmentos sociais historicamente discriminados, como as mulheres, visando corrigir desigualdades e promover a inclusão social por meio de políticas públicas específicas, dando a esses grupos um tratamento diferenciado que possibilite compensar as desvantagens sociais oriundas da situação de discriminação e exclusão a que foram expostas. O art. 5º. apresenta, pela primeira vez no Brasil, uma conceituação jurídica para o problema da violência doméstica e familiar, tendo em vista que anteriormente à Lei Maria da Penha, apenas a Sociologia, a Antropologia e a Psicologia tinham conceitos e denominações específicas para esse grave problema social. Define violência doméstica e familiar contra a mulher como toda espécie de agressão (ação ou omissão) dirigida contra mulher num determinado ambiente (doméstico, fa-
miliar ou de intimidade), baseada no gênero (feminino) que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Agora, qualquer ação ou conduta que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico e dano moral ou patrimonial (inovações da lei) pode ser considerada violência doméstica, desde que seja praticada no âmbito das relações domésticas ou familiares. Quanto aos demais tipos penais enquadráveis no conceito amplo de violência doméstica, como o dano (violência patrimonial), a ameaça, a calúnia, a difamação, a injúria (violência moral), etc., a interpretação deve ser restritiva, ou seja, só pode ser considerada violência doméstica se praticada contra a mulher (entendida aquela que, por força do que dispõe o art. 1.517, do Código Civil, está apta ao casamento, ou seja, a maior de 16 anos), já que o art. 5º. da Lei nº. 11.340/06 dispõe que, “para os efeitos desta lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofri-
mento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Na prática não há prejuízo para o homem que vier a ser vítima de quaisquer desses crimes praticados no ambiente familiar, já que deverá ser aplicado o tipo penal específico, dano, ameaça, difamação, etc., sem, contudo, poder ser considerada violência doméstica em razão do que consta no seu art. 5º. 2.1.1. Caracterização As expressões “violência contra a mulher; violência doméstica e familiar” são termos distintos; assim, antes de adentrar no contexto da violência contra a mulher na relação conjugal, faz-se necessário distinguir conceitos empregados nas doutrinas; legislações e tratados internacionais.
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2.1.2. Violência contra a mulher A Convenção sobre a Eliminação de Todas as formas de Discriminação contra a Mulher em seu artigo 1º conceitua violência contra a mulher da seguinte forma: [...] qualquer ato de violência baseada em sexo, que ocasione algum prejuízo ou sofrimento físico, sexual ou psicológico às mulheres, incluídas as ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrárias da liberdade que ocorra na vida pública ou privada3. Conforme a Convenção de Belém do Pará, violência contra a mulher é “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado”. (grifo nosso).4 Analisando esses conceitos, podemos afirmar que a violência contra a mulher possui conceito mais amplo, podendo ser considerado o gênero de que são espécies várias outras formas de violência, como a sexual, psicológica, institucional, urbana, doméstica ou familiar. 3 CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de. Op. cit., p. 37. 4 Disponível em:<http:www.pge.sp.gov.br/centrode estudos/bibliotecavirtual/instrumentos/belem.htm> Acesso em: 20 ago. 2007.
2.1.3.Violência Doméstica A nova lei de proteção à mulher no. 11.340/2006, em seu inciso I, artigo 5º, nos remete o conceito de violência doméstica da seguinte forma: “Art. 5º - Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas”;
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Importante a conceituação de Rogério Sanches e Ronaldo Batista segundo os quais a violência doméstica é: “a agressão contra a mulher, num determinado ambiente (doméstico, familiar ou de intimidade), com finalidade específica de objetá-la, isto é, dela retirar direitos, aproveitando da sua hipossuficiência”.
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A expressão “unidade doméstica”, prevista no inciso I, deve ser entendida como o local onde as pessoas vivem com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas. Como exemplo, podemos citar: as pessoas que residem no interior e vêm para a capital estudar na casa de parentes, estas são esporadicamente agregadas, logo, podem ser sujeitos passivos do delito de violência doméstica e obter amparo da Lei Maria da Penha. Conceituamos a violência doméstica da seguinte forma: A violência doméstica fundamenta-se em relações interpessoais de desigualdade e de poder entre mulheres e homens ligados por vínculos consanguíneos, parentais, de afetividade ou de amizade. O agressor se vale da condição privilegiada de uma relação de casamento, convívio, confiança, amizade, namoro, intimidade, privacidade que tenha ou tenha tido com a vítima, bem como da relação de hierarquia ou poder que detenha a vítima para praticar a violência.5 Podemos resumir da seguinte forma: por violência doméstica entendemos a ação ou omissão que ocorrer no espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas (inc. I). Como unidade doméstica entende-se o local em que reside a mulher ou esteja temporariamente fixado domicílio. A violência contra a mulher poderá ser também familiar, desde que praticada por membros de uma mesma família, aqui entendida como a comunidade formada por indivíduos que “são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa” (inc. II). Em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação, podendo ser sujeito ativo marido, companheiro, ex-marido, excompanheiro, pai, padrasto, namorado etc. Quem agredir uma mulher que está fora do âmbito doméstico, familiar ou da relação íntima do agente do fato não está sujeito à Lei 11.340/06. Vale dizer: quem ataca fisicamen5 CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de. Op. cit., p. 48.
te uma mulher num estádio de futebol, num show musical, em uma praça, etc., desde que essa vítima não tenha nenhum vínculo doméstico, familiar ou afetivo com o agressor, não estará sujeito à incidência desta lei. Aplicam-se, nesse caso, as disposições civis, penais e processuais vigentes6. Merece comentário também a afirmação de alguns autores, minoritária, contudo, de que a empregada doméstica estaria amparada pela Lei de Violência doméstica. Entendemos que os legisladores ordinários não pensaram em proteger a mulher enquanto desempenhando atividades laborais, para tanto já existia a CLT, e vasta jurisprudência sobre Assédio Moral, entre outras. O que se pretendeu foi proteger a família vítima da violência doméstica, bem como a mulher sujeito passivo dessa forma de criminalidade, portanto, tenho que discordar veementemente daqueles que entendem ser possível aplicar esta lei às relações laborativas domésticas7. 2.1.4. Violência Familiar O novo estatuto, no inciso II, artigo 5º, nos remete o conceito de violência doméstica da seguinte forma: “Art. 5º (...): ... 6 GOMES, Luis Flávio; BIANCHINI, Alice. Aspectos criminais da Lei de Violência contra a mulher. Jus Navigandi, Teresina, Ano 10, N. 1169. 13 set. 2006. Disponível em: <http://www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto. asp?id=8916>. Acesso em: 29 out. 2006. 7 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha da Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 42.
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; Com essa divisão, entre unidade doméstica e no âmbito da família, quis o legislador abarcar também a família estendida, ou seja, a comunidade ou clã que reúne pessoas que são ou se consideram aparentados ou afins, independentemente do compartilhamento do mesmo teto. Deixa bem claro o inciso acima que a violência no âmbito familiar pode ser praticada entre membros da mesma família, unidos por vínculo jurídico familiar de parentesco em linha reta ou por afinidade, como também por vontade expressa, no caso da guarda, tutela ou adoção.
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2.2. FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR Segundo estabelece a Lei nº 11.340/06, a violência doméstica e familiar tem como modalidades: violência física, sexual, psicológica, moral e patrimonial, (art. 7º). Violência física - Entende-se qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal. Como modalidade criminosa, podemos relacionar vários delitos, como por exemplo: a contravenção de vias de fato, o delito de lesão corporal, em suas formas leve, grave ou gravíssima, e os crimes contra a vida, homicídio, aborto, induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (arts. 129, §9º. e §10º, 121, 125, 122 do CP). Consistem em socos, tapas, pontapés, empurrões, queimaduras, praticados dolosamente com o intuito
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de ofender a integridade física ou a saúde da mulher. É o tipo mais comum de violência doméstica, apresentada desta forma por várias pesquisas nacionais e estrangeiras8. 8 Pesquisa do DataSenado concluiu em seu Relatório Analítico que, das mulheres entrevistadas, 50% sofreram violência física, 11% sofreram violência psicológica e 17% já vivenciaram todos os tipos de violência. Secretaria de Pesquisa e Opinião Pública. Coordenação DataSenado – Serviço de Pesquisa de Opinião. Disponível em:<http://www.senado.gov.br>. Acesso em 20 ago. 2007. Nesse sentido também foram os resultados da Pesquisa de Campo realizada em 2006/2007, pelo Labora-
Violência psicológica - É considerada qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas tório de Direitos Humanos da Ufal, com 100 vítimas da violência doméstica em Maceió.
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ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação. É um conceito bastante amplo e abrangente. A violência psicológica é uma das mais comuns e menos reconhecidas formas de violência doméstica. A própria vítima, muitas vezes, não a reconhece como algo injusto e ilícito. Porém, seus graves danos à integridade física, mental e psicológica da vítima são amplamente reconhecidos pelos profissionais da saúde, sendo considerado um problema de saúde pública pela Organização Mundial de Saúde - OMS. Por essa definição podem ser considerados violência psicológica os crimes de: ameaça, cárcere privado, constrangimento ilegal, violação de domicílio, entre outros (arts. 147, 148, I e 146, 150 do CP). A ação penal, no caso da ameaça, continua sendo pública condicionada à representação, e, nos demais casos, a ação é pública incondicionada.
Violência sexual - é conceituada como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos. A intenção dos legisladores foi clara: dirimir qualquer dúvida porventura existente de que é possível tipificar como crime de estupro e atentado violento ao pudor, arts. 213 e 214, do CP, ou seja, sexo não consentido ou forçado praticado por marido, companheiro, namorado contra suas esposas, companheiras, namoradas, etc. Apesar de a jurisprudência ser farta e a doutrina indicar a gravidade desse tipo de ação e a possibilidade de tipificação penal, alguns operadores do direito, por preconceito e discriminação contra a mulher, ainda deixavam de aplicar a norma legal, justificando a relação afetiva e de coabitação existente entre agressor e vítima. Agora não resta dúvida de que a violência sexual é uma das formas de Violência Doméstica e, portanto, passível de punição penal e moral. A ação penal, nesses casos, é privada, exceto se a vítima for pobre na forma da lei, quando então será pública condicionada à representação da ofendida, bem como é sumulado no STF o entendimento de que, em caso de violência real se torna incondicionada a ação penal, independentemente de pobreza.
Violência patrimonial - É entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. Essa é uma das mais comuns modalidades de Violência Doméstica. Geralmente quando ocorre a agressão e a mulher é obrigada a sair de sua residência, o agressor, aproveitandose dessa situação, destrói bens e objetos pessoais da vítima, acarretando-lhe sérios transtornos e prejuízos. Assim, veio em muito boa hora essa conceituação mais ampla, posto que, agora, esses atos são reconhecidos como violência doméstica e passíveis de punição mais rigorosa. O crime de dano é o delito tipificado no Código Penal brasileiro, nos arts. 163 a 167; via de regra, a ação penal é privada, exceto para os bens públicos. Violência moral - É descrita como qualquer conduta que configure calúnia, difamação, injúria, inclusive denunciação caluniosa (art. 339, do CP). Caluniar alguém é a imputação falsa de fato definido como crime. Difamar alguém é imputar-lhe fato ofensivo à sua reputação. Injuriar alguém é ofender-lhe a dignidade ou o decoro. Os tipos penais de calúnia, difamação, injúria são crimes de ação penal privada, arts. 138, 139 e 140 do CP9. 9 CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. Op. cit., p. 195.
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2.3. SUJEITOS DO DELITO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER 2.3.1. Ativo A Lei Maria da Penha denomina o sujeito ativo das causas de violência doméstica como “agressor”, seguindo orientação de outras áreas do conhecimento, como a Sociologia, a Psicologia e a Antropologia, tratando-o desta forma em vários dos seus artigos (Ex.: art. 5º., inciso III). Ademais, estabelece a referida lei, no parágrafo único do art. 5º., que as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual; logo, depreende-se da análise deste dispositivo que tanto pode ser sujeito ativo dos delitos de violência doméstica o homem como a mulher, seja heterossexual ou homossexual e que a palavra agressor está posta como gênero. A Lei nº. 10.886/04 criou uma nova circunstância para o delito de lesão corporal, estabelecendo como violência doméstica a lesão corporal “provocada em ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem convivia ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade”, art. 129 §9º e 10, do CP; logo podem ser sujeitos ativos e passivos do delito de VD tanto o homem quanto a mulher.
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2.3.2 Passivo A Lei nº. 11.340/06 criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Assim, sujeito passivo da Lei Maria da Penha é a ofendida, não podendo ser confundido com o sujeito passivo do crime de violência doméstica (art. 129, parágrafo 9º.), que, como afirmamos acima, tanto pode ser o homem como a mulher. O delito de violência doméstica (lesão corporal) pode ter como sujeito passivo também os homens, em razão do que dispõe o art. 129, parágrafo 9º., do CP. Senão, vejamos: Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. Contudo, as medidas de proteção e os mecanismos de prevenção constantes na Lei Maria da Penha só devem ser aplicados às mulheres vítimas da violência doméstica. 3. AÇÃO PENAL Como é cediço, até o ano de 1995, os crimes previstos nos artigos 129, caput, e 129, §6º., ambos do Código Penal, eram de ação pública incondicionada. Com a entrada em vigor da Lei nº. 9.099/95, que estabeleceu no art. 88 que, “além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas”, a ação penal passou a ser pública condicionada. A Lei nº. 11.340/06 estabeleceu, em seu art. 41 que “aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº. 9.099, de 25 de setembro de 1995”, retirando a competência para processar e julgar esses delitos dos Juizados Especiais. Nesse contexto, é importante ressaltar que a Lei nº. 11.340/06 ao estabelecer, no art. 41, que a Lei nº. 9.099/95 não mais se aplica aos crimes praticados com violência
doméstica e familiar contra a mulher, não englobou na restrição as contravenções penais. Logo, entendemos que para as contravenções penais praticadas com violência doméstica ainda podemos aplicar a Lei dos Juizados Especiais, a exemplo da contravenção de vias de fato, que continuará a ser apurada por T.C.O. (Termo Circunstanciado de Ocorrência) e encaminhada ao Juizado Especial Criminal para processo e julgamento, art. 21 do Decreto Lei nº. 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais). Existem outros crimes, a exemplo da ameaça, art. 147, parágrafo único, do dano, art. 163 e 164, e do estupro, art. 213, 214, c/c art 225, que ainda possibilitam a representação. Nesses casos, a representação deve ser colhida pelo delegado de polícia, e em razão do que dispõe o artigo 12 da Lei nº. 11.340/06 só poderá ser admitida renúncia perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público. Em outras palavras, com a entrada em vigor da nova lei, será vedada no âmbito da Polícia Judiciária eventual renúncia à representação da ofendida na hipótese de esses crimes serem praticados no campo das relações familiares e, por conta da definição da violência doméstica, constante no art. 7º., podem ser assim considerados. Em face disso, parece irretorquível que, a partir da vigência da Lei nº. 11.340/06, retornou a ação penal a ser pública incondicionada, mesmo nos casos de lesões leves, desde que perpetradas no âmbito familiar ou doméstico contra a mulher. Reintegrase a vigência do art. 100, do CP, que impõe a ação penal pública incondicionada como regra geral10. Por esse motivo, também não mais se aplica a decadência ao direito de representação, art. 38, do CPP, à violência doméstica física – lesão corporal. 10 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Anotações críticas sobre a lei de violência doméstica e familiar contra a mulher. JUS NAVIGANDI, Teresina, ano 10, n. 1146, 21 ago. 2006. Disponível em:<http//www.jus2. uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8822>. Acesso em 21 ago. 2006.
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4. ASPECTOS RELEVANTES DA NOVA LEI DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR ANTES E DEPOIS DA NOVA LEI
1. Não existia lei específica sobre a violência doméstica.
2. Só era criminalizada a violência domésti-
ca – lesão corporal; hoje, os tipos de violência doméstica são: física, sexual, moral, patrimonial e psicológica.
3. Não havia menção sobre as relações homoafetivas; agora qualquer relação afetiva está amparada.
4.
A competência para processar e julgar o fato delituoso era dos Juizados Especiais Criminais para os delitos apenas até 2 anos; atualmente é dos Juizados de Violência doméstica e familiar.
5. Permitia a aplicação de penas alternativas, como cestas básicas e multa; agora é vedado.
6. A ação penal era pública condicionada à
representação na violência doméstica “leve”; agora é pública incondicionada, ou seja, qualquer pessoa do povo pode e deve denunciar os fatos à polícia.
7. Os Juizados Especiais Criminais tratavam
somente do crime, mas para a mulher vítima de violência doméstica resolver as questões de família (separação, pensão, guarda de filhos) teria que ingressar com outro processo na Vara de Família; após a nova lei, o juiz criminal é competente para essas questões.
8. A autoridade policial efetuava um resumo dos fatos, através do TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência); agora é feito através de Inquérito Policial, mais completo.
9. Era a mulher quem, muitas vezes, entregava
a intimação para o agressor comparecer em audiência; a nova lei vedou essa prática.
Fernando Rizzotto
Stela Valéria Soares de Farias Cavalcanti
Quem é Promotora de Justiça da comarca de São Miguel dos Campos/Alagoas; mestre em Direito Público pela Ufal; especialista em Direito Constitucional pela Fadima/Cesmac; pesquisadora integrante do Laboratório de Direitos Humanos da Ufal; autora do livro Violência doméstica contra a mulher: análise da “Lei Maria da Penha”, Salvador: Juspodivm, 2. ed., 2007, e de artigos publicados em revistas e em sites na Internet; e palestrante.
5. CONCLUSÃO A ideia de pesquisar o fenômeno da Violência Doméstica contra a mulher surgiu da constatação empírica de que milhares de mulheres, em todo o mundo, são vítimas das mais diversas formas de violência e de discriminação no ambiente familiar. As estatísticas são estarrecedoras. Assassinatos, lesões corporais, mutilações, estupros e ameaças acontecem diariamente no País de forma silenciosa, impiedosa e impune. O mais grave é que a violência doméstica ainda é uma criminalidade oculta, isto é, as estatísticas extraídas de inquéritos policiais e ações penais são incapazes de definir a real dimensão do problema. Na maioria dos casos, as vítimas se calam, movidas pelo medo, insegurança, dependência econômica, pela preservação da família ou mesmo pela desaprovação social. A situação é tão grave que instituições multilaterais, como a ONU e a OEA, têm elaborado diversos documentos (Convenções e Pactos - Tratados) exigindo soluções para a prevenção e repressão desse delito.
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Diante da necessidade de cumprir os tratados assinados e ratificados pelo Brasil em âmbito internacional, foi elaborada e publicada a Lei nº. 11.340/06, chamada “Maria da Penha”, que trouxe profundas modificações no cenário jurídico brasileiro ao proibir a aplicação de cestas básicas para os delitos de violência doméstica, vedar a aplicação da Lei dos Juizados Especiais Criminais, fomentar a criação de juizados de Violência Doméstica, incluir importantes medidas protetivas de urgência em benefício das vítimas e contra o agressor, possibilitar a prisão em flagrante e preventiva por descumprimento das medidas de proteção, instituir políticas públicas em favor das vítimas, recomendar a criação de Juizados de Violência Doméstica e ampliar a atuação do Ministério Público. Nesse contexto, importante se faz a criação dos Juizados de Violência Doméstica e familiar em todos os estados da Federação, nas capitais e também no interior, dotados de estrutura adequada para prestar atendimento jurídico, social e psicológico às vítimas, seus familiares e agressores, conforme estabeleceu a Lei Maria da Penha. A exemplo do que já é realidade em Estados como o Pará, Belo Horizonte e Distrito Federal. A ampliação da rede de proteção à mulher também é uma meta a ser atingida, bem como a implementação de políticas públicas de gênero. Com medidas simples, porém eficazes, é possível conter o avanço desse fenômeno perverso, que atinge milhares de mulheres em todo o mundo e causa tanta dor e sofrimento.
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: ::: crônica ::
A tradição natalina, não necessariamente a religiosa, mas a profana, cheia de festas e ritos de encontro, é muito feminina. Até rima! Drummond já dizia que as mulheres ficam belas em dezembro. Elas sorriem para os seus, conjunto amplo de pessoas que constituem um círculo familiar e de amizades, do cafezinhho, da faculdade, da ginástica, da rua, da vida plena de um movimento quase autista que as mulheres possuem. Um Natal só com homens seria um desastre. Quem adornaria as árvores? Quem congregaria pessoas? Quem procuraria adivinhar o gosto daquele filho adolescente sempre chato e reivindicador? Quem faria as pazes entre pai e filhos, senão a mãe, forçosa e historicamente “mais compreensiva”, em virtude da quase absoluta falta de racionalidade e de tolerância dos homens para as relações humanas? Quem reataria, com dedos fortes, o esgarçado tecido familiar com filhos separados, noras magoadas e filhos perplexos? No comércio, ou no shopping, sorridentes, elas compram “lembrancinhas” para o marido emburrado, para o filho rebelde, para o amigo bom e para o desafeto. Porque, afinal, “é Natal”, diz ela, que bem sabe que, nessa época de cores e luzes inesperadas, nós nos concedemos uma espécie de liberdade condicional da chatice do cotidiano, às voltas com a crise econômica, assunto (orgasmo?) de todo homem que se preza.
Injustamente classificadas como gastadoras, as mulheres realizam a parte afetiva de cujos resultados todo homem gosta, seja pai, avô ou bisavô. “Coisas de Vera”, diz meu marido, ou o seu. “Coisas de mulher”, diz um machista deliciado com o peru comprado na liquidação, com a mesa posta e bonita, com o jarro habilmente escondendo o desbotado da toalha de tantos anos atrás. Porque as mulheres são protéicas formas de viver o contraditório cotidiano de nosso tempo conturbado, às voltas com uma crise radical de valores humanos. As pessoas, em nossa cidade, na minha infância, se encontravam nas portas da rua, fugindo do calor de dezembro; divertiam-se nos terraços, nas praças, nas ruas seguras da Maceió deliciosamente provinciana dos anos 50 e 60. As grades fecharam os terraços do Farol e da Ponta Verde; os portões eletrônicos substituíram os pequenos muros de alvenaria. Pouco a pouco, a cidade se fechou em copas e as mulheres passaram a encontrarse na rua, no café, no barzinho da esquina, escondidas do olhar mais conservador. O Farol era uma alameda de iluminadas árvores piscando em verde e vermelho. Fecharam-se as casas; derrubaram um face bonita de Maceió, meio brega, meio verde, onde as crianças se reconheciam.
Natais ameaçados por tantos planos econômicos malucos quase nos impediram de exercitar a tão feminina ginástica de compras. Mas como na letra da Nega Juju, do Farol à Ponta Grossa, a “folia é nossa”. E nos mercados de bairro, os carrinhos toscos continuam cheios; Téo (aleluia!) pagou cedo o décimo-terceiro, habilitando-nos a uma antecipação do décimo-quarto presentinho. Coisas de homem! Deixar-nos sofrer, até o último momento, para, então, magnânimo, conceder o indulto financeiro de Natal. Mas perdoamos todos, até os que nos chamam de lineares, superficiais, gastadeiras; porque o abuso deles precisa dessa leveza protéica que possuímos, dessa generosidade de útero que aprendemos a conservar, desse sorriso-estandarte de uma força que nos ensinaram nossas mães e avós. Coisas de mulher. Coisas da melhor tradição feminina do Natal.
A tradição femi Vera Romariz PROFESSORA
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nina do Natal
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: ::: poesia ::
O lirismo de Lilith Quando Teu olhar me aquece Desvelando Degredos O corpo espera O sinal do degelo E as entranhas exalam Um hálito de Lilith Vagando no mar morto Então Teu olhar Como o de incontáveis demônios Desperta-me À noite Para o abraço de fogo
Maíra Villela fotógrafa
Solange Chalita
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::: poesia :: :
Mulher Eva ou Lilith Bruxa ou Fada Amante Amada Mítica Moderna Escrava Liberta MULHER Fonte eterna de amor e vida.
Solange Chalita
Maíra Villela fotógrafa
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: ::: poesia ::
Eternidade Neste momento já nem te apercebes Que o teu olhar mais puro se tornou E que fiapos de nuvens desfeitas Aquecem o teu corpo e os teus passos. Teus olhos hoje captam belezas E novos sons entram por teus ouvidos, Que os meus sentidos não podem sentir Neste momento em que nem sei se vivo. Bem mais sensível sei que estás agora E que poemas são reinventados Em outras ilhas hoje percorridas; Já não são mais os teus dias de vida Que contaremos na nossa lembrança Agora que já és eternidade.
Maíra Villela fotógrafa
Anilda Leão
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::: poesia :: :
Soneto da menina que já fui Do meu ventre recolho exatidões E coloco nas curvas dos meus seios O estremecer do tempo adolescente E assim me ponho pra te receber. Abro os meus braços e te aconchego o corpo Ainda quente do recordar de outrora E solto os meus cabelos, as minhas franjas Da criança que fui e sou agora. Por ti me fiz e sou menina ainda Para esquecer aquela que ficou Largada nos caminhos de outra vida. E assim me dou na mocidade vindo De ti fazendo o meu amor primeiro Esquecida dos tempos já vividos.
Anilda Leão
Maíra Villela fotógrafa
: ::: trilha sonora ::
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Definição amor de mentira, ilusão amor de verdade, afeição amor que não vem, solidão amor que não pode, traição amor de começo, paixão amor escondido, aflição amor de pecado, tesão amor de papel é cartão pelo ar é canção em carvão, coração amor quando chega, emoção amor quando cego, perdão amor de momento, verão amor sem limite, obsessão amor que não toca, Platão amor reprimido, razão amor sem querer, danação amor sem doer, não tem não não tem não não tem não não tem não não tem não
Lucy Serralvo
Farol da Noite Falo em deixar pra depois De encarar os fantasmas, os medos E assim vir recomeçar Deixar que agora seja um tranquilo mar Que se ascende ao farol da noite E espera a tempestade chegar Deixo vir a mim o céu, o nó Num despertar E enquanto isso sinto o calor E o meu domínio insano desse amor Que me carrega, me veda Me quer ver sangrar E a voz quente por dentro Me ensina a cantar essa dor Que tenta entrar e para Pra poder contemplar a calma A falta de pressa O caminho que fiz pra aqui chegar
Fernanda Guimarães
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::: trilha sonora :: :
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: ::: conto ::
Os ratos passaram a noite desmanchando os meus livros. As páginas amanheceram transformadas em picadinhos engraçados. Ratos engolem letras e não se transformam em enciclopédias. Ou em bibliotecas ambulantes. Deveriam. Vou dar para reparar de que jeito eles botam para fora os livros que engolem. Na sandália que permanece quieta sobre o piso do quarto, as flores bordadas pelas mãos de minha mãe agora estão despetaladas. E fiapos de lã, amarelos, verdes, azuis e violetas esvoaçam no ar como penugem de ave depois de uma luta. Já vi isso num dia de sol, numa briga de galo. Só que o sangue escorria do pescoço esticado do bichinho arisco e eu fechei os olhos para não sentir tonturas. É, dizem que mulher, já acostumada a ver sangue sair de si todos os meses, não devia ter fricotes ante essas cenas sangrentas. Taí, não sou mulher de fricotes, mas não gosto de ver sangue jorrando à toa de um bichinho inocente.
Mas eu estava a falar de ratos. Dos ratos que estão acabando com meus livros tão queridos. Alguns já não mais existem, nem nas minhas prateleiras nem mesmo nas livrarias. Os meus amados livros subversivos. Será que rato engolindo livro subversivo tem dor de barriga? Ou, de repente, se transformarão em super-ratos e se meterão a querer mudar o mundo, roendo, roendo, roendo tudo o que não presta para criar um maravilhoso mundo novo? Bicho danado é o rato. Decerto tão incrivelmente machos que as ratazanas são as maiores parideiras. Depois das coelhas. Ou assim como elas. O fato é que o meu quarto foi transformado em universo dos ratos. Nos armários. Nas gavetas. Debaixo da cama. Dentro do colchão.
Estou quase a ponto de enlouquecer. Nessa solidão infestada de ratos, a vontade é de estirar-me no chão do quarto e esperar que me devorem o corpo, devagarinho deixando, por fim, apenas um amontoado daquilo que não consigam engolir. Amanhã, as manchetes dos jornais falarão sobre o estranho acontecimento. E muita gente irá tomar conhecimento de que eu existi.
Os ratos Anilda Leão ESCRITORA
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Mohan
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Manu
A mul
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her e a história de violência Um dos grandes problemas da violência contra a mulher está na forma difusa como se apresenta no cotidiano. O trabalho da professora Maria Aparecida tem o mérito da denúncia associada à forma com que a dominação procede. Ela consegue algo extraordinário: a escrita ser portadora das agruras, ao mesmo tempo manter elevado nível de embasamento. Na verdade, apesar de falar nas quadras da vida alagoana, seu texto é um libelo de natureza universal, argumentando
que o mundo deve ser refeito, uma sociedade deve ser construída sobre o novo para ganhos na justiça que deve ser o norte procurado. A Cida fala sobre e para todas as mulheres, porque ela acusa o preconceito, a dominação e, ao pedir justiça, ela debate a necessidade e um novo mundo, fundado em novo homem e nova mulher, ambos conscientes de um princípio básico: a igualdade. É um texto que trabalha a realidade e um chamamento.
: ::: documenta ::
A MULHER E A HISTÓRIA DE VIOLÊNCIA: A FENOMENOLOGIA DA DOR Maria Aparecida Batista de Oliveira
Na cidade de Maceió, a história tem registrado altos e diversos níveis de violência contra mulheres: física, sexual, psicológica, moral, patrimonial e/ou econômica. Essa violência pode ser entendida como um tipo de ação que provoca dano ou sofrimento físico, sexual, psicológico, econômico, podendo acontecer no ambiente privado e no público. A física - como seria de esperar - é definida como a que resulta em danos físicos. A mulher sofre violência psicológica quando é objeto de insultos, gritos, xingamentos e redundando em perturbações de ordem emocional. A violência sexual é aquela em que a mulher é obrigada a fazer sexo. Abuso sexual infantil é levar a criança a participar de atividades sexuais. O abuso incestuoso é definido como um tipo de violência sexual praticada por pais ou outro parente próximo. Geralmente, a ocorrência é mantida em sigilo, em virtude do grau de reprovação social, pois, normalmente, a vítima é quem sofre os mecanismos de culpabilização. Na maioria dos casos registrados na Delegacia das Mulheres, o ato acontece com quem a vítima mantém relações afetivas, como pai, tio, avô, primo... Já assédio sexual é definido como toda ação de conotação sexual, praticada mediante constrangimento, reduzindo a capacidade de resistência da vítima. Violência econômico-patrimonial é conceituada como ação que tem por finalidade atingir bens materiais, afetando a sobrevivência da família ou causando transtorno emocional. Ela é caracterizada por destruição de bens pessoais, roubo, recusa de pagamento de pensão alimentícia, uso de recursos econômicos de mulher idosa... A violência avilta a dignidade da mulher, coisificando-a. Ela é, portanto, um modo extremamente cruel de controle por parte do poder masculino, que se apodera da li-
berdade e da dignidade do ser da mulher, transformando-a em objeto. Socialmente, a coisificação feminina é considerada natural e é, assim, que se impede a construção da sua alteridade. Na violência presente no cotidiano da mulher, ela é humilhada, maltratada, desqualificada, desautorizada, o que pode ocorrer em todas as classes sociais, e tudo geralmente passa despercebido, por conta do silêncio e porque os atos sempre tendem a acontecer a portas fechadas. As denunciantes que prestaram queixa na Delegacia Especializada da Mulher no período por nós estudado - década de 1990 - estavam em maioria na faixa de 18 a 29 anos (43%). É possível que haja maior nível de conscientização dessa faixa de idade da mulher que vence as barreiras da vergonha e submissão. E o percentual de 33% - correspondente à faixa etária de 29 a 40 anos - corrobora a hipótese de que as mais jovens estão rompendo o silêncio. Algumas têm ido ao Conselho da Mulher, onde são escutadas e encaminhadas aos órgãos competentes. No entanto, a violência vivenciada no interior dos lares da família maceioense ainda permanece escondida na esfera do privado, protegida pela couraça do tabu do silêncio. Segundo nossos dados, 51% das mulheres que prestaram queixa são de prendas domésticas. Isso significa vida econômica dependente de maridos ou companheiros, situação que pode gerar, além da dependência econômica, uma grande submissão e, daí, a retirada da queixa que às vezes acontece, o que não mais ocorrerá por conta da Lei Maria da Penha. Observa-se, ainda, que 20% das denunciantes têm a ocupação de estudan-
te; 16% são empregadas domésticas; 16%, comerciárias; 4%, funcionárias; 2%, comerciantes; e 2% estão na categoria de outras. Fica evidente que um bom número de mulheres é estudante, o que nos leva a supor que o grupo tem procurado a delegacia, sobretudo por ter adquirido maiores esclarecimentos no que tange aos seus direitos. O depoimento da senhora Pandora - nome fictício para proteção da depoente - com 25 anos, casada, dona-de-casa com instrução de nível fundamental completo, revela o sofrimento de dor e humilhação. Verifica-se o quanto essa mulher chega a ser tomada por sentimentos de ambivalência, pois, de um lado, sofre e sente raiva por ter sido agredida de forma física, moral e sexual, e, por outro, sente medo de ficar só e nutre amor pelo marido. Na maioria significativa dos casos observados, o medo prevalece e a violência é aceita de forma passiva, contribuindo para sua perpetuação a partir da justificativa da responsabilidade na criação dos filhos e na manutenção da família. Por isso, pessoas como Pandora suportam as atitudes perversas do companheiro. As expressões de raiva, de amor e de ódio traduzem um sentimento de impotência da depoente, ligado a um grande sofrimento, visto não conseguir desatar os nós emaranhados na rede de violência. Desmanchá-los provocaria uma reformulação da vida conjugal ou ainda de sua própria singularidade. Com isso, fica demonstrada a vulnerabilidade das
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Samantha Villagran
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Na maioria significativa dos casos observados, o medo prevalece e a violĂŞncia ĂŠ aceita de forma passiva
Robson Oliveira
: ::: documenta ::
A FALA DE PANDORA “Apanho muito de meu marido; ele me trata muito mal, me chuta, me belisca, me chama de p[...], de vagabunda, diz que eu olho para os outros homens, que eu não dou para nada, que eu sou uma parasita, que ele já está cheio, não me suporta mais. Eu não trabalho, me bate até nas vistas do filho - tenho três, dois homens e uma menina -, eles choram e gritam muito pedindo para ele parar. Às vezes, ele bate nos meninos e xinga a menina de tudo. Mais ele só faz isso quando bebe; quando não está bêbado, ele é um santo. Eu gosto muito dele; minha mãe sempre diz: “Tenha paciência, depois ele muda; homem é assim mesmo [...]”. Às vezes, tenho muito raiva; chego até a ter ódio... Me usa quando quer, não posso dizer que não quero; senão, vou apanhar. Também não posso me separar dele... Tenho muito medo de ficar só com três filhos nas costas para criar e sem meios de sustentar. Eu me casei com 17 anos; ele foi meu primeiro namorado. Eu sofro muito, me sinto só e desamparada. Minha vida é um inferno.”
A mulher não está preparada para o enfrentamento dos atos abusivos e, quando se fortalece e ousa fazê-lo, às vezes passa por crises de arrependimento
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mulheres diante da violência legitimada por costumes, hábitos que perpetuam a posição secundária e de inferioridade na família, no trabalho e na sociedade em geral. Essas atitudes são postas no ideário da sociedade alagoana pela estrutura patriarcal do casamento, que atribui papéis femininos inferiorizados no contexto familiar. Esse fato facilita a dependência feminina em relação aos homens. No caso Pandora, a fala de sua mãe justifica a violência. As categorias da tolerância e da aceitação passiva do ato abusivo são evidenciadas na fala da mãe ao afirmar: “Tenha paciência, depois ele muda, homem é assim mesmo”. É exatamente esse discurso que permeia o imaginário feminino e social e que, consequentemente, vai produzindo, na estrutura mental da mulher, aceitação do ato abusivo.
Assim sendo, percebe-se que a mulher deve viver (conforme a tradição patriarcal) a condição de objeto, propriedade do parceiro, devendo satisfazer suas necessidades sexuais mesmo quando estiver sem desejo. Em nenhum momento, a mãe de Pandora questionou o dano físico e psíquico causado pela atitude do marido agressivo para com a esposa e filhos que presenciam cenas e sofrem a violência. Possivelmente, as sequelas psíquicas marcarão a história dessas crianças e continuarão presentes na vida adulta. O caso Pandora mostra como a mulher é toldada em sua liberdade, permanecendo dependente e submissa ao marido, sem conseguir, por conta dos condicionamentos socioculturais internalizados, superar a relação dolorosa e dar direcionamento à vida. Ela pode chegar ao ponto de culpabilizar-se, perdendo, diante do sofrimento, a força para comandar sua existência. A vergonha, o medo de ficar sozinha, o impacto doloroso da separação impede maior reação, principalmente pela responsabilidade de enfrentar
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a vida sem ter condições financeiras para arcar com alimentação, moradia e educação dos filhos, vestuário e saúde. É fundamental observar o maltrato vivido pelos filhos no interior da intimidade familiar, pois as crianças também são vítimas de espancamentos, xingamentos e ainda de outras formas de abuso, uma vez, inclusive, que são obrigadas a presenciar os fatos, o que possivelmente traz profundo sofrimento. É importante considerar que a experiência da mulher violentada se define pelos fatores sociais e individuais da situação e da forma como foi produzida a violência. Por essa razão, tem de se levar em conta que a mulher não está preparada para o enfrentamento dos atos abusivos e, quando se fortalece e ousa fazê-lo, às vezes passa por crises de arrependimento, e daí acontecia, também, a retirada da queixa na delegacia. Muitas vezes, ela adota uma atitude silenciosa, de isolamento e de conformação em nome da manutenção da família. Obviamente, é notório e observável que a mulher que sofre rotina sistemática de violência tende ao isolamento e o foco principal está na impotência e no desamparo. Por tudo isso, ela permanece subjugada aos desejos do outro, que governa seu querer e dirige sua vida. Na realidade, a violência
A FALA DE HERA “Estou com 6 (seis) meses de separada; fui casada por 16 anos. Ultimamente, resolvi ter a minha carta de alforria e denunciei ele na delegacia; passei por muita violência com ele. Quando chegava em casa, tinha dia que nada prestava, e aí eu ia apanhar. Levei murros, beliscões, pontapés, chute na barriga até quando estava grávida; quantas vezes apanhei por causa do arroz que ele dizia que não estava prestando, por causa da camisa que ele dizia estar muito malpassada, e, aí, eu era surrada, ele me chamava de burra, de vagabunda. Eu me afastei de todo mundo, das amigas, de minha família. Escondi meu sofrimento durante muito tempo da minha família; vivia em uma grande solidão. No princípio, eu não trabalhava; depois, eu comecei
a vender roupas que pegava da minha mãe, fui crescendo e hoje tenho uma lojinha; estou bem; aos poucos fui construindo minha independência, fui fazendo minha vida, né. Foi por isso que me separei; tomei a decisão quando um dia, ao chegar em casa muito cansada do trabalho - um pouco mais tarde (nesse dia teve muito movimento, muitas clientes) -, ele estava bêbedo, teve crise de ciúme. Quando fui entrando em casa, já vi foi os gritos: sua quenga, sua perdida, onde andava até uma hora dessas! E já recebi foi o murro, não sei como não perdi o olho, ele gritava ainda: “Vou lhe matar sua p[...]”. Eu não aguentava mais tanta humilhação, pois viver com ele me dava dor no coração, nervoso, dor de cabeça direto, pressão alta. Eu
vivia tomando remédio direto para pressão e também para ficar calma. Tomava lexotan... Esse dia foi a gota de água; tomei a decisão, fui direto pra Delegacia e dei queixa dele; saí de casa com meus filhos, fui morar com minha mãe. Saí sem nada desse casamento. O processo da separação tá andando; eu disse pra o advogado que não quero nada dele; só ver longe de mim, quero paz, estou despedaçada, eu estou me curando dessa dor aos poucos. Hoje eu sou livre, não quero saber mais de depender de homem nenhum. Já estou morando com meus filhos em nossa casa. É alugada, mais meus filhos são traumatizados e nervosos. Tenho duas moças, uma de 22 outra de 23, e um menino de 13 anos. Elas já estão fazendo universidade.”
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contra a mulher é constatada em todas as classes sociais. Estudos têm apontado que mulheres pertencentes ao segmento mais favorecido economicamente tendem a escamotear a existência dos conflitos. Os dados apontam que 37% das que deram queixa foram agredidas por esposos e 29% por companheiros; 6%, por namorados, 5%, por ex-esposos, 12%, ex-namorados, 3%, desconhecido, 4% pai; 1%, filhos; 4%, outros parentes. Os resultados mostram que a maior parte da violência cometida ocorre com quem a mulher estabelece vínculos afetivos, e o maior número é praticado por maridos e companheiros, perfazendo somatório de 66% dos registros. Vale salientar que, nesse panorama, o lar, que por sua representação social deveria significar o lugar do amor, da segurança, da tranquilidade, do estabelecimento de laços de relações humanas profundas, da harmonia para a mulher e para toda a família, contraditoriamente, passa a ser o lugar onde as relações são extremamente conflituosas e perigosas, postas sem o estabelecimento do respeito às diferenças e sem o diálogo que poderia trazer resoluções dos conflitos. Percebe-se, ainda, que 47% dos atos de violência referem-se à lesão corporal; 34%, a ameaça; 1%, a estupro; 15% são de atentados violentos ao pudor; e outros são menos de 1%. A literatura produzida sobre a questão da violência doméstica tem demonstrado que a ideologia patriarcal
continua forte no ideário social. A mulher, na vida conjugal, ainda “deve” manter-se obediente, dar conta de suas obrigações do lar e ainda atender às demandas do marido com esmero e perfeição, mesmo a que trabalha fora, o que a faz assumir múltiplas jornadas na vida: mãe, companheira, amante, donade-casa e profissional. O que se torna evidente, segundo os dados descritos, é a crueldade praticada pelo homem sobre elas. Hera, estado civil separada, idade 45 anos, nível médio de instrução, profissão comerciante, estando há seis meses separada na oportunidade de nossa pesquisa, revela a angústia e o sofrimento quando dá seu depoimento ao mostrar como vai aos poucos se engajando, tomando consciência de si, da sua situação e paulatinamente vai fenomenologizando sua angústia, sua solidão, sua dor, quando pensa seu “vivido”, e toma consciência de seu sofrimento.Com efeito, a consciência de si é exatamente a que Hera tem diante da sua forma de estar no mundo e, sobretudo, de tomar posição em face de sua situação existencial, consciência que emergiu a partir da compreensão de seu sofrimento e de sua autodeterminação no desvelamento de sua condição feminina. Ela se pôs na instância de sua vivência, e nesse sentido ela é, sobretudo, uma escolha pela liberdade. Notadamente, verifica-se que Hera conseguiu transcender a relação de violência, romper com seu laço conjugal-formal,
empoderando-se e começando a superar sua situação existencial, dando novo significado à vida. No entanto, muitas mulheres continuam presas nas teias da violência, pois é muito difícil desamarrar os nós tecidos nas malhas da rede da subordinação, construída historicamente e culturalmente pelo mundo androcêntrico. A Medéia - estado civil separada, idade 48 anos, grau de instrução nível superior, pósgraduação – mostra o peso das decisões. A fala de Medéia revela que a violência atravessa as fronteiras de classe social e nível intelectual. Seu discurso está revestido de sentimento de vergonha e culpa. O que é compreensível, pois a cultura da culpa e da vergonha está inscrita para o vir-a-ser da condição feminina. A mulher em situação de violência tem apreendido, através da pedagogia social de negação de sua identidade, que a desagregação familiar é de sua inteira responsabilidade. Daí a sua angústia diante de sua facticidade. A cultura da vergonha, da culpa e do medo vai sendo aprendida mediante o processo de socialização das mulheres. Essas categorias se potencializam na forma acentuada da tolerância, do perdão, da passividade, da obrigação doméstica que as mulheres têm de cumprir e, sobretudo, da crença de que só pode ser alguém, ser reconhecida e feliz, ao lado de um homem, sem poder imaginar-se bem caso esteja sozinha.
A FALA DE MEDéIA “Este é meu terceiro relacionamento, o mais difícil de todos. Agora, estou me separando novamente; estou com muita dor que atravessa o meu corpo inteiro. Não sei o que acontece comigo, onde errei. Investi muito nessa relação, fiz de tudo para dar certo, mas não deu. Ele me bateu várias vezes; a última me deu um pontapé, que pensei que ia perder os rins. Aí resolvi, com muito sofrimento, dar um basta nessa situação. Passei a dormir no quarto de minha filha. Não tenho coragem de denunciá-lo, tenho muita vergonha de ir à
delegacia; eu sou muito conhecida por conta de minha posição social, não tenho mesmo coragem. Ainda sou muito apaixonada por ele e vou tentando resolver minha vida por aqui mesmo. Pedi para ele sair de casa, e ele chora muito e pede desculpas; mas eu não acredito mais em suas promessas. Ele fica um doce, um anjo, até me ajuda nas minhas tarefas. Depois tem crise de ciúme, e o terror começa a rondar a minha vida. Acho que ele tem personalidade bipolar. Tenho lido bastante a esse respeito para tentar compreendê.lo. Es-
tou afastada de minha família por conta dele; ele sempre apronta. Não sou mais convidada para as festas em família. Ele está demorando muito a sair, eu falei isso para ele. Se ele não sair, saio eu. Ele falou que sairá no final de semana. [...] Tenho que ficar inteira, não dá para minha filha estar vendo e vivendo essa situação desastrosa. Ela sofre muito também, ainda mais que não é filha dele; é do meu primeiro marido. Vou procurar ajuda na terapia. Tenho que me fortalecer para sair dessa e dar uma guinada na minha vida.”
Fernando Rizzotto
Jasper Greek Golangco
A violência avilta a dignidade da mulher, coisificando-a. Ela é, portanto, um modo extremamente cruel de controle por parte do poder masculino
Maria Aparecida Batista de Oliveira
Quem é Maria Aparecida Batista de Oliveira é natural de União dos Palmares, onde concluiu o Curso Pedagógico no Colégio Normal Santa Maria Madalena, tendo sido professora no mesmo estabelecimento escolar. Formou-se em Filosofia pelo antigo Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), do qual foi diretora. É mestra em História e professora de Filosofia e Ética do Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes. No momento, ocupa a presidência da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Alagoas e é, também, coordenadora do Núcleo Temático Mulher e Cidadania da Ufal. Ocupa a presidência do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher.
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Acervo pessoal
Manifestação de Mulheres no centro de Maceió em 1995
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terezinha ramires Foi na década de 80 que as mulheres de Alagoas iniciaram o processo de mobilização e intensificação das lutas feministas. Essas lutas foram articuladas com movimento nacional de mulheres do Brasil. A partir dessa década, as mulheres passaram a discutir com maior vigor temas, então polêmicos, como: política, sexualidade, violência de gênero e políticas públicas. Em 1981, as mulheres começavam a articular a formação de grupos e entidades que discutiam a condição feminina. Em março de 1982 nascia a União de Mulheres de Maceió (UMMA), liderada pela arquiteta Thaís Normande. No mesmo ano surgiram o Clube Feminino Literário de Alagoas, liderado pela senhora Ilza Porto, e o Woman´s Club of Alagoas, liderado pela Senhora Telma Lúcia de Oliveira Tenório, ambos desenvolvendo trabalhos e atividades culturais filantrópicas. No ano 1984, na cidade de Santana do Ipanema, era criada a União das Mulheres do Sertão Alagoano (UMSA), fundada por Ana
Célia de Melo Neto. No ano seguinte, em 1985, eram fundados o Centro da Mulher Alagoana (Cema) e a Associação Alagoana Pró-Mulher, fundada no dia 28 de agosto, sendo essas entidades precursoras do feminismo no Estado de Alagoas e lideradas, respectivamente, pela arquiteta Wedna Miranda e pela médica Terezinha Ramires. Na mesma época, dentro da Universidade Federal de Alagoas, surgiam o Núcleo de Pesquisas sobre a Condição Feminina, tendo à frente as acadêmicas Belmira, Aparecida Oliveira, Tânia e Severina, e ainda o Núcleo Temático Mulher e Cidadania, com Nádia Regina, Cleonice Ferreira, Izabel Brandão, dentre outras. Aproxima-se o final do 1° semestre, e as alagoanas Kátia Born, Terezinha Ramires, Genilda Leão, Selma Bandeira e outras viajaram ao Rio de Janeiro com a finalidade de participarem do momento preparatório de criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), em grupo liderado pela deputada Ruth Escobar.
Visando a uma ampla discussão focalizando a questão feminina em Alagoas, aproximadamente 100 mulheres reuniam-se no auditório da Assembleia Legislativa Estadual, com discussões prolongadas e efervescentes, que perduraram cerca de três meses, objetivando a criação do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher (Cedim) Alagoas. Terminado esse período, os grupos definiram sua posição quanto ao órgão referido a ser criado. A União de Mulher de Maceió (UMMA) buscou, junto ao então deputado Estadual Moacir Andrade, a apresentação na Assembleia Legislativa da 1ª versão do projeto de lei de criação do Cedim – AL, causando conflito com os grupos organizados de mulheres já existentes e outros emergentes. Uma das tantas lutas do Movimento de Mulheres da Alagoas foi a criação da Delegacia Especial de Defesa da Mulher, em forma de Lei de n° 4.714 sancionada pelo então governo Divaldo Suruagy em 18 de novembro de 1985. Sua primeira delegada foi Dra. Noélia Lessa Santos. Sua sucessora Maria Aparecida Araújo veio a ser a primeira delegada de carreira em Alagoas. Sucederam-lhe: Marilene Oliveira Sabino, Maria Tereza Ramos, Maria de Fátima Fernandes, Andrea Lemos Fontoura, Paula Mercês da Silva, dentre outras. Finalmente, em 7 de março de 1986, ainda na gestão do então governador Divaldo Suruagy, foi criado, pelo Decreto n° 29.488, o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher (Cedim) - Alagoas. Em sua primeira composição,o Cedim-AL era constituído por 16 membros, divididos em 13 titulares e 3 suplentes, com representantes do Poder Executivo Estadual, Poder Executivo Municipal, 7 (sete) entidades não-governamentais,1 (uma) representante da Mulher Negra e 2 (duas) representantes da Comunidade Acadêmica vinculada ao estudo da condição feminina. Todas as integrantes foram escolhidas dentre mulheres que tinham reconhecimento de atuação em prol da mulher e nomeadas pelo governador. Terezinha Ramires, Kátia Born, Wedna Miranda, Tânia Ethel Davino, Selma Bandeira e Thais
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Acervo pessoal
Normande foram as principais lideranças de criação do Cedim-AL. Sua primeira Presidenta foi a médica Terezinha Ramires e, posteriormente; Wedna Miranda, Ligia Toledo, Cleonice Ferreira, Rebeca Tenório Barreto e Ana Célia de Melo Neto. Criada em janeiro de 1987 pelo Projeto de Lei 4877 na gestão do governador José Tavares Bastos, a Polícia Militar Feminina de Alagoas representou um esforço conjunto de entidades de mulheres do Estado, que já discutiam a temática desde 1986. Ainda devemos destacar nessa década lideranças como: Noracy Pedroza, Jarede Vianna, Ana Áurea, Belmira Magalhães, Vanda Menezes, Aydete Vianna, Solange Bentes Jurema e Jô Rodrigues. Preenchendo também esse espaço a Dra. Eunice Nonô, militante do Movimento de Mulheres e reconhecida pela sua participação efetiva. Dos grupos populares, D. Maria Silva, Geralda Correa e Graça Assis, do Centro das Mulheres da Vila Brejal, e Aurelina Pereira
fundadora da Associação das Empregadas Domésticas. Entidades de diversos segmentos foram surgindo no Estado desde a década de 80, a exemplo do Coletivo das Mulheres Negras de Alagoas, Associação Brasileira das Mulheres da Carreira Jurídica – Secção Alagoas, Associação das Mulheres Advogadas de Alagoas e a Comissão OAB Mulher, Associação das Viúvas do Ipaseal, Associação das Mulheres Divorciadas, Associação das Mulheres da Vila Brejal, Associação das Mulheres do Clima Bom I, Associação dos Direitos da Mulher de Fernão Velho, ABC e Rio Novo, Associação das Mulheres Pilarenses, Associação da Melhor Idade, Associação das Quituteiras de Maceió, Clube das Mães do Vergel, Clube das Mães do Trapiche da Barra e Dique-Estrada, Clube das Mulheres do Campo, Associação das Mulheres Solteiras e Domésticas da Cidade de Santana do Ipanema, Associação das Mulheres de Ipioca, Associação das Mulheres de Riacho Doce,
Grupo das Mulheres Idosas de Ipioca e Associação das Mulheres por Alagoas. As mulheres indígenas têm sua representação em Graciliana Selestino, índia da tribo Xukuru-Kariri situada na cidade de Palmeira dos Índios. Foi na década de 90 que nasceu o Fórum de Entidades Autônomas de Mulheres de Alagoas, fundado no dia 23 de março de 1992 na cidade de Maceió. Sua criação foi profundamente discutida entre Terezinha Ramires, Solange Bentes Jurema, Sonja Vilela, Júlia Batista, Eunice Nonô, Elizete dos Santos, Ana Willowait e outras militantes. O Fórum de Entidades Autônomas das Mulheres de Alagoas sempre atuou nas mais diversas áreas, respeitando a especificidade de cada entidade, e aglutina considerável número das mesmas, fortalecendo, assim, o Movimento de Mulheres, visando a integração com outros estados e a troca de experiências com grupos e articulações estaduais existentes no País. A Coordena-
Primeira Turma de Polícia Feminina de Alagoas
Acervo pessoal
Primeira Semana da Mulher Alagoana
ção do Fórum de Entidades Autônomas das Mulheres de Alagoas sempre manteve relação com diversas feministas, a exemplo de Jaqueline Pitanguy, Zulaê Cobra, Maria José de Lima, Schuma Shumaer, Rosiska Darcy, Emilia Fernandes, Rita Camata, Sandra Starling, Silvia Pimentel, Paula Batista e Silvia Camurça. O Fórum de Entidades Autônomas de Mulheres de Alagoas debateu a participação da mulher na Eco-92. Na oportunidade, a advogada Marilma Torres proferiu palestra que contou com a participação de Theresa Leão e da médica Terezinha Ramires como debatedoras da temática, com objetivo de mobilização e articulação. Em 14 de janeiro de 1994 iniciou-se em Alagoas o processo de organização e mobilização da IV Conferência Mundial de Mulheres, através do Fórum de Mulheres de Alagoas, que realizou reunião específica para que todas as entidades tomassem conhecimento de evento programa-
do no Rio de Janeiro, para definição de forma organizativa das mulheres brasileiras que visavam à participação no fórum paralelo de ONGs na IV Conferência Mundial da Mulher – Pequim’95. Nessa reunião foram discutidas e aprovadas propostas para o relatório onde se explanava a situação do Movimento de Mulheres, incluindo avanços e recuos. De janeiro de 1994 a maio de 1995 foram totalizadas 12 reuniões, onde socializava todas as informações relativas ao encontro. Além dessas reuniões, sediamos o III Encontro Nacional da Articulação de Mulheres Brasileiras, em novembro de 1994; organizamos uma reunião ampliada, tipo encontrão, com a presença das feministas Schuma Schumaer e Maria Rita, representantes da Articulação de Mulheres Brasileiras. Realizamos o I Seminário Alagoano de Mulheres, em março de 1995, com a presença de mais de 100 mulheres. Durante o processo da Conferência Mundial
das Mulheres em 1995, Alagoas esteve presente em todos os encontros nacionais da Articulação de Mulheres Brasileiras (exceto em Porto Alegre), incluindo o Encontro de Mar Del Plata. Alagoas foi também o Estado articulador da criação do Fórum de Mulheres em Sergipe, onde, na ocasião, levamos e discutimos o processo da IV Conferência Mundial. Em Pequim compuseram a delegação mulheres alagoanas: Rebeca Tenório Barreto, na condição de presidente do Cedim-AL, as advogadas Solange Bentes, Marta Bueno e Marilma Torres, e, representando o parlamento a deputada federal Ceci Cunha. Rebeca Tenório Barreto participou das discussões da mesa-redonda de propostas com os países presentes, em Huairu, enfocando as discussões e os avanços das conquistas das mulheres alagoanas. Rebeca Tenório Barreto, Vanda Menezes, Sônia do Nascimento, Graça Tenório e a índia Graciliana Selestino
Divulgação
Terezinha Ramires Lima
Quem é Terezinha Ramires Lima, alagoana natural do município de Rio Largo, nascida em15 de janeiro de 1931, médica pediatra, professora aposentada da Universidade Federal de Alagoas. Especialista em Pediatria. Católica, comprometida com a Teologia da Libertação. Opção preferencial pelos jovens e pobres. Deixou de clinicar em consultório particular para se dedicar ao atendimento das camadas menos favorecidas. Militante feminista comprometida com a defesa dos direitos da mulher e o combate a todas as formas de violência. Em toda sua trajetória tem lutado e se debruçado para a implementação e monitoramento de políticas públicas voltadas para a mulher em todas as dimensões: trabalho, saúde, educação e poder.
foram às lideranças femininas que emergiram na década de 90. O Conselho Municipal da Condição Feminina de Maceió foi criado em 18 de março de 1993, projeto de lei nº 4.182, uma proposta da então da Vereadora Terezinha Ramires, que representou um anseio do movimento de mulheres, vindo a funcionar em 22 de fevereiro de 1995, visando ao atendimento das questões da mulher no município de Maceió. Betânia Carneiro foi a primeira presidente sendo sucedida por Janilce Marinho do Bonfim, Terezinha Ramires Lima, Vanda Maria Menezes Barbosa, estando atualmente na presidência Maria do Socorro Gomes Costa. Seguindo o exemplo da capital alagoana, no município de Arapiraca foram criados o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher e a Delegacia de Defesa da Mulher, único município do interior do Estado que possui tais equipamentos. Marcando ainda conquistas dessa nova época, temos a incorporação de mulheres nos quadros do Corpo de Bombeiros Militar de Alagoas, resultado de uma luta incansável de algumas militantes do Movimento de Mulheres de Alagoas, lideradas por Terezinha Ramires e Marilma Torres. Na gestão da prefeita Kátia Born foi criada a Casa Abrigo de Maceió “Viva Vida”, pelo projeto de lei nº 4446, de 19 de setembro de 1995, de autoria da vereadora Terezinha Ramires; representando uma reivindicação histórica do Movimento de Mulheres e uma experiência pioneira em Alagoas, que foi inaugurada em 19 de setembro de 2000. Também em sua gestão, regulamentou o Centro de Atendimento e Referência às Mulheres Vítimas de Violência Doméstica, órgão vinculado à Secretaria Municipal de Saúde, criado também através da Lei nº 4.446, de 19 de setembro de 1995, sendo inaugurado em 8 de março de 2002, recebendo o nome de Dra. Terezinha Ramires. Em 3 de julho de 2002 foi criada, pela lei nº 6.326, na segunda gestão do governo Ronaldo Lessa, a Secretaria Executiva da Mulher, tendo Vanda Menezes como titular da pasta militante do Movimento de Mulheres.
Em seu primeiro ano de existência a Secretaria Executiva da Mulher funcionou sem seu órgão colegiado; o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher (Cedim) – Alagos, desativado antes da criação da secretaria. No ano de 2007, a secretaria passou a ter nova nomenclatura, dividindo suas funções com outros segmentos sociais. Desde o dia 8 de março de 2003, vinha sendo implementado o Instituto da Mulher, vinculado à Secretaria Coordenadora de Justiça e Defesa Social; um equipamento social de política pública estadual de formação sobre gênero, com plano de capacitação profissional e organizacional. Lideranças feministas do Fórum de Entidades Autônomas de Mulheres de Alagoas, Terezinha Ramires, Socorro Gomes e Rebeca Tenório Barreto sempre evidenciaram esforços para concretização desse importante órgão. Com a reformulação da Secretaria de Defesa Social, o Instituto da Mulher, recentemente, passou a se chamar Assessoria Especial para Assuntos da Mulher, encontrando-se em fase de implementação. Nos dias 6 e 7 de julho de 2003, Alagoas sediou, através do Fórum de Entidades Autônomas de Mulheres de Alagoas, a Oficina Regional Nordeste I, onde os temas discutidos foram: Democracia Feminista, Projeto Feminista da AMB, O Resgate Histórico dos Fóruns e a Linha de Vida da AMB, que contou com a participação da importante socióloga Silvia Camurça, Secretaria Executiva da Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB, que também proferiu palestra sobre Mulheres e a Reforma da Previdência.
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Muitos acontecimentos têm marcado a luta das mulheres no Brasil. Nesse cenário nacional damos destaque a Lei nº. 11.340, de 7 de agosto de 2006, que pune os agressores de violência física, violência psicológica, violência sexual, violência patrimonial e violência moral, lei que recebeu o nome de Maria da Penha, em homenagem à luta dessa mulher que foi vítima de duas tentativas de homicídio pelo seu marido e sua consequência foi a paraplegia. A punição do agressor só veio acontecer 19 anos e 6 meses depois. Em nosso Estado, no dia 30 de maio de 2008, mais uma conquista marcou significativamente a luta das mulheres, com a criação do 4º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Uma iniciativa exemplar do Poder Judiciário de Alagoas. Historicamente, o Movimento de Mulheres tem grande importância na construção e no controle social das políticas públicas voltadas para o enfrentamento à violência contra as mulheres. Nesse sentido, é que se deve continuar a luta das mulheres de Alagoas em busca de uma sociedade solidária e justa. Esse é o compromisso.
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Pão e rosas ANDRÉIA MALTA BRANDÃO RODRIGUES Em junho de 1995, durante dez dias, 850 mulheres marcharam 200 quilômetros contra a pobreza pelo interior de Quebec, no Canadá, chegando a Montreal, onde foram recepcionadas por 15 mil pessoas. ”Pão e rosas! Elas pediam, simbolicamente. A principal conquista dessa manifestação foi o aumento real do salário mínimo, em uma economia de preços estáveis e pressionada pelo mercado comum com os Estados Unidos, mais direitos para as mulheres imigrantes e apoio à economia solidária. A iniciativa do movimento de mulheres do Quebec inspirou mulheres do mundo todo a se unirem na Marcha Mundial das Mulheres 2000.
Desde seu surgimento, a marcha tem se afirmado como um movimento que articula ações locais às nacionais e às internacionais. Incorporaram em seu método as ações públicas irreverentes e alegres, porém não menos recheadas de conteúdo político e com crítica à sociedade capitalista e patriarcal. Nestes últimos anos, as ativistas da marcha estiveram nas ruas, nos debates, nas mobilizações em diversas situações: contra a pobreza e a violência, pela valorização do salário mínimo, pelo direito a terra, contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e Organização Mundial do Comércio (OMC), contra a guerra e a militarização, por mudanças na política econômica e reforma urbana. Mobilizou milhares de pessoas na discussão sobre o peso das ações neoliberais globais, que afetam diretamente a vida das trabalhadoras, sobretudo nos países da América Latina. Além de ter debatido sobre os efeitos do capitalismo, conseguiu fazer com que mulheres de todos os setores do movimento se apropriassem de temas pouco discutidos em seu cotidiano, como a economia, que ganhou relevância na construção do nosso feminismo.
No Brasil, a ofensiva contra a mercantilização do corpo e da vida das mulheres agregou, sobretudo, as jovens à militância, formando uma nova geração do feminismo para o combate cotidiano às novas formas de opressão sexista. As jovens demonstraram originalidade e irreverência ao atuar em ações diretas de colagens de cartazes, panfletagens, passeatas e batucadas, verdadeiras frentes de protesto contra a exploração capitalista sobre o corpo das mulheres. A iniciativa de participar das ações que envolvem a reforma agrária e a agroecologia ajudou a articular o global à realidade local das trabalhadoras rurais. Falar de transgênicos e da lei de patentes e fortalecer a proposta de soberania alimentar em oposição ao agronegócio desencadeou outros temas, como a ação contra as transnacionais e o capital financeiro sobre as comunidades do campo, a divisão sexual do trabalho e a violência doméstica. Isso porque os mecanismos de dominação do capitalismo estão engrenados. A marcha surgiu como uma ferramenta para fortalecer e manter um vasto movimento de solidariedade com uma ampla composição social de mulheres urbanas e rurais, jovens, negras, participantes de movimentos populares e sindicais e também de grupos autônomos de mulheres. O feminismo representa para nós uma maneira de pensar e um movimento real, uma alternativa para entender e transformar o mundo. É mais do que simplesmente observar a desigualdade e conseguir posição de poder. O que nos move é a necessidade de destruir os sistemas que perpetuam o medo e o ódio e justificam a violência, em particular o patriarcado, e todos os sistemas que geram exclusão e reforçam a dominação, controlam nossos corpos e roubam nossos sonhos.
Adriana Medeiros
Andréia Malta Brandão Rodrigues
Quem é Andréia Malta Brandão Rodrigues, psicóloga, especialista em deficiência mental pela Universidade Federal de Alagoas, funcionária pública federal do INSS. Tem curso de formação de ator pela Ufal, é coordenadora da Marcha Mundial das Mulheres em Alagoas, multiplicadora do teatro do oprimido e militante do Partido dos Trabalahadores (PT).
Fernando Rizzotto
Maria Angelita de Lucena e Melo Sousa
Quem é Maria Angelita de Lucena e Melo Sousa tem 31 anos e é delegada de Polícia em Alagoas desde 2003. Já trabalhou em várias delegacias do interior do Estado, a exemplo de Porto Calvo, Passo do Camaragibe, Porto Real do Colégio e Atalaia. Na capital trabalhou na Delegacia de Defraudações e no 2º DP na condição de delegada-adjunta. Atualmente, ela exerce suas funções na 2ª Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da Mulher, onde assumiu a titularidade em 27 de março do corrente ano. Antes de ser delegada em Alagoas, trabalhou na Polícia Civil de Pernambuco, como agente de Polícia, onde teve a oportunidade de trabalhar em Delegacias Especializadas, como a de Homicídios e Departamento de Proteção à Vida e às Pessoas.
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A Lei Maria da Penha e sua efetividade “Toda mulher tem direito a ser livre de violência, tanto na esfera pública como na esfera privada.” (art. 3º da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, “Convenção de Belém do Pará”)
Maria Angelita de Lucena e Melo Sousa A Constituição Federal, em seu art. 226, § 8º, impõe ao Estado assegurar a “ assistência à família, na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. A Constituição demonstra, expressamente, a necessidade de políticas públicas no sentido de coibir e erradicar a violência doméstica. A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) é a primeira lei federal dirigida à prevenção e ao combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, sancionada pelo presidente da República em 07 de agosto de 2006. A Lei Maria da Penha emerge de uma história de, pelo menos, 30 anos de lutas dos movimentos de mulheres e feminista e de um contexto no qual foram fundamentais os esforços de organizações feministas não-governamentais, dos movimentos de mulheres, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, de parlamentares, especialmente de suas relatoras na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Além de tudo isso, sabemos ainda que a violência doméstica fornece as bases para que se estruturem outras formas de violência, produzindo experiências de brutalidades na infância e na adolescência, geradoras de condutas violentas e desvios psíquicos graves. Nesses dois anos de sua vigência, a Lei nº 11.340/2006 tem impulsionado políticas públicas, em especial a criação, pelos governos estaduais, de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
Vale ressaltar que o papel das Delegacias Especializadas de Defesa dos Direitos da Mulher é fundamental nesse contexto, uma vez que é na delegacia que se faz o primeiro atendimento, momento em que a vítima está mais fragilizada, e necessitando de total apoio. Para isso, contamos com equipes de policiais qualificados para realizar esse atendimento da melhor forma possível, orientando e apoiando as vítimas. Ficou consignado, no artigo 10, que a autoridade policial ou agente devem comparecer, de imediato, ao local do fato e adotar as medidas de proteção cabíveis para o atendimento da vítima. Essa alteração visa trazer para o procedimento especial da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, alguns dos aspectos do inquérito previstos no Código de Processo Penal, uma vez que o Termo Circunstanciado, em vigor, ao privilegiar o princípio da informalidade, termina por impedir uma visão mais abrangente da situação fática pela autoridade julgadora. Outros procedimentos inovadores, em relação à Lei nº 9.099/95, são atribuídos ao agente e à autoridade policial após o registro do fato, entre os quais, o colhimento das provas necessárias ao esclarecimento do fato e suas circunstâncias, as oitivas da vítima, do agressor e das testemunhas, quando houver,
determinando que se proceda ao exame de corpo de delito e aos exames periciais necessários. A polícia foi contemplada com a nobre tarefa de salvar a mulher do momento de maior angústia e desespero: o momento da agressão. É a polícia que vai retirar a vítima de casa e colocá-la em local seguro, cuidando para que os danos psicológicos decorrentes dessa violência sejam os menores possíveis. Pois a violência doméstica deixa marcas físicas que podem até se apagar com o tempo, porém as marcas psicológicas podem ser carregadas para sempre na mente de uma mulher agredida. Sabemos que ainda há muito o que fazer no campo dos direitos da mulher, porém a Lei Maria da Penha foi um brilhante passo para resgatar direitos fundamentais que às mulheres foram negados ao longo dos anos. Dessa forma, a mulher brasileira teve assegurado o direito à sua dignidade. Porque, antes de sermos esposas, companheiras, namoradas, amantes, amigas, nós somos mulheres. E porque, antes de sermos mulheres, nós somos gente!
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Literatura e cinema: Lady Chatterley, o autor inglês e a diretora francesa Izabel Brandão D. H. Lawrence escreveu três versões do romance O Amante de Lady Chatterley, quando morava na Itália, na Villa Mirenda, perto de Florença, em 1926, lugar este que tive o prazer de conhecer há alguns anos passados. Li a terceira versão do romance, a mais conhecida, nos tempos de faculdade. Descobri uma tradução escondida e sem capa entre os livros de minha mãe. Ainda hoje, o tenho na minha estante. Anos depois, reli durante meu mestrado em Santa Catarina, onde fiz um curso específico sobre o autor inglês e optei por não escrever nenhum trabalho sobre ele, porque esse é um dos livros de Lawrence que menos gosto, apesar de estar na época escrevendo uma dissertação sobre o autor. Em 2007, em visita à Inglaterra, comprei a segunda versão do romance, que eu não conhecia, curiosa que fiquei quando soube que o livro havia, em 2006, sido transformado em filme na França. A capa do livro é ilustrada com a atriz principal do filme “O Amante de Lady Chatterley”, dirigido por Pascale Ferran, Marina Hands. Minha curiosidade aumentou quando li que a diretora francesa havia baseado o roteiro nessa versão do livro e que sua história seria contada a partir do ponto de vista de Connie Chatterley, a Lady inglesa que rompe com a barreira das classes sociais na Inglaterra do início do século XX, ao se envolver emocional e sexualmente com o guarda-caça da propriedade de seu marido inválido, Sir Clifford Chatterley. As diferentes versões do romance têm uma razão de ser. Lawrence sempre foi de revisar extensamente tudo o que escreveu e
O caso de Lady Chatterley é exemplar. A sua primeira versão é, digamos, a “pedra bruta” , com a semente ainda crua do romance
nessas revisões, muitas vezes, acabava por reescrever obras inteiras. O caso de Lady Chatterley é exemplar. A sua primeira versão é, digamos, a “pedra bruta”, com a semente ainda crua do romance. Já a segunda, a qual o filme de Pascale Ferran utilizou, é a mais longa e a mais diversa das três. É também a que mais desenvolve as personagens e seus conflitos. A terceira versão, a mais conhecida, reúne o que as versões anteriores têm de melhor, qualificando a história e os temas desenvolvidos. É a pedra esculpida e desenhada, com suas arestas polidas. Nessa versão, o desfecho da história é quase positivo e promete um final feliz para os amantes, coisa que a versão anterior não alimenta. O amante de Lady Chatterley é um livro que se tornou conhecido e famoso porque é nele que o autor inglês foi mais explícito sobre o exercício da sexualidade, tema este que sempre esteve presente em sua obra. Em Lady Chatterley, as personagens descobrem o amor a partir do corpo e buscam nesse encontro a cura total – física e psíquica – para o ser humano, através do sexo que não admite barreiras sociais ou morais. Entre os aman-
tes, à medida que o conhecimento do outro se aprofunda, rompem-se todas as fronteiras, e o corpo passa a ser a sua casa, a casa amada e cultivada, lugar onde podem ser eles próprios e cogitar a felicidade apenas descoberta no limiar entre vida e morte, proporcionada pelo mergulho saudável na sexualidade. Lawrence foi acusado de obscenidade e teve seu livro injustamente banido no seu país. Houve até um julgamento, do qual ele foi “inocentado”. Seus advogados foram estudiosos e pesquisadores de sua obra. A publicação do livro só foi liberada na Inglaterra na década de 60, após esse julgamento, quase quarenta anos após a publicação da 1ª edição, em Florença. Até lá quatro versões piratas do livro foram, pelo menos, publicadas nos Estados Unidos e na Europa. Lawrence perdeu financeiramente o que já nem tinha num momento crucial de sua vida. Contudo, ironicamente, O amante de Lady Chatterley foi o livro que mais lhe rendeu dinheiro, proporcionandolhe um fim de vida “tranquilo”. O romance foi publicado em 1928. Pouca gente sabe que o autor inglês sofria de tuberculose, doença que o acompanhou a vida inteira, e que o deixou impotente em 1926, aos 40 anos. Lawrence morreu em março de 1930, num hospital de Vence, na França. Lady Chatterley é, a meu ver, um dos romances mais machistas de Lawrence, não exatamente pela relação entre Connie e Mellors (na segunda versão chamado de Parkin), mas pelo conservadorismo de certas afirmações a respeito da sexualidade. É na boca de Mellors que Lawrence defende a heterossexualidade como a única forma possí-
Fernando Rizzotto
Izabel F. O. Brandão
Quem é vel de “salvação” do ser humano e abomina o homoerotismo tanto masculino quanto feminino. Tudo isso ocorre devido à sua experiência negativa com as mulheres antes de seu envolvimento com Constance Chatterley - as namoradas assexuadas e a esposa brutal e traidora, que buscava seu prazer quando queria, independentemente do homem que estava com ela. Isso o leva a acusá-la de possuir uma vagina dentada, poço do terror masculino de ser destruído no ato sexual. Entretanto, esse romance é também um dos livros lawrencianos em que a questão das diferenças sociais é discutida quase que clinicamente. Além dos debates entre iguais sociais – Connie e o marido, representantes da aristocracia inglesa –, há o efetivo rompimento entre as classes visto através do relacionamento entre os amantes, que pertencem a lados sociais opostos (um manda e o outro obedece, na fala de Clifford), algo que, no livro, é demarcado nitidamente através da linguagem usada pelos dois: Connie fala o inglês culto; e ele, o dialeto dos mineiros do norte da Inglaterra, apesar de saber usar a outra língua, que aprendeu nas suas andanças pelo mundo durante a 1ª guerra. No filme de Ferran, a língua usada é a francesa, e a diferença pode ter se perdido nas traduções do inglês para o francês. De qualquer modo, fica claro que a barreira entre os amantes deixa de existir quando ambos ultrapassam a fronteira dos corpos e aí se encontram, e é esse encontro que os salva, literalmente, de suas mesquinhas existências. E, antes que julguemos a Lady por ela ter abandonado o seu rico e inválido marido, é
Izabel F. O. Brandão é mineira de Pedra Azul e hoje cidadã honorária de Maceió, lugar que escolheu para viver desde 1980. Graduou-se em Letras (Inglês) pela UFPB, em João Pessoa, em meados dos anos 80, vindo a seguir para Maceió, onde prestou concurso para a Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Morou ainda em Florianópolis, onde fez seu mestrado, e depois na Inglaterra, durante o doutorado pela University of Sheffied, ambos em literatura inglesa. Atualmente é pesquisadora do CNPq e professora associada de literaturas em inglês e de autoria feminina contemporânea (brasileira e estrangeira) na Faculdade de Letras da Ufal. Suas publicações incluem livros de crítica literária (A imaginação do feminino segundo D. H. Lawrence, 1999), de poemas (Espiral de fogo, 1998, e Ilha de olhos e espelhos, 2003), todos pela Edufal; também organizou livros oriundos de pesquisas sobre autoras brasileiras (Entre o amor e a palavra: olhar(es) sobre Arriete Vilela. Catavento: 2001, Retratos à margem: antologia de escritoras das Alagoas e Bahia. Edufal: 2002, Refazendo nós: ensaios sobre mulher e literatura. Mulheres e Edunisc: 2003 e O corpo em revista. Edufal: 2005), além de já ter publicado ensaios sobre crítica literária feminista tanto de autoras brasileiras quanto estrangeiras no Brasil e no exterior. Coordena o Grupo Mare&sal de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares.
preciso saber que Lawrence afirma, em artigo que escreveu sobre o romance - “A Propos de Lady Chatterley” -, que esse abandono sugere mais do que uma suposta falta de solidariedade da Lady. Reforça o caráter de desumanidade de uma personagem masculina cujo maior mérito é a exploração humana nas suas ricas minas de carvão. A traição da Lady é “perdoada” pelo seu autor, que se identifica com a heroína, defendendo seus pontos de vista. Esse é o Lawrence que muitas feministas desconhecem. É, a meu ver, o que o salva de todos os rótulos. Quanto ao filme, chama a atenção o título dado: “Lady Chatterley et L’homme du bois”, ou seja, Lady Chatterley e o homem do bosque, visão diferente do “amante” do título original do romance. A versão cinematográfica do romance de Lawrence, segundo Pascale Ferran, é comovente na sua delicada e sutil percepção do universo do escritor inglês. Ela conseguiu imprimir uma leveza indescritível a uma história pesada de discussões pseudointelectuais sobre sexo, a partir do ponto de vista de pessoas vazias de corpo e de sentimento, aquelas que integram o círculo dos Chatterley, e também onde o sexo é, por assim dizer, quase um personagem explícito, personificado através da relação entre Connie e o guarda-caça. Todos os conflitos do romance foram sutilmente convertidos em imagens que oscilam entre o peso de Wragby, a mansão dos Chatterley, e a leveza do universo natural do bosque, da floresta que é parte da propriedade onde o guarda-caça mora e cuida. Mais do que isso, Pascale Ferran conseguiu traduzir o desvelamento dos sentimentos dos personagens usando para tanto a própria imagem da passagem do tempo – do outono das belas cores ao sombrio inverno, da florida primavera ao claro verão; das pesadas roupas de frio à leveza das de verão, ou mesmo à nudez explícita dos amantes correndo na chuva ou realizando um casamento pagão, onde homem e mulher se encontram, se enfeitam de flores e, nus, descobrem a sensação única de conhecimento do outro pelo toque dos dedos que acariciam o corpo amado.
Pascale Ferran conseguiu traduzir o desvelamento dos sentimentos dos personagens usando para tanto a própria imagem da passagem do tempo
Aliás, as imagens da passagem do tempo e do desabrochar das flores na primavera coincidem com o desabrochar da personagem feminina especialmente. Lawrence era um profundo conhecedor de botânica, estudada nos tempos de Nottingham. O romance faz referência a mais de quarenta espécies de flores. A diretora francesa, com muita sensibilidade, descobriu também essas flores no filme, mostrando-se uma leitora capaz de demarcar num outro meio – o cinema – o seu conhecimento e respeito por uma obra literária de um autor como Lawrence. Sua percepção de diretora operou uma transposição que eu diria ser quase “fiel” ao texto literário, embora reconheça que não há qualquer compromisso de fidelidade quando traduções são feitas e a liberdade cinematográfica permite leituras diversas de obras literárias, haja vista, por exemplo, que há outras versões desse romance tanto no cinema quanto na TV. O primeiro filme data de 1955; depois, Hollywood filmou outra versão em 1981, com Sylvia Kristel, considerado como “soft porn” e que, a meu ver, não faz jus ao livro. Ken Russell dirigiu uma minissérie televisiva na Inglaterra em 1993. Entretanto, nenhuma delas parece ter sido tão boa quanto a versão de Ferran, que, merecidamente, já conquistou vários prêmios, incluindo o de melhor filme da French César Awards.
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A cena do casamento entre os amantes é um dos pontos altos do filme de Ferran e é sublimemente demarcada, além de ser belíssima e suavemente interpretada pelos atores Marina Hands e Jean-Louis Coulloc’h. O casal adorna-se de flores, santificando, feito “bacantes”, a sua união diante do fogo. É aí que Mellors/Parkin enfeita o monte de Vênus de Connie com a delicada miosótis – adequadamente conhecida em inglês como “forgetme-nots” (“não-me-esqueça”); ela acompanha a cena do homem que também se adorna. É esse homem rústico, de sensibilidade à flor da pele, o escolhido para amante da Lady. O desfecho do filme é suavizado pela diretora, uma vez que ela preferiu não dar vazão à diferença social, que aparece de forma mais marcante no romance usado como fonte para o roteiro, e que é mais triste, sombrio e pessimista, coberto de incertezas. Ferran optou por mostrar a fragilidade dos amantes no cenário natural que os acolheu e harmonizou, e a possibilidade de saída para o conflito social e para a barreira que inevitavelmente se impõe na história para separá-los, num tempo em que os casamentos pareciam ter durabilidade eterna. Os amantes de Ferran são belos, e Lawrence certamente teria gostado dessa leitura de seu último e controvertido romance. Connie Chatterley, segundo escreveu a feminista Kate Millet, representa Lawrence fazendo as pazes com as mulheres. Pascale Ferran assina embaixo. Eu também.
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Violência: um destino? Elvira Simões Barretto Florence Thomas (2004) nos chama a suspeitar dos discursos instituídos e oficiais. Recorda-nos ela que somos originários/as de uma cultura patriarcal, androcêntrica e judia cristã. E pergunta: “Como não suspeitar de um discurso que condena Eva quando morde o fruto da árvore do saber e quando ela escolhe viver e conhecer a morte, o bem e o mal? E, apesar da condenação que significou este gesto, que bela a Eva inquieta, a Eva pecadora, a Eva transgressora...” A autora nos lembra que, se o mito se deixa interpretar de outra maneira, vai nos dizer de forma transparente que, na verdade, foi a mulher a iniciadora do saber. Assim, é importante nos afastar de uma interpretação que intenciona culpar as mulheres. Uma interpretação que, de alguma maneira, reproduza uma Eva pecadora, geradora do mal e provavelmente com os primeiros sintomas de uma mulher habitada pelo desejo. São algumas provocações como essas de Florence Tomas que nos move, a compartilhar com vocês da suspeita de que existe uma estreita relação entre a violência - nas suas mais diversas formas de manifestações – e a ordem patriarcal de gênero. Em realidade, se por um lado, com as devidas proporções e diferenças contextuais, a violência estrutural e/ou direta (Galtung, 1985) faz parte da história da humanidade, por outro lado, entendemos que não se pode olhar essa realidade numa postura de rendição. Será que realmente a violência tem alguma relação com a ordem patriarcal de gênero? Vale a apena uma mirada no contexto geral. Vejamos. A Unicef (2001), por exemplo, aponta que: 60 milhões de mulheres que deveriam estar vivas hoje estão “desaparecidas” devido à discriminação sexual; meninas são abortadas quando seus pais descobrem que são do
sexo feminino, outras morrem devido a negligência ou abuso quando crianças. Na Índia, mais de 5.000 mulheres são assassinadas, a cada ano, por seus familiares descontentes com o dote que receberam. Na Ásia, mais de 1 milhão de crianças, na sua maioria mulheres, são forçadas à prostituição cada ano, e em idades cada vez menores porque os homens adultos têm medo de contrair Aids. A Cada dia, 6.000 meninas são circuncidadas em rituais de corte de seus genitais. Nos Estados Unidos, a cada 15 segundos uma mulher é golpeada por um companheiro íntimo. Entre 613 mulheres que foram objeto de maus-tratos no Japão, cerca de 60% já eram reincidentes golpeadas. No subcontinente da Índia e em partes da Ásia meridional, ocidental e África, é culturalmente aceito que os homens disciplinem as suas esposas quando considerem necessário. (ONU, 1999). A violência contra pessoas não heterossexuais existe em todo o mundo e apresenta proporções significativas. No Brasil, por exemplo, uma pesquisa de 2004 realizada pela Organização Não-Governamental Ações Cidadanas em Orientação Sexual (ACOS) demonstra que a violência contra minorias sexuais se realiza predominantemente através de agressão verbal, seguida de agressão física e assassinatos (ICCHRLA,1996:) Quanto à violência contra a mulher, na cidade de Maceió, em 2005, foram registrados, na Delegacia da Mulher, 2.519 casos. Ainda por Maceió, no que se refere à violência por discriminação sexual, vêm sendo marcantes
os casos de crimes. Em 2006, por exemplo, foram mortas seis pessoas do sexo masculino por se assumirem homossexuais em apenas duas semanas (Alagoas 24 horas, 15 de junho de 2006). Muitas culturas permitem ou, ao menos, toleram certo grau de violência contra as mulheres; entretanto, os homens são as maiores vítimas da ordem patriarcal gênero. Vê-se que 21.427 milhões de pessoas no mundo são mortas, tendo como causa direta a violência, só que, deste total, 17.499 milhões são pessoas do sexo masculino e 3.928 milhões, do sexo feminino. (Unicef, 2001), Há que se reconhecer que a violência, nas suas mais diversas faces, tanto em homens como em mulheres, são alarmantes em todas as sociedades do mundo, mas chama a atenção o fato de que, com base na ordem patriarcal de gênero, os homens (masculinidade hegemônica) exercem violência sobre eles mesmos, se matam, e ainda, com base em um aparato ideológico/moral de sentimento de propriedade, entre outros aspectos, exercem violência sobre as mulheres. Será que a trama humana seguirá um roteiro de violências protagonizadas por homens desejantes de um poder como reação medrosa aos sintomas de uma “mulher” habitada pelo desejo?
Fernando Rizzotto
Elvira Simões Barretto
Quem é Professora e assistente social da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Doutora em Jornalismo na Universidade Autônoma de Barcelona/Espanha.
Referências GALTUNG, JOHAM (1985). Sobre la Paz. Ed. Fontamara. Barcelona THOMAS, Florence. Saber y Género. En: Http://www.fecode.edu.co/mujer/2004/
Fernando Rizzotto
Maria Heloísa Melo de Moraes
Quem é Nascida em Palmeira dos Índios (AL), aos 5 anos foi morar em Santana do Ipanema. Em Maceió continuou seus estudos até chegar à Ufal, onde fez o curso de Letras. Foi professora estadual até 1991, quando ingressa, por concurso, no quadro de docentes da Universidade Federal de Alagoas. Em 1993 conclui o Mestrado em Literatura Brasileira na Ufal, com dissertação sobre o humor na literatura infanto-juvenil. Em 2000 conclui o Doutorado em Literatura Brasileira, também na Ufal, com a tese Cor, som e sentido a metáfora na poesia de Djavan, posteriormente publicada pela Editora HDV – Curitiba (2001). Publicou, ainda, o livro Poesia Alagoana hoje: ensaios (org.), pela Edufal, em 2007, além de artigos em diversos periódicos. Suas principais áreas de pesquisa são a literatura infanto-juvenil brasileira e os estudos teóricos sobre a poesia, com prioridade para os estudos sobre a poesia alagoana.
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A mulher na literatura infantil: uma entre tantas abordagens Maria Heloisa Melo de Moraes Na década de 1980, a literatura infantil brasileira viveu seu momento de expansão. Novos autores buscavam dar ao livro dedicado a crianças a seriedade necessária à sua inclusão no circuito literário nacional. Isso se deu em meio a críticas, discussões conceituais e ideológicas, posicionamentos prós e contras por parte do mundo acadêmico e da crítica literária. A literatura para crianças passou a fazer parte do mundo cultural e editorial brasileiro, seguindo os passos de Monteiro Lobato, cuja obra marcou o início de uma literatura infanto-juvenil realmente nacional. Foi então que surgiram autores e autoras que representam o que de melhor se pode ter nesse segmento: Ana Maria Machado, Ruth Rocha, Ziraldo, Sylvia Orthof, Lygia Bojunga, Joel Rufino e tantos outros. E os estudos literários também se voltaram para essa produção, com destaque para Regina Zilberman, Marisa Lajolo, Glória Ponde, Eliana Yunes, entre teóricos dedicados não apenas à literatura, mas também à questão da leitura e da formação de novos leitores. A partir dessa década, a literatura infantil passou a refletir sobre temas até então tabus na literatura voltada para a infância, como, por exemplo, a dicotomia bem/mal; a nova face da família e a realidade de pais separados; a sexualidade; os preconceitos, as questões de gênero. Os contos de fadas tradicionais, cujo valor educativo nunca foi contestado – ao contrário, sua necessidade para certa faixa etária passou a ser defendida –, serviram então para a criação de narrativas que, partindo deles, colocavam em discussão estereótipos e ideias conservadoras. É a chamada releitura dos contos de fadas, que resultou em narrativas que são até
hoje, 20 anos depois, consideradas clássicos da moderna literatura infantil brasileira, dos quais são exemplos: O rei que não sabia de nada e Procurando firme, de Ruth Rocha; Uxa, ora fada, ora bruxa, de Sylvia Orthof; A moça tecelã, de Marina Colasanti, O príncipe que bocejava, de Ana Maria Machado. Nessa releitura dos contos de fadas, destaca-se a abordagem da questão feminina em seus vários aspectos. Tratando-se de livros para crianças, qualquer temática tem que ser tratada de forma lúdica e em linguagem coerente com a capacidade cognitiva e o nível de leitura de seu público-alvo. É o que acontece com os livros que tematizam a questão feminina. Partindo, em sua maioria, dos contos tradicionais, nos quais a imagem feminina é bem delineada com todos os estereótipos e intencionalmente moldada segundo a moral da época, a literatura infantil contemporânea subverte essa imagem por meio de atitudes, aparência e discurso de suas personagens femininas. Um exemplo marcante dessa tendência aparece no livro Procurando firme, de Ruth Rocha (1984). Nele, uma princesa e um príncipe, irmãos, viviam em um castelo, educados segundo os moldes mais tradicionais. Enquanto ele aprendia artes marciais, saía dos limites do castelo para aprender a descobrir novos mundos, aprendia línguas, etc., ela – descrita sempre como bela, delicada, longos cabelos – aprendia a bordar, a dançar, cozinhar, enfim, “prendas domésticas”, como ironicamente
escreve a autora. Tinha também que aprender a desmaiar, pois “era muito útil desmaiar nas horas certas” – outra ironia diante da decantada fragilidade feminina. Certo dia, após o príncipe partir para conhecer novas terras, a princesa, numa reviravolta inesperada, corta o cabelo, aprende a lutar, rejeita os pretendentes impostos pelos pais – ricos príncipes de outros reinados – e resolve “correr o mundo”, como o irmão. Literalmente: “[...] acenou para as pessoas que estavam olhando do castelo e se foi, pelo mundo, procurando não sei o quê, mas procurando firme!”. É a liberdade de escolha, a realização pessoal e profissional da mulher postas ao alcance da compreensão infantil. Usando o humor, a descontração e a ironia, essa obra de Ruth Rocha é um dos muitos exemplos de livros voltados para a discussão da mulher de hoje, numa linguagem pela qual a criança apreende e identifica conceitos, preconceitos, estereótipos. Mudanças se fazem com atitudes. A literatura infantil, por meio das ações de suas personagens e do desenrolar da narrativa, coloca ao alcance da criança a reflexão sobre a mulher e seu papel na contemporaneidade, evitando ditar normas, apenas fazendoas perceber, sem radicalismos ou parcialidade, as diversas faces da questão.
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As mulheres e a descoberta do inconsciente Jerzuí Tomaz No final do Século XIX, algo inusitado ocorre no que se refere ao estudo do psiquismo humano. Nesse momento histórico, um solitário judeu radicado em Viena, Dr. Sigmund Freud, após ter estudado com famosos psiquiatras coetâneos como Josef Breuer e Jean Martin Charcot, entra em contato com uma enigmática “cartografia imaginária” que suas pacientes exibem em relação à materialidade corporal. As vienenses que procuram Freud são, em sua maioria, pertencentes à alta burguesia judaica, cultas, versadas nas artes. Transitam em bailes ao som de valsas de Strauss ou se refugiam em mansões suntuosas, uma vez que, para a mulher do Império austrohúngaro, não é possível uma ocupação ou a possibilidade de terem voz no espaço público. Exercendo uma posição de menos-valia existencial, elas buscam refúgio no imaginário e são acometidas de estranhos sintomas: paralisias, contorções, delírios, devaneios, elegendo o corpo como palco de uma subversão carnal. Não por acaso, gritam de pavor, temem o fantasma da loucura/desrazão. Nesse contexto, entra em cena a figura da histérica, a grande “simuladora”, capaz de pôr em questão o saber médico de toda uma época. Identificado com a marca do engodo
e da trapaça, o sofrimento histérico vem incorporar os traços de negatividade moral e de malevolência que durante séculos caracterizou a posição feminina. A histeria – cuja raiz grega aponta para útero, matriz – instiga o então neurologista Sigmund Freud a pesquisar suas origens. Pode-se assegurar que a escuta das histéricas oitocentistas colocou o pai da psicanálise na trilha que o levou a postular o conceito de inconsciente – capítulo elidido da história de cada ser falante –, conceito central do arcabouço teórico hoje reconhecido como Ciência Psicanalítica. Anna O., Fraülein Katharina, Rosalie H., Miss Lucy R., Elisabeth Von R., Cécile M. e Ida Bauer estão entre as primeiras pacientes a se submeterem à nova proposta terapêutica idealizada por Freud. Mas precisamente é Emmy Von N. quem ordena ao desbravador dos desvãos do inconsciente que permaneça em silêncio e a deixe falar livremente, instituindo o que ficou conhecido como talkingcure (cura pela fala). Instaura-se, assim, a “ciência baseada no verbo” que tanto convinha às mulheres antes vítimas de uma forca simbólica, já que essas não temem exorcizar os demônios por meio da palavra, pois estão mais habituadas a lidar com a dor (que vivenciam no alvorecer da vida), a perda e o sofrimento, seja por “natureza” ou imposição cultural. O próprio Freud, em 1925, confessa à princesa Marie Bonaparte a sua incapacidade de responder à questão: O que quer uma mu-
lher? Ele insinua que as mulheres seriam, potencialmente, melhores analistas que os homens, por transitarem mais livremente entre a vida e a morte, o sagrado e o profano, a certeza e a dúvida, a ética da moral e a ética dos prazeres, enfim, por se aproximarem com mais desenvoltura da lógica do sistema inconsciente. Não por acaso, muitas delas estão entre as pioneiras no estudo da psicanálise, como a própria Marie Bonaparte, Lou-Andreas Salomé, Melanie Klein e a filha dileta do mestre vienense, Anna Freud. No que se refere à capacidade da posição feminina de entrar em contato com a dor e buscar um sentido para o nonsense do sofrimento psíquico, temos o exemplo da psiquiatra alagoana Nise da Silveira (19051999). Formada pela Faculdade de Medicina da Bahia, presa política durante o Estado Novo, pioneira no tratamento da chamada “doença mental” por meio das artes, discípula e interlocutora do famoso médico suíço Carl Gustav Jung (príncipe herdeiro designado por Freud, que abandona a psicanálise e funda seu próprio sistema teórico), foi a responsável pela introdução do estudo e da prática da Psicologia Junguiana ou Psicologia Analítica no Brasil. Ao fundar o Museu das Imagens do Inconsciente (1952), deu notoriedade à relação existente entre os distúrbios psíquicos e seu entendimento/decifração através da expressão artística (pintura, desenhos, esculturas, bricolagens, etc.). Não seria arriscado sustentar que aquilo que Freud obteve por meio da associação livre, Nise da Silveira alcança utilizando as inúmeras manifestações artísticas dos denominados “loucos”. Apresenta para o mundo um grandioso testemunho de que o papel de uma estudiosa do psiquis-
Divulgação
Jerzuí Tomaz
Quem é Jerzuí Tomaz é graduada em Psicologia, psicanalista do Centro de Estudos Freudianos do Recife e professora-adjunta da Ufal. Possui doutorado em Letras e Linguística e integra o quadro de professores do Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística - Ufal. Seus interesses de pesquisa abrangem as interfaces entre psicanálise e literatura, psicanálise e arte, psicanálise e educação e psicanálise e saúde pública.
mo humano é dar sentido ao incompreensível, respeitar a diferença, buscar uma outra lógica para a aparente desrazão; trabalho ininterrupto de (re)significação, já que a vida é um embate incessante entre o ímpeto de ligação de Eros e a vocação de destruir de Tânatos, o que exige de cada sujeito a construção permanente de sua subjetividade, ato que, provisoriamente, o separa da morte simbólica.
Ailton Cruz
Luiz Sávio de Almeida
Quem é Professor Dr. em História Social e Professor Emérito da Ufal
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Uma nova mulher e um novo homem: rumos do ser Luiz Sávio de Almeida A Cida pediu para que eu expressasse o que penso sobre a situação da mulher. Não é difícil dizer o que sinto, embora seja difícil esboçar o que penso em face da complexidade das situações que vão do cotidiano às estruturas. Vejo a violência todos os dias; ela não é matéria que se esconde. Pelo contrário, está escancarada e lança a sua força a todo o momento, a todo o passo. No fundo, a sociedade não tem receio de demonstrá-la, pois, de tão costumeira, terminou por fazer parte de um imenso roteiro que a poucos incomoda. É um triste espetáculo, mas apresentado sem interrupção no fio dos segundos que fazem o tempo, atrás das portas ou nas praças, pública ou privadamente. Ela não tem qualquer limite e está em todos os ângulos da vida, como se a própria sociedade somente se entendesse fundada nessa exploração construída nos intrincados do poder. É uma vida absolutamente deformada pela violência em suas mais diversas formas e pelo exercício ideológico do preconceito, que monta estratégias de dominação. O preconceito é uma expressão ideológica e redunda em um modo estratégico objetivando a manutenção de poder. A tese é a manutenção
da desigualdade, do desequilíbrio que para subsistir necessita dar continuidade ao que se poderia chamar, genericamente, de machismo. Ele, sem dúvida, é a porta essencial por onde passam as contradições do sistema que reserva um espaço para a mulher, e, nele, pelo menos dois requisitos demonstram-se fundamentais: um deles é o de que se maximize a negação de oportunidades e o outro é que se procure legitimar a utilização da violência. Claro que formas sociais concretas são construídas a partir desses elementos. São corriqueiros os exemplos, sendo bastante olhar para as ruas, pensar nas intimidades das casas e sentir o que se passa, seja numa pobre tapera, seja num rico palacete, seja numa favela, seja na orla dos ricos. Essa é uma das demonstrações mais perversas do machismo: ele é insidioso, tem o dom da ubiquidade e se reparte igualmente sem dó e nem piedade pelas diferenças de renda, educação formal e outras. O machismo é de uma violência matreira. É na tentativa de legitimar que se encontra a hipocrisia das estruturas e que deve ser rompida, realocada para que se encontre a harmonia da igualdade dos sujeitos dentro da diversidade que se pronuncie. Para isso, existem requisitos concretos que devem surgir no universo político e, dentre eles, a necessária aliança entre os que não aceitam
preconceitos e discriminações, entre os que desejam a plenitude democrática. A resolução da questão da mulher é matéria essencial para que se tenha a democracia e deve estar fundada na consciência da igualdade. É essa consciência da igualdade que poderá refazer o modo como se vem montando formas de exclusão nos seus mais diversos matizes. É ela que justifica a organização deste número de Graciliano, parte, justamente, desta consciência de igualdade e componente deste espaço político que é a busca pela democracia. É preciso estar atento para o aparentemente miúdo do dia-a-dia. A violência deve ser combatida em todos os momentos, devendo ser reforçados, inclusive, os serviços de sustentação da mulher, abragentes, indo da segurança à justiça, da violência ao espaço de repouso da vida. A sociedade civil tem que se expressar e ser ouvida e fazer sentir ao Estado a voz da mulher, como deve ser ouvido, também, o grande mar de humilhados e ofendidos pelo preconceito, pela lógica que monta uma sociedade cruel, a partir de formas de dominação evidentes ou não. O machismo é muito mais do que um mero argumento; ele é um modo de ser e de agir que sustenta, efetivamente, a crueldade que nos dá repulsa. É preciso participar, somar, denunciar, exigir. Esses são elementos que trazem a plena cidadania para o âmbito da questão da mulher. Não é possível uma consciência que não seja uma determinação por agir. É importante discutir, mas sem que haja descanso.
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CEPAL / Imprensa Oficial Graciliano Ramos
Sou uma mulher, sou uma pessoa, sou uma atenção. Clarice Lispector
CEPAL Imprensa Oficial Graciliano Ramos