Murilo Amaral Shyrley Bernadelli
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FRENTE
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PORTUGUÊS Por falar nisso
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Quem nunca teve dúvidas ao escrever uma palavra? Seria com “s” ou com “z”? Seria com “x” ou com “ch”? Nos módulos anteriores, vimos na aula de Fonologia que um som pode ser representado por várias letras e vice-versa. A palavra “enchente”, por exemplo, pode trazer confusões quanto à sua grafia, uma vez que as palavras da língua portuguesa que começam por “en” são seguidas por “x”, como “enxada” e “enxame”. Para compreender, no entanto, por que razão “enchente” é escrita com “ch”, devemo-nos atentar às estruturas de formação dessa palavra. “Enchente” é um termo proveniente de “cheio”, logo, não faria o menor sentido ser escrita com “x”. Viu como é importante saber a origem e a formação de uma palavra para poder escrever adequadamente? Nas próximas aulas, estudaremos os seguintes temas
A05 A06 A07 A08
Morfologia..................................................................................... 560 Formação de palavras I.................................................................. 566 Formação de palavras II................................................................. 573 Introdução à morfossintaxe........................................................... 580
FRENTE
A
PORTUGUÊS
MÓDULO A05
ASSUNTOS ABORDADOS nn Morfologia nn Estudo dos morfemas nn Constituição mórfica das palavras
MORFOLOGIA A Morfologia é uma parte do estudo da gramática que trata da forma da palavra. Mas o que significa estudar o aspecto formal de uma palavra? Significa estudar os morfemas que constituem todas as palavras de uma língua. Mas o que é morfema? Morfema, diferentemente de fonema (objeto de estudo da Fonologia), é a menor unidade de sentido da língua, enquanto o fonema a menor unidade sonora. Morfemas são, portanto, unidades mínimas de caráter significativo. Quando analisamos uma palavra morfologicamente, ou seja, quando analisamos a sua forma, podemos separar as partes dessa palavra, seus morfemas. Um morfema pode ser uma reunião de vários fonemas como também é uma parte (realmente um pedaço) de uma palavra. Na palavra “chave”, por exemplo, em nível fonológico, como já estudamos, existem quatro fonemas (/x/, /a/, /v/, /e/), enquanto em nível morfológico se encontram dois morfemas. Um desses morfemas aparece constantemente na família da palavra “chave”, como em chaveiro, chavinha, chavão, esse elemento é o morfema “chav” e mais adiante veremos que seu nome é radical, assim como o morfema “e”, no final dessa palavra, o qual será designado vogal temática.
Estudo dos morfemas Existem três tipos de morfemas: lexicais, derivacionais e flexionais.
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Radical É o morfema lexical, portanto, o que carrega a essência do significado de uma palavra, a sua origem, a sua raiz, por isso recebe esse nome: radical. Trata-se de um morfema que sempre se repete em um grupo de palavras que pertençam à mesma família (palavras originadas do mesmo radical são palavras cognatas). conhecimento; conhecêssemos; reconhecer pedreiro; pedregulho; apedrejar; petrificar nn Brasil; Brasília; brasileiro; brasilidade nn desconhecido;
nn pedra;
Como se chega à conclusão de que parte da palavra é o radical? O melhor exercício é buscar em seu vocabulário um grupo de palavras que esteja no mesmo grupo de sentido e no mesmo grupo sonoro, ou seja, identificar a família dessa palavra e destacar o termo que sempre se repete. Note que, no grupo de palavras acima, nem sempre o radical está no começo da palavra; ele também pode ser tanto uma parte da palavra como uma palavra inteira (veja a família da palavra Brasil, por exemplo). Ainda é importante ressaltar que um radical pode sofrer variações e mostrar um padrão irregular, como na palavra petrificar, cuja origem é pedra, apesar de, em seu radical, no lugar da letra “d” aparecer a letra “t”. Afixos São morfemas derivacionais, elementos que, quando adicionados a uma palavra, alteram seu significado como também podem levar a uma mudança de classe gramatical, são, portanto, prefixos e sufixos. desculpar; extraterrestre; superdotado; infeliz. nn Sufixos: calmamente; pianista; narizinho; fazendeiro. nn Prefixos:
560
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Veja que na palavra “desculpar” a alteração de sentido que o prefixo provoca é de realmente inverter o significado da palavra, o contrário da ação verbal da palavra original culpar. Observe também como o sufixo em “calmamente” provocou a mudança do adjetivo “calma” em advérbio. Desinências São morfemas flexionais, que, diferentemente dos afixos, não são capazes de provocar uma mudança na classe gramatical quando adicionados a uma palavra, mas indicam-nos o gênero e o número em um nome, e o modo, tempo, número e pessoa em um verbo, são, portanto, as desinências. nn Desinências nn Desinências
nominais: alunas; cheiroso; duzentas; autores. verbais: cantávamos; vencesse; estudam; realizei.
Desinências nominais Gênero
Número
masculino
feminino
singular
plural
-o
-a
-
-s
Desinências verbais de número e pessoa Presente
Pretérito Perfeito
Infinitivo
pessoa
singular
plural
singular
plural
singular
plural
1ª
-o
-mos
-i
-mos
-
-mos
2ª
-s
-is (-des)
-ste
-stes
-es
-des
3ª
-
-m
-u
-ram
-
-em
Vogal temática Uma vogal temática, diferentemente de uma desinência, indica nos verbos a que conjugação ele pertence e nos nomes junta-se ao radical, quando necessário, para formar a palavra primitiva. nn Verbos: falar; vender; partir; pô(e)r; fazer; falávamos; vendeu; partisse; puser;
fizeram casa; dente; livro; pedra; gente; tribo.
Observe que nos verbos, justamente por sua estrutura fixa, a vogal temática aparece antes da desinência “-r” podendo ser “a”, “e” ou “i”, apontando respectivamente para a primeira, a segunda e a terceira conjugação. Ademais, o verbo pôr, único verbo da língua portuguesa cujo radical é irregular, apresenta vogal temática “e”, que se perdeu no desenvolvimento sócio-histórico da língua, pertencendo, logo, à segunda conjugação. Nos nomes, a vogal temática, por mais que indique o gênero de uma palavra, como em casa (palavra feminina) e livro (palavra masculina), não cria um par opositivo para o gênero, uma vez que para essas palavras não existe oposição de gênero. No entanto, em menino e menina, cachorro e cachorra, tanto “o” quanto “a” aparecem na função de evidenciar os dois gêneros que essa palavra admite, assim, não são vogais temáticas, são, como vimos, desinências.
!
ATENÇÃO!
O que é desinência e o que é vogal temática? Em ‘garoto’, ‘garota’, ‘médico’, ‘médica’ “o” e “a” são desinências. Veja a oposição entre gêneros. Diferentemente de livro, casa, caderno, caneta, cujos “o” e “a” finais são vogais temáticas.
561
A05 Morfologia
nn Nomes:
Português
Tema
Aterrorizávamos
O tema é uma parte do verbo formada pelo radical e pela vogal temática. Veja: nn compraríamos; convencessem; sentimos; realizavas.
Lembre-se de que há verbos que não apresentam vogal temática, logo, não apresentarão tema também. Observe: nn compremos;
convença; sinta; realizemos.
Vogal e consoante de ligação Não são consideradas morfemas, servem apenas para unir dois morfemas com intuito de garantir eufonia. Veja: nn chaleira;
felicidade; cafeteira; gasômetro.
Constituição mórfica das palavras É muito importante reconhecer em uma palavra cada instância mórfica e identificá-la em seu grupo e compreender sua função. Para isso, observe abaixo a análise morfológica das palavras: Ressignificação
nn a:
prefixo radical nn izá: sufixo nn va: desinência verbal modo-temporal nn mos: desinência verbal número-pessoal nn terror:
Encadernamento nn en:
prefixo nn cadern: radical nn a: vogal de ligação nn ment: sufixo nn o: vogal temática Lutadores nn lut:
radical nn a: vogal temática nn dor: sufixo nn e: vogal de ligação nn s: desinência nominal de número
nn re:
prefixo radical nn a: vogal temática nn ção: sufixo nn ssignific:
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nn deix:
A05 Morfologia
radical vogal temática nn r: desinência de infinitivo nn ía: desinência verbal modo-temporal nn mos: desinência verbal número-pessoal
Fonte: Wikimedia Commons
Deixaríamos nn a:
Figura 02 - Importância da leitura no aprendizado de novas palavras.
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Figura 01 - Irmãos Rodrigo Minotauro e Rogério Minotouro.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Exercícios de Fixação 01. (Mackenzie SP)
02. Agora é a sua vez! Faça a constituição mórfica das palavras mos: desinência verbal a) Transnacional: abaixo: número-pessoal trans: prefixo a) Transnacional b) Fizéramos c) Belíssima
Sobre o processo de “verbar palavras”, assinale a alternativa correta. a) O menino, usando as palavras “quando” e “agora”, convence o tigre de que tal processo acaba de ser criado e fará a língua melhorar. b) Para o menino, o processo amplia o vocabulário, pois cria verbos paralelos a formas nominais pré-existentes, opinião reforçada pelo uso de “também”. c) Para o tigre, com o emprego do processo, a língua pode ser estropiada, mas se torna mais dinâmica. d) Para o tigre, é uma sorte o processo ter sido descoberto, pois contribuirá para que a língua recupere sua função de código de comunicação. e) O tigre e o menino possuem um plano de divulgação do processo que tornará a língua um empecilho para a intercompreensão.
nac: radical ional: sufixo b) Fizéramos: fiz: radical (irregular) é: vogal temática ra: desinência verbal modo-temporal
c) Belíssima; bel: radical íssim: sufixo a: desinência de gênero
03. Nas palavras abaixo classifique “o” e “a” finais em desinência de gênero ou vogal temática: a) Carteiro desinência de gênero b) Passarinho desinência de gênero c) Copo vogal temática d) Mochila vogal temática e) Cafezinho vogal temática f) Olho vogal temática g) Boca vogal temática h) Moçinha desinência de gênero 04. Nas formas verbais do verbo comprar: compramos e compremos, as vogais “a” e “e” exercem funções diferentes. compramos, “a” é vogal temática, pois o verbo comprar Quais são elas? Em pertence à primeira conjugação, cujo infinitivo termina em “-ar”. Já em compremos, “e” é desinência modo-temporal que indica que o verbo está no presente do subjuntivo.
05. (Ufam AM) Assinale a opção em que todas as formas verbais apresentam vogal temática: a) estudava, recebemos, punistes, expusemos b) louvemos, vivamos, partais, proponham c) lavo, escreves, partes, pomos d) amaremos, realizeis, cumpra, deponham e) passeio, ofereçamos, disséssemos, tivéreis
Exercícios Complementares 01. (Acafe SC) Analise a charge a seguir.
coerente, e não estabelece paradigmas exaustivos e de termos exclusivos entre si” (CÂMARA JR., 1979, p. 83), ao contrário da flexão de número e de gênero, assinale a alternativa correta. a) A noção gramatical de gênero, atribuída a todos os nomes em português, nunca se altera, independentemente do grau: casa > casinha > casarão, sala > salinha > salão, mulher > mulherzinha > mulherão. b) A expressão “concordo em número, gênero e grau” é incoerente, pois o “grau” não exige concordância: por
Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/ charges/index.phtml?foffset=&offset=&ch=Pancho. Acesso em 21/04/2014.
Considerando que “a expressão do grau não é um processo fle-
d) A concordância de grau é possível em certas expressões
xional em português, porque não é um processo obrigatório e
idiomáticas, como “Ela é linda de morrer” (Ela e lindíssima).
ro e gênero, sendo o plural marcado pela desinência [-s] e o feminino pela desinência [-a].
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A05 Morfologia
exemplo, rapaz queridinho (ou rapazinho querido). c) Todos os substantivos e adjetivos se flexionam em núme-
Português
02. (EsPCEX) Quanto à estrutura e formação de palavras, assinale a alternativa correta. a) Perfeição e percurso são palavras cognatas. b) Em combatente, ocorre derivação parassintética. c) A palavra pontiagudo é formada por justaposição. d) Em exportar e êxodo, os prefixos têm sentido correspondente. e) Em hipótese, o prefixo indica “antes, anterioridade”. 03. (UFRR) É o RADICAL que irmana as palavras da mesma família e lhes dá uma base comum de significação (Celso Cunha, Gramática do Português Contemporâneo). Com base na citação acima, é CORRETO afirmar que se irmanam pelo mesmo radical as palavras: a) vidente, revisor e convincente. b) consideração, constelação e conspiração.
Como, se nos amamos como dois pagãos, Teus seios inda estão nas minhas mãos, Me explica com que cara eu vou sair... Não, acho que estás só fazendo de conta, Te dei meus olhos pra tomares conta, Agora conta como hei de partir... (Tom Jobim - Chico Buarque)
O prefixo assinalado em “DESVARIO” expressa a) negação. b) cessação. c) ação contrária. d) separação. e) intensificação. 07. (Unimontes MG) UMA PAIXÃO DOS BRASILEIRO’S
c) solitário, dissolução e insólito.
Roberto Pompeu de Toledo
d) júri, perjúrio e ajuizar. e) condução, condizente e irredutível. 04. (UFMT) Assinale a alternativa em que todas as palavras apresentam o prefixo in significando negação: a) implicante – indigno – isento. b) indigente – inteligível – imoral. c) injetado – irresponsável – ingênuo. d) indócil – inócuo – importante. e) imprudente – ineficaz – imaculado.
Toda vez que se fala em antiamericanismo, no Brasil, dá vonta-
1
de de contra-atacar com o apóstrofo. Muita gente não gostou da presença de George W. Bush no país, mas esse sentimento é largamente superado pelo amor que temos pelo apóstrofo. O apóstrofo em questão, para os leitores que ainda não se deram conta, é aquele sinalzinho (’) que na língua inglesa se põe antes do “s” (’s). Quanto 5charme num pequenino sinal gráfico! Bush se sentiria vingado das manifestações de protesto se lhe fosse permitido caminhar por uma rua comercial brasileira e verificar
05. (ITA SP) O morfema -ada tem mais de um sentido. Assinale a
quantos nomes de estabelecimentos são, em primeiro lugar,
opção em que esse morfema apresenta o mesmo sentido que
em língua inglesa e, em segundo, ostentam como rabicho o ’s.
tem na palavra engenheirada.
Somos apaixonados pelo ’s. O que é uma forma de expressar
a) freada
nosso amor e respeito pelos Estados Unidos.
b) cajuada
10
c) caldeirada
até o mais americanófilo dos países – é questão aberta. Da boca
d) cervejada
para fora, somos antiamericanos. As pesquisas de opinião vão
e) aguada
revelar sempre uma maioria crítica aos EUA. Na era Bush, então,
Se o Brasil é antiamericano ou, ao contrário, americanófilo – e
nem se fala. Lá no fundo, no entanto, é só contemplar um ’s e um
06. (Fuvest SP)
coração brasileiro baterá mais forte. Poucos países, fora os de
A05 Morfologia
Eu te amo
batizados em inglês. Isso vale tanto para o 15mundo dos ricos –
Ah, se já perdemos a noção da hora, Se juntos já jogamos tudo fora, Me conta agora como hei de partir...
o do serviço bancário chamado prime e o do evento chamado
Se, ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios, Rompi com o mundo, queimei meus navios, Me diz pra onde é que inda posso ir...
mes adquirem superior requinte. Comprar na Bacco’s, em São
Se entornaste a nossa sorte pelo chão, Se na bagunça do teu coração Meu sangue errou de veia e se perdeu...
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língua inglesa, terão tantas lojas, produtos, serviços ou eventos
Fashion Week – quanto para o dos pobres, que encontram a seu dispor a lanchonete X Point. Quando enfeitados pelo ’s, os noPaulo, ou bebericar no Leo’s Pub, no Rio, não teria o mesmo efeito se o nome desses estabelecimentos não ostentasse aquele penduricalho, delicado como jóia, civilizado como o frio. O professor Antonio Pedro Tota, que entende do assunto (é
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autor de O Imperialismo Sedutor: a Americanização do Brasil na Época da II Guerra), explica, em artigo numa recém-lançada pu-
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
blicação do Wilson Center dedicada às relações Brasil–EUA, que
Outro é o de um salão de beleza de uma cidade vizinha a São
a definitiva prova de que os americanos tinham nos ganhado,
Paulo: “Skova’s”. São nomes que, enquanto explodem de brasi-
naqueles anos de combate contra o nazifascismo e o Japão foi a
leira inventividade, prestam homenagem aos EUA.
adoção, pelos brasileiros, do gesto do polegar para cima, o sinal
Veja – 14/3/2007
do “positivo”. Tota recorre a Luís da Câmara Cascudo, estudio-
O dicionarista Antônio Houaiss registra a seguinte etimologia do adjetivo americanófilo (linha 10): american(o) + filo
so dos gestos dos brasileiros, para explicar a origem do “polegar para cima”. Na base aérea que, por concessão do governo brasileiro, os americanos montaram no Rio Grande do Norte, para de lá atacar o norte da África, os pilotos e mecânicos, uns dentro e outros fora dos aviões, e ainda por cima ensurdecidos pelo ruído dos motores, comunicavam-se erguendo o polegar, thumbs up, para dizer uns aos outros quando tudo estava em ordem. O gesto encantou os brasileiros que serviam de pessoal de
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apoio. Ainda mais que era muito útil para a comunicação com os estrangeiros. Isso de levantar ou abaixar o polegar tem origem remota e era usado em Roma para indicar se um gladiador devia ser poupado ou morto. Mas no Brasil, segundo Câmara Cascudo, chegou com os pilotos americanos, e da base aérea se espalhou pelo Nordeste e logo por todo o Brasil. Era tão moderno, tão viril, tão americano! O mesmo autor diz que o “polegar para 35cima” causou a desgraça do “da pontinha da orelha”. Para indicar uma coisa boa, antes, os brasileiros seguravam a ponta da orelha, gesto aprendido dos portugueses. Perto do polegar para cima, soava tão antigo, tão da vovó, tão efeminado! As pequenas coisas dizem muito mais do que os altissonantes falatórios. A vitória do gesto de “positivo” sobre o “da pontinha da orelha” significou, naquele momento decisivo da II Guerra, o 40abandono do que restasse da herança lusitana, tão singela, tão curta de horizontes, tão caseira, em favor da perseguição do modelo americano, tão valente, tão desprendido, tão sintonizado no futuro. Da mesma forma, o apego a essa outra coisa miúda que é o apóstrofo representa nossa rendição aos poderes de sedução americanos. Bares modestos, Brasil afora, anunciam que servem “drink’s”. Não venha o leitor observar que está errado, que esse ’s nada tem a ver com o caso possessivo da língua 45inglesa. O inglês de nossas ruas não é o de Shakespeare. É o inglês recriado no Brasil, como em “motoboy”. O ’s de drink’s está lá talvez para indicar plural, mas com certeza para conferir beleza e vigor americanos ao ato, de outra forma banal, de avisar os clientes de que ali se servem bebidas. O emprego do ’s Brasil afora é muito peculiar, e quem sair à cata das várias formas em que é encontrado terminará com uma rica coleção. O colunista que vos fala tem especial queda por dois 50exemplares, entre os muitos com que, como todos nós, já deparou. Um é o nome, sem dúvida sugestivo – e, mais que sugestivo, inspirador – de um motel nos arredores de Florianópolis: “Erectu’s”.
O radical grego que significa o contrário de filo, em americanófilo, é o que se encontra na palavra a) antropófago. b) iconoclasta. c) fotofobia. d) fitoterapia. 08. (UEMS) Bondades e obrigações “Me perdoem, mas detestei: baixaram um pacote de benefícios para aposentados, parte de um programa maior que chamaram de... “pacote das bondades”. Primeiro, não pude acreditar. Quem teria batizado a pobre criança sob tão lamentável inspiração? Mas era verdade. Eu me espantei com esse nome de mau gosto, quase um insulto. Um governo não age por “bondade”: tem obrigação de desempenhar otimamente seu papel de cuidar, administrar, proporcionar dignidade e oportunidades aos cidadãos, do mais simples ao mais privilegiado. São eles que lhe pagam salário e outras benesses. É dever de todo governo liberar de impostos os medicamentos, mais onerados do que automóveis. É seu dever investir na manutenção e melhoria de escolas e universidades e cuidar para que seu nível seja elevadíssimo; é seu dever eliminar as filas humilhantes ou assassinas do INSS; é seu dever combater de verdade o narcotráfico; é seu dever promover a paz nas cidades e no campo, assegurando aos que ali vivem e trabalham o necessário apoio para que se sintam dignos e protegidos. É altíssimo dever de quem conseguiu qualquer posto num governo, sabendo que seria onerado com sérios compromissos, fazer de seu grupo de trabalho, de seus colaboradores, exemplos de dignidade e honradez, estimulando a punição dos transgressores. Se algum nome devesse ter o tal pacote, haveria de ser: “cumprimento das graves obrigações do governo”. Lya Luft. Veja, 19/04/2006, p. 22
Os elementos em negrito nas palavras: “dignidade”, lamentável”, “altíssimo” e “otimamente” veiculam, respectivamente, as seguintes noções: a) intensidade – modo – qualidade – possibilidade b) qualidade – possibilidade – intensidade – modo c) qualidade – agente – finalidade – origem d) possibilidade – intensidade – qualidade – direção e) agente – negação – finalidade – circunstância
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A05 Morfologia
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FRENTE
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PORTUGUÊS
MÓDULO A06
ASSUNTOS ABORDADOS n n Processo de formação de pa-
lavras I
nn Derivação e composição nn Processos de derivação nn Gramática na poesia
PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS I Estudamos, nas aulas anteriores, as partes que constituem uma palavra, os morfemas. Notemos, portanto, que a partir desses morfemas nós podemos gerar outras palavras com outros sentidos. Lembre-se de que palavras que compartilham um mesmo radical formam uma família! Nesse sentido, agora nesta aula entenderemos como essas palavras foram formadas. Pelas palavras de Jean Dubois: “Chama-se formação de palavras o conjunto e processos morfossintáticos que permitem a criação de unidades novas com base em morfemas lexicais (radicais). Utilizam-se assim, para formar as palavras, os afixos de derivação ou os procedimentos de composição”.
Derivação e composição Existem dois tipos principais de processos de formação de palavras: derivação e composição. Quais seriam as diferenças? Derivação Processo de formação de palavras a partir de outras palavras já existentes por meio do acréscimo de prefixos ou sufixos. Nesse procedimento, há somente um radical na palavra. Veja: nn construir;
construção; reconstruir; desconstrução.
A partir da palavra original ‘construir’, obtivemos outras três palavras: construção, pelo acréscimo de um sufixo; reconstruir, pelo acréscimo de um prefixo; e desconstrução, pelo acréscimo de um prefixo e de um sufixo. Há, portanto, apenas um radical cercado de diferentes combinações de prefixos e sufixos. Composição Processo de formação de palavras pela combinação de duas ou mais palavras, por meio da união de dois radicais distintos. Veja: nn beija-flor;
girassol; guarda-roupa; aguardente.
Note você que nas palavras acima há dois radicais, como em ‘beija-flor’. Tanto ‘beija’ quanto ‘flor’ são radicais, são palavras que já existem e atuam independentemente na língua portuguesa, as quais se combinaram para formar outra palavra cujo sentido seja diferente.
566
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Processos de derivação Existem seis tipos de processos de derivação: 1) Derivação prefixal: processo pelo qual se acrescenta a uma palavra um prefixo. Prefixo + Palavra 1 = Palavra 2 nn desconte;
infraestrutura; coautor; interagir.
2) Derivação sufixal: processo pelo qual se acrescenta a uma palavra um sufixo. Palavra 1 + Sufixo = Palavra 2 nn contentamento;
estrutural; autorizar; surfista.
3) Derivação prefixal e sufixal: processo pelo qual se acrescenta a uma palavra um prefixo e um sufixo. Prefixo + Palavra 1 + Sufixo = Palavra 2 nn infelizmente;
reconhecido; deslealdade.
4) Derivação parassintética: processo pelo qual se acrescenta a uma palavra um prefixo e um sufixo simultaneamente. Prefixo + Palavra 1 + Sufixo = Palavra 2 nn apedrejar;
!
enfraquecer; descabelado.
ATENÇÃO!
Como identificar diferenças entre os processos de derivação prefixal e sufixal e de derivação parassintética? É bastante simples. Retire o prefixo e o sufixo da palavra e veja: Se, com ao menos um prefixo ou um sufixo, a palavra mantiver um sentido, trata-se de uma derivação prefixal e sufixal. Exemplos:
exista ‘improva’, existe ‘provável’).
Se, feitas de maneira isolada as eliminações do prefixo e do sufixo, a palavra deixar de possuir sentido, trata-se de uma derivação parassintética: nn anoitecer (não existe ‘anoite’, tampouco ‘noitecer’); subterrâneo (não existe
‘subterra’, tampouco ‘terrâneo’).
5) Derivação regressiva (Deverbal): ocorre quando uma nova palavra se forma pela redução de outra. Normalmente, esse processo dá origem a substantivos a partir de verbos. nn fala (falar); controle (controlar); ataque (atacar). nn barraco (barracão); boteco (botequim); aço (aceiro). 6) Derivação imprópria (Conversão): forma palavras apenas alterando o valor gramatical de uma palavra já existente. nn Quando será servido o jantar? Agora! Venham todos jantar! (substantivo/verbo) nn Eu tenho medo de aranhas, mas sou fã do Homem-aranha! (substantivo/adjetivo) nn Seus olhos são tão verdes, e esse verde me traz esperança! (adjetivo/substantivo) nn O filho do dr. Coelho tem um lindo e branco coelho. (substantivo próprio/ substantivo comum)
SAIBA MAIS QUEM GEROU QUEM: VERBO OU SUBSTANTIVO? Caso trate de um substantivo abstrato, isto é, um substantivo que não designe um objeto real e concreto, esse substantivo é formado a partir de um verbo que denota ação, logo, formado por derivação regressiva. Já quando se trata de um substantivo concreto é esse quem dará origem ao verbo por meio de uma derivação sufixal. nn lâmina (concreto) → laminar nn prego (concreto) → pregar nn piso (concreto) → pisar nn beijar → beijo (abstrato) nn avançar → avanço (abstrato) nn resgatar → resgate (abstrato)
567
A06 Processo de formação de palavras I
nn infelizmente (existe ‘infeliz’ tal como ‘felizmente’); improvável (embora não
Português
Gramática na poesia Leia abaixo o poema do livro Casaco Verde, de Murilo Amaral:
Fonte: Wikimedia Commons
Orla(r)(ndo)(s) Imprópria, vou derivando e em uma viagem distante, fascinante, empolgante Quero orlar! E digo que, numa cidade sem mar, estarei Orlando como se pudesse pela praia caminhar
Figura 01 - “Bem-vindo a Orlando – Uma bela cidade”
No poema, o autor constrói um novo sentido para a palavra Orlando, cidade capital da Flórida, nos EUA. A estrutura do nome dessa cidade lembra a de um verbo no gerúndio, dessa maneira, por meio de uma derivação imprópria, o autor cria um novo verbo “orlar”, cujo gerúndio é “orlando”.
Exercícios de Fixação 01. (IF PE) Leia o texto e indique qual das palavras em destaque possui prefixo com sentido de negação. O perguntar e o responder Carlos Drummond de Andrade
a) Substituído. b) Pronunciar. c) Inteira. d) Ininteligíveis. e) Interrogação.
O espelho recusou-se a responder a Lavínia que ela é a mais bela mulher do Brasil. Aliás, não respondeu nada. Era um espelho muito silencioso. Lavínia retirou-o da parede e colocou outro, que emitia sons A06 Processo de formação de palavras I
ininteligíveis, e foi também substituído. O terceiro espelho já fazia uso moderado da palavra, porém não dizia coisa com coisa. Um quarto espelho chegou a pronunciar nitidamente esta frase: “Vou pensar.” Ficou pensando a semana inteira, sem chegar à conclusão. Lavínia apelou para um quinto espelho, e este, antes que a vaidosa senhora fizesse a interrogação, aflita, perguntou-lhe: – Mulher, haverá no Brasil espelho mais belo do que eu?” ANDRADE, C. D. Contos Plausíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
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02. (Unifesp SP) Examine a passagem abaixo: “e eventualmente se interessar por ler o Machadão no original. Agora, dar uma machadada em um moleque” Os dois termos em destaque, derivados por sufixação, reportam a Machado de Assis. Tal recurso atribui aos substantivos, respectivamente, sentido de a) pejo e intimidade. b) ironia e simpatia. c) humor e reverência. d) simpatia e ironia. e) tamanho e humor.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
03. (Uespi PI) Considere o slogan “O melhor do Brasil é o brasileiro”.
tragédia das calçadas. Quem caminha torce o pé em buracos,
Das opções abaixo, uma delas contém palavras formadas por
tropeça em desníveis, precisa olhar para baixo o tempo intei-
sufixo com sentido semelhante ao da palavra sublinhada na
ro. Não há calçadas uniformes, planas, planejadas, cuidadas.
sentença a seguir: “O mineiro em geral é conhecido pelo uso
Cada dono constrói seu trecho segundo sua fantasia. Há gosto,
dos uais.”
bom gosto e muito mau gosto, breguice, kitsch. A variedade
a) cartaz, dentista, artista
não contribui para uma cidade criativa e original. Ao contrário,
b) escravidão, papelaria, armário
é um mix desordenado de excrescência.
c) capotaria, amazonense, felicidade
Problemas pequenos? Some aos outros, por exemplo, as agru-
d) cearense, italiano, pernambucano, paraense
ras de quem toma ônibus, de quem toma metrô, de manhã ou
e) as opções c e d são corretas
à tarde. Tente viajar nos horários de pico. Ah! Aí, sim, se vê por que é uma selva. Algum coordenador de transportes tentou fa-
04. (UFTM MG) Leia a charge.
zer uma viagem num coletivo cheio, em dia de calor, janelas fechadas? Algum já viajou esmagado, prensado, sufocado, o ar faltando aos pulmões? Sonho com utopias. A São Paulo ideal teria calçadas largas contendo uma ciclovia e árvores. E bueiros que deem vazão às águas das chuvas. E um povo que não varra as folhas para dentro dos bueiros. E que tenha recipientes para se depositar o lixo. A São Paulo ideal teria prédios de no máximo oito andares e praças e jardins e parques. E principalmente projetos e planos diretores que olhassem o futuro, e não o presente imediato e eleitoreiro. E administradores que olhassem com carinho para a cidade. (Ignácio de Loyola Brandão. O Estado de S.Paulo, 01.07.2012. Adaptado.)
Pelo processo de derivação, as palavras sofrem modificações A charge ironiza a) a velocidade na cobrança de impostos do cidadão brasileiro. O título contém um substantivo formado por hibridismo.
incorporando diferentes sentidos. Assinale a alternativa em que as palavras em destaque, nas frases, resultantes do mesmo processo de formação, traduzem, respectivamente, sentido de admiração e de menosprezo.
b) a carga tributária que recai sobre o cidadão brasileiro. O tí-
a) São Paulo, com todas as oportunidades que oferece, é mes-
tulo contém um substantivo composto a partir de “imposto”
mo uma cidadona. / Quadrilhas invadem restaurantes e rou-
e do radical grego “-metro”.
bam clientes em ondas de ataque em São Paulo: que cidade-
c) o método de cobrança de impostos do cidadão brasileiro. O título contém um substantivo composto a partir dos substantivos “imposto” e “metro”. d) a falta de dinheiro do cidadão brasileiro. O título contém um substantivo derivado de “imposto” com o acréscimo do sufixo “-metro”. e) a intensidade dos impostos cobrados do cidadão brasileiro. O título contém um substantivo formado a partir de um verbo. 05. (Unisa SP) Cheguei com 21 anos e já estou há 54 em São Paulo. Desde meus primeiros dias, vivo um problema que existe até hoje e compartilho com todo mundo. Não dirijo. Ando de táxi, ônibus, metrô e caminho muito. Sou pedestre e, como tal, conheço a
zinha violenta! b) As calçadas nas cidades europeias são planejadíssimas. / Como houve mudança na administração do bairro, a reforma da praça teve de ser replanejada. c) Algum coordenador de transportes tentou fazer uma viagenzinha curta que seja, num coletivo cheio, em dia de calor? / Moradora da periferia enfrenta uma rotina diária de mais de cinco horas dentro dos ônibus: é uma hiperviagem. d) Ele é um supercoordenador e deveria conhecer os problemas do trânsito. / A Prefeitura nomeou uma pessoa incompetente para administrar o trânsito, é um descoordenador. e) A variedade dos desenhos forma um mix desordenado de excrescência. / Que sorte temos nós, nossa cidade é harmoniosa, ordenadíssima!
569
A06 Processo de formação de palavras I
(www.acharge.com.br.)
Português
Exercícios Complementares 01. (UPE PE) Articulista da Forbes ironiza o status que o brasileiro dá para o automóvel Até a americana revista Forbes anda rindo da obsessão do brasileiro em encarar o automóvel como símbolo de status. No último sábado, o blog do colaborador Kenneth Rapoza, especialista nos chamados Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), trouxe um artigo intitulado “O Jeep Grand Cherokee de ridículos 80 mil dólares do Brasil”. A tese do artigo: os brasileiros confundem qualidade com preço alto e se dispõem a pagar 189 mil reais (89.500 dólares) por um carro desses que, nos Estados Unidos, é só mais um carro comum. Por esse preço, ironiza Rapoza, “seria possível comprar três Grand Cherokees se esses brasileiros vivessem em Miami junto de seus amigos.” (2) O articulista lembra que a Chrysler lançará o Dodge Durango SUV, que nos Estados Unidos custa 54 mil reais, no Salão do Automóvel de São Paulo por 190 mil reais. “Um professor de escola primária do Bronx pode comprar um Durango. Ok, não um zero quilômetro, mas um de dois ou três anos, absolutamente bem conservado”, exemplifica, para mostrar que o carro supostamente não vale o quanto custa no País. (3) O autor salienta que o alto custo ocorre por conta da taxação de 50% em produtos importados e da ingenuidade do consumidor que acredita que um Cherokee tem o mesmo valor que um BMW X5 só porque tem o mesmo preço. “Desculpem, ‘Brazukas’, mas não há nenhum status em um Toyota Corolla, Honda Civic, Jeep Grand ou Dodge Durango. Não sejam enganados pelo preço de etiqueta. Vocês definitivamente estão sendo roubados.” (4) E conclui o artigo: “Pensando dessa maneira, imagine que um amigo americano contasse que acabou de comprar um par de Havaianas de 150 dólares. Você diria que ele pagou demais. É claro que esses chinelos são sexy e chic, mas não valem 150 dólares. Quando o assunto é carro e seu status no Brasil, as camadas mais altas estão servindo Pitu e 51 em suas caipirinhas e pensando que é bebida de alta qualidade.”
A06 Processo de formação de palavras I
(1)
Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/articulista-daforbes-ironiza-o-status-que-o-brasileiro-da-para-oautomovel. (Adaptado)
Quanto aos aspectos morfológicos e semânticos do vocabulário empregado no Texto, analise as proposições a seguir. I. O sufixo utilizado na formação da palavra “articulista” (2º parágrafo) tem o mesmo valor semântico daqueles presentes em palavras como “motorista” e “equilibrista”.
570
II.
III.
IV.
V.
O emprego do advérbio “supostamente” (2º parágrafo) invalida o argumento contido no trecho entre aspas no parágrafo. A forma verbal “salienta” (3º parágrafo), que serve para introduzir mais um comentário da revista Forbes, poderia ser substituída por “diz” sem nenhum prejuízo semântico ao trecho. A formalidade da expressão “Brazucas” (3º parágrafo), em referência aos brasileiros, é legítima, tendo em vista se tratar de um texto da mídia impressa que prima pelo padrão formal da língua. A palavra “camadas” (4º parágrafo), no contexto em que aparece no Texto, poderia ser substituída por “classes” ou “grupos”, sem substanciais mudanças de sentido.
Estão CORRETAS, apenas, a) I, II e IV. b) I e V. c) II e IV. d) II, III e V. e) III, IV e V. 02. (USP Faculdade de Saúde Pública SP) Desnaturação da vida Na realidade, a transição alimentar/nutricional, 2 depois de grandes conquistas, está se 3 encaminhando para uma vertente perigosa: a 4 desnaturação dos alimentos, a desnaturação da 5 1vida humana e dos biomas em seu conjunto, o 6 confronto com a natureza, como uma guerra não 7 declarada: os ganhos da tecnologia a serviço dos 8 mercados. Assim, 80% a 90% dos alimentos, 9 antes de entrar em nossas bocas, passa pela 10 boca das máquinas. (...) 11 Com a modernização tecnológica, o trabalho 12 muscular foi sendo substituído gradualmente e 13 com grandes vantagens, em termos de 14 produtividade e redução de custos, seja na 15 agropecuária seja em várias outras atividades 16 produtivas. Resultado: liberados do trabalho físico, 17 praticamente nos alimentamos para atender 18 pouco mais que o metabolismo basal. (...) 19 As automações, os servomecanismos entraram, 20 visceralmente, em nossos corpos, incluindo seu 21 próprio metabolismo, agora quase restrito às 22 atividades vegetativas. Por outra parte, a 23 obsolescência programada pelos modismos do 24 mercado está levando a um impasse ambiental: 25 assim, se o padrão de consumo dos Estados 26 Unidos e Japão fossem espalhados por toda a 27 humanidade, seriam necessários três planetas 28 Terra para atender a efetiva demanda de 29 matérias-primas. Já se questiona: o homem ainda 30 é naturalmente humano? Para onde caminha o 31 1
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Malaquias B. Filho e Luciano V. Batista. Transição alimentar/ nutricional ou mutação antropológica? Adaptado. http://cienciaecultura.bvs.br/scielo
Em “metabolismo” (Ref. 18), o elemento compositivo “meta” é portador da mesma acepção que apresenta em a) metafísica. b) metalinguagem. c) metamorfose. d) metatarso. e) metaquímica. 03. (Unifesp SP) O nada que é Um canavial tem a extensão ante a qual todo metro é vão. Tem o escancarado do mar que existe para desafiar que números e seus afins possam prendê-lo nos seus sins. Ante um canavial a medida métrica é de todo esquecida, porque embora todo povoado povoa-o o pleno anonimato que dá esse efeito singular: de um nada prenhe como o mar. (João Cabral de Melo Neto. Museu de tudo e depois, 1988.)
No título do poema – O nada que é –, ocorre a substantivação do pronome nada. Esse processo de formação de palavras também se verifica em: a) A arquitetura do poema em João Cabral define-lhe o processo de criação. b) A poética de João Cabral assume traços do Barroco gongórico. c) Poema algum de João Cabral escapa de seu processo rigoroso de composição. d) Em Morte e Vida Severina, João Cabral expressa o homem como coisa. e) A poesia de João Cabral tem um quê de despoetização.
04. (Fac. Cultura Inglesa SP) Leia o poema de Manoel de Barros. O que não sei fazer desmancho em frases. Eu fiz o nada aparecer. (Represente que o homem é um poço escuro. Aqui de cima não se vê nada. Mas quando se chega ao fundo do poço já se pode ver o nada.) Perder o nada é um empobrecimento. (Livro sobre nada, 2002.)
Considerando-se os processos de derivação de palavras, vê-se que o eu lírico explora, para a produção de sentido no poema, a derivação a) por sufixação, com verbo formado a partir de substantivo: desmancho. b) por prefixação, com substantivo de sentido negativo: empobrecimento. c) imprópria, com pronome indefinido empregado como substantivo: nada. d) por prefixação, com verbo indicando sugestão: Represente. e) parassintética, com verbo formado a partir de substantivo: aparecer. 05. (IF PE) Comédia Política é atuação mais madura de Leandro Hassum no cinema. O candidato honesto Na trama, Hassum vive José Ernesto, um candidato à presidência da República que se vê no segundo turno das eleições e com larga vantagem sobre o seu opositor. Sua popularidade é imensa, mas o deputado é tudo o que o povo não gostaria que seu representante no poder fosse: corrupto e mentiroso. Tudo parecia perfeito quando, na reta final de sua campanha, Ernesto recebe um comunicado de que sua avó está à beira da morte e gostaria de vê-lo uma última vez. O que ele não esperava é que, como último ato em vida, ela lhe joga uma praga, fazendo-o prometer que nunca mais mentiria, seja dentro de casa ou na vida política. (...) Acostumado com um mundo de lavagem de dinheiro, helicópteros e secretárias sensuais, o deputado se vê como um peixe fora d’água, sem conseguir ambientar-se novamente ao lado de seus colegas no Palácio. (...) No final, o filme nos apresenta uma grande discussão: a culpa de ser corrupto é apenas do indivíduo ou do sistema como um todo? A tentativa de Santucci de tratar um tema quente dentro de um longa de humor é bem-sucedida, apesar de alguns exageros característicos das comédias brasileiras. E serve como um leve toque para o espectador pensar muito bem antes de apertar o botão “confirmar” na hora de votar. ZULIANI, André Disponível em: http://omelete.uol.com.br/cinema/o-candidatohonesto-critica/#.VDKgIWddWys, Acesso em: 01 out. 2014 (adaptado).
A palavra “Acostumado”, que aparece no início do segundo parágrafo, é formada por parassíntese, ou seja, pelo acréscimo 571
A06 Processo de formação de palavras I
conflito homem/natureza? Como se projetam, 32 nesse cenário de imprevisões, as perspectivas da 33 alimentação e da nutrição? Para onde transitamos? 34 Para as fronteiras do sem fim e sem direção de 35 um futuro sem valores referenciais? Valerá a pena 36 um projeto de civilização que deve constituir o 37 desenvolvimento humano em várias dimensões 38 simultâneas e interativas? Ou seja, unificando os 39 desafios econômicos, sociais, políticos, 40 ecológicos, culturais e coparticipativos, 41 direcionados por princípios éticos e por razões de 42 sustentabilidade? Mais que uma utopia, é o que 43 se discute, se estuda e se propõe no Centro 44 Internacional de Desenvolvimento, fundado por 45 um brasileiro exilado, Josué de Castro, um 46 pioneiro da luta contra a fome e as desigualdades, 47 na Universidade de Paris VIII. Ou ficamos com o 49 discurso radical da pós-modernidade, enunciando 50 que a história não tem nem terá rumos? E viva o 51 niilismo! Mas isto não seria uma sentença de 52 morte?
Português
simultâneo de prefixo e sufixo. Com base nessa afirmação, em qual das alternativas há um vocábulo formado por derivação parassintética? a) Entristecido b) Impopularidade c) Desmilitarização d) Desmotivado e) Retestado Questão 06. No par valorização X desvalorização, a 06. (FGV SP) Leia a charge.
ideia de oposição se constrói por meio do uso do prefixo de negação. No par Pibão X Pibinho, por meio do uso de sufixos que indicam o grau aumentativo e o diminutivo, respectivamente.
CASAL PRECISA DISCUTIR FINANÇAS PESSOAIS ANTES DE TROCAR ALIANÇAS. ...NA SAÚDE E NA DOENÇA, NA VALORIZAÇÃO E NA DESVALORIZAÇÃO DO CÂMBIO, NA ALTA E NA BAIXA DA SELIC, NO PIBÃO E NO PIBINHO...
Nos Estados Unidos, a tendência de extrair mais umidade do ar vem aumentando em mais um ano de secas severas. Em boa parte das planícies centrais e do sudoeste do país, os níveis de chuva, desde 2010, têm diminuído entre um e dois terços, com impacto direto nos preços do milho, trigo e soja. A Califórnia, fonte de boa parte das frutas e legumes que abastecem o país, ainda deve recuperar-se de uma seca que deixou seus reservatórios com metade da capacidade e áreas sem gelo perigosamente reduzidas. Em fevereiro, o Serviço Nacional do Clima divulgou que o estado tem uma chance em mil de se recuperar logo. Produtores de amêndoas estão preocupados com suas plantações por falta de umidade, e até a água potável está ameaçada. (Scientific American Brasil, julho de 2014. Adaptado)
No texto, são exemplos de palavras formadas por derivação prefixal e por derivação sufixal, respectivamente: a) impressionante e quantidade. b) quantidade e impacto. c) perigosamente e controlar. d) desaparecer e reservatórios. e) potável e umidade. 08. (Famema SP) Leia o excerto do poema “Nosso tempo”, de Carlos Drummond de Andrade, publicado originalmente em 1945 no livro A rosa do povo. Este é tempo de partido, tempo de homens partidos.
(Velati, Folha de S.Paulo, 17.06.2014)
A06 Processo de formação de palavras I
Na fala do padre, o sentido vai se estabelecendo por meio de pares de palavras de sentido contrário. Do ponto de vista da formação de palavras e de sua flexão, explique como se constrói a idéia de oposição nos pares de palavras: valorização X desvalorização e Pibão X Pibinho. 07. (FGV SP) Nuvens contêm uma quantidade impressionante de água. Mesmo as pequenas podem reter um volume de 750 km3 de água e, se calcularmos meio grama de água por metro cúbico, essas minúsculas gotas flutuantes podem formar verdadeiros lagos voadores. Imagine a situação de um agricultor que observa, planando sobre os campos ressecados, nuvens contendo água mais que suficiente para salvar sua lavoura e deixar um bom saldo, mas que, em vez disso, produzem apenas algumas gotas antes de desaparecer no horizonte. É essa situação desesperadora que leva o mundo todo a gastar milhões de dólares todos os anos tentando controlar a chuva. 572
Em vão percorremos volumes, viajamos e nos colorimos. A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua. Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos. As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra. [...] O poeta declina de toda responsabilidade na marcha do mundo capitalista e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas promete ajudar a destruí-lo como uma pedreira, uma floresta, um verme. (Reunião, 1969.)
Na palavra “pressentida”, há um prefixo. Um prefixo com sentido semelhante existe na palavra a) “antepasto”. b) “pressão”. c) “perfeito”. d) “antiácido”. e) “refazer”.
FRENTE
A
PORTUGUÊS
MÓDULO A07
PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS II Vimos, na aula anterior, todos os processos de formação de palavra por derivação. Nesta aula, veremos os procedimentos de composição, assim como, outros processos de formação de palavra.
Composição
ASSUNTOS ABORDADOS nn Processo de formação de pala-
vras II
nn Composição nn Outros processos nn Observações finais nn Gramática na poesia
Como já explicado, composição é um processo no qual dois radicais diferentes se unem para formar uma terceira palavra. Existem dois tipos de composição: por aglutinação ou por justaposição. Aglutinação Nesse processo, um dos radicais perde algum fonema, sofrendo alteração em sua estrutura: nn pernilongo
(perna + longo); boquiaberto (boca + aberto); aguardente (água + ardente); planalto (plano + alto); embora (em + boa + hora); fidalgo (filho + de + algo).
Justaposição Nesse processo, não há perda nem alteração fonemática por nenhum dos radicais: nn guarda-roupa;
!
passa-tempo; girassol; beija-flor; mão de obra.
ATENÇÃO!
Algumas palavras podem-nos induzir a um raciocínio errôneo sobre o procedimento que as originou. Veja o caso das palavras: biologia, biotecnologia, biomédico, há uma forte tendência a pensar que ‘bio’ seja um prefixo, logo, essas palavras teriam sido formadas por derivação. Mas cuidado! Não se engane, ‘bio’, assim como ‘eco’, ‘logia’, ‘nomia’, ‘cracia’ e outras, são palavras derivadas do latim ou do grego. Trata-se de radicais greco-latinos e, como sabemos, uma combinação de radicais que gera outra palavra é procedimento de composição. Exemplos:
Radical
Origem
Significado
Exemplo
antropo
grega
homem
antropologia
cardio
grega
coração
cardiovascular
filo
grega
amigo
filarmônica
morfo
grega
forma
morfologia
psico
grega
alma
psicopata
agri
latina
campo
agricultura
ego
latina
eu
egocentrismo
semi
latina
metade
semirreta
573
Português
Fonte: Wikimedia Commons
Outros processos Onomatopeia Cria palavras a fim de representar ou fazer referência aos sons conhecidos. nn tique-taque;
zum-zum; snif; miar; cacarejar.
Observe o trecho do poema de Fernando Pessoa: “Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno” Veja que o poema por meio de um processo onomatopaico criou “r-r-r-r-r-r-r” a fim de representar o som das engrenagens rangendo. Abreviação Redução de uma mesma palavra a outra menor sem alterar seu emprego ou significado. nn moto
(motocicleta); pneu (pneumático); quilo (quilograma); japa (japonês).
Obs.: São abreviaturas as seguintes: kg. (quilograma); h. (hora); av. (avenida); p. (página). Sigla Figura 01 - Fernando Pessoa: o maior poeta do Modernismo português.
Redução de nomes próprios de órgãos ou instituições, criando um termo menor com as letras iniciais de um nome maior. nn IBGE;
UFG; ONU; Embrapa; Fuvest.
Observações finais Estrangeirismo Empréstimo linguístico; permite que palavras de outras línguas possam ser usadas na nossa. Isso pode ocorrer: nn Sem
adaptação: show; menu; pizza; delivery aportuguesamento: futebol; garçonete; blecaute; boate nn Por sufixação: deletar (do inglês “to delet”); privacidade (do inglês “privacy”) nn Com
Neologismo
Sabia que já teve linguista tentando aportuguesar pizza? O fonema que encontramos representado pelas letras “zz” não se encontra em nenhuma palavra da língua portuguesa, logo, teríamos que fazer uma adaptação para aportuguesá-la. O que sairia então? Pítessa? Pitça? Parece tão estranho. Melhor deixar pizza mesmo!
Fonte: Wikimedia Commons
A07 Processo de formação de palavras II
#Curiosidades
574
Não é exatamente considerado um processo formador de palavras. São inovações lexicais, isto é, palavras que vão sendo criadas, ou novos significados e empregos que vão surgindo para palavras já existentes. Desse modo, existem dois tipos de neologismo: nn Neologismo
vocabular: realmente é criada uma nova palavra: monstrumento; imexível; penseiro nn Neologismo semântico: a palavra já existe, mas o sentido e o emprego são outros: nn secar (torcer contra / desejar); mala (pessoa não confiável); ficar (ter um relacionamento rápido) nn caetanear;
Gramática na poesia Veja abaixo o trecho da canção “Sina” do compositor brasileiro Djavan: Sina O luar, estrela do mar O sol e o dom Quiçá, um dia, a fúria desse front Virá lapidar o sonho Até gerar o som Como querer Caetanear O que há de bom Que sentido pode adquirir o neologismo “Caetanear”? Seria agir à maneira de Caetano Veloso? Bem provável que seja, uma vez que os dois cantores são amigos. Fica aí uma homenagem que Djavan fez ao baiano.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias Questão 01. a) Os processos de formação utilizados foram composição por justaposição e derivação sufixal. b) Os observadores criaram um neologismo que não vai além do nível descritivo superficial porque eles não conseguiram alcançar um conhecimento aprofundado, conclusivo a respeito do povo de Ossevaolep.
Exercícios de Fixação 01. (UFR RJ)
Cada vez que a memória decai, e conforme a idade 25isso ocorre em maior ou menor grau, perde-se 26um pouco da interação com o mundo. Mas a ciência 27vem avançando no conhecimento dos mecanismos da 28memória e de como fazer para preservá-la. Pesquisas 29recentes permitem vislumbrar o dia em que será realidade 30a manipulação da memória humana. (...) 31 A neurociência é um campo tão promissor que, nos 32Estados Unidos, um quinto do financiamento em pesquisas 33 médicas do governo federal vai para as tentativas 34de compreender os mecanismos do cérebro. E os 35estudos sobre a memória têm lugar destacado nesse 36esforço científico. Afinal, mantê-la em perfeito funcionamento 37tornou-se preocupação central nas sociedades 38modernas, na qual dois fenômenos desafiam: a exposição 39a uma carga diária excessiva de informações, 40que o cérebro precisa processar, selecionar e, se relevantes, 41reter para uso futuro; e o aumento da expectativa 42de vida, que se traduz em uma população mais 43 vulnerável a distúrbios associados à perda de memória. 24
(ANDRADE, Carlos Drummond de. Prosa Seleta. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003. p. 150)
No texto, identifica-se o povo da ilha de Ossevaolep por um neologismo: cabecences-para-baixo. a) Identifique os processos de formação de palavras utilizados para a criação desse neologismo. b) Considerando o conhecimento que os observadores têm do povo de Ossevaolep, responda: por que se afirma, no texto, que o neologismo foi criado “à falta de melhor classificação”? 02. (Puc RS) 01 Grande parte de nossas decisões é tomada de 02maneira mais ou menos automática. Esse processo 03é guiado pelo valor que se dá às diversas experiências 04do passado. Se uma pessoa desperta boas emoções 05em mim, toda vez que eu a encontrar vou reviver 06uma memória que se divide em dois aspectos: 07o cognitivo (quem é essa pessoa) e o emocional 08(é alguém de quem eu gosto). Não há memória ou 09tomada de decisões neutras, sem emoção. 10 Na verdade, nada é mais essencial para a identidade 11de uma pessoa do que o conjunto de experiências 12armazenadas em sua mente. Por isso, o que 13mais distingue a memória humana é a capacidade 14de ter uma autobiografia. Cada um de nós sabe quando 15nascemos, quem são nossos pais, nossos amigos, 16quais são nossas preferências, o que já realizamos 17na vida… Enfim, qual é nossa história. Um chimpanzé 18ou um cão têm isso de forma limitada; sua memória 19 não possui a mesma riqueza de detalhes e 20abrangência. Essa diferença é amplificada pela linguagem, 21que codifica memórias não verbais em formas 22verbais, expandindo enormemente tudo o que o 23ser humano é capaz de memorizar.
Texto redigido com base em informações publicadas na revista Veja, 13 de janeiro, 2010.
Analise as informações a seguir e preencha os parênteses com V (verdadeiro) ou F (falso). Caso o leitor não conheça a palavra “neurociência”(ref.31), ele pode chegar ao sentido aproximado ( ) decompondo a palavra em seus elementos constitutivos e observando o que cada um significa. ( ) buscando pistas do seu significado no conteúdo do parágrafo anterior. ( ) identificando a classe gramatical e a função sintáticadessa palavra no contexto. ( ) relacionando a palavra com outras do mesmo campo de significação, como “cérebro”, “estudos sobre a memória”, “esforço científico”. A sequência correta de preenchimento dos parênteses,de cima para baixo, é a) V – V – V – F b) V – V – F – V c) V – F – V – F d) F – F – V – V e) F – V – F – V 03. (Fac. de Ciências da Saúde de Barretos SP) Naquele dia, sobre o fogo estão minha marmita e a do colega. O mesmo alumínio amassado, os mesmos riscos fundos, o arroz feijão igual. Mas na do colega tem um ovo cozido, que minha marmita inveja. Sozinho, olho para o lado, olho para o outro, olho à volta; o estômago sussurra; ninguém
575
A07 Processo de formação de palavras II
Os diferentes Descobriu-se na Oceania, mais precisamente na ilha de Ossevaolep, um povo primitivo, que anda de cabeça para baixo e tem vida organizada. É aparentemente um povo feliz, de cabeça muito sólida e mãos reforçadas. Vendo tudo ao contrário, não perde tempo, entretanto, em refutar a visão normal do mundo. E o que eles dizem com os pés dá a impressão de serem coisas aladas, cheias de sabedoria. Uma comissão de cientistas europeus e americanos estuda a linguagem desses homens e mulheres, não tendo chegado ainda a conclusões publicáveis. Alguns professores tentaram imitar esses nativos e foram recolhidos ao hospital da ilha. Os cabecences-para-baixo, como foram denominados à falta de melhor classificação, têm vida longa e desconhecem a gripe e a depressão.
Português
vai ver. E a boca instiga: pega logo, é a chance. Ouço vozes e a urgência decide. De supetão, agarro o ovo cozido. Meus pés são carregados pelo medo de ser apanhado. De uma bocada, engulo o ovo. A fome se solidifica. Trabalho o resto do dia com uma pedra no ventre: o rosto do meu filho, cheio de vergonha. Doente, minha digestão ferve. Pela primeira vez, evito minha casa. Caminho devagar até o ponto do ônibus, entro numa linha que sei ser mais longa, quero chegar na noite escura. Minha mulher vem ao portão curiosa da quebra da rotina. Estou exausto. Vou até o quarto onde meu filho dorme. Olho desonrado sua respiração. Sento-me à mesa, prato de comida à frente. A cabeça tonteia. Levanto, vou até a porta, os olhos vagueiam. Quero chorar. De manhã quando acordei, era eu; agora sou joão-ninguém. Lá do fundo minha mulher chama e digo que já vou. Chove forte. Encolho a humilhação entre os ombros e vou porta afora.
Sem arriscar um julgamento quanto à qualidade estética dos produtos do mercado, é possível, no 17 entanto, questionar sua qualidade cultural e política. Muitos defendem que “é disso que o povo gosta”, 18 enquanto outros dirão que o povo experimenta uma baixa valorização de si ao aceitar o que lhe trazem os 19 ricos e poderosos sem que condições de escolha livre tenham sido dadas, o que surgiria de uma educação 20 consistente – e inexistente em nosso contexto. A injeção diária de morfina estética que o povo recebe não 21 permite saber se o “gosto” é autóctone ou externamente produzido. 22 De qualquer modo, no mundo da nova elite, a regra é a adulação das massas. Qualquer denúncia 23 ou manifestação de desgosto em relação ao que se oferece a elas é sumariamente constrangida.
(Celina Ishikawa. Toda verdade do mundo. Ler&Cia. Adaptado.)
Ao utilizar as expressões “fashion”, “axé music”, “funk” e “podium”, a autora adota, em relação ao uso da língua portuguesa, uma postura a) purista em relação ao vocabulário, pois usa muitos arcaísmos e evita estrangeirismos. b) contraditória, porque desrespeita a língua padrão e fere as convenções sociais de uso da língua. c) imperialista, pois utiliza termos de origem norte-americana em detrimento das formas aportuguesadas. d) aberta à inovação no uso do idioma, já que incorpora estrangeirismos em seu texto.
Assinale a alternativa em que o primeiro termo é derivado com prefixo de sentido negativo e o segundo composto por justaposição. a) desonrado, joão-ninguém. b) humilhação, sussurra. c) afora, de supetão. d) urgência, arroz feijão. e) digestão, quebra da rotina. 04. (UEG GO) Nova elite caipira No título do famoso filme Tropa de elite, o termo “elite” referia-se ao grupo de policiais 2 especialmente treinados para operações muito complicadas. A “elite” que era a tropa tinha um significado de 3 especialização, superioridade, hierarquia, entendidas tecnicamente. Na contramão, quem utiliza o termo em 4 outros contextos refere-se, em geral, a: “donos do poder”, “classe dominante”, “oligarquia”, “dominação 5 política”, “dominação econômica”, “classe dirigente”, “minoria privilegiada”. “Elite” é termo usado para 6 designar as vantagens petrificadas de “ricos” e “poderosos” que comandam massas. 7 Usado em oposição a povo, à democracia, à cultura popular, o termo é empregado para designar 8 grupos econômica, cultural e politicamente dominantes. Seu uso atual, no entanto, erra o alvo em relação à 9 cultura, desde que vivemos uma curiosa inversão cultural. 10 Há dois tipos de caipira. Um que era o oposto da elite, como o simpático Jeca Tatu, e outro, que é a 11 própria nova elite, o cantor da dupla sertaneja que, depois de um banho fashion, fica pronto para o ataque 12 às massas, mesmo que seu estilo continue sendo o do chamado “jeca”. Refiro-me ao “caipira” ou “jeca” 13 como figura genérica, mas poderia também falar da moça cantando seu axé music, seu funk, que, de 14 repente, não é uma “artista do povo”, como quer fazer parecer a indústria que a sustenta, mas é a rica e 15 poderosa estrela – e objeto – da indústria cultural.
A07 Processo de formação de palavras II
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16
TIBURI, Marcia. Nova elite caipira. Revista Cult, São Paulo, n. 181, p. 51, jul. 2013. (Adaptado).
05. (Fac. Cultura Inglesa SP) Se as pessoas estivessem mais atentas para o foco das preocupações dos governantes das três maiores potências globais, certamente não teriam alimentado a esperança de grande empenho de americanos, chineses e alemães em assumir compromissos firmes durante a Rio+20 para evitar o ecossuicídio do planeta em data incerta, lá pelos anos 2052… Vamos pensar um pouco: Obama, Hu Jintao e Angela Merkel estão envolvidos até a medula nos problemas da transição do poder cuja definição se dará antes do fim do ano. Seus governos enfrentam o desafio (cada um em sua própria dimensão) de lidar com a desaceleração econômica e as consequências do descontentamento popular com as atuais lideranças. (Antônio Delfim Netto. Crescer, incluir e esperar. Carta Capital, 27.06.2012. Adaptado.)
O neologismo corresponde ao emprego de palavras novas, derivadas ou formadas de outras já existentes. Um exemplo de neologismo presente no texto é: a) foco, indicando a convergência de ideias entre os líderes. b) Rio+20, indicando que virão mudanças após 20 anos. c) ecossuicídio, indicando o aniquilamento da vida do planeta. d) medula, indicando o comprometimento dos líderes com a vida. e) descontentamento, indicando o descrédito do povo pela política.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Exercícios Complementares 01. (UFR RJ) Em relação à palavra “bioética” , é possível verificar, em seu processo de formação, a presença de a) prefixo (bio) + radical (ética). b) radical (bio) + radical (ética). c) radical (bio) + sufixo (-ético). d) prefixo (bio) + radical (ét-) + sufixo (-ica). e) radical (bioét) + sufixo (-ica).
04. (Unifor CE)
02. (UFF RJ)
03. (Mackenzie SP) Seu metaléxico economiopia desenvolvimentir utopiada consumidoidos patriotários suicidadãos José Paulo Paes
A palavra economiopia segue o mesmo modelo de formação lexical presente em: a) “aguardente”. b) “pé-de-moleque”. c) “passatempo”. d) “minissaia”. e) “antidemocrático”.
05. (FGV SP) Leia os versos do poeta Manoel de Barros. Ele só andava por lugares pobres E era ainda mais pobre Do que os lugares pobres por onde andava. ........................................................................ O homem usava um dólmã de lã sujo de areia e cuspe de aves. Mas ele nem tô aí para os estercos. Era desorgulhoso. Para ele a pureza do cisco dava alarme. E só pelo olfato esse homem descobria as cores do amanhecer. Quanto ao processo de formação de palavras, nos versos há um neologismo, criado por meio de prefixo e de sufixo, e uma palavra formada por parassíntese. Trata-se, respectivamente, de a) tô e descobria. b) dólmã e estercos. c) pureza e alarme. d) desorgulhoso e amanhecer. e) cuspe e olfato.
577
A07 Processo de formação de palavras II
Na língua portuguesa se identificam diferentes processos de formação de novas palavras tais como: prefixação, sufixação, parassíntese, justaposição, aglutinação, hibridismo etc. O cartunista Chico Caruso apresenta as palavras ABACAIXINHA, ABACASHOW e ABACAJUDA formadas segundo as a) Aglutinação; b) ABACAIXINHA. possibilidades da língua. a) Identifique o processo comum na formação das três palavras destacadas. b) Identifique, dentre as três palavras destacadas, a única palavra que apresenta em sua formação, também, processo de sufixação.
As línguas estão em constante movimento de assimilação, uso e desuso de palavras, conforme mudanças temporais e espaciais, dentre outros fatores. As tirinhas apresentadas possuem exemplos de dois processos que ocorrem com as palavras: a) neologismo e estrangeirismo. b) estrangeiro e arcaísmo. c) derivação e estrangeirismo. d) arcaísmo e neologismo. e) neologismo e derivação.
Português
06. (Unifesp SP) Pneumotórax Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos. A vida inteira que podia ter sido e que não foi. Tosse, tosse, tosse. Mandou chamar o médico: - Diga trinta e três. - Trinta e três... trinta e três... trinta e três... - Respire. ........................................................................................... - O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado. - Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax? - Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino. (Manuel Bandeira, Libertinagem)
A07 Processo de formação de palavras II
“Pneumotórax”, palavra que dá título ao famoso poema de Manuel Bandeira, é vocábulo constituído de dois radicais gregos (pneum[o]- + -tórax]. Significa o procedimento médico que consiste na introdução de ar na cavidade pleural, como forma de tratamento de moléstias pulmonares, particularmente a tuberculose. Tal enfermidade é referida no diálogo entre médico e paciente, quando o primeiro explica a seu cliente que ele tem “uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado”. Esta última palavra é formada com base em um radical: “filtro”. Quanto à formação vocabular, o título do poema e o vocábulo “infiltrado” são constituídos, respectivamente, por a) composição, e derivação prefixal e sufixal. b) derivação prefixal e sufixal, e composição. c) composição por hibridismo, e composição prefixal e sufixal. d) simples flexão, e derivação prefixal e sufixal. e) simples derivação, e composição sufixal e prefixal. 07. (UEG GO) O jargão e a linguagem técnica são realidades inescapáveis em todas as profissões. Os problemas começam quando o vocabulário preciso dá lugar à vã gabolice ou quando um mau profissional abusa detecnicismos apenas para tentar demonstrar seu poder ao não-iniciado. Dificuldades tendem a ser mais comuns nas áreas em que ocorre a interação de técnicos e leigos, como a medicina e o direito, nas quais profissionais de saúde e advogados convivem com pacientes e clientes. Aqui, o critério fundamental precisa ser a boa comunicação entre todos os envolvidos. Nesse sentido, é mais do que oportuna a campanha encampada pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) para tentar conter os abusos do “juridiquês”. O jargão, vale frisá-lo, não é um mal. Em determinadas áreas científicas, os próprios objetos de estudo não passam de jargão. É o caso da linguística, com seus morfemas, sintagmas e lexemas, e da física de partículas, com seus quarks, glúons e léptons. Nessas esferas, sem o jargão, os fenômenos estudados nem sequer poderiam ser enunciados. O desafio é equilibrar a precisão técnica e a boa comunicação com o público – mas nem todos parecem ter interesse em fazê-lo. É antiga a tendência de iniciados em certas disciplinas
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unirem-se para manter sua arte impenetrável para o público em geral e, assim, valorizar seu poder. Sabe-se que escribas do antigo Egito aumentavam o grau de complexidade da escrita hieroglífica como forma de conservar sua posição hierárquica. Os tempos e as ciências mudaram, mas o princípio, lamentavelmente, permanece em vigor. Jargão e poder. Editoriais. Folha de S. Paulo. São Paulo, 25 jan. 2005. p. 2 [Adaptado].
O termo “juridiquês” é a) um neologismo referente ao uso abusivo de termos jurídicos. b) uma gíria referente à linguagem própria da área jurídica. c) um jargão de uso específico da linguagem do direito. d) um termo técnico do direito utilizado entre os advogados. 08. (UFR RJ) TEXTO V Canção da Moça-Fastasma de Belo Horizonte Eu sou a Moça-Fastasma que espera na Rua do Chumbo o carro da madrugada. Eu sou branca e longa e fria, a minha carne é um suspiro na madrugada da serra. Eu sou a Moça-Fastasma O meu nome era Maria, Maria-Que-Morreu-Antes. (...) Morri sem ter tido tempo de ser vossa, como as outras. Não me conformo com isso, e quando as polícias dormem em mim e fora de mim, meu espectro itinerante desce a serra do Curral, vai olhando as casas novas, ronda as hortas amorosas (Rua Cláudio Manuel da Costa), pára no Abrigo Ceará, não há abrigo. Um perfume que não conheço me invade: é o cheiro do vosso sono quente, doce, enrodilhado nos braços das espanholas... Oh, deixai-me dormir convosco. E vai, como não encontro nenhum dos meus namorados, que as francesas conquistaram, e que beberam todo o uísque existente no Brasil (agora dormem embriagados), espreito os carros que passam com choferes que não suspeitam
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da minha brancura e fogem. Os tímidos guardas-civis, coitados! um quis me prender. Abri-lhe os braços... Incrédulo, me apalpou. Não tinha carne e por cima do vestido e por baixo do vestido era a mesma ausência branca, um só desespero branco... Podeis ver: o que era corpo Foi comido pelo gato. (...)
desapareceu quando o PCC colocou São Paulo de joelhos. Agora, como Congonhas não é obra sua, Serra aparece em Congonhas. E Lula, como Congonhas é obra sua, some de Congonhas, some de Porto Alegre e cancela visitas a toda região Sul do país, exatamente para onde deveria viajar se vencesse a covardia da politicagem, se deixasse de fazer politicócoras. Com politicalhões assim, corremos o risco de ficar numa situação algo parecida com a condição a que o nazismo relegou suas vítimas, conforme a formulação de Hannah Arendt: não eram considerados seres humanos, apenas futuros cadáveres. Basta de politicoveiros. Precisamos de políticos. In: Revista Veja. Edição 2019, 1º de agosto de 2007, p. 86.
O nome da Moça-Fantasma é criado por meio de um processo de formação de palavras. a) Composição por justaposição. b) A Moça-Fantasma morreu precocemente, a) Que processo é esse? ou morreu antes de amar o seu interlocutor. b) Que informação sobre a circunstância temporal da morte da Moça-Fantasma o seu nome revela? 09. (Ufop MG) Dentro do politicovil André Petry
Tudo já indicava que estamos cada vez mais distantes da política e mais próximos da politicalha, mas a tragédia de Congonhas jogou uma luz intensa sobre essa deformação nacional. A politiquice pós-tragédia dividiu Brasília em dois bandos. Os politiqueiros do governo torcem para que a principal explicação do desastre seja um defeito no avião ou erro do piloto, aliviando a barra governista. Os politiquetes da oposição fazem figa para que a pista de Congonhas seja a grande culpada, o que compromete o governo. Como as investigações iniciais sugerem que o problema principal ocorreu na cabine do avião, e não na pista do aeroporto, politiquinhos governistas talvez se sintam autorizados a voltar a brincar de top, top, top. Essa versão amesquinhada da política não é exclusividade brasileira, mas nas democracias mais maduras os politicastros ao menos se empenham em esconder seus impulsos. Aqui, as coisas estão mais debochadas. É impressionante a incapacidade dos nossos politicantes de fazer a política grande, nobre, a política que, apesar de todas as divergências, leva em conta que, afinal, vivemos todos juntos. Mas nossos politicóides são indiferentes a esse projeto de bem comum. Vulgarizam-se tanto que se apartaram do sentimento brasileiro médio, que se espantou de verdade, se chocou de verdade com o avião explodindo, se solidarizou de verdade com o drama das famílias. O senhor Marco Aurélio “Top, Top, Top” Garcia é exemplo dessa alienação. Filmado, como ele diz, de “forma clandestina”, Garcia mostrou preocupar-se menos com a comoção nacional e mais com o impacto eleitoral da tragédia. Coisa de politiquilho. Com o mesmo alheamento, o presidente Lula sumiu por três dias depois do maior acidente aéreo do país, tal como fazem os oposicionistas na hora em que são postos à prova. José Serra
Assinale a alternativa que apresenta palavras compostas por aglutinação. a) politicovil / politicastros / politicócoras / politicoveiros b) politicoveiros / politiquilho / politiqueiros / politicalha c) politicóides / politiquice / politicagem / politiquetes d) politicastros / politicoveiros / politiquinhos / politiquilho 10. (UFCG PB) TEXTO III (....) 1 “Os ruralistas defendem a proposta - o projeto de lei (PL) que muda substancialmente a porcentagem de autorização para derrubada de vegetação nativa em propriedades privadas na Amazônia - , alegando que a lei, Se aprovada, vai 5incentivar a adesão dos fazendeiros à legislação ambiental e, dessa forma, garantir a sobrevivência de metade da biodiversidade amazônica. A verdade, porém, é que, num ecossistema frágil como o amazônico, ninguém sabe quanto de biodiversidade resistiria se 50% dela fosse 10 destruída. conforme a floresta encolhe, diminuem o volume de chuvas e a capacidade de a vegetação reter água. Com isso, a mata fica cada vez mais seca e vulnerável à ação do calor e do fogo.” ARAIA, Eduardo, Projeto de lei pode significar, no prazo de algumas décadas,o fim da Floresta Amazônica. 28/05/2008. www.terra.com.br/isto é/sumarios. Acesso em 04/08/08.
Julgue certas (C) ou erradas (E) as assertivas abaixo em relação às palavras “biodiversidade” (l.9) e “ecossistema”(l.8) utilizadas no texto III: I. Apresentam, em sua constituição, radicais gregos que significam respectivamente “vida” e “casa”. II. São palavras formadas pelo processo de composição por justaposição. III. Apresentam radicais latinos e gregos que significam respectivamente vida e ambiente. IV. São palavras formadas pelo processo de prefixação e sufixação com a presença de radicais eruditos. A sequência correta é: a) CCEE. b) CECE. c) ECEC. d) CECC. e) EECE. 579
A07 Processo de formação de palavras II
ANDRADE, Carlos Drummomd de. Antologia Poética. 16 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1983, p. 38-39
FRENTE
A
PORTUGUÊS
MÓDULO A08
ASSUNTOS ABORDADOS nn Introdução ao estudo da mor-
fossintaxe
nn Frase, oração e período nn Classes gramaticais nn Funções sintáticas
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA MORFOSSINTAXE Ao longo dos capítulos anteriores, estudamos a estrutura das palavras de nossa língua, seja para escrevê-las corretamente, seja para entender os processos de sua formação. Nesse sentido, estudamos áreas ligadas à Fonologia e à Morfologia. Agora, o foco de nosso curso será reportado à outra direção, a qual seguiremos até o final do material, o estudo da Morfossintaxe. A palavra morfossintaxe é formada por dois radicais diferentes e aglutinados: morfologia e sintaxe. A primeira diz respeito à classe gramatical a que a palavra pertence, a partir de sua forma; a segunda, diferentemente, refere-se à função desempenhada por um termo dentro de um enunciado. Para isso, neste módulo, faremos uma apresentação geral de todas as dez classes gramaticais da língua portuguesa, como também as funções que tais elementos exercem em uma frase. Veja, então, o enunciado abaixo: Beatriz comprou uma televisão retrô. Identifiquemos, nesse enunciado, as classes e as funções de cada termo: Classe: nn Nomear
seres: Beatriz; televisão. uma ação: comprou. nn Qualificar um ser: retrô. Fonte: Sunny studio / Shutterstock.com
nn Indicar
Figura 01 - Beatriz comprou uma televisão retrô.
580
Função: nn Quem nn Quem
realiza a ação: Beatriz. recebe a ação: televisão.
Observe que, apesar de estarem na mesma classe, “Beatriz” e “televisão” desempenham funções diferentes, as quais são coordenadas pelo verbo de cada sentença. Nesse sentido, para identificação das classes gramaticais, daremos o nome de análise morfológica; para a função dos termos em um enunciado, daremos o nome de análise sintática.
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Frase, oração e período É bastante importante para o estudo da morfossintaxe que se entenda as diferenças entre estes três conceitos: frase, oração e período. Frase: enunciado de sentido completo, o qual pode ser expresso verbalmente ou não, isto é, pode ser expresso por palavras ou por sinais. nn A
frase pode ser constituída por uma palavra: “Fogo!”; “Atenção!”. também, por várias palavras, com ou sem verbo: “Chamem os bombeiros!”; “Que confusão!”.
nn Como
Oração: reunião de termos que estão dispostos acerca de um constituinte verbal, para cada verbo ou locução verbal (claro ou oculto), há uma oração. nn Oração 1: As meninas estavam caminhando pelo parque, / Oração 2: enquanto
o sol se punha. nn Oração 1: Os livros estão nas prateleiras, / Oração 2: os discos, (estão) no armário. Período: é a frase organizada em uma ou mais orações, começa pela letra maiúscula e vai até o ponto-final. nn Com
uma oração, tem-se um período simples: “O sol se põe às 18 horas.” nn Com mais de uma oração, tem-se um período composto: “O sol se põe às 18 horas e as estrelas começam a brilhar.”
SAIBA MAIS LOCUÇÕES Locução é a reunião de duas ou mais palavras com o intuito de expressar uma informação. Existem diferentes tipos de locuções: verbais, adverbiais, adjetivas, prepositivas, conjuntivas. Veja que, nos exemplos acima, há a locução verbal “estavam caminhando”, mesmo que haja dois verbos, conta-se apenas uma oração. Isso ocorreu porque esses dois verbos estão atuando como um só, formando uma locução. Veja abaixo outros exemplos: nn Amarildo vendeu seus três livros de Física. (locução adjetiva) nn À medida que subia, ficava sem fôlego. (locução conjuntiva) nn Lá em cima falavam acerca do novo projeto, agora não mais. (locução prepositiva) nn Estou esperando há horas o telefonema dela. (locução verbal) nn De noite, na cama, eu fico pensando se você me ama. (locução adverbial)
Classes gramaticais A08 Introdução ao estudo da morfossintaxe
Substantivo Classe que nomeia seres, objetos e sensações. Os substantivos são classificados em: comuns ou próprios; simples ou compostos; concretos ou abstratos; primitivos ou derivados e coletivos. nn cidade;
Goiânia; andorinha; beija-flor; água; amor; livro; livraria; colmeia.
Adjetivo Classe que se junta ao substantivo para atribuir a ele uma característica; tem caráter descritivo. Pode aferir uma qualidade (ou defeito), o modo de ser, o aspecto ou aparência e o estado. nn lúcida;
perverso; simples; delicado; azul; fosco; arruinada; florida. 581
Português
SAIBA MAIS A RELAÇÃO ENTRE SUBSTANTIVO E ADJETIVO É muito tênue a linha que separa o substantivo (termo determinado) e o adjetivo (termo determinante), observe: Um jovem negro passeava no shopping. Um negro jovem passeava no shopping. Na primeira oração, “jovem” é a palavra-núcleo, portanto o substantivo, que, por sua vez, é caracterizado por “negro”, que é o adjetivo. Já na segunda, ao contrário, “jovem” é o adjetivo, termo que descreve a palavra-núcleo: “negro”. Veja que essa divisão segue um critério baseado na função do termo na frase, por isso optamos por, neste material, estudar a morfossintaxe, sem separar a forma da função, uma vez que elas se complementam.
Pronome Os pronomes desempenham na oração as funções equivalentes às exercidas pelos elementos nominais. Desse modo, existem pronomes substantivos (quando equivalem a um substantivo) e pronomes adjetivos (quando equivalem a um adjetivo). Observe: nn Lembranças
a todos os teus. nn Teus pais são pessoas adoráveis. A palavra “teus” é pronome substantivo na primeira oração, por ser a palavra-núcleo, e pronome adjetivo na segunda, por acompanhar “pais”, o núcleo. Artigo
Verbo Trata-se de uma palavra de forma variável que exprime o que se passa, isto é, um acontecimento representado no tempo: nn estudar;
comer; partir; fazer; pôr.
Os verbos apresentam: Modo: nn Indicativo:
Eu estudo de manhã. nn Subjuntivo: Talvez eu estude de manhã. nn Imperativo: Estude agora! Tempo: nn Pretérito:
Cheguei cedo à escola. Acordo sempre às 6 horas. nn Futuro: Minhas aulas começarão amanhã. nn Presente:
Pessoa: Eu gosto de sorvete. nn Segunda: Tu foste à sorveteria ontem? nn Terceira: Ele não pagou a conta. A08 Introdução ao estudo da morfossintaxe
nn Primeira:
Número: nn Singular:
Joaquim comprou tênis novos. nn Plural: Joaquim e seu irmão viajarão nas férias. Advérbio Termo da oração que modifica o valor de um verbo, de um adjetivo, de outro advérbio ou de toda a oração: nn Você
me entendeu mal. (a um verbo) nn Fiquei completamente imóvel. (a um adjetivo) nn Nessa cidade, dirigem muito devagar. (a outro advérbio) nn Infelizmente, não haverá aula hoje. (a toda a oração)
582
São artigos as palavras “o(a)(s)” e “um(a)(s)”, que se antepõem aos substantivos. Podem ser definidos ou indefinidos: nn Vi
o filme que você me recomendou. nn Vi um filme belíssimo no cinema. Preposição São dezessete palavras invariáveis que relacionam dois termos em uma oração, de tal modo que o sentido do primeiro (antecedente) é explicado ou completado pelo segundo (consequente). nn a; ante; após; até; com; contra; de; desde; em; entre;
para; perante; por; sem; sob; sobre; trás.
Conjunção São palavras que relacionam duas orações ou dois termos semelhantes da mesma oração. nn A
chuva e a ventania provocaram meu atraso. nn A chuva começou e a ventania não parou mais. Numeral Trata-se de uma classe que indica quantidades exatas ou assinalam a posição de um termo. nn um;
dois; três; primeiro; segundo; terceiro; dobro; triplo; metade; terço; ambos.
Interjeição Exprime sensações variadas (pânico, terror, alegria, tristeza), são palavras que traduzem as emoções do sujeito: nn ui!;
uh!; oba!; ah!; puxa!.
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Funções sintáticas Sujeito e predicado São termos essenciais da oração. O sujeito é o ser sobre o qual se faz uma declaração; o predicado é tudo aquilo que se diz do sujeito. Assim, na oração: O sindicato dos professores optou pela paralisação das atividades acadêmicas. nn Sujeito:
“O sindicato dos professores” “optou pela paralisação das atividades acadêmicas”
nn Predicado:
Verbo e Complementos verbais Sintaticamente os verbos se classificam em: verbo intransitivo (VI), verbo transitivo direto (VTD), verbo transitivo indireto (VTI) e verbo de ligação (VL). VI: não exige objeto como complemento verbal. nn As
crianças choraram à tarde toda. livros do José de Alencar sumiram.
nn Meus
VTD: exige objeto direto como complemento verbal (observe que ele não é regido por preposição). nn Eu
comi três pedaços de bolo. tia comprou CDs do João Gilberto.
nn Minha
VTI: exige objeto indireto como complemento verbal (observe que ele é regido por preposição). nn Eu
gosto de bolo de cenoura. avó se preocupa com os netos.
nn Minha
VL: exige predicativo como complemento verbal (indica estado, qualidade, condição ou característica). nn O
dia está lindo hoje. parece triste.
nn Você
Sintagma nominal e sintagma verbal
A08 Introdução ao estudo da morfossintaxe
O sujeito, que tem como núcleo um nome, é designado sintagma nominal e o predicado, cujo núcleo é, geralmente, um verbo, denomina-se sintagma verbal. Na oração acima, observe que os termos sujeito e predicado podem ainda ser divididos em unidades menores. O sintagma nominal é subdividido em determinante, núcleo e modalizador e o sintagma verbal pode ser completado por outro sintagma nominal, como ocorre no exemplo: O sindicato dos professores optou pela paralisação das a vidades acadêmicas.
Sintagma nominal O deteminante
Sintagma verbal
sindicato
dos professores
núcleo
modalizador
optou
pela paralisação das a vidades acadêmicas Sintagma nominal
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Português
Exercícios de Fixação 01. Leia o primeiro verso do poema Vila Rica, de Olavo Bilac e agrupe as palavras às suas respectivas classes gramaticais: “O ouro fulvo do ocaso as velhas casas cobre”. Substantivos: ouro, casas, do ocaso; Adjetivos: fulvo, velhas; Artigos: o, as;
Preposição: do (de + o); Verbo: cobre.
02. Ainda sobre o primeiro verso do poema Vila Rica, “O ouro fulvo do ocaso as velhas casas cobre”, identifique o sujeito e o predicado. Sujeito: O ouro fulvo do ocaso Predicado: as velhas casas cobre
Exercícios Complementares 01. (IF PE) Leia o poema e observe os termos destacados. Assinale a alternativa INCORRETA com relação às classes gramaticais desses termos e suas respectivas funções. O fotógrafo Manoel de Barros
Difícil fotografar o silêncio. Entretanto tentei. Eu conto: Madrugada a minha aldeia estava morta. Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa. Eram quase quatro da manhã. Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado. Preparei minha máquina. O silêncio era um carregador? Estava carregando o bêbado. Fotografei esse carregador. Tive outras visões naquela madrugada. Preparei minha máquina de novo. Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado. Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra. Fotografei a existência dela. Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão. (...) A08 Introdução ao estudo da morfossintaxe
BARROS, M. de. Meu quintal é maior do que o mundo: antologia. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2015.
a) Tentei – Verbo, pois está indicando a ação de tentar. b) Pela – Preposição, pois estabelece uma relação entre duas palavras, no caso, “silêncio” e “rua”, indicando “lugar por onde”. c) Perfume – Adjetivo, pois expressa a qualidade do jasmim. d) Esse – Pronome, pois acompanha um substantivo anteriormente mencionado no texto – o carregador – e a ele se remete. e) Perdão – Substantivo, pois nomeia um ato.
584
02. (Escs DF) Crianças são mais altruístas e justas do que adultos Crianças parecem ser apenas fofinhas. Mas um estudo da Universidade de Wisconsin, nos EUA, mostrou que bebês podem se igualar e até superar os adultos quando o assunto é noção de altruísmo e justiça. Os pequenos de apenas 15 meses de idade, avaliados na pesquisa, exibiram fortes sinais de comportamento cooperativo. Até agora, pensava-se que as crianças não compreendiam o altruísmo – intenção de realizar ações em benefício de outros – até os dois anos de idade e que o senso de justiça só se desenvolvia depois dos 6 ou 7. Porém, o fato de elas não terem tido ainda uma vida inteira de experiências que deformam seu senso de certo e errado pode adiantar esse processo. Para o experimento, os pesquisadores recrutaram 47 bebês de 15 meses de idade, sentados nos colos de seus pais, para assistir individualmente a dois vídeos. O primeiro mostrava três personagens, sendo um deles dono de um prato de biscoitos. Em uma primeira situação, ele distribuía igualmente a comida entre os três, e em uma segunda, ele deixava alguém com uma porção maior. O segundo vídeo era igual, mas com leite no lugar dos biscoitos. Foi observado nas crianças um fator chamado “violação de expectativa”, que basicamente significa que elas prestam mais atenção a algo que as deixa surpresas. No experimento, a atenção dos bebês era consideravelmente maior na cena em que o leite e os biscoitos foram distribuídos de forma desigual, o que indica que eles esperavam mais justiça por parte dos personagens. Em um segundo experimento, dois brinquedos Lego diferentes foram apresentados aos bebês. O que eles escolheram para brincar foi considerado seu brinquedo preferido. Em seguida, um pesquisador entrou na sala e perguntou ao bebê se ele podia ceder um dos brinquedos ao adulto. Um terço das crianças deu o seu preferido, um outro terço cedeu o menos preferido e o último terço não deu nenhum dos dois.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
92% dos bebês que abdicaram de seu brinquedo preferido
Nada disso, por ora, acontece na internet. Prevalece a lei do
também prestaram mais atenção ao vídeo da distribuição
cão em nome da liberdade de expressão, que é mais expressão
desigual de comida. Em outras palavras, a grande maioria
de ressentidos e covardes do que de liberdade, da verdadeira
das crianças que desistem do que gostam – um ato básico
liberdade.
de altruísmo – também é aquela que fica surpresa com atos de injustiça. E o contrário também prova a teoria: 86% dos pequenos que se mostraram egoístas dando o brinquedo menos preferido prestaram mais atenção à distribuição justa de leite e biscoitos. (http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/ 0,,EMI271956-17770,00.html – 24/10/2011)
Tradicionalmente, o diminutivo é ensinado como uma indicação formal de diminuição de tamanho. Mas, dependendo do contexto em que o diminutivo é usado, ele pode assumir as mais diversas significações. O efeito semântico atingido com o emprego de “fofinhas” em “Crianças parecem ser apenas fofinhas.” é o de: a) admiração/surpresa; b) ironia/depreciação;
Disponível em http://www1.folha.uol.com.br
Leia o trecho a seguir. “Prevalece a lei do cão em nome da liberdade de expressão, que é mais expressão de ressentidos e covardes do que de liberdade, da verdadeira liberdade”. Assinale a alternativa que classifica corretamente, do ponto de vista morfológico, os termos destacados. a) Adjetivo, substantivo e adjetivo b) Substantivo, advérbio e verbo c) Verbo, verbo e adjetivo d) Substantivo, substantivo e verbo e) Verbo, substantivo e adjetivo 04. (IF SC)
c) antipatia/repulsa; d) reforço de sentido; e) afetividade/sentimentalismo. 03. (Uema MA) Ressentimento e covardia Tenho comentado aqui na Pensata, em diversas crônicas, os usos da internet, que se ressente ainda da falta de uma legislação específica que coíba não somente os usos mas os abusos deste importante e eficaz veículo de comunicação. A maioria dos abusos, se praticados em outros meios, seriam crimes já especificados em lei, como a da imprensa, que pune injúrias, difamações e calúnias, bem como a violação dos direitos autorais, os plágios e outros recursos de apropriação indébita. No fundo, é um problema técnico que os avanços da informática mais cedo ou mais tarde colocarão à disposição dos usuários e das autoridades. Como digo repetidas vezes, me valendo do óbvio, a comunicação virtual está em sua pré-história. Atualmente, apesar dos abusos e crimes cometidos na internet, no que diz respeito aos cronistas, articulistas e escritores em geral, os mais comuns são os textos atribuídos ou deformados que circulam por aí e que não podem ser desmentidos ou esclarecidos caso por caso. Um jornal ou revista é processado se publicar sem autorização do autor um texto qualquer, ainda que em citação longa e sem aspas. Em caso de injúria, calúnia ou difamação, também. E em caso de falsear a verdade propositadamente, é obrigado pela justiça a desmentir e dar espaço ao contraditório.
Disponível em: http://profmilenacaetano.blogspot.com.br/2012/12/tiras-damafalda-quino-para-discussao.html. Acesso em: 29 abr. 2013.
Com relação à classe gramatical das palavras no texto, é CORRETO afirmar: a) O adjetivo realmente, no quinto quadrinho, serve para intensificar o advérbio importantes. b) No terceiro quadrinho, a palavra ótima funciona como um substantivo, usado para caracterizar o comportamento da mãe da professora. c) A palavra parabéns, no terceiro quadrinho, funciona como um advérbio, o qual indica uma circunstância de modo. d) No quinto quadrinho, o verbo ensinar aparece conjugado no presente do indicativo, para indicar uma ação que ocorrerá num futuro imediato. e) Os verbos amar e mimar, no primeiro quadrinho, estão conjugados no presente do indicativo e revelam, no contexto, uma verdade geral a respeito do comportamento materno. 05. (FGV SP) As ideias de especialização e progresso, inseparáveis da ciência, são inválidas para as letras e as artes, o que não quer dizer, evidentemente, que a literatura, a pintura e a música não mudem nem evoluam. Mas, diferentemente do que se diz sobre a química e a alquimia, nelas não se pode dizer que 585
A08 Introdução ao estudo da morfossintaxe
Carlos Heitor Cony,
Português
aquela abole e supera esta. A obra literária e artística que atinge certo grau de excelência não morre com o passar do tempo: continua vivendo e enriquecendo as novas gerações e evoluindo com estas. Por isso, as letras e as artes constituíram até agora o denominador comum da cultura, o espaço no qual era possível a comunicação entre seres humanos, apesar das diferenças de línguas, tradições, crenças e épocas, pois quem hoje se emociona com Shakespeare, ri com Molière e se deslumbra com Rembrandt e Mozart está dialogando com quem no passado os leu, ouviu e admirou. Esse espaço comum, que nunca se especializou, que sempre esteve ao alcance de todos, passou por períodos de extrema complexidade, abstração e hermetismo, o que restringia a compreensão de certas obras a uma elite. Mas essas obras experimentais ou de vanguarda, se de fato expressassem zonas inéditas da realidade humana e criassem formas de beleza duradoura, sempre acabavam por educar leitores, espectadores e ouvintes, integrando-se desse modo no patrimônio comum. A cultura pode e deve ser, também, experimentação, é claro, desde que as novas técnicas e formas introduzidas pela obra ampliem o horizonte da experiência da vida, revelando seus segredos mais ocultos ou expondo-nos a valores estéticos inéditos que revolucionem nossa sensibilidade e nos deem uma visão mais sutil e nova desse abismo sem fundo que é a condição humana. A cultura pode ser experimentação e reflexão, pensamento e sonho, paixão e poesia e uma revisão crítica constante e profunda de todas as certezas, convicções, teorias e crenças. Mas não pode afastar-se da vida real, da vida verdadeira, da vida vivida, que nunca é a dos lugares-comuns, do artifício, do sofisma e da brincadeira, sem risco de se desintegrar. Posso parecer pessimista, mas minha impressão é que, com uma irresponsabilidade tão grande como nossa irreprimível vocação para a brincadeira e a diversão, fizemos da cultura um daqueles castelos de areia, vistosos mas frágeis, que se desmancham com a primeira ventania.
A08 Introdução ao estudo da morfossintaxe
Mario V. Llosa, A civilização do espetáculo: uma radiografia do nosso tempo e da nossa cultura. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.
Responda ao que se pede. a) Identifique o referente de cada um dos seguintes pronomes usados no 1º. parágrafo: “nelas”, “aquela”,“esta”. b) Segundo as gramáticas tradicionais, por não ser um verbo
Protestos a Arminda Conheço muitas pastoras Que beleza e graça têm, Mas é uma só que eu amo Só Arminda e mais ninguém. Revolvam meu coração Procurem meu peito bem, Verão estar dentro dele Só Arminda e mais ninguém. De tantas, quantas belezas Os meus ternos olhos veem, Nenhuma outra me agrada Só Arminda e mais ninguém. Estes suspiros que eu solto Vão buscar meu doce bem, É causa dos meus suspiros Só Arminda e mais ninguém. Os segredos de meu peito Guardá-los nele convém, Guardá-los aonde os veja Só Arminda e mais ninguém. Não cuidem que a mim me importa Parecer às outras bem, Basta que de mim se agrade Só Arminda e mais ninguém. Não me alegra, ou me desgosta Doutra o mimo, ou o desdém, Satisfaz-me e me contenta Só Arminda e mais ninguém. Cantem os outros pastores Outras pastoras também, Que eu canto e cantarei sempre Só Arminda e mais ninguém. (Viola de Lereno, 1980.)
de conjugação completa, “abolir” é considerado defectivo. Por isso não se recomenda o uso da forma “abole” (1º. pa-
Levando em consideração o contexto da estrofe, assinale a al-
rágrafo). Em vista disso, reescreva o trecho “aquela abole e
ternativa em que a forma verbal surge no modo imperativo.
supera esta”, substituindo os dois verbos por sinônimos ade-
a) “Vão buscar meu doce bem,” (4ª estrofe).
quados ao contexto.
b) “Parecer às outras bem,” (6ª estrofe).
06. (Unesp SP) Considere a modinha de Domingos Caldas Barbosa (1740-1800). 586
c) “Conheço muitas pastoras” (1ª estrofe). d) “Guardá-los aonde os veja” (5ª estrofe). e) “Procurem meu peito bem,” (2ª estrofe).
Questão 05. a) “nelas” se refere a “literatura, pintura e música”; “aquela” se refere a “química” e “esta” se refere a “alquimia”. b) Aquela elimina (exclui, extingue etc.) e ultrapassa (vai além, sobrepuja etc.) esta.
FRENTE
A
PORTUGUÊS
Exercícios de Aprofundamento 01. Todas as palavras estão com a grafia correta, exceto: a) dejeto. b) ogeriza. c) vadear. d) iminente. e) vadiar.
mesmo relógio não permite igual economia do tempo.
17
A ideia de aldeia global, tanto quanto a de espaçotempo
contraído, permitiria imaginar a realização do sonho de
18
um
19
mundo só, já que, pelas mãos do mercado global, coisas,
20
re-
lações, dinheiros, gostos largamente se difundem por sobre 21 continentes, raças, línguas, religiões, como se as
02. A alternativa que apresenta palavra grafada incorretamente é:
22
particula-
ridades tecidas ao longo de séculos houvessem sido
todas
23
esgarçadas. Tudo seria conduzido e, ao mesmo tempo,
24
ho-
mogeneizado pelo mercado global regulador. Será, todavia,
a) fixação - rendição - paralisação. b) exceção - discussão - concessão. c) seção - admissão - distensão. d) presunção - compreensão - submissão. e) cessão - cassação - excurção.
25
esse mercado regulador? Será ele global? 26
Fala-se, também, de uma humanidade
27
desterritorializada,
entre cujas características estaria o desfalecimento das frontei28
ras como imperativo da globalização, 29 e a essa ideia dever-se-ia
03. (Unifor CE) Em relação aos vocábulos filósofo e teólogo é correto afirmar que: a) são exemplos de hibridismo, em que se unem radicais, um de origem grega e outro de origem latina, respectivamente. b) o primeiro é formado por radicais de origem latina e o segundo, por radicais de origem grega. c) são, ambos, exemplos de composição por aglutinação, em que os dois elementos de origem diversa se fundem, para formar uma nova palavra. d) ambos são formados pela junção de dois radicais de origem grega. e) ambos são formados pela junção de dois radicais de origem latina. 04. (Escs DF) 1 A tão repetida ideia de aldeia global é uma fabulação. 2 O fato de que a comunicação se tornou possível à escala do 3 planeta, deixando saber instantaneamente o que se passa em 4 qualquer lugar, permitiu que fosse cunhada essa expressão, 5 quando, na verdade, ao contrário do que se dá nas verdadeiras 6 aldeias, é frequentemente mais fácil comunicar com quem está 7 longe do que com o vizinho. A informação sobre o que 8 acontece não vem da interação entre pessoas, mas do que é 9 veiculado pela mídia, uma interpretação interessada, senão 10 interesseira, dos fatos. 11 Um outro mito é o do espaço e do tempo contraídos, 12 graças, outra vez, aos prodígios da velocidade. Só que a 13 velocidade está ao alcance apenas de um número limitado de 14 pessoas, de tal forma que, segundo as possibilidades de cada 15 um, as distâncias têm significações e efeitos diversos e o uso do Questão 05. a) Goiânia é a cidade de que eu mais gosto. b) As ruas de pedra da velha Vila Boa, pelas quais me apaixonei, estão cada vez mais belas.
16
uma outra: a da existência, já agora, 30 de uma cidadania universal. De fato, as fronteiras mudaram de 31 significação, mas nunca estiveram tão vivas, na medida em que 32 o próprio exercício das atividades globalizadas não prescinde 33 de uma ação governamental capaz de torná-las efetivas dentro 34 do território. A humanidade desterritorializada é apenas um 35 mito. O exercício da cidadania, mesmo se avança a noção de 36 moralidade internacional, é, ainda, um fato que depende da 37 presença e da ação dos Estados nacionais. Sem essas fábulas e 38 mitos, este período histórico não existiria como é: também não 39 seria possível a violência do dinheiro. Este só se torna violento 40 e tirânico porque é servido pela violência da informação. Milton Santos. Por uma outra globalização - do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2006 (com adaptações).
A palavra “desterritorializada” (Ref.27) é formada a) por parassíntese. b) por processo de derivação sufixal e prefixal. c) por processo de derivação imprópria. d) a partir da palavra primitiva territorial. 05. Nas frases abaixo a palavra “onde” foi usada inadequadamente. Substitua por termos apropriados. a) Goiânia é a cidade de onde eu mais gosto. b) As ruas de pedra da velha Vila Boa, por onde me apaixonei, estão cada vez mais belas. c) “Tantas você fez que ela cansou Porque você, rapaz Abusou da regra três Onde menos vale mais”
c) “Tantas você fez que ela cansou Porque você, rapaz Abusou da regra três Em que menos vale mais” Vinícius de Moraes
Vinícius de Moraes d) “Eu quero a sina de um artista de cinema Eu quero a cena onde eu possa brilhar Um brilho intenso, um desejo, eu quero um beijo Um beijo imenso, no qual eu possa me afogar” Caetano Veloso e José Almino
587
Português
d) “Eu quero a sina de um artista de cinema Eu quero a cena onde eu possa brilhar Um brilho intenso, um desejo, eu quero um beijo Um beijo imenso, onde eu possa me afogar” Caetano Veloso e José Almino
06. (Famema SP) Leia o excerto do poema “Nosso tempo”, de Carlos Drummond de Andrade, publicado originalmente em 1945
Um quarto espelho chegou a pronunciar nitidamente esta frase: “Vou pensar.” Ficou pensando a semana inteira, sem chegar à conclusão. Lavínia apelou para um quinto espelho, e este, antes que a vaidosa senhora fizesse a interrogação, aflita, perguntou-lhe: – Mulher, haverá no Brasil espelho mais belo do que eu?” ANDRADE, C. D. Contos Plausíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
a) Substituído.
no livro A rosa do povo.
b) Pronunciar.
Este é tempo de partido,
c) Inteira.
tempo de homens partidos.
d) Ininteligíveis. e) Interrogação.
Em vão percorremos volumes, viajamos e nos colorimos.
08. (IF SC)
A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua. Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
Texto 1
As leis não bastam. Os lírios não nascem
Livro Eu me livro daquele garoto chato Com um livro enfiado no meu nariz Fingindo achar a história feliz.
da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra. [...]
Fonte: MARIA, Selma. Isso isso. São Paulo: Peirópolis, 2010. s/p.
O poeta declina de toda responsabilidade
Texto 2
na marcha do mundo capitalista e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas promete ajudar a destruí-lo como uma pedreira, uma floresta, um verme. (Reunião, 1969.)
Na palavra “pressentida”, há um prefixo. Um prefixo com sentido semelhante existe na palavra a) “antepasto”. b) “pressão”. c) “perfeito”. d) “antiácido”.
FRENTE A Exercícios de Aprofundamento
e) “refazer”. 07. (IF PE) Leia o texto e indique qual das palavras em destaque possui prefixo com sentido de negação. O perguntar e o responder Carlos Drummond de Andrade
O espelho recusou-se a responder a Lavínia que ela é a mais bela mulher do Brasil. Aliás, não respondeu nada. Era um espelho muito silencioso. Lavínia retirou-o da parede e colocou outro, que emitia sons ininteligíveis, e foi também substituído. O terceiro espelho já fazia uso moderado da palavra, porém não dizia coisa com coisa.
588
Disponível em: http://cantinhodebrincar-neidinha.blogspot.com. br/2011/06/tirinhas-de-hq-diversas.html. Acesso: 10 ago. 2014.
Considerando a posição da sílaba tônica e as regras de acentuação das palavras, assinale a alternativa CORRETA: a) As palavras “garoto”, “história”, “feliz” e “nariz”, do Texto 1, são palavras proparoxítonas, e “livro”, “dicionário”, “terminar” e “nunca”, do Texto 2, são palavras oxítonas. b) As palavras “história”, do Texto 1, e “dicionário”, do Texto 2, não deveriam estar acentuadas porque os acentos agudos não fazem mais parte do português brasileiro.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
c) A palavra “história”, do Texto 1, é uma palavra paroxítona e está corretamente acentuada; e “você”, do Texto 2, é uma palavra oxítona e deve ser acentuada da mesma forma que “café”, “dendê”. d) As palavras “história”, do Texto 1, e “dicionário”, do Texto 2, foram acentuadas corretamente, mas possuem regras de acentuação diferentes porque a primeira é considerada paroxítona e, a segunda, proparoxítona. e) As palavras “nariz” e “feliz”, do Texto 1, deveriam estar acentuadas assim como as palavras “terminar”, “ler”, “grosso” e “nunca”, do Texto 2, que deveriam receber acento circunflexo. 09. (UFRR) Considere o seguinte fragmento da obra “Gente de Estimação” de Pedro Bandeira para responder à questão a seguir: “Tostão não disse nada. Ninguém disse nada. Nem Sulamita Normanha disse coisa nenhuma. O menino desceu do elefante e abraçou-se longamente com o amigo. A seu lado, um nariz vermelho e redondo saltitava nervoso, sem que ninguém percebesse.” (p. 87) É correto afirmar que no parágrafo há, respectivamente:
d) e)
texto é típica da linguagem oral, como evidenciam a lacuna sintática no primeiro período — verbo transitivo sem complemento — e o emprego do conectivo adversativo “Mas”, que introduz o segundo período, sem, no entanto, estabelecer oposição com os elementos explícitos do primeiro período. 11. (UnB DF) 1 Foi a teoria, e não a prática, dos gregos que afetou a 2 música da Europa Ocidental na Idade Média. Temos muito 3 mais informação acerca das teorias musicais gregas do que da 4 música propriamente dita. Essas teorias eram de dois tipos: 5 doutrinas sobre a natureza da música, o seu lugar no cosmos, 6 os seus efeitos e a forma conveniente de usá-la na sociedade 7 humana; e descrições sistemáticas dos modelos e materiais da 8 composição musical.
nadas assindéticas aditivas, uma oração principal e uma oração subordinada substantiva completiva nominal; três períodos simples, um período composto por coordenação e um período composto por subordinação; quatro orações coordenadas assindéticas, uma oração coordenada sindética aditiva e uma oração subordinada adverbial modal; quatro períodos simples e dois períodos compostos por subordinação; três orações coordenadas sindéticas e uma oração coordenada explicativa, uma oração principal, uma oração subordi-
Nos ensinamentos de Pitágoras, a música e a 10 aritmética não
eram disciplinas separadas: os números eram 11 considerados a chave de todo o universo espiritual e físico, e, 12 assim, o sistema de sons e ritmos musicais, regido pelos 13 números, exemplificava a harmonia do cosmo. 14
Para pensadores como Claudio Ptolomeu, o mais 15 sistemá-
tico dos teóricos antigos da música, a astronomia e o 16 estudo dos corpos celestes estavam diretamente relacionados 17 ao estudo dos intervalos musicais. Donald J. Grout e Claude V. Palisca. História da música ocidental. Lisboa: Gradiva, 1994 (com adaptações).
Tendo como referência o texto acima e as ideias por ele suscitadas, julgue os itens a seguir.
nada adverbial causal.
C-C-E-E-E
( ) O “sistema de sons” (Ref.12) desenvolvido pelos gregos
10. (UnB DF) 1 Muitos chegaram a duvidar. Mas a geração de
2
em experiências com partições de corda e a consequente
eletricidade a partir da força dos oceanos desponta como
3
descoberta das frequências associadas a comprimentos
horizonte tecnológico cada vez mais tangível. Em uma 4 civili-
variados de corda resultaram na invenção da lira.
zação viciada em petróleo — e talvez na iminência de 5 uma
( ) Os “intervalos musicais” (Ref.17) expressam a distância en-
crise energética —, analistas garantem que é imperativo 6 di-
tre as notas de uma escala ou, em termos físicos, a diferen-
versificar as matrizes. E são os mares, atualmente, que atraem
ça entre as frequências dessas notas.
7
olhares atentos da comunidade científica, pois eles são fonte
( ) Como sons de timbres iguais e frequências diferentes são
8
praticamente inesgotável de energia elétrica limpa e de baixo
ondas sonoras de formatos distintos, é possível identificar
9
impacto ambiental. Mas como diversificar?
se uma mesma nota foi emitida por lira ou flauta.
H. Kugler. Forças ao mar: tecnologias de captação de energia nos oceanos prometem redesenhar o cenário mundial de geração de eletricidade. In: Ciência Hoje, jul./2014 (com adaptações).
Tendo como referência o texto acima, julgue os itens a seguir.
E-C-C
( ) No trecho “analistas garantem que é imperativo diversificar as matrizes” (Refs. 5 e 6), a última oração poderia ser substituída, sem prejuízo para a correção gramatical, pela expressão nominal a diversificação das matrizes energéticas.
( ) Mantendo-se a correção gramatical e o sentido do texto, o primeiro período poderia ser reescrito da seguinte forma: Na Idade Média, a prática musical da Europa influenciou-se pela música grega. ( ) Os “modelos e materiais” mencionados na referência 7 devem ser entendidos como similares aos que são usados na composição musical contemporânea.
589
FRENTE A Exercícios de Aprofundamento
c)
tífica”(Refs.6 e 7) está expresso em linguagem figurada. ( ) A construção sintática dos dois primeiros períodos do
9
a) três orações coordenadas sindéticas, duas orações coorde-
b)
( ) O segmento “atraem olhares atentos da comunidade cien-
FRENTE
B
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PORTUGUÊS Por falar nisso A cultura europeia, desde o renascimento da cultura clássica greco-romana, inaugurou um conflito entre o teocentrismo (Deus no centro da sociedade e do conhecimento cultural) e o antropocentrismo (valorização do homem enquanto promotor dos avanços sociais e científicos). O início desse conflito dáse concomitantemente ao fim do Feudalismo e à formação das cidades por uma nova classe econômica, a burguesia. Surge, assim, o Classicismo, no contexto das Grandes Navegações, da descoberta do Novo Mundo (a América) e da circum-navegação da África, que culminou na chegada de Vasco da Gama às Índias. Tudo isso apontava para o desenvolvimento da ciência, que se contrapunha ao conhecimento religioso. Este era visto como um saber ultrapassado pela nova classe intelectual. Nesse contexto, emergiu um novo movimento literário que buscava reconfigurar o valor da Igreja como centro do poder político-cultural da Europa. O Barroco, como veremos nas próximas aulas, é caracterizado por dúvidas e antíteses, isto é, pelo conflito em que cidadão europeu estava imerso: uma disputa entre o conhecimento racional e os dogmas cristãos. Nas próximas aulas, estudaremos os seguintes temas
B05 B06 B07 B08
Classicismo..................................................................................... 592 Quinhentismo brasileiro................................................................ 600 Barroco: Pe. Antônio Vieira . ......................................................... 607 Barroco: Gregório de Matos.......................................................... 615
FRENTE
B
PORTUGUÊS
MÓDULO B05
ASSUNTOS ABORDADOS nn Classicismo nn A obra de Camões nn A épica camoniana nn A lírica camoniana
CLASSICISMO As civilizações clássicas da Antiguidade constituíram fontes inesgotáveis de inspiração para a literatura e as artes renascentistas, no século XVI. Dessas inspirações, destaca-se principalmente a figura do deus Baco, deus do vinho. O homem renascentista já não vive tão envolvido com as questões religiosas quanto vivia o homem medieval. A sua religiosidade é mais humana, mais sensível à beleza das criaturas de Deus. Ao colocar o homem no centro do universo, o Renascimento muda também o conceito que se tinha da natureza. A natureza, agora, é vista como um reino do homem que deve ser pesquisado e entendido. Novas experiências científicas, o conhecimento e desenvolvimento da matemática, como também o espírito observador e analítico caracterizaram esse período tão importante da literatura portuguesa.
Fonte: Wikimedia Commons
Francisco Sá de Miranda é um dos intelectuais lusitanos que fizeram parte no processo renascentista. Doutor pela Universidade de Coimbra – neste período, ainda sediada em Lisboa –, Miranda participou ativamente dos serões culturais do Paço. Em 1521, Sá de Miranda viajou para a Itália, onde morou durante cinco anos e entrou em contato com as novidades artísticas do Renascimento italiano. Em 1527, já de volta a Portugal, lançou o verso de medida nova, ou seja, o verso decassílabo, que lhe trouxe novas possibilidades rítmicas. A literatura dessa época caracteriza-se pela retomada da mitologia pagã e pela perfeição estética, marcada pela pureza de formas. Os temas poéticos são vários, abrangendo a reflexão moral, a filosofia e a política, mas principalmente a mulher e o lirismo amoroso. O maior expoente do Classicismo português é poeta Luís Vaz de Camões. A vida de Luís Vaz de Camões é permeada de dúvidas. A data mais provável de seu nascimento seria a do ano de 1524. Estudiosos afirmam que ele teria frequentado a Universidade de Coimbra por certo tempo e servido como militar no norte da África. Nesse continente, teria sido ferido em combate e, em consequência, perdeu o olho direito. Foi preso em 1552 por ter agredido um oficial do rei e só foi liberto em 1553 quando foi para o exílio. Luís Vaz de Camões foi não apenas um gênio português, mas um dos maiores gênios do Renascimento europeu. Sua obra revela o espírito de um homem de sensibilidade ardente e de grande inteligência. Ocupou cargos públicos de caráter burocrático, frequentou o palácio do rei e as tavernas, amou mulheres nobres e plebeias, esteve nos porões tristes das prisões e foi poeta.
Figura 01 - Sá de Miranda (1481 – 1558)
592
Esse grande poeta viveu por dezessete anos nas colônias portuguesas na África e da Ásia. Foram diversos anos de dificuldades econômicas e algumas passagens pela cadeia. Retornou a Portugal em 1570, com a obra Os Lusíadas terminada, e em 1572 é publicada a primeira edição do poema. Camões morreu na miséria em 10 de junho de 1580 e por isso foi enterrado como indigente em uma vala comum.
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Fonte: Wikimedia Commons
A obra de Camões A obra camoniana abrange estas três vertentes fundamentais: a épica, a lírica e a dramática, mas em vida, o autor publicou somente a face épica de sua literatura, com a obra Os Lusíadas. Sua lírica ficou praticamente inédita (salvo pouquíssimas e duvidosas colaborações) até 1595, ano em que foi reunida e publicada sob o título de “Rimas”. Camões escreveu, ainda, três comédias: Anfitriões, El-Rei Seleuco e Auto do Filodemo. A primeira é de inspiração clássica e busca parâmetros na obra Amphytruo, de Fausto, enquanto as duas últimas têm influência do humanista Gil Vicente. Os Lusíadas renderam a Camões repercussão internacional. Miguel de Cervantes, escritor espanhol, autor de Dom Quixote de La Mancha, proclamou a obra como “o tesouro luso”. Em sua totalidade, a produção camoniana mereceu reverências de todos os grandes intelectuais europeus que a ela tiveram acesso. Foi traduzida em vários idiomas, e até hoje exerce influência sobre poetas relevantes em língua portuguesa.
A épica camoniana A obra Os Lusíadas conquistou a confortável posição de uma das quatro mais importantes epopeias da literatura universal, ao lado das obras Ilíada e Odisseia de Homero, e Eneida de Virgílio. Se considerarmos que essa obra é majoritariamente ba- Figura 02 - O mais célebre poeta renascentista, Luís Vaz de Camões seada em fatos reais, comprovados pela História, ela pode se tornar a mais importante. É, por conseguinte, o maior poema épico da língua portuguesa. A complexidade da narrativa, o grau de envolvimento que ela mantém com a mitologia e com a História evidenciam a cultura sofisticada de seu autor. Essa epopeia é mais do que o resgate da História de Portugal, é evidência do espírito empreendedor lusitano. É uma espécie de fronteira entre o passado varonil de uma nação e a decadência que o sucedeu. Inspirado nas antigas epopeias, em especial na Eneida, Os Lusíadas narra a saga do povo português e tem como eixo a viagem de Vasco da Gama às Índias. Trata-se de uma epopeia dividida em dez cantos, formados por estâncias de oito versos cada. Note que, por se tratar de uma epopeia, não se usa o termo estrofe, mas, sim, estância. Ao todo, a obra contém 1102 estâncias, logo, 8816 versos. Todos os versos são decassílabos, podendo ser heroicos (acentos nas 6ª e 10ª posições) ou sáficos (acentos nas 4ª, 8ª e 10ª posições), e obedecem ao esquema de rimas AB AB AB CC, chamado de oitava rima ou de oitava real. Veja a seguir: As armas e os barões assinalados
A
Que, da Ocidental praia Lusitana
B
Passaram ainda além da Taprobana,
B
Em perigos e guerras esforçados
A
Mais do que a força humana,
B
E entre gente remota editaram
C
Novo Reino, que tanto sublimaram;
C
B05 Classicismo
Por mares que nunca dantes navegados A
593
Português
Planos temáticos nn Plano da Viagem: onde se trata da viagem da descoberta do caminho marítimo
para a Índia de Vasco da Gama e dos seus marinheiros;
nn Plano da História de Portugal: são relatados episódios da história dos portugueses; nn Plano
do Poeta: Camões refere-se a si mesmo enquanto poeta admirador do povo e dos heróis portugueses; nn Plano da Mitologia: são descritas as influências e as intervenções dos deuses da mitologia greco-romana na ação dos heróis. Estrutura interna nn Proposição (estâncias 1 a 3 do Canto I): o enunciador apresenta o assunto e os
heróis. Antecipam-se os temas a serem desenvolvidos na narrativa: a viagem de Vasco da Gama às Índias e a história de Portugal. nn Invocação (estâncias 4 a 5 do Canto I): o poeta invoca as Tágides, ninfas que habitam o rio Tejo (segundo a mitologia portuguesa), para que elas lhe forneçam inspiração para executar o poema. nn Dedicatória (estâncias 6 a 18 do canto I): Camões oferece sua epopeia a D. Sebastião, rei de Portugal. nn Narração (estâncias 19 do canto I a 144 do canto X): a narrativa da viagem, in medias res, partindo do meio da ação para voltar atrás no tempo e explicar o que aconteceu até ao momento na viagem de Vasco de Gama e na história de Portugal, e depois prosseguir na linha temporal. nn Epílogo (estrofes 145 a 156 do canto X): esta parte é formada pelas doze últimas estrofes da epopeia e é a conclusão da obra. Nela, o poeta mostra-se pessimista e desanimado com a mudança de espírito que testemunhava nos portugueses de seu tempo. Tema dos cantos Canto I O poeta indica o assunto global da obra, pede inspiração às ninfas do Tejo e dedica o poema ao Rei D. Sebastião. Na estância 19, inicia-se a narração no meio da viagem de Vasco da Gama, cuja esquadra já se encontra no Oceano Índico, quando os deuses do Olimpo se reúnem em concílio convocado por Júpiter para decidirem se os portugueses deverão ou não chegar à Índia. Apesar da oposição de Baco, a decisão é favorável aos portugueses, que contaram com apoio de Vênus e Marte. Assim, chegam a Mombaça.
Fonte: wikimedia.commons
B05 Classicismo
Canto II
594
O rei de Mombaça, influenciado por Baco, engana os portugueses e planeja uma cilada. No entanto, Vênus pede ajuda a Júpiter para agir em favor dos portugueses e salvá-los da armadilha. Assim, Júpiter envia Mercúrio à Terra, que, em sonhos, indica a Vasco da Gama o caminho até Melinde. A chegada dos portugueses a Melinde é efetivamente saudada com festejos e o rei dessa cidade pede a Vasco da Gama que lhe conte a história do seu país.
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Vasco da Gama inicia a narrativa da História de Portugal. Começa por mostrar a situação de Portugal na Europa e a lendária história de Luso a Viriato. Segue-se a formação da nacionalidade e depois a enumeração dos feitos guerreiros dos reis da primeira dinastia, de D. Afonso Henriques a D. Fernando. Canto IV Prossegue-se a narrativa da história de Portugal com a segunda dinastia, desde a revolução de 1383, até ao reinado de D. Manuel, quando Vasco da Gama parte para a Índia. Este canto termina com a partida de Vasco da Gama, cujos navegantes são surpreendidos pelas palavras profeticamente pessimistas de um velho que estava na praia, entre a multidão. Trata-se do episódio do Velho do Restelo. Canto V Prossegue-se a narrativa ao rei de Melinde, com a história da viagem de Lisboa a Melinde. É a narrativa da grande aventura marítima, na qual os marinheiros enfrentaram perigos e obstáculos enormes como a hostilidade dos nativos, no episódio de Fernão Veloso, a fúria de um monstro, no episódio do Gigante Adamastor, e a doença e a morte provocadas pelo escorbuto. O canto termina com a censura do poeta aos seus contemporâneos que desprezam a poesia. Canto VI Enfim, Vasco da Gama despede-se do rei de Melinde e se encaminha para Calicute. Baco e Netuno, vendo que os portugueses estão prestes a chegar à Índia, convocam o Concílio dos Deuses Marinhos, cuja decisão é afundar a esquadra de Gama. É então que, enquanto os marinheiros ouvem Fernão Veloso contar o episódio de Os Doze de Inglaterra, surge uma violenta tempestade. Mais uma vez, Vênus ajuda os portugueses e os conduz a Calicute. Canto VII Vasco da Gama e sua esquadra chegam então a Calicute. O primeiro contato dos portugueses com os indianos se dá por meio do mouro Monçaíde, que visita a embarcação de Vasco da Gama e explica à frota um pouco da história e costumes indianos. Em seguida, é apresentado a Gama o rei Samorim, os dois conversam e estabelecem um contrato comercial luso-indiano. Canto VIII Baco intervém de novo contra os portugueses, aparecendo em sonhos do rei Samorim, tentando boicotar o tratado comercial. O rei, desconfiado, interroga Vasco da Gama, que consegue dissuadir o rei da armadilha. Entretanto, Gama ainda é surpreendido por Catual, ministro indiano, que apenas deixa os portugueses partirem após a entrega de duas embarcações.
Canto IX Enfim, os portugueses saem de Calicute, iniciando a viagem de regresso à pátria. Vênus decide preparar uma recompensa para os marinheiros, fazendo-os chegar à Ilha dos Amores. Para isso, manda o seu filho Cupido desfechar setas sobre as Ninfas, que receberão apaixonadas os portugueses. Avistada a Ilha dos Amores, os marinheiros desembarcam para caçar e, então, veem as Ninfas, que os seduzem. Canto X As Ninfas oferecem um banquete aos portugueses e se festejam as vitórias das portuguesas no Oriente. Vasco da Gama é conduzido pela ninfa Tétis ao cume de um monte para lhe mostrar a Máquina do Mundo e indicar nela os lugares aonde chegará o império português. Os portugueses despedem-se e regressam a Portugal. O poeta termina lamentando-se pelo seu destino infeliz de poeta incompreendido por aqueles a quem canta e exortando o Rei D. Sebastião a continuar a glória dos portugueses.
A lírica camoniana Lendo atentamente o soneto a seguir, observe que, além da linguagem de opostos, há outro elemento que aumenta a simbologia dos significados: o texto começa e termina com a palavra Amor. Isso sugere que qualquer tentativa de análise do sentimento amoroso conduz sempre ao ponto de partida. Amor é um fogo que arde sem se ver; É ferida que dói, e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer. É um não querer mais que bem querer; É um andar solitário entre a gente; É nunca contentar-se de contente; É um cuidar que ganha em se perder; É querer estar preso por vontade; É servir a quem vence, o vencedor; É ter com quem nos mata, lealdade. Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade, Se tão contrário a si é o mesmo Amor? Camões é, até hoje, considerado um dos maiores poetas líricos da literatura universal. Apesar disso, somente quinze anos após a sua morte, sua obra foi reunida e publicada sob o título de “Rimas”. Dominou com excelência várias formas do gênero lírico. Escreveu sonetos, odes, éclogas e elegias, em redondilhas (medida velha) e versos decassílabos (medida nova). Em 595
B05 Classicismo
Canto III
Português
todas essas formas, o poeta português deixou a marca de sua genialidade, como também antecipou vários temas do Barroco, escola literária que sucede o Classicismo. Devido a isso, a lírica camoniana pode ser classificada como Maneirista. Os sonetos são a parte mais conhecida da lírica camoniana. Essa forma poética permitia ao poeta tratar de modo mais racional alguns de seus temas mais recorrentes: o desconcerto do mundo, as mudanças constantes e o sofrimento amoroso. A lírica amorosa reflete sobre o amor material (profano) e manifestações de desejos da carne em conflito com o amor idealizado, puro e espiritualizado, capaz de conduzir o indivíduo à realização plena. Leia a seguir outro soneto de Camões: Transforma-se o amador na coisa amada, por virtude do muito imaginar; não tenho logo mais que desejar, pois em mim tenho a parte desejada. Se nela está minha alma transformada, que mais deseja o corpo de alcançar? Em si somente pode descansar, pois consigo tal alma está ligada. Mas esta linda e pura semideia, que, como o acidente em seu sujeito, assim com a alma minha se conforma, Está no pensamento como ideia; e o vivo e puro amor de que sou feito, como matéria simples busca a forma.
Exercícios de Fixação 01. (IF SP) São características das obras do Classicismo: a) o individualismo, a subjetividade, a idealização, o sentimento exacerbado. b) o egocentrismo, a interação da natureza com o eu, as formas perfeitas. c) o contraste entre o grotesco e o sublime, a valorização da natureza, o escapismo. d) a observação da realidade, a valorização do eu, a perfeição da natureza. e) a retomada da mitologia pagã, a pureza das formas, a busca da perfeição estética. 02. (Uespi PI) Um dos temas fundamentais de toda a lírica camoniana é o amor e, por consequência, a mulher. B05 Classicismo
Sobre a representação feminina na poesia de Camões, assinale a alternativa correta. 1. A mulher, nos versos de Camões, toma feições claras, bem definidas e assume a condição de uma companheira humana.
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2. Nos seus poemas, odes, canções e redondilhas, a mulher amada aparece como um ser angelical e iluminado por uma áurea sobrenatural que lhe transfigura as feições carnais. 3. A figura feminina é quase sempre representada como um ser pecador, à beira do abismo, tentado pelo pecado e clamando por socorro. Está(ão) corretas apenas: a) 1 b) 2 c) 3 d) 1 e 2 e) 1 e 3 03. (Mackenzie SP) O amor é feio Tem cara de vício Anda pela estrada Não tem compromisso
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O amor é lindo Faz o impossível O amor é graça Ele dá e passa
Amo-te afim, de um calmo amor prestante, E te amo além, presente na saudade. Amo-te, enfim, com grande liberdade A.Antunes, C.Brown, M.Monte, “O amor é feio”
Dentro da eternidade e a cada instante.
Comparando a letra da canção com os famosos versos camonianos Amor é fogo que arde sem se ver / É ferida que dói e não
Amo-te como um bicho, simplesmente,
se sente, afirma-se corretamente que:
De um amor sem mistério e sem virtude
a) Assim como Camões, os compositores tematizam o amor,
Com um desejo maciço e permanente.
valendo-se de uma linguagem espontânea, coloquial, como prova o uso da expressão “cara de vício”. b) O caráter popular da canção é acentuado pelo uso de redondilhas, traço estilístico ausente nos versos camonia-
E de te amar assim muito e amiúde, É que um dia em teu corpo de repente Hei de morrer de amar mais do que pude.
nos citados. c) A concepção de amor como sentimento contraditório, típica de Camões, está ausente na letra da canção, uma vez que
Considere as seguintes afirmações sobre os dois poemas. I.
neto de Camões, o sujeito lírico define o amor; no soneto
seus versos não se compõem de paradoxos.
de Moraes, o sujeito lírico diz como ama.
d) A ideia de que a dor do amor não é sentida pelos amantes, presente nos versos de Camões, é parafraseada nos versos
II.
contraditório do sentimento amoroso.
e) A canção recupera o tom solene e altissonante presente nos
04. (UFRGS) Leia o soneto de Luís de Camões e Soneto do amor total, de Vinícius de Moraes, abaixo. Luís de Camões Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer; É um não querer mais que bem querer; É solitário andar por entre a gente; É nunca contentar-se de contente; É cuidar que se ganha em se perder; É querer estar preso por vontade; É servir a quem vence, o vencedor; É ter com quem nos mata lealdade.
O soneto de Camões apresenta uma estrutura antitética nas três primeiras estrofes, como a exprimir o caráter
“Anda pela estrada /Não tem compromisso”. versos camonianos.
Os dois poemas apresentam a temática amorosa: no so-
III.
O soneto de Vinícius de Moraes apresenta o sujeito lírico que ama de corpo e alma, ampliando o sentimento amoroso à dimensão física.
Quais estão corretas? a) Apenas I. b) Apenas II. c) Apenas I e III. d) Apenas II e III. e) I, II e III. 05. (UnB DF) Julgue os itens seguintes referentes ao Renascimento, e assinale a alternativa incorreta: a) Retomando traços da Antiguidade Clássica, a Renascença significou a ruptura total e absoluta com a cultura medieval. b) Iniciado na Península Ibérica, sobretudo por sua forte tradição urbana, o movimento renascentista afastou-se do humanismo típico da cultura medieval para enaltecer os conteúdos religiosos que emergiam com a crise feudal.
Vinícius de Moraes Amo-te tanto, meu amor… não cante O humano coração com mais verdade… Amo-te como amigo e como amante
c) Leonardo da Vinci, personagem-síntese do Renascimento, para quem o homem era o modelo do mundo, notabilizou-se pela atuação diversificada, destacando-se, na pintura, com Monalisa. d) A atuação dos mecenas, protetores e financiadores dos artistas, deu impulso decisivo ao desenvolvimento da arte renascentista.
Numa sempre diversa realidade.
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B05 Classicismo
Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade, Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Português
Exercícios Complementares 01. (Puc RS) Leia o poema a seguir, de Luís de Camões. Transforma-se o amador na cousa amada, por virtude do muito imaginar; não tenho, logo, mais que desejar, pois em mim tenho a parte desejada. Se nela está minha alma transformada, que mais deseja o corpo de alcançar? Em si somente pode descansar, pois consigo tal alma está liada. Mas esta linda e pura semideia, que, como o acidente em seu sujeito, assim coa alma minha se conforma, Está no pensamento como ideia; [e] o vivo e puro amor de que sou feito, como a matéria simples busca a forma. Com base no poema e em seu contexto, afirma-se: I. Criado no século XVI, o poema apresenta um eu lírico que reflete sobre o amor e sobre os efeitos desse sentimento no ser apaixonado. II. Camões é também o criador de Os Lusíadas, a mais famosa epopeia produzida em língua portuguesa, que tem como grande herói o povo português, representado por Vasco da Gama. III. Uma das características composicionais do poema é a presença de inversões sintáticas. A(s) afirmativa(s) correta(s) é/são a) I, apenas. b) III, apenas. c) I e II, apenas. d) II e III, apenas. e) I, II e III. 02. (Fameca SP) Leia o soneto de Camões. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança; Todo o Mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades.
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Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança; Todo o Mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades. E o tempo cobre o chão de verde manto, Que já coberto foi de neve fria, E em mi[m] converte em choro o doce canto.
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E, afora este mudar-se cada dia, Outra mudança faz de mor espanto: Que não se muda já como soía. (Obra completa, 2005.)
O soneto aborda um tema que perpassa a obra de Camões. É correto afirmar que esse tema diz respeito à a) solidão, que reflete o estado de espírito do poeta quando é obrigado a partir para as Índias a fim de servir o Império. b) instabilidade do amor diante da luta entre bem e mal, durante a Primeira Grande Guerra. c) transitoriedade da vida, que se articula com as transformações econômicas e sociais ocorridas em Portugal após as Grandes Navegações. d) brevidade da vida do ser humano, que traduz a angústia diante das perdas após as Guerras Napoleônicas. e) renovação da vida, que expressa um pensamento progressista, adquirido enquanto Camões serviu à coroa portuguesa lutando nas Cruzadas. 03. (Unifesp SP) Leia o soneto do poeta Luís Vaz de Camões (1524?-1580). Sete anos de pastor Jacob servia Labão, pai de Raquel, serrana bela; mas não servia ao pai, servia a ela, e a ela só por prêmio pretendia. Os dias, na esperança de um só dia, passava, contentando-se com vê-la; porém o pai, usando de cautela, em lugar de Raquel lhe dava Lia. Vendo o triste pastor que com enganos lhe fora assi negada a sua pastora, como se a não tivera merecida, começa de servir outros sete anos, dizendo: “Mais servira, se não fora para tão longo amor tão curta a vida”. (Luís Vaz de Camões. Sonetos, 2001.)
De acordo com a história narrada pelo soneto, a) Labão engana Jacob, entregando-lhe a filha Lia, em vez de Raquel. b) Labão aceita ceder Lia a Jacob, se este lhe entregar Raquel. c) Labão obriga Jacob a trabalhar mais sete anos para obter o amor de Lia. d) Jacob descumpre o acordo feito com Labão, negando-lhe a filha Raquel. e) Jacob morre antes de completar os sete anos de trabalho, não obtendo o amor de Raquel.
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04. (Mackenzie SP) Assinale a alternativa correta sobre Camões. a) Além de usar metros mais populares, utilizou-se da medida nova, especialmente nas redondilhas que recriam, poeticamente, um quadro harmônico da vida e do mundo. b) O tema do desconcerto do mundo é um dos aspectos característicos de sua poesia, presente, por exemplo, nos sonetos de inspiração petrarquiana. c) Introduziu o estilo cultista em Portugal, em 1580, explorando antíteses e paradoxos nos poemas de temática religiosa. d) Autor mais representativo da poesia medieval portuguesa, produziu, além de sonetos satíricos, a obra épica Os Lusíadas. e) Influenciado pelo Humanismo português, aderiu ao cânone clássico de composição poética, afastando-se, porém, das inovações métricas e dos modelos greco-romanos. 05. (Unisa SP) Assinale a alternativa incorreta, em relação a Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões: a) Foi publicada em 1572. b) Contém 10 cantos. c) Contém 1102 estrofes em oitava rima. d) Conta a viagem de Vasco da Gama às Índias. e) N.d.a.
08. (UFV MG) Leia o soneto a seguir, de autoria do poeta quinhentista Luís de Camões: Verdade, Amor, Razão, Merecimento, qualquer alma farão segura e forte; porém, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte, têm do confuso mundo o regimento. Efeitos mil revolve o pensamento e não sabe a que causa se reporte; mas sabe que o que é mais que vida e morte, que não o alcança humano entendimento. Doctos varões darão razões subidas, mas são experiências mais provadas e por isso é melhor ter muito visto. Cousas há aí que passam sem ser cridas e cousas cridas há sem ser passadas, mas o melhor que tudo é crer em Cristo.
a) Narração, Invocação, Proposição, Epílogo e Dedicatória. b) Invocação, Narração, Proposição, Dedicatória e Epílogo. c) Proposição, Invocação, Dedicatória, Narração e Epílogo. d) Proposição, Dedicatória, Invocação, Epílogo e Narração. e) N.d.a. 07. (Mackenzie SP) Eu queria querer-te amar o amor, Construir-nos dulcíssima prisão; Encontrar a mais justa adequação Tudo métrica e rima e nunca dor! Mas a vida é real e de viés, E vê só que cilada o amor me armou: Eu te quero (e não queres) como sou; Não te quero (e não queres) como és... Ah, bruta flor do querer... Ah, bruta flor, bruta flor! Caetano Veloso
O texto exemplifica a relação entre a canção popular brasileira e a tradição portuguesa clássica, na medida em que se vale: I. Da regularidade métrica decassilábica, típica da Renascença. II. Do jogo de paradoxos na expressão do conflito amoroso. III. Da mitologia greco-romana para concretizar o aspecto sublime do amor. Assinale: a) se somente as afirmativas I e II estiverem corretas. b) se somente as afirmativas II e III estiverem corretas. c) se somente a afirmativa II estiver correta. d) se somente a afirmativa III estiver correta. e) se todas as afirmativas estiverem corretas.
Dentre as alternativas abaixo, apenas uma NÃO interpreta corretamente o poema. Assinale-a: a) O soneto camoniano confirma a persistência de valores cristãos num momento em que se sentia a forte presença do racionalismo quinhentista. b) O eu lírico mostra-nos que, se valores como a Verdade e o Amor podem fortalecer a alma do homem, outros como o Tempo e a Sorte podem definir-lhe o destino e governar o mundo. c) O homem renascentista, já capaz de conhecer o mundo e a si próprio, não consegue elucidar os mistérios da vida e da morte. d) O texto confirma que o homem do século XVI também vivenciou os conflitos existentes entre o racionalismo antropocêntrico e a religiosidade teocêntrica. e) O poema de Camões denuncia a existência de um eu lírico totalmente convencido de que a Verdade, a Razão, o Amor e o Merecimento são os grandes valores que regem o destino da humanidade. 09. (Mackenzie SP) Sobre o Classicismo, movimento literário surgido na época do Renascimento, ao qual a crítica vincula Luís de Camões, todas as alternativas estão corretas, exceto: a) Destaca-se o predomínio da razão sobre o sentimento nas composições artísticas. b) Há a libertação dos dogmas da Igreja, mas sem o desaparecimento, por completo, da religiosidade. c) Destaca-se a presença da mitologia greco-latina nas composições artísticas. d) Há a preocupação e valorização da perfeição formal nas composições literárias. e) Destaca-se o relato realista, por vezes com enfoque determinista, sobre os eventos narrados nas composições artísticas. 599
B05 Classicismo
06. (Unisa SP) A obra épica de Camões, Os Lusíadas, é composta de cinco partes, na seguinte ordem:
FRENTE
B
PORTUGUÊS
MÓDULO B06
ASSUNTOS ABORDADOS nn Quinhentismo brasileiro nn A literatura Quinhentista nn Carta de Pero Vaz de Caminha nn Literatura Jesuítica
QUINHENTISMO BRASILEIRO Ao longo do século XVI, diversas expedições foram enviadas para as terras brasileiras. Os viajantes que as integravam tinham algumas missões específicas a cumprir: descrever a terra e o povo nativo, catalogar espécimes da fauna e da flora, identificar possíveis interesses econômicos para a coroa portuguesa. Era necessário ainda apresentar a nova colônia de modo positivo e promissor, para estimular nos portugueses o desejo de se aventurarem na ocupação e colonização do vasto território descoberto. Em 9 de março do ano de 1500, Pedro Álvares Cabral partiu das margens do Tejo com uma esquadra formada por treze embarcações (três caravelas e dez naus), com o objetivo de fazer o caminho marítimo que havia feito Vasco da Gama dois anos antes. Cabral tinha a missão de estabelecer comércio de ouro e especiarias em Sofala, hoje Moçambique.
Fonte: Wikimedia Commons
Ao chegar às Ilhas Canárias, a armada afastou-se da rota original e seguiu rumo ao oeste. Em 22 de abril de 1500, as caravelas chegaram a terras brasileiras. O primeiro sinal de terra firme visto pelos portugueses foi o Monte Pascoal, no litoral sul da Bahia. Dias depois navegaram pela costa e desembarcaram em uma baía a que deram o nome de Santa Cruz Cabrália, hoje chamada de Porto Seguro, na Bahia.
Figura 01 - Ilustração da esquadra de Pedro Álvares Cabral
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“Nem crônicas, nem memórias, pois não resultaram de nenhuma intenção literária: os escritos dos cronistas e viajantes eram uma tentativa de descrever e catalogar a terra e o povo recém-descobertos. Entretanto, permeava-os a fantasia de seus autores, exploradores europeus que filtravam fatos e dados, acrescentando-lhes elementos mágicos e características muitas vezes fantásticas.” Carlos Vogt e José Augusto Lemos
A literatura Quinhentista O Quinhentismo brasileiro, isto é, o conjunto de manifestações dos anos de 1500 (século XVI), retrata, mais do que qualquer outro período, a condição colonial no Brasil com sua terra e população vistas como objetos a serem conquistados. O primeiro período histórico de nossa literatura ainda está ligado à literatura portuguesa. As obras produzidas nesse período fazem parte da chamada literatura de viagens ultramarinas. Os relatos de viagens são textos essencialmente informativos e se caracterizam como uma espécie de crônica histórica. Por esse motivo, são conhecidos como literatura de viagens ou de informação. A literatura de viagens registra o primeiro olhar estrangeiro para as terras brasileiras. Portugueses, franceses e alemães descrevem a nova terra como uma espécie de paraíso tropical, visto como manifestação da bondade divina. Com isso, revelam uma visão de mundo ainda bastante moldada pelo teocentrismo medieval. Essa obra ainda conserva as tradições poéticas e dramáticas do fim da Idade Média. A literatura é feita no Brasil, aborda o Brasil, mas reflete a visão de mundo, as ambições, as intenções do homem europeu. Portanto, ainda não podemos chamá-la de literatura brasileira. É, sim, uma literatura de informação sobre o Brasil. Os textos produzidos, de modo geral, eram ufanistas, pois exageravam as qualidades da terra, as possibilidades de negócios e a facilidade de enriquecimento. A principal característica dessa manifestação é a exaltação da terra, resultante do espanto do homem europeu recém-saído do mundo temperado ao confrontar-se com um mundo tropical, totalmente adverso, novo e exótico. Com relação à linguagem, o louvor à terra manifesta-se no uso excessivo de adjetivos, quase sempre empregados no superlativo. Veja a seguir textos da literatura informativa sobre o Brasil que merecem destaque: nn A
Carta, de Pero Vaz de Caminha; nn O Diário de Navegação, de Pero Lopes de Sousa; nn O Tratado da terra do Brasil e a História da Província de Santa Cruz, de Pero de Magalhães Gândavo; nn O Tratado descritivo do Brasil, de Gabriel Soares de Sousa; nn Os Diálogos das grandezas do Brasil, de Gabriel Soares de Sousa; nn As cartas dos missionários jesuítas; nn A História do Brasil, de Frei Vicente do Salvador; nn As Duas viagens ao Brasil, de Hans Staden; nn A Viagem à terra do Brasil, de Jean de Léry.
Fonte: Wikimedia Commons
A chegada das caravelas em terras brasileiras, em 1500, colocou frente a frente dois povos de culturas, costumes e hábitos completamente diferentes. A expedição tinha um escrivão, Pero Vaz de Caminha, responsável por redigir os relatos dessa viagem. Caminha registrou o primeiro contato entre os portugueses e os habitantes da nova terra. Assegurava Caminha que eram puros e bons, admirando-se da nudez dos indígenas e de como não ficavam envergonhados com ela. Caminha ainda acreditava que os nativos poderiam facilmente ser convertidos ao cristianismo. Veja a seguir alguns trechos da carta:
B06 Quinhentismo brasileiro
Carta de Pero Vaz de Caminha
Figura 02 - Primeira página da Carta de Pero Vaz de Caminha
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Português
Fonte: Wikimedia Commons
“A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixar de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador.”
Figura 03 - Iracema (1884), por José Maria de Medeiros (1849-1925)
“Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d’agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!”
“Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até a outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa. Tem, ao longo do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, delas vermelhas, delas brancas; e a terra por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta, é toda praia parma, muito chã e muito formosa.”
Fonte: Wikimedia Commons
Literatura Jesuítica
Figura 04 - Quadro pintado pelo artista Benedito Calixto (1901) José de Anchieta escrevendo o “Poema à Virgem”.
B06 Quinhentismo brasileiro
A melhor produção literária do Quinhentismo surge na segunda metade do século XVI, com a chegada dos padres jesuítas, que fundaram os primeiros colégios, único espaço de atividade intelectual na colônia. Tal produção literária tinha como objetivo catequizar o “selvagem”, como também estar a serviço da Contrarreforma Católica. Esses textos, com fortes traços da cultura medieval, apresentam manifestações de uma literatura mais elaborada. Os jesuítas marcaram presença não só pelo trabalho de aculturação indígena, mas também por meio da produção literária, constituída por poesias de cunho religioso, intelectualmente despojadas, simples, utilizando vocabulário fácil e ingênuo. Por meio do teatro catequizador e por isso mesmo pedagógico, os jesuítas realizaram seu trabalho. As peças, escritas em medida velha, mesclam dogmas católicos com costumes e crenças indígenas para que, gradativamente, verdades cristãs fossem inseridas e assimiladas pelos índios. 602
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Fonte: Wikimedia Commons
O representante mais importante dessa atividade é o Padre José de Anchieta. Além de autor dramático, foi também poeta e pesquisador da cultura indígena, chegando a escrever um dicionário da língua tupi-guarani. As peças de Anchieta exploravam o tema religioso - quase sempre combatendo os demônios indígenas, que colocavam as aldeias em perigo - e celebravam os santos católicos, que vinham salvá-las. Uma de suas peças mais conhecidas é o auto de São Lourenço. Padre José de Anchieta O padre José de Anchieta (1534-1597) foi uma das grandes figuras do primeiro século de história do Brasil. Nascido nas Ilhas Canárias, domínio espanhol, tinha parentesco com Inácio de Loiola. De saúde frágil, dedicado aos estudos, Anchieta tornou-se jesuíta aos 17 anos de idade e naquele Figura 05 - Representação de uma encenação jesuítica mesmo ano partiu para o Brasil. Anchieta criou o teatro brasileiro: autos para a catequese dos índios. Além disso, ele fez poesia em latim e escreveu tratados sobre o Brasil. “Teme a Deus, juiz tremendo, que em má hora te socorra, em Jesus tão só vivendo, pois deu sua vida morrendo para que tua morte morra.” Auto de São Lourenço
O auto de São Lourenço foi escrito por José de Anchieta para ajudar em seu trabalho catequético dos índios brasileiros. Foi escrito principalmente em tupi e em espanhol. A peça é dividida em cinco atos. O primeiro e o segundo atos mostram o martírio de São Lourenço que, junto com São Sebastião e o Anjo da Guarda, impede que Guaixará, o rei dos diabos, destrua uma aldeia indígena com o vício e o pecado. No terceiro ato, Aimbirê e Saraiva, os servos de Guaixará, torturam os responsáveis pela morte de São Lourenço, Décio e Valeriano. No quarto ato, o temor e o amor de Deus se manifestam aos índios, dizendo-lhes que devem amar a Deus por tudo o que ele fez e sacrificou por eles. O auto termina no quinto ato, com um jogral de doze crianças na procissão de São Lourenço. Padre Manuel da Nóbrega
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Manuel da Nóbrega (1517-1570) foi um jesuíta português e chefe da primeira missão jesuítica à América: Armada de Tomé de Sousa (1549). Participou da primeira missa realizada no Brasil e da fundação das cidades de Salvador e Rio de Janeiro. Nóbrega se preocupou em catequizar e civilizar os índios. Com base nos preceitos europeus cristãos, preparando, assim, a sociedade que começava a se formar no Brasil. Suas obras que merecem destaque são: da Terra do Brasil (1549) nn Diálogo sobre a conversão do gentio (1557) nn Tratado contra a Antropofagia (1559) nn Informação
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Português
Exercícios de Fixação 01. (IF SP) A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador. (Carta de Pero Vaz de Caminha. www.dominiopublico.com.br Acesso em: 04.12. 2012.)
O trecho acima pertence a um dos primeiros escritos considerados como pertencentes à literatura brasileira. Do ponto de vista da evolução histórica, trata-se de literatura a) de informação. b) de cordel. c) naturalista. d) ambientalista. e) árcade. 02. (IF SP) Analise as assertivas abaixo sobre a literatura produzida no primeiro século da vida colonial brasileira. I. Os textos que a constituem apresentam evidente preocupação artística e pedagógica ao relatar as condições encontradas no novo mundo. II. A “literatura jesuíta”, nos primórdios da história brasileira, está a serviço do poder real e tem fortes doses nacionalistas. III. Anchieta escreveu cartas, sermões, fragmentos históricos e informações. IV. As primeiras manifestações literárias que se registram na literatura brasileira referem-se à poesia épica e à prosa de ficção. V. A carta de Caminha é a mistura de ingenuidade e malícia na descrição dos índios e seus costumes. É correto o que se afirma em a) I e II, apenas. b) I e III, apenas. c) III e V, apenas. d) II e IV, apenas. e) IV e V, apenas. 03. (Ufam AM) Leia os trechos abaixo, pertencentes à “Carta”, de Pero Vaz de Caminha: B06 Quinhentismo brasileiro
O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, bem vestido, com um colar de ouro mui grande ao pescoço, e aos pés uma alcatifa por estrado. Sancho de Tovar, Simão de Miranda, Nicolau Coelho, Aires Correa e nós outros que aqui na nau com ele vamos, sentados no chão, pela alcatifa. Acenderam-se tochas. Entraram. Mas não fizeram sinal de cortesia, nem de falar ao Capitão nem a ninguém. Porém um deles pôs olho no colar do Capitão, e começou de acenar com a mão para a terra e depois para o colar, como que nos
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dizendo que ali havia ouro. Também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal, como se lá também houvesse prata. Mostraram-lhes um papagaio pardo que o capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como quem diz que os havia ali. Mostraram-lhes um carneiro: não fizeram caso. Mostraram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela; não lhe queriam pôr a mão; e depois a tomaram como que espantados. Viu um deles umas contas de rosário, brancas; acenou que lhas dessem, folgou muito com elas e lançou-as ao pescoço. Depois, tirou-as e enrolou-as no braço e acenava para a terra e de novo para as contas e para o colar do Capitão, como dizendo que dariam ouro por aquilo. Sobre o texto acima, fazem-se as seguintes afirmativas: I. O cronista procura valorizar o cristianismo, ideologia que seria um dos braços da colonização, mediante referência ao interesse do gentio pelo rosário. II. Caminha registra pormenores em ritmo sincopado (“Acenderam-se tochas. Entraram”), o que mostra o literato latente que havia nele. III. Com as referências à existência de ouro e prata em terra, Caminha procura despertar o interesse do rei de Portugal, D. Manuel. IV. O carneiro e a galinha eram animais que os portugueses traziam para a sua alimentação a bordo e que não existiam no Brasil. V. Como escrivão da frota de Cabral, a quem chama de Capitão, Caminha procurou ser fiel à realidade, a fim de bem informar a Coroa Portuguesa. Assinale a alternativa correta: a) Somente as afirmativas I, II e V estão corretas b) Somente as afirmativas I, III e IV estão corretas c) Somente as afirmativas II, III e IV estão corretas d) Somente as afirmativas II, III e V estão corretas e) Todas as afirmativas estão corretas 04. (EsPCEX) Em relação ao momento histórico do Quinhentismo brasileiro, podemos afirmar que: a) A Europa do século XVI vive o auge do Renascimento, com a cultura humanística recrudescendo os quadros rígidos da cultura medieval. b) O século XVI marca também uma crise na Igreja: de um lado, as novas forças burguesas e, de outro, as forças tradicionais da cultura medieval. c) Os dogmas católicos são contestados nos tribunais da Inquisição (livros proibidos) e no Concílio de Trento, em 1545. d) O homem europeu estabelece duas tendências literárias no Quinhentismo: a literatura conformativa e a literatura dominicana. e) A política das grandes navegações coíbe a busca pela conquista espiritual levada a efeito pela Igreja Católica.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Exercícios Complementares 01. (FMJ SP) Leia o trecho d’A Carta, de Pero Vaz de Caminha. E dali avistamos homens que andavam pela praia. (...) Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os depuseram.
03. (Uespi PI) A literatura informativa, que esteve presente nos primeiros tempos da colonização brasileira, pode ser definida como: a) obras catequéticas dirigidas aos índios. b) busca de emancipação da influência portuguesa. c) descrição dos costumes dos povos da terra. d) confirmação do paganismo dos primeiros colonizadores.
Glossário batel: pequena embarcação depuseram: abaixaram
e) descrição do muito ouro e de muita prata existentes no Brasil.
O texto caracteriza-se como a) um diário pessoal tratando da recepção hostil que os descobridores portugueses tiveram logo que aportaram na costa brasileira. b) uma narrativa ficcional acerca da vinda da Família Real ao Brasil devido à ameaça de invasão do território português pelas tropas napoleônicas. c) um documento histórico relatando o primeiro contato entre os colonizadores portugueses e os nativos brasileiros, posteriormente chamados de índios. d) uma sátira bem-humorada descrevendo os costumes dos portugueses recém-chegados ao Brasil e as dificuldades de adaptação à nova terra. e) uma narrativa épica sobre o encontro da esquadra de Vasco da Gama com os habitantes nativos de Melinde, na costa oeste do Continente Africano. 02. (UCS RS) Com base na Carta do “Achamento”, de Pero Vaz
04. (Ufam AM) Caracterizam a literatura dos viajantes as afirmativas abaixo, exceto: a) Os escritos dos viajantes refletem a visão, os conceitos e os interesses dos europeus em relação às terras do além-mar. b) Observa-se a necessidade de informar a Coroa Portuguesa sobre as potencialidades econômicas da nova terra. c) O conjunto do registro dos viajantes tem, sobretudo, valor documental e histórico. d) As crônicas dos viajantes surgiram como o desdobramento de um processo de mudanças estruturais na Europa. e) Havia, por parte dos cronistas, uma preocupação estética, um apuro literário formal. 05. (Unifor CE) Nos séculos XVI e XVII, ocorreram no Brasil as chamadas “manifestações literárias”, representadas, sobretudo, por cartas, tratados descritivos, relatórios e textos categóricos. O conjunto dessas manifestações permite afirmar que, nessa época,
de Caminha, considere as seguintes afirmações.
a) já está constituído um sistema literário de alta expressão.
I.
b) os estilos barroco e o arcádico disputam a preferência do
Na Carta, o escrivão Caminha descreve o descobrimento de uma nova terra, chamando a atenção para a beleza natural, a fertilidade, a cordialidade dos índios e as riquezas.
II.
c) a produção escrita é reveladora de nossa condição colonial.
No texto, é possível perceber um dos objetivos da ex-
d) as teses do indianismo ganham força entre os escritores.
pansão marítima de Portugal: catequização dos gen-
e) os sentimentos nacionalistas representam-se em todos
tios para a ampliação do mundo cristão. III.
público leitor.
A Carta, um dos relatos que fazem parte da literatura informativa sobre o Brasil, é considerada mais um documento histórico do que uma obra literária.
Das afirmativas acima, pode-se dizer que a) apenas I está correta. b) apenas III está correta. c) apenas I e II estão corretas. d) apenas II e III estão corretas. e) I, II e III estão corretas.
os gêneros literários. 06. (Unifor CE) Durante o século XVI, as primeiras manifestações literárias ocorridas no Brasil representaram-se, sobretudo na forma de: a) poemas patrióticos e discursos políticos. b) sermões religiosos e poemas arcádicos. c) canções líricas e dramaturgia barroca. d) sátiras políticas e hinos religiosos. e) documentos informativos e relatos de viagem.
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B06 Quinhentismo brasileiro
(Adaptado)
Português
07. (Unifoa MG) Entende-se por literatura informativa no Brasil: a) a história dos jesuítas que aqui estiveram no século XVI.
viagens realizadas pelos portugueses para descobrir e colo-
b) as obras escritas com a finalidade de catequese do indígena.
nizar terras nas Américas.
c) os poemas do Padre José de Anchieta.
loriza a sensualidade da mulher indígena e menospreza a
e) conjunto de relato de viajantes e missionários europeus, so-
mulher europeia.
08. (Unifoa MG) A Literatura de Informação se produziu no Brasil no século XVI. Com relação a essa literatura é correto afirmar que: a) Seu alto valor literário se deve à formação clássica dos escritores, na maioria grandes latinistas. b) O valor histórico e social dos escritos supera o valor literário. c) A influência de Camões fez com que se produzissem os nossos primeiros poemas épicos quinhentistas. d) Além de Nóbrega, outros dois jesuítas se destacaram naquele século: Anchieta e Vieira. e) Os textos em verso (poesia) são bem mais numerosos do que os textos em prosa, se bem que estes superam aqueles em valor literário. 09. (Unifoa RJ) Constitui característica fundamental da literatura dos viajantes: a) Análise crítica da política portuguesa em relação ao Brasil. b) Discurso laudatório sobre a política econômica do país. c) Discurso muito eloquente e muito ufanista na descrição da terra brasileira. d) Análise profundamente psicológica do homem brasileiro. e) Alto valor literário nas obras eminentemente regionais. 10. (IF SP) Considere a tirinha.
(Laerte, Folha de S. Paulo, 28.12.2011. Original colorido)
Essa tirinha pode ser associada, corretamente, a) ao Quinhentismo no Brasil, pois as cartas escritas pelos jesu-
B06 Quinhentismo brasileiro
e) ao Barroco, pois, em seus sonetos, Gregório de Matos va-
d) os sonetos de Gregório de Matos. bre a natureza e o homem brasileiros.
ítas descreviam o trabalho dos missionários na preservação das crenças e da cultura nativas. b) ao Quinhentismo no Brasil, pois a literatura desse período tinha como um de seus objetivos informar Portugal sobre as novas terras e incentivar a vinda de colonos. c) a Os Lusíadas, pois Camões se utiliza de elementos da mitologia indígena para elaborar a parte ficcional de sua epopeia. 606
d) a Os Lusíadas, visto que o foco central da narrativa são as
11. (UF PR) Vós, diz Cristo, Senhor nosso, falando com os pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção; mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não deixa salgar e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma cousa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores se pregam a si e não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda mal! (Antônio Vieira, Sermão de Santo Antônio, Fonte: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000033.pdf>.)
O excerto acima é o início do “Sermão de Santo António aos Peixes” escrito por Antônio Vieira, que se imortalizou pela coerência lógica de seus textos, além de suas qualidades literárias. O texto trabalha fundamentalmente com duas metáforas: o sal e a terra, que representam, respectivamente, os pregadores (aqueles que deveriam propagar a palavra de Cristo) e os ouvintes (aqueles que deveriam ser convertidos). O tema central do texto é a reflexão sobre as possíveis causas da ineficiência dos pregadores. Para tanto, o autor levanta algumas hipóteses. Tendo isso em vista, considere as seguintes afirmativas: 1. Os pregadores não pregam o que deveriam pregar. 2. Os ouvintes se recusam a aceitar o que os pregadores pregam. 3. Os pregadores não agem de acordo com os valores que pregam. 4. Os ouvintes agem como os pregadores em vez de agir de acordo com o que eles pregam. 5. Os pregadores promovem a si mesmos na pregação ao invés de promover as palavras de Cristo. Constituem hipóteses levantadas pelo autor do texto: a) 1 e 3 apenas. b) 3 e 5 apenas. c) 1, 2 e 4 apenas. d) 2, 4 e 5 apenas. e) 1, 2, 3, 4 e 5.
FRENTE
B
PORTUGUÊS
MÓDULO B07
BARROCO: PE. ANTÔNIO VIEIRA O estilo barroco nasceu da crise de valores renascentistas ocasionada pelas lutas religiosas e pela crise econômica vivida em consequência da falência do comércio com o Oriente. O homem do século XVII vivia um estado de tensão e desequilíbrio, do qual tentou desviar-se pelo culto exagerado da forma, sobrecarregando a poesia de figuras, como a metáfora, a antítese, a hipérbole e a alegoria.
ASSUNTOS ABORDADOS nn Barroco: Pe. Antônio Vieira nn Estilos da literatura barroca nn Barroco no Brasil nn Padre Antônio Vieira
Todo o rebuscamento que aflora na arte barroca é reflexo do dilema que tanto atormenta o homem do século XVII, isto é, o conflito entre o terreno e o celestial, o homem e Deus (antropocentrismo e teocentrismo), o pecado e o perdão, a religiosidade medieval e o paganismo renascentista, o material e o espiritual.
Fonte: JurateBuiviene / Shutterstock.com
A arte assume, assim, uma tendência sensualista, caracterizada pela busca do detalhe em um exagerado rebuscamento formal. A poesia lírica barroca evidencia uma profunda elaboração formal. Por meio de paralelismos, correlações, simetrias, inversões, exploração de sonoridades e imagens, cria-se uma complexa arquitetura de texto capaz de maravilhar o leitor.
Figura 01 - Teto da Capela Sistina
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Português
Estilos da literatura barroca
Barroco no Brasil
Na elaboração textual, encontramos duas tendências principais: o conceptismo e o cultismo. O conceptismo propõe o manuseio de ideias e conceitos, em um jogo intelectual que, por meio do raciocínio, desenvolve agudezas, sutilezas capazes de provocar o prazer da inteligência. O cultismo confere grande importância à experiência sensorial, utilizando jogos de palavras (exploração de múltiplos significados), jogos de imagens (metáforas, hipérboles, comparações) e jogos de construção (correlações, inversões, simetrias, “disseminação e recolha”) para surpreender o leitor com sensações e emoções.
Barroco é o nome dado a várias manifestações artísticas que marcaram o século XVII e o início do século XVIII. No Brasil, o Barroco literário tem seu marco inicial em 1601, com a publicação do poema Prosopopeia, de Bento Teixeira. Trata-se de um poema épico que denota a influência da poesia camoniana na literatura produzida no Brasil durante os séculos XVI e XVII. O movimento literário caracterizado por Barroco apresenta, de acordo com o contexto histórico, questões espirituais em oposição ao racionalismo renascentista. A composição artística é tão minuciosamente detalhada, que cria o efeito de um luxo extraordinário. Esse efeito também é facilmente percebido no uso da linguagem extremamente bem trabalhada, cheia de imagens e figuras exploradas por meio do jogo de palavras e figuras de linguagem.
sorial, utilizando jogos de palavras pela valorização do pormenor (exploração de múltiplos significados); jogos de imagens (metáforas, hipérboles, comparações) e jogos de construção (correlações, inversões, simetrias, “disseminação e recolha”) para surpreender o leitor com sensações e emoções. É caracterizado pela linguagem rebuscada, culta, extravagante, pelo uso de hipérboles, descritivismo. Essa tendência teve influência do poeta espanhol Luís de Gôngora, daí o estilo ser também conhecido por Gongorismo. No cultismo valoriza-se o “como dizer”. nn Conceptismo: é caracterizado pelo jogo de ideias, de conceitos, privilegiando um jogo intelectual que, por meio do raciocínio lógico, racionalista, desenvolvendo agudezas e sutilezas capazes de provocar o prazer da inteligência. É uma retórica aprimorada (arte de bem falar, ou escrever, com o propósito de convencer; oratória). Um dos principais cultores do Conceptismo foi o espanhol Quevedo, de onde deriva o termo Quevedismo. Valoriza-se, neste estilo, “o que dizer”.
nn Culto do contraste: o poeta barroco se sente dividido,
confuso. A obra é marcada pelo dualismo: carne X espírito, vida X morte, luz X sombra, racional X místico. Por isso, o emprego de antíteses. nn Pessimismo: devido à tensão (dualidade), o poeta barroco não tinha nenhuma perspectiva diante da vida. nn Literatura moralista: a literatura tornou-se um importante instrumento para educar e para “pregar” por parte dos religiosos (padres).
eF : Filip Fonte
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B07 Barroco: Pe. Antônio Vieira
Figura 02 - Igreja em estilo barroco no interior do Brasil
As características principais são:
k.com erstoc Shutt
nn Cultismo: confere grande importância à experiência sen-
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Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Padre Antônio Vieira Padre Antônio Vieira desenvolveu a prosa no período barroco e é reconhecido por seus sermões polêmicos, em que critica o despotismo dos colonos portugueses, a influência negativa que o protestantismo exerceria na colônia, os pregadores que não cumpriam com seu ofício de catequizar e evangelizar (seus adversários católicos) e a própria Inquisição. Vieira também defendia os índios e sua evangelização, condenando dos horrores vividos por eles sob o domínio dos colonos e dos cristãos-novos (judeus convertidos ao catolicismo) que aqui se instalaram. Famoso por seus sermões, padre Antônio Vieira também se dedicou a escrever cartas e profecias.
Fonte: Wikimedia Commons
Trata-se de um dos maiores oradores sacros europeus de todos os tempos, e o maior da língua portuguesa. Em seus sermões, ocupava-se de assuntos morais, filosóficos, sociais e políticos, pregando contra a corrupção, a ganância, a injustiça e a escravidão, unindo a apreensão com os problemas de seu tempo ao mais genuíno espírito cristão. O brilhantismo de seu desempenho e a atualidade de seus temas tornaram-no o mais notável prosador do século XVII. Figura 03 - Pe. Antônio Vieira, de Charles Legrand, 1839.
A vida de Pe. Antônio Vieira Filho de família humilde, Padre Antônio Vieira nasceu em Lisboa, em 1608, e veio para o Brasil com a família, aos sete anos de idade. Foi aluno do Colégio dos Jesuítas, na Bahia, que o impulsionou à vocação religiosa. Teve uma bisavó negra, e talvez isso o tenha predisposto a defender a liberdade de negros e indígenas. Aos 15 anos, ouviu um sermão sobre os horrores do inferno e isso o impressionou tanto que resolveu se tornar padre. Ingressou na Companhia de Jesus, destacando-se nos estudos. Aos 19 anos, ministrava aulas de retórica. Ainda jovem, pregou pela primeira vez e, no final de 1634, aos 27 anos, ordenou-se jesuíta e rapidamente tornou-se notável pela excepcional qualidade de seus sermões. Em dezembro de 1640, com a Restauração portuguesa, Vieira partiu na comitiva que iria comunicar oficialmente a adesão do Brasil ao novo rei português. D. João IV ficou impressionado com sua retórica e o nomeou seu conselheiro. Vieira tornou-se confessor do rei e da rainha de Portugal. Em 1652, retornou ao Brasil. Aqui, pregou durante nove anos, convertendo indígenas e defendendo-os da crueldade dos colonos que pretendiam escravizá-los. Os indígenas o admiravam muito e por isso chamavam-no de Payassu, que significa “pai grande”. Com a morte e D. João IV, Vieira perdeu a proteção com que contava na corte. Assim, perdeu o direito de pregar e foi condenado à prisão por heresia em consequência de sua adesão ao Sebastianismo. B07 Barroco: Pe. Antônio Vieira
Em 1669, logo após ter sido anistiado, foi para Roma, e lá encantou a corte papal com seus sermões. Depois viajou para a Suécia, onde foi confessor da rainha Cristina. Em 1681 voltou, definitivamente, para o Brasil, dedicando seus últimos anos à compilação, à revisão e ao aperfeiçoamento de seus sermões. Autor de mais de 200 sermões, representante do Barroco literário, Vieira é tido como um dos grandes autores da língua portuguesa e um dos maiores oradores sacros do século XVII. Desenvolveu expressiva atividade missionária junto aos indígenas do Brasil, particularmente no sentido de combater a sua escravidão pelos senhores de engenho. Vieira morreu em 18 de julho de 1697, em Salvador, aos 89 anos de idade. 609
Português
Sermão da Sexagésima Fazer pouco fruto a palavra de Deus no Mundo pode proceder de um de três princípios: ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus. Para uma alma se converter por meio de um sermão, há de haver três concursos: há de concorrer o pregador com a doutrina, persuadindo; há de concorrer o ouvinte com o entendimento, percebendo; há de concorrer Deus com a graça, alumiando. Para um homem se ver a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos. Que coisa é a conversão de uma alma senão entrar um homem dentro em si e ver-se a si mesmo? Para esta vista são necessários olhos, é necessária luz e é necessário espelho. O pregador concorre com o espelho que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o homem concorre com os olhos, que é o conhecimento. Ora suposto que a conversão das almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do pregador e do ouvinte; por qual deles havemos de entender que falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus? Observe que a produção sermonística de Vieira marca um dos pontos mais altos não apenas da produção barroca brasileira, mas também de Portugal, devido à posição particular do autor, que faz parte do cânone literário dos dois países. Do ponto de vista temático, o Sermão da Sexagésima aponta para o fato de que determinados excessos formais e de enfeite de linguagem prejudicavam a transmissão das ideias propostas pelos sermões. A escola barroca cultivou tanto o uso rebuscado da linguagem quanto o jogo de ideias, de modo que podemos ver na crítica do Sermão da Sexagésima uma crítica aos próprios excessos do barroco. A natureza crítica de sermões como o da Sexagésima, que pode ser notada em outros, tais como o Sermão do bom ladrão, foi uma constante na obra e na vida de Vieira, o que o levou, inclusive, à atuação como conselheiro real, diplomata e negociador. No entanto, essa postura ativa trouxe-lhe problemas com o tribunal do Santo Ofício.
B07 Barroco: Pe. Antônio Vieira
Fonte: Wikimedia Commons
Figura 04 - Cristo carregando a Cruz, Via Sacra de Congonhas, por Aleijadinho.
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Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Olhai, peixes, lá do mar para a terra. Não, não: não é isso o que vos digo. Vós virais os olhos para os matos e para o sertão? Para cá, para cá; para a cidade é que haveis de olhar. Cuidais que só os Tapuias se comem uns aos outros? Muito maior açougue é o de cá, muito mais se comem os Brancos. Vedes vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele concorrer às praças e cruzar as ruas; vedes aquele subir e descer as calçadas, vedes aquele entrar e sair sem quietação nem sossego? Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão de comer e como se hão de comer.
No início do texto, por meio das metáforas, Pe. Antônio chama a atenção para o fato de que os peixes grandes comem os pequenos. Por isso, um só peixe grande pode comer mais de mil, se fosse ao contrário, seria menos mal, pois um grande poderia alimentar muitos pequenos, enquanto que um grande não se sacia com muitos pequenos. Do início ao fim, o texto é carregado de cultismo, caracterizando-o dentro dos padrões barrocos, pois a metáfora dos peixes é utilizada em toda a obra do autor. Padre Vieira usa a metáfora dos peixes para referir a pessoas. O objetivo do sermão é revelar por meio de comparações que assim como os peixes, os homens se comem uns aos outros. Há a presença da alegoria uma vez que os peixes são metáfora dos homens. As virtudes dos peixes são, em contraste, metáfora dos defeitos dos homens e, além disso, estabelece-se uma metáfora entre os vícios de ambos. Os peixes ouvem, porém não falam; os homens falam muito e quase não ouvem. O orador prega aos peixes, no entanto, quem escuta são os homens. No fragmento, podemos notar que Vieira condena o abuso de poder dos grandes sobre os pequenos, o que aumenta cada vez mais o abismo social. Há uma passagem em que Vieira faz referência a Santo Agostinho. Ele nos lembra da relação inversa entre ambos: Santo Agostinho pregou aos homens utilizando a metáfora dos peixes; Vieira prega aos peixes usando diferente recurso. O texto é repleto de características típicas do Barroco. No texto lido estão presentes: o dualismo (peixe/homens) e (peixes grandes/peixes pequenos); as figuras de linguagem: hipérbole, metáfora, ideias paradoxais, entre outras. Fonte: Wikimedia Commons
A primeira cousa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros. Grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande. Olhai como estranha isto Santo Agostinho: Homines pravis, praeversisque cupiditatibus facti sunt, sicut pisces invicem se devorantes: Os homens com suas más e perversas cobiças, vêm a ser como os peixes, que se comem uns aos outros. Tão alheia cousa é, não só da razão, mas da mesma natureza, que sendo todos criados no mesmo elemento, todos cidadãos da mesma pátria e todos finalmente irmãos, vivais de vos comer! Santo Agostinho, que pregava aos homens, para encarecer a fealdade deste escândalo, mostrou-lho nos peixes; e eu, que prego aos peixes, para que vejais quão feio e abominável é, quero que o vejais nos homens.
Morreu algum deles, vereis logo tantos sobre o miserável a despedaçá-lo e comê-lo.
B07 Barroco: Pe. Antônio Vieira
Sermão de Santo Antônio aos peixes
Figura 05 - “Sermão de Santo Antônio aos peixes”, de Gregório Lopes, s/d.
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Português
Exercícios de Fixação 01. (UCS RS) O Barroco constituiu uma escola literária que enfocou a dualidade humana, empregando abundantemente a antítese. Assinale a alternativa que contém a expressão da visão de mundo, caracteristicamente, Barroca. a) Se basta a vos irar tanto um pecado, A abrandar-vos sobeja um só gemido, Que a mesma culpa, que vos há ofendido, Vos tem para o perdão lisonjeado. b) Tudo é deserto... somente À praça em meio se agita Dúbia forma que palpita, Se esforce em rouco estertor. c) Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos mal rompe a manhã. São muitas, eu pouco.
B07 Barroco: Pe. Antônio Vieira
d) Eu, filho do carbono e do amoníaco, Monstro de escuridão e rutilância, Sofro, desde a epigênese da infância, A influência má dos signos do zodíaco. 02. (IF SP) Escreva R para o que se refere ao movimento renascentista e B para o que se refere ao movimento Barroco. Em seguida, assinale a alternativa que apresenta a sequência correta. ( ) Esse movimento significou um retorno às formas e às proporções da antiguidade greco-romana. ( ) As esculturas, nessa fase, mostravam faces humanas marcadas pelas emoções, principalmente pelo sofrimento. ( ) Os artistas europeus dessa fase literária valorizavam as cores, as sombras e a luz e representavam os contrates. ( ) Indo de encontro ao saber baseado na autoridade, tradição e inspiração religiosa, durante esse movimento, a razão passa a ser a base do conhecimento. a) R/ R/ B/ R b) R/ B/ B/ R c) B/ B/ R/ B d) B/ B/ B/ R e) B/ R/ R/ B 03. (Mackenzie SP) É traço relevante na caracterização do estilo de época a que pertence o texto: a) a progressão temática que constrói forças de tensão entre pecado e salvação.
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b) a linguagem musical que sugere os enigmas do mundo onírico do poeta. c) os aspectos formais, como métrica, cadência e esquema rímico, que refletem o desequilíbrio emocional do eu lírico. d) a fé incondicional nos desígnios de Deus, única via para o conhecimento verdadeiro e redentor. e) a força argumentativa de uma poesia com marcas exclusivas de ideais antropocêntricos. 04. (Fuvest SP) “Entre os semeadores do Evangelho há uns que saem a semear, há outros que semeiam sem sair. Os que saem a semear são os que vão pregar à Índia, à China, ao Japão; os que semeiam sem sair são os que se contentam com pregar na pátria. Todos terão sua razão, mas tudo tem sua conta. Aos que têm a seara em casa, pagar-lhes-ão a semeadura; aos que vão buscar a seara tão longe, hão-lhes de medir a semeadura, e hão-lhes de contar os passos. Ah! dia do juízo! Ah! pregadores! Os de cá, achar-vos-ei com mais paço; os de lá, com mais passos...” Essa passagem é representativa de uma das tendências estéticas típicas da prosa seiscentista, a saber: a) Sebastianismo, isto é, a celebração do mito da volta de D.Sebastião, rei de Portugal, morto na batalha de Alcácer-Quibir. b) A busca do exotismo e da aventura ultramarina, presentes nas crônicas e narrativas de viagem. c) A exaltação do heroico e do épico, por meio das metáforas grandiloquentes da epopeia. d) Lirismo trovadoresco, caracterizado por figuras de estilo passionais e místicas. e) Conceptismo, caracterizado pela utilização constante dos recursos da dialética. 05. (Santa Casa SP) A preocupação com a brevidade da vida induz o poeta barroco a assumir uma atitude que: a) descrê da misericórdia divina e contesta os valores da religião. b) desiste de lutar contra o tempo, menosprezando a mocidade e a beleza. c) se deixa subjugar pelo desânimo e pela apatia dos céticos. d) se revolta contra os insondáveis desígnios de Deus. e) quer gozar ao máximo seus dias, enquanto a mocidade dura.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Exercícios Complementares
(Antônio Vieira. Sermões, 1963.)
púlpito: lugar de onde falam os pregadores. empeçado: emaranhado, confuso. 3 lavor: enfeite, ornamento. 1 2
Nesse texto, Antônio Vieira a) defende a prática do estilo conceptista do barroco, argumentando que a linguagem ornamentada garante a eficácia dos sermões. b) defende que as palavras devem ser dispostas no texto como as estrelas no céu, com tal ordem para produzir exclusivamente ornamentação. c) compara o uso de antíteses a um xadrez de palavras, que se presta a deixar mais clara a linguagem e a produzir efeitos distintos nos ouvintes. d) critica o estilo cultista do barroco, condenando o uso abusivo de antíteses nos sermões. e) ironiza e está certo de que os ouvintes portugueses têm dificuldade de entender as mensagens dos sermões pregados em língua portuguesa. 02. (Uespi PI) O Barroco foi, no Brasil e em Portugal, o estilo por excelência ao longo dos séculos XVII e XVIII. Filho da Contrarreforma e do Concílio de Trento, o Barroco encerra traços estilísticos e ideológicos bastante definidos. Dentre as características estéticas, religiosas e ideológicas enumeradas abaixo, qual caracteriza o Barroco?
a) Tentativa de conciliar a visão teocêntrica, medieval, com o antropocentrismo renascentista. b) Tentativa de unir a matéria e o espírito, a luz e a sombra, os apelos do corpo e da alma. c) Busca do equilíbrio, da racionalidade e da concisão. d) Empenho por um humanismo tolerante com as diferenças religiosas. e) Cultivo, dentre outros gêneros, da poesia trovadoresca e das cantigas de escárnio. 03. (Espm SP) Era ele que erguia casas Onde antes só havia chão. Como um pássaro sem asas Ele subia com as casas Que lhe brotavam da mão (...) Olhou em torno: gamela banco, enxerga, caldeirão Vidro, parede, janela, Casa, cidade, nação! Tudo, tudo o que existia Era ele quem o fazia Ele um humilde operário Um operário que sabia Exercer sua profissão. (Vinícius de Morais, O Operário em Construção)
(...) Em um engenho sois imitadores de Cristo crucificado (...) A Paixão de Cristo parte foi de noite sem dormir, parte do dia sem descansar, e tais são as vossas noites e os vossos dias. Cristo despido, e vós despidos; Cristo sem comer, e vós famintos; Cristo em tudo maltratado, e vós maltratados em tudo. (...) (Padre Vieira, Sermão XIV do Rosário)
Sabendo-se que o texto do Padre Vieira é representativo da estética barroca, assinale a opção que contenha dado não condizente com o período literário em questão: a) O fragmento apresenta anáforas, ou seja, repetição de palavras no início de frases ou orações. b) Há presença de ideias antitéticas. c) A religiosidade é marcante na citação da figura divina. d) O estilo conceptista - argumentativo, dissertativo - está evidente no excerto. e) A imagem grotesca, apelante ao feio, aparece nas figuras de Cristo e do escravo. 04. (Uespi PI) Os Sermões do Padre Antônio Vieira, enquanto gênero sacro, se caracterizam por usar a palavra de maneira perspicaz e por dar a cada palavra a tensão necessária. Para o crítico português Antônio José Saraiva, “não há nele palavras átonas, indiferentes, languescentes. Cada uma parece
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01. (Unifesp SP) Leia os fragmentos do Sermão da Sexagésima. Será porventura o estilo que hoje se usa nos púlpitos1? Um estilo tão empeçado2, um estilo tão dificultoso, um estilo tão afetado, um estilo tão encontrado a toda a arte e a toda a natureza? [...] O estilo há de ser muito fácil e muito natural. [...] O pregador há de ser como quem semeia, e não como quem ladrilha ou azuleja. Ordenado, mas como as estrelas [...]. Todas as estrelas estão por sua ordem; mas é ordem que faz influência, não é ordem que faça lavor3. Não fez Deus o céu em xadrez de estrelas, como os pregadores fazem o sermão em xadrez de palavras. Se de uma parte está branco, de outra há de estar negro; se de uma parte está dia, da outra há de estar noite; se de uma parte dizem luz, da outra hão de dizer sombra; se de uma parte dizem desceu, da outra hão de dizer subiu. Basta que não havemos de ver num sermão duas palavras em paz? Todas hão de estar sempre em fronteira com o seu contrário? Aprendamos do céu o estilo da disposição, e também o das palavras. Como hão de ser as palavras? Como as estrelas. As estrelas são muito distintas, e muito claras [...]. É possível que somos portugueses, e havemos de ouvir um pregador em português, e não havemos de entender o que diz?!
Português
ocupar o lugar que lhe é próprio, como um estado de alerta”. Ante o exposto, qual é, dentro das opções elencadas abaixo, o processo retórico que não caracteriza e, por sua vez, não compõe a estrutura da extensa e erudita obra de Vieira? a) Cultor da oratória conceptista, os Sermões partem sempre de um fato real ou de algo observado. b) Construindo uma analogia entre o seu momento presente e a “verdade” do texto bíblico, Vieira seduz, por meio da palavra precisa, o ouvinte/leitor a refletir e a reagir sobre os temas da sua pregação. c) Seus Sermões, apesar da riqueza imagética, se caracterizam por um vocabulário pouco seleto e uma sintaxe previsível e pobre. d) Orientado por objetivos morais, políticos ou religiosos, Vieira busca sempre atingir seu alvo com invulgar eloquência e força de persuasão. e) Os Sermões de Vieira seguem, em quase totalidade, a estrutura da retórica clássica tripartite: introito (ou exórdio), desenvolvimento (ou argumento) e peroração. 05. (UCS RS) Leia o fragmento do “Sermão do bom ladrão”, de Padre Antônio Vieira. (...) Quantas vezes se viu em Roma ir a enforcar um ladrão por ter roubado um carneiro; e no mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul, ou ditador, por ter roubado uma província. E quantos ladrões teriam enforcado estes mesmos ladrões triunfantes? (TUFANO, D. Estudos de literatura brasileira. 4 ed. rev. e ampl. São Paulo: Moderna, 1988. p. 71.)
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As afirmações seguintes referem-se ao fragmento acima. I. Nesse sermão, padre Antônio Vieira denuncia a hipocrisia da sociedade e o valor conferido ao poder. II. Pelo viés da crítica à impunidade, é possível fazer uma aproximação das palavras do padre, no século XVII, com a realidade brasileira de hoje. III. A metonímia, utilizada para construir o raciocínio nesse fragmento, é uma das características da linguagem rebuscada do Barroco. Das afirmações acima, a) apenas I está correta. b) apenas II está correta. c) apenas III está correta. d) apenas I e II estão corretas. e) I, II e III estão corretas. 06. (Espm RJ) Assinale o item que NÃO representa característica do período literário chamado Barroco: a) dilema do homem, atormentado pela ideia de pecado e pela busca da salvação da alma. b) choque entre o antropocentrismo renascentista e o teocentrismo medieval. c) exaltação dos estados da alma através de antíteses, paradoxos e interrogações. d) jogos de ideias e sutilezas de raciocínio. e) utilização enfática da mitologia greco-latina. 614
07. (FFFCMPA RS) Sobre o Sermão da Sexagésima, de autoria do Padre Antônio Vieira, assinale a alternativa correta. a) Padre Antônio Vieira se tornou o mestre da arte gongórica, ao apresentar no sermão um estilo claro e rigoroso da lógica do pensamento. b) O texto do sermão contém palavras que foram proferidas diante de um público; porém, no decorrer do texto fica claro que o orador não conseguiu atingir os fiéis diretamente. c) O fragmento “... pregam palavras de Deus, mas não pregam a palavra de Deus” pode ser assim interpretado: que a culpa da não-frutificação da palavra divina foi atribuída por ele aos demais pregadores de sua época. d) Os ouvintes, por sua vez, embora seduzidos pelas ideias do orador, não se deixavam conduzir pelas ideias propostas no seu discurso por interesses políticos. e) Na frase “O sermão há de ter um só assunto e uma só matéria”, Vieira está se referindo somente às verdades contidas em textos religiosos barrocos. 08. (Efoa MG) É incorreto afirmar que o Padre Antônio Vieira: a) valeu-se de seus sermões para a defesa de causas políticas e sociais, razão pela qual atraiu a fúria dos colonos, dos comerciantes e da Inquisição. b) tematizou, no Sermão do Bom Ladrão ou da Audácia, a necessidade de os seres humanos se amarem entre si para pagar o amor extremo que Cristo manifestou pela humanidade ao sofrer e morrer na cruz. c) utilizou, no Sermão da Epifania ou do Evangelho, o argumento de que Jesus nasceu para defender a ação evangelizadora dos missionários jesuítas entre os indígenas e a luta contra a violência dos colonos que teimavam em escravizar os índios. d) escreveu sermões que constituem a expressão máxima da prosa sacra barroca e da ideologia da Contrarreforma e) considerou, no Sermão da Primeira Dominga da Quaresma, que seus ouvintes estavam em pecado mortal por continuarem a manter os índios no cativeiro, defendendo como remédio para tal situação, a imediata liberdade de todos os índios escravizados. 09. (UFSM RS) Leia o trecho de um sermão, do Padre Antônio Vieira: “Será porventura o estilo que hoje se usa nos púlpitos um estilo tão empeçado, um estilo tão dificultoso, um estilo tão afetado, um estilo tão encontrado a toda parte e a toda a natureza? O estilo há de ser muito fácil e muito natural. Compara Cristo o pregar e o semear, porque o semear é uma arte que tem mais de natureza que de arte.” O objetivo do autor é a) destacar que a naturalidade- propriedade da natureza- pode tornar mais claro o estilo das pregações religiosas. b) salientar que o estilo usado na igreja, naquela época, não era afetado nem dificultoso. c) argumentar que a lição de Cristo é desnecessária para os objetivos da pregação religiosa. d) lamentar o fato de os sermões serem dirigidos dos púlpitos, excluindo da audiência as pessoas que ficavam fora da igreja. e) mostrar que, segundo o exemplo de Cristo, pregar e semear afetam o estilo, porque são práticas inconciliáveis.
FRENTE
B
PORTUGUÊS
MÓDULO B08
BARROCO: GREGÓRIO DE MATOS Que falta nesta cidade?…………………………….... Verdade Que mais por sua desonra ………………………..… Honra Falta mais que se lhe ponha ……………………..… Vergonha. O demo a viver se exponha, por mais que a fama a exalta, numa cidade, onde falta Verdade, Honra, Vergonha.
ASSUNTOS ABORDADOS nn Barroco: Gregório de Matos nn A poesia barroca no Brasil nn A obra de Gregório de Matos
Quem a pôs neste socrócio?………………………… Negócio Quem causa tal perdição?…………………………... Ambição E o maior desta loucura?…………………….………. Usura. Notável desaventura de um povo néscio, e sandeu, que não sabe, que o perdeu Negócio, Ambição, Usura. Quais são os seus doces objetos?………………… Pretos Tem outros bens mais maciços?…………………… Mestiços Quais destes lhe são mais gratos?……………….. Mulatos. Dou ao demo os insensatos, dou ao demo a gente asnal, que estima por cabedal Pretos, Mestiços, Mulatos. [...] E nos Frades há manqueiras?……………….……… Freiras Em que ocupam os serões? ………………………… Sermões Não se ocupam em disputas?………………………. Putas. Com palavras dissolutas me concluis na verdade, que as lidas todas de um Frade são Freiras, Sermões, e Putas.
Fonte: Wikimedia Commons
O açúcar já se acabou?……………………………….. Baixou E o dinheiro se extinguiu?………………………..…. Subiu Logo já convalesceu? …………………………………… Morreu. À Bahia aconteceu o que a um doente acontece, cai na cama, o mal lhe cresce, Baixou, Subiu, e Morreu. A Câmara não acode?……………………………….…. Não pode Pois não tem todo o poder?………………………… Não quer É que o governo a convence? ………….……….…. Não vence. Quem haverá que tal pense, que uma Câmara tão nobre por ver-se mísera, e pobre Não pode, não quer, não vence. Gregório de Matos, disponível em http://www.dominiopublico.gov.br
Figura 01 - Sobrado em ruínas: Cachoeira/BA
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Português
A poesia barroca no Brasil O século XVI foi uma época de crise geral, social, política e, sobretudo, econômica. Foi um período de grandes conflitos e contradições, período em que Portugal encontrava-se em decadência e impunha ao Brasil uma série de restrições comerciais a fim de conseguir vantagens. Em função disso, os senhores de engenho e proprietários rurais brasileiros começaram a enfrentar uma forte crise econômica. Em contrapartida à crise do mercado de escravos e do engenho de açúcar, surge uma rica burguesia composta por imigrantes vindos de Portugal e que chefiavam o comércio na Colônia. Devido ao monopólio gerado por esses imigrantes, agravou-se a crise dos proprietários rurais brasileiros, e a hostilidade entre esses dois grupos foi crescendo ao longo dos anos. A instabilidade política, a decadência econômica de Portugal e a crise açucareira foram fatores importantes para o surgimento do movimento cultural e artístico denominado Barroco. Diante da crise e da decadência de seu tempo, os artistas do período Barroco tomam várias atitudes: desilusão com a vida foi fixada e retratada nas obras da época. Assim, ante a miséria do mundo, o artista refugiava-se nos valores de uma vida de retiro e penitência. nn A essa reação espiritual de afastamento opôs-se uma segunda atitude, a de fuga para épocas mais gloriosas, como a Idade Média (história, costumes, formas estéticas). nn Uma terceira atitude foi a de protesto perante a situação do momento, manifestada pela sátira, que zombava de situações injustas (políticas, sociais, artísticas).
Fonte: Wikimedia Commons
nn A
Gregório de Matos Guerra, filho de senhor de engenho e bacharel em Direito, está no meio desse cenário conflituoso, mas é capaz de pensar e analisar seu momento histórico sob diversas perspectivas. Apesar de ter tido diversos cargos de poder, Gregório resolve desligar-se de tudo e viver à margem da sociedade como um poeta itinerante, percorrendo o recôncavo baiano e frequentando festas e rodas da boemia baiana. Embora distanciado da sociedade hipócrita que ele condenava, o poeta também se insere nela, pois Gregório ainda depende da nobreza e vive à custa de favores dela. Com a concentração de riquezas, foram acentuadas as diferenças regionais, e começaram a surgir manifestações artísticas diferentes em várias regiões do país. Era a chegada do Barroco, mais de um século após ter se iniciado na Europa.
B08 Barroco: Gregório de Matos
A Bahia, ainda no ciclo do açúcar, produziu notável arte barroca. O rio São Francisco passou a ser o principal meio de integração da região Nordeste com Minas Gerais. No Brasil, o primeiro representante barroco, em Salvador, foi Antônio Simões Ribeiro. Contudo, seus trabalhos perderam-se no tempo. O maior pintor da Bahia do período colonial foi José Joaquim da Rocha (1737-1807), que venceu o concurso para pintura do teto da Igreja Nossa Senhora da Palma: a Glorificação de Santo Agostinho. O Barroco é fruto de um período em que o conservadorismo da Igreja se manifesta, reagindo contra a inovação da época e os valores burgueses, como o amor, o luxo, o dinheiro.
Figura 02 - Poeta baiano Gregório de Matos
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O Barroco no Brasil ganhou impulso entre 1720 e 1750, quando foram fundadas várias academias literárias por todo o país. Nas artes plásticas, esse desenvolvimento só aconteceu no final do século XVIII, quando, em decorrência da descoberta do ouro em Minas Gerais, construíram-se igrejas de estilo barroco no país
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Gregório de Matos passou para a história da literatura brasileira como poeta maldito. Conhecido na Bahia como “Boca do Inferno”, fez jus a esse apelido devido à ácida crítica que fazia à sociedade de seu tempo por meio de sua poesia satírica, não poupando nem aristocracia, nem o Clero, nem mulheres. Gregório atuou em todos os setores da poesia: na sátira, na encomiástica e nas líricas profana e religiosa, explorando todas as possibilidades da versificação. Para compreender sua produção é necessário considerar a retórica que dominava a época, a doutrina em que ele se encontrava imerso, o Barroco. Época marcada pela contradição e tensão, pelo conflito e dualismo: mistura de religiosidade e sensualismo, de misticismo e erotismo, de valores terrenos e carnais e de aspirações espirituais. Gregório constitui na Bahia a expressão mais forte da poesia barroca da Colônia. Sua poesia é a primeira manifestação expressiva da mestiçagem cultural que figurava no Brasil. Existem dois pontos principais na obra de Gregório de Matos que devem ser observados: a) O intenso conflito de ordem espiritual, típico do período barroco: de um lado, o Teocentrismo, de outro, o Antropocentrismo. Em sua poesia religiosa, Gregório consegue filtrar com maestria essa dualidade vivida pelo homem da época. b) A linguagem do autor: assim como Gregório procura utilizar um vocabulário mais formal nos poemas líricos e religiosos, ele utiliza gírias e até termos de baixo calão nos poemas satíricos. Afirmam os estudiosos que Gregório de Matos foi o primeiro artista brasileiro a denunciar os desmandos políticos e o cotidiano da Bahia, capital do Brasil à época.
A obra de Gregório de Matos
Leia a seguir o soneto “Triste Bahia” de Gregório de Matos: Triste Bahia! Ó quão dessemelhante Estás e estou do nosso antigo estado! Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado, Rica te vi eu já, tu a mi abundante. A ti trocou-te a máquina mercante, Que em tua larga barra tem entrado, A mim foi-me trocando, e tem trocado, Tanto negócio e tanto negociante. Deste em dar tanto açúcar excelente Pelas drogas inúteis, que abelhuda Simples aceitas do sagaz Brichote. Oh se quisera Deus, que de repente Um dia amanheceras tão sisuda Que fora de algodão o teu capote!
SAIBA MAIS O soneto “Triste Bahia” de Gregório de Matos foi musicado pelo artista Caetano Veloso (também baiano), durante seu exílio em 1972 em Londres, período em que o Brasil passava por um Regime Militar. A canção recebe o mesmo nome do soneto e está presente no álbum “Transa”.
Poesia satírica
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É com a poesia satírica que Gregório tornou-se célebre e notável. Por meio dela ele ganhou fama e inimigos. Gregório não perdoava ninguém: ricos e pobres, negros e brancos, padres e freiras, autoridades civis e religiosas, amigos e inimigos. Todos eram alvo de sua lira maldizente. O melhor de sua sátira é a crítica de cunho geral aos vícios da sociedade como também das instituições. Gregório de Matos foi irreverente como pessoa, ao afrontar os valores e a falsa moral da sociedade baiana.
B08 Barroco: Gregório de Matos
A sátira de Gregório não é revolucionária ou libertadora, mas debochada e denunciadora dos maus costumes e valores pecaminosos. Atua no sentido de manter a estrutura social, política e religiosa, fato comum a todos os grandes autores do Barroco, com elementos fortemente arraigados na psicologia comum da época, de fundamento religioso-moral.
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Português
Ao longo do tempo, a sátira continuou sendo um recurso bastante utilizado para criticar a corrupção política e as figuras do poder público. A poesia satírica de Gregório buscava retratar com muito humor e crítica várias situações sociais, tanto de caráter popular quanto relacionadas às elites ou governantes, além de apresentar um rico panorama sociocultural. Você verá que, como ocorre com os sermões de Vieira, a produção literária desse poeta também apresenta uma inacreditável atualidade. Leia a seguir um exemplo dessa face crítica de Gregório neste soneto: À cidade da Bahia A cada canto um grande conselheiro, Que nos quer governar a cabana e vinha, Não sabem governar sua cozinha, E querem governar o mundo inteiro. Em cada porta um frequentado olheiro, Que a vida do vizinho e da vizinha Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha, Para o levar à Praça, e ao Terreiro. Muitos Mulatos desavergonhados, Trazidos pelos pés os homens nobres,
Estupendas usuras nos mercados, Todos, os que não furtam, muito pobres, E eis aqui a cidade da Bahia.
B08 Barroco: Gregório de Matos
Figura 03 - A sociedade de Salvador em gravura que retrata a Igreja de Nossa Senhora da Piedade, já no século XIX
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Pasta nas palmas toda a picardia.
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Poesia lírica
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
A poesia lírica de Gregório de Matos retoma os temas clássicos, como a oposição entre espírito e matéria. Com muito cuidado na construção de metáforas e na estruturação sintática do poema, Matos jamais transforma sua poesia em um exercício exagerado do artificialismo da linguagem cultista.
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.
A poesia lírica de Gregório de Matos, segundo sua temática, divide-se em três tipos: lírico-amorosa, lírico-religiosa e lírico-filosófica. 1) Lírico-amorosa A poesia lírico-amorosa de Gregório é profundamente marcada pelo contraste (a identificação entre os opostos), a imagem da mulher, por exemplo, é tratada como angelical e demoníaca, uma vez que a noção de pecado era muito presente. Ele insiste na imagem imposta pela ideologia católica, confundindo o amor e o encanto com sedução pecaminosa. No texto a seguir, o poeta mostra a imagem de uma mulher, evidenciando esse jogo de contradições. Se essa mulher é um anjo, como é possível que, em lugar de garantir proteção, ela cause apenas tentação ao eu lírico? A contradição entre o amar e o querer caminha para o paradoxo dos versos finais “Sois anjos que me tenta e não me guarda”. Nesse sentido, a exaltação de uma beleza angelical termina com uma tentação demoníaca, gerada pela imagem angelical feminina, e pela tentação da carne, o que atormenta o espírito do eu lírico. À mesma D. Ângela
2) Lírico-religiosa (ou lírico-sacra) Nesse tipo de poema, Gregório decanta a angústia entre a culpa pelo pecado e a esperança de salvação. Entretanto, a postura do poeta diante de Deus nem sempre é de submissão, já que muitas vezes ele se comporta como um advogado que faz a própria defesa diante de um grande juiz, formulando paradoxos com base em premissas cristãs e bíblicas. A Jesus Cristo Nosso Senhor Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado, Da vossa alta piedade me despido, Porque quanto mais tenho delinquido, Vos tenho a perdoar mais empenhado. Se basta a vos irar tanto pecado, A abrandar-vos sobeja um só gemido, Que a mesma culpa, que vos há ofendido, Vos tem para o perdão lisonjeado. Se uma ovelha perdida, e já cobrada Glória tal, e prazer tão repentino vos deu, como afirmais na Sacra História:
Anjo no nome, Angélica na cara,
Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada
Isso é ser flor, e anjo juntamente,
Cobrai-a, e não queirais, Pastor divino,
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.
Quem veria uma flor, que a não cortara De verde pé, de rama florescente? E quem um Anjo vira tão luzente, Que por seu Deus, o não idolatrara? Se como Anjo sois dos meus altares, Fôreis o meu custódio, e minha guarda, Livrara eu de diabólicos azares. Mas vejo, que tão bela, e tão galharda,
Bem no início do soneto, na primeira estrofe o eu lírico admite que pecou, mas não está abdicando da piedade de Jesus, pois ainda quer ser perdoado. E argumenta: quanto mais ele pecar, mais Jesus vai se empenhar em perdoá-lo. Ele confia que, na mesma medida em que ele errar, ele será perdoado. Na terceira estrofe, recorre ao trecho bíblico no qual o pecador (ovelha) afasta-se do rebanho de Deus, mas é resgatado pelo Pastor, que lhe concede atenção especial em comparação às outras ovelhas que se perderam. Podemos perceber aqui a ideia de conceptismo: argumento, ideias, conceitos. Existe uma tese e uma antítese que culmina para a síntese: o fato de ser pecador garante-lhe o perdão de Deus. Fato que ele próprio buscou na Bíblia para sustentar sua argumentação. 619
B08 Barroco: Gregório de Matos
Em quem, senão em vós se uniformara?
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3) Lírico-filosófica (ou lírico-reflexiva) Nessa lírica, o poeta faz considerações sobre a condição humana diante da instabilidade do mundo e das incertezas da vida. O homem do Barroco sabia que havia outra força extraordinária contra ele: a passagem inevitável do tempo, que atrai todos para a morte e, consequentemente, para o “Juízo Final”. Daí a necessidade urgente de aproximar-se de Deus. O poema lírico-filosófico fala sobre a instabilidade dos seres do mundo. O eu lírico busca a essência, o motivo da existência da vida. A única certeza que se tem é de que tudo é passageiro. Essa certeza de que tudo no mundo é transitório motivou visões desencorajadas, pessimistas, como evidenciam os versos de Gregório de Matos, no soneto a seguir. A instabilidade das cousas do mundo Nasce o Sol, e não dura mais que um dia, Depois da Luz se segue a noite escura, Em tristes sombras morre a formosura, Em contínuas tristezas a alegria. Porém, se acaba o Sol, por que nascia? Se tão formosa a Luz; por que não dura? Como a beleza assim se transfigura? Como o gosto da pena assim se fia? Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza, Na formosura não se dê constância, E na alegria sinta-se tristeza. Começa o mundo enfim pela ignorância, E tem qualquer dos bens por natureza A firmeza somente na inconstância.
B08 Barroco: Gregório de Matos
Era um momento de incertezas já que as “verdades” pregadas pela Igreja estavam sendo postas em xeque. No questionamento feito no poema, percebemos uma insegurança com relação à fugacidade das coisas terrenas e uma tentativa de compreensão dos processos da natureza. O soneto se constrói por meio de uma sucessão de antíteses e interrogações que revelam a angústia do eu lírico barroco. O poema, ao questionar a inconsistência das coisas do mundo, reflete a tensão do homem barroco dividido entre a espiritualidade legada pela Idade Média e o gozo da vida terrena, proposto pela Renascença.
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Exercícios de Fixação
(DAMASCENO, Darcy. Melhores poemas: Gregório de Matos. 6 ed. São Paulo: Global, 2001, p.103.)
a) sacra b) lírica amorosa c) satírica d) burlesca e) didática 02. (UCS RS) O Barroco constituiu uma escola literária que enfocou a dualidade humana, empregando abundantemente a antítese. Assinale a alternativa que contém a expressão da visão de mundo, caracteristicamente, Barroca. a) Se basta a vos irar tanto um pecado, A abrandar-vos sobeja um só gemido, Que a mesma culpa, que vos há ofendido, Vos tem para o perdão lisonjeado. b) Assim era aquele casal: ele como o jerivá velho, ela como um cacho de flor. c) Tudo é deserto... somente À praça em meio se agita Dúbia forma que palpita, Se esforce em rouco estertor. d) Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos mal rompe a manhã. São muitas, eu pouco. e) Eu, filho do carbono e do amoníaco, Monstro de escuridão e rutilância, Sofro, desde a epigênese da infância, A influência má dos signos do zodíaco. 03. (UCS RS) Gregório de Matos é o autor do poema “Pondera agora com mais atenção a formosura de D. Ângela”. Leia o excerto abaixo.
A querer ver tão bela arquitetura. Ontem a vi por minha desventura Na cara, no bom ar, na galhardia De uma Mulher que em Anjo se mentia, De um Sol, que se trajava criatura. Me matem (disse então vendo abrasar-me) Se esta a cousa não é, que encarecer-me. Sabia o mundo, e tanto exagerar-me. Olhos meus (disse então por defender-me) Se a beleza hei de ver matar-me, Antes, olhos, ergueis, do que eu perder-me. Fonte: Pondera agora com mais atenção a formosura de D. Ângela. In: MATOS, Gregório de. Obra Poética. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 1992.
Nos versos acima, manifesta-se o conflito __________ entre o humano e o __________, de modo coerente com a estética __________. No entendimento do sujeito lírico, a formosura feminina, nítida na aparência angelical de D. Ângela, traz a __________ do homem, remetendo ao ensinamento bíblico que aconselha: __________. Assinale a alternativa que preenche correta e respectivamente as lacunas. a) intimista – pecaminoso – romântica – aniquilação –“Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus”. b) existencial – natural – árcade – liberdade – “O senhor é meu pastor, nada me faltará”. c) ideológico – real – realista – salvação – “Vigiai, porque não sabeis nem o dia e nem a hora”. d) dualista – divino – barroca – perdição – “Se o teu olho direito te leva a pecar, arranca-o e lança-o fora de ti”. e) formal – exterior objetivo – parnasiano – alienação – “Pondera a vereda de teus pés, e todos os teus caminhos sejam retos”. 04. (IF PE) Os textos a seguir são do escritor barroco Gregório de Matos que encarnou em sua literatura as tensões espirituais do homem da época. Analise as afirmações e marque a correta.
Pondera agora com mais atenção a formosura de D. Ângela
Pintura Admirável de uma Beleza
Não vi em minha vida a formosura, Ouvia falar nela cada dia,
Vês esse Sol de luzes coroado? Em pérolas a Aurora convertida? Vês a Lua de estrelas guarnecida? Vês o Céu de Planetas adorado?
E ouvida me incitava, e me movia
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B08 Barroco: Gregório de Matos
01. (Uniube MG) Como autêntico poeta barroco, Gregório de Matos demonstra isso na contraditória diversidade de temas que escreve. Leia os versos a seguir e assinale a alternativa que representa a temática neles abordada pelo autor. Eu sou aquele, que os passados anos cantei na minha lira maldizente torpezas do Brasil, vícios, e enganos.
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O Céu deixemos; vês naquele prado A Rosa com razão desvanecida? A Açucena por alva presumida? O Cravo por galã lisonjeado? Deixa o prado; vem cá, minha adorada, Vês desse mar a esfera cristalina Em sucessivo aljôfar desatada? Parece aos olhos ser prata fina? Vês tudo isto bem? pois tudo é nada À vista do teu rosto, Caterina. MATOS, G. de. Disponível em: http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/gmatos.htm. Acesso em: 03/06/2015.
À Cidade da Bahia Triste Bahia! Ó quão dessemelhante Estás, e estou do nosso antigo estado! Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado, Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
da pelo o uso das antíteses que retratam os estados anteriores e atuais das duas personagens principais: a cidade e o eupoético. V. A apóstrofe, recurso estilístico bastante usado pelo autor, está presente nos dois textos. Pode-se observar que em ambos o eulírico dialoga com “alguém” (Caterina e a Bahia, respectivamente) para enfatizar sua relação com o interlocutor. Estão corretas: a) III, IV e V b) II, III e IV c) I, II e III d) I, IV e V e) I, II e V 05. (IF SP) Sobre o poema de Gregório de Matos, analise as assertivas abaixo. Amor fiel Ó tu do meu amor fiel traslado Mariposa entre as chamas consumida, Pois se à força do ardor perdes a vida, A violência do fogo me há prostrado.
A ti trocou-te a máquina mercante, Que em tua larga barra tem entrado, A mim foi-me trocando, e tem trocado, Tanto negócio e tanto negociante.
Tu de amante o teu fim hás encontrado, Essa flama girando apetecida; Eu girando uma penha endurecida, No fogo que exalou, morro abrasado.
Deste em dar tanto açúcar excelente Pelas drogas inúteis, que abelhuda Simples aceitas do sagaz Brichote.
Ambos de firmes anelando chamas, Tu a vida deixas, eu a morte imploro Nas constâncias iguais, iguais nas chamas.
Oh se quisera Deus, que de repente Um dia amanheceras tão sisuda Que fora de algodão o teu capote!
Mas ai! que a diferença entre nós choro, Pois acabando tu ao fogo, que amas, Eu morro, sem chegar à luz, que adoro.
MATOS, G. de. Disponível em: http://poesiacontraaguerra.blogspot.com. br/2007/01/ cidade-da-bahia.html. Acesso em: 03/06/2015.
I.
B08 Barroco: Gregório de Matos
II.
III.
IV.
622
Os textos acima estão escritos em prosa, apesar de conterem certa carga lírica e de trazerem algumas características formais consideradas poéticas, tais como métrica e rima. O primeiro texto pode ser considerado um poema lírico-religioso, pois, apesar de tratar da expressão amorosa do eu lírico por sua musa Caterina, o amor se mantém casto, longe dos apelos sexuais, obedecendo portanto aos ideais religiosos da época. O segundo texto, apesar de ser classificado como parte da obra satírica do autor, não faz apenas uma crítica contundente ao lugar. Observa-se também um tom de lirismo, trazido à tona pelos sentimentos de nostalgia e angústia que permeiam todo o texto. O segundo poema, além de ter sido escrito sob a forma do soneto, tem sua composição ainda mais enriqueci-
I. II. III.
Usando a linguagem metafórica, o poeta compara o destino da mariposa ao destino do poeta. É um soneto descritivo que traduz o conflito entre o que o poeta sente e o que gostaria de sentir. Encontra-se, nesses versos, uma das características do Barroco, o conceptismo, que ocorre principalmente nos poemas; é marcado pelo jogo de ideias, de conceitos, que utiliza uma retórica aprimorada.
É correto o que se afirma em a) I e III, apenas. b) III, apenas. c) I apenas. d) II, apenas. e) I, II e III.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias Questão 01. [D] O Barroco caracteriza-se por uma estética movida principalmente por inspiração religiosa, mas expressando concomitantemente a sensorialidade, como a estátua do profeta Ezequiel esculpido por Aleijadinho. O manto, decorado por uma barra com desenho, apresenta dobras sobrepostas e riqueza de detalhes, ao mesmo tempo que o rosto, altamente expressivo, apresenta bigodes, barba curta com cabelos curtos cobertos com um barrete ao invés de um turbante. Assim, é correta a opção [D] que afirma que a obra de Aleijadinho revela personalidade ao modelar uma imagem sacra com feições populares.
Exercícios Complementares 01. (Enem MEC)
e alcanço & em cada escad a me escapo & em cada pe dra te prendo & em cada g rade me escravo & em ca da sótão te sonho & em cada esconso me Affonso & em cada claúdio te canto & e m cada fosso me enforco & ÁVILA, A. Discurso da difamação do poeta. São Paulo: Summus, 1978.
Com contornos assimétricos, riqueza de detalhes nas vestes e nas feições, a escultura barroca no Brasil tem forte influência do rococó europeu e está representada aqui por um dos profetas do pátio do Santuário do Bom Jesus de Matosinho, em Congonhas, (MG), esculpido em pedra-sabão por Aleijadinho. Profundamente religiosa, sua obra revela a) liberdade, representando a vida de mineiros à procura da salvação. b) redibilidade, atendendo a encomendas dos nobres de Minas Gerais. c) simplicidade, demonstrando compromisso com a contemplação do divino. d) personalidade, modelando uma imagem sacra com feições populares. e) singularidade, esculpindo personalidade do reinado nas obras divinas. 02. (Enem MEC) Casa dos Contos & em cada conto te cont o & em cada enquanto me enca nto & em cada arco te a barco & em cada porta m e perco & em cada lanço t
03. (Enem MEC) Quando Deus redimiu da tirania Da mão do Faraó endurecido O Povo Hebreu amado, e esclarecido, Páscoa ficou da redenção o dia. Páscoa de flores, dia de alegria Àquele povo foi tão afligido O dia, em que por Deus foi redimido; Ergo sois vós, Senhor, Deus da Bahia. Pois mandado pela alta Majestade Nos remiu de tão triste cativeiro, Nos livrou de tão vil calamidade. Quem pode ser senão um verdadeiro Deus, que veio estirpar desta cidade O Faraó do povo brasileiro. DAMASCENO, D. (Org.). Melhores poemas: Gregório de Matos. São Paulo: Globo, 2006.
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B08 Barroco: Gregório de Matos
BARDI, P. M. Em torno da escultura no Brasil. São Paulo: Banco Sudameris Brasil, 1989.
O contexto histórico e literário do período barroco-árcade fundamenta o poema Casa dos Contos, de 1975. A restauração de elementos daquele contexto por uma poética contemporânea revela que a) a disposição visual do poema reflete sua dimensão plástica, que prevalece sobre a observação da realidade social. b) a reflexão do eu lírico privilegia a memória e resgata, em fragmentos, fatos e personalidades da Inconfidência Mineira. c) a palavra “esconso” (escondido) demonstra o desencanto do poeta com a utopia e sua opção por uma linguagem erudita. d) o eu lírico pretende revitalizar os contrastes barrocos, gerando uma continuidade de procedimentos estéticos e literários. e) o eu lírico recria, em seu momento histórico, numa linguagem de ruptura, o ambiente de opressão vivido pelos inconfidentes.
Português
Com uma elaboração de linguagem e uma visão de mundo que apresentam princípios barrocos, o soneto de Gregório de Matos apresenta temática expressa por a) visão cética sobre as relações sociais. b) preocupação com a identidade brasileira. c) crítica velada à forma de governo vigente. d) reflexão sobre os dogmas do cristianismo. e) questionamento das práticas pagãs na Bahia. 04. (Uepa PA) Costumes, usos e manhas nossas aparecem-lhe nos versos em alusões, referências, expressões, que documentam o grau adiantado da mestiçagem entre os três fatores da nossa gente que aqui se vinha operando desde o primeiro século da nossa existência. É sobretudo esta feição documental da sociedade do seu tempo que sobreleva Gregório de Matos aos seus contemporâneos e ainda a todos os poetas coloniais antes dos mineiros, todos eles sem fisionomia própria. O único que em suma a tem é ele. (VERISSÍMO:1998)
Segundo Veríssimo, os poemas de Gregório de Matos Guerra, pelo que documentam, isto é, comunicam, permitem afirmar que: a) os versos do poeta registram a pureza étnico racial da sociedade baiana dos seiscentos. b) a poesia do poeta era inspirada em documentos oficiais da época. c) o teor documental de seus poemas expressa com fidelidade a Bahia, e ainda é responsável pela originalidade de sua poética. d) sua poesia, por ser um documento social da época, é medíocre se comparada a dos árcades. e) o poeta é o único representante do Barroco brasileiro que não tem fisionomia própria. 05. (Uepa PA) Nasce o Sol, e não dura mais que um dia, Depois da luz se segue a noite escura, Em tristes sombras morre a formosura, Em contínuas tristezas a alegria.
B08 Barroco: Gregório de Matos
(Gregório de Matos Guerra)
Assinale a alternativa que contém uma característica da comunicação poética, típica do estilo Barroco, existente no quarteto acima. a) Reflexão sobre o caráter humano da divindade. b) Associação da natureza com a permanência da realidade espiritual. c) Presença da irreverência satírica do poeta com base no paradoxo. d) Utilização do pleonasmo para reforçar a superioridade do cristianismo sobre o protestantismo. e) Uso de ideias contrastantes com base no recurso da antítese. 06. (Enem MEC) Quando Deus redimiu da tirania Da mão do Faraó endurecido O Povo Hebreu amado, e esclarecido, Páscoa ficou da redenção o dia. 624
Páscoa de flores, dia de alegria Àquele povo foi tão afligido O dia, em que por Deus foi redimido; Ergo sois vós, Senhor, Deus da Bahia. Pois mandado pela alta Majestade Nos remiu de tão triste cativeiro, Nos livrou de tão vil calamidade. Quem pode ser senão um verdadeiro Deus, que veio estirpar desta cidade O Faraó do povo brasileiro. DAMASCENO, D. (Org.). Melhores poemas: Gregório de Matos. São Paulo: Globo, 2006.
Com uma elaboração de linguagem e uma visão de mundo que apresentam princípios barrocos, o soneto de Gregório de Matos apresenta temática expressa por a) visão cética sobre as relações sociais. b) preocupação com a identidade brasileira. c) crítica velada à forma de governo vigente. d) reflexão sobre os dogmas do cristianismo. e) questionamento das práticas pagãs na Bahia. 07. (Enem MEC) Lisonjeia outra vez impaciente a retenção de sua mesma desgraça... Gregório de Matos
Discreta e formosíssima Maria, Enquanto estamos vendo claramente Na vossa ardente vista o sol ardente, E na rosada face a Aurora fria: Enquanto pois produz, enquanto cria Essa esfera gentil, mina excelente No cabelo o metal mais reluzente, E na boca a mais fina pedraria: Gozai, gozai da flor da formosura, Antes que o frio da madura idade Tronco deixe despido, o que é verdura. Que passado o Zenith da mocidade, Sem a noite encontrar da sepultura, É cada dia ocaso de beldade. CUNHA, H. P. Convivência maneirista e barroca na obra de Gregório de Matos. In: Origens da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1979.p. 90.
O Barroco é um movimento complexo, considerado como a arte dos contrastes. O poema de Gregório de Matos, que revela características do Barroco brasileiro, é uma espécie de livre-tradução de um poema de Luís de Gôngora, importante poeta espanhol do século XVII.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Fruto de sua época, o poema de Gregório de Matos destaca a) a regular alternância temática entre versos pares e ímpares. b) o contraste entre a beleza física da mulher e a religiosidade do poeta. c) o pesar pela transitoriedade da juventude e a certeza da morte ou da velhice. d) o uso de antíteses para distinguir o que é terreno e o que é espiritual na mulher. e) a concepção de amor que se transforma em tormento da alma e do corpo do eu lírico. 08. (UEG GO)
09. (UFJF MG) Texto I Epitáfio à mesma beleza sepultada Vemos a luz (ó caminhante espera) De todas, quantas brilham, mais pomposa, Vemos a mais florida Primavera, Vemos a madrugada mais formosa: Vemos a gala da luzente esfera, Vemos a flor das flores mais lustrosa Em terra, em pó, em cinza reduzida: Quem te teme, ou te estima, ó morte, olvida. Matos, Gregório de. Crônica do viver baiano seiscentista. In: Obras completas de Gregório de Matose Guerra. Salvador: Janaína, 1969,7 volumes, tomo III,p. 528. Adaptado.
Texto II Cristãos, pagãos, maometanos, A qual de vós fará o Mistério a vontade? A incerteza do que é a morte é o que nos vale na vida. O desconhecimento do que é a morte é o sentido da vida. O desconhecermos a morte é que faz a beleza da vida.
Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado, Da vossa alta clemência me despido; Porque quanto mais tenho delinquido, Vos tenho a perdoar mais empenhado. Obras poética de Gregório de Matos. Rio de Janeiro: Record: 1990.
Durante o período colonial brasileiro, as principais manifestações artísticas, populares ou eruditas, foram, assim como nos demais aspectos da vida cotidiana, marcadas pela influência da religiosidade. Nesse sentido, com base na análise da presença da religiosidade na obra de Aleijadinho e Gregório de Matos, é CORRETO afirmar que: a) Ambas são modelos da arte barroca, uma vez que se inspiram mais na temática cristã do que em elementos oriundos da mitologia greco-romana. b) A presença da temática religiosa em ambos deve-se à influência protestante holandesa na região da Bahia e de Minas Gerais. c) No trecho do poema, tem-se a expressão de um pecador que, embora creia em Deus, não tem certeza de que obterá o perdão divino. d) A pobreza estética da obra de Aleijadinho e Matos deriva da censura promovida pela Santa Inquisição às obras artísticas no Brasil.
Mas sei que de cada vida que passa há um universo em mim. Pessoa, Fernando. Poesia/Álvaro de Campos. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 258. Adaptado.
Segundo o eulírico do texto I, duas posturas aparentemente opostas em relação à morte – temer ou estimar – se aproximam quanto à motivação. Tanto quem a teme, quanto quem a estima se esquece, fundamentalmente, de que: a) a vida é breve e bela, a morte é inevitável. b) a vida é longa e vazia, a morte é a melhor solução. c) a vida não brilha, já que a morte prevalece no fim. d) a vida é efêmera e dura, a morte é formosa. e) a vida não é penosa, se a morte se aproxima rapidamente. 10. (Mackenzie SP) Os conhecidos versos de Gregório de Matos – Ser Angélica flor e Anjo florente / Em quem, senão em vós, se uniformara: – revelam que a estética seiscentista: a) sobrepõe a concepção espiritualista da figura feminina à concepção carnal. b) valoriza apenas os aspectos físicos da figura feminina, em oposição à estética medieval. c) busca, na recriação da mulher, uma síntese de valores espirituais e materiais. d) descreve a mulher utilizando os mesmos recursos estilísticos das cantigas de amor. e) descreve, satiricamente, as características contraditórias da figura feminina. 625
B08 Barroco: Gregório de Matos
ALEIJADINHO, Cristo do carregamento da Cruz. Enciclopédia Barsa, 1998
Quem sabe o valor exato de uma vida? Sei que há uma vida, e que apagam essa vida — não sei é quem apaga
FRENTE
B
PORTUGUÊS
Exercícios de Aprofundamento 01. (Poli SP) Camões em alemão “Nas pequenas obras líricas de Camões encontramos graça e sentimento profundo, ingenuidade, ternura, melancolia cativante, todos os graus de sentimentos mais debilitados, indo do prazer mais suave até o desejo mais ardente, saudade e tristeza, ironia, tudo na pureza e claridade da expressão simples, cuja beleza não podia ser mais acabada, e cuja flor não podia ser mais florescente. Seu grande poema, “Os Lusíadas”, é um poema heroico no pleno sentido da palavra. Camões tira do poeta Virgílio a ideia de um poema épico nacional que compreenda e apresente, sob a luz mais fulgurante, a fama, o orgulho e a glória de uma nação desde suas mais antigas tradições.” (Esse trecho foi extraído do curso de Friedrich Schlegel (1772-1829), conceituado filósofo romântico alemão, sobre história da literatura europeia, e publicado no Caderno Mais da Folha de São Paulo, em 21 de maio de 2000.)
Tendo em vista o texto acima, seria incorreto afirmar que: a) Em Os Lusíadas, Camões resgata alguns episódios tradicionais portugueses, como o de Inês de Castro. b) Em Os Lusíadas, Camões invoca as Tágides, ninfas do rio Tejo, a fim de que lhe deem inspiração na construção deste seu poema heroico. c) Em Os Lusíadas, Camões canta a fama e a glória do povo português. d) Em Os Lusíadas, Camões narra a viagem de Vasco da Gama às Índias, sendo este navegador o grande herói português aclamado no poema. e) Em Os Lusíadas, Camões dedica o poema a Dom Sebastião, e encerra tal obra um tanto quanto melancólico diante da estagnação cultural portuguesa. 02. (Unicamp SP) Texto I “Amor é fogo que arde sem se ver; é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente; é dor que desatina sem doer.” Texto II Camões
O texto 1 é clássico e apresenta preocupação formal: os versos são rimados e metrificados; o texto 2 apresenta versos brancos e livres. Ambos se aproximam pela temática amorosa e pelo tratamento dado a ela: abordam o amor como algo contraditório, que causa dor, sofrimento.
“Terror de amar num sítio tão frágil como o mundo Mal de amar neste lugar de imperfeição Onde tudo nos quebra e emudece Onde tudo nos mente e separa.”
Sophia de Mello Breyner Andresen.
626
Dos dois textos transcritos, o primeiro é de Luís Vaz de Camões (século XVI) e o segundo é de Sophia de Mello B. Andresen (século XX). Compare-os, discutindo, através de critérios formais e temáticos, aspectos em que ambos se aproximam e aspectos em que ambos se distanciam um do outro. 03. (UFMG) Leia estes trechos: Trecho 1 Colombo sabe perfeitamente que as ilhas já têm nome, de uma certa forma, nomes naturais (mas em outra acepção do termo) as palavras dos outros, entretanto, não lhe interessam muito, e ele quer rebatizar os lugares que ocupam em sua descoberta, dar-lhes nomes justos a nomeação, além disso, equivale a tomar posse. TODOROV, Tzevetan. A conquista da América, São Paulo:Martins Fontes,1993.p.27.
Trecho 2 [...] e a quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a que chamam fura-buchos e neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra, a saber: primeiramente dum grande monte mui alto e redondo, e de outras serras mais baixas ao sul dele, e de terra chã com grandes arvoredos: ao qual monte alto o Capitão pôs nome o Monte Pascoal, e à terra a Terra da Vera Cruz. CAMINHA. Pero Vaz de. Carta ao Rei Dom Manuel. Belo Horizonte: Crisálida,2002.p.17.
Explicite, comparando os dois trechos, a relação existente entre os atos de nomear e tomar posse. Todas as alternativas são corretas sobre o Padre José de Anchieta, EXCETO: a) Foi o mais importante jesuíta em atividade no Brasil do século XVI. b) Foi o grande orador sacro da língua portuguesa, com seus sermões barrocos. c) Estudou o tupi guarani, escrevendo uma cartilha sobre a gramática da língua dos nativos. d) Escreveu tanto uma literatura de caráter informativo como de caráter pedagógico. e) Suas peças apresentam sempre um duelo entre anjos e diabos. 04. (Enem MEC) É exemplo de literatura de informação praticada no Brasil da era colonial o seguinte trecho: a) A Poesia, este aroma d’alma, deve de contínuo subir ao Senhor; som acorde da inteligência, deve santificar as virtudes e amaldiçoar os vícios. b) Outra casta há de mandioca a que chamam aipins, que se podem comer crus sem fazer dano, e assados sabem a castanhas de Portugal assadas.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias Questão 06. a) A mulher é vista como um ser extraordinário, que se põe acima da ordem humana. Trata-se de uma visão idealizada da mulher, segundo a concepção platônica. Para o platonismo, há um mundo sensível e um mundo inteligível. Quando o eu lírico declara, no décimo segundo verso, “Que de tanta estranheza sois do mundo”, explicita-se a idealização platônica, uma vez que está subentendido que o poeta se refere ao mundo sensível, ao qual a Senhora é estranha.
c) Soprava uma aragem suave e deleitosa; a noite estava clara, brilhante e fresca. A lua gostosa se namorava, mirando-se o espelho das águas. d) Filho de um empregado público e órfão aos dezoito anos, Seixas foi obrigado a abandonar seus estudos na Faculdade de São Paulo pelas impossibilidade em que se achou sua mãe de continuar a dar-lhe a mesada. e) À vista daquelas terras, tremeu-me o coração, tanto me lembraram as fazendas de café onde passara minha infância, na companhia de amigos que se perderam no mundo. 05. (UFV MG) “Meu bem, meu amor, meu esposo, meu senhor, meu amigo, meu irmão centro do meu coração, Deus e pai! Pois com entranhas de mãe Quereis de mim ser comigo Roubais todo o meu sentido, Para vós!”
b) Dentre as características do Classicismo, destacam-se no soneto de Camões: • rigor e perfeição formal – o soneto apresenta regularidade métrica e rítmica, com todos os versos decassílabos heroicos (acento na sexta e na décima sílaba poética), além da distribuição regular das rimas, segundo o esquema abbaabbacdecde • linguagem elegante – vocabulário nobre, sintaxe culta com inversões sintáticas.
a) Caracterize brevemente a concepção de mulher que este soneto apresenta. b) Aponte duas características desse soneto que o filiam ao Classicismo, explicando-as sucintamente. 07. (Cefet MG) Definição do amor Mandai-me, Senhores, hoje que em breves rasgos descreva do Amor a ilustre prosápia, E de Cupido as proezas. Dizem que de clara escuma, dizem que do mar nascera, que pegam debaixo d’água as armas que o Amor carrega.
Assinale a alternativa que corresponde ao texto: a) trata-se de um poema barroco, por causa do jogo de antíteses. b) pertence à fase do Romantismo, como revela o intenso sentimento religioso. c) percebe-se, pelo desejo de exaltação, que é um poema épico do período quinhentista. d) expressa a religiosidade nos padrões simbolistas. e) trata-se de um poema lírico do Quinhentismo. 06. (Fuvest SP) “Quando da bela vista e doce riso, tomando estão meus olhos mantimento,1 tão enlevado sinto o pensamento que me faz ver na terra o Paraíso. Tanto do bem humano estou diviso,2 que qualquer outro bem julgo por vento; assi, que em caso tal, segundo sento,3 assaz de pouco faz quem perde o siso. Em vos louvar, Senhora, não me fundo,4 porque quem vossas cousas claro sente, sentirá que não pode merecê-las. Que de tanta estranheza sois ao mundo, que não é d’estranhar, Dama excelente, que quem vos fez, fizesse Céu e estrelas.” (Camões, ed. A.J. da Costa Pimpão)
Notas: 1 Tomando mantimento - tomando consciência. 2 Estou diviso - estou separado, apartado. 3 Sento - sinto. 4 Não me fundo - não me empenho.
[...] E isto é o Amor? É um corno. Isto é o Cupido? Má peça. [...] O amor é finalmente Um embaraço de pernas, Uma união de barrigas, Um breve tremor de artérias Uma confusão de bocas, Uma batalha de veias, Um reboliço de ancas, Quem diz outra coisa é besta. Gregório de Matos: Poemas escolhidos (Seleção, prefácio e notas de José Miguel Wisnik). São Paulo: Cia das Letras, 2010, p. 301-312 (fragmento).
Gregório de Matos viveu no Brasil no século XVII e é um importante escritor desse primeiro momento da literatura brasileira. A leitura do poema permite a identificação de características do pensamento barroco, vigente no período, especialmente no que diz respeito à a) crítica à idealização amorosa. b) valorização da cultura clássica. c) escolha pela linguagem formal. d) estima pelos desejos subjetivos. 627
FRENTE B Exercícios de Aprofundamento
José de Anchieta
[...] O arco talvez de pipa, A seta talvez esteira, Despido como um maroto, Cego como uma toupeira.
FRENTE
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PORTUGUÊS Por falar nisso Em qualquer sociedade, todo grupo de indivíduos que entre si compartilha uma cultura (hábitos, crenças, culinária e idioma, por exemplo) possui manifestações artísticas. Manifestações essas que hoje se ramificaram em sete: pintura, escultura, literatura, teatro, música, dança e cinema. Dentre essas formas artísticas, o cinema é a arte que reúne todas as outras e, por isso, é chamada de a sétima arte. Apesar de, no cinema, realmente nos depararmos com formas teatrais, literárias e musicais, há outro elemento que, em vez de reunir todas as artes, está presente em todas elas. Este elemento é a poesia. A poesia não é só a materialização textual, ela está presente nos momentos de sublimação e de criatividade. Tudo aquilo que nos sensibiliza na arte, seja ela visual, seja ela sonora, é expresso pela arte poética. Poesia é transcender a realidade material. Nas próximas aulas, estudaremos os seguintes temas
C05 C06 C07 C08
Quadrinhos.................................................................................... 630 Teoria do poema............................................................................ 639 Escanção........................................................................................ 647 Poemas de forma fixa.................................................................... 651
FRENTE
C
PORTUGUÊS
MÓDULO C05
ASSUNTOS ABORDADOS nn Quadrinhos nn Caricatura nn Cartum nn Charge nn Tirinhas
QUADRINHOS O nosso estudo sobre linguagens verbal e não verbal culmina em um assunto muito importante para todo vestibulando: a leitura de quadrinhos. Este termo genérico engloba nichos bastante específicos: a caricatura, a charge e o cartum. Apesar do formato semelhante – as três manifestações se realizam em um só quadro figurativo –, eles apresentam diferenças muito pertinentes, as quais elucidaremos a seguir.
Caricatura
Fonte: Wikimedia Commons
Fonte: Wikimedia Commons
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A caricatura, de modo geral, é a representação distorcida de características ou hábitos de uma pessoa. Trata-se de um desenho em que se exageram os traços de uma pessoa, geralmente famosa, ou de uma situação para dar um tom grotesco. Veja abaixo:
Da esquerda para a direita, temos: o jogador de futebol, Ronaldinho Gaúcho; a pintora mexicana, Frida Kahlo; e o humorista britânico, Rowan Atkinson, intérprete do Mr. Bean. Note que nas caricaturas acima há sempre um elemento distorcido no rosto da personalidade retratada. No esportista, os dentes encavalados são postos em destaque, ao passo que, na artista mexicana, são as sobrancelhas que merecem esse tratamento distorcido; diferentemente, porém, do Mr. Bean, cujos olhos arregalados e sorriso tímido são destacados. Observe, ainda, que, em caricaturas, a distorção é um efeito humorístico.
Cartum
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Fonte: Wikimedia Commons
Fonte: Wikimedia Commons
O cartum, diferentemente da charge, é atemporal, e essa é a principal distinção entre esses quadros. Além disso, o cartum também utiliza da caricatura, porém ele não retrata personagens conhecidos e não tem como objetivo satirizar uma situação atual, simplesmente ironiza e humoriza uma situação cotidiana. Veja:
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
À esquerda, o tema explorado pelo cartum é poder e dominação. Veja que o autor utiliza de um recurso da matemática para evidenciar uma obviedade: todos os seres humanos são iguais. No entanto, por que razão somos tratados com diferenças? Essa diferença de tratamento é explicada pela máscara social que nos traveste todos os dias. Note que √4 é exatamente igual a 2, embora estes reverenciem aquele. Já no cartum à direita, o tema abordado é a pena de morte. O autor nos mostra que, apesar de no Brasil não haver pena de morte, o massacre em presídios já corresponde a esse processo.
Charge A charge, palavra de origem francesa que significa carga, ou seja, exagero dos traços do caráter de alguém ou de algo para torná-lo cômico, faz uma sátira (crítica sarcástica) de acontecimentos atuais, geralmente na esfera política, a fim de demonstrar indignação e insatisfação com a situação vigente. Ademais, a charge quase sempre faz uso da caricatura para delinear as personagens envolvidas. Observe:
também a dificuldade de Temer em se legitimar como presidente do Brasil. Ainda na esfera política, na segunda charge, o autor aborda o fato de o presidente Michel Temer ter ameaçado acabar com o Ministério da Cultura. Elementos principais da charge As charges recorrem a variadas estratégias de discurso para produzir os efeitos cômicos e reflexivos a que se propõem. Na maioria dos casos, apenas algumas técnicas são empregadas em uma mesma produção, mas determinados elementos mostram-se frequentes ou mesmo essenciais, por vezes, aparecem juntos. Linguagem visual O elemento visual é característica presente em toda e qualquer charge. As codificações visuais proporcionam maior compreensão da crítica que o chargista pretende passar. É claro que, na maioria das vezes, às imagens se alia a linguagem verbal para enriquecer o discurso elaborado. O exagero Grande parte das charges trabalha com a questão do exagero. Exagerando, o chargista consegue dar ênfase maior e evidenciar aspectos marcantes do que a obra se propõe a retratar. São distorções que distanciam o desenho da realidade, mas aproximam-no da verdade. Ao mesmo tempo, os exageros são responsáveis por enaltecer o caráter cômico das charges e provocar o riso dos leitores. O ridículo O homem ri do ridículo humano, daquilo que foge à normalidade das ações, ao cotidiano. As charges procuram expor figuras públicas a situações ridículas ou mostrar de forma não convencional temas normalmente tratados com maior seriedade, suscitando assim o riso. Ruptura discursiva Um final inesperado é um fator muito usado em charges para provocar o efeito de comicidade. Trata-se de uma ruptura do discurso construído. O riso está associado a essa súbita quebra de lógica que surpreende o leitor. A surpresa é um fator imprescindível nesse caso, e uma virtude do bom chargista é saber escondê-la sutilmente do leitor para revelá-la somente no momento certo. Intertemporalidade Uma charge nunca será autoexplicativa. O discurso artístico – como todos os discursos – está associado a outros discursos, uma rede de acontecimentos que o contextualizam com determinada situação da sociedade. Muitas charges dialogam com notícias e editoriais do próprio jornal em que foram publicadas. Essa interdisciplinaridade é utilizada pelo chargista geralmente de forma implícita, o que exige do leitor um conhecimento prévio dos discursos correntes para que possa entender a charge. 631
C05 Quadrinhos
Sempre em tom satírico, veja como a primeira charge explora, criticamente, a relação entre Brasil e EUA. O presidente Michel Temer é representado como um entreguista, subserviente à política norte-americana (veja que na mão do presidente está uma torre petrolífera de exploração do pré-sal destinada aos EUA); enquanto o presidente Donald Trump é figurado pelo seu desdém com os políticos da América Latina. No entanto, a partir da fala de Trump: “Quem diabos é Temer?”, é posto em destaque não só o desdém dele como
Português
Tirinhas As tirinhas são quadrinhos justapostos e sequenciais, cujos temas são variados. Trata-se de uma sequência de quadrinhos que geralmente faz uma crítica aos valores sociais. São publicadas com regularidade em jornais e revistas. Mafalda Mafalda foi uma tira escrita e desenhada pelo cartunista argentino Quino. As histórias apresentam Mafalda, uma menina preocupada com a humanidade e a paz mundial, que se rebela com o estado atual do mundo. Essas tirinhas circularam entre 1964 a 1973, usufruindo de uma altíssima popularidade na América Latina e Europa. Ademais, essa garotinha é uma das mais populares do mundo dos quadrinhos e seus questionamentos fazem muitas crianças e adultos se divertirem e ainda levam-nos à reflexão. Veja nos exemplos abaixo:
Calvin e Haroldo
C05 Quadrinhos
Calvin é um garoto de seis anos de idade, cheio de personalidade, que tem como companheiro Haroldo, um tigre sábio e irônico que, para Calvin, está tão vivo como um amigo verdadeiro, mas para os outros não é mais que um tigre de pelúcia. As fantasias mirabolantes de Calvin constituem frequentemente uma fuga à cruel realidade do mundo moderno. Essa série de tiras foi criada, escrita e ilustrada pelo autor norte-americano Bill Watterson em 1985 e publicada em mais de dois mil jornais do mundo inteiro por dez anos. 632
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Níquel Náusea
C05 Quadrinhos
Níquel Náusea é uma tirinha desenhada e criada, em 1985, pelo cartunista brasileiro Fernando Gonsales. Os personagens possuem um humor ácido, diversas vezes aproximando-se do humor negro e do nonsense. O nome do personagem principal, um ratinho nada fofo, que vive no esgoto, é uma paródia ao camundongo Mickey Mouse. Perceba como é parecida a sonoridade desse nome com Níquel Náusea.
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Português
Tirinhas da web Os meios de comunicação evoluíram e com isso as atividades de entretenimento tiveram que se adaptar aos novos contextos de produção e divulgação. Atualmente, um dos maiores aplicativos de circulação de tirinhas é o Twitter. Isso mesmo! No Twitter você tem acesso a criativas e, por vezes, críticas histórias em quadrinhos. Você pode encontrá-las nas páginas Universo Paralelo (@NesseUP) ou Tirinhas (@tirinhass). O perfil das tirinhas de Universo Paralelo é mostrar uma realidade distorcida, praticamente invertida, na qual os valores, crenças e hábitos são opostos aos da nossa sociedade. Veja alguns exemplos:
Exercícios de Fixação
C05 Quadrinhos
01. (Enem MEC)
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O efeito de sentido da charge é provocado pela combinação de informações visuais e recursos linguísticos. No contexto da ilustração, a frase proferida recorre à a) polissemia, ou seja, aos múltiplos sentidos da expressão “rede social” para transmitir a ideia que pretende veicular. b) ironia para conferir um novo significado ao termo “outra coisa”. c) homonímia para opor, a partir do advérbio de lugar, o espaço da população pobre e o espaço da população rica. d) personificação para opor o mundo real pobre ao mundo virtual rico. e) antonímia para comparar a rede mundial de computadores com a rede caseira de descanso da família.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
02. (Enem MEC)
e) a composição visual sugere distanciamento entre médico e paciente, o que é corroborado pela fala daquele, educada mas incisiva. 04. (Enem MEC) Em uma conversa ou leitura de um texto, corre-se o risco de atribuir um significado inadequado a um termo ou expressão, e isso pode levar a certos resultados inesperados, como se vê nos quadrinhos abaixo.
O cartum faz uma crítica social. A figura destacada está em oposição às outras e representa a a) opressão das minorias sociais. b) carência de recursos tecnológicos. c) falta de liberdade de expressão. d) defesa da qualificação profissional. e) reação ao controle do pensamento coletivo. 03. (Centro Universitario de Franca SP) Considere o cartum de Zero.
Nessa historinha, o efeito humorístico origina-se de uma situação criada pela fala da Rosinha no primeiro quadrinho, que é: a) Faz uma pose bonita! b) Quer tirar um retrato? c) Sua barriga está aparecendo! d) Olha o passarinho! e) Cuidado com o flash! 05. (Enem MEC)
(www.cartuns.com.br. Adaptado.)
A conversa entre Mafalda e seus amigos a) revela a real dificuldade de entendimento entre posições que pareciam convergir. b) desvaloriza a diversidade social e cultural e a capacidade de entendimento e respeito entre as pessoas. c) expressa o predomínio de uma forma de pensar e a possibilidade de entendimento entre posições divergentes. d) ilustra a possibilidade de entendimento e de respeito entre as pessoas a partir do debate político de ideias. e) mostra a preponderância do ponto de vista masculino nas discussões políticas para superar divergências. 635
C05 Quadrinhos
À vista do texto verbal e não verbal do cartum, representando a relação entre um médico e um paciente, é correto concluir que a) a fala do médico é incompatível com seu gesto, pois a fala é polida e o gesto agressivo, razão pela qual o paciente reage se afastando. b) tanto o gesto quanto a máscara de proteção do médico indicam que ele é indiferente ao contato físico com o paciente, demonstrando empatia. c) se trata de uma relação cordial, em que é notável a disposição do paciente e do médico para que o cuidado com a saúde seja levado ao extremo. d) o médico demonstra atitude civilizada com o paciente, para levá-lo a entender que este tem uma doença que não representa perigo para outras pessoas.
Português
Exercícios Complementares 01. (Unirg TO) Leia a charge a seguir.
Para uns, algo inconcebível na relação familiar, uma maneira arcaica de ensinar. Para outros, uma alternativa legítima dos pais, um método de educar os filhos, livre de danos físicos ou psicológicos. Poucos assuntos geram tanta controvérsia quanto dar ou não palmadas em crianças como forma de puni-las e mostrar o certo e o errado. (www.terra.com.br/Istoé)
(Disponível em: <http://descomplicandoared.blogspot. com. br/2011/10/variedades-inguisticas.html>. Acesso em: 16 set. 2015.)
Com base na charge, assinale a alternativa correta, após analisar as proposições a seguir. I. A charge acima traz um exemplo de variação linguística, ao destacar o modo de falar de todos os estudantes brasileiros. II. A linguagem utilizada pelo estudante não pode ser considerada errada, mas sim inadequada ao contexto de uso. III. O efeito de humor é construído apenas pelo sinal de interrogação, que indica o não entendimento da professora. IV. Em sua fala, o estudante faz uso de várias expressões do português coloquial, como “tipo assim” e “manero”. Alternativas:
A respeito da charge e do texto, é correto afirmar que a) ambos enfatizam o direito dos pais em educar os filhos, de acordo com a hierarquia de valores de cada família. b) o favorecimento à palmada expresso no texto leva à suposição de que a charge apresenta o mesmo ponto de vista. c) o advogado, na charge, parece disposto a defender a criança, enquanto o texto revela imparcialidade no tratamento da questão. d) tanto o texto como a charge enfatizam a necessidade de aplicar punição às crianças, como um componente educativo. e) o advogado reconhece a fragilidade das crianças, mas admite, como o texto, que elas devem ser punidas. Texto comuns às questões 06 e 07 Examine este cartum:
a) II e IV, apenas. b) II, III, e IV, apenas. c) I, II e III, apenas. d) I e IV, apenas.
C05 Quadrinhos
02. (Fac. Direito de Sorocaba SP) Leia a charge e o texto.
(www.amarildo.charges)
636
03. (Fuvest SP) Para obter o efeito de humor presente no cartum, o autor se vale, entre outros, do seguinte recurso: a) utilização paródica de um provérbio de uso corrente. b) emprego de linguagem formal em circunstâncias informais. c) representação inverossímil de um convívio pacífico de cães e gatos. d) uso do grotesco na caracterização de seres humanos e de animais. e) inversão do sentido de um pensamento bastante repetido.
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04. (Fuvest SP) No contexto do cartum, a presença de numerosos animais de estimação permite que o juízo emitido pela personagem seja considerado a) incoerente. b) parcial. c) anacrônico. d) hipotético. e) enigmático. 05. (Unesp SP) Leia a charge.
Marque abaixo a única alternativa que não está de acordo com o texto. a) Os verbos “acender” e “apagar”, tendo em vista o contexto em que aparecem, têm como objeto a chama que é produzida no isqueiro do homem, que não aparece no texto por acaso. b) Na charge, a figura que representa a pedra de crack aparece sorrindo, em oposição ao estado de abatimento do sujeito que está prestes a consumi-la, denunciando, no conjunto, a propaganda enganosa que está por trás do uso dessa droga. c) A fala presente no balão utiliza expedientes linguísticos da comunicação poética para impactar o leitor e dar maior expressividade à mensagem, que tem um viés educativo. d) Os elementos não verbais que servem para compor a imagem do sujeito que consome a droga evidenciam os impactos socioeconômicos gerados por essa prática, os quais vão além dos efeitos meramente individuais de ordem psíquica. e) No tocante ao uso dos pronomes no texto, se a fala dentro do balão fosse produzida em contexto formal – e não em situação coloquial –, deveria adequar-se linguisticamente, podendo fazer-se assim: “Hoje tu me acendes, amanhã eu te apago.” 07. (Fundação Instituto de Educação de Barueri SP) Considere a tirinha.
(www.otempo.com.br, 11.08.2015)
Considerando-se a imagem e o diálogo entre as personagens, é correto afirmar que a charge traz uma crítica à a) falta de apoio internacional para o combate ao ebola. b) poluição na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. c) realização das olimpíadas no Rio de Janeiro, em 2016. d) falta de controle da epidemia do ebola na África. 06. (IF AL) A seguir, tem-se uma charge, gênero textual que se constrói valendo-se de linguagem verbal e linguagem não verbal.
(Disponível em: <http://humortadela.bol.uol.com.br/charges>. Acesso em 18/11/2015)
É correto afirmar que o humor decorrente da nova formulação da célebre fábula de Esopo, “A cigarra e a formiga”, está relacionado a) à chegada do inverno alterando a rotina de trabalho dos insetos. b) ao comportamento excessivamente diligente da formiga. c) à atitude inadequada da cigarra em face do trabalho. d) ao fato de a cigarra e a formiga partilharem o mesmo destino. e) à maneira como a cigarra e a formiga fazem o mesmo uso do computador.
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C05 Quadrinhos
(André Dahmer. Folha de S.Paulo. Disponível em: www.folha.uol.com.br/ ilustrada/cartum/cartunsdiarios/#10/12/2014. Acesso em: 12.12.2014)
Português
08. (IF GO)
10. (IF AL)
Disponível em: <http://correntes.blogs.sapo.pt/2013/04/?page=2>. Acesso em: 18 out. 2015.
O efeito de humor da tirinha é causado pelo fato de a) apesar de compreender o sentido da palavra, o adulto insistir em comprar o pôr do sol. b) o menino desconhecer o sentido da palavra “vendo”. c) o autor enfatizar a importância do sentido do verbo “vender”. d) a escolha lexical provocar confusão entre os verbos “ver” e “vender”. e) o menino divulgar, por meio de uma placa, o ato de “vender” o pôr do sol. 09. (Unesp SP) Leia os quadrinhos a seguir.
Ainda que o Menino Maluquinho tenha dado à professora a desculpa de que seu modo de falar fora “só gíria”, suas palavras, no segundo quadro da tira “A palavra é gíria”, só não sugerem a) reprovação sutil ao fato de o zoológico ser uma prisão para os animais, razão por que, com a visita ao lugar, os alunos abrirão as jaulas, proporcionando a liberdade aos bichos. b) juízo negativo em relação ao fato de o jardim zoológico ser um lugar de diversão para as pessoas, à custa do sofrimento dos animais que, ali enclausurados, vivem fora do seu habitat natural. c) ironia com o contraste entre o ofício da professora, que deveria ser o de ajudar os alunos na formação da opinião crítica acerca da realidade, e a ordem dela para que os alunos “se preparem” para a visita ao zoológico, onde terão a oportunidade de exporem o lado rude da personalidade humana, regozijando-se com os animais ali encarcerados. d) censura à irracionalidade humana, que parece ser maior do que a dos animais irracionais, os quais, privados da liberdade pelos homens, a estes servem de satisfação e lazer em cativeiro público e) atitude de júbilo com a decisão da professora em proporcionar aos alunos a visita ao jardim zoológico, circunstância oportuna para conhecerem a vida dos animais em cativeiro e poderem se divertir com eles livremente e em local seguro. 11. (FGV SP) Leia a charge.
(Pancho. Gazeta do Povo, 03.09.2015) (Folha de S.Paulo, 20.09.2015) C05 Quadrinhos
Na fala do primeiro quadrinho, a expressão “Fique de olho”significa a) estar distraído. b) permanecer junto. c) manter-se atento. d) ficar a distância. 638
Na fala da personagem, a concordância verbal está em desacordo com a norma-padrão da língua portuguesa. a) Explique por que a concordância na frase está em desacordo com a norma-padrão, esclarecendo o que pode levar os falantes a adotá-la. b) Escreva duas versões da frase da charge: na primeira, substitua a expressão “a gente” por “Nosso clube é um dos que”; na segunda, substitua o verbo “ter” pela locução “deve haver” e passe para o plural a expressão “uma proposta irrecusável”.
Gabarito questão 11 a) O enunciador faz uma concordância ideológica, mas não formal. A expressão “a gente” tem forma singular, mas, nos usos informais da língua, adquire noção de plural (como “nós”), incluindo a pessoa que fala e as outras em nome das quais fala. A ideia de plural se sobrepõe no ato de comunicação e leva à concordância do verbo no plural, em primeira pessoa. b) “Alô, é o Messi? Nosso clube é um dos que têm aqui uma proposta irrecusável.” (ênfase na ideia de plural) / “Alô, é o Messi? Deve haver aqui umas propostas irrecusáveis.” (o verbo haver, principal na locução, é impessoal quando empregado com o sentido de existir. Nas locuções verbais, essa impessoalidade é “transferida” ao verbo auxiliar.)
FRENTE
C
PORTUGUÊS
MÓDULO C06
TEORIA DO POEMA
ASSUNTOS ABORDADOS
Linguagem figurada
nn Teoria do poema
A poesia, embora esteja presente em todas as artes, comumente se encontra em textos verbais, como nos poemas. Dessa maneira, ela pode se manifestar por meio de uma linguagem figurada, isto é, recheada de figuras de linguagem. Trata-se de recursos textuais para criar desde ritmos e jogos de palavras a imagens complexas que não se traduzem em nossa realidade. Leia o poema abaixo do poeta português Fernando Pessoa:
nn Linguagem figurada nn Prosa e poesia nn Tipos de verso nn Rimas
Mar Português Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu. Atente-se aos primeiros dois versos: “Ó mar salgado, quanto do teu sal / são lágrimas de Portugal”. A partir da interpretação desse par de versos, podemos extrair a mensagem que o autor nos quer transmitir, ou seja, que o sal que está nos mares que banham a costa portuguesa proveio das lágrimas do povo português.
Fonte: Wikimedia Commons
Essa mensagem nos soaria absurda se não fosse poética. A poesia está no movimento entre o mundo real e o mundo imaginário; entre a realidade e a imagem. O poeta quer, por meio de um recurso expressivo e exagerado, dizer que as mães, os filhos e as noivas muito padeceram a ida dos marinheiros ao Novo Mundo a desbravar o Atlântico, durante as Grandes Navegações. Figura 01 - Chegada dos portugueses ao Brasil
639
Português
Prosa e poesia “É a imaginação dela, como as cegonhas que um ilustre viajante viu desferirem o vôo desde o Ilisso às ribas africanas, sem embargo das ruínas e dos tempos, — a imaginação dessa senhora também voou por sobre os destroços presentes até às ribas de uma África juvenil… Deixá-la ir; lá iremos mais tarde; lá iremos quando eu me restituir aos primeiros anos. Agora, quero morrer tranquilamente, metodicamente, ouvindo os soluços das damas, as falas baixas dos homens, a chuva que tamborila nas folhas de tinhorão da chácara, e o som estrídulo de uma navalha que um amolador está afiando lá fora, à porta de um correeiro. Juro-lhes que essa orquestra da morte foi muito menos triste do que podia parecer. De certo ponto em diante chegou a ser deliciosa. A vida estrebuchava-me no peito, com uns ímpetos de vaga marinha, esvaía-se-me a consciência, eu descia à imobilidade física e moral, e o corpo fazia-se-me planta, e pedra, e lodo, e coisa nenhuma.” Trecho do romance Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.
Amar e Ser Amado
C06 Teoria do poema
Fonte: nito / Shutterstock.com
Amar e ser amado! Com que anelo Com quanto ardor este adorado sonho Acalentei em meu delírio ardente Por essas doces noites de desvelo! Ser amado por ti, o teu alento A bafejar-me a abrasadora frente!
Figura 02 - Barco de papel sobre um livro
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Em teus olhos mirar meu pensamento, Sentir em mim tu’alma, ter só vida P’ra tão puro e celeste sentimento Ver nossas vidas quais dois mansos rios, Juntos, juntos perderem-se no oceano, Beijar teus lábios em delírio insano Nossas almas unidas, nosso alento, Confundido também, amante, amado Como um anjo feliz... que pensamento!? Castro Alves
A principal diferença entre textos que se utilizam da prosa e textos que se utilizam do verso está na mancha gráfica, o que significa que, sem ler, apenas visualizando a forma do texto apresentado, você já pode definir se trata de prosa ou de verso. Comparando o romance de Machado de Assis e o poema de Castro Alves, este escrito em verso, aquele em prosa, pode-se notar que, enquanto o verso é interrompido, a linha da prosa não cessa, ela vai de uma margem à outra. Por que, então, a linha do verso é interrompida? O que essa interrupção denota? O verso é estruturado de modo a não acompanhar a margem porque essa quebra é que constrói o ritmo da poesia. A literatura surgiu na Antiguidade greco-romana juntamente à música e ao teatro, é exatamente a intersecção entre essas duas manifestações artísticas que exige do poema uma estrutura ritmada e musical.
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Tipos de verso Verso do latim versum significa virado, voltado. É cada linha poética que compõe um poema. Apresenta um número determinado de sílabas e harmoniosa movimentação entre as sílabas átonas e tônicas. Podem ser: tradicionais ou livres.
SAIBA MAIS Fonte: Wikimedia Commons
Versos tradicionais Quando possuem o mesmo número de sílabas e quando o espaço entre as sílabas tônicas ocorre na mesma frequência ou ritmo. Tu choraste em presença da morte? Na presença da morte choraste? Não descende o cobarde do forte; Pois choraste, meu filho não és! Gonçalves Dias
Versos livres Quando um verso, comparado com o seguinte ou o anterior, não possui o mesmo número de sílabas, ou quando as pausas entre as sílabas tônicas não têm regularidades. Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. Tempo de absoluta depuração. Tempo em que não se diz mais: meu amor. Porque o amor resultou inútil.
Uma das primeiras manifestações literárias do Ocidente foram os poemas épicos Ilíada e Odisseia, de Homero, que contam a história da Guerra de Troia e do guerreiro Ulisses. A história é toda contada em versos musicais e por isso permaneceram na memória e na cultura do povo grego. Ademais, esses textos épicos não foram inicialmente escritos, pois além de analfabeto, Homero era cego, o que significa que essa história se perpetuou por uma tradição oral de contar histórias.
Carlos Drummond de Andrade
Rimas Rima é a igualdade ou semelhança de sons pertencentes ao fim das palavras, a partir da sua última vogal tônica. As palavras em rima podem estar no fim (rima final) ou no interior do verso (rima interna), podendo, neste último caso, uma das palavras ocupar a posição final. Rima final
Depois de tantos anos, frente a frente, Um encontro... O fantasma do meu sonho! E, de cabelos brancos, mudamente, Quedamos frios, num olhar tristonho. Olavo Bilac
Rima interna
Donzela bela, que me inspira à lira, Um canto santo de fremente amor.
!
C06 Teoria do poema
Castro Alves
ATENÇÃO! Versos que não possuem rimas são chamados de versos brancos.
641
Português
Fonte: Wikimedia Commons
Rimas quanto à qualidade Rimas pobres Rimas formadas com palavras da mesma classe gramatical. Não acabava, quando uma figura (substantivo) Se nos mostra no ar, robusta e válida, (adjetivo) De disforme e grandíssima estatura; (substantivo) O rosto carregado, a barba esquálida. (adjetivo) Luiz de Camões
Rimas ricas Rimas formadas com palavras de classes gramaticais diferentes. Alma minha gentil, que te partiste (verbo) Tão cedo desta vida descontente (adjetivo) Repousa lá no céu eternamente, (advérbio) E viva eu cá na terra sempre triste. (adjetivo) Luiz de Camões
Figura 03 - Imagem do poeta do Classicismo português Luís Vaz de Camões
Rimas quanto à disposição Rimas alternadas Rimas que se apresentam em versos alternados, na forma ABAB. Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
A
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
B
Tinhas a alma de sonhos povoada,
A
E a alma de sonhos povoada eu tinha.
B Olavo Bilac
Rimas interpoladas Rimam os versos extremos de uma estrofe, na forma ABBA. Não sei bem quem seja o autor
A
Desta sentença de peso:
B
O beijo é o fósforo aceso
B
Na palha seca do amor.
A Bastos Tigre
Rimas paralelas
C06 Teoria do poema
Rimam-se os versos que se sucedem, na forma AABB. Uma noite estendi a música na estante
A
E o cravo suspirou... Naquele mesmo instante
A
Da ebúrnea palidez doentia do teclado
B
Manso e manso evolou-se o aroma do passado.
B Gonçalves Crespo
642
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Exercícios de Fixação 01. No início do poema “Mar Português”, de Fernando Pessoa, é composta uma alegoria, isto é, um texto que possui muitas figuras de linguagem. No primeiro par de versos, há figuras como metáfora, metonímia, prosopopeia e hipérbole. Escolha uma delas e explique com suas palavras: “Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal” 02. Correlacione corretamente as colunas abaixo: (A) (B) (C) (D) (E) (F)
Metáfora Comparação Metonímia Eufemismo Hipérbole Prosopopeia
Gabarito quesão 01 Metáfora: O sal do mar proveio das lágrimas do povo português, o que, em sentido não figurado, revela a tristeza das pessoas que viram partir seus entes. Metonímia: As lágrimas provieram dos portugueses, representados pelo Estado em que vivem chamado Portugal. Prosopopeia: O ato de invocar o mar por meio de um vocativo é um processo de personificação desse lugar. Hipérbole: A abundância de lágrimas que seriam necessárias para salgar todo o mar.
Todo o pranto chorei. Todo o que eu tinha, caiu-me ao peito cheio de esplendores, E em vez de aí formar terras melhores, Tornou minha alma sáfara e maninha. E foi tal o chorar por mim vertido, E tais as dores, tantas as tristezas Que me arrancou do peito vossa graça, Que de muito perder, tudo hei perdido! Não vejo mais surpresas nas surpresas E nem chorar sei mais, por mor desgraça! Mário de Andrade
05. (Espm SP)
(D) (E ) (A) (F ) (C )
Algo está cheirando mal na geladeira. Por você, eu atravesso o oceano a braçadas! Amor é um fogo que arde sem se ver... Enquanto as formigas trabalhavam, a cigarra só cantava. Estou em encantado, ontem li pela primeira vez Machado de Assis. (B) Você parece mula, não tem lado de chegar!
03. Classifique as rimas do soneto abaixo quanto à sua disposição:
As rimas do soneto dispõem-se em: interpoladas no primeiro quarteto (ABBA); alternadas no segundo
Soneto do amigo quarteto (ABAB); alternadas nos tercetos(CDC/EDE). Enfim, depois de tanto erro passado Tantas retaliações, tanto perigo Eis que ressurge noutro o velho amigo Nunca perdido, sempre reencontrado.
Um bicho igual a mim, simples e humano Sabendo se mover e comover E a disfarçar com o meu próprio engano. O amigo: um ser que a vida não explica Que só se vai ao ver outro nascer E o espelho de minha alma multiplica... Vinicius de Moraes
04. Classifique as rimas do primeiro quarteto soneto abaixo quanto à sua qualidade e justifique sua classificação: Soneto
A rimas do primeiro quarteto do soneto são ricas, uma vez que pertencem a classes gramaticais diferentes; minha (pronome) e vinha (verbo); sofredores (adjetivo) e ardores (substantivo).
Tanta lágrima hei já, senhora minha, Derramado dos olhos sofredores, Que se foram com elas meus ardores E ânsia de amar que de teus dons me vinha.
Levando-se em conta que Filippo Marinetti rejeitou o passado e defendeu a extinção de museus e cidades antigas, ao afirmar que “um automóvel é mais belo que a Vitória de Samotrácia”, ele só não usou com essa frase: a) eufemismo, já que automóvel apenas suaviza a natural ideia de superioridade sobre uma estátua. b) metonímia, em que o automóvel substitui toda modernidade veloz e a Vitória de Samotrácia substitui a arte grega c) comparação ou símile, pois para o autor o automóvel é mais belo artisticamente que a estátua grega. d) metáfora, em que o automóvel simboliza o moderno e a estátua simboliza o antigo. e) antítese, pois contrapõe o conjunto da modernidade ao conjunto do passadismo.
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C06 Teoria do poema
É bom sentá-lo novamente ao lado Com olhos que contêm o olhar antigo Sempre comigo um pouco atribulado E como sempre singular comigo.
Português
Exercícios Complementares 01. (FM Petrópolis RJ) As palavras podem ser empregadas no sentido literal ou no sentido figurado. O trecho da obra de Graciliano Ramos que se caracteriza pela presença de linguagem figurada é: a) “Não me ajeitava a esse trabalho: a mão segurava mal a caneta, ia e vinha em sacudidelas, a pena caprichosa fugia da linha, evitava as curvas, rasgava o papel, andava à toa como uma barata doida, semeando borrões.” RAMOS, G. Infância. 9. ed. São Paulo: Martins, 1972, p. 135.
b) “A mulher gorda chamou-me, deu-me uma cadeira, examinou-me a roupa, o couro cabeludo, as unhas e os dentes. Em seguida abriu a caixinha branca, retirou o folheto: — Leia.” RAMOS, G. Infância. 9. ed. São Paulo: Martins, 1972, p. 135.
c) “Atrás da loja, de quatro portas, duas em cada frente, havia o armazém de ferragens e o depósito de milho, onde eu e minhas irmãs brincávamos.” RAMOS, G.Infância. 9. ed. São Paulo: Martins, 1972, p. 72.
d) “Datam desse tempo as minhas mais antigas recordações do ambiente onde me desenvolvi como um pequeno animal. Até então algumas pessoas, ou fragmentos de pessoas, tinham se manifestado, mas para bem dizer viviam fora do espaço.
C06 Teoria do poema
Texto 1 AUTORRETRATO Provinciano que nunca soube Escolher bem uma gravata; Pernambucano a quem repugna A faca do pernambucano; Poeta ruim que na arte da prosa Envelheceu na infância da arte, E até mesmo escrevendo crônicas Ficou cronista de província; Arquiteto falhado, músico Falhado (engoliu um dia Um piano, mas o teclado Ficou de fora); sem família, Religião ou filosofia; Mal tendo a inquietação de espírito Que vem do sobrenatural, E em matéria de profissão Um tísico profissional.
RAMOS, G. Infância. 9. ed. São Paulo: Martins, 1972, p. 26.
(Manuel Bandeira. “Poesia completa e prosa”.
e) “Na cidade ainda não havia hotéis, e à tardinha, ao chegar o trem, quase diariamente nos apareciam carregadores que transportavam bagagens.”
Rio de Janeiro: Aguilar, 1983. p. 395.)
RAMOS, G. Infância. 9. ed. São Paulo: Martins, 1972, p. 256.
02. Sobre as características do gênero textual poema, estão corretas as seguintes proposições: I. O poema deve ser construído sob forma fixa, sempre preservando elementos como a métrica e a musicalidade dos versos. II. O poema caracteriza-se por ser centrado em um trabalho peculiar com a linguagem. Em geral, reflete o momento e o impacto dos fatos sobre o homem. III. O poema diferencia-se dos demais gêneros por ser escrito em versos e por possuir um ritmo mais marcado que o ritmo da prosa. IV. A poesia não é exclusividade do poema: ela é uma atitude subjetiva que pode estar nas mais variadas manifestações artísticas. a) Todas estão corretas. b) Apenas I está correta. c) II, III e IV estão corretas. d) I e III estão corretas. e) I, III e IV estão corretas.
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03. (Enem MEC) Leia estes poemas:
Texto 2 POEMA DE SETE FACES Quando eu nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. As casas espiam os homens que correm atrás de mulheres. A tarde talvez fosse azul, não houvesse tantos desejos. (....) Meu Deus, por que me abandonaste se sabias que eu não era Deus se sabias que eu era fraco. Mundo mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução. Mundo mundo vasto mundo mais vasto é o meu coração. (Carlos Drummond de Andrade. “Obra completa”. Rio de Janeiro: Aguilar, 1964. p. 53.)
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04. (Uerj RJ) SOBRE A ORIGEM DA POESIA A origem da poesia se confunde com a origem da própria linguagem. Talvez fizesse mais sentido perguntar quando a linguagem verbal deixou de ser poesia. Ou: qual a origem do discurso não poético, já que, restituindo laços mais íntimos entre os signos e as coisas por eles designadas, a poesia aponta para um uso muito primário da linguagem, que parece anterior ao perfil de sua ocorrência nas conversas, nos jornais, nas aulas, conferências, discussões, discursos, ensaios ou telefonemas [...] No seu estado de língua, no dicionário, as palavras intermedeiam nossa relação com as coisas, impedindo nosso contato direto com elas. A linguagem poética inverte essa relação, pois, vindo a se tornar, ela em si, coisa, oferece uma via de acesso sensível mais direto entre nós e o mundo [...] Já perdemos a inocência de uma linguagem plena assim. As palavras se desapegaram das coisas, assim como os olhos se desapegaram dos ouvidos, ou como a criação se desapegou da vida. Mas temos esses pequenos oásis – os poemas – contaminando o deserto de referencialidade. ARNALDO ANTUNES
No último parágrafo, o autor se refere à plenitude da linguagem poética, fazendo, em seguida, uma descrição que corresponde à linguagem não poética, ou seja, à linguagem referencial. Pela descrição apresentada, a linguagem referencial teria, em sua origem, o seguinte traço fundamental: a) O desgaste da intuição b) A dissolução da memória c) A fragmentação da experiência d) O enfraquecimento da percepção 05. (Enem MEC) Mal secreto Se a cólera que espuma, a dor que mora N’alma, e destrói cada ilusão que nasce, Tudo o que punge, tudo o que devora O coração, no rosto se estampasse; Se se pudesse, o espírito que chora, Ver através da máscara da face, Quanta gente, talvez, que inveja agora Nos causa, então piedade nos causasse! Quanta gente que ri, talvez, consigo Guarda um atroz, recôndito inimigo, Como invisível chaga cancerosa!
Quanta gente que ri, talvez existe, Cuja ventura única consiste Em parecer aos outros venturosa! CORREIA, R. In: PATRIOTA, M. Para compreender Raimundo Correia. Brasília: Alhambra, 1995.
Coerente com a proposta parnasiana de cuidado formal e racionalidade na condução temática, o soneto de Raimundo Correia reflete sobre a forma como as emoções do indivíduo são julgadas em sociedade. Na concepção do eu lírico, esse julgamento revela que a) a necessidade de ser socialmente aceito leva o indivíduo a agir de forma dissimulada. b) o sofrimento íntimo torna-se mais ameno quando compartilhado por um grupo social. c) a capacidade de perdoar e aceitar as diferenças neutraliza o sentimento de inveja. d) o instinto de solidariedade conduz o indivíduo a apiedar-se do próximo. e) a transfiguração da angústia em alegria é um artifício nocivo ao convívio social 06. Sobre as características da prosa, é correto afirmar: a) Texto composto em versos e estrofes, podendo dele fazer parte a rima e a métrica. Conforme a disposição dos versos e dos outros elementos estruturais, recebe classificações ou nomes específicos, como soneto, epopeia, haicai, entre outros. b) Forma de escrita de um texto em parágrafos, apresentando discurso direto e livre. Nele há predomínio da linguagem denotativa, contudo, a conotação pode ser utilizada para finalizar o texto. Não há preocupação com ritmo, métrica e rimas. c) Apresenta estrutura maior do que o conto e menor do que o romance. Suas principais características são a pluralidade dramática, o foco narrativo e a relação tempo-espaço. d) A prosa é uma narrativa breve e fictícia, apresentando um número reduzido de personagens e enredo enxuto, uma vez que entre suas características está a economia de recursos narrativos. 07. Sobre as diferenças entre a poesia e o poema, estão corretas as seguintes afirmativas: I. A poesia, ao contrário do poema, é composta por uma forma estática: a mensagem deve ser elaborada apresentando a mesma quantidade de versos e estrofes. II. A poesia pode estar presente em paisagens e objetos, enquanto o poema faz referência ao gênero textual. III. Não existem diferenças entre a poesia e o poema, ambas as denominações dizem respeito ao mesmo gênero textual. IV. Poesia vem do grego poiesis, que pode ser traduzido como a atividade de produção artística. É, portanto, uma definição mais ampla do que a definição de poema, nome dado aos textos feitos em versos. a) II e IV. b) Todas estão corretas. c) I e III. d) I e IV. e) III e IV. 645
C06 Teoria do poema
Esses poemas têm em comum o fato de a) descreverem aspectos físicos dos próprios autores. b) refletirem um sentimento pessimista. c) terem a doença como tema. d) narrarem a vida dos autores desde o nascimento. e) defenderem crenças religiosas.
Português
08. (Ufscar SP)
Sobre o poema de Vinícius de Moraes, é correto afirmar, exceto: a) O poema Soneto de separação possui forma fixa e regular, formado por quatro estrofes, quatorze versos, dois quartetos e dois tercetos. Vinícius está entre os poetas que consagraram o soneto no Brasil. b) O recurso da antítese em “fez-se” e “desfez-se” revela, sob certo aspecto, a inconstância na vida amorosa de Vinícius, que ao longo da vida casou-se várias vezes. c) O soneto é composto por um jogo antitético: riso x pranto, calma x vento; triste x contente e próximo x distante, o que confere certo dinamismo ao soneto. d) No soneto, o poeta utiliza vocábulos do cotidiano, pouco comuns nesse tipo de composição. Pode-se observar também que o erotismo é recriado a partir de uma forma clássica e de uma linguagem direta.
Soneto de fidelidade (Vinicius de Moraes)
De tudo, ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento. Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento. E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure. Nos dois primeiros quartetos do soneto de Vinicius de Moraes, delineia-se a ideia de que o poeta a) não acredita no amor como entrega total entre duas pessoas. b) acredita que, mesmo amando muito uma pessoa, é possível apaixonar-se por outra e trocar de amor. c) entende que somente a morte é capaz de findar com o amor de duas pessoas. d) concebe o amor como um sentimento intenso a ser compartilhado, tanto na alegria quanto na tristeza. e) vê, na angústia causada pela ideia da morte, o impedimento para as pessoas se entregarem ao amor. 09. SONETO DE SEPARAÇÃO De repente do riso fez-se o pranto Silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fez-se a espuma E das mãos espalmadas fez-se o espanto. De repente da calma fez-se o vento Que dos olhos desfez a última chama E da paixão fez-se o pressentimento E do momento imóvel fez-se o drama. C06 Teoria do poema
De repente, não mais que de repente Fez-se de triste o que se fez amante E de sozinho o que se fez contente. Fez-se do amigo próximo o distante Fez-se da vida uma aventura errante De repente, não mais que de repente. 646
10. A UM POETA Longe do estéril turbilhão da rua, Beneditino, escreve! No aconchego Do claustro, no silêncio e no sossego, Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua! Mas que na forma se disfarce o emprego Do esforço; e a trama viva se construa De tal modo, que a imagem fique nua, Rica, mas sóbria, como um templo grego. Não se mostre na fábrica o suplício Do mestre. E, natural, o efeito agrade, Sem lembrar os andaimes do edifício: Porque a Beleza, gêmea da Verdade, Arte pura, inimiga do artifício, É a força e a graça na simplicidade. Olavo Bilac
Sobre o poema de Olavo Bilac, é correto afirmar apenas: a) É um soneto metalinguístico, pois nele o poeta trata do próprio ato de escrever poemas. Há uma preocupação excessiva com a forma e, para alcançar a perfeição, o poeta trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua, conforme o último verso do primeiro quarteto do soneto. b) Há um manejo especial de ritmos da linguagem com estranha combinação de rimas e recursos sonoros, como aliteração e assonância. c) O irracionalismo dos versos parnasianos facilita a compreensão e interpretação do poema, escrito em tom denotativo. d) Na busca de sugerir sensações, uma das principais características do parnasianismo, o poeta aproxima a poesia da música.
FRENTE
C
PORTUGUÊS
MÓDULO C07
ESCANSÃO
ASSUNTOS ABORDADOS
Para se saber bem escandir um verso, a principal noção que é preciso ter para realizá-la é a de ritmo. Em um poema, os versos possuem determinadas quantidades de sílabas que juntas, em uma quantidade regular, compõem um ritmo. Para entender como se constitui o ritmo de um poema, é necessário saber contar as sílabas que compõem cada verso. Pode parecer uma atividade até simples, no entanto, não se trata de contar simplesmente sílabas gramaticais. Os poemas possuem sílabas poéticas que seguem um sistema de variação entre sílabas átonas e sílabas tônicas.
nn Escansão nn Sílaba gramatical e sílaba poética nn Regras de escansão nn Ligações rítmicas nn Tipos de verso
Sílaba gramatical e sílaba poética Na metrificação gramatical, a fronteira da sílaba é o término da palavra e em cada sílaba há somente uma vogal em seu centro, podendo haver, na periferia da sílaba, semivogais e consoantes. Na metrificação poética, entretanto, a sílaba poética não respeita o término da palavra, podendo uma única sílaba agrupar uma, duas ou até três palavras. Veja abaixo: As
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As
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Fonte: cosma - Shutterstock.com
Observe que, no encontro “conosco à”, a última sílaba da palavra “conosco” uniu-se à palavra “à”. Além disso, a última sílaba da palavra “frente” não foi considerada. Com a supressão dessas duas sílabas, explica-se a razão de, na separação gramatical, haver duas sílabas a mais, totalizando doze, enquanto a escansão poética totaliza dez.
Figura 01 - Pena e tinta: um jeito “retrô” de escrever
647
Português
Regras de escansão Escandir um verso é um trabalho que requer muita atenção. Veja as principais regras:
SAIBA MAIS
nn Contam-se todas as sílabas até a última tônica. As demais
serão desconsideradas. nn Quando
a última palavra for oxítona, conta-se até a última sílaba.
nn Quando
a última palavra for paroxítona, conta-se até a penúltima sílaba.
nn Quando
a última palavra for proparoxítona, conta-se até a antepenúltima sílaba.
nn No
meio do verso, as vogais átonas próximas se juntam em uma mesma sílaba. meio do verso, as vogais tônicas próximas nunca se juntam em uma mesma sílaba.
nn No
nn Como regra geral, no meio do verso, quando uma vogal
átona se encontra com uma vogal tônica, elas não se juntam numa mesma sílaba, no entanto, há poemas em que essa junção é necessária.
vogal SEMPRE átona se juntam
vogal átona
vogal TALVEZ tônica se juntem
Você sabia que o sistema de escansão do verso até o último acento tônico é uma invenção originária da França? Tal sistema só foi introduzido em Portugal no século XVIII, durante o Arcadismo, por Miguel do Couto Guerreiro e então compreendido pelos poetas brasileiros.
vogal átona
vogal NUNCA tônica se juntam
vogal tônica
C07 Escansão
Fonte: Tonographer / Shutterstock.com
Figura 02 - Coração de papel nas páginas de um livro
648
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Ligações rítmicas Veja abaixo o exemplo de uma escansão de um poema de Olavo Bilac, em que todos os versos possuem dez sílabas métricas: Che
guei.
Che
gas
te.
Vi
nhas
fa
ti
ga
da
E
tris
te, e
tris
te e
fa
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ga
do eu
vi
nha.
Ti
nhas
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de
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po
vo
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E a al
ma
de
so
nhos
po
vo
a
da eu
ti
nha...
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Nessa estrofe, os recursos de ligações rítmicas são bastante diversos e a partir deles poderemos ilustrar melhor nosso estudo de escansão. Note que, nas junções assinaladas, podemos dividi-las em dois grupos: união de vogais átonas e união de vogal tônica e vogal átona. Vogais átonas: triste, e / triste e Vogais átonas e tônicas: fatigado eu / a alma / E a alma / fatigada eu
Tipos de verso
!
ATENÇÃO!
Perceba ainda que houve encontros entre vogais átonas e tônicas que não se juntaram, como na palavra “povoada”, que aparece duas vezes.
Os versos são classificados de acordo com a quantidade de sílabas poéticas que possuem, desse modo, classificam-se em: nn Monossílabos:
versos com uma sílaba poética. ou bissílabos: versos com duas sílabas poéticas. nn Trissílabos ou quebrado de redondilho menor: versos com três sílabas poéticas. nn Tetrassílabos: versos com quatro sílabas poéticas. nn Pentassílabos ou redondilha menor: versos com cinco sílabas poéticas. nn Hexassílabos ou heroico menor: versos com seis sílabas poéticas. nn Heptassílabos ou redondilha maior: versos com sete sílabas poéticas. nn Octossílabos: versos com oito sílabas poéticas. nn Eneassílabos: versos com nove sílabas poéticas. nn Decassílabos: versos com dez sílabas poéticas. nn Hendecassílabos: versos com onze sílabas poéticas. nn Dodecassílabos ou Alexandrinos: versos com doze sílabas poéticas. nn Bárbaros: versos com mais de doze sílabas poéticas. nn Dissílabos
Exercícios de Fixação
heptassílabos ou por redondilhas maiores.
A Duas Flores São duas flores unidas São duas rosas nascidas Talvez do mesmo arrebol, Vivendo,no mesmo galho, Da mesma gota de orvalho, Do mesmo raio de sol. Unidas, bem como as penas das duas asas pequenas De um passarinho do céu... Como um casal de rolinhas, Como a tribo de andorinhas
Da tarde no frouxo véu. Unidas, bem como os prantos, Que em parelha descem tantos Das profundezas do olhar... Como o suspiro e o desgosto, Como as covinhas do rosto, Como as estrelas do mar. Unidas... Ai quem pudera Numa eterna primavera Viver, qual vive esta flor. Juntar as rosas da vida Na rama verde e florida, Na verde rama do amor! Castro Alves
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C07 Escansão
01. Classifique o poema abaixo de acordo com a quantidade de sílabas que ele possui: Trata-se de um poema composto por versos
Português
02. Faça a escansão da primeira estrofe do poema “Como eu te amo” de Gonçalves Dias abaixo:
Como se ama o calor e a luz querida, A harmonia, o frescor, os sons, os céus, Silêncio, e cores, e perfume, e vida, Os pais e a pátria e a virtude e a Deus:
Como eu te amo Como se ama o silêncio, a luz, o aroma, O orvalho numa flor, nos céus a estrela, No largo mar a sombra de uma vela, Que lá na extrema do horizonte assoma; Como se ama o clarão da branca lua, Da noite na mudez os sons da flauta, As canções saudosíssimas do nauta, Quando em mole vaivém a nau flutua, Como se ama das aves o gemido, Da noite as sombras e do dia as cores, Um céu com luzes, um jardim com flores, Um canto quase em lágrimas sumido; Como se ama o crepúsculo da aurora, A mansa viração que o bosque ondeia, O sussurro da fonte que serpeia, Uma imagem risonha e sedutora;
Assim eu te amo, assim; mais do que podem Dizer-to os lábios meus, — mais do que vale Cantar a voz do trovador cansada: O que é belo, o que é justo, santo e grande Amo em ti. — Por tudo quanto sofro, Por quanto já sofri, por quanto ainda Me resta de sofrer, por tudo eu te amo.
Co
mo
se a
ma o
si
lên
cio a
luz
oa
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ma
O or
va
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flor
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Que
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Exercícios Complementares 01. Assinale a alternativa em que háversododecassílabo. a) Fruto, depois de ser semente humilde e flor, Na alta árvore nutriz da vida, amadureço. b) A dor de quem recorda os tempos idos Fere como um punhal envenenado c) Já a lágrima triste choraram teus filhos. Teus filhos que choram tão grande tardança c) Índio gigante adormecerá um dia. Junto aos Andes por terra era prostrado. 02.
C07 Escansão
CANÇÃO AMIGA Eu preparo uma canção Em que minha mãe se reconheça, Todas as mães se reconheçam E que fale com dois olhos Caminho por uma rua Que passa em muitos países Se não me vêem, eu vejo E saúdo velhos amigos Eu distribuo um segredo Como quem ama ou sorri Dois carinhos se procuram Minha vida, nossa vida
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Formam um só diamante. Aprendi novas palavras E tornei outro mais belas. Eu preparo um canção Que faça acordar os homens E adormecer as crianças. (Carlos Drummond de Andrade)
Observando a métrica do texto proposto, conclui-se que predominam versos: a) hexassílabos b) octossílabos c) decassílabos d) heptassílabos e) eneassílabos
FRENTE
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PORTUGUÊS
MÓDULO C08
POEMAS DE FORMA FIXA Há poemas que possuem forma fixa, o que significa que obedecem a uma quantidade específica de versos e estrofes em sua composição, além de uma combinação determinada de rimas. Entre eles, estão: o soneto, o rondó, a balada, o vilancete, a sextina e o haicai. Desses, o que mais merece destaque é o soneto, por sua longa vitalidade em várias literaturas, inclusive na portuguesa e na brasileira.
ASSUNTOS ABORDADOS nn Poemas de forma fixa nn Soneto nn Rondó nn Balada nn Vilancete nn Sextina
Soneto
nn Haicai
Um dos mais conhecidos poemas de formas fixas é o soneto. Foi criado no século XIV sendo composto por catorze versos decassílabos ou dodecassílabos, dos quais dois deles são quartetos (conjunto de quatro versos) e dois são tercetos (conjunto de três versos). Segue abaixo um exemplo do escritor Vinícius de Morais: Não Comerei da Alface a Verde Pétala Não comerei da alface a verde pétala Nem da cenoura as hóstias desbotadas Deixarei as pastagens às manadas E a quem maior aprouver fazer dieta. Cajus hei de chupar, mangas-espadas Talvez pouco elegantes para um poeta Mas peras e maçãs, deixo-as ao esteta Que acredita no cromo das saladas.
E um bife, e um queijo forte, e parati E eu morrerei feliz, do coração De ter vivido sem comer em vão.
Fonte: Markgraf / Shutterstock.com
Não nasci ruminante como os bois Nem como os coelhos, roedor; nasci Onívoro: deem-me feijão com arroz
Figura 01 - Caneta de pena
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Português
Tipos de sonetos Há duas variedades de soneto: o soneto italiano e o soneto inglês. Soneto italiano Compõe-se o soneto italiano de quatorze versos, geralmente decassílabos ou alexandrinos, agrupados em dois quartetos e dois tercetos. As rimas dos quartetos seguem esta estrutura: ABBA-ABBA ou ABAB-ABAB e as rimas dos tercetos seguem esta estrutura: CCD-EED, CDC-EDE ou CDE-CDE. Veja abaixo o soneto de Álvares de Azevedo : Substitua por este soneto: Pálida à luz da lâmpada sombria, Sobre o leito de flores reclinada, Como a lua por noite embalsamada, Entre as nuvens do amor ela dormia!
Criado na França medieval, o rondó caracteriza-se como um poema formado de treze versos distribuídos em três estrofes, sendo duas quadras seguidas de uma quintilha. Dessa forma, constatamos que os dois primeiros versos da primeira quadra se repetem no final da segunda, e o primeiro verso da quadra inicial se repete no fecho da quintilha, materializando-se da seguinte forma: ABab|abAB|abbaA. As letras maiúsculas representam os versos que são repetidos como estribilho. Outro aspecto que se refere à modalidade em questão diz respeito ao fato de ela não obedecer a um esquema fixo no que tange à métrica e às rimas. Contudo, de forma predominante, faz-se prevalecer versos de sete ou oito sílabas poéticas. Vejamos então um exemplo sob a autoria de Manuel Bandeira: Rondó dos Cavalinhos Os cavalinhos correndo, E nós, cavalões, comendo... Tua beleza, Esmeralda, Acabou me enlouquecendo.
Era a virgem do mar, na escuma fria Pela maré das águas embalada! Era um anjo entre nuvens d’alvorada Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Os cavalinhos correndo, E nós, cavalões, comendo... O sol tão claro lá fora E em minh’alma — anoitecendo!
Era a mais bela! Seio palpitando... Negros olhos as pálpebras abrindo... Formas nuas no leito resvalando...
Os cavalinhos correndo, E nós, cavalões, comendo... Alfonso Reys partindo, E tanta gente ficando...
Soneto inglês O soneto inglês, modernamente introduzido nas literaturas de língua portuguesa, também consta de quatorze versos, mas distribuídos em três quartetos e um dístico final, que se escrevem sem espacejamento. Obedece a um dos dois esquemas de rimas: ABABBCBCCDCD-EE ou ABABCDCDEFEF-GG.
Os cavalinhos correndo, E nós, cavalões, comendo... A Itália falando grosso, A Europa se avacalhando... Os cavalinhos correndo, E nós, cavalões, comendo... O Brasil politicando, Nossa! A poesia morrendo... O sol tão claro lá fora, O sol tão claro, Esmeralda, E em minh’alma — anoitecendo!
Aceitar o castigo imerecido, Não por fraqueza, mas por altivez. No tormento mais fundo o teu gemido Trocar um grito de ódio a quem o fez. As delicias da carne e pensamento Com que o instinto da espécie nos engana Sobpor ao generoso sentimento De uma afeição mais simplesmente humana. Não tremer de esperança nem de espanto, Nada pedir, nem desejar, senão A coragem de ser um novo santo Sem fé num mundo além do mundo. E então, Morrer sem uma lágrima que a vida Não vale a pena e a dor de ser vivida. BANDEIRA, M. Estrela da Vida Inteira, Ed. Nova Fronteira.
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Figura 02 - Cavalos correndo no campo
Fonte: Olga_i / Shutterstock.com
Não te rias de mim, meu anjo lindo! Por ti - as noites eu velei chorando, Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!
C08 Poemas de forma fixa
Rondó
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Balada
Descalça vai para a fonte Leonor pela verdura; Vai fermosa, e não segura. Leva na cabeça o pote, O testo nas mãos de prata, Cinta de fina escarlata, Sainho de chamalote; Traz a vasquinha de cote, Mais branca que a neve pura. Vai fermosa e não segura. Descobre a touca a garganta, Cabelos de ouro entrançado5 Fita de cor de encarnado, Tão linda que o mundo espanta. Chove nela graça tanta, Que dá graça à fermosura. Vai fermosa e não segura.
Poema de forma fixa composto de três oitavas e uma quadra (ou quintilha), geralmente de versos octossílabos (oito sílabas poéticas). A balada surgiu no século XIV na França medieval. Segue abaixo um exemplo de balada do escritor medieval francês François Villon: Balada das damas dos tempos idos Dizei-me em que terra ou país Está Flora, a bela romana; Onde Arquipíada ou Taís, que foi sua prima germana; Eco, a imitar na água que mana de rio ou lago, a voz que a aflora, E de beleza sobre-humana? Mas onde estais, neves de outrora?
Vilancete Surgido pela primeira vez no Cancioneiro Geral, segundo os aspectos etimológicos, “vilancete” diz respeito à “cantiguinha vilã”. Tal composição origina-se de um mote pequeno, popular ou alheio, desenvolvendo depois nas coplas (estrofes) da glosa ou volta, e se constituindo do metro tradicional, ou seja, aquele formado de cinco a sete sílabas. Destinando-se de forma específica ao canto, desapareceu no século XVIII, haja vista que os árcades e pré-românticos deixaram de cultivá-lo.
Figura 03 - Máquina de escrever
Sextina A sextina é um poema de forma fixa composto de seis estrofes de seis versos cada (sextilha) e uma estrofe de três versos (terceto). Segue abaixo um exemplo do escritor português do classicismo, Luís de Camões: Foge-me, pouco a pouco, a curta vida, Se por acaso é verdade que inda vivo; Vai-se-me o breve tempo de entre os olhos; Choro pelo passado; e, enquanto falo, Se me passam os dias passo a passo. Vai-se-me, enfim, a idade e fica a pena. Que maneira tão áspera de pena! Pois nunca uma hora viu tão longa vida Em que posso do mal mover-se um passo. Que mais me monta ser morto que vivo? Para que choro, enfim? Para que falo, Se lograr-me não pude de meus olhos?
C08 Poemas de forma fixa
Branca, a rainha, mãe de Luís Que com voz divina cantava; Berta Pé-Grande, Alix, Beatriz E a que no Maine dominava; E a boa lorena Joana, Queimada em Ruão? Nossa Senhora! Onde estão, Virgem soberana? Mas onde estais, neves de outrora? Príncipe, vede, o caso é urgente: Onde estão elas, vede-o agora; Que este refrão guardeis em mente: Onde estão as neves de outrora?
Fonte: BrAt82 / Shutterstock.com
E Heloísa, a mui sábia e infeliz Pela qual foi enclausurado Pedro Abelardo em São Denis, por seu amor sacrificado? Onde, igualmente, a soberana Que a Buridan mandou pôr fora Num saco ao Sena arremessado? Mas onde estais, neves de outrora?
Ó formosos gentis e claros olhos, Cuja ausência me move a tanta pena 653
Português
Quanta se não compreende enquanto falo! Se, no fim de tão longa e curta vida, De vós me inda inflamasse o raio vivo, Por bem teria tudo quanto passo. Mas bem sei que primeiro o extremo passo Me háde vir a cerrar os tristes olhos, Que amor me mostre aqueles por que vivo. Testemunhas serão a tinta e pena Que escreverão de tão molesta vida O menos que passei, e o mais que falo. Oh! Que não sei que escrevo, nem que falo! Que se de um pensamento noutro passo, Vejo tão triste gênero de vida Que, se lhe não valerem tanto os olhos, Não posso imaginar qual seja a pena Que traslade esta pena com que vivo. Na alma tenho contido um fogo vivo, Que, se não respirasse no que falo, Estaria já feita cinza a pena; Mas, sobre a maior dor que sofro e passo Me temperam as lágrimas dos olhos; Com que, fugindo, não se acaba a vida. Morrendo estou na vida, e em morte vivo; Vejo sem olhos, e sem língua falo; E juntamente passo glória e pena.
Haicai Poema de origem japonesa criado no século XVI, os haicais são formados por três versos, e seguem a estrutura abaixo: nn Primeiro
verso: apresenta 5 sílabas poéticas (pentassílabo) verso: apresenta 7 sílabas poéticas (heptassílabo) nn Terceiro verso: apresenta 5 sílabas poéticas (pentassílabo) Veja abaixo um exemplo do escritor brasileiro Afrânio Peixoto: nn Segundo
C08 Poemas de forma fixa
Figura 04 - Jovem lendo um livro
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Observei um lírio: De fato, nem Salomão É tão bem vestido…
Fonte: Zwiebackesser / Shutterstock.com
Opinião sobre Modas
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Exercícios de Fixação 01. (Enem MEC)
02. (Enem MEC)
Soneto Já da morte o palor me cobre o rosto, Nos lábios meus o alento desfalece, Surda agonia o coração fenece, E devora meu ser mortal desgosto!
Soneto VII Onde estou? Este sítio desconheço: Quem fez tão diferente aquele prado? Tudo outra natureza tem tomado; E em contemplá-lo tímido esmoreço.
Do leito embalde no macio encosto Tento o sono reter!... já esmorece O corpo exausto que o repouso esquece... Eis o estado em que a mágoa me tem posto!
Uma fonte aqui houve; eu não me esqueço De estar a ela um dia reclinado: Ali em vale um monte está mudado: Quanto pode dos anos o progresso!
O adeus, o teu adeus, minha saudade, Fazem que insano do viver me prive E tenha os olhos meus na escuridade. Dá-me a esperança com que o ser mantive! Volve ao amante os olhos por piedade, Olhos por quem viveu quem já não vive!
Árvores aqui vitão florescentes, Que faziam perpétua a primavera: Nem troncos vejo agora decadentes.
AZEVEDO, A. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2000.
O núcleo temático do soneto citado é típico da segunda geração romântica, porém configura um lirismo que o projeta para além desse momento específico. O fundamento desse lirismo é a) a angústia alimentada pela constatação da irreversibilidade da morte. b) a melancolia que frustra a possibilidade de reação diante da perda. c) o descontrole das emoções provocado pela autopiedade. d) o desejo de morrer como alívio para a desilusão amorosa. e) o gosto pela escuridão como solução para o sofrimento.
Eu me engano: a região esta não era; Mas que venho a estranhar, se estão presentes Meus males, com que tudo degenera! COSTA, C. M. Poemas. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br Acesso em 7 jul. 2012.
No soneto de Cláudio Manuel da Costa, a contemplação da paisagem permite ao eu lírico uma reflexão em que transparece uma a) angústia provocada pela sensação de solidão. b) resignação diante das mudanças do meio ambiente. c) dúvida existencial em face do espaço desconhecido. d) intenção de recriar o passado por meio da paisagem. e) empatia entre os sofrimentos do eu e a agonia da terra.
Exercícios Complementares
É tudo quanto sinto, um desconcerto; da alma um fogo me sai, da vista um rio; agora espero, agora desconfio, agora desvario, agora acerto. Estando em terra chego ao céu voando, num’hora acho mil anos, e é de jeito que em mil, anos não posso achar um’hora.
Se me pergunta alguém por que assi ando, respondo que não sei; porém o suspeito que só porque vos vi, minha Senhora. O soneto acima transcrito é de Luís Camões. Nele se acha uma característica da poesia clássica renascentista. Assinale essa característica, em uma das alternativas: a) a suspeita de amor que o poeta declara na conclusão. b) o jogo de contradições e perplexidades que atormentam o poeta. c) o fato de todos perguntarem ao poeta por que assim anda. d) o fato de o poeta não saber responder a quem o interroga. e) a utilização de um soneto para relato das suas amarguras.
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C08 Poemas de forma fixa
01. (Vunesp SP) Tanto de meu estado me acho incerto, que em vivo ardor tremendo estou de frio; sem causa, juntamente choro e rio, o mundo todo abarco e nada aperto.
Português
02. (Ufscar SP)
Que passa em muitos países Se não me vêem, eu vejo
Soneto de fidelidade
E saúdo velhos amigos
De tudo, ao meu amor serei atento
Eu distribuo um segredo
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Como quem ama ou sorri
Que mesmo em face do maior encanto
Dois carinhos se procuram
Dele se encante mais meu pensamento.
Minha vida, nossa vida Formam um só diamante.
Quero vivê-lo em cada vão momento
Aprendi novas palavras
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E tornei outras mais belas.
E rir meu riso e derramar meu pranto
Eu preparo uma canção
Ao seu pesar ou seu contentamento.
Que faça acordar os homens E adormecer as crianças.
E assim, quando mais tarde me procure
(Carlos Drummond de Andrade)
Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure. (Vinicius de Moraes)
Nos dois primeiros quartetos do soneto de Vinicius de Moraes, delineia-se a ideia de que o poeta a) não acredita no amor como entrega total entre duas pessoas. b) acredita que, mesmo amando muito uma pessoa, é possível apaixonar-se por outra e trocar de amor. c) entende que somente a morte é capaz de findar com o amor de duas pessoas. d) concebe o amor como um sentimento intenso a ser compartilhado, tanto na alegria quanto na tristeza. e) vê, na angústia causada pela ideia da morte, o impedimento para as pessoas se entregarem ao amor. 03. Assinale a alternativa que contém verso alexandrino. a) Sabíamos que durava, gloriosa e intacta a lua. b) Quero a alegria de um barco voltando. c) Eu não sei se tudo era pra mim desejo d) Ó meu ódio, meu ódio majestoso e) N.D.R. 04. (Faculdade Objetivo GO) C08 Poemas de forma fixa
CANÇÃO AMIGA Eu preparo uma canção Em que minha mãe se reconheça, Todas as mães se reconheçam E que fale com dois olhos Caminho por uma rua
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a) Es|tou | dei|ta|do | so|bre| mi|nha| ma|la – decassílabo b) “Ah!/ Quem/ há/ de ex/pri/mir/, al/maim/po/nen/te e es/cra/va” (Olavo Bilac) – 12 sílabas poéticas. Alexandrino c) “A| nu|vem| guar|da o| pran|to” (Alphonsus de Guimaraens) – hexassílabo d) “Tu| cho|ras|te em| pre|sen|ça| da| mor|te” (G. Dias) – eneassílabo ou jâmbico e) “Va/gueio/ cam/pos/ no/tur/nos” (Ferreira Gullar) – hexassílabo
Observando a métrica do texto proposto, conclui-se que predominam versos: a) hexassílabos b) octossílabos c) decassílabos d) heptassílabos e) eneassílabos 05. (FMU) “De tudo, ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encanto mais meu pensamento”. (Soneto da Felicidade – Vinícius de Morais)
Sendo a primeira estrofe de um soneto, o texto acima a) é obrigatoriamente de quatro versos. b) pode ser de três ou quatro versos c) poderia ter sido escrito em intuir liberdade quanto ao número de versos d) necessita de outra estrofe de quatro versos para terminar a poesia e) necessita de outras estrofes de três versos para terminar a poesia. 06. Escanda e classifique os versos a seguir: a) “Estou deitado sobre minha mala” b) “Ah! Quem há de exprimir, alma imponente e escrava” (Olavo Bilac) c) “A nuvem guarda o pranto” (Alphonsus de Guimaraens) d) “Tu choraste em presença da morte” (G. Dias) e) “Vagueio campos noturnos” (Ferreira Gullar) f) “Não sei quem seja o autor” (B. Tigre) g) “e a boca é um pedaço de qualquer tecido vermelho.” (Manuel de Fonseca) h) Quero a alegria de um barco voltando. i) “Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto” (V. Moraes) f) “Não/ sei/ quem/ se/ja o au/tor” (B. Tigre) – pentassílabo ou redondilha menor g) “e a/ bo/ca é um/ pe/da/co/ de/ qual/quer/ te/ci/do/ ver/me/lho.” (Manuel de Fonseca) – bárbaro h) Que/roa a/le/gri/a/ de um/ bar/co/ vol/tan/do. – decassílabo i) “Na/tes,/ e/ com/ tal/ ze/lo, e/ sem/pre, e/ tan/to” (V. Moraes) – decassílabo
FRENTE
C
PORTUGUÊS
Exercícios de Aprofundamento 01. (Uerj RJ)
02. (Fac. Direito de São Bernardo do Campo SP)
A ARTE DE ENGANAR Em seu livro Pernas pro ar, Eduardo Galeano recorda que, na era vitoriana, era proibido mencionar 2 “calças” na presença de uma jovem. Hoje em dia, diz ele, não cai bem utilizar certas expressões 3 perante a opinião pública: “O capitalismo exibe o nome artístico de economia de mercado; 4 imperialismo se chama globalização; suas vítimas se chamam países em via de desenvolvimento; 5 oportunismo se chama pragmatismo; despedir sem indenização nem explicação se chama 6 flexibilização laboral” etc. 7 A lista é longa. Acrescento os inúmeros preconceitos que carregamos: ladrão é sonegador; lobista 8 é consultor; fracasso é crise; especulação é derivativo; latifúndio é agronegócio; desmatamento é 9 investimento rural; lavanderia de dinheiro escuso é paraíso fiscal; acumulação privada de riqueza 10 é democracia; socialização de bens é ditadura; governar a favor da maioria é populismo; tortura 11 é constrangimento ilegal; invasão é intervenção; peste é pandemia; magricela é anoréxica. 12 Eufemismo é a arte de dizer uma coisa e acreditar que o público escuta ou lê outra. É um jeitinho 13 de escamotear significados. De tentar encobrir verdades e realidades. 14 Posso admitir que pertenço à terceira idade, embora esteja na cara: sou velho. Ora, poderia dizer 15 que sou seminovo! Como carros em revendedoras de veículos. Todos velhos! Mas o adjetivo 16 seminovo os torna mais vendáveis. 17 Coitadas das palavras! Elas são distorcidas para que a realidade, escamoteada, permaneça como 18 está. Não conseguem, contudo, escapar da luta de classes: pobre é ladrão, rico é corrupto. 19 Pobre é viciado, rico é dependente químico 20 Em suma, eufemismo é um truque semântico para tentar amenizar os fatos. 1
Frei Betto. Adaptado de O Dia, 21/03/2015.
Em sua origem grega, o termo “eufemismo” significa “palavra de bom agouro” ou “palavra que deseja o bem”. Como figura de linguagem, indica um recurso que suaviza alguma ideia ou expressão mais chocante. Na crônica, o autor enfatiza o aspecto negativo dos eufemismos, que serviriam para distorcer a realidade. De acordo com o autor, o eufemismo camufla a desigualdade social no seguinte exemplo: a) fracasso é crise (Ref. 8) b) peste é pandemia (Ref. 11) c) magricela é anoréxica (Ref. 11) d) rico é corrupto (Ref. 18)
Hélio Schwartsman Folha de S.Paulo, 17/10/2015
SÃO PAULO – A filosofia distingue entre a ética descritiva e a normativa. Enquanto a primeira se limita a arrolar as crenças morais das pessoas, a segunda tenta estabelecer se essas crenças se justificam à luz de princípios que permitam classificá-las em termos de certo e errado. Como filósofos têm imaginação fértil, há desde sistemas baseados no cálculo da felicidade até os que se fundam na religião. Um dos favoritos é a chamada regra de ouro, segundo a qual não devemos fazer ao próximo aquilo que não desejaríamos que ele nos fizesse. Surgem assim normas morais invioláveis como não roubar, não mentir, pôr o interesse público acima dos particulares etc. O princípio é tão popular que já foi sequestrado por religiões tão diversas quanto cristianismo e budismo e por filósofos do calibre de Kant. A aplicação da regra de ouro ao cenário político brasileiro recomendaria desistir do país. Ao que tudo indica, o governo acuado pela ruína econômica e por infindáveis denúncias de corrupção está em vias de fechar um acordo com o presidente da Câmara, ele próprio enredado em acusações de corrupção. Se os relatos de bastidores são precisos, parlamentares da base governista livrariam a cara do chefe dos deputados no Conselho de Ética em troca de ele segurar os trâmites que poderiam levar a um processo de impeachment contra a presidente da República. Como a oposição calcula que não pode dispensar as boas graças do ilustre parlamentar, também evita contrariá-lo. Ninguém admite nada disso, pois fazê-lo equivaleria a confessar que um bom naco das normas morais supostamente invioláveis estão sendo violadas. Uma alternativa seria trocar a regra de ouro por éticas mais realistas, como o consequencialismo, segundo o qual ações devem ser julgadas pelos resultados que acarretam. Mas, neste caso, a emenda fica pior que o soneto, pois são as disputas entre políticos que estão magnificando a crise econômica. Em várias passagens, o autor emprega expressões correntes e, portanto, mais coloquiais, como “regra de ouro”, “livrariam a cara”, “bom naco das normas morais” e “a emenda fica pior que o soneto”, com a intenção de a) criticar a forma de escrita muito arraigada à norma culta. b) menosprezar o nível de compreensão do leitor. c) estabelecer mais proximidade com o leitor. d) pôr em xeque a credibilidade de quem fere a norma culta.
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Português
03. (Enem MEC)
05. (Fuvest SP)
Disponível em: www.filosofia.com.br. Acesso em: 30 abr. 2010.
Pelas características da linguagem visual e pelas escolhas vocabulares, pode-se entender que o texto possibilita a reflexão sobre uma problemática contemporânea ao a) criticar o transporte rodoviário brasileiro, em razão da grande quantidade de caminhões nas estradas, b) ironizar a dificuldade de locomoção no trânsito urbano,devida ao grande fluxo de veículos. c) expor a questão do movimento como um problema existente desde tempos antigos, conforme frase citada. d) restringir os problemas de tráfego a veículos particulares, defendendo, como solução, o transporte público. e) propor a ampliação de vias nas estradas, detalhando o espaço exíguo ocupado pelos veículos nas ruas. 04. (Enem MEC)
Storni. Careta, 19/02/1927. Apud: Renato Lemos (org.). Uma história do Brasil através da caricatura. 1840-2006. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2006, p.35. Adaptado.
A charge satiriza uma prática eleitoral presente no Brasil da chamada “Primeira República”. Tal prática revelava a a) Ignorância, por parte dos eleitores, dos rumos políticos do país, tornando esses eleitores adeptos de ideologias políticas nazifascistas. b) Ausência de autonomia dos eleitores e sua fidelidade forçada a alguns políticos, as quais limitavam o direito de escolha e demonstravam a fragilidade das instituições republicanas. c) Restrição provocada pelo voto censitário, que limitava o direito de participação política àqueles que possuíam um certo número de animais. d) Facilidade de acesso à informação e propaganda política, permitindo aos eleitores a rápida identificação dos candidatos que defendiam a soberania nacional frente às ameaças estrangeiras. e) Ampliação do direito de voto trazida pela República, que passou a incluir os analfabetos e facilitou sua manipulação por políticos inescrupulosos. 06. (Uerj RJ)
FRENTE C Exercícios de Aprofundamento
CURY, C. Disponível em: http://tirasnacionais.blogspot.com. Acesso em: 13 nov. 2011.
A tirinha denota a postura assumida por seu produtor frente ao uso social da tecnologia para fins de interação e de informação. Tal posicionamento é expresso, de forma argumentativa, por meio de uma atitude a) crítica, expressa pelas ironias. b) resignada, expressa pelas enumerações. c) indignada, expressa pelos discursos diretos. d) agressiva, expressa pela contra-argumentação. e) alienada, expressa pela negação da realidade. 658
www2.oul.com.br/laerte/tiras/overman
Para melhor compreensão da tira, o leitor precisa reconhecer alguns elementos implícitos. O fragmento que torna mais evidente essa necessidade é: a) “Minha inimiga mais terrível... a LOUVA DEUSA!” b) “Uma assassina fria e cruel!” c) “... os que sobrevivem ao seu ataque... têm inveja dos que morrem!” d) “... seus poderes são sobre-humanos!!”
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
07. (Insper SP)
Considerando-se os elementos verbais e visuais da tirinha, é correto afirmar que o que contribui de modo mais decisivo para o efeito de humor é a) a ingenuidade dos personagens em acreditarem na existência de poderes sobrenaturais. b) o contraste entre os personagens que representam diferentes classes sociais. c) o duplo sentido do substantivo “super-herói”, no contexto do 1º quadrinho. d) a tentativa fracassada do personagem ao fazer um discurso panfletário. e) a quebra de expectativa produzida, no último quadrinho, pelo termo “invisibilidade”
Ora, uma noite, correu a notícia de que o bazar incendiara. E foi uma espécie de festa fantástica. O fogo ia muito alto, o céu ficava todo rubro, voavam chispas e labaredas pelo bairro todo. As crianças queriam ver o incêndio de perto, não se contentavam com portas e janelas, fugiam para a rua, onde brilhavam bombeiros entre jorros d’água. A elas não interessavam nada peças de pano, cetins, cobertores, que os adultos lamentavam. Sofriam pelos cavalinhos e bonecas, os trens e palhaços, fechados, sufocados em suas grandes caixas. Brinquedos que jamais teriam possuído, sonhos apenas da infância, amor platônico. O incêndio, porém, levou tudo. O bazar ficou sendo um fumoso galpão de cinzas. Felizmente, ninguém tinha morrido – diziam em redor. Como não tinha morrido ninguém? pensavam as crianças. Tinha morrido um mundo e, dentro dele, os olhos amorosos das crianças, ali deixados. E começávamos a pressentir que viriam outros incêndios. Em outras idades. De outros brinquedos. Até que um dia também desaparecêssemos sem socorro, nós, brinquedos que somos, talvez de anjos distantes! (Cecília Meireles. Escolha o seu sonho. Círculo do Livro, 1975. Adaptado)
08. (Unesp SP) Brinquedos incendiados
Considere a charge.
Uma noite, houve um incêndio num bazar. E no fogo total desapareceram consumidos os seus brinquedos. Nós, crianças, conhecíamos aqueles brinquedos um por um, de tanto mirá-los nos mostruários – uns, pendentes de longos barbantes; outros, apenas entrevistos em suas caixas. Ah! Maravilhosas bonecas louras, de chapéus de seda! Pianos cujos sons cheiravam a metal e verniz! Carneirinhos lanudos, de guizo ao pescoço! Piões
(Jean Galvão. http://3.bp.blogspot.com. Acesso em: 25.05.2014)
Comparando as crianças que são personagens do texto Brinquedos incendiados ao garoto da charge, é correto concluir que eles a) se assemelham, pois têm pais que são negligentes e se mostram indiferentes aos pedidos dos filhos. b) se assemelham, pois todos eles se contentam com os brinquedos recebidos, apesar de estes serem triviais. c) se opõem, pois o garoto escolhe o que deseja em uma loja com brinquedos mais caros que os vendidos pelo bazar frequentado pelas outras crianças. d) se opõem, pois, ao contrário do garoto, a narradora e seus colegas têm certeza de que serão mais felizes quando adultos. e) se opõem, pois, ao contrário da narradora e seus colegas, o garoto não se encanta platonicamente pelos brinquedos expostos na loja.
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FRENTE C Exercícios de Aprofundamento
zumbidores! – e uns bondes com algumas letras escritas ao contrário, coisa que muito nos seduzia. Às vezes, num aniversário, ou pelo Natal, conseguíamos receber de presente algum bonequinho de celuloide, modestos cavalinhos de lata, bolas de gude, barquinhos sem possibilidade de navegação... – pois aquelas admiráveis bonecas de seda e filó, aqueles batalhões completos de soldados de chumbo, aquelas casas de madeira com portas e janelas, isso não chegávamos a imaginar sequer para onde iria. Amávamos os brinquedos sem esperança nem inveja, sabendo que jamais chegariam às nossas mãos, possuindo-os apenas em sonho, como se para isso, apenas, tivessem sido feitos. Assim, o bando que passava, de casa para a escola e da escola para casa, parava longo tempo a contemplar aqueles brinquedos e lia aqueles nítidos preços, com seus cifrões e zeros, sem muita noção do valor – porque nós, crianças, de bolsos vazios, como namorados antigos, éramos só renúncia e amor. Bastava-nos levar na memória aquelas imagens e deixar cravados nelas, como setas, os nossos olhos.
FRENTE
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PORTUGUÊS Por falar nisso A carta ou correspondência está entre os textos mais aplicados na comunicação do nosso cotidiano. Alguns estudiosos afirmam que a carta é a mãe de todos os gêneros textuais, ao lado dos mitos e dos contos populares. Durante muito tempo, esse instrumento vigorou como sendo a principal, senão a única, alternativa de que as pessoas dispunham para manter contato entre si. Não se sabe exatamente quando elas surgiram, mas os reis da Babilônia já escreviam cartas. No Brasil, as cartas chegaram junto com os primeiros portugueses. Assim que a esquadra de Pedro Álvares Cabral aportou, Pero Vaz de Caminha enviou uma correspondência ao rei, comunicando o descobrimento das novas terras. As cartas são consideradas o meio de comunicação mais antigo do mundo e eram a base das comunicações. As pessoas escreviam sobre tudo: amor, saudades, dramas familiares. Dentro delas, havia notícias boas, notícias ruins, despedidas e amores interrompidos. Ainda que demorasse a chegar ao destino, um pedaço de papel com palavras escritas a caneta ou a lápis era responsável por manter as pessoas informadas sobre a vida de amigos e de familiares. As cartas inspiraram poetas, pintores e compositores. E por mais que, o século XXI e com o advento dos meios de comunicação via Internet, a carta tenha perdido prestígio, sua estrutura ainda é encontrada em e-mails. Nas próximas aulas, estudaremos os seguintes temas
D05 D06 D07 D08
Relato pessoal e depoimento........................................................ 662 Biografia......................................................................................... 670 Cartas............................................................................................. 675 Diários............................................................................................ 684
FRENTE
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PORTUGUÊS
MÓDULO D05
ASSUNTOS ABORDADOS nn Relato pessoal e depoimento nn Relato pessoal nn Estrutura do relato pessoal nn Depoimento nn Características do depoimento
RELATO PESSOAL E DEPOIMENTO Você, algum dia, já contou uma história ou um fato, um acontecimento para alguém? Já contou algo relacionado à sua vida para outra pessoa? É comum que compartilhemos acontecimentos do nosso dia a dia com nossos amigos e parentes.
Relato pessoal O relato nasce da necessidade de contar algo para alguém oportunizando a interação entre as pessoas interessadas em ler ou em ouvir histórias do nosso dia a dia, ou fatos de interesse coletivo de uma determinada comunidade. O relato pessoal é uma modalidade textual que apresenta uma narração sobre um fato ou acontecimento marcante da vida de uma pessoa. Esse gênero ocorre entre um emissor e um ou mais interlocutores e, por meio dele, são apresentadas as informações e impressões referentes a um acontecimento específico. Nesse tipo de texto, podemos sentir as emoções e sentimentos expressos pelo narrador.
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Assim como uma narração, esse gênero apresenta tempo e espaço bem definidos cujo narrador é o protagonista da história. Além de narrativo, o relato pessoal pode ser descritivo, caracterizando as pessoas, os lugares e os objetos segundo suas lembranças. Os relatos pessoais circulam em meios de comunicação impressos: jornais, revistas, livros; em meios digitais: sites, blogs e vídeos; em um boletim de ocorrência policial; ou até em rodas de causos de antigamente. Quanto à linguagem, a variedade linguística empregada é quase sempre a linguagem padrão, mas é o perfil do escritor e a quem o texto é dirigido que define essa escolha, pois para cada público se emprega uma linguagem específica.
Figura 01 - Lápis e borracha: construção e desconstrução.
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Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Antes de começar a escrever seu relato, organize um projeto de texto respondendo às seguintes questões: nn Quem?
(narrador que produz o relato) quê? (fato a ser narrado) nn Quando? (tempo em que se passou) nn Onde? (local em que ocorreu) nn Como? (de que maneira aconteceu o fato) nn Por quê? (qual o causador do fato) nn O
Apesar de não haver uma estrutura fixa para produzir um relato pessoal, é importante observar alguns pontos: nn Título:
ainda que não seja necessário em todos os relatos, é sempre bom elaborar um título referente ao tema que será abordado. nn Tema: primeiramente é importante delimitar o tema (assunto) que será abordado no relato pessoal, seja um evento que ocorreu, uma fase da vida, uma conquista, uma superação, ou até mesmo uma história triste. nn Introdução: pequeno trecho em que aparecem as principais ideias que se quer relatar. Nessa parte, é possível encontrar o local, tempo e as personagens que fazem parte da narrativa. nn Contexto: observe em que contexto se passa o relato que será narrado. Fique atento à utilização dos tempos verbais no pretérito, e ainda ao espaço em que ocorrem os fatos. nn Personagens: observe no seu relato quais são as pessoas envolvidas e de qual maneira devemos mencioná-las no texto. nn Desfecho: após apresentar a sequência de fatos (ordem dos acontecimentos), é extremamente importante pensar em uma conclusão para o seu relato. Ademais, o relato pessoal possui alguns elementos básicos da narrativa: nn É
um texto narrativo oral ou escrito com sequência de fatos, personagem, tempo e espaço; nn É narrado em primeira pessoa e os verbos geralmente apresentam-se no pretérito (por se tratar de um fato passado); nn Narra um fato ou episódio marcante e suas consequências na vida pessoal, podendo encontrar-se em relatos diários; nn O narrador é protagonista e se dirige a um interlocutor; nn Presença de trechos descritivos e, eventualmente, de diálogos, também é rico em emoção e subjetividade; nn A linguagem é pessoal, subjetiva, sempre compatível com os interlocutores, podendo ser formal ou informal, o que depende do público a que se destina; nn O assunto é abordado de forma a destacar a participação ou o ponto de vista do autor sobre o que é relatado;
Tanto a narração quanto a descrição são componentes do relato pessoal, por isso é importante utilizar corretamente os termos característicos desses tipos textuais. É importante observar bem o emprego dos pronomes demonstrativos que situam as pessoas ou coisas no tempo e no espaço. O relato pessoal pode ocorrer também na oralidade, podendo ser marcado por entonações, pausas e coloquialismos em razão da rapidez com que as palavras são pronunciadas na fala. Veja a seguir um exemplo de relato pessoal: Gente é bicho e bicho é gente Querido Diário, não tenho mais dúvida de que este mundo está virado ao avesso! Fui ontem à cidade com minha mãe e você não faz ideia do que eu vi. Uma coisa horrível, horripilante, escabrosa, assustadora, triste, estranha, diferente, desumana... E eu fiquei chateada. Eu vi um homem, um ser humano, igual a nós, remexendo na lata de lixo. E sabe o que ele estava procurando? Ele buscava, no lixo, restos de alimento. Ele procurava comida! Querido Diário, como pode isso? Alguém revirando uma lata cheia de coisas imundas e retirar dela algo para comer? Pois foi assim mesmo, do jeitinho que estou contando. Ele colocou num saco de plástico enorme um montão de comida que um restaurante havia jogado fora. Aarghh!!! Devia estar horrível! Mas o homem parecia bastante satisfeito por ter encontrado aqueles restos. Na mesma hora, querido Diário, olhei assustadíssima para a mamãe. Ela compreendeu o meu assombro. Virei para ela e perguntei: “Mãe, aquele homem vai comer aquilo?” Mamãe fez um “sim” com a cabeça e, em seguida, continuou: “Viu, entende por que eu fico brava quando você reclama da comida?”. É verdade! Muitas vezes, eu me recuso a comer chuchu, quiabo, abobrinha e moranga. E larguei no prato, duas vezes, um montão de repolho, que eu odeio! Puxa vida! Eu me senti muito envergonhada! Vendo aquela cena, ainda me lembrei do Pó, nosso cachorro. Nem ele come uma comida igual àquela que o homem buscou do lixo. Engraçado, querido Diário, o nosso cão vive bem melhor do que aquele homem. Tem alguma coisa errada nessa história, você não acha? Como pode um ser humano comer comida do lixo e o meu cachorro comer comida limpinha? Como pode, querido Diário, bicho tratado como gente e gente vivendo como bicho? Naquela noite eu rezei, pedindo que Deus conserte logo este mundo. Ele nunca falha. E jamais deixa de atender os meus pedidos. Só assim, eu consegui adormecer um pouquinho mais feliz. (OLIVEIRA, Pedro Antônio. Gente é bicho e bicho é gente. Diário da Tarde. Belo Horizonte, 16 out. 1999).
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D05 Relato pessoal e depoimento
Estrutura do relato pessoal
Português
Vamos observar as seguintes questões: a) Em que contexto se passa o relato descrito? “Fui ontem à cidade com minha mãe e você não faz ideia do que eu vi. Uma coisa horrível, horripilante, escabrosa, assustadora, triste, estranha, diferente, desumana... E eu fiquei chateada. Eu vi um homem, um ser humano, igual a nós, remexendo na lata de lixo. E sabe o que ele estava procurando? Ele buscava, no lixo, restos de alimento. Ele procurava comida.” b) Quem são as pessoas envolvidas? A protagonista, a mãe, o homem remexendo no lixo e o cahorro Pó.
Esse formato textual apresenta os elementos básicos da narrativa, mas não deve ser confundido com uma narrativa literária, apesar das semelhanças: sequências de fatos, personagens, tempo e espaço. O narrador é onipresente e sempre o protagonista da história. É também uma declaração que se faz publicamente sobre alguma coisa ou para alguém em específico: depoimento de amor, de amizade, de aniversário. Há também o depoimento jurídico, que é uma declaração feita pela testemunha ou pela parte interessada no processo, ademais serve como uma prova. Leia a seguir um exemplo de depoimento sobre a queda do avião da LaMia:
c) Qual é o problema abordado? Fonte: Wikimedia Commons
Um homem, um ser humano, igual a nós, remexendo na lata de lixo. d) É possivel identificar uma sequência de fatos? “Ele buscava, no lixo, restos de alimento... O homem parecia bastante satisfeito por ter encontrado aqueles restos. Eu me senti muito envergonhada! Ele colocou num saco de plástico enorme um montão de comida... Olhei assustadíssima para a mamãe…” e) Qual é o defecho do relato? “Naquela noite eu rezei, pedindo que Deus conserte logo este mundo. E jamais deixa de atender os meus pedidos. Só assim, eu consegui adormecer um pouquinho mais feliz.”
Fonte: ESB Professional / Shutterstock.com
D05 Relato pessoal e depoimento
Sabe o avião que caiu? Quase foi o meu!!! Nosso voo atrasou, mas fomos mesmo assim, no meio do trajeto o piloto explica que estávamos com problemas técnicos, e pasmem, também com problemas de combustível. Na hora ficamos com medo, mas não tínhamos ideia da gravidade, pousamos e ficamos uns 45 minutos na aeronave. No meio de toda a confusão, ficamos sabendo da queda do outro avião e veio o triste relato da polícia do aeroporto. A policial informou que infelizmente eles não conseguiram pousar, pois já estávamos na prioridade de emergência, ou seja, já estávamos pousando e então eles tinham que esperar o meu avião chegar ao solo... Nessa espera, eles perderam o contato com a torre e o avião caiu, ali, metros de onde estava...
Depoimento
Figura 02 - Amigas durante um bate-papo, um depoimento.
Em nosso dia a dia estamos sempre contando o que vivenciamos ou o que presenciamos. O depoimento é um gênero textual narrativo em que se narram fatos reais vividos por uma pessoa. Essa modalidade de texto se origina no cotidiano pela expressão oral e vai ganhando a forma escrita. 664
Figura 03 - Avião da companhia aérea LaMia.
Foi um caos, ninguém sabe ao certo o que aconteceu, todo mundo com medo de pegar outro avião, criança chorando, pessoas gritando... Regressamos a Bogotá, pegamos um hotel e agora estamos no aeroporto novamente para enfim chegarmos a San Andrés. Aqui não se fala em outra coisa e já estão tentando entender porque um avião pousou e outro não. (O Globo 30/11/2011 10:20/Atualizado01/12/2016 13:39 http://oglobo. globo.com/esportes/sobrevivente-testemunhas-relatam-drama-nos-momentos-finais-do-voo-da-chapecoense)
Maysa Brito mora em Uberlândia e disse que viajava de Bogotá para San Andrés, ambas cidades na Colômbia, quando o comandante do voo relatou sobre o vazamento de gasolina.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Características do depoimento nn Tem
o objetivo de apresentar uma situação vivida, uma experiência pessoal; nn Apresenta, desde o início, o fato a ser contado, onde e quando o fato ocorreu; nn Enunciado em 1ª pessoa (autor contando a história); nn Texto predominantemente narrativo; nn Estrutura interna: apresentação de uma experiência vivida, com marcas de autoria; nn Relato do acontecimento, pessoas envolvidas, períodos de realização, desenvolvimento, sensações, aprendizagens; nn Utilização de pronomes pessoais, formas de expressões típicas e pessoais; nn Diálogo com outros sujeitos que participam direta ou indiretamente; nn Utilizam-se verbos e pronomes empregados predominantemente na 1ª pessoa. Em relação ao tempo verbal, usam-se o pretérito perfeito e o presente do indicativo; nn Emprego do padrão culto formal da língua; nn Aparecem claramente as impressões pessoais do depoente (emoções e sentimentos vivenciados naquele momento).
01. (Unievangélica GO) A madrugada vinha querendo romper. Os sapos voltaram a cantar. Galos cantaram desanimadamente. Uma neblina densa caiava a Vila, como que prenunciando a manhã. E como o tempo esfriasse, Vicente fechou a janela para dormir, mas de novo lhe voltou à cabeça a história do assassinato do coronel. Então passou a considerar mal a polícia a partir daquele momento. Que tinham matado o velho sem precisão. Achou mesmo muito esquisito quando viu chegar aqueles cadáveres. O velho coronel era violento, brigão, metido a valente, mas era covarde. A noite era de neblina e de tormento. ÉLIS, Bernardo. O tronco. 6. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1978. p. 130. (Adaptado).
Verifica-se, no excerto apresentado, menções ao tempo a) psicológico b) histórico c) cronológico d) social 02. (UFRR) Eu não sabia nada de mim, como vim ao mundo, de onde tinha vindo. A origem: as origens. Meu passado, de alguma forma palpitando na vida dos meus antepassados, nada disso eu sabia. Minha infância, sem nenhum sinal da origem. É como esquecer uma criança dentro de um barco num rio deserto, até que uma das margens a acolhe. Anos depois, desconfiei: um dos gêmeos era meu pai. Domingas disfarçava quando eu tocava no assunto; deixava-me cheio de dúvida, talvez pensando que um dia eu pudesse descobrir a verdade. Eu sofria com o silêncio dela; nos nossos passeios, quando me acompanhava até o aviário da Matriz ou a beira do rio, começava uma frase mas logo interrompia
e me olhava, aflita, vencida por uma fraqueza que coíbe a sinceridade. Muitas vezes ela ensaiou, mas titubeava, hesitava e acabava não dizendo. Quando eu fazia a pergunta, seu olhar logo me silenciava, e eram olhos tristes. (...) A área que contorna o porto estava silenciosa. Na calçada da rua dos Barés dormiam famílias do interior. Vi a loja fechada e apontei o depósito, onde Halim, encostado à janelinha, contara trechos de sua vida. Minha mãe quis sentar na mureta que dá para o rio escuro. Ficou calada por uns minutos, até a claridade sumir de vez. “Quando tu nasceste”, ela disse, “seu Halim me ajudou, não quis me tirar da casa... Me prometeu que ias estudar. Tu eras neto dele, não ia te deixar na rua. Ele foi ao teu batismo, só ele me acompanhou. E ainda me pediu para escolher teu nome. Nael, ele me disse, o nome do pai dele. Eu achava um nome estranho, mas ele queria muito, eu deixei... Seu Halim. Parece que a vida se entortou também para ele... Eu sentia que o velho gostava muito de ti. Acho que gostava até dos filhos. Mas reclamava do Omar, dizia que o filho tinha sufocado a Zana.” Senti suas mãos no meu braço; estavam suadas, frias. Ela me enlaçou, beijou meu rosto e abaixou a cabeça. Murmurou que gostava tanto de Yaqub... Desde o tempo em que brincavam, passeavam. Omar ficava enciumado quando via os dois juntos, no quarto, logo que o irmão voltou do Líbano.” Com o Omar eu não queria... Uma noite ele entrou no meu quarto, fazendo aquela algazarra, bêbado, abrutalhado... Ele me agarrou com força de homem. Nunca me pediu perdão”. HATOUM, Milton. Dois Irmãos. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 54, 183-184.
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D05 Relato pessoal e depoimento
Exercícios de Fixação
Português
O narrador da obra Dois Irmãos, de Milton Hatoum é: a) narrador personagem, com perfil de protagonista; b) narrador personagem, com perfil de testemunha; c) narrador onisciente, assumindo uma postura de neutralidade em relação aos fatos narrados; d) narrador onisciente, assumindo uma postura parcial em relação aos fatos narrados; e) narrador observador, relatando os fatos sem participar deles. 03. (Unitau SP) “Regressei à minha velha casa, e ali, sob a sombra do tamarindo, me deixei afogar em lembranças. [...] O tamarindo mais sua sombra: aquilo era feito para abraçar saudades. Minha infância fazia ninho nessa árvore. [...] E via os flamingos, setas rapidando-se furtivas pelos céus. Meu pai sentava em baixo, na curva das raízes, e apontava os pássaros”. (COUTO, 2005, p. 159).
“Agora, sob a grande sombra do tamarindo, eu fechei os olhos e convoquei saudades. Me apareceu o quê? Um pátio, mas que não era aquele. Porque nesse terreiro havia uma criança. Nas mãos desse menino, minha lembrança tocava umas tristezas, coisitas tiradas num lixo. Artes da meninice era fazer dessas coisas um brinquedo. Apetrechos de mago, ele convertia o cosmos num jogo de desmontar. E era qual esse brinquedo? Isso, em meu sonho, eu não conseguia distinguir. Apenas me surgia a enevoada memória da criança escondendo o brinquedo entre as raízes do tamarindo. (COUTO, 2005, p. 162).
Quanto aos fragmentos acima, de O último voo do flamingo, obra de Mia Couto, pode-se dizer que a) o narrador emprega linguagem descuidada, caracterizada pela oralidade. b) o narrador, incoerentemente, atenta contra os preceitos da gramática normativa. c) o narrador não se caracteriza por dominar os recursos da língua. d) a modalidade de linguagem empregada é a regionalista. e) a modalidade de linguagem empregada é a prosa poética. Texto comum às questões 04 e 05 O milagre das folhas Não, nunca me acontecem milagres. Ouço 2 falar, e às vezes isso me basta como 3 esperança. Mas também me revolta: por que 4 não a mim? Por que só de ouvir falar? Pois já 5 cheguei a ouvir conversas assim, sobre 6 milagres: “Avisou-me que, ao ser dita 7determinada palavra, um objeto de estimação 8 se quebraria”. Meus objetos se quebram 9 banalmente e pelas mãos das empregadas. 10 Até que fui obrigada a chegar à conclusão 11 de que sou daqueles que rolam pedras durante 12 séculos, e não daqueles para os quais os seixos 13 já vêm prontos, polidos e brancos. Bem que 14 tenho visões fugitivas antes de adormecer – 15 seria milagre? Mas já me foi tranquilamente 16 explicado que isso até nome tem: cidetismo17 (sic), capacidade de projetar no alucinatório as 18 imagens inconscientes.
D05 Relato pessoal e depoimento
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LISPECTOR, Clarice. In: SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Organização e introdução. As cem melhores crônicas brasileiras. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. p. 186-187.
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Milagre, não. Mas as coincidências. Vivo de 20 coincidências, vivo de linhas que incidem uma 21 na outra e se cruzam e no cruzamento formam 22 um leve e instantâneo ponto, tão leve e 23 instantâneo que mais é feito de pudor e 24 segredo: mal eu falasse nele, já estaria falando 25 em nada. 26 Mas tenho um milagre, sim. O milagre das 27 folhas. Estou andando pela rua e do vento me 28 cai uma folha exatamente nos cabelos. A 29 incidência da linha de milhões de folhas 30 transformadas em uma única, e de milhões de 31 pessoas a incidência de reduzi-las a mim. Isso 32 me acontece tantas vezes que passei a me 33 considerar modestamente a escolhida das 34 folhas. Com gestos furtivos tiro a folha dos 35 cabelos e guardo-a na bolsa, como o mais 36 diminuto diamante. 37 Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro 38 entre os objetos a folha seca, engelhada, 39 morta. Jogo-a fora: não me interessa fetiche 40 morto como lembrança. E também porque sei 41 que novas folhas coincidirão comigo. 42 Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei 43 Deus de uma grande delicadeza. 19
LISPECTOR, Clarice. In: SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Organização e introdução. As cem melhores crônicas brasileiras. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. p. 186-187.
04. (UECE) Geralmente, em um texto, detectam-se outras vozes além da voz do enunciador, contradizendo-o ou concordando com ele. Às vezes, essas vozes vêm marcadas por um verbo discendi e por sinais gráficos, tais como dois pontos, aspas, travessão, etc. Isso acontece, principalmente, na narrativa dita tradicional. Outras vezes, essas vozes aparecem muito sutilmente e exigem maior atenção do leitor. Pondere sobre o seguinte excerto: “Pois já cheguei a ouvir conversas assim, sobre milagres: Avisou-me que, ao ser dita determinada palavra, um objeto de estimação se quebraria.” (linhas 4-8). Nesse trecho da crônica, ouve-se mais de uma voz camuflada pela voz do enunciador. Reconheça a única voz que NÃO se manifesta no trecho destacado. a) A primeira voz é a do enunciador da crônica que relata o que lhe foi dito por alguém. b) Para fazer o relato do que lhe foi dito ele se vale do discurso indireto. c) A segunda voz é a de alguém que fala sobre milagre ao enunciador da crônica. d) Ouve-se a voz de quem, como terceira voz, deu à segunda voz informações sobre milagre. 05. (UECE) Os dois últimos parágrafos do texto constituem uma sequência a) argumentativa, que dá um toque de intelectualidade ao texto. b) descritiva, que confere a tonalidade de leveza exigida pelo gênero crônica. c) narrativa, que empresta ao texto o cunho do cotidiano, imprescindível para a crônica. d) injuntiva (exprime uma ordem), que torna a crônica mais ágil, porque põe as personagens em interação.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Exercícios Complementares
Neurociência Paraplégico volta a andar após cirurgia revolucionária Graças a um transplante de células da cavidade nasal, búlgaro Darek Fidyka, de 40 anos, recuperou um rompimento total dos nervos da coluna vertebral. Feito é comparado à chegada do homem à Lua Um homem paraplégico voltou a andar graças a um transplante de células nervosas realizado na Polônia, em uma operação sem precedentes. Derek Fidyka, um búlgaro de 40 anos, é a primeira pessoa do mundo a se recuperar de um rompimento total dos nervos da coluna vertebral. Ele recebeu um transplante de células de sua cavidade nasal para a medula espinhal e, após reabilitação de um ano, ele pode caminhar com o auxílio de um andador – Fidyka também recuperou algumas funções da bexiga e do intestino. “Para mim, isto é ainda mais impressionante do que um homem caminhando na Lua”, afirmou Geoffrey Raisman, professor do Instituto de Neurologia do University College de Londres (UCL), na Inglaterra, e um dos autores do estudo publicado na revista Cell Transplantation. [...] A cirurgia foi realizada por uma equipe médica polonesa, coordenada pelo neurocirurgião Pawel Tabakow, da Universidade de Wroclaw, na Polônia, um dos maiores especialistas em lesões medulares do mundo. Os médicos utilizaram células nervosas do nariz do paciente a partir das quais se desenvolveram os tecidos seccionados – o complexo circuito responsável pelo olfato é a única parte do sistema nervoso que se regenera durante toda a vida e foi essa característica que os cientistas procuraram reproduzir na lesão de Fidyka. As células do próprio paciente não seriam rejeitadas e o tecido medular poderia ser reparado. A técnica de transplante, descoberta na UCL, apresentou bons resultados em laboratório, mas nunca havia sido testada com sucesso em um ser humano. Na primeira das duas operações, os cirurgiões removeram os bulbos olfativos do paciente e fizeram as células crescer em cultura. Duas semanas depois, foi feito o transplante de medula por meio de microinjeções. Fidyka manteve seu programa de condicionamento – cinco horas de exercícios durante os cinco dias da semana – e percebeu que a cirurgia havia sido bem sucedida quando, após três meses, sua coxa esquerda começou a desenvolver músculos. Seis meses depois, deu seus primeiros passos com o apoio de fisioterapeutas. Agora, após dois anos, caminha apenas com o andador. De acordo com os cientistas, exames mostraram que a lacuna na medula espinhal do paciente se fechou após o tratamento.
“Nós acreditamos que o procedimento é uma descoberta capital que, se for bem desenvolvida, constituirá uma mudança histórica para as pessoas que sofrem de ferimentos na coluna cerebral”, declarou Raisman. (Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/paraplegicovolta- a-andar-apos-cirurgia-revolucionaria. Acesso em 21/10/2014)
Ainda em relação ao texto “Paraplégico volta a andar após cirurgia revolucionária”, a utilização de discurso direto, a abundância de sequencia dores temporais e o predomínio de verbos no pretérito contribuem para que o texto seja classificado na tipologia: a) Descritiva b) Argumentativa c) Expositiva d) Injuntiva e) Narrativa 02. (Puc MG) Sobre o romance Jorge, um brasileiro, a alternativa CORRETA é: a) Apresenta um narrador em primeira pessoa que comenta sua própria técnica de narração. b) Os espaços da narrativa são múltiplos, acompanhando os deslocamentos do protagonista. c) O enredo é organizado segundo a sequência exata das ações do narrador-personagem. d) O momento da narração coincide com o momento em que se passam os principais eventos da narrativa. e) As personagens mais ligadas afetivamente ao narrador-protagonista são descritas por ele com grande complexidade psicológica. 03. (UECE) “UndeMalum” Os sapatinhos sem meias, a roupa 66 encharcada, o rosto suavemente deitado 67 sobre a areia da praia em Bodrum, na 68 Turquia. AylanShenu, o refugiado sírio de 3 69 anos, parecia adormecido, em uma daquelas 70 imagens de desconcertante inocência que só 71 uma criança subitamente vencida pelo 72 cansaço é capaz de produzir. A sensação boa 73 dura pouco. Logo se percebe que Aylan está 74 morto. Seu corpo inerte foi jogado na areia 75 pelas ondas do Mediterrâneo. A legenda da 76 foto informa que Aylan morreu afogado com a 77 mãe, Rehan, e o irmão de 5 anos, Galip, 78 quando o barco precário que os transportava 79 afundou. Só Abdullah, o pai do menino, 80 sobreviveu. Como dezenas de milhares de 81 outros sírios vêm fazendo em desespero, os 82Shenu lançaram-se ao mar para fugir da 83 guerra civil insana que arrasa o seu país. 65
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D05 Relato pessoal e depoimento
01. (Unemat MT)
Português
As cenas do corpo de Aylan na areia – e, 85 em outra foto, carregado nos braços por um 86 policial turco – foram fortes demais mesmo 87 para um mundo anestesiado por desgraças 88 que chegam sem parar a bilhões de pessoas 89 instantaneamente pela internet. A mente 90 humana só tem a fé e a arte para não perder 91 a razão diante de imagens como as de Aylan. 92 Santo Agostinho, um portento da inteligência 93 cristã, nunca conseguiu conciliar a ideia de um 94 Deus onipotente, soberanamente bom, com a 95 existência do mal no mundo. Sua indagação 96 em latim “Undemalum” (“De onde vem o 97 mal?”) atravessa os séculos sem resposta 98 inteiramente satisfatória. No poema com esse 99 título, o polonês Czeslaw Milosz, ganhador do 100 Nobel de literatura em 1980, responde que o 101 bem e o mal só existem no homem – e se a 102 espécie humana deixar de existir eles também 103 desaparecerão. 104 “El pie delniñoaún no sabe que es pie” – 105assim o poeta chileno Pablo Neruda descreveu 106 sua perplexidade metafísica ante os mistérios 107 da caminhada humana. O escritor americano 108 Ernest Hemingway famosamente venceu os 109 amigos em uma disputa literária para ver 110 quem conseguiria comover os demais com a 111 história mais curta: “Vendo sapatinho de 112 bebê. Nunca usado”. Pendendo solto dos 113raços do policial turco em Bodrum, os 114 pezinhos de Aylan, dentro dos sapatos sem 115 serventia, ainda não sabiam que eram pés. 116 Isso é que mais dói. 84
D05 Relato pessoal e depoimento
(Carta ao Leitor. Veja. 9/09/2015. p. 12)
“Vendo sapatinho de bebê. Nunca usado” (Refs. 111-112). Essa pequena história comoveu os amigos do escritor americano Ernest Hemingway, e o autor desta carta ao leitor ilustrou o seu texto com essa pequena história. Atente ao que se diz sobre essa pequena narrativa. I. O primeiro enunciado da historinha de Hemingway – “Vendo sapatinho de bebê” expressa uma atividade normal, desenvolvida por muitas pessoas: vender sapatinho de bebê. II. O segundo enunciado – “Nunca usado” – causa estranhamento, uma vez que não se costuma vender sapatinhos de bebê usados. Sendo isso verdade, não haveria necessidade de fazer essa observação. III. O acréscimo da informação “Nunca usado” abre para o leitor a expectativa de que algo de mau, ou pelo menos desagradável, aconteceu à criança. Está correto o que se diz em a) I, II e III. b) I e II somente. c) II e III somente. d) I e III somente. 04. (Unesp SP) Memória e tecnologia Estava em um aeroporto quando testemunhei uma cena que me fez pensar bastante. Um garoto de mais ou menos 10 anos andava para lá e para cá muito aflito, sem saber para onde ir, e estava quase caindo no choro. Fui em sua direção para tentar ajudar, mas um casal chegou antes e pude ouvir a conversa deles.
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O garoto estava no aeroporto com a família de um amigo porque eles iriam viajar para uma praia. Ele havia saído de onde estava para comprar um lanche e não conseguiu mais encontrar o grupo. E aí vem a parte mais interessante para refletirmos. O casal aquietou o garoto e disse que bastava o menino informar o número do telefone que eles ligariam para o amigo. O garoto, que tinha um celular e o deixara com o colega, não sabia de memória nenhum número, nem o seu. “Está tudo no meu celular”, justificou. Claro que, com a ajuda do casal, não foi difícil o garoto se reunir com o seu grupo. O fato, porém, me deu o que pensar. Imediatamente me lembrei de que, quando criança, meus pais me fizeram decorar a seguinte frase: “Meu nome é Rosely Sayão, eu moro na Rua Jaceguai, 462, São Paulo, Capital”. Eles achavam São Paulo uma cidade em que uma criança se perderia com muita facilidade e, cuidadosos, tentaram garantir que eu tivesse informações para que, caso me perdesse, tivesse condições mínimas para encontrá-los. Hoje, com tantos recursos tecnológicos, delegamos a esses aparelhos maravilhosos muito do serviço que fazíamos antes da existência deles. Quantas coisas deixamos de ensinar às crianças porque a tecnologia resolve isso por nós. Não mais ensinamos a elas, por exemplo, que é muito perigoso abrirem a porta do carro em movimento, porque elas estão protegidas pelas travas; não as alertamos para os riscos de uma queda de local alto, porque estão protegidas pelas grades, e assim por diante. Não ensinamos mais as crianças a memorizar números de telefones, porque os aparelhos têm cada vez mais memória, justamente para guardar o que antes era responsabilidade da memória humana. Mas, quando deixamos a cargo do funcionamento dos aparelhos essas e outras tarefas, não consideramos que a vida é feita de falhas – humanas e mecânicas – de inesperados, de acontecimentos inusitados. E, que nesses momentos, o que conta é o conhecimento que a pessoa guardou consigo. Em educação, os detalhes são importantes. Por isso é necessário ajudar os mais novos a perceber a importância da memorização de informações que a família considera essenciais e do autocuidado, que inclui as noções de risco e de autoproteção. Afinal, aparelhos falham. (Rosely Sayão. Folha de S. Paulo, 04.02.2014. Adaptado)
Os três parágrafos iniciais do texto constituem trecho, predominantemente, a) narrativo, visto que a autora expõe sua opinião sobre a dependência da tecnologia. b) narrativo, pois a autora relata a situação vivida pelo garoto que se perdeu no aeroporto. c) descritivo, porque a autora testemunha o conflito do rapaz e se propõe a refletir sobre o fato. d) dissertativo, pois a autora menciona o desespero do adolescente e apresenta características físicas do garoto. e) dissertativo, visto que a autora compara sua família à do garoto que se perdeu dos amigos.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
BANDEIRA, M. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985.
No relato de memórias do autor, entre os recursos usados para organizar a sequência dos eventos narrados, destaca-se a a) construção de frases curtas a fim de conferir dinamicidade ao texto. b) presença de advérbios de lugar para indicar a progressão dos fatos. c) alternância de tempos do pretérito para ordenar os acontecimentos. d) inclusão de enunciados com comentários e avaliações pessoais. e) alusão a pessoas marcantes na trajetória de vida do escritor. 06. (UFMG) Assinale a alternativa em que o trecho transcrito NÃO apresenta a descrição de um espaço narrativo. a) Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos, até outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem 20 ou 25 léguas por costa; traz ao longo do mar, em algumas partes, grandes barreiras delas vermelhas e delas brancas e a terra por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. (Carta) b) Cabralhada. Tiba. De boa entrada, ao que me gasturei, no vendo. Aqueles eram mais de cento e meio, sofreúdos, que todos curtidos no jagunçar, rafameia, mera gente. Azombado, que primeiro até fiquei, mas daí quis assuntação, achei, a meu cômodo. Assim, isto é, me acostumei com meio-só meu coração, naquele arranchamento. (Grande sertão: veredas) c) O zaino galopava e Rodrigo aspirava com força o ar, que cheirava a capim e distância. Quero-queros voaram, perto, guinchando. Longe, uma avestruz corria, descendo uma coxilha. O capitão começou a gritar um grito sincopado e estrídulo, bem como faziam os carreiristas no auge da corrida. (Um certo capitão Rodrigo) d) Chovia a cântaros. Os medonhos trovões do Amazonas atroavam os ares; de minuto em minuto relâmpagos rasgavam o céu. O rapaz corria. Os galhos úmidos das árvores batiam-lhe no rosto. Os seus pés enterravam-se nas folhas molhadas que tapetavam o solo. De quando em quando, ouvia o ruído da queda das árvores feridas pelo raio ou derrubadas pelo vento, e cada vez mais perto o uivo de uma onça faminta. (Contos amazônicos) 07. (Mackenzie SP) Ia encontrar Basílio no Paraíso pela primeira vez. E estava muito nervosa; (...) Mas ao mesmo tempo uma curiosidade intensa, múltipla, impelia-a, com um estreme-
cimentozinho de prazer. − Ia, enfim, ter ela própria aquela aventura que lera tantas vezes nos romances amorosos! Era uma forma nova do amor que ia experimentar, sensações excepcionais! Havia tudo − a casinha misteriosa, o segredo ilegítimo, todas as palpitações do perigo! Porque o aparato impressionava-a mais que o sentimento; e a casa em si interessava-a, atraía-a mais que Basílio! Como seria? Conhecia o gosto de Basílio, − e o Paraíso decerto era como nos romances de Paulo Féval. A carruagem parou ao pé de uma casa amarelada, com uma portinha pequena. Logo à entrada um cheiro mole e salobro enojou-a. Eça de Queirós – O primo Basílio
Assinale a alternativa correta sobre o texto. a) O narrador de primeira pessoa confunde-se, no discurso indireto, com a personagem, configurando um quadro com fortes marcas de subjetividade. b) O narrador-observador interrompe o fluxo dissertativo para tecer comentários críticos a respeito do caráter da personagem. c) A linguagem do texto, marcada pela recorrência de exclamações, revela o envolvimento emotivo do narrador-personagem com o fato narrado. d) O narrador onisciente, por meio do discurso indireto livre, revela os desejos e as inquietações que povoam o imaginário da personagem. e) O predomínio do discurso direto é estratégia do narrador-observador para que o leitor conheça os devaneios amorosos da personagem. 08. (Enem Mec) A diva Vamos ao teatro, Maria José? Quem me dera, desmanchei em rosca quinze kilos de farinha, tou podre. Outro dia a gente vamos. Falou meio triste, culpada, e um pouco alegre por recusar com orgulho. TEATRO! Disse no espelho. TEATRO! Mais alto, desgrenhada. TEATRO! E os cacos voaram sem nenhum aplauso. Perfeita. PRADO, A. Oráculos de maio. São Paulo: Siciliano, 1999.
Os diferentes gêneros textuais desempenham funções sociais diversas, reconhecidas pelo leitor com base em suas características específicas, bem como na situação comunicativa em que ele é produzido. Assim, o texto “A diva” a) narra um fato real vivido por Maria José. b) surpreende o leitor pelo seu efeito poético. c) relata uma experiência teatral profissional. d) descreve uma ação típica de uma mulher sonhadora. e) defende um ponto de vista relativo ao exercício teatral. 669
D05 Relato pessoal e depoimento
05. (Enem MEC) Em junho de 1913, embarquei para a Europa a fim de me tratar num sanatório suíço. Escolhi o de Clavadel, perto de Davos-Platz, porque a respeito dele me falara João Luso, que ali passara um inverno com a senhora. Mais tarde vim a saber que antes de existir no lugar um sanatório, lá estivera por algum tempo Antônio Nobre. “Ao cair da folhas”, um de seus mais belos sonetos, talvez o meu predileto, está datado de “Clavadel, outubro, 1895”. Fiquei na Suíça até outubro de 1914.
FRENTE
D
PORTUGUÊS
MÓDULO D06
ASSUNTOS ABORDADOS nn Biografia nn Características principais nn Exemplo
BIOGRAFIA A biografia se define como um gênero textual em que o autor registra a história de vida de uma pessoa, enfatizando os principais fatos de sua trajetória. Esse tipo de texto, na maioria das vezes, se dedica à descrição ou narração da vida de alguém que se notabilizou de alguma forma. É um texto sobre pessoas públicas, como políticos, cientistas, esportistas, escritores, e até famosos da atualidade, celebridades que, por meio de suas atividades, deixaram uma importante contribuição para a sociedade. As primeiras manifestações textuais do gênero biografia apareceram na Idade Média, cujo conteúdo era, especificamente, voltado para vidas de santos, abades, heróis nacionais e senhores feudais.
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Biografia (bio é vida e grafia é escrita) é um gênero que caracteriza uma das muitas circunstâncias comunicativas que compartilhamos no nosso dia a dia. É uma mistura entre jornalismo, literatura e história. Textos biográficos têm a finalidade de deixar o interlocutor informado acerca dos dados da vida de alguém, obedecendo a uma ordem cronológica dos acontecimentos, ou por temas (amores, derrotas, traumas), desde o momento do nascimento, sua trajetória de vida com dados precisos, incluindo nomes, locais e datas dos principais acontecimentos, até sua morte. Esse gênero não precisa ser, necessariamente, escrito. Pode aparecer em forma de filmes, peças de teatro, vídeos ou documentários. De modo geral, as biografias contam a vida de alguém depois de sua morte, mas atualmente isso vem mudando. Há inclusive pessoas biografadas que nem sequer chegaram à idade adulta! A biografia, sobretudo, deve assumir uma responsabilidade para com a verdade, mas sem anular a imaginação.
Figura 01 - Pena e tinteiro. Ferramentas para usar na escrita de antigamente.
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Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Estrutura básica: nn Introdução
- apresentação inicial da personagem biografada. - narração e descrição dos acontecimentos dos principais fatos que compõem a história, apresentando a linha do tempo, árvore genealógica e identidade. nn Conclusão - parte final de caráter subjetivo na qual é avaliada/explorada a transcendência da personagem. nn Desenvolvimento
Características principais n n Os
acontecimentos devem estar ordenados em sequência cronológica, ou seja, do mais antigo para o mais recente; nn Deve haver um trabalho prévio de seleção das informações, as quais possam ser consideradas relevantes para o leitor; nn Devem-se evitar juízos de valor ou expressões adjetivas que indiquem a opinião do autor a respeito das informações que apresenta; nn Predomina o uso da 3ª pessoa do singular (ele/ela), pois o narrador escreve sobre outra pessoa; nn Predomínio de verbos no pretérito perfeito e imperfeito do modo indicativo, mas também no presente do modo indicativo, o que chamamos de presente histórico; nn Informações quanto ao nome da pessoa, data e local de seu nascimento; nn O relato dos fatos no texto biográfico aparece frequentemente pontuado de lembranças, porém com o compromisso de dizer a verdade; nn O biografado é, em geral, uma pessoa importante, cuja vida e a obra têm interesse.
Exemplo Leia o texto biográfico a seguir, que conta uma parte da vida de um dos maiores escritores da literatura brasileira, Euclides da Cunha. Quem foi Euclides da Cunha Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha nasceu em Cantagalo (RJ), em 20 de janeiro de 1866. Aos três anos, perdeu a mãe passando o restante da infância e a adolescência sob cuidados de seus tios, em diferentes cidades ou fazendas do interior do Rio de Janeiro. Estudou no Colégio Bahia, em Salvador (BA), durante um breve período em que morou naquela cidade, na casa de sua avó paterna. Foi escritor, professor, sociólogo, repórter jornalístico e engenheiro. Quando jovem, ingressou na Escola Militar, onde recebeu formação positivista, de oposição à monarquia. Mas Euclides passaria pouco tempo na Escola Militar. Em um gesto de indisciplina e de crítica à monarquia, durante uma comemoração, jogou no chão a arma que deveria apresentar à passagem do ministro da Guerra. Ao mesmo tempo, proferiu palavras contra a passividade dos colegas. Foi preso e expulso da escola, mas seu gesto impetuoso ficou, entre os republicanos, como um símbolo de idealismo e coragem.
D06 Biografia
Sua vida privada foi repleta de contrariedades e grandes dificuldades financeiras. No ano de 1909, ele prestou concurso para o magistério. Apesar de ter sido aprovado, ele não teve tempo de assumir o cargo. Tornou-se famoso internacionalmente por sua obra-prima, Os Sertões, livro pioneiro do modernismo brasileiro, que retrata a Guerra dos Canudos. Nessa obra ele faz ainda uma análise brilhante da psicologia do sertanejo e de seus costumes. Escreveu também: Peru versus Bolívia, Contrastes e Confrontos e A Margem da História. Em 15 de agosto de 1909, depois de uma troca de tiros por questões de honra com o militar Dilermando de Assis, Euclides foi assassinado, aos 43 anos de idade. 671
Português
nn Veja que a biografia de Euclides da Cunha é um relato elaborado em uma sequ-
ência temporal que entremeia fatos de sua vida e de sua carreira profissional: nn 1º e 2º parágrafos: origem, estudos e carreira profissional como escritor. Nes-
ses dois parágrafos, os fatos da biografia são relatados de forma mais neutra. nn 3º,
4º e 5º parágrafos: fatos da vida e obra do escritor, ressaltando sua conduta impetuosa e; esses trechos já emitem opinião a respeito do biografado, especialmente pelos usos de adjetivos, como em “gesto impetuoso” ou “análise brilhante”.
Exercícios de Fixação 01. (Enem MEC) Joaquim Maria Machado de Assis, cronista, contista, dramaturgo, jornalista, poeta, novelista, romancista, crítico e ensaísta, nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839. Filho de um operário mestiço de negro e português, Francisco José de Assis, e de D. Maria Leopoldina Machado de Assis, aquele que viria a tornar-se o maior escritor do país e um mestre da língua, perde a mãe muito cedo e é criado pela madrasta, Maria Inês, também mulata, que se dedica ao menino e o matricula na escola pública, única que frequentou o autodidata Machado de Assis. Disponível em: http://www.passeiweb.com. Acesso em: 1 maio 2009.
Considerando os seus conhecimentos sobre os gêneros textuais, o texto citado constitui-se de a) fatos ficcionais, relacionados com outros de caráter realista, relativos à vida de um renomado escritor. b) representações generalizadas acerca da vida de membros da sociedade por seus trabalhos e vida cotidiana. c) explicações da vida de um renomado escritor, com estrutura argumentativa, destacando como tema seus principais feitos. d) questões controversas e fatos diversos da vida de personalidade histórica, ressaltando sua intimidade familiar em detrimento de seus feitos públicos. e) apresentação da vida de uma personalidade, organizada sobretudo pela ordem tipológica da narração, com um estilo marcado por linguagem objetiva. 02. Assinale a sequência correta: I.
II.
D06 Biografia
III.
IV.
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São definidos por propriedades linguísticas como vocabulário, relações lógicas, tempos verbais, construções frasais etc. Realizações linguísticas concretas definidas por propriedades sociocomunicativas, ou seja, dentro de um contexto cultural e com função comunicativa. Abrangem um conjunto praticamente ilimitado de características determinadas pelo estilo do autor, conteúdo, composição e função. Geralmente variam entre cinco e nove tipos: narração, argumentaação, descrição, injunção e exposição.
a) tipo textual, gênero textual, gênero textual, tipo textual. b) tipo textual, tipo textual, gênero textual, gênero textual. c) tipo textual, gênero textual, gênero textual, gênero textual. d) gênero textual, tipo textual, tipo textual, tipo textual. 03. (IF GO)
Evite alongar o período
Chico Viana
Procure evitar períodos longos. Eles tendem a cansar o leitor pelo excesso de informações. Também dão margem a problemas de coerência devido a conectivos mal empregados. O ideal para dominar o processo de estruturação e manter o texto legível é alternar períodos curtos com períodos médios. Períodos extensos, só por razões estilísticas. Proust, Saramago e outros escritores se utilizam deles para repisar uma ideia, marcar uma impressão emocional ou narrar eventos que ocorrem numa sucessão vertiginosa. Fora de usos estéticos como esses, devem-se abreviar os períodos em prol da organização e da clareza. A lição se aplica, é claro, aos que vão redigir no vestibular. Existem alunos que enfileiram as orações sem a mínima preocupação com a inteligibilidade e o efeito sobre o leitor. Revista Língua Portuguesa. Ano 9, n. 116, junho de 2015, p. 47.
A partir do texto é correto afirmar que I. a fragmentação do mundo contemporâneo alcança o indivíduo e faz com que suas sentenças sejam também fragmentadas. II. o uso de períodos mais curtos promove uma fluidez ao texto, conferindo-lhe a possibilidade de narrativas mais ágeis e verossímeis. III. o uso de períodos curtos é fruto de um padrão estético pós-moderno e reflete a busca pelo prazer pessoal a qualquer preço. Assinale a alternativa correta: a) Apenas I está correta. b) Apenas II está correta. c) Apenas III está correta. d) Todas estão corretas. e) Todas estão incorretas.
Resolução questão 01 A biografia de Machado de Assis é apresentada de maneira cronológica e está marcada pela objetividade, evidenciando assim que ali existem informações sobre a vida do escritor, não impressões pessoais do enunciador sobre elas. Gênero em questão: Biografia.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Exercícios Complementares
Escrevo neste instante com algum prévio pudor por vos estar invadindo com tal narrativa tão exterior e explícita. De onde no entanto até sangue arfante de tão vivo de vida poderá quem sabe escorrer e logo se coagular em cubos de geleia trêmula. Será essa história um dia o meu coágulo? Que sei eu. Se há veracidade nela – e é claro que a história é verdadeira embora inventada –, que cada um a reconheça em si mesmo porque todos nós somos um e quem não tem pobreza de dinheiro tem pobreza de espírito ou saudade por lhe faltar coisa mais preciosa que ouro – existe a quem falte o delicado essencial. Clarice Lispector, A hora da estrela.
No contexto da narração de A hora da estrela, é complementar ao “pudor” que confessa o narrador, no excerto, outra espécie de pudor, motivado, este, pela a) percepção da distância social que o afasta da protagonista. b) sua pressa em iniciar a parte narrativa ou factual da obra. c) irrelevância do assunto, que não lhe desperta o desejo de narrar. d) revolta que a exposição da miséria pode provocar nos leitores. e) sua identidade de origem com a migrante nordestina Macabea. 02. (Puc MG) “Amanheci um dia pensando em casar. Foi uma ideia que me veio sem que nenhum rabo de saia a provocasse. Não me ocupo com amores, devem ter notado, e sempre me pareceu que mulher é um bicho esquisito, difícil de governar. A que eu conhecia era a Rosa do Marciano, muito ordinária. Havia também conhecido a Germana e outras da mesma laia. Por elas eu julgava todas. Não me sentia, pois, inclinado por nenhuma: o que sentia era desejo de preparar um herdeiro para as terras de São Bernardo. Tentei fantasiar uma criatura alta, sadia, com trinta anos, cabelos pretos mas parei aí. Sou incapaz de imaginação, e as coisas boas que mencionei vinham destacadas, nunca se juntando para formar um ser completo.” (RAMOS, Graciliano. São Bernardo[Trecho]. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 66.)
O texto apresenta marcas ideológicas que evidenciam a intenção do narrador em: a) distanciar-se dos fatos narrados, simulando um ponto de vista imparcial sobre o casamento. b) valer-se da posição de fazendeiro para formular uma crítica implícita ao casamento por interesse.
c) apresentar um discurso autoritário em relação à mulher, representada como objeto utilitário. d) atribuir à vida difícil e à incapacidade de imaginação as causas de suas frustrações amorosas. 03. (UFT TO) Leia os fragmentos do romance Órfãos do Eldorado, de Milton Hatoum. Minha história com Dinaura começou naquela semana. Ela queria namorar comigo. Agora sou uma carcaça, mas fui um jovem vistoso. E ainda tinha posses. Isso conta, não é? Era o que eu pensava. Mas a riqueza não foi suficiente. Quer dizer, não serviu para muita coisa. A gente se encontrava aos sábados, não havia folga para outras tardes de amor. Os regulamentos do orfanato eram severos. (...) Foi um namoro silencioso. Às vezes, eu escutava a voz de Dinaura nos sonhos. Uma voz mansa e um pouco cantada, que falava de um mundo melhor no fundo do rio. De repente, ela ficava muda, assombrada com alguma coisa que o sonho não revelava. (...) No portão, madre Caminal deu a notícia: Dinaura anda por aí. Em Vila Bela? Ninguém sabe. Olhei para a religiosa e perguntei em voz muito alta por que mentia para mim. Não merecias aquela moça. Como podes ser filho de Amando Cordovil? (...) Comecei a procurar Dinaura na cidade, Iá de porta em porta, os moradores ainda se lembravam dos presentes e favores de Amando: o emprego numa repartição pública, um vestido de noiva, um brinquedo, uma rede, uma passagem de barco e até dinheiro. Perguntava por minha amada e ouvia o nome de Amando. Florita jurou que ela não estava em Vila Bela. Como tu sabes? Quem sonha com outro mundo não pode estar aqui. Muito menos uma amante arrependida. Esperou meu olhar de interrogação e acrescentou: Dinaura foi morar numa cidade encantada. (...) Estiliano abriu uma folha de papel e me mostrou um mapa com duas palavras: Manaus e Eldorado. Li em voz alta as palavras e olhei para Estiliano. Já foram sinônimos, disse ele. Os colonizadores confundiam
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D06 Biografia
01. (FGV SP)
Português
Manaus ou Manoa com o Eldorado. Buscavam o ouro do Novo Mundo numa cidade submersa chamada Manoa. Essa era a verdadeira cidade encantada. E o mapa? Dinaura está em Manaus ou na ilha? Ela foi morar no povoado da ilha, o Eldorado, disse Estiliano. HATOUM, Milton. Órfãos do Eldorado. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 40- 41, 59, 62,99 (Fragmento).
A partir da leitura dos fragmentos e considerando a leitura do texto integral de Órfãos do Eldorado, sobre o narrador, é CORRETO afirmar que: a) Estiliano, um narrador testemunha, reconstrói a história de amor entre seu amigo Arminto e a jovem Dinaura, destacando também em seu relato alguns fatos históricos relacionados a Manaus, o que faz da narrativa um romance histórico. b) O narrador onisciente concentra-se, do começo ao fim, no relacionamento amoroso mal sucedido entre Arminto e Dinaura, órfã que, pelos maus tratos sofridos no convento, foge para uma cidade que, por ter o nome de Manaus, era considerada encantada. c) Ao longo da narrativa, o narrador Estiliano permite ao leitor compreender que sua amada não existia de fato e, por isso, a escutava em sonhos - ela era uma criação de sua fantasia acostumada com os mitos e lendas que a irmã Florita repetia durante sua infância. d) O narrador compõe um relato memorialístico, em primeira pessoa, em que vida e mito estão unidos e, a partir de suas lembranças, busca compreender sua vida em ruínas: o amor impossível, as diferenças com o pai, a falência econômica. e) O narrador destaca em seu relato somente os problemas que o distanciavam de seu pai, um político amado pelas pessoas, mas severo com o filho, pois o pune por não se importar com os negócios da família e viver somente à procura de sua namorada Dinaura. 04. (IF PE)
D06 Biografia
A história, mais ou menos 01 Negócio seguinte. Três reis magrinhos ouviram um plá de que tinha nascido um Guri. Viram o cometa meta no Oriente e tal e se flagraram que o Guri tinha pintado por lá. Os profetas, que não eram de dar cascata, já tinham dicado o troço: em Belém da Judeia vai nascer o Salvador, e tá falado. Os três magrinhos se mandaram. Mas deram o maior fora. Em vez de irem direto para Belém, como mandava o catálogo, resolveram dar uma incerta no velho Herodes, em Jerusalém. Pra quê! Chegaram lá de boca aberta e entregaram toda a trama. Perguntaram: Onde está o rei que acaba de nascer? Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo. Quer dizer, pegou mal. Muito mal. O velho Herodes, que era um oligão, ficou grilado. Que rei era aquele? Ele é que era o dono da praça. Mas comeu em boca e disse: Joia. Onde é que esse guri vai se apresentar? Em
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que canal? Quem é o empresário? Tem baixo elétrico? Quero saber tudo. Os magrinhos disseram que iam flagrar o Guri e na volta dicavam tudo para o coroa. 02 Bom. Seguiram o cometa, chegaram numa estrebaria e lá estava o Guri com a Mãe e o Pai. Sensacional. Parecia até presépio vivo. Os magrinhos encheram o Guri de presente. Era Natal, pô. Mirra, incenso, ouro, autorama. Tava na hora de darem no pé quando chega um telex. É do céu. Um anjo avisando aos magrinhos que não, repito, não voltem à presença de Herodes porque o coroa tá a fim de apagar o Guri. E, depois que os magrinhos se mandaram, chega outro telex, desta vez para o velho do Guri. Te manda e leva a família. O Herodes vem atrás de vocês e não é para dar presente. O velho pegou a mulher e o Guri e voou para o Egito. Na estrebaria as vacas ficaram se entreolhando meio acanhadas, mas depois esqueceram tudo. Aliás, um dos carneiros, mais tarde, quis vender a história toda para um jornal de Jerusalém, mas não acertaram o tutu. 03 Bom, o Herodes, é claro, ficou chutando as paredes quando soube da jogada dos magrinhos. Mandou que todo bebinski nascido nas bocas fosse cancelado. Se tiver fralda, apaga. Foi chato. Muito chato. Morreu neném que não foi fácil. Mas o Guri tava no Egito, vivão. Pouco depois Deus achou que o Herodes tava se passando e cassou a licença dele. E mandou passar outro telex para o velho do Guri: Pode voltar. Segue carta. Mas o velho foi vivo e em vez de pintar na Judeia - onde o filho de Herodes, outro mauca, reinava – foi para a Galileia, para uma cidadezinha chamada Nazaré. Ali o Guri cresceu legal. Acabou Rei mesmo, dando o maior Ibope. Aliás, os profetas já tinham dito que o Guri seria chamado Nazareno. Naquela época, profeta não dava uma fora! Se tivesse a Loteria Esportiva, já viu, né? VERÍSSIMO. L. F. A história, mais ou menos. Disponível em: <http://cronicasdeluisfernandoverissimo.blogspot.com.br/2006/08/crnicahistria-mais-ou-menos.html>. Acesso em: 20 set. 2015.
O texto, intitulado “A história, mais ou menos”, de Luís Fernando Veríssimo, estabelece um diálogo interessante com a história do nascimento de Cristo. Tal diálogo ocorre por meio do seguinte recurso: a) Paráfrase direta, uma vez que a história é contada de acordo com a opinião crítica do autor. b) Intertextualidade com forte referência ao texto fonte, de modo que, embora não haja citação expressa, a história de Cristo é facilmente recuperada. c) Citação, já que a história de Cristo foi recorrentemente citada de forma literal. d) Paródia, porque o texto 04 conta a história de Cristo, mas não se limita ao enredo original, criando eventos dos quais o texto fonte não trata. e) Intertextualidade intergenérica, pois há uma relação entre gêneros textuais diferentes, ou seja, o texto 04 tem forma de conto, mas função de fábula.
FRENTE
D
PORTUGUÊS
MÓDULO D07
CARTAS A carta é um gênero epistolar de tipologia textual livre, pois nela podem aparecer a narração, a descrição e, por vezes, a argumentação. O que determina os aspectos estruturais e as abordagens temática e linguística de uma carta é o fim a que ela se destina, seja para se realizar um negócio, seja para trazer novidades a um amigo, como também, revelar segredos a um ente amado. As cartas, portanto, podem ser amorosas, didáticas, doutrinárias, familiares, críticas ou apreciativas.
ASSUNTOS ABORDADOS nn Cartas nn Carta pessoal nn Carta aberta nn A interlocução em cartas
Pontos indispensáveis em uma epístola: 1) Organização: obedecer a sequência lógica do assunto; 2) Unidade: o conteúdo da carta deve relacionar-se com o assunto em discussão; 3) Coerência e coesão: ideias devidamente relacionadas entre parágrafos e uso correto das conjunções; 4) Clareza: diversidade e adequação do vocabulário, pois a linguagem deve refletir o padrão culto da língua; 5) Concisão: as palavras empregadas devem ser fundamentais e informativas.
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A carta pessoal se classifica como um gênero textual especificamente utilizado na comunicação entre pessoas que mantêm um vínculo de relacionamento, cuja finalidade discursiva pode pautar-se por objetivos diversos, como fazer um convite, atribuir agradecimentos, trocar notícias entre os interlocutores envolvidos, relatar sobre um passeio, um relacionamento, advertências, um pedido de desculpas, dentre outros. Quanto aos aspectos de natureza linguística, a carta pessoal se difere das demais correspondências. Tal divergência se refere ao predomínio de uma linguagem que varia de acordo com o grau de intimidade entre o remetente e o destinatário, podendo prevalecer tanto o padrão formal quanto o informal.
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Carta pessoal
Figura 01 - Caixa do correio repleta de cartas
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Português
As principais características da carta pessoal são: nn Presença
de destinatário (interlocutor) e remetente (locutor); nn Uso de linguagem informal; nn Texto geralmente breve; nn Escrita na primeira pessoa do singular; nn Tema livre (sejam fatos do cotidiano, acontecimentos). Estrutura da carta pessoal Dependendo da proximidade entre o destinatário e o remetente, as cartas pessoais não seguem, necessariamente, uma estrutura padrão. No entanto, vale lembrar que, como gênero epistolar, ela apresenta uma estrutura básica:
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nn Local
Figura 02 - Exemplo de carta pessoal.
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e data: Ambos os elementos aparecem no início da carta, antes de qualquer informação, em geral, estão posicionados à esquerda da folha. nn Vocativo: O emissor sempre se dirige ao receptor por intermédio de termos que revelem cortesia, tais como: Prezado(a), Caro(a), Querido(a), ou nome do destinatário, que aparece logo abaixo do local e da data. Pode também ser substituído por expressões de saudações. Pode ser seguido de dois pontos ou vírgula ou não conter nenhum sinal de pontuação. nn Corpo de texto: Trata-se do discurso propriamente dito e conta com a introdução, desenvolvimento e conclusão, abordando as ideias principais pretendidas. nn Linguagem: Quanto aos aspectos de natureza linguística, a carta pessoal se difere das demais correspondências. Como se trata de uma comunicação relacionada a um assunto livre, poderá haver o emprego de alguns termos coloquiais, até mesmo gírias ou que denotem uma intimidade maior entre os interlocutores. nn A Despedida: A despedida pode variar de acordo com o grau de intimidade entre os interlocutores envolvidos, podendo ser informal, afetuosa ou até mesmo cerimoniosa. Desde “atenciosamente” até “beijos carinhosos” e “forte abraço”. nn A assinatura: Para finalizar a carta, o remetente assina abaixo das saudações de despedida. Nas cartas pessoais, geralmente é escrito somente o primeiro nome, sem atribuição ao sobrenome, algo bem simples, sem marcas de formalidades.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Exemplo de carta pessoal
nn Uso
Goiânia, 10 de janeiro de 2017. Bel, Nesses últimos dias, ansiosa pela chegada do novo ano, estive pensando muito em você e resolvi lhe mandar uma carta para falar das expectativas futuras, dos meus projetos para o novo ano. Terminei o Ensino Médio e pretendo cursar uma boa faculdade e para isso estudei muito nesses últimos meses. Você conhece muito bem o meu sonho de ser uma enfermeira competente e dedicada, e para isso venho me preparando há algum tempo. E você, amiga? Ainda persiste em ficar aí na cidade do interior, casar e ter filhos? Não vou criticá-la por isso, mas gostaria muito que viesse morar aqui, estudar e nos preparar juntas para um futuro mais garantido. O que acha? Quero que saiba que, se mudar de ideia, você será muito bem-vinda à minha casa e darei todo o apoio que precisar. Espero que venha me visitar um desses dias para colocar a prosa em dia, tomar um café juntas. Pense nisso. Bel, tenho muitas saudades de nossas conversas, nossas brincadeiras...
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Abraço carinhoso, Flávia.
Figura 03 - Correspondência de antigamente
Características principais nn Data,
vocativos (saudações inicial e final) são obrigatórios; nn No corpo do texto e nas saudações, deve-se respeitar o recuo nos parágrafos; nn O uso da primeira pessoa do singular deve ser recorrente, ao menos uma vez em cada parágrafo; nn A interlocução também deve ser recorrente, por isso deve haver referências ao interlocutor ao menos uma vez em cada parágrafo; nn Formas verbais no presente do indicativo devem predominar;
Carta aberta O que você sabe sobre cidadania? Segundo o dicionário Aurélio, cidadania significa “qualidade, condição ou estado de cidadão. É a faculdade de ser cidadão e, como tal, ter direitos a exercer ou usufruir de deveres a cumprir”. Cidadão é todo o indivíduo que usufrui de direitos civis e políticos garantidos pelo Estado. Então cidadania é o exercício dos direitos e deveres civis, políticos e sociais estabelecidos na Constituição de um país. Exercer a cidadania, portanto, é estar ciente de seus direitos, deveres e obrigações, no sentido de garantir uma sociedade mais harmoniosa e justa com direito ao trabalho, ao vestuário, ao transporte, à previdência social, à moradia, à saúde, à educação, à segurança e ao lazer. É, ainda, ter a liberdade de escolha da crença, do gênero, da orientação sexual, ter a livre manifestação do pensamento, escrever e assinar o que disse e escreveu. O cidadão consciente deve compreender a sua importância no contexto do mundo em que vive. Não deve aceitar a violência e a tirania, buscando soluções coletivas que promovam a paz da comunidade, sobrelevando a importância da preservação da natureza, buscando por justiça no sentido de diminuir as desigualdades sociais, denunciando aos órgãos competentes qualquer tipo de preconceito e discriminação. A carta aberta é uma ferramenta muito utilizada nos dias atuais para informar, instruir, alertar, protestar, reivindicar ou argumentar sobre determinado assunto. É um veículo de comunicação coletiva destinada a várias pessoas (algum público, sindicatos, representações, comunidade etc.), cujo objetivo é manifestar a opinião de um grupo de pessoas, oferecer apoio a uma causa ou denunciar algum problema de interesse coletivo. A carta aberta é muito utilizada hoje para expor um ponto de vista, defendendo um posicionamento por meio de sustentação de uma ideia, de negociação, de tomada de posição e de aceitação ou refutação de argumentos que circulam no corpo social. É uma modalidade textual predominantemente dissertativo-argumentativa, com passagens injuntivas, com apelos aos interlocutores. Mas ela pode ser um texto instrucional, expositivo, argumentativo ou descritivo. 677
D07 Cartas
Para compreender melhor esse tipo de texto, segue abaixo um exemplo de carta pessoal, destinada a um amigo e por isso contém uma linguagem informal.
de uma linguagem pessoal é aconselhável para mostrar algum nível de intimidade com o interlocutor da carta; nn O texto deve também respeitar a norma-padrão, ainda que gírias e expressões da oralidade possam ser aceitas pontualmente se a relação entre os interlocutores permitir; nn O uso adequado de pronomes de tratamento será avaliado, ainda que “senhor” e “você” sejam os mais esperados; nn Nesse gênero, as informalidades, os coloquialismos e os regionalismos são possíveis, embora seja aconselhável cuidado para não exagerar em seu uso.
Português
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Podemos afirmar que a carta aberta, além da característica argumentativa, possui traços persuasivos, uma vez que a intenção de quem a redige é a de convencer o interlocutor acerca de suas ideias. A linguagem utilizada deve ser clara, coesa e estar de acordo com as normas gramaticais. Esse tipo de texto, geralmente, é veiculado nos meios de comunicação e os assuntos mais abordados são: algum problema que vem incomodando, reinvindicações, um desejo ou demanda da comunidade, dentre outros. Dessa maneira, a carta aberta representa uma importante ferramenta de participação política dos cidadãos, uma vez que ela pode servir de mobilização, de forma que se encontre uma solução para o problema denunciado.
Figura 04 - Precisa de um discurso?
Estrutura da carta aberta A carta aberta apresenta introdução, desenvolvimento e conclusão. Quanto aos aspectos estruturais, ela compõe-se dos seguintes elementos: Título: Sua finalidade é revelar o destinatário. Geralmente é acrescentado um título que indica a quem será destinada a carta (comunidade, associação, instituição, organização, entidade, autoridade municipais, estaduais e nacionais etc.);
Despedida: Com saudações cordiais e assinatura dos remetentes, a despedida finaliza a carta aberta. Exemplo de carta aberta Carta aberta à presidente Dilma Rousseff Brasília, 1º de maio de 2014 Excelentíssima Presidente da República Federativa do Brasil Senhora Dilma Vana Rousseff Neste 1º de maio, data em que internacionalmente se comemora o Dia do Trabalhador, nós, médicos brasileiros, de forma respeitosa, expressamos nosso sentimento de tristeza e de indignação com comentários atribuídos a Vossa Excelência. De acordo com notícias publicadas pela imprensa, Vossa Excelência disse que “eles (médicos cubanos) são mais atenciosos que os brasileiros”. Tal afirmação representa mais uma agressão direta e gratuita aos 400 mil profissionais que têm se empenhado diuturnamente no suporte às políticas de saúde e no atendimento à população nas redes pública e privada. Talvez o desespero de alguns poucos médicos diante de uma demanda crescente, da ausência de suporte e da incompetência dos gestores cause a falsa impressão de insensibilidade. Na verdade, Senhora Presidente, são profissionais que foram brutalizados pelo Estado. Desmotivados e sem esperança, tentam seguir adiante sem as mínimas condições de exercer uma medicina de qualidade e nem de estimular uma boa relação médico-paciente. Ao contrário do que foi dito, Senhora Presidente, a Medicina brasileira está entre as melhores do mundo. Seus representantes são referência internacional no diagnóstico e no tratamento de doenças e, apesar da ausência de estímulos do Estado e das parcas condições de trabalho, agem como heróis em postos de saúde, em ambulatórios e nos hospitais e prontos-socorros, constantemente abarrotados por cidadãos com dificuldade de acesso à assistência.
Introdução: Parte em que se situa o problema a ser resolvido. Na introdução, as principais ideias são abordadas pelos destinatários;
Conclusão: É o momento de reafirmar partes anteriores e encerrar todo o discurso, solicitando uma possível solução para o caso abordado. Momento de arrematar a ideia e sugerir alguma ação dos interlocutores ou possível resolução do problema posto em causa. Na conclusão, ocorre o fechamento da ideia e busca de soluções do assunto em pauta. 678
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D07 Cartas
Desenvolvimento: É o detalhamento da problemática: causas, motivos, tatos. Diz respeito à análise do problema, no qual há a apresentação dos argumentos, fundamentando, portanto, o ponto de vista do(s) emissor(es). Nesse momento, serão apontados os principais argumentos e pontos de vista referentes ao assunto abordado.
Figura 05 - Ex-presidente do Brasil Dilma Rousseff
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Características principais A carta aberta é um gênero textual que reúne características dissertativas, argumentativas e persuasivas. É utilizada a norma culta da língua, pois o objetivo da produção da carta aberta é estabelecer a comunicação não apenas com a população, mas também com órgãos oficiais, situação essa que exige linguagem formal. Os verbos são empregados no presente do indicativo na 1ª ou 3ª pessoas. nn Texto
de cunho argumentativo, em defesa de um posicionamento assumido frente a uma problemática de interesse coletivo; nn Texto com remetente individual ou coletivo; nn Pode ser de interesse público e é veiculada em qualquer meio de comunicação; nn Assinatura deverá ser com pseudônimo indicado pela banca organizadora; nn Estrutura: introdução, desenvolvimento e conclusão.
A interlocução em cartas
Muitos textos são voltados a um público genérico. Podemos citar a notícia, o editorial ou o verbete. Nesses casos, o aluno não vai direcionar diretamente o leitor. Porém, outros gêneros são voltados a um público específico e precisa ser evidenciado ou declarado em algum momento o seu interlocutor. Exemplo disso são os discursos em que o locutor diz: “caros colegas”, “senhores pais”. É importante definir o locutor e o interlocutor do seu texto. Interlocução pressupõe a existência de sujeitos que se comunicam a partir de situações da realidade social concreta em que se encontram. Originalmente significa diálogo, mas o significado foi estendido a toda forma de interação e comunicação entre os sujeitos. Figura 06 - Crianças brincando de telefone de lata
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A interlocução tem a ver com as pessoas que fazem parte do processo comunicativo em um gênero: o locutor e o interlocutor. O locutor é aquela voz que fala na redação. O interlocutor é a pessoa ou público que vai ler o seu texto.
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Português
Exercícios de Fixação 01. (Enem MEC) Leia os quadrinhos para responde à questão que segue.
Sobre a noção de interlocutor analise as alternativas abaixo - Não deixe sua cadela entrar na minha casa de novo. Ela está cheia de pulgas. - Diana, não entre nessa casa de novo. Ela está cheia de pulgas. Em relação à interlocução que se estabelece na piada acima, analise as proposições e coloque V para as verdadeiras e F para as falsas. F/V/V ( ) O termo “ela” nas duas falas dos interlocutores faz alusão aos mesmos referentes, considerando-se a comicidade na construção de sentido do texto. ( ) O humor da piada se efetiva, em razão da ambiguidade causada pelo pronome “ela”, o que ocasiona o desfecho do diálogo. ( ) A referenciação contida no texto, por meio do termo “ela”, estabelece um exemplo de coesão anafórica.
XAVIER, C. Disponível em: www.releituras.com: Acesso em: 24 abr. 2010. (Foto: Reprodução)
Os objetivos que motivam os seres humanos a estabelecer comunicação determinam, em uma situação de interlocução, o predomínio de uma ou de outra função de linguagem. Nesse texto, predomina a função que se caracteriza por a) tentar persuadir o leitor acerca da necessidade de se tomarem certas medidas para a elaboração de um livro. b) enfatizar a percepção subjetiva do autor, que projeta para sua obra seus sonhos e histórias. c) apontar para o estabelecimento de interlocução de modo superficial e automático, entre o leitor e o livro. d) fazer um exercício de reflexão a respeito dos princípios que estruturam a forma e o conteúdo de um livro. e) retratar as etapas do processo de produção de um livro, as quais antecedem o contato entre leitor e obra.
D07 Cartas
02. (Universidade Estadual da Paraíba)
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03. (Enem MEC) Texto I Seis estados zeram fila de espera para transplante de córnea Seis estados brasileiros aproveitaram o aumento no número de doadores e de transplantes feitos no primeiro semestre de 2012 no país e entraram para uma lista privilegiada: a de não ter mais pacientes esperando por uma córnea. Até julho desse ano, Acre, Distrito Federal, Espírito Santo, Paraná, Rio Grande do Norte e São Paulo eliminaram a lista de espera no transplante de córneas, de acordo com balanço divulgado pelo Ministério da Saúde, no Dia Nacional de Doação de Órgãos e Tecidos. Em 2011, só São Paulo e Rio Grande do Norte zeraram essa fila. Texto II
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04. (Enem MEC) O exercício da crônica Escrever crônica é uma arte ingrata. Eu digo prosa fiada, como faz um cronista; não a prosa de um ficcionista, na qual este é levado meio a tapas pelas personagens e situações que, azar dele, criou porque quis. Com um prosador do cotidiano, a coisa fia mais fino. Senta-se ele diante de uma máquina, olha através da janela e busca fundo em sua imaginação um assunto qualquer, de preferência colhido no noticiário matutino, ou da véspera, em que, com suas artimanhas peculiares, possa injetar um sangue novo. Se nada houver, restar-lhe o recurso de olhar em torno e esperar que, através de um processo associativo, surja-lhe de repente a crônica, provinda dos fatos e feitos de sua vida emocionalmente despertados pela concentração. Ou então, em última instância, recorrer ao assunto da falta de assunto, já bastante gasto, mas do qual, no ato de escrever, pode surgir o inesperado. (MORAES, V. Para viver um grande amor: crônicas e poemas. São Paulo: Cia das Letras, 1991).
Predomina nesse texto a função da linguagem que se constitui a) nas diferenças entre o cronista e o ficcionista. b) nos elementos que servem de inspiração ao cronista. c) nos assuntos que podem ser tratados em uma crônica. d) no papel da vida do cronista no processo de escrita da crônica. e) nas dificuldades de se escrever uma crônica por meio de uma crônica. 05. (Enem MEC) eu acho um fato interessante… né… foi como meu pai e minha mãe vieram se conhecer… né… que… minha mãe morava no Piauí com toda a família… né…meu… meu avô… materno no caso… era maquinista… ele sofreu um acidente… infelizmente morreu… minha mãe tinha cinco anos… né… e o irmão mais velho dela… meu padrinho… tinha dezessete e ele foi obrigado a trabalhar… foi trabalhar no banco… e… ele foi…o banco… no caso… estava… com um número de funcionários cheio e ele teve que ir para outro local e pediu transferência prum mais perto de Parnaíba que era a cidade onde eles moravam e por engano o… o…escrivão entendeu Paraíba… né… e meu… minha família veio parar em
Mossoró que exatamente o local mais perto onde tinha vaga pra funcionário do Banco do Brasil e:: ela foi parar na rua do meu pai… né…e começaram a se conhecer… namoraram onze anos … né… pararam algum tempo… brigaram… é lógico… porque todo relacionamento tem uma briga… né…e eu achei esse fato muito interessante porque foi uma coincidência incrível…né… como vieram se conhecer… namoraram e hoje… e até hoje estão juntos… dezessete anos de casados. (CUNHA, M .F. A. (org.) Corpus discurso & gramática: a língua falada e escrita na cidade de Natal. Natal: EdUFRN, 1998.)
Na transcrição de fala, há um breve relato de experiência pessoal, no qual se observa a frequente repetição de “né”. Essa repetição é um a) índice de baixa escolaridade do falante. b) estratégia típica da manutenção da interação oral. c) marca de conexão lógica entre conteúdos na fala. d) manifestação característica da fala nordestina. d) recurso enfatizadorda informação mais relevante da narrativa. 06. (Unifesp SP) Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem — ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não tem diabo nenhum. Nenhum! — é o que digo. O senhor aprova? Me declare tudo, franco — é alta mercê que me faz: e pedir posso, encarecido. Este caso — por estúrdio que me vejam — é de minha certa importância. Tomara não fosse... Mas, não diga que o senhor, assisado e instruído, que acredita na pessoa dele?! Não? Lhe agradeço! Sua alta opinião compõe minha valia. Já sabia, esperava por ela — já o campo! Ah, a gente, na velhice, carece de ter uma aragem de descanso. Lhe agradeço. Tem diabo nenhum. Nem espírito. Nunca vi. Alguém devia de ver, então era eu mesmo, este vosso servidor. Fosse lhe contar... Bem, o diabo regula seu estado preto, nas criaturas, nas mulheres, nos homens. Até: nas crianças — eu digo. Pois não é o ditado: “menino — trem do diabo”? E nos usos, nas plantas, nas águas, na terra, no vento... Estrumes... O diabo na rua, no meio do redemunho... (Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas.)
A personagem Riobaldo dialoga com alguém que chama de senhor. Embora a fala dessa personagem não apareça, é possível recuperar, pela fala do narrador, os momentos em que seu interlocutor se manifesta verbalmente. Isso pode ser comprovado pelo trecho: a) O senhor aprova? b) Nenhum! — é o que digo.
D07 Cartas
A notícia e o cartaz abordam a questão da doação de órgãos. Ao relacionar os dois textos, observa-se que o cartaz é a) contraditório, pois a notícia informa que o país superou a necessidade de doação de órgãos. b) complementar, pois a notícia diz que a doação de órgãos cresceu e o cartaz solicita doações. c) redundante, pois a notícia e o cartaz têm a intenção de influenciar as pessoas a doarem seus órgãos. d) indispensável, pois a notícia fica incompleta sem o cartaz, que apela para a sensibilidade das pessoas. e) discordante, pois ambos os textos apresentam posições distintas sobre a necessidade de doação de órgãos.
c) Não? Lhe agradeço! d) Tem diabo nenhum. e) Até: nas crianças — eu digo. 681
Português
Exercícios Complementares 01. (Enem MEC)
02. (Enem MEC)
Texto I Andaram na praia, quando saímos, oito ou dez deles; e daí a pouco começaram a vir mais. E parece-me que viriam, este dia, à praia, quatrocentos ou quatrocentos e cinquenta. Alguns deles traziam arcos e flechas, que todos trocaram por carapuças ou por qualquer coisa que lhes davam. […] Andavam todos tão bem-dispostos, tão bem feitos e galantes com suas tinturas que muito agradavam. CASTRO, S. “A carta de Pero Vaz de Caminha”. Porto Alegre: L&PM, 1996 (fragmento).
Texto II
Carta ao Tom 74 Rua Nascimento Silva, cento e sete Você ensinando pra Elizete As canções de canção do amor demais Lembra que tempo feliz Ah, que saudade, Ipanema era só felicidade Era como se o amor doesse em paz Nossa famosa garota nem sabia A que ponto a cidade turvaria Esse Rio de amor que se perdeu Mesmo a tristeza da gente era mais bela E além disso se via da janela Um cantinho de céu e o Redentor É, meu amigo, só resta uma certeza, É preciso acabar com essa tristeza É preciso inventar de novo o amor MORAES, V.; TOQUINHO. Bossa Nova, sua história, sua gente. São Paulo: Universal; Philips,1975 (fragmento).
PORTINARI, C. O descobrimento do Brasil. 1956. Óleo sobre tela, 199 x 169 cm. Disponível em: www.portinari.org.br. Acesso em: 12 jun. 2013.
D07 Cartas
Pertencentes ao patrimônio cultural brasileiro, a carta de Pero Vaz de Caminha e a obra de Portinari retratam a chegada dos portugueses ao Brasil. Da leitura dos textos, constata-se que a) a carta de Pero Vaz de Caminha representa uma das primeiras manifestações artísticas dos portugueses em terras brasileiras e preocupa-se apenas com a estética literária. b) a tela de Portinari retrata indígenas nus com corpos pintados, cuja grande significação é a afirmação da arte acadêmica brasileira e a contestação de uma linguagem moderna. c) acarta, como testemunho histórico-político, mostra o olhar do colonizador sobre a gente da terra, e a pintura destaca, em primeiro plano, a inquietação dos nativos. d) as duas produções, embora usem linguagens diferentes — verbal e não verbal —, cumprem a mesma função social e artística. e) a pintura e a carta de Caminha são manifestações de grupos étnicos diferentes, produzidas em um mesmo momentos histórico, retratando a colonização.
682
O trecho da canção de Toquinho e Vinícius de Moraes apresenta marcas do gênero textual carta, possibilitando que o eu poético e o interlocutor a) compartilhem uma visão realista sobre o amor em sintonia com o meio urbano. b) troquem notícias em tom nostálgico sobre as mudanças ocorridas na cidade. c) façam confidências, uma vez que não se encontram mais no Rio de Janeiro. d) tratem pragmaticamente sobre os destinos do amor e da vida citadina. e) aceitem as transformações ocorridas em pontos turísticos específicos. 03. (Unioeste PR) Com relação aos elementos linguísticos utilizados no texto, é correto afirmar que: a) o advérbio tão, em “tão solicitamente”, enfatiza a presteza e o empenho de Drummond no atendimento ao amigo. b) a oração intercalada “caso você julgue oportuno” tira de Murilo a responsabilidade de se envolver mais profundamente com a campanha, porque estava doente. c) a condicional “se acharem interessante” aponta para a insegurança de Murilo em escrever prosa, até porque foi consagrado como poeta. d) o termo destacado em “Lembranças também ao João Cabral” revela a necessidade de incluir João Cabral entre as pessoas lembradas. e) todas as alternativas estão corretas.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
05. (FCC) Atente para as seguintes afirmações: I. Einstein lembra aos representantes de governos que, finda a Segunda Guerra já há dois anos, ainda não se verificou avanço significativo seja na prevenção de novos conflitos, seja em importantes iniciativas específicas. II. A constituição jurídica da ONU, para Einstein, deve ser um objetivo final, a ser alcançado a longo prazo, uma vez superados os entraves burocráticos que impedem o bom funcionamento daquela Organização. III. Einstein não crê que uma autoridade supranacional possa se impor, pois não vê como as nações abdicariam dos poderes constitucionais que lhes são próprios. Em relação ao texto, está correto SOMENTE o que se afirma em a) I. b) II. c) III. d) I e II. e) II e III. 06. (Enade MEC) Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Para entender como alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e qual é sua visão de mundo. Leonardo Boff. A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997, p. 9. Considerando o fragmento de texto acima apresentado, analise o seguinte enunciado. Na leitura, fazemos mais do que decodificar as palavras porque a imagem impressa envolve atribuição de sentidos a partir do ponto de vista de quem lê. Assinale a opção correta a respeito desse enunciado. a) As duas asserções são proposições verdadeiras, e a segunda é uma justificativa correta da primeira. b) As duas asserções são proposições verdadeiras, e a segunda não é justificativa correta da primeira. c) A primeira asserção é uma proposição verdadeira, e a segunda é uma proposição falsa. d) A primeira asserção é uma proposição falsa, e a segunda é uma proposição verdadeira. e) Tanto a primeira asserção quanto a segunda são proposições falsas.
07. (UFMG) Considerando-se a narração do julgamento de Zé Bebelo, em Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, é CORRETO afirmar que esse fato: a) significou a chegada de nova ordem jurídica ao sertão. b) aumentou o poder dos grandes chefes de jagunços. c) representou a continuidade do mando de Joca Ramiro. d) legitimou o princípio da vingança e o uso da violência. 08. (UFMG) É CORRETO afirmar que, entre os elementos que evidenciam a presença de intertextualidade na composição de Grande sertão: veredas, NÃO se inclui: a) o caso de Maria Mutema e Padre Ponte. b) a lembrança recorrente da toada de Siruiz. c) o relato do assassinato do chefe Zé Bebelo. d) a narração do pacto de Riobaldo com o diabo. 09. (Unifesp SP) Leia o texto a seguir e responda à questão. Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem — ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não tem diabo nenhum. Nenhum! — é o que digo. O senhor aprova? Me declare tudo, franco — é alta mercê que me faz: e pedir posso, encarecido. Este caso — por estúrdio que me vejam — é de minha certa importância. Tomara não fosse... Mas, não diga que o senhor, assisado e instruído, que acredita na pessoa dele?! Não? Lhe agradeço! Sua alta opinião compõe minha valia. Já sabia, esperava por ela — já o campo! Ah, a gente, na velhice, carece de ter uma aragem de descanso. Lhe agradeço. Tem diabo nenhum. Nem espírito. Nunca vi. Alguém devia de ver, então era eu mesmo, este vosso servidor. Fosse lhe contar... Bem, o diabo regula seu estado preto, nas criaturas, nas mulheres, nos homens. Até: nas crianças — eu digo. Pois não é o ditado: “menino — trem do diabo”? E nos usos, nas plantas, nas águas, na terra, no vento... Estrumes... O diabo na rua, no meio do redemunho... (Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas.)
A fala expressa no texto é de Riobaldo. De acordo com o narrador, o diabo: a) vive preferencialmente nas crianças, livre e fazendo as suas traquinagens. b) é capaz de entrar no corpo humano e tomar posse dele, vivendo aí e perturbando a vida do homem. c) só existe na mente das pessoas que nele acreditam, perturbando-as mesmo sem existir concretamente. d) não existe como entidade autônoma, antes reflete os piores estados emocionais do ser humano. e) é uma condição humana e não está relacionado com as coisas da natureza.
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D07 Cartas
04. (Unioeste PR) O parágrafo pode ser considerado um microtexto; dessa forma, deve conter introdução (tópico frasal), desenvolvimento e conclusão. Com base nesta afirmativa, releia o 4° parágrafo e identifique a alternativa correta em relação à sua estrutura: a) O tópico frasal inicia em “Abandonei” e se estende até “gostando”. b) O tópico frasal contém uma atitude concessiva justificada no desenvolvimento. c) Na conclusão, fica explicitado seu desejo de não colaborar com as atitudes do governo, seja de forma direta ou indireta. d) Todas estão corretas. e) n.d.a.
FRENTE
D
PORTUGUÊS
MÓDULO D08
ASSUNTOS ABORDADOS nn Diários nn Diário pessoal nn Dário de ficção
DIÁRIOS A canção abaixo, composta por Mutinho e Toquinho, retrata uma relação entre um confidente e um confidenciado, em que o eu lírico é, na verdade, o próprio confidenciado, no caso, um caderno. Leia a seguir e pesquise-a para ouvir: O Caderno Sou eu que vou ser seu colega Seus problemas ajudar a resolver Te acompanhar nas provas Bimestrais, você vai ver Serei, de você, confidente fiel Se seu pranto molhar meu papel
Fonte: Yuliya Evstratenko / Shutterstock.com
O que está escrito em mim Comigo ficará guardado Se lhe dá prazer A vida segue sempre em frente O que se há de fazer
Figura 01 - Crianças compartilhando um segredo.
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Só peço a você Um favor, se puder Não me esqueça Num canto qualquer
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Diário pessoal O diário pessoal é um tipo de texto de caráter confidente, em que uma pessoa relata experiências, ideias, opiniões, desejos, sentimentos, acontecimentos e fatos importantes do cotidiano, com o objetivo de guardar as lembranças e, às vezes, desabafar. O diário é um dos gêneros da chamada literatura autobiográfica e é escrito em linguagem simples, coloquial e familiar, sem preocupações literárias. Na comunicação virtual, os blogs, que atualmente correspondem a uma evolução dos diários, se assemelham aos diários uma vez que muitos possuem as mesmas características e, por isso, são comumente chamados de “diários virtuais”. Os blogs podem ser produzidos com uma linguagem mais despreocupada, no entanto, dependendo do número de leitores e o público-alvo, as pessoas utilizam uma linguagem mais elaborada.
Fonte: Wikimedia Commons
As pessoas que viveram antes da era da informática lembram-se muito bem da utilização de diários que, além dos textos, incluíam também fotos, figuras, bilhetes, anotações e poemas. Os diários eram produzidos para serem lidos somente pelas próprias pessoas ou por um amigo muito íntimo, pois ele reunia diversos segredos. Diário vem do latim diarium e significa o que ocorre a cada dia. Eram também chamados de “agenda”, apesar de ser um diálogo íntimo entre o escritor e o papel. Alguns tipos de diários até incluíam um cadeado com chave. Muitas vezes, o protagonista e o leitor do diário se confundem, uma vez que são a mesma pessoa.
Figura 02 - Capa do livro “O Diário de Anne Frank”.
Fonte: Goami / Shutterstock.com
Figura 03 - O começo de um diário na praia.
D08 Diários
Os diários podem ser importantes documentos históricos de testemunho que revelam uma época, por exemplo, o famoso “Diário de Anne Frank” em que a autora, uma judia adolescente, aborda sobre os dias em que passou escondida na Holanda, durante o período do holocausto.
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Português
Características principais
7 de junho de 1958
nn Assemelha-se a um relato pessoal, podendo inclusive
ser considerado uma autobiografia por se tratar de histórias verídicas; nn Linguagem empregada em 1ª pessoa, com verbos no pretérito perfeito ou presente do indicativo; nn Pode ou não se tornar público e pode ou não ser dirigido a alguém; nn Registros em ordem cronológica; nn Caráter subjetivo, espontâneo, intimista e confidente; nn Há a presença de referentes afetivos e cognitivos; nn Escrita confessional e sinceridade do emissor; nn Presença de data, vocativo e assinatura. Estrutura Textual Embora não apresentem uma estrutura fixa, os textos dos diários podem ser estruturados da seguinte maneira: nn Data e local: São indicadas no início do texto o local e
a data em que foi escrito, como em uma carta.
nn Vocativo: Como não está escrevendo para uma pessoa
específica, mas sim para você mesmo(a), pode-se começar assim: “Meu querido diário”. Também é possível inventar um nome fictício para o diário, como se ele fosse um amigo íntimo. nn Corpo de texto: É o desenvolvimento. Trata-se da parte na qual se registram as informações que desejar, os relatos diários, as ideias, sensações do autor e os detalhes mais importantes. nn Assinatura: Normalmente, os diários são assinados a cada dia. No final do texto, aparece o primeiro nome do autor. Antes disso, alguns apresentam uma expressão de despedida: “boa noite”, “abraços”, “até amanhã”. Exemplo Agora, vamos ler uma página de um diário. É um trecho do livro “Quarto de despejo - diário de uma favelada”, de Carolina Maria de Jesus.
Os meninos tomaram café e foram à aula. Eles estão alegres porque hoje teve café. Só quem passa fome é que dá valor a comida. Eu e Vera fomos catar papel. Passei no Frigorífico para pegar linguiça. Contei 9 mulheres na fila. Eu tenho mania de observar tudo, contar tudo, marcar os fatos. Encontrei muito papel nas ruas. Ganhei 20 cruzeiros. Fui no bar tomar uma média. Uma para mim e outra para a Vera. Gastei 11 cruzeiros. Fiquei catando papel até as 11 e meia. Ganhei 50 cruzeiros. Quando eu era menina o meu sonho era ser homem para defender o Brasil porque eu lia a História do Brasil e ficava sabendo que existia guerra. Só lia os nomes masculinos como defensor da pátria. Então eu dizia para a minha mãe: - Por que a senhora não faz eu virar homem? Ela dizia: - Se você passar por debaixo do arco-íris você vira homem. Quando o arco-íris surgia eu ia correndo na sua direção. Mas o arco-íris estava sempre distanciando. Igual os políticos distantes do povo. Eu cansava e sentava. Depois começava a chorar. Mas o povo não deve cansar. Não deve chorar. Deve lutar para melhorar o Brasil para os nossos filhos não sofrer o que estamos sofrendo. Eu voltava e dizia para a mamãe: - O arco-íris foge de mim. Nós somos pobres, viemos para as margens do rio. As margens do rio são os lugares do lixo e dos marginais. Gente da favela é considerada marginais. Não mais se vê os corvos voando as margens do rio, perto dos lixos. Os homens desempregados substituíram os corvos. JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo – diário de uma favelada. São Paulo: Ática, 1993. Série Sinal Aberto.
Fonte: Wikimedia Commons
D08 Diários
Dário de ficção
Figura 04 - Capa do livro “Quarto de despejo - diário de uma favelada”.
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Atualmente, há uma enorme flexibilidade nas propostas sugeridas pelas universidades, no que se refere aos gêneros textuais cobrados nas provas de redação. O candidato pode optar entre esta ou aquela modalidade a ser produzida, e isso facilita a vida do aluno que pode escolher entre um ou outro gênero, de acordo com a sua habilidade ou familiaridade com o gênero. Nos últimos anos, novos gêneros foram adotados pelas universidades em todo o Brasil e um deles é o diário de ficção.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
O diário de ficção é uma obra literária em que o autor faz uma descrição em forma de anotações pessoais. É um gênero da literatura autobiográfica. Possui um discurso narrativo cujo autor registra vivências e sentimentos de um “eu” em face do mundo que o rodeia. Esse gênero tem um forte apelo ficcional e, por isso, se diferencia do diário pessoal. A narrativa é escrita em primeira pessoa do singular, e a mobilização temporal está a serviço das reflexões acerca dos acontecimentos relatados. Ademais, ao contrário de se destinar para o próprio emissor, centrado no próprio eu, esse tipo de diário volta-se para o público. O objetivo dessa modalidade de texto se deve, única e exclusivamente, à intenção de agradar ao leitor. Características principais nn O
protagonista e narrador são a mesma pessoa;
nn A
modalidade de enunciação do discurso utilizada é a primeira pessoa;
nn É
uma obra destinada à publicação;
nn A
subjetividade fica em segundo plano, pois os acontecimentos são mais explorados;
nn São
guardadas impressões de viagens, reflexões políticas, morais e estéticas, acontecimentos do cotidiano;
nn O
diário é testemunha de uma situação de comunicação unilateral;
nn A linguagem discursiva é mais elaborada, com usos de recursos estilísticos, uma
vez que o narrador dá livre expressão ao curso do seu pensamento; nn Uso
de recursos expressivos, tais como o uso de figuras de linguagem;
nn É
aceitável o uso de certo coloquialismo, desde que esteja totalmente a favor do próprio projeto de texto.
Estrutura O diário de ficção possui uma estrutura bastante característica: nn Cada
dia corresponde a um registro de situações e sentimentos diferentes e é identificado pela respectiva data;
nn O autor dirige-se ao diário como a um confidente, sendo frequente a utilização
da data, local, vocativo e assinatura; nn Os
registros são ordenados por ordem cronológica de ocorrência;
nn Narrador em primeira pessoa com registros de verbos no pretérito perfeito ou
Diário pessoal
Diário de ficção
Interlocução se destina ao próprio “eu”, totalmente subjetivo
A interlocução é destinada ao público, o propósito enunciativo é agradar aos leitores
Feito para guardar-se trancado
Escrito para o público
As anotações não possuem cunho retórico
Assume totalmente o cunho retórico
Individual
Social
Lido pelo seu autor
Os leitores são o público-alvo
Sem preocupação formal
A preocupação pela literalidade
D08 Diários
presente do indicativo.
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Português
Exercícios de Fixação 01. Na frase inicia :“Querido Diário, não tenho mais dúvida de que este mundo está virado ao avesso!” a expressão destacada quer transmitir a ideia de que o mundo: a) não está em harmonia, uma vez que seus elementos estão coordenados. b) não está em harmonia, já que seus elementos não estão nos devidos lugares. c) está em desarmonia, já que seus elementos estão perfeitamente interligados. d) está organizado harmonicamente, com seus elementos fora dos padrões estabelecidos. e) não está em harmonia, já que seus elementos não estão nos devidos lugares. 02. Uma das características dessa modalidade de texto é a presença da cronologia. Enumere corretamente a sequência dos fatos. Em seguida, marque a sequência que você adotou. ( ) Um homem sente-se satisfeito por encontrar o que comer no lixo. ( ) A narradora se envergonha por presenciar um homem na humilhante situação de procurar comida no lixo. ( ) A narradora vê um ser humano buscando o que comer no lixo. ( ) A narradora conclui que um animal doméstico tem uma vida bem melhor que a do homem que busca alimento no lixo. ( ) A narradora reza, pedindo a intervenção de Deus. a) 2 – 3 – 1 – 4 – 5. b) 1 – 3 – 2 – 4 – 5. c) 3 – 1 – 4 – 2 – 5. d) 5 – 3 – 4 – 2 – 1. e) 3 – 5 – 4 – 2 – 1. 03. (Enem MEC) Labaredas nas trevas Fragmentos do diário secreto de Teodor Konrad NaleczKorzeniowski 20 DE JULHO [1912] Peter Sumerville pede-me que escreva um artigo sobre Crane. Envio-lhe uma carta: “Acredite-me, prezado senhor, nenhum jornal ou revista se interessaria por qualquer coisa que eu, ou outra pessoa, escrevesse sobre Stephen Crane. Ririam da sugestão. [...] Dificilmente encontro alguém, agora, que saiba quem é Stephen Crane ou lembre-se de algo D08 Diários
dele. Para os jovens escritores que estão surgindo ele simplesmente não existe.” 20 DE DEZEMBRO [1919]
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Muito peixe foi embrulhado pelas folhas de jornal. Sou reconhecido como o maior escritor vivo da língua inglesa. Já se passaram dezenove anos desde que Crane morreu, mas eu não o esqueço. E parece que outros também não. The London Mercury resolveu celebrar os vinte e cinco anos de publicação de um livro que, segundo eles, foi “um fenômeno hoje esquecido” e me pediram um artigo. FONSECA, R. Romance negro e outras histórias. São Paulo: Companhia das Letras, 1992 (fragmento).
Na construção de textos literários, os autores recorrem com frequência a expressões metafóricas. Ao empregar o enunciado metafórico “Muito peixe foi embrulhado pelas folhas de jornal”, pretendeu-se estabelecer, entre os dois fragmentos do texto em questão, uma relação semântica de a) causalidade, segundo a qual se relacionam as partes de um texto, em que uma contém a causa e a outra, a consequência. b) temporalidade, segundo a qual se articulam as partes de um texto, situando no tempo o que é relatado nas partes em questão. c) condicionalidade, segundo a qual se combinam duas partes de um texto, em que uma resulta ou depende de circunstâncias apresentadas na outra. d) adversidade, segundo a qual se articulam duas partes de um texto em que uma apresenta uma orientação argumentativa distinta e oposta à outra. e) finalidade, segundo a qual se articulam duas partes de um texto em que uma apresenta o meio, por exemplo, para uma ação e a outra, o desfecho. 04. O diário narra fatos, situações, reflexões ou ações cotidianas. Não é um hábito novo que surgiu juntamente com os blogs de cunho pessoal, cujo autor publica posts em que sua vida íntima é exposta em minúcias. Essa prática é típica da escrita de diários, aqueles de papel e que costumavam ser guardados a sete chaves. Pela semelhança temática, blogs e diários costumam ser comparados. O blog e o diário são gêneros textuais que apresentam semelhanças e diferenças. Dos itens abaixo, o item que apresenta a principal diferença entre ambos é a) O blog, diferentemente do diário, é um gênero virtual. b) O blog é escrito mensalmente, enquanto o diário é escrito diariamente. c) O blog é escrito por apenas uma pessoa, já o diário pode ser escrito por várias. d) O blog, diferentemente do diário, não é um gênero virtual e) Não existe diferença entre os dois gêneros.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Exercícios Complementares
CARNEIRO, Flávio. O último jogo. In: Passe de letra: futebol e literatura. Rio de Janeiro: Rocco, 2009. p. 43.
O excerto apresenta um narrador a) em primeira pessoa. b) em terceira pessoa. c) heterogêneo. d) onipresente. 02. (Unievangélica GO) Havia oito dias que Lúcia não andava boa. A fresca e vivace expressão de saúde desaparecera sob uma langue morbidez que a desfalecia; o seu sorriso, sempre angélico, tinha uns laivos melancólicos, que me penavam. Às vezes a surpreendia fitando em mim um olhar ardente e longo; então ela voltava o rosto de confusa, enrubescendo. Tudo isto me inquietava; atribuindo a sua mudança a algum pesar oculto, a tinha interrogado, suplicando-lhe que me confiasse as mágoas que a afligiam. ALENCAR, José de. Lucíola. Disponível em: <http://www.biblio.com.br/defautz.asp?link=http://www.biblio. com.br/Josedealencar /luciola.htm>. Acesso em: 03 set. 2013.
O fragmento apresenta uma voz narrativa a) em primeira pessoa. b) em terceira pessoa. c) ambígua. d) hermética. 03. (Unievangélica GO) Dito isto expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem anúncios. Acresce que chovia – peneirava – uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e tão triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa ideia no discurso que proferiu à beira da minha cova: – “Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que tem honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que co-
brem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói a natureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado.” ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Klick Editora, 1999. p. 17.
Sobressai-se, no excerto apresentado, o tempo a) psicológico. b) cronológico. c) histórico. d) social. 04. (Unievangélica GO) A madrugada vinha querendo romper. Os sapos voltaram a cantar. Galos cantaram desanimadamente. Uma neblina densa caiava a Vila, como que prenunciando a manhã. E como o tempo esfriasse, Vicente fechou a janela para dormir, mas de novo lhe voltou à cabeça a história do assassinato do coronel. Então passou a considerar mal a polícia a partir daquele momento. Que tinham matado o velho sem precisão. Achou mesmo muito esquisito quando viu chegar aqueles cadáveres. O velho coronel era violento, brigão, metido a valente, mas era covarde. A noite era de neblina e de tormento. ÉLIS, Bernardo. O tronco. 6. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1978. p. 130. (Adaptado).
Verifica-se, no excerto apresentado, menções ao tempo a) psicológico. b) histórico. c) cronológico. d) social. 05. (Puc GO) Há pessoas que vivem para destruir. Nasceram no fosso da ignorância e lá construíram o seu mundo de ódio, de desprezo, de traição. Fazem cursos de guerra, especializam-se no manuseio de armas bélicas e exercitam-se diariamente no processo de delação. Têm a língua afiada, pronta para soltar vitupérios e o dedo médio lambuzado de titica e enrijecido de tantas deduragens. São obscuras, raivosas, traidoras, covardes e vivem no anonimato. Têm como lema a destruição. Se não posso ser notável, ser importante, ser escritor, por exemplo, que ninguém o seja. E aí, no laboratório de sua insignificância destilam ódio contra aqueles que estão construindo, mostrando ao mundo que ainda é possível plantar rosas e fabricar perfumes. (TELES, José Mendonça, Crônicas de mim. Goiânia: Kelps, 2011. p. 127.)
Teóricos defendem a ideia de que todo texto é formado de sequências que entram na constituição dos diversos gêneros textuais. O leitor identificará as sequências costumazes,
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D08 Diários
01. (Unievangélica GO) Para os jovens atletas do Esporte Clube Jaó, de Goiânia, 1980 foi um ano marcante. Disputávamos o campeonato estadual, categoria Juvenil, e naquele ano a maior parte dos jogos foi realizada no moderníssimo Serra Dourada, na preliminar das partidas dos profissionais. Até então, o máximo de glória que cada um de nós havia alcançado fora ter jogado no Olímpico. Agora, o Olímpico se destinava apenas a jogos da segunda divisão, e o Serra Dourada assumia o lugar do velho estádio na fantasia da garotada.
Português
tendo em vista os parâmetros da situação. No trecho “Têm a língua afiada [...] Têm como lema a destruição” depreende-se o seguinte tipo de sequência (marque a alternativa verdadeira): a) Narrativa, pela sucessão temporal dos eventos contados em discurso direto, havendo a predominância de verbos conjugados no pretérito perfeito. b) Descritiva, pela caracterização dos elementos, indicando propriedades, qualidades, atitudes expostas analiticamente, numa ordenação lógica, com a presença de verbos de estado e situação. c) Injuntiva, por apresentar ações numa sequência logicamente ordenada, marcada por verbos no imperativo e no futuro do presente, expressando preocupações de comando. d) Argumentativa, por apresentar ordenação ideológica, com contra-argumentos, com verbos introdutores de opinião e conectores argumentativos. Texto comum às questões 07 e 08 Agachado atrás dum muro, José Lírio preparava-se para a última corrida. Quantos passos dali até à igreja? Talvez uns dez ou doze, bem puxados. Recebera ordens para revezar o companheiro que estava de vigia no alto duma das torres da Matriz. “Tenente Liroca- dissera-lhe o coronel, havia poucos minutos -suba pro alto do campanário e fique de olho firme no quintal do Sobrado. Se alguém aparecer pra tirar água do poço, faça fogo sem piedade.” [...] Os segundos passavam. Era preciso cumprir a ordem. Liroca não queria que ninguém percebesse que ele hesitava, que era um covarde. Sim, covarde. Podia enganar os outros, mas não conseguia iludir-se a si mesmo. Estava metido naquela revolução porque era federalista e tinha vergonha na cara. Mas não se habituava nunca ao perigo. Sentira medo desde o primeiro dia, desde a primeira hora − um medo que lhe vinha de baixo, das tripas, e lhe subia pelo estômago até a goela, como uma geada, amolecendo-lhe as pernas, os braços, a vontade. Medo é doença; medo é febre.
D08 Diários
(VERÍSSIMO, Érico. O tempo e o vento. In: O Continente, parte 1. São Paulo: Círculo do livro, 1997. p. 9)
06. (Puc Campinas SP) O segmento em que uma forma verbal indica ação passada que se deu anteriormente a outra ação igualmente passada é: a) José Lírio preparava-se para a última corrida. b) Era preciso cumprir a ordem. c) Recebera ordens para revezar o companheiro que estava de vigia no alto duma das torres da Matriz. d) Liroca não queria que ninguém percebesse que ele hesitava, que era um covarde. e) Podia enganar os outros, mas não conseguia iludir-se a si mesmo. 07. (Puc Campinas SP) Ao contar a história para o leitor, o narrador, nesse trecho,
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a) cria uma cena de espera em que está envolvido José Lírio, valendo-se, predominantemente, de pensamentos, percepções e sentimentos dessa personagem. b) usa o recurso de falar de si próprio em terceira pessoa, relatando assim sua própria história; só um narrador-protagonista poderia informar tantos detalhes como os vistos no trecho acima. c) revela-se como participante dos fatos relatados, pois somente como personagem ele poderia ter tido acesso ao que o coronel dissera a José Lírio e às reações deste último. d) acompanha segundo a segundo a trajetória de José Lírio e relata os fatos presenciados na ordem cronológica em que se deram, recurso que aproxima o leitor do mundo da personagem. e) privilegia a expressão de seu próprio juízo sobre José Lírio, como se nota, por exemplo, em Sim, covarde, sem deixar-se contaminar com o que vai no mundo interior da personagem. 08. (Enem MEC) Em junho de 1913, embarquei para a Europa a fim de me tratar num sanatório suíço. Escolhi o de Clavadel, perto de Davos-Platz, porque a respeito dele me falara João Luso, que ali passara um inverno com a senhora. Mais tarde vim a saber que antes de existir no lugar um sanatório, lá estivera por algum tempo Antônio Nobre. “Ao cair da folhas”, um de seus mais belos sonetos, talvez o meu predileto, está datado de “Clavadel, outubro, 1895”. Fiquei na Suíça até outubro de 1914. BANDEIRA, M. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985.
No relato de memórias do autor, entre os recursos usados para organizar a sequência dos eventos narrados, destaca-se a a) construção de frases curtas a fim de conferir dinamicidade ao texto. b) presença de advérbios de lugar para indicar a progressão dos fatos. c) alternância de tempos do pretérito para ordenar os acontecimentos. d) inclusão de enunciados com comentários e avaliações pessoais. e) alusão a pessoas marcantes na trajetória de vida do escritor. 09. Escrever um diário pessoal é uma forma criativa de relatar seus sentimentos, sem medo de julgamentos ou críticas, além de permitir a reflexão sobre questões complexas de sua vida, explorando-as de forma completa e sincera. Levando em consideração o que você discutiu e aprendeu em sala de aula sobre o tema, marque a alternativa que NÃO apresenta uma característica do gênero diário. a) É um texto em que predomina a primeira pessoa b) É escrito com o intuito de relatar os principais acontecimentos do dia de quem o escreve c) O autor pode se dirigir ao diário através do vocativo ―Querido diário d) O autor não tem o direito de decidir sobre o que ele vai escrever e) Os registros seguem a ordem cronológica dos acontecimentos
FRENTE
D
PORTUGUÊS
Exercícios de Aprofundamento 01. (Uem PR) Texto 1 Deputado baiano quer proibir tatuagem em crianças e jovens Publicado em 17 de março de 2012
Essa é a proposta do projeto de lei do Deputado Federal Márcio Marinho, que acrescenta o art. 132-A ao Decreto – lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, tipificando o crime de realização de tatuagem em criança ou adolescente e prevendo pena de detenção. Marinho explica que a realização de tatuagens em crianças e adolescentes vem se banalizando em nossa sociedade, bastando para a prática à autorização dos pais ou responsáveis. E alerta que a tatuagem contém diversos riscos à saúde, desde o contágio por doenças transmissíveis pelo sangue, até a intoxicação por tintas inadequadas, além de se caracterizar em modificação praticamente definitiva ou de dificílima remoção nos corpos de pessoas muito jovens, ainda em formação: “Nesse sentido cremos ser imprescindível impedir completamente essa prática”, afirma. O deputado baiano acredita que “se faz necessária a ação do Estado para que, no cumprimento de sua função constitucional, efetive a proteção integral à criança e ao adolescente, criminalizando essa conduta que não respeita a integridade dos corpos desses jovens que, na maioria dos casos, se arrependem profundamente de tatuarem seus corpos após se tornarem adultos”. (Texto adaptado de http://www.redeimprensalivre.com.br/archives/30239>. Acesso em 5/4/2012)
Texto 2 Tatuagem vira moda entre adolescentes Lucas Shiomi Publicado em 9 de abril de 2011
Nos dias de hoje, tem sido cada vez mais comum ver jovens que ainda nem saíram da escola estampando uma tatuagem. Se antes a única tatuagem com que os adolescentes tinham contato era a de henna ou aquelas que vinham nos chicletes, hoje a tattoo de verdade já é moda entre os estudantes. (...) “Tudo bem que há adolescentes que são mais responsáveis que os próprios pais, há alguns que até sustentam a casa. Mas acho que um jovem de 16 anos ainda não está pronto para se tatuar. Ele pode acabar escolhendo um desenho bobo, ou mesmo infantil, que daqui a dez anos talvez nem goste mais. E, se for em um local visível, isso pode atrapalhar na hora de arrumar um emprego”, afirmou o tatuador L. Bernardino.
Mas não é o que pensa a organizadora de eventos E. V. Barbosa, que deu total apoio na hora em que o filho, de 16 anos, decidiu fazer uma tatuagem: “essa preocupação com o emprego é coisa do passado. Hoje em dia, até médicos, policiais e advogados têm tatuagem! Para mim, isso é muito natural nos dias de hoje”, contestou Barbosa. Em janeiro deste ano, o filho de E. V. Barbosa, o estudante e músico D. V. de Oliveira, tatuou no braço direito o símbolo da banda de rock gaúcha Fresno, seguido da inscrição “Não deixe a luz se apagar”, trecho de uma música da banda. (...) Mais precoce que D. V. de Oliveira foi a estudante R. S. Reis, de 16 anos, que fez a primeira tatuagem aos 15. Hoje R. S. Reis tem duas tatuagens: um trevo de quatro folhas, na região posterior do ombro esquerdo, e um conjunto de quatro pegadas caninas nas costas, que seguem em direção ao pescoço. A estudante garante não ter medo de se arrepender: “sei por que as fiz, o que elas significam pra mim. Claro que pode acontecer de eu me cansar delas, sei que daqui a alguns anos não vou pensar do mesmo jeito que hoje e uma delas pode talvez não se encaixar mais no meu contexto. Mas acho que é um risco que vale a pena correr, porque, de qualquer forma, elas poderão representar o que eu fui e pelo o que passei, um pedaço da minha história”. Para ela, a tatuagem é uma forma de expressão e o motivo de tantos jovens aderirem a essa prática é a necessidade de se expressarem: “claro que sempre vão ter uns e outros que fazem pela modinha ou para entrar em algum grupo, isso acontece em qualquer lugar. Mas tem aqueles que realmente entendem e se expressam pelas tatuagens. A tatuagem não perdeu sua simbologia ou virou banal. Ela simplesmente se tornou democrática!” (Texto adaptado de <http://www.online.unisanta.br/ 2011/04-09/cultura-4.htm>. Acesso em 5/4/2012)
GÊNERO TEXTUAL– RELATO Tendo como apoio os textos 1 e 2, redija um relato, com até 15 linhas, que fará parte da reportagem de uma revista, sobre o uso de tatuagem por crianças e jovens. Nesse relato você deve exemplificar com uma experiência (fictícia ou não) sua ou de outra pessoa sobre o uso ou a recusa de tatuagem. Para identificar a(s) pessoa(s) do relato, use, se achar necessário, nome(s) dentre os quais: João, Maria, Pedro, Ana, Eduardo, Beatriz. Não serão avaliados os textos que trouxerem quaisquer outros nomes que não esses sugeridos. Produção do aluno 691
Português
02. (IF CE) Texto I
Disponível em: <http://www.imaginie.com/propostas/como-garantir-as-liberdade-individuais-na-sociedade-contemporanea> Acesso em 14 mar 2016.
Texto II
A tirania do politicamente correto Muito provavelmente, a maioria de nós já foi enganada pelo politicamente correto. O termo é bonito, soa bem, parece polido, cheio de virtude, digno de ser aprendido e posto em prática. Com o tempo, no entanto, aprendemos que se trata de um embuste, mais uma daquelas novas expressões incluídas em nosso vocabulário para confundir e dar aparência de virtuoso àquilo que é vil, frívolo e indecoroso; roupagem fina para grosseria, ou um lobo em pele de cordeiro. Trata-se, na verdade, da pior ditadura que pode vir a existir: aquela em que os súditos se encarregam de subverter e subjugar os seus próprios comuns ao jugo de um poder tirano. Essa é a realidade da sociedade contemporânea. Quando conversamos, dialogamos ou expressamos nossas ideias, fazemos o tempo todo como que pisando em ovos. As pessoas tornaram-se extremamente sensíveis a qualquer objeção ou ideia que venha a lhes desagradar. As palavras devem ser cuidadosamente escolhidas, e é preciso ter certeza que ninguém se sentirá ofendido com o que será dito. Trecho disponível em: <http://www.vistadireita.com.br/blog/a-tirania-dopoliticamente-correto> Acesso em 14 mar 2016.
FRENTE D Exercícios de Aprofundamento
Com base na temática dos textos I e II, redija uma narração que demonstre uma situação emblemática do uso (ou da falta de uso) de termos politicamente corretos. Não esqueça de incluir os elementos narrativos, como espaço, tempo, personagens etc. Produção do aluno A ÚLTIMA CRÔNICA A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a 692
cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: “assim eu quereria o meu último poema”. Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica. Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome. Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho - um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular. A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim. São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: “Parabéns pra você, parabéns pra você...” Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido- vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso. Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso. SABINO, Fernando. A Companheira de Viagem. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1965, p. 174.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias Gabarito questão 04 a) Fica na Gávea, quem entra é o cronista b) Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nessa busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um; recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida, do circunstancial, ao episódico; do acidental, torno simples espectador e lanço então um último olhar fora de si.
03. Que tipo de narrador o texto “A última crônica” apresenta? JusPorque o cronista conta um tifique sua resposta. Narrador-personagem. fato do qual ele participa e ainda podemos detectá-lo pelo maior número de verbos escritos em 1ª pessoa.
04. Retire do primeiro parágrafo as informações abaixo: a) Onde fica o botequim e quem entra nele? b) O que ele deseja? 05. Sobre o trecho: “Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade.”, a) O pai, a mãe e a filha. Eles estão no botequim. responda:
c) o emprego da linguagem regional predominantemente no campo do vocabulário. d) a apresentação da língua do sertão fiel à fala do sertanejo. e) o uso da linguagem culta, sem regionalismos, mas com novas construções sintáticas e rítmicas. 09. (UFG GO)
b) Estão celebrando o aniversário da filha.
a) Quem são esses “três esquivos” e onde eles estão? b) Levante hipóteses a respeito do que eles estão fazendo ali. 06. Observe que ao descrever a cena que está diante dos olhos, o narrador-personagem questiona: “Por que não começa a comer?” Por quê? Levante hipóteses.
Em virtude de ser o aniversário da filha, a mãe ainda vai retirar de sua bolsa as velinhas para colocá-las no bolo e o pai as acenderá, depois cantarão parabéns, para então cortar o bolo.
07. Explique o que sentiu o narrador-personagem quando o pai Ele se sentiu muito feliz e preferiu que a sua última sorri para ele.
ANGELI. Chiclete com Banana. “Folha de São Paulo”. São Paulo, 2 ago. 2004, Ilustrada.
crônica fosse pura como aquele sorriso.
ele se perturba, constrangido- vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.”
A tira tem como um de seus objetivos a expressão do humor. O plano narrativo descreve as situações que justificam a atitude do personagem em relação à geração que marcou os anos
08. (Unifesp SP) Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem — ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não tem diabo nenhum. Nenhum! — é o que digo. O senhor aprova? Me declare tudo, franco — é alta mercê que me faz: e pedir posso, encarecido. Este caso — por estúrdio que me vejam — é de minha certa importância. Tomara não fosse... Mas, não diga que o senhor, assisado e instruído, que acredita na pessoa dele?! Não? Lhe agradeço! Sua alta opinião compõe minha valia. Já sabia, esperava por
10. (Ibmec RJ) A Semana de Arte Moderna foi um movimento de-
ela — já o campo! Ah, a gente, na velhice, carece de ter uma
finidor da concepção contemporânea de “cultura brasileira”,
aragem de descanso. Lhe agradeço. Tem diabo nenhum. Nem
quando foram propostas pela primeira vez muitas das ideias
espírito. Nunca vi. Alguém devia de ver, então era eu mesmo,
ainda correntes sobre a relação do país com a tradição nacional
este vosso servidor. Fosse lhe contar... Bem, o diabo regula seu
e as influências estrangeiras. Neste ano de 2012, esse movi-
estado preto, nas criaturas, nas mulheres, nos homens. Até: nas
mento completa 90 anos. Da Semana participaram jovens artis-
crianças — eu digo. Pois não é o ditado: “menino — trem do
tas como os escritores Oswald de Andrade, Anita Malfati, Mario
diabo”? E nos usos, nas plantas, nas águas, na terra, no vento...
de Andrade e Manuel Bandeira, esses dois últimos autores dos
Estrumes... O diabo na rua, no meio do redemunho...
poemas abaixo.
(Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas.)
O texto de Guimarães Rosa mostra uma forma peculiar de es-
1960, da qual ele fez parte. a) Explique, recorrendo à sequência dos quadros, como o autor define os comportamentos dessa geração. b) O último quadro da tira retrata uma indisposição do interlocutor em dar continuidade ao assunto iniciado pelo locutor. Analise como se dá a ruptura na interação entre os dois personagens e, tendo como referência os quadros anteriores, justifique por que isso ocorre.
Texto I
crita, denunciada pelos recursos linguísticos empregados pelo
VOU ME EMBORA
escritor. Dentre as características do texto, está:
Mario de Andrade
a) o emprego da linguagem culta, na voz do narrador, e o da
(Fragmento)
linguagem regional, na voz da personagem. b) a recriação da fala regional no vocabulário, na sintaxe e na melodia da frase.
Vou-me embora, vou-me embora Vou-me embora pra Belém
Questão 09. a) O autor define os comportamentos da geração hippie como sendo repulsivos, insuportáveis, intoleráveis, em virtude do exagero das atitudes contrárias à ordem estabelecida. b) A quebra na interação entre os dois personagens ocorre pelo fato de que o interlocutor rompe com a ideia mística apresentada pela hippie.
693
FRENTE D Exercícios de Aprofundamento
“Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram,
Português
Vou colher cravos e rosas
entre atividade econômica e atividade doméstica – em que o
Volto a semana que vem
doméstico significava a densa rede de direitos e obrigações
(...)
mútuas mantidas pelas comunidades rurais e urbanas, pelas paróquias ou grupos de artesãos, em que as famílias e vizinhos
Vou-me embora paz na terra
estavam estreitamente envolvidos.
Paz na terra repartida
Com essa separação, o mundo dos negócios se aventurou por
Uns têm terra, muita terra
uma autêntica terra fronteiriça, uma terra de ninguém, livre de
Outros nem pra uma dormida
problemas morais e restrições legais e pronta a ser subordinada ao código de conduta próprio da empresa. Como já sabe-
Não tenho onde cair morto
mos, essa extraterritorialidade sem precedentes da atividade
Fiz gorar a inteligência
econômica conduziu a um avanço espetacular da capacidade
Vou reentrar no meu povo
industrial e a um acréscimo da riqueza.
Reprincipiar minha ciência
Também sabemos que, durante quase todo o século XX, essa
(...)
mesma extraterritorialidade resultou em muita miséria humana, em pobreza e em uma quase inconcebível polarização das
Texto II
oportunidades e níveis de vida da humanidade. Por último, também sabemos que os Estados modernos, então emergen-
VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA
tes, reclamaram essa terra de ninguém que o mundo dos negó-
Manuel Bandeira
cios considerava de sua exclusiva propriedade.
(Fragmento) Vou-me embora pra Pasárgada Lá sou amigo do rei Lá tenho a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Aqui não sou feliz (...) Qual das alternativas abaixo contém o sentido das orações do texto “Sou amigo de rei” e “Aqui eu não sou feliz” e suas substituições possíveis, sem danos ao sentido original? a) concessão – “embora seja inimigo do rei” e “embora aqui não seja feliz” b) finalidade – “para que eu seja inimigo do rei” e “para que eu FRENTE D Exercícios de Aprofundamento
seja feliz c) causa – “pois sou inimigo do rei” e “pois aqui eu não sou feliz” d) condição – “se eu for inimigo do rei’ e “se eu for feliz aqui” e) proporção – “à proporção que eu seja inimigo do rei”e “à proporção que eu seja feliz aqui” Texto comuns às questões: 11 e 12 Max Weber, um dos analistas mais críticos da lógica da história moderna (ou da falta dela), observou que o fenômeno que marcava o nascimento do novo capitalismo era a separação
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11. (Ibmec RJ) Em relação às ideias do texto, assinale a opção incorreta. a) No novo capitalismo há uma separação entre a atividade econômica, ou mundo dos negócios e a atividade doméstica. b) Com a separação entre o mundo dos negócios e o mundo doméstico, houve um grande desenvolvimento industrial e distribuição mais justa da riqueza produzida. c) No mundo dos negócios predomina o código de conduta próprio da empresa, que é livre de questões morais. d) A noção de “extraterritorialidade” se opõe à existência de uma densa rede de direitos e obrigações mútuas, próprias das comunidades menores. e) A extraterritorialidade conduziu inicialmente a um avanço industrial e à riqueza, mas posteriormente à pobreza e à desigualdade. 12. (Ibmec RJ) Todas as passagens abaixo marcam o tom crítico do texto, EXCETO: a) “...observou que o fenômeno que marcava o nascimento do novo capitalismo era a separação entre atividade econômica e atividade doméstica....” b) “Com essa separação, o mundo dos negócios se aventurou por uma autêntica terra fronteiriça, uma terra de ninguém...” c) “...essa mesma extraterritorialidade resultou em muita miséria humana, em pobreza...” d) “...e em uma quase inconcebível polarização das oportunidades e níveis de vida da humanidade...” e) “...reclamaram essa terra de ninguém que o mundo dos negócios considerava de sua exclusiva propriedade.”