Marina Colasanti
Breve história de um pequeno amor é uma história de amor, mas também de ciúme, aflição,
Breve história de um pequeno amor
paciência, saudade, preocupação, orgulho... Cúmplice da narradora, o leitor é convidado a expandir seus horizontes, compartilhando as hesitações e os sucessos de uma narrativa de
ISBN 978-85-322-8429-7
9
788532 284297
13300305
crescimento e desenvolvimento.
Breve história de um pequeno amor Marina Colasanti Ilustrações
Rebeca Luciani
Breve história de um pequeno amor
Breve história de um pequeno amor Marina Colasanti Ilustrações
Rebeca Luciani
1a edição
São Paulo – 2013
Copyright © Marina Colasanti, 2013 Todos os direitos reservados à EDITORA FTD S.A. Matriz: Rua Rui Barbosa, 156 – Bela Vista – São Paulo – SP CEP 01326-010 – Tel. (0-XX-11) 3598-6000 Caixa Postal 65149 – CEP da Caixa Postal 01390-970 Internet: www.ftd.com.br – E-mail: projetos@ftd.com.br Diretora editorial Silmara Sapiense Vespasiano • Editora Ceciliany Alves • Editora adjunta Cecilia Bassarani • Editores assistentes Eliana Bighetti Pinheiro e Luís Camargo • Assistentes de produção Ana Paula Iazzetto e Lilia Pires • Assistentes editoriais Ândria Cristina de Oliveira e Tássia Regiane Silvestre de Oliveira • Preparadora Elvira Rocha • Revisora Bruna Perrella Brito • Coordenador de produção editorial Caio Leandro Rios • Editora de arte Andréia Crema • Diagramação Luis Vassallo e Sheila Moraes Ribeiro • Gerente executivo do parque gráfico Reginaldo Soares Damasceno Marina Colasanti nasceu em 1937, na cidade de Asmara, capital da Eritreia, então colônia italiana. Em 1948, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde vive até hoje. Formada em Belas-Artes, foi cronista e editora de periódicos como Jornal do Brasil e revista Nova, tendo ganhado o Prêmio Abril de Jornalismo três vezes. Estreou na literatura em 1968, com Eu sozinha. É autora de mais de 50 livros, traduzida na Argentina, Colômbia, Cuba, Espanha (espanhol, catalão e galego) e França. Dentre outros, recebeu o Prêmio FNLIJ oito vezes e o Prêmio Jabuti seis vezes, ambos em várias categorias.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Colasanti, Marina Breve história de um pequeno amor / Marina Colasanti ; ilustrações Rebeca Luciani. – 1 ed. – São Paulo : FTD, 2013. ISBN 978-85-322-8429-7 1. Contos – Literatura infantojuvenil I. Luciani, Rebeca. II. Título.
13-02940
CDD-028.5 Índices para catálogo sistemático:
1. Contos : Literatura infantil 028.5 2. Contos : Literatura infantojuvenil 028.5
E a história começa debaixo das telhas
7
Porque ele não era nem pato, nem galinha
19
De como cada um obedeceu ao seu papel, e deu certo
25
Quando cada mudança passou a anunciar outra
33
Mas a vida tem seu próprio jeito de escrever histórias
39
E a história começa debaixo das telhas
Uma infiltração no teto de meu escritório. Muitas coisas podem começar com uma infiltração no teto de um escritório: uma inundação nos livros e papéis; um curto-circuito no computador; uma confusão de cores na prancheta de desenho; a reclamação do vizinho de baixo, quando a infiltração começa a pingar na casa dele. Mas nada disso aconteceu. Simplesmente, sem que eu ainda o soubesse, aquela água infiltrada me colocou a caminho de um pequeno amor.
7
– Vamos ter que destelhar – disse cheio de conhecimento o profissional que eu havia chamado para resolver a situação. – Sem tirar as telhas, não dá para impermeabilizar a laje. Fazia sentido. E antes que a bolha inchada no reboco estourasse, encharcando a casa, retirou-se uma parte das telhas. Foi como abrir um baú secreto. Naquele espaço baixo, ainda cheio de penumbra e cheiro de sol guardado, havia um ninho, dentro do ninho havia uma pomba, e debaixo da pomba piavam dois pombinhos recém-nascidos. Um susto, um bater de asas, uma plumazinha voando, e ela, ameaçada pela invasão, escapou, quase trombando com o homem. Ficaram os filhotes. Coisa mais feia é pombinho que nasceu há pouco. A pele escura, frouxa, sobra no corpo como pijama de irmão maior. Penas, nem pensar. As asas pequenas, a barriguinha gorda, as
8
costelas aparecendo, as veias, ou o que seja que vai azulando por baixo da pele, tudo parece ainda por terminar. Mas o pior é a cabeça. Grande demais para o corpo – acho que combinaria com a pele se o esqueleto todo fosse maior –, desequilibrada sobre o pescoço magro, com um bico fino e comprido e dois olhos enormes, dois olhos saltados chegando à vida antes de todo o resto, ansiosos e meio cegos. Assim eram os dois. E eu os amei imediatamente.
Nem tão imediatamente, porque antes aconteceu toda a operação para recolher e baixar o ninho, de que não participei porque já estava embaixo. Mas os amei assim que os tive ao alcance. – A mãe não vai voltar – afirmou o homem, que além de entender de infiltração parecia saber muito sobre pombos.
9
– A gente botou a mão, fica o cheiro humano, ela não volta, não encosta mais neles. O tom era definitivo. Mas, às vezes, um tom definitivo esbarra em outro mais definitivo ainda. – Se ela não voltar, os dois vão morrer – disse categórico meu marido, depois de uma pausa em que ficamos os três imobilizados diante da possibilidade da tragédia. – Vamos botar o ninho no alto, quem sabe longe da gente ela se anima. Não era coisa fácil. O ninho foi posto em uma caixa. A caixa foi amarrada com cordinhas. Meu marido subiu na escada para prender as cordinhas, que foram atadas no beiral do escritório dele. Finalmente, em equilíbrio duvidoso, a caixa ficou balançando no alto. Pousada em outra parte, mas em distância segura, a mãe, aflita, olhava e piava, provavelmente sem entender por que havíamos posto os filhos dela em situação tão arriscada. As boas intenções podem ser difíceis de entender. Não chegou perto nem se afastou durante todo aquele dia. E passou a noite onde estava. De manhã, vendo que nada havia sido resolvido, decretei:
10
– Os filhotes têm que comer. – E mandei que descessem o ninho. Ninguém discute com mãe que quer alimentar filhotes, mesmo os filhotes não sendo dela. Baixou-se a caixa. Mas, diante daqueles quatro olhos famintos, a questão fundamental me atingiu como uma pedrada: o que comem bebês de pombo?
Há sempre um amigo que sabe como se alimenta um pombo ou se dá banho num tucano. Meu amigo era escritor e sabia tanto de passarinhos que era chamado “o sabiá da crônica”. Liguei para ele. – Rubem, socorro, preciso de ajuda para um problema com asas. Decepção. Rubem não tinha a menor ideia a respeito de alimentação de bebê de pombo, nunca havia se defrontado
11
com situação semelhante. Mas me transmitiu um conhecimento importante. – Tem que botar a comida, com um palito de fósforo, bem no fundo da garganta dele. Ainda não sabe comer sozinho – pausa. E, logo, recomendação enfática: – De fósforo. Palito de dente não serve, fura o bichinho. Depois de meus agradecimentos, ainda acrescentou: – Água, não se esqueça de dar água. Gota a gota, no bico. Passarinhos têm muita sede. Agora eu só tinha meio problema. Faltava descobrir o que botar no palito. Aves não comem pão, pensei (mas algumas comem). Aves não comem carne (mas algumas comem). Aves comem grãos (todas comem). Grão moído deveria servir. Milho, com certeza. Mandei comprar um fubá bem fino, fiz uma papa com água. Peguei um filhote. Que coisa frágil! Que coisa pequena! Que coisa viva! Eu com medo de apertar demais e sufocar, apertar de menos e deixar cair. E o bico, aquele bico desproporcional, escancarado como um funil levando para dentro da garganta redonda,
12
mais larga quase que o pescoço, um cano escuro indo direto corpo adentro. Com pavor, lembrei-me de quando, ainda adolescente, havia sufocado sem querer, por excesso de zelo e de leite, o filhote de camundongo que acabara de salvar de morte por vassourada em uma loja e que tentava alimentar. Não podia me permitir o mesmo erro. Botei um pouquinho de papa no palito e, cheia de cuidado com aquela criatura que confiava em mim, comecei.
Filhotes de pombo, quando novinhos, têm que ser alimentados de duas em duas horas. E eram dois a piar. De repente, meu tempo havia encolhido como um elástico. Mas, embora me esforçasse tanto, cuidando dos dois com igual dedicação, o menorzinho logo morreu. Amigos trataram de me dizer que era parte da lei da evolução, acontece quase sempre com aves, em ninhada de dois, só o mais forte sobrevive.
13