A terRA dOS mENINOS pelados
ilustrações
Lumina Pirilampus
ilustrações
Lumina Pirilampus
Copyright © FTD, 2024
Copyright das ilustrações © Lumina Pirilampus, 2024
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editoras - assistentes Camila Saraiva e Carla Bettelli
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editores de arte Camila Catto e Daniel Justi projeto gráfico Daniel Justi
diretor de operações e p rodução gráfica Reginaldo Soares Damasceno
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Ramos, Graciliano, 1892-1953 A terra dos meninos pelados / Graciliano Ramos; ilustrações de Lumina Pirilampus. — 1. ed. — São Paulo: FTD, 2024.
ISBN 978-85-96-04296-3
1. Literatura infantojuvenil I. Pirilampus, Lumina. II. Título.
24-191161
Índices para catálogo sistemático:
1. Literatura infantil 028.5
2. Literatura infantojuvenil 028.5
Eliane de Freitas Leite — Bibliotecária — CRB-8/8415
CDD-028.5
A presente edição tem como base a primeira edição de A terra dos meninos pelados, publicada em 1939 pela editora Livraria do Globo, de Porto Alegre. O cotejo foi feito com a primeira edição de Alexandre e outros heróis, da Livraria Martins Editora, de 1962, e com a segunda edição do exemplar único publicado em 1975 pela editora Garatuja, de Porto Alegre, e pelo Instituto Nacional do Livro.
Buscou-se estabelecer um texto fidedigno, ou seja, o mais próximo possível do que foi fixado em vida pelo autor. Por isso, alguns termos que aparecem modificados nas edições posteriores, como “bolem”, “vitrola” e “aeroplanos”, foram mantidos, considerando que a sonoridade das palavras é um elemento importante para a dimensão lúdica das histórias infantis e que alguns desses termos ainda são utilizados em certas regiões do país. Algumas palavras e expressões menos usuais foram destacadas ao longo do texto e contextualizadas na seção Glossário.
A ortografia foi atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009. As normas gramaticais também foram aferidas conforme os padrões vigentes, embora tenham sido mantidas variações na colocação da vírgula em alguns vocativos, a fim de manter o ritmo da oralidade presente na narrativa.
Havia um menino diferente dos outros meninos: tinha o olho direito preto, o esquerdo azul e a cabeça pelada. Os vizinhos mangavam* dele e gritavam: — Ô pelado!
Tanto gritaram que ele se acostumou, achou o apelido certo, deu para se assinar a carvão, nas paredes: Dr. Raimundo Pelado. Era de bom gênio e não se zangava; mas os garotos dos arredores fugiam ao vê-lo, escondiam-se por detrás das árvores da rua, mudavam a voz e perguntavam que fim tinham levado os cabelos dele. Raimundo entristecia e fechava o olho direito. Quando o aperreavam demais, aborrecia-se, fechava o olho esquerdo. E a cara ficava toda escura.
Não tendo com quem se entender, Raimundo Pelado falava só, e os outros pensavam que ele estava malucando.
Estava nada! Conversava sozinho e desenhava na calçada coisas maravilhosas do país de Tatipirun, onde não há cabelos e as pessoas têm um olho preto e outro azul.
* Para saber mais sobre as palavras em destaque, consulte o Glossário, na página 54.
Um dia em que ele preparava com areia molhada a serra de Taquaritu e o rio das Sete Cabeças, ouviu os gritos dos meninos escondidos por detrás das árvores e sentiu um baque no coração.
— Quem raspou a cabeça dele? — perguntou o moleque do tabuleiro.
— Como botaram os olhos de duas criaturas numa cara? — berrou o italianinho da esquina.
— Era melhor que me deixassem quieto — disse Raimundo baixinho.
Encolheu-se e fechou o olho direito. Em seguida, foi fechando o olho esquerdo, não enxergou mais a rua. As vozes dos moleques desapareceram, só se ouvia a cantiga das cigarras. Afinal as cigarras se calaram.
Raimundo levantou-se, entrou em casa, atravessou o quintal e ganhou o morro. Aí começaram a surgir as coisas estranhas que há na terra de Tatipirun, coisas que ele tinha adivinhado, mas nunca tinha visto. Sentiu uma grande surpresa ao notar que Tatipirun ficava ali perto de casa. Foi andando na ladeira, mas não precisava subir: enquanto caminhava, o monte ia baixando, baixando, aplanava-se como uma folha de papel. E o caminho, cheio de curvas, estirava-se como uma linha. Depois que ele passava, a ladeira tornava a empinar-se e a estrada se enchia de voltas novamente.