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DE CONVERSA EM CONVERSA

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CABALA

CABALA

POR ANTONIO BIVAR

A PINACOTECA AGORA É APINA Dá para entrar em alfa nos corredores da Pinacoteca do Estado de SP: exposições imperdíveis, amplos salões, bancos confortáveis...

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Para minha constante surpresa, São Paulo nunca esteve tão ótima como em 2018. Tão internacional que chega a causar inveja a outros grandes centros de lazer, cultura e prazer. É só não se assustar com as notícias terroristas, elas são o arroz e feijão dos telejornais e muita gente fica temerosa de pôr os pés fora de casa. Bobagem. Eu não paro em casa. Sou um flâneur nato, e a cada perambulada pelos cardeais e colaterais de nossa cidade me espanto com boas surpresas.

Até outro dia era Pinacoteca do Estado, agora é moda falar simplesmente Pina. Outro dia fui à Pina e até parecia que eu nunca tinha estado nela de tão surpreendente que está. Dá até raiva de quem mora em São Paulo e não tira um tempo para curtir a Pina, esse oásis paulistano.

Fui para ver uma exposição muito falada, de uma artista sueca da qual eu nunca tinha ouvido falar, a aquarelista Hilma af Klint (1862-1944). Fui e fiquei maravilhado em como

“Dá até raiva de quem mora em São Paulo e não tira um tempo para curtir a Pina, esse oásis paulistano.” mexeu com a minha sensibilidade espiritualista. Mas deixo para falar da Hilma af Klint daqui a pouco, que primeiro vou falar da Pina em si.

Nessa visita, depois de me deleitar com Hilma, fui ver outras atrações ali mesmo. Antes de me estender, quero parabenizar a atual direção, que, em sua gestão, faz da Pina o mais perfeito paraíso das artes de

nossa metrópole. Basta dizer que na Pina temos o maior acervo das artes plásticas brasileiras desde que o imperador dom Pedro 2º, com seu proverbial bom gosto, nas suas andanças pelo século 19 descobriu e patrocinou nossos artistas para o melhor desenvolvimento de seus talentos. São 700 obras expostas em salas folgadas, proporcionando um prazer visual nesse percurso da história da arte brasileira. Ali, entre outros grandes, tem o melhor do meu favorito, o ituano Almeida Júnior.

A Pina é espaçosa, generosa e confortável. Bancos onde sentar para descansar, depois de ficar muito tempo em pé admirando arte, é o que não falta. Constatei também que sua loja, que antes deixa

FOTOS ARQUIVO PESSOAL va a desejar, hoje faz a gente desejar é não ter entrado nela: é uma perdição de coisas tão lindas que tem. Desde os novos cartões-postais aos acessórios, passando pelos livros e catálogos. E também as exposições, no mesmo piso. Sensibilizou-me ver que os colecionadores também são artistas, no que concerne à escolha do que colecionaram. A coleção da Fundação Nemirovsky (do casal José e Paulina Nemirovsky) abrange obras brasileiras do período moderno. É de se curvar diante dessa coleção. Ela abriga obras entre as décadas de 1910 a 1960. O visitante tem um perfeito entendimento da noção de modernidade. Assim também é – e ainda no primeiro andar – a surpreendente Coleção Roger Wright. Nela o gosto requintado do colecionador, que nos legou o melhor do período artístico brasileiro desde a inauguração de Brasília e detendo-se profusamente na década de 1960, mas indo até 1985, com o fim da ditadura militar. De Wesley Duke Lee a Mira Schendel, não escapa nenhum dos bons nomes do período. Outra parada imperdível numa visita mais demorada à Pina é a sala com dez telas de José

Antônio da Silva, o gênio de Sales Oliveira, no quarto andar. As telas abarcam um período que vai de 1940 ao começo da

À dir., obras de Hilma af Klint. E não deixe de visitar a loja da Pinacoteca

década de 1980. Faz tempo, li que até a Paloma Picasso se rendeu à arte de J. A. Silva. A alma brasileira em sua essência está toda ali.

E a Pina tem muito mais. Esculturas, instalações, intervenções, filmes, palestras, cursos... E o café. O café da Pina – ouvi gente dele reclamando – é que está carente de um upgrade. Mas não é nenhum caso a se preocupar, porque intuímos que a direção vai logo cuidar disso. Devagar com o andor, que o Museu de Arte Sacra fica logo ali, na outra calçada da avenida Tiradentes. E, saindo do café da Pina, você já está em pleno Jardim da Luz, o mais antigo da cidade, aberto ao público em 1825 e mais recentemente recuperado.

OS MUNDOS POSSÍVEIS DE HILMA AF KLINT

O que me atraiu à primeira grande mostra da aquarelista sueca no Brasil foi ter lido nos jornais o abrangedor universo espiritualista da artista. Desde mocinha ela mergulhou no rosa-cruz e no espiritismo de mesa, evoluindo à teosofia, passando à antroposofia e euritmia até ter como mestre e amigo o cientista, filósofo e místico Rudolf Steiner, que a levou a estudar a Teoria das Cores, de Goethe. Mas foi por conta própria que Hilma af Klint decidiu que azul é a cor feminina e amarelo a masculina. Isso fica claro na sala da série As Dez Maiores. São enormes aquarelas em papel, medindo cada cerca de 3,5 metros. E me pus a pensar: como Hilma af Klint, sendo tão baixinha (1,50 metro) conseguiu pintar aquilo. De pé, na escada?! Depois li que ela as pintou no chão. Mesmo assim.

Contemporânea dos abstracionistas Kandinsky, Mondrian e Malevich, e ela própria pintora abstrata, preferindo a aquarela e o papel, Hilma af Klint também mexeu com óleo e tela, como bem atestam os três enormes trabalhos na última sala da exposição, a trilogia Os Retábulos. Nessa sala tem banco e nele você senta e entra em alfa. Vale a pena depois da visita comprar na loja o catálogo da exposição (R$ 100). Nele, dá para saber mais dessa artista e de coisas que a gente nem imagina, mas que, certamente, irão inspirar. n

ANTONIO BIVAR, escritor e dramaturgo, acredita que devagar e sempre, nesse passo, vai até honolulu

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