A natureza Como Educadora - Transdisciplinaridade e Educação Ambiental em atividades extraclasse

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Rita Mendonça e Zysman Neiman

A NATUREZA

COMO EDUCADORA Transdisciplinaridade e educação ambiental em atividades extraclasse

2a edição revista e atualizada São Paulo / 2013

Editora Aquariana



Prefácio À nova edição

A primeira edição deste livro, intitulada À sombra das árvores: transdisciplinaridade e educação ambiental em atividades extraclasse foi escrita em um momento de grande discussão sobre os propósitos e as formas de conduzir a educação ambiental em seus diversos campos, o ecoturismo e os estudos do meio. Muita coisa mudou desde então, mas o enfoque e as reflexões aqui propostas continuam atuais. O texto se mostra renovado à luz das novas situações que hoje vivemos. Mas que mudanças foram essas? Sentimos que nada nunca fica parado. As pequenas iniciativas que eram marginais hoje são mais visíveis e têm resultados muito práticos e observáveis inclusive sob os parâmetros econômicos. Não seria resultado dessa intensa discussão os movimentos para o desenvolvimento das agroflorestas, das ecovilas, da agricultura urbana, das alternativas econômicas, os negócios sociais, as redes solidárias, entre tantos outros? Só na cidade de São Paulo, onde vivemos, e cujo modo de vida é copiado Brasil afora, há movimentos muito criativos voltados para melhorar a qualidade de vida na cidade, para desenvolver novas formas de viver mais solidá-


rias e ricas em relacionamentos e bem-estar, e não focadas prioritariamente na economia. Em termos de educação ambiental vemos que iniciativas sensíveis e voltadas para os seres humanos integrais estão crescendo nas escolas, nas secretarias de meio ambiente de prefeituras, em iniciativas privadas. Já podemos identificar focos, ainda pequenos, é verdade, de programas de educação ambiental vivencial de perfil sensível, reflexivo e voltado para o desenvolvimento do encantamento, da consciência das conexões em que vivem e dos vínculos entre os participantes e os seres vivos não humanos co-habitantes deste mesmo planeta. Assim, convidamos o novo leitor, sobretudo os professores de educação infantil, ensino fundamental e médio, para fazerem esta viagem conosco e a partir dela poderem se motivar e inspirar para ensinar fora da sala de aula, para conduzir processos de aprendizagem de forma conectada com a realidade da escola e do bairro, e para elaborar e realizar estudos do meio que realmente proporcionem oportunidades para os seus alunos de conhecerem a realidade de forma ampla, responsável mas também divertida e muito significativa.


Sumário

INTRODUÇÃO,11

A crise da escola e a educação ambiental,19 O PARADIGMA CARTESIANO, 27

O positivismo e o reducionismo, 32 A fragmentação do saber, 35 Etapas tradicionais de um estudo do meio, 38 A CONTRIBUIÇÃO DE OUTRAS CORRENTES PEDAGÓGICAS, 43

O construtivismo, 46 O meio social e o processo de aquisição de conhecimentos, 52 A teoria das inteligências múltiplas, 56 A realidade como instrumento de aprendizagem, 60 Corpo, alma e espírito, 64 TRANSDISCIPLINARIDADE, 69

Meio ambiente como tema transversal, 75 As disciplinas escolares e o tema transversal meio ambiente, 81 O TRABALHO DAS OPERADORAS DE ECOTURISMO, 91

A natureza como “sala de aula”, 100 O ecoturismo e suas missões, 104


visitantes. Ao lado dela, no entanto, chamou a atenção dos alunos uma frondosa árvore (uma mangueira), em cujos galhos mais fortes estava amarrada uma balança, improvisada com cordas e um pedaço de pau. Quando viram esse brinquedo, as crianças não tiveram dúvida: correram em sua direção e se revezaram nas cordas, aos gritos, experimentando seu balanço. Nesse momento, os monitores e professores que acompanhavam o grupo, preocupados com a sequência dos trabalhos, começaram a reprimi-los e a retirá-los, um a um, da atividade a que se dedicavam com tanto entusiasmo. Aos poucos, foram todos colocados dentro do centro de visitantes, ouviram a palestra e anotaram o nome de todas as plantas e animais que lá estavam expostos. A balança do lado de fora, agora vazia, simbolizava nitidamente a oportunidade perdida. Talvez, naquele dia, mais do que qualquer conhecimento, os alunos precisassem reconquistar o que lhes é negado na escola: o prazer de ser criança.

A CONTRIBUIÇÃO DE OUTRAS CORRENTES PEDAGÓGICAS 55


A teoria das inteligências múltiplas

“Os sistemas educativos formais, cuja tendência tem sido a de privilegiar o acesso a um tipo de conhecimento, em detrimento de outras formas de aprendizagem, devem conceber a educação de forma mais ampla, seja ao procederem reformas educativas ou ao elaborarem propostas curriculares.” Parâmetros Curriculares Nacionais.

Howard Gardner (1945- ), outro psicólogo constru-

tivista, distingue-se de Piaget na medida em que, em vez de acreditar que todos os aspectos da simbolização se dão na mesma função semiótica, propõe que processos psicológicos independentes são empregados quando o indivíduo lida com símbolos linguísticos, numéricos, gestuais ou outros. Surge, assim, a teoria das inteligências múltiplas que, seriam, segundo o autor: “linguística: sensibilidade para os sons, ritmos e significados das palavras; lógico-matemática: sensibilidade para padrões, ordem e sistematização e habilidade para explorar relações, categorias e padrões, através da manipulação de objetos ou símbolos e para experimentar de forma controlada; espacial: capacidade para perceber o mundo visual e espacial de forma precisa; musical: apreciar, compor ou reproduzir uma peça musical; cinestésica: habilidade para usar a coordenação grossa ou fina em esportes, artes cênicas ou plásticas (no controle dos movimentos do corpo e na manipulação de objetos com destreza); 56 A NATUREZA COMO EDUCADORA


interpessoal: habilidade para entender e responder adequadamente a humores, temperamentos motivações e desejos de outras pessoas; intrapessoal: habilidade para ter acesso aos próprios sentimentos, sonhos e ideias, para discriminá-los e lançar mão deles na solução de problemas pessoais, e naturalista: sintonia com o mundo ao redor e grande capacidade de organização e classificação, de modo a aprender melhor quando exploram o mundo natural.” Gardner, 1994.

Para entender o papel dos estudos do meio dentro dessa teoria, basta lembrar que, para Gardner, todos os indivíduos, em princípio, têm a habilidade de questionar e procurar respostas para compreender o mundo usando todas essas inteligências. Todos os estudantes possuem certas habilidades básicas em todas as inteligências, mas o desenvolvimento de cada uma será determinado, além de fatores genéticos e neurobiológicos, por condições ambientais. Na preparação do roteiro de atividades de campo, os educadores devem estar atentos para contemplar essa diversidade de habilidades a serem desenvolvidas no aluno, priorizando as que exercitem cada uma dessas habilidades. A comunicação com os colegas, professores e comunidade visitada, a capacidade de obter dados e tratá-los de maneira adequada, as possibilidades de interação através de jogos que contenham movimentos, música e que reforcem as relações com outras pessoas e permitam um autoconhecimento, são preocupações necessárias durante a elaboração e execução de uma visita ao meio, lembrando aqui que a própria escola ou sala de aula pode ser usada para esse fim. A CONTRIBUIÇÃO DE OUTRAS CORRENTES PEDAGÓGICAS 57


O encontro e a tentativa de compreensão de outras culturas devem ser estimulados pois, segundo a teoria das inteligências múltiplas, alguns talentos só se desenvolvem se forem reforçados pelo ambiente e, como cada sociedade valoriza certos aspectos, o repertório de habilidades pessoais só se amplia com o contato direto com a diferença. Os estágios mais sofisticados de cada categoria de inteligência só são atingidos se forem adequadamente trabalhados. Para garantir o desenvolvimento desejável, as práticas pedagógicas, como os estudos do meio, devem estar centradas nos alunos, com a aplicação de estratégias específicas para cada área do saber, num ambiente educacional o mais rico e variado possível; estratégias que não reforcem exclusivamente os aspectos ligados à linguagem e à lógica racional e que respeitem a individualidade de cada um, uma vez que possuem perfis cognitivos diferentes uns dos outros. Os estudos do meio em cavernas de calcário oferecem inúmeras oportunidades para o exercício das inteligências múltiplas. Deslocar-se no espaço escuro e desconhecido, com a dificuldade que isso representa, ajuda a desenvolver o lado cinestésico e espacial; os sentimentos de medo, insegurança, fascínio e autoestima, entre outros, que esse ambiente desperta, favorecem um mergulho intrapessoal; ajudar os colegas a vencer obstáculos e comunicar-se adequadamente para os alunos atingirem esse objetivo da melhor maneira possível melhora as relações interpessoais e estimula a inteligência linguística. Pode-se propor aos alunos a realização de manifestações artísticas em espaços de cavernas, como a apresentação de pequenas peças teatrais e a execução de músicas, seja utilizando a própria voz ou instrumentos. Nessas 58 A NATUREZA COMO EDUCADORA



Como

já pôde ser apreendido da discussão anterior, diversos cuidados devem ser tomados durante a elaboração e execução de um estudo do meio. Como não há receitas prontas que possam ser aplicáveis a qualquer situação, procure responder as questões a seguir para que, a partir das suas especificidades, seja encontrada a melhor solução para cada caso. As perguntas foram elaboradas de modo a ressaltar os principais pontos discutidos neste livro, e, apesar de comentadas uma a uma, não se esgotam em si mesmas. Tenha a certeza de que a sua própria experiência, aliada aos cuidados aqui levantados, o levará a desenvolver frutíferos trabalhos com seus alunos.

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Perguntas a serem respondidas antes da elaboração de estudos do meio

1. Haverá uma valorização excessiva do uso de equipamentos de medição (termômetros, barômetros, GPS etc.)? Com que intuito? Pretende-se uma visão mais “exata” da realidade? Qual o papel das percepções sensoriais dos alunos na análise do meio?

O uso de equipamentos de medição é prática recorrente e legítima em estudos do meio. No entanto, muito cuidado deve ser dado às interpretações dos dados que os mesmos apresentam, para que não sejam supervalorizados. A ideia de “exatidão” e busca da “verdade” embutida na ciência ocidental e ratificada pela tecnologia disponível pode mascarar percepções que, nesses casos, são mais importantes. Há outras formas de medir as experiências vivenciadas pelos alunos que, por priorizarem habilidades individuais, são mais educativas nestas situações. Procure valorizar as percepções sensoriais do ambiente e relacione-as com a realidade observada, chamando a atenção para as influências daquilo que percebem no funcionamento do meio. Se “está muito quente”, o que fazem as plantas e animais para suportar o calor? Quais as mudanças nos ritmos das pessoas devido a tal fato? O que cada aluno faria para se habituar com tal situação se ali vivesse? Essas são perguntas mais pertinentes de serem respondidas do que “Qual a temperatura ambiente?”, e remetem à análise crítica da realidade. É óbvio que a informação dada por um termômetro é útil nesse caso, mas deve-se tomar o cuidado para que ele não instaure a única forma de medir o calor, perceptível facilmente em razão das alterações fisiológicas que acontecem no corpo dos próprios alunos. 156 A NATUREZA COMO EDUCADORA


2. Dentro da programação, foram previstos alguns momentos especiais de paradas para criar as condições iniciais de concentração para cada atividade e a integração de seus propósitos?

Quando se deseja realizar um trabalho integrado e estabelecer um compromisso de aprendizado conjunto entre educadores e alunos, é importante fazer uma “roda” inicial para explicitar o propósito e o significado da atividade que será realizada. No início, pode ser eficaz a sugestão de um minuto de silêncio para que os alunos se preparem para as atividades. Sempre que necessário, essas paradas devem ser repetidas para dar mais clareza ao que está sendo feito ou para criar/recuperar um ambiente tranquilo. É impossível conduzir satisfatoriamente essas experiências sem que o ambiente esteja receptivo. Sempre que algo alterar uma atmosfera agradável, deve-se tomar as providências possíveis para retomá-la.

3. Os professores/monitores estão suficientemente motivados e envolvidos com o trabalho que será feito?

Lembre-se de que o professor/monitor é a principal referência do grupo durante os trabalhos. Seu entusiasmo e envolvimento em relação às atividades e aos temas são essenciais para que um bom resultado seja obtido. O modo de estar do educador vai influenciar muito. Ele deve ser o exemplo de suas próprias mensagens. O entusiasmo é extremamente contagiante. Pode-se dizer que o sucesso de um estudo do meio depende, em grande parte, do entusiasmo do professor. É muito importante que estes participem de todas as atividades e não apenas daquelas referentes aos seus temas específicos. Os professores estão cientes da importância de sua contribuição? ROTEIRO PARA A ELABORAÇÃO DE ESTUDOS DO MEIO 157




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