Parto Ativo - Guia Prático para o Parto Natural

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Janet Balaskas

Parto Ativo Guia Prático Para o Parto Natural

2a edição 2ª reimpressão São Paulo / 2014

livros para uma nova consciência


©1989 Janet Balaskas Título original: New Active Birth: A Concise Guide to Natural Childbirth by Unwin Paperbacks, 1989 – Thorsons, 1991. Tradução: Dr. Adailton Salvatore Meira Revisão: Antonieta Canelas Diagramação: Eliane Alves de Oliveira Capa: Carlos Guimarães Fotos: Anthea Sieveking / Ilustrações: Lucy Su e Laura Mckechnie

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

B144p 2.ed. Balaskas, Janet Parto ativo : guia prático para o parto natural / Janet Balaskas ; tradução Adailton Salvatore Meira. - 2.ed. - São Paulo : Ground, 2012. 317p. : il. ; 21cm

Inclui bibliografia ISBN 978-85-7187-045-1

1. Parto (Obstetrícia). 2. Nascimento. 3. Naturopatia. I. Título.

08-3996

CDD: 618.45 CDU: 618.4

12.09.08 16.09.08 008738

Direitos Reservados: EDITORA GROUND LTDA. Av. Mascote, 1568 F – Vila Mascote 04363-001 São Paulo – SP Tel.: (11) 5031-1500 / Fax: (11) 5031-3462 vendas@ground.com.br www.ground.com.br 2


Sumário Prólogo, 5 Prefácio ‑ Sheila Hitzinger, 12 Introdução ‑ Michel Odent, 14 Introdução à edição brasileira ‑ Adailton Saivatore Meira, 16 1. 0 que é um Parto Ativo?, 19 2. Seu Corpo na Gravidez, 47 3. Exercícios de Yoga na Gravidez, 60 4. Respiração, 120 5. Massagem, 125 6. Trabalho de Parto e Parto, 134 7. Parto Dentro da Água, 198 8. Depois do Parto, 213 9. Exercícios no Pós‑Parto, 222 10. Parto Ativo em Casa ou no Hospital, 231 11. Referências de A‑Z, 280 Manifesto do Parto Ativo, 302 Referências para o Manifesto do Parto Ativo, 306 Leituras Recomendadas, 308 Lista de Referências, 310 Índice, 313 O Movimento Parto Ativo Brasil, 317

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Agradecimentos Gostaria de agradecer a todas as mães e suas famílias, cujas expe‑ riências tanto enriqueceram o conteúdo deste livro. Também gostaria de agradecer àqueles que ajudaram a produzi‑lo, especialmente Anthea Sieveking, pelas fotografias, e toda a equipe da Unwin Paperbacks, por esta edição revisada. Sou muito grata às minhas colegas de profissão Lolly Stirk e Yvonne Moore pela ajuda na implantação do Curso de Treinamento para Pro‑ fessores de Parto Ativo; a Yehudy Gordon, Michel Odent e obstetrizes* de vários hospitais de diversas cidades pelo pioneirismo, assim como às professoras de yoga Mina Semyon, Mary Stuart, Lolly e John Stirk pelo toque de inspiração. Sou profundamente grata a Carol e Eliott por sua orientação e ao seu marido, Norman Stannard, por sua energia positiva. Acima de tudo, gostaria de agradecer aos meus quatro filhos por terem me ajudado a descobrir a enorme alegria de dar à luz e ser mãe, e ao meu marido Keith Brainin, pelo seu carinhoso apoio e incentivo.

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N. do T.: No original ‘midwife’. Obstetriz é a parteira profissional, que faz curso su­ perior de Obstetrícia, tornando-se apta para atender partos hospitalares ou domiciliares de baixo risco. Na Europa, são as obstetrizes que atendem a grande maioria dos partos, e os médicos obstetras atendem apenas situações de risco ou complicações, e realizam a cirurgia cesariana. No Brasil, a USP (Universidade de São Paulo) oferece curso superior de Obstetrícia desde 2008. Outros profissionais que atendem partos normais são as parteiras tradicionais, enfermeiras obstetras e médicos obstetras. A atuação das obstetrizes e das enfermeiras obstetras vem crescendo no Brasil nos últimos anos, devido à procura cada vez maior por partos naturais, tanto hospitalares quanto domiciliares. 4


Prólogo Nina, minha primeira filha, nasceu em 1970. Participei de aulas de preparação para gestantes e contava com um parto natural. Permaneci no controle da situação até que as contrações ficaram mais fortes, quando não tive outro jeito a não ser me deitar, passivamente, semi­ -inclinada, nas últimas três horas. Felizmente não houve complicações e consegui, com um esforço desmedido e ajuda de uma episiotomia desnecessária, trazê‑la ao mundo por mim mesma. Minha primeira experiência com a condução ativa do parto aconte­ ceu no nascimento da segunda filha, Kim. Durante a gravidez pratiquei yoga e me sentia muito bem em algumas posturas, descobrindo com o decorrer da gravidez que algumas delas me traziam muitos benefícios. Estudando a história do parto, observei que algumas das posturas de yoga, particularmente a posição de cócoras, foram usadas durante sécu­ los como posições de parto. Um estudo da anatomia da pelve feminina mostrou que essas posturas relaxavam e “abriam” o canal pélvico e eram as melhores posições para se esvaziar algum conteúdo pélvico. Assim, quando entrei em trabalho de parto, simplesmente co­ mecei a seguir as instruções do curso de preparação e procurei ficar tranqüila, deitada com o tronco um pouco mais elevado que os pés, concentrando-me em algumas técnicas respiratórias. A evolução foi lenta e as técnicas respiratórias mantinham‑me calma e concentrada, parecendo desviar minha atenção das contrações. Finalmente decidi me levantar e tentar algumas das posições que havia treinado durante a gravidez. A mudança na evolução foi drástica e comecei a perceber, pela primeira vez, que é preciso que a parturiente se mova e se coloque de acordo com a gravidade para ajudar o corpo a se abrir ainda mais. Tomei consciência de que a posição de cócoras, e suas variações, era a posição lógica para todas as mulheres assumirem no momento de 5


dar à luz e de que era a posição mais importante para ser exercitada durante a gravidez. Decidi, naquele momento, que iria aprimorar meu “ficar de cócoras” antes do meu próximo parto. Durante o parto do meu filho Iasonas permaneci ativa; caminhando, ficando de cócoras e de joelhos, terminei dando à luz ajoelhada de quatro. Foi uma experiência maravilhosa. Tive um senso de controle inteiramente novo e soube instintivamente o que fazer. Poucas horas após o parto já estava de pé e sem as dores que tive durante uma se­ mana ou duas depois dos outros partos, apesar de ele ter pesado quase 4,5 quilos. Sentia‑me surpreendentemente bem e em forma depois do parto e não me senti cansada ou deprimida nos meses que se seguiram. Recentemente tive o quarto filho, também em casa. Theu pesou 5 quilos. Dessa vez tinha à minha disposição uma piscina portátil es­ pecial para parto, no nosso quarto, projetada por meu marido, Keith. O trabalho de parto foi intenso e assim que alcancei 5 centímetros de dilatação entrei na piscina. A leveza da água fez com que eu pudesse relaxar mais facilmente. Fui encorajada a me soltar sem restrições e lembro que fiz muito barulho e atingi a dilatação total em pouco tempo. Michel Odent, o médico que nos acompanhava, sugeriu que eu deixasse a banheira no momento do nascimento. Dado o tamanho do bebê, decidimos que seria melhor contar com a ajuda da gravidade para o seu nascimento; assim, fiquei na posição de cócoras sustentada. Apesar do tamanho, Theu nasceu depois de duas contrações e, mara­ vilhosamente, sem nenhuma ruptura. Os médicos certamente iriam considerar minha gravidez de alto risco. Tinha 42 anos, Rh negativo e sofrera cirurgia no útero 3 anos antes. Para mim estes foram os verdadeiros motivos que me levaram a preferir ter meu bebê em casa, onde as condições para um parto normal são as melhores. Minhas experiências de parto não são tão incomuns. Desde 1978 eu preparo gestantes com aulas de yoga e mais de 80 por cento con­ seguiram ter seus filhos de maneira ativa e natural. Muitas delas nunca tinham tido contato com a yoga e as idades variavam de 19 a 49 anos. 6


É muito bom observar como seus corpos respondem prontamente aos exercícios, como a flexibilidade melhora e como a saúde e a felicidade aumentam. No final da gravidez muitas delas tinham descoberto os instintos de dar à luz e da maternidade e aguardavam o parto com confiança. As experiências dessas mulheres aumentaram minha con­ vicção e conquistaram o apoio de obstetrizes, médicos e obstetras. Muitas grávidas desfrutam dos benefícios da yoga a tal ponto que voltam para sessões de yoga para mamães e bebês, duas ou três sema­ nas após o parto. Isso ocorre não somente com as mães que tiveram parto normal e sem nenhum problema, mas também com aquelas que tiveram necessidade da ajuda de cesariana ou de fórceps. Com o passar do tempo pude observar que o desempenho ativo durante o trabalho de parto e a adoção de posições naturais, verticais ou agachadas são o meio mais seguro, prazeroso, econômico e sensato para a grande maioria das mulheres dar à luz. Não há interrupção da fisiologia normal do parto ou interferência com o equilíbrio hormo­ nal e raramente acontecem depressão puerperal ou problemas com a amamentação e com a recuperação da mãe. A maioria dos partos, se bem conduzidos, deve transcorrer sem complicação alguma. Nenhum equipamento especial é necessário e o parto pode acontecer tanto em um lugar muito simples como na sala de parto de um hospital supersofisticado. O Parto Ativo é natural e instintivo. É assim que uma parturiente vai se comportar se deixada à própria mercê. Meu objetivo, ao preparar uma gestante para o parto ativo, é ajudá‑la a entrar em contato com seu próprio instinto de parir. O parto é basicamente uma função natural do organismo, que acontece de uma maneira espontânea e involuntária no final da gra­ videz. Faz parte de um processo contínuo que se inicia com o ato de amor e concepção e termina com a crescente independência da criança em relação à mãe, durante os primeiros anos de vida. O pro­ cesso de conceber uma criança, ficar grávida, dar á luz e maternidade 7


faz parte da vida sexual e espiritual de uma mulher, e fundamenta‑se basicamente na manifestação natural e ininterrupta de uma série de acontecimentos fisiológicos. O melhor modo de se preparar para o parto é preparando o pró­ prio corpo. Os exercícios de yoga que recomendo não são movimentos anti­ naturais impostos ao corpo. Pelo contrário, são simples e instintivos e todos podem facilmente fazer. É mais um “relembrar” físico do que um sistema de exercícios. Na verdade muitos dos exercícios propostos vieram da observação dos movimentos realizados pelos meus filhos enquanto pequeninos. Dessa maneira tomei consciência do quão em­ perrados nos tornamos quando adultos; o quanto perdemos contato com a variedade de movimentos que a natureza nos programou para ter. Uma criancinha pode se acocorar facilmente por muito tempo, com a planta dos pés toda no chão, costas eretas e se levantar dessa posição quando aprende a caminhar. É sabido que quanto mais civilizados nos tornamos mais nos afastamos da nossa condição natural de viver. Hoje em dia é possível assegurar cuidados médicos para todas as grávidas na ocorrência de complicações e a taxa de mortalidade tem diminuído pela técnica de atendimento da moderna obstetrícia. No entanto tenho observado, na minha prática, quanto o excessivo uso de tecnologia obstétrica de rotina, inadequadamente aplicada ao parto normal, atrapalha o pro­ cesso natural e acaba causando muitos dos problemas para os quais foi destinada a prevenir. Em alguns hospitais, o parto se tornou uma extração vaginal ou abdominal dentro de uma linha de produção. A conseqüência é que muitas mulheres são colocadas totalmente à distân­ cia de sua própria capacidade inata de dar à luz, e as obstetrizes estão perdendo suas habilidades intuitivas à medida que passam a depender mais da tecnologia. Muitas mulheres nunca viram um parto ou nunca seguraram um bebê no colo antes do seu próprio filho. A habilidade natural de dar à luz e da maternidade não são mais transmitidas de 8


mulher para mulher, de geração para geração. Podemos retomar uma ligação com nossa herança feminina primi­ tiva ao reeducar nossos corpos com os hábitos, os movimentos e as posturas instintivos para a mulher que gera um bebê. Na gravidez a tendência geral do organismo é melhorar a saúde e a vitalidade, sendo uma oportunidade ímpar para a mulher explorar seu próprio corpo. A preocupação básica deste livro é com o parto normal e suas variações comuns, que normalmente não necessitam de intervenção obstétrica especializada. Mulheres que se prepararam nesse sentido e depois acabaram enfrentando uma complicação inesperada ou tiveram necessidade da ajuda de medicamentos para aliviar a dor, freqüente­ mente encontraram uma maneira de combinar o Parto Ativo com os procedimentos obstétricos. Espero que este livro venha trazer mais luz ao bom senso no que diz respeito ao nascimento, o que tem sido de certa maneira obscurecido com o avanço da moderna obstetrícia, e ajudar as mulheres a redesco­ brir seus próprios recursos interiores para trazer seus filhos ao mundo.

MOVIMENTO PELO PARTO ATIVO Nos fins da década de 70 um grupo de mulheres no norte de Lon­ dres, conscientes das vantagens do Parto Ativo, começou a tentar dar à luz no plano vertical nos hospitais de suas regiões. Algumas conse­ guiram e foram positivamente encorajadas por obstetras, como no caso de Yehudy Gordon e sua equipe, enquanto outras encontraram oposição refratária. O conflito gerado dentro das salas de parto acabou resultando na proibição do Parto Ativo. Algumas grávidas que estavam com partos iminentes ficaram muito aflitas e me telefonaram para expressar seus sentimentos. Senti‑me responsável por ter apresentado o conceito para essas mulheres. Parecia completamente inadequado que elas tivessem que lutar, durante o trabalho de parto, pelo direito de dar à luz instintivamente. 9


Assim, o Movimento pelo Parto Ativo foi fundado em abril de 1982 e o Manifesto pelo Parto Ativo foi redigido (ver Capítulo 11). A ocasião foi marcada por uma manifestação no domingo, 11 de abril, a qual denominamos de “Comício pelos Direitos de Parir”. Originalmente, só planejávamos ficar de cócoras no saguão de entrada do hospital; mas em apenas três semanas foram tantas pessoas que ofereceram seu apoio que terminamos indo ao “Hampstead Heath” com uma multidão de 6.000 pessoas. O “Comício” foi um protesto contra os hospitais que negavam às mulheres o direito e a liberdade de se movimentar durante o trabalho de parto e de dar à luz na po­ sição vertical, de cócoras ou de joelhos, apesar das evidencias sobre suas vantagens. Além de Michel Odent, cujo trabalho na França foi apresentado em um especial da BBC‑2 e estava em Londres, também vieram par­ ticipar do comício Sheila Kitzinger, a jornalista Anna Ford e outros simpatizantes do Parto Ativo. O acontecimento foi memorável, pro­ vocando uma mudança de atitude nos hospitais: a partir de então eles se tornaram capazes de acomodar parturientes que tinham optado pelo Parto Ativo. Graças a Deus, o Movimento para o Parto Ativo não precisou de outras manifestações, pois hospitais da cidade de Londres e imediações, gradualmente se ajustaram ao clima de mudanças. Embora ainda haja um longo caminho a percorrer, os princípios do Parto Ativo estão sendo postos mais amplamente em prática, na medida em que nosso conhecimento da fisiologia normal do processo do parto aumenta. Nossa função primordial desde então tem sido educacional, promo­ vendo palestras, conferências, “workshops” para pais e profissionais, assim como proporcionando subsídios para a formação de professores de Parto Ativo. A utilização de posições verticais e a movimentação durante o trabalho de parto não são privilégio deste quinhão do mundo, tendo ocorrido mudanças simultaneamente em vários países durante a década 10


de 1980. O Movimento para o Parto Ativo agora é internacional e tem ramos por todo o mundo, muitos deles apresentando grande sucesso em gerar mudanças. Esse movimento é conduzido inteiramente por mulheres que, como eu, redescobriram o parto por meio da própria experiência. São mulheres que optaram por abandonar a mesa obs­ tétrica e dar à luz instintivamente. Conseqüentemente, transmitem o que aprenderam às outras e, com esse trabalho, estão criando uma nova tradição de sabedoria feminina, auxiliando mulheres de todas as partes a recuperar sua autonomia enquanto gestantes. É para essas mulheres que dedico este livro.*

* Veja referência ao Movimento Parto Ativo Brasil na pg. 317. 11


Prefácio Aqui está uma importante voz que clama nos desertos do parto. Janet Balaskas fala àquelas mulheres que querem crescer na consciên­ cia de si mesmas e usar seus corpos ativamente durante o trabalho de parto. Nas suas aulas de preparação, Janet Balaskas preconiza atividade e não passividade, movimentação e não estagnação, e o direito de a parturiente escolher a posição, qualquer que seja, que achar confortável durante o trabalho de parto e o parto propriamente dito. O ensinamento deste livro é revolucionário, embora já seja antigo. Em várias partes do mundo, e através da história conhecida, a mulher tem escolhido posições verticais para dar à luz: nós, ocidentais, somos os únicos que tivemos essa extraordinária noção de que uma mulher deve se deitar com as pernas para cima para trazer seu bebê ao mundo. Mas auxiliar mulheres a se levantar é muito mais do que ajudá‑las a encontrar uma posição confortável. É transformá‑las de parturientes passivas em ativas. É desafiar o todo da visão obstétrica que a socie­ dade ocidental tem do parto, baseada na suposição de que o parto é um acontecimento médico e que, portanto, deveria ser conduzido dentro de um ambiente de cuidado intensivo. A gravidez como um todo é vista como uma condição patológica que somente termina com o parto. O obstetra ultra‑tecnologista moderno conduz ativamente o trabalho de parto com toda a tecnologia do ultra‑som, monitoração eletrônica contínua do feto e solução parenteral de oxitocina. Muitos obstetras nunca tiveram a oportunidade de ver um parto verdadeira­ mente natural. Transformar o processo de trazer uma nova vida ao mundo em outro onde a mulher se torna simplesmente um corpo sobre a mesa de parto em lugar de uma parturiente ativa é uma degradação da condição da mulher na função procriativa. Estamos agora iniciando a descoberta dos efeitos destrutivos, 12


algumas vezes de longa duração, na relação entre a mãe, seu bebê e sua família, de se tratar as parturientes simplesmente como se fossem contêineres que precisam ser esvaziadas dos seus conteúdos e de se concentrar a atenção em um bando de músculos e em um canal de parto, no lugar de tratar e cuidar da pessoa dentro da qual o útero e a vagina estão contidos. A “ligação mãe‑filho”* está na moda hoje em dia. Vários hospitais dedicam um tempo especial para essa ligação e devem existir poucos obstetras e obstetrizes que não consideram importante esse vínculo. Mas tudo o que acontece após o parto é conseqüência do que acon­ teceu antes. Esse elo de ligação deve ser espontâneo e tranqüilo, ou pode ser virtualmente impossibilitado pelo tipo de atmosfera no parto e pela atenção que a mulher recebe como um ser e não meramente como uma primípara, uma primigesta idosa, uma pelve, um útero que se contrai ou um colo que se dilata. O modo como nossas mulheres dão à luz é importante para todos nós pois tem tudo a ver com o tipo de sociedade dentro da qual que­ remos viver, a importância da chegada de um novo ser e o surgimento de uma nova família. Quando tomamos a responsabilidade de escolher entre alternativas, baseados no que acreditamos ser correto, tomamos a responsabilidade pela qualidade da sociedade que nós, e nossos filhos, vamos viver. Sheila Kitzinger

*N.do T.: “Bonding”, no original. 13


Introdução O conceito de “parto ativo” é uma pedra fundamental na história do parto. Colocar essas duas palavras juntas foi, por si mesmo, um toque de gênio: “parto ativo” cobre uma gama enorme de significados, em níveis diferentes e complementares. O primeiro nível pode ser descrito como muscular. Ao se dar uma olhada em algumas fotos de “partos ativos” pode‑se notar que no fim do trabalho de parto, quando o bebê está quase nascendo, muitas parturientes estão na posição vertical, agarrando‑se em algo ou em alguém, dobrando o corpo para a frente apoiadas em algo, ou em posição de cócoras sustentada, ou de joelhos... Em um segundo nível, penetramos mais profundamente no proces­ so fisiológico do nascimento. O parto é antes de mais nada um processo mental. Quando uma mulher está dando à luz por si mesma, a parte ativa do seu cérebro é a parte primitiva. Essa é a parte que temos em comum com todos os mamíferos, a parte que secreta os hormônios necessários. Uma mulher dá à luz ativamente quando ela é capaz de secretar seus próprios hormônios, ou, em outras palavras, quando ela não precisa da ajuda de hormônios sintéticos parenterais, ou qualquer outro tipo de intervenção médica. A atividade da parte primitiva do cérebro implica uma redação das inibições vindas do “novo” cérebro, o neocórtex. Os fatores que podem perturbar esse processo cerebral, essa mudança de nível de consciência, não são facilmente eliminados do contexto das unidades obstétricas modernas: privacidade, penum­ bra, silêncio e ao mesmo tempo, a presença de uma pessoa experiente. Em um terceiro nível, “parto ativo” refere‑se à atitude que a so­ ciedade tem como um todo em relação ao parto. Na nossa sociedade o parto está completamente sob controle e responsabilidade das instituições médicas. 14


Grávidas e parturientes são chamadas “pacientes”. Pode‑se incluir ainda a formação das parteiras modernas, que são treinadas em uni­ dades obstétricas; não são mais mães ajudando outras mulheres a se tornarem mães também. Quando um recém‑nascido não é saudável, a responsabilidade é da instituição médica. O conceito de “parto ativo” foi introduzido por mulheres que querem ter de volta o controle e a responsabilidade do parto. Mulheres que consideram as instituições médicas como recurso para situações definidas. Que desafio polêmico em tempos onde os efeitos colaterais negativos da obstetrícia são cada vez mais conhecidos! O dia em que Janet disse pela primeira vez “parto ativo” talvez tenha sido o mais importante na história da obstetrícia na Europa... desde o dia em que o médico francês Mauriceau assumiu o comando desse acontecimento e colocou a mulher em trabalho de parto deitada. Michel Odent

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1.O Que é um Parto Ativo? Com o desenvolvimento acelerado da obstetrícia moderna nos últimos trezentos anos, as mulheres perderam contato com sua capa­ cidade de parir. Praticamente esquecemos como um parto fisiológico natural se desenrola. O Parto Ativo não é uma novidade. É simplesmente um modo convenien­te de se descrever um trabalho de parto e um parto normais e o modo como uma parturiente se comporta quando segue seus próprios instintos e a lógica fisiológica do seu corpo. É uma maneira de dizer que ela realmente está no controle do seu corpo durante o processo do parto, e que não é o objeto de uma “condução ativa” do parto pela equipe obstétrica. Ao se decidir pelo Parto Ativo você estará reconquistanto seu poder fundamental como parturiente, como mãe e também como mulher. Também estará dando ao seu bebê o melhor modo de começar a vida e uma transição segura entre o útero e o mundo. Caso alguma dificuldade ou complicação inesperada aconteça, você estará livre para fazer uso de toda tecnologia da obstetrícia moderna, sabendo que deu o melhor de você e também sabendo que foi uma escolha sua e que a intervenção foi realmente necessária. Desse modo, mesmo o parto mais difícil pode ser uma experiência positiva. A preparação para um Parto Ativo diminuirá a probabilidade da ocorrência de complicações na gravidez, assegurando que você chegue ao parto em ótimas condições de saúde, além de melhorar e apressar sua recuperação, independente do que tenha acontecido. Se você dá à luz ativamente vai querer se movimentar livremente durante o início do primeiro período* do trabalho de parto, esco­ lhendo posições verticais confortáveis tais como ficar em pé, cami*N. do T.: Primeiro período ou de dilatação do colo. 19


nhar, sentar­-se, ajoelhar‑se ou se agachar. Entre as contrações vai encontrar manei­ras de descansar nessas posições, confortavelmente apoiada em travesseiros ou almofadas. Ao aproximar-se do período expulsivo ou segundo período, durante o qual seu filho vai nascer, você pode ainda fazer uso de posições verticais, as mais confortáveis ou práticas. No período final, ou parto propriamente dito, você vai utilizar uma posição expulsiva natural (geralmente amparada ou sustentada), tal como acocorada ou ajoelhada. Um Parto Ativo é instintivo. Baseia‑se em dar à luz de modo na­ tural e espontâneo por meio de sua própria vontade e determinação, tendo a completa liberdade de usar seu corpo como bem escolher e seguir suas solicitações. O Parto Ativo é uma atitude mental. Envolve aceitação e crença na função natural e na natureza involuntária do processo do parto, tanto quanto uma atitude ou posicionamento apropriado do seu corpo. Não é meramente algo que é extraído ou descarregado pela vagina, onde os atendentes controlam a situação e você não passa de uma pa­ ciente passiva. O Parto Ativo é mais confortável, seguro e eficaz do que um parto passivo, o que é confirmado por vários estudos científicos comparando mulheres ativas durante o trabalho de parto com aquelas que se deitam passivamente (ver Lista de Referências). Algumas mulheres, deixadas à própria mercê, vão instintivamente saber o que fazer durante o trabalho de parto, mas muitas de nós, não tendo exemplos a seguir, precisam ser conscientizadas sobre a possi­ bilidade do uso das várias posições verticais a fim de descobrir nossos instintos. Para que isso ocorra, basta praticar as posições e movimen­ tos que são mais apropriados e confortáveis durante a gravidez. Os exercícios apresentados neste livro, baseados na yoga para a gravidez, vão conduzi‑la aos seus próprios instintos para o trabalho de parto e para o parto, e paralelamente vão cultivar os procedimentos corporais adequados e naturais para uma gravidez saudável.

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A questão das posições no parto Um número crescente de mulheres, obstetrizes, enfermeiras, obste­ tras e instrutores de gestantes está questionando as posições que carac­ terizam as modernas práticas de parto e condução do trabalho de parto, e o papel passivo, orientado, requerido das mulheres pelo atendimento obstétrico contemporâneo. O que é mais criticado, especificamente, é o uso quase exclusivo de posições horizontais (recumbentes) para o parto, conhecidas como posição supina, de litotomia ou decúbito dorsal. Há evidências mais que suficientes de que as posições verticais (ajoelhada, sentada, em pé ou acocorada) trazem mais vantagens tanto para a mãe quanto para a criança. A posição assumida e a movimentação durante o trabalho de parto constituem um campo de importância fundamental, que foi praticamente negligenciado pelos assistentes que conduzem o trabalho de parto e, portanto, também pelos instrutores de gestantes. A escolha da posição determina a formação de obstetrizes e médicos. Determina também a abordagem que terão e o tipo de ambiente onde a parturiente vai ter suas contrações e seu filho. Pode também determinar o sucesso do parto e a qualidade da experiência tanto para a mãe quanto para o bebê.

Prática ocidental moderna A prática obstétrica no mundo moderno é geralmente considerada como um procedimento médico, quando não cirúrgico. Até há pouco tempo, a norma em vários hospitais tem sido (e freqüente-mente ainda é) colocar você, quando em trabalho de parto, deitada em uma cama, muito bem apoiada por travesseiros em uma posição semi‑inclinada, onde monitores, soros ou anestésicos podem ser convenientemente aplicados. Mais tarde, pouco antes de o bebê nascer, você será trans­ ferida para uma sala de parto e colocada em uma mesa de parto, onde fórceps, vácuo extrator * episiotomia ou cesariana são técnicas que *N. do T.: Pequena ampola de silicone que adere à cabeça do bebê por pressão negtiva, pouco usada no Brasil, mas cada vez mais comum na Europa.

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ticamente durante todo o trabalho de parto. Os resultados mostraram que a duração do trabalho de parto foi significativamente mais curta, a necessidade de analgésicos foi muito menor e a incidência de varia­ ções patológicas dos batimentos cardíacos fetais foi acentuadamente menor no grupo deambulante do que no recumbente. O grupo que caminhou também vivenciou contrações menos dolorosas e se sentiu mais confortável dessa maneira. Concluiu-se convincentemente que deambular durante o trabalho de parto, particularmente no início, deve ser encorajado (21). O dr. Roberto Caldeyro‑Barcia, na América Latina, organizou um estudo de colaboração envolvendo duas grandes maternidades. Foram comparadas as posições verticais (sentada e em pé) e as horizontais (deitada de costas e de lado). Também foi comparada sua influência para o parto e para as condições do recém‑nascido (22). Em 1972, nos Estados Unidos, o dr. Isaac N. Mitie, do Estado de Indiana, comparou mulheres no segundo período do parto, sendo metade deitada e a outra metade em posições sentadas (23). O dr. Yuen Chou Lui liderou um estudo com 60 mulheres em trabalho de parto em 2 hospitais, sendo um em Nova York e outro em Washington (24). Esses são alguns dos muitos estudos que mostraram vantagens evidentes e definidas de se deambular e de se assumir posições verti­ cais durante o parto. Vários estudos confirmaram que as contrações uterinas são mais intensas e eficientes para a dilatação do colo. Mesmo esses estudos tendo sido realizados em ambientes hospitalares que poderiam ser melhorados, os resultados já foram impressionantes somente com a mudança da atitude em relação à postura.

Resultados da pesquisa moderna Essas são as vantagens referidas em vários estudos de se deambular e permanecer na vertical: 1. Maior intensidade (força) das contrações uterinas. 34


2. Contrações mais regulares e freqüentes. 3. Processo de dilatação ou abertura do colo (o orifício de saída do útero) mais eficiente. 4. Relaxamento mais profundo entre as contrações. 5. Pressão muito maior exercida pela cabeça fetal no colo durante o período de repouso, ou seja, entre as contrações uterinas. 6. Menor duração do primeiro e do segundo períodos do trabalho de parto (alguns estudos comparativos revelaram que o grupo ativo foi abreviado em mais de 40%. 7. Maior disposição, menor estresse e menor dor, resultando em menor necessidade de analgésicos. 8. Menor incidência de sofrimento fetal durante o parto e melhores condições do recém‑nascido. 9. As mulheres sentiram que estavam dando sua quota de participação no parto e se sentiram aliviadas do tédio e da degradação de estarem deitadas e conectadas a algum aparelho.

Por que o Parto Ativo é melhor? O que explica o fato de as mulheres terem partos mais fáceis quan­ do se movimentam ou assumem posições verticais? Segundo o bom senso e estudos recentes essas são as vantagens, para a mãe e para o bebê, que advêm das posições verticais: 1. O peso da gravidade, ou seja, a força exercida para baixo pela gravidade da Terra, coopera com as contrações uterinas e esforços expulsivos. É mais fácil para qualquer objeto cair em direção à superfície da Terra do que deslizar paralelamente (Lei da Gravi­ dade de Newton), de modo que é mecanicamente mais tranqüilo, na hora do parto, expelir um bebê em direção à Terra do que empurrá‑lo no sentido horizontal. Nas posições verticais, tais como em pé, de cócoras ou de joelhos, o corpo gravídico está 35


em harmonia com o sentido da força gravitacional. Quando a mulher fica deitada seus esforços involuntários de fazer o bebê vir ao mundo espontaneamente são inibidos, aumentando a necessi­ dade de enérgicos esforços para empurrar o bebê “morro acima” ou a necessidade de uma extração a fórceps. O dr. Peter Dunn, conferencista sênior consultante em Saúde Infantil do Hospital Southmead em Bristol, escrevendo sobre a posição recumbente para o parto no periódico médico The Lancet, em 1976, observou: “Nenhum espécime animal adota tal postura desvantajosa durante um evento tão importante e crítico” (25). 2. O ângulo de incidência do útero, ou seja, o ângulo entre o eixo longitudinal da coluna vertebral do feto e da coluna vertebral da mãe, é menor na posição vertical, requerendo então menor esforço do útero. O útero é tracionado para a frente quando se contrai. Em uma posição vertical, onde a mãe pode dobrar‑se para a frente, ela colabora com o útero, que vai trabalhar com menor resistência; se estiver deitada ou inclinada para trás, o útero terá que dispender mais energia contra a força pesante da gravidade (ver página 148). Um músculo que trabalha contra a gravidade tende a se estirar e doer mais facilmente; portanto, inclinar o corpo para a frente é um eficiente meio de reduzir a dor e a necessidade de analgésicos. 3. No período entre as contrações, a manutenção de elevados níveis das pressões da parede abdominal, do diafragma e do polo cefálico coopera para o aumento da pressão sobre a cérvix uterina na fase de repouso. 4. A entrada da cabeça do bebê, ou pólo de apresentação, na pelve materna assim como o apoio direto da cabeça sobre o colo do útero são facilitados, pois o estreito superior da pelve está virado para a frente e o estreito inferior para baixo, produzindo um ângulo conveniente de descida. Durante cada contração uterina o feto tem a tendência de se afundar na pelve materna. 36


5. Há uma melhor circulação placentária, determinando melhor suprimento de oxigênio para o feto. Deitar‑se de costas é uma posição que facilita a compressão dos grandes vasos abdominais contra a coluna vertebral. A compressão da maior artéria do coração (aorta descendente) pode levar ao sofrimento fetal por diminuir a passagem de sangue para o útero e para a placenta. A compressão da grande veia que traz o sangue de volta ao coração (veia cava inferior) bloqueia esse fluxo, possibilitando a hipotensão e maior perda sangüínea materna. 6. Há menor compressão sobre os nervos pélvicos que derivam da parte inferior da coluna e do sacro, e menor resistência aos esforços uterinos, portanto há menor dor. 7. Durante a gravidez a flexibilidade das articulações pélvicas aumenta pela ação dos hormônios que amolecem os ligamentos que as unem. Na posição vertical, as articulações estão livres para se expandir, mover e ajustar à forma da cabeça descendente do bebê durante as contrações e o parto. Quando a movimentação do sacro é possível, o estreito interior pélvico pode ser amplia­ do em 30% ou mais (na posição de cócoras) do que quando o peso materno incide diretamente sobre ele e dificulta qualquer movimento (semi‑inclinada). A articulação sacro-coccígea, que fica entre o sacro e o cóccix, também é amolecida e preparada para fletir para trás a fim de alargar o estreito inferior da pelve quando o bebê estiver nascendo. Obvia­mente isso é impossível se a mãe estiver sentada sobre o cóccix (posição semi‑inclinada). 8. Quando a mãe está na vertical existe menor pressão direta sobre as vértebras do pescoço do bebê enquanto passa sob o arco pubiano e o pescoço se estende para trás durante o segundo período (veja diagrama na página 53). Embora nenhum estudo tenha sido empreendido até o momento, é fácil observar que os bebês nascidos ativamente têm melhor controle da cabeça ime­ diatamente após o nascimento. Isso facilita o “reflexo de sucção” 37


Na posição de cócoras o sacro fica livre e se move para trás, aumentando o estreito inferior da pelve

Na posição semi-inclina­ da o sacro fica imóvel e estreita a abertura inferior da pelve

Na posição semi-sen­ tada o peso da mãe concentra-se sobre seu cóccix e a capacidade pélvica fica reduzida

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