Conviver, educar e participar: nos palcos da vida

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CONVIVER, EDUCAR E PARTICIPAR

nos palcos da vida



Nei Alberto Pies

CONVIVER, EDUCAR E PARTICIPAR

nos palcos da vida

IFIBE Passo Fundo 2014


© 2014 Editora IFIBE - Instituto Superior de Filosofia Berthier (IFIBE)

Instituto Superior de Filosofia Berthier (IFIBE) Mantido pelo Instituto da Sagrada Família Edição: Editora IFIBE Coordenação editorial, revisão de texto, capa, projeto gráfico e normatização: Diego Ecker Revisão de texto: Eládio Vilmar Weschenfelder Diagramação: Diego Ecker e Wanduir R. Sausen Impressão e Acabamento: Gráfica Berthier Editora IFIBE Rua Senador Pinheiro, 350 99070-220 – Passo Fundo – RS Fone: (54) 3045-3277 E-mail: editora@ifibe.edu.br Site: www.ifibe.edu.br/editora

CIP – Catalogação na Publicação

P624c

Pies, Nei Alberto Conviver, educar e participar: nos palcos da vida / Nei Alberto Pies. – Passo Fundo: IFIBE, 2014. 183 p. ; 14 x21 cm. ISBN: 978-85-8259-028-7 1. Discursos filosóficos – Assuntos diversos. 2. Cotidiano. 3. Educação. 4. Amor. I. Título. CDU: 82-83

Catalogação: Bibliotecária Marina Miranda Fagundes - CRB 10/2173

2014 Proibida reprodução total ou parcial nos termos da lei. Instituto Superior de Filosofia Berthier – Editora IFIBE


SUMÁRIO Apresentação............................................................................................. 11

Viver e conviver Amizade, amor e afetos........................................................................... 17 Amores de nossas mães........................................................................... 19 Bar, oficina e cultura................................................................................ 21 Construção de entendimentos.............................................................. 23 Paciente e paciência................................................................................. 25 Donde avistam horizontes..................................................................... 27 Falar é viver............................................................................................... 29 Falo e escuto. Ou falo e não escuto?..................................................... 31 Família: se esta moda pega!.................................................................... 33 Feitos para imensidão.............................................................................. 35 Filhos humanizam................................................................................... 37 Infância e saudades da terra................................................................... 39 Jovens e oportunidades........................................................................... 41 Juntando cacos.......................................................................................... 43 Liderança e reconhecimento.................................................................. 45 Meio ambiente, ética e etiqueta............................................................. 47 Natal e de família..................................................................................... 49 Nossos resíduos......................................................................................... 51 Os jovens se acordaram........................................................................... 53 Palavras e profecias................................................................................... 55


Penas ao vento........................................................................................... 57 Pensar para viver melhor......................................................................... 59 Presença e ausência................................................................................... 61 Qualidade de vida.................................................................................... 63 Quem fala se liberta................................................................................. 65 Religiões, natureza e mundo.................................................................. 67 Ser e escrever............................................................................................. 69 Somos o que esperam de nós?................................................................ 71 Tendo palco, somos.................................................................................. 73 Vantagens em cooperar........................................................................... 75 Vida que se fez arte.................................................................................. 77 Vivemos emaranhados............................................................................ 79

Educar A cultura da não-reflexão....................................................................... 83 Abençoada seja a paixão de ensinar...................................................... 85 Abrindo janelas e construindo pontes................................................. 87 Conhecer para integrar-se...................................................................... 89 Coragem de lutar...................................................................................... 91 Daquilo que nos motiva.......................................................................... 93 Das leituras dos professores.................................................................... 95 Do tempo do professor. Do professor no tempo................................ 97 Educação e formação continuadas........................................................ 99 Educação e política.................................................................................. 101 Educação, só com qualidade.................................................................. 103 Educar e aprender em que tempos?...................................................... 105 Escola, poder e democracia.................................................................... 107 Professores de todos os dias.................................................................... 109


Quais respostas dependem da educação?............................................ 111 Saudades da minha escola...................................................................... 113 Ser professor de ofício............................................................................. 115 Um aceno de esperança........................................................................... 117

Participar A não reflexão e a política....................................................................... 121 Antes tarde do que mais tarde............................................................... 123 Cidadania não se faz vazia...................................................................... 125 Cidade feliz é cidade sonhada................................................................ 127 Consumimos. Logo, existimos.............................................................. 129 Decidiram que agora é reinventar!........................................................ 131 Direito de se dizer.................................................................................... 133 Fetiche das ditaduras............................................................................... 135 Fogo e dignidade em movimento......................................................... 137 Identidade das Mulheres da Paz............................................................ 139 Inglória estupidez..................................................................................... 141 Jeitos, direitos e favores........................................................................... 143 Masculino, sou. Machista, me torno.................................................... 145 Outonos e democracia............................................................................. 147 Planeta, pobreza e democracia............................................................... 149 Pobres e solidariedade............................................................................. 151 Pobreza e compaixão............................................................................... 153 Poder e posturas....................................................................................... 155 Poder e serviço.......................................................................................... 157 Política e autenticidade........................................................................... 159 Roupas e solidariedade............................................................................ 161 Somos nossa dignidade........................................................................... 163


Sujeitos e relações sociais........................................................................ 165 Trabalho e de oportunidades................................................................. 167 Tragédias e oportunidades..................................................................... 169 Utopia cotidiana....................................................................................... 171 Valores da liberdade................................................................................. 173 Violência: de quem estamos falando?................................................... 175 Virtudes ou oportunismos..................................................................... 177 Vocacionados para liberdade.................................................................. 179

Agradecimento pelas parcerias na minha atuação de escritor..................................... 181


Dedico este livro ao meu pai Roque Afonso (in memoriam) e Lúcia Maria pelo maior presente que deles recebi: a vida. Dedico também à minha família: minha esposa Rosicler e filhos Luís Gustavo e André Luís, pela presença, pelo apoio e pela intensa convivência cotidiana. Dedico também aos que me leem, aos que me criticam e a todos os que me desafiam na arte de escrever, pois escrevendo penso e vivo melhor.

• “Em realidade, a gente escreve para as pessoas com cuja sorte ou má sorte se sente identificado: os que comem mal, os que dormem pouco, os rebeldes e humilhados desta terra: que em geral nem sabem ler.” Eduardo Galeano. Em defesa da palavra.



Apresentação Refletindo sobre o nascimento de um escritor, é evidente que não se pode pensar no seu parto, feito naturalmente ou através de cesariana. Muito menos na ideia de que ele já nasceu com o dom de escrever. Ou pior, que escreve por ter a graça da divina inspiração. Porém, o que se pode afirmar é que o escritor nasce no momento em que se torna leitor de múltiplos textos, especialmente os literários. Ainda buscando afirmação como escritor, dirige-se ao saudoso escritor gaúcho Moacyr Scliar para obter dele um retorno positiva sobre seus textos. A expectativa vem positiva e elogiosa: – Meu caro Nei! Obrigado pelo e-mail, por sua apreciação e pelos textos que me enviaste. Li a todos com muito prazer. Tens a vocação do cronista, que fala de coisas que interessam a todos, numa linguagem elegante, mas acessível. Parabéns!

De minha parte, lendo, relendo e trelendo os textos do Nei, pude confirmar que o novel escritor não navega sozinho pelo vasto rio da cultura literária, pois seus contos e crônicas estão repletos de epígrafes, citações diretas e indiretas de fragmentos produzidos por escritores, filósofos, poetas, educadores, políticos, cientistas, sites e pessoas que conheceu nos locais de trabalho. Os textos de Nei, portanto, estão de mãos dadas com as escrituras de Paulo Freire, Rubem Alves, Lya Luft, Cervantes, Gandhi, Martha Medeiros, Gonzaguinha, Saramago, Eduardo Galeano, dentre tantos outros. Nesta perspectiva, seu processo de produção da escrita pode ser visto como resultante de leituras previamente efetuadas por um sujeito leitor, que reescreve seus textos do ponto de vista do dialógico – prosa que estabelece com seus antecessores – alimentando-se das sugestões, formas e estruturas já elaboradas pela tradição literária. Portanto, sai a noção de originalidade e entra o conceito de 11


subjetividade. Não existe inocência, assim como não existe neutralidade. Sob este ponto de vista, cada novo texto é feito de saberes antigos e fragmentados. Eles vêm descendo pelo colossal rio da memória cultural e literária, lidos e avaliados por leitores, os quais nunca são os mesmos, assim como os rios, como ensinou o filósofo Heráclito de Éfeso. O procedimento fágico dos escritores renova-lhes a capacidade de recriar os textos clássicos – canônicos – como ensina Harold Bloom. É acertado, então o que Augusto Mayer sugere a respeito do procedimento machadiano – extensivo também ao texto do Nei: “... esse profundo bucho de ruminante, que todos trazemos na cabeça e onde todas as sugestões, depois de misturadas e trituradas, preparam-se para uma mastigação, estranho quimismo...” Nei, prioritariamente, navega pelo rio das crônica, feito um lutador, como poetiza Drummond: Lutar com palavras É a luta mais vã. Entanto lutamos Mal rompe a manhã. São muitas, eu pouco. Algumas tão fortes Como o javali. Não me julgo louco. Se o fosse, Teria poder de encantá-las. Mas lúcido e frio, Apareço e tenho Apanhar algumas Para o meu sustento.

Nei Pies optou escrever através do gênero crônica, embora também tenha escrito alguns contos. A crônica conta um fato comum do dia a dia, relatando a vida real das pessoas e dos acontecimentos sociais. O conto narra uma história ficcional, tendo comumente personagens, marcas de tempo e espaço, estruturados a partir de uma situação inicial, complicação, clímax e desfecho. A finalidade do conto é demarcar histórias que não são do dia, ou de um certo dia, mas as que têm sentido e sabedoria. Essa praticidade tem atraído leitores 12


de todas as idades e níveis intelectuais, inclusive aqueles que não têm o costume de ler, ou que ainda estão começando a adquirir o gosto. Entretanto, a finalidade da crônica é registrar, de forma criativa, os acontecimentos cotidianos. Eles são de ordem histórica, política, social. Não constituem textos densos. Por isso o gênero é bem aceito nos diversos meios de comunicação. É tão comum ler nos jornais e revistas crônicas esportivas, sociais, políticas e filosóficas. Buscam refletir sobre os acontecimentos atuais. A propósito, Nei cita um dos últimos pronunciamentos do romancista português José Saramago: “Falta-nos reflexão, pensar. Precisamos do trabalho de pensar. Parece-me que, sem ideias, não vamos à parte nenhuma”. Refletindo sobre seu tempo, Nei tece seus textos, trafegando pelos grandes e pequenos acontecimentos, vindo desde os episódios da infância, passando pelos acontecimentos de ordem política e histórica do Brasil, sem esquecer dos episódios que o marcaram em seus trabalhos de engajamento social, tipo Mulheres da Paz. Imbricadas entre si, as crônicas do Nei lembram um rio, talvez o Uruguai, onde os pequenos acontecimentos, uma vez juntados, nos dão a exata noção da força, grandiosidade, beleza e os saberes, advindos da rara e difícil arte de escrever. Leitor, apresento-te Nei, o cronista que luta com as palavras, procurando pensar e compreender o contexto na companhia de seus leitores. Eládio Vilmar Weschenfelder Professor de Literatura na Universidade de Passo Fundo.

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Viver e conviver



Amizade, amor e afetos

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amor é uma das ideias mais revolucionárias, capaz de garantir condições de vida em segurança. O medo, valor tão propagado e vivenciado por conta da violência cotidiana, não pode nos apequenar diante dos desafios de sempre construir vida na dignidade, a partir de relações de respeito, consideração e apreço de um para com o outro. O medo não nos protege e nem irá nos desencorajar para a vivência e a convivência humana. Nossa civilização encaixotou o afeto. O afeto estimula a criação das condições para nossa plena realização. O ser humano é um ser em construção. Por isso mesmo, exige investimentos afetivos a vida toda. O cuidado, como algo essencial que constitui a nossa condição humana, deve ser resgatado se quisermos devolver à humanidade o verdadeiro sentido de sua existência. Não sobrevivemos se não somos bem cuidados. Na escala dos seres vivos, somos os mais dependentes de todos. Saímos da barriga da mãe e caímos nos braços de uma família. Aos poucos, vamos crescendo e nos integrando aos grupos sociais da escola, da vizinhança, dos amigos e dos colegas de trabalho. Cada fase de nossa vida exige que sejamos cuidados e que saibamos cuidar da gente e dos outros. A necessidade do cuidado e as carências afetivas, próprias do ser humano, não constituem nenhuma fraqueza. O que nos torna fortes e capazes de superar as contradições é a coragem de assumirmos nossas carências, pois estas é que nos desafiam para o crescimento e discernimento pessoal, afetivo e social. As relações que se constituem na partilha, na compreensão, na doação, na gratuidade e na confiança, são oportunidades que muitos constroem, por acreditarem que sua realização depende da integração, convivência e complementariedade a serem construídas junto com os outros. São também excelentes oportunidades de se vivenciar a doação, pois vida existe se for compartilhada. 17


Redescobrir-se em permanente relação com os outros é a grande contribuição que cada um pode oferecer para a elevação de uma consciência de humanidade. Reconhecer e vivenciar valores como a solidariedade, a amizade, o amor, a partilha e a alteridade, pode nos possibilitar um mundo com menos violentos e menos violentados. A solução para os problemas de convivência social não passa pela construção de novos presídios e nem pelo endurecimento de nossas leis. A solução passa pela promoção da vida e da humanidade, através do cultivo de relações de respeito, amor e afeto. Passa também pela promoção da justiça. Romantismo? Não, para os que acreditam que o amor é sempre maior do que o medo e a dor, pois o amor sempre foi a inspiração dos grandes mestres, como Jesus Cristo, Madre Teresa de Calcutá, Gandhi, Dallai Lama, Chico Xavier e tantos outros. Aprendamos com eles se quisermos sobreviver plenamente realizados e livres. Aprendamos com eles.

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Amores de nossas mães

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screver sobre o amor de nossas mães é um grande desafio. O amor materno é sempre sagrado, capaz de abarcar as dimensões humanas mais ricas e contraditórias. Sua pureza se confunde com amor radical, mas nem sempre compreendido por sua incondicional capacidade de perdoar, reatar, reconsiderar, reaprender a viver do jeito que é possível, apesar dos pesares. Somente as mães conhecem realmente seus filhos e suas filhas. Por conhecê-los tanto e tão bem, são capazes de reconhecer seus desejos e potencialidades, mas também seus limites e fragilidades. Não raras vezes, são mal interpretadas, porque dedicam mais atenção e apoio para um dos seus filhos ou filhas, justamente, a quem mais necessita de sua ajuda e presença. Nossas mães aprenderam e ensinaram que ser justo é dar a todos e todas as mesmas medidas, as mesmas proporções, dividindo tudo em partes iguais. O bolo de mãe, o melhor de todos, é sempre dividido em partes iguais para cada um de seus filhos e filhas. Parece que esta é sempre a fórmula mais justa de dividir os bens e artigos que possuem materialidade. Mas valerá esta mesma regra para “distribuir” carinhos, afagos, apoio e atenções? Para as mães, não. Para os filhos, sim. Sem perceber, nossas mães fortaleceram nossos egoísmos e caíram numa cilada que, não raras vezes, volta-se contra elas à medida em que os filhos, sempre diferentes, exigem que sejam tratados de maneira igualitária. Mas como tratar de forma igual filhos tão diferentes, com diferentes necessidades de compreensão, de apoio, de ajuda de todas as ordens, inclusive de ajudas financeiras? Em toda família com mais de um filho há um que precisa de presença, vigilância e cuidado maior do que o outro. Não é verdade que as mães amam diferente a cada um de seus filhos ou filhas e amam em diferentes intensidades, mas é fato de que as mesmas dedicam-se aos filhos na proporção da necessidade que os filhos revelam para 19


elas. Por isso mesmo, não se justificam as birras e incompreensões para com elas. Não adianta a gente querer esconder de nossa mãe aquilo que a gente é. A mãe da gente não precisa de faro, nem de varinha mágica para descobrir o que se passa com a gente. Seu olhar e sua presença transpassam a nossa vida, tornando-a uma extensão. Celebremos, pois, o amor sagrado de nossas mães. Saibamos reconhecer que o bem maior, nossa vida, foi gerado por elas. Saibamos reconhecer que, com a pureza de seu amor, as mães jamais seriam incapazes de atrapalhar os nossos planos, desde que estes, uma vez verdadeiros, nos ajudem ser o que somos. Todas as mães são únicas e a são a seu modo por conta de nós, seus filhos. Elas nos geraram, mas não puderam prever como a gente seria. Embora insistam em dividir o bolo em partes iguais, por força do hábito, elas nos provam que fazer justiça não é dividir em partes iguais, mas dar a cada um e cada uma conforme as suas necessidades. Vida longa e saudável a todas as mães brasileiras!

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