Edição 171 • Novembro 2014
REALIZAÇÕES
Foto: Eugenio Novaes
Mobilização para a Reforma Política Democrática; Campanha Nacional pela Dignidade dos Honorários; Monitoramento Permanente do Sistema Carcerário; Luta Antimanicomial; Campanha por Eleições Limpas na Internet; Compromisso do Brasil com Eleições Limpas; Plano de Apoio ao Jovem Advogado; Nova Lei Anticorrupção .
CONQUISTAS DA ADVOCACIA A Ordem dos Advogados do Brasil tem como um de seus pilares a defesa da Constituição e da sociedade brasileira. Mais do que uma entidade corporativa, a OAB se orgulha de seu envolvimento com as grandes questões do país para a melhoria das instituições da República, agindo de forma independente. Algumas ações adotadas na atual gestão da OAB demonstram o protagonismo da entidade. No primeiro semestre deste ano, a Ordem ajuizou no Supremo Tribunal Federal a ação para diminuir o pagamento de Imposto de Renda do cidadão, exigindo a correção da tabela dos isentos pela in�ação real e exigiu, na Suprema Corte, a elaboração da Lei de Defesa do Usuário de Serviços Públicos, prevista desde 1988 na Constituição Brasileira. A OAB também empreendeu todos os seus esforços na aprovação do projeto de lei Saúde+10, que prevê investimento de ao menos 10% da arrecadação no sistema de saúde. Além disso, busca que seja promovida uma verdadeira reforma política democrática.
Há de se celebrar também as conquistas recentes para a advocacia nacional, como a inclusão da advocacia no Supersimples, as férias para os advogados, a contagem de prazos em dias úteis, o reconhecimento do caráter alimentar dos honorários, o �m da compensação de honorários, o �m do depósito recursal, o reconhecimento da natureza autônoma dos honorários, a criminalização do desrespeito às prerrogativas (aprovada pela CCJ do Senado), a percepção de honorários pela pessoa jurídica, a restituição da tribuna da advocacia no plenário do STF, a aprovação dos honorários para a advocacia pública no novo CPC, o tratamento igualitário com a Fazenda Pública e obtivemos o direito de levantar alvarás com a simples apresentação de procuração. A OAB deve seguir com o compromisso de defender os valores constitucionais e as prerrogativas da advocacia, pois advogado valorizado signi�ca cidadão respeitado. A Ordem dos Advogados do Brasil honra, a cada dia, a sua missão de ser a voz constitucional do cidadão, lutando pela liberdade e pela igualdade.
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Justiça & Cidadania | Novembro 2014
S umário Foto: João Victor Andrade
– Conferência Nacional dos Advogados reúne 10 Capa maior público de sua história no Rio de Janeiro
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Em Foco – Renovação na casa dos jornalistas
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Mentecapta, pagamento da dívida
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Inovações no setor de transporte rodoviário de passageiros no Estado do Rio de Janeiro
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Breves estudos sobre a desaposentação
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Lei da Ficha Limpa e a conjuntura brasileira
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Controle de constitucionalidade: discussão desafiadora!
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Dom Quixote – Espalhando leitura pela Baía de Guanabara
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Possibilidade de negociação direta dos índices de reajuste de contratos de obras e serviços e a inaplicabilidade de reajustes automáticos de preços
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A trajetória da Justiça Eleitoral
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Crônica policial: jornalismo e jurisdição
Foto: Arquivo pessoal
Editorial – Novo governo. Novas esperanças
Foto: Mário Oliveira
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“Oh tempora! Oh mores!”
Edição 171 • Novembro de 2014 • Capa: João Victor Andrade
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E ditorial
Novo governo: novas esperanças
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om a reeleição da Presidenta Dilma Rousseff, a Nação reafirmou sua preferência ao buscar, esperançosa, que a gestão renovada deste governo traga dias melhores e mais auspiciosos, como prometido às escâncaras e divulgado pela candidata. As discussões havidas no decorrer da disputa entre os candidatos – algumas despropositadas e até impertinentes –, serviram, para mostrar aos eleitores o quanto falta, na administração pública, de efetivo trabalho e realizações para gerir melhor e mais racionalmente as obras públicas; o quanto é preciso alcançar para o gasto do erário ser devido e parcimonioso; a necessidade de melhoria real da educação fundamental, e dos ensinos médio, técnico e universitário; a urgência da implantação imediata, efetiva e rigorosa de atendimento condigno na saúde pública, em especial à população humilde que padece e sofre com a falta de assistências médica, hospitalar e de medicamentos; e também as aflitivas crises da água, da energia elétrica e da absoluta falta do saneamento básico. Os agradecimentos proferidos e proclamados pela presidenta aos seus eleitores ao final da apuração e após reconhecida a eleição trouxeram, além dos compromissos e afirmações, os propósitos de prosseguir na busca do diálogo com o chamamento da união e dos entendimentos democráticos e da conciliação política. A peremptória afirmativa e pregação da reforma política com o uso do plebiscito por meio de uma consulta popular, como o primeiro e mais importante compromisso, reafirma o propósito do diálogo para realizar as mudanças que a sociedade brasileira exige. Do pronunciamento da Presidenta Dilma, extraímos alguns trechos que reafirmam princípios que, se levados em conta no novo mandato, se tornarão alvissareiras de esperanças para o porvir do novo governo: Quero ser uma presidenta muito melhor do que fui até agora. Quero ser uma pessoa muito melhor. Esse sentimento de superação não deve apenas impulsionar o governo e a minha pessoa, mas toda a Nação. 8
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(...) Algumas palavras e temas dominaram esta campanha. A palavra mais repetida, mais dita, mais falada, mais dominante, foi mudança. O tema mais amplamente evocado foi reforma. Sei que estou sendo reconduzida à Presidência para fazer as grandes mudanças que a sociedade exige. Direi sim a esse sentimento que vem do mais profundo da alma brasileira. A minha disposição mais profunda é liderar da forma mais pacífica e democrática este momento transformador. Estou disposta a abrir espaço de diálogo com todos os setores da sociedade para encontrar as soluções mais rápidas para os nossos problemas. (...) Vamos dar mais impulso à atividade econômica em todos os setores, em especial no setor industrial. Quero a parceria de todos os segmentos, setores, áreas produtivas e financeiras, nessa tarefa que é responsabilidade de cada um de nós brasileiros e brasileiras. (...) Seguirei combatendo com rigor a inflação e avançando no terreno da responsabilidade fiscal. Vou estimular o mais rápido possível o diálogo e a parceria com todas as forças produtivas do País. (...) Terei um compromisso rigoroso com o combate à corrupção e com a proposição de mudanças na legislação atual para acabar com a impunidade, que é protetora da corrupção. Ao longo da campanha, anunciei medidas que serão importantes para a sociedade e para o País enfrentar a corrupção e acabar com a impunidade. (...) O Brasil, esse nosso querido país, saiu maior nesta disputa. Eu sei da responsabilidade que pesa sobre meus ombros. Vamos continuar a construir um país mais moderno, mais produtivo, um país de solidariedade e das oportunidades. O Brasil que valoriza o trabalho e a energia empreendedora. O Brasil que cuida das pessoas sem olhar especial para as mulheres, os negros e os jovens, O Brasil que cada vez é mais voltado para a educação, para a cultura, para a ciência
e para a inovação. Vamos nos dar as mãos e avançar nesta caminhada que vai nos ajudar a construir o presente e o futuro. O carinho, o afeto, o amor e o apoio que recebi nesta campanha me dão energia para seguir em frente com muito mais dedicação. (...) Hoje estou muito mais forte, mais serena e mais madura para a tarefa que vocês me delegaram. Brasil, mais uma vez essa filha tua não fugirá da luta. (...) Viva o povo brasileiro !
O brado retumbante e patriótico da presidenta Dilma, pronunciado no discurso ao fim da eleição, reflete e se coaduna também com as incisivas palavras ditas sobre o combate à corrupção e na afirmativa disposição de aplicála, como declarado com ênfase: “doa a quem doer”, além de estar acompanhada da taxativa declaração sobre a pretendida e necessária reforma política, cujos desmandos imorais e a deturpação legal são aplicados por métodos antiéticos e imorais, constituindo-se indiscutivelmente no motivador e causador da prática criminosa da corrupção eleitoral e política, como se vem praticando abertamente no Brasil, desde a proclamação da República, e que, infelizmente, se desenvolve cada vez mais e de forma cavilosa e alarmante até os dias de hoje, como se constata vergonhosamente em todas as eleições. Que a intenção e os benfazejos propósitos da presidenta Dilma Roussef se realizem e que as esperanças da maioria da Nação, que votou na continuação do seu novo governo, se realizem e se concretizem para o bem do País.
Orpheu Santos Salles Editor
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C apa, por Vitor Fraga
Mesa da Abertura Solene da XXII edição da Conferência Nacional dos Advogados Brasileiros
Conferência Nacional dos Advogados reúne maior público de sua história no Rio de Janeiro A XXII edição do maior evento jurídico da América Latina bateu recorde de público e palestrantes e reafirmou a força da advocacia 10
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Foto: João Victor Andrade
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urante quatro dias, o Rio de Janeiro tornou-se a capital jurídica do Brasil. Reunidos no Pavilhão quatro do Riocentro, 16 mil advogados de todo o País assistiram às exposições de 250 palestrantes – nomes do meio jurídico nacional e internacional, divididos em 40 painéis e 48 eventos paralelos – que compuseram a XXII Conferência Nacional dos Advogados, realizada pela OAB Nacional e pela OAB/RJ entre os dias 20 e 23 de outubro deste ano. A última edição do evento na cidade do Rio de Janeiro havia sido em 1999. Já na solenidade de abertura, o maior evento jurídico da América Latina, que acontece a cada três anos,
reafirmou a força da advocacia no cenário nacional. Na mesa, ao lado do presidente do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, e do anfitrião, o presidente da OAB/RJ, Felipe Santa Cruz, estavam o vice-presidente da República, Michel Temer, que é advogado; o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Ricardo Lewandowski, oriundo do Quinto Constitucional; e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, também advogado. Compuseram, ainda, a mesa de abertura os ministros do STF Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki; o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Francisco Falcão;
o procurador-geral da República, Rodrigo Janot; o secretário-chefe da Casa Civil do Estado do Rio de Janeiro, Leonardo Espíndola, representando o governador Luiz Fernando Pezão; o procurador-geral do município do Rio de Janeiro, Fernando Dionísio, representando o prefeito da cidade, Eduardo Paes; além de ministros do STF e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e outras cortes superiores, conselheiros federais da Ordem e ex-conselheiros, representantes de entidades da advocacia brasileira e de associações de advogados de outros países, magistrados, juristas e parlamentares. Na plateia, cerca de 10 mil pessoas, a maioria advogados e estudantes de Direito, que lotaram
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Foto: João Victor Andrade
o pavilhão do centro de convenções. A XXII Conferência Nacional dos Advogados teve patrocínio da Prefeitura do Rio de Janeiro e da Universidade Estácio (patrocinadores diamante); Qualicorp (patrocinador platina); Certisign, Petrobras, Damásio Educacional, Ilha Pura, Carvalho Hosken e Odebrecht (patrocinadores ouro); Itaipu Binacional, Vale, Caixa e grupo segurador Banco do Brasil/Mapfre (patrocinadores prata); Fetranspor, Mongeral Aegon, Firjan, Sesi, Sebrae, Correios, Swingline (patrocinadores bronze); e também apoio da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro, do Banco do Nordeste, do grupo Tam/Lan e do Aeroporto Internacional Tom Jobim. Depois de abrir oficialmente a XXII Conferência Nacional dos Advogados, o presidente do Conselho Federal da OAB destacou que o encontro é um espaço para o “diálogo de alto nível desenvolvido entre a advocacia, o Judiciário e o Ministério Público”, cujo objetivo deve ser a efetivação dos valores constitucionais. Três pautas defendidas pelo Conselho Federal da OAB marcaram os pronunciamentos de abertura da Conferência Nacional: a reforma política, o Processo Judicial eletrônico (PJe) e a proibição de financiamento de campanha por empresas – principalmente a reforma política, que, mesmo com enfoques diferentes, foi um tema levantado em painéis, no debate entre os coordenadores das campanhas presidenciais e nas cerimônias de abertura e encerramento. “O Brasil necessita de profunda reforma política democrática para assegurar a igualdade de condições entre os candidatos, fortalecer e democratizar os partidos políticos, estimular o debate programático, diminuir os custos de campanhas eleitorais, conter o abuso de poder político ou econômico, proteger a probidade administrativa e implementar os instrumentos de democracia direta previstos na Cons-
Marcus Vinícius Furtado Coêlho, presidente da OAB, durante discurso de abertura da XXII Conferência Nacional dos Advogados
tituição, como referendo e plebiscito”, declarou Furtado em seu discurso. Em setembro de 2011, a Ordem impetrou junto ao STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) no 4.650, que pede a inconstitucionalidade da doação de empresas a candidatos e partidos políticos. A OAB também criou Comissão Especial para a Mobilização da Reforma Política e integra, com a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e mais de cem outras entidades, a “Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas”, que elaborou projeto de reforma política a ser apresentado ao Congresso Nacional. Furtado afirmou que a XXII Conferência Nacional dos Advogados deve ser um marco na construção da democracia. “A Ordem é protagonista na edificação do Estado Democrático de Direito brasileiro. Esta Conferência Nacional, que trata da Constituição Democrática e da efetivação dos direitos, representa marco nessa construção histórica. Temos repulsa ao preconceito, à discriminação e à into-
lerância, porque liberdade e igualdade são indissociáveis e complementares, são a vocação do advogado e a missão da OAB. O acesso inclusivo aos benefícios oferecidos pela sociedade é cada vez mais considerado como o medidor do grau de desenvolvimento de um país”, declarou Furtado. O presidente da OAB lembrou também da inclusão dos advogados no Supersimples. “A medida beneficiou a ampla maioria da classe. A OAB identifica o Simples como um caminho para o desenvolvimento nacional sustentável. Estimula-se o crescimento econômico com justiça social”, disse ele. E concluiu, citando momentos históricos recentes em que a advocacia exerceu papel de protagonismo: “Em 1978, saímos de uma Conferência Nacional para a reabertura política do Brasil. Em 1988, Ulysses Guimarães saiu da Conferência Nacional para promulgar a Constituição Federal. Sairemos da Conferência de 2014 com o compromisso de unir esforços para a implementação das reformas estruturantes de que o Brasil necessita.”. Justiça & Cidadania | Novembro 2014
Foto: João Victor Andrade
Felipe Santa Cruz, presidente da OAB/RJ e anfitrião do evento
questões específicas da advocacia, lembrando as manifestações de 2013 e argumentando a favor de relações políticas mais transparentes. “Há no Brasil abismo crescente e perigoso entre representantes e representados.
Foto: Flickr Michel Temer
O presidente da OAB/RJ e anfitrião do evento, Felipe Santa Cruz, disse que a escolha do Riocentro como local da Conferência era simbólica. “Aqui onde a ditadura tentou matar a redemocratização, nós faremos a maior festa da democracia brasileira”, afirmou. Ele apontou que a entidade transcendeu “o papel de instituição que apenas critica”, construindo uma postura de diálogo. “Soubemos construir uma OAB que, mantendo a sua histórica independência, dialoga permanente e respeitosamente com todos os poderes. Postura responsável e objetiva que tem sido marca desta quadra da nossa história”, acrescentou. Santa Cruz reforçou a importância da Ordem para a garantia de benefícios concretos como inclusão da advocacia no Simples Nacional, além da luta “contra o desumano ritmo de implantação do processo eletrônico, excludente e arbitrário”. Por outro lado, o presidente da Seccional do Rio de Janeiro ressaltou que a atuação da OAB supera
Aqui na Seccional demos o exemplo, tornando direta a eleição para o Quinto Constitucional. Vivemos um momento ímpar na história do Brasil, com a sétima eleição direta seguida para presidente da República. Mas a democracia é uma planta que precisa sempre ser regada, precisa sempre de cuidado e atenção. Da mesma forma que repudiamos aqueles que atacam a democracia em nome de projetos obscuros, saudamos o diálogo, o debate, a troca de ideias”, comparou o presidente da OAB/RJ, colocando-se ao lado do presidente da OAB Nacional na defesa da reforma política, que apontou como saída para a crise de representatividade expressa nos protestos de rua. O vice-presidente da República, Michel Temer, também defendeu a necessidade de uma reforma política, para reaproximar a legislação da realidade. “Muitas vezes se tem um texto constitucional e os direitos não se efetivam no dia a dia. Tem-se uma Constituição, que é a formal, e outra Constituição, a real. Quando o direito é obedecido, temos estabilidade institucional; quando é desobedeci-
O vice-presidente da República, Michel Temer, durante pronunciamento na abertura da XXII Conferência Nacional dos Advogados
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Foto: João Victor Andrade
Ministro Ricardo Lewandowski, presidente do STF
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de lado, como uma verdadeira guerra de marketing”, citando a ADIn no 4.650, impetrada pelo Conselho Federal. “Um dos primeiros tópicos da reforma política é o financiamento de campanha. A OAB deu o primeiro passo, ingressando com uma ADIn para acabar com o financiamento privado. Temos seis votos a favor da tese da Ordem, que aponta que o financiamento privado desequilibra a eleição”, argumentou Lewandowski. Seis ministros, incluindo o presidente da Corte, já votaram integral ou
Foto: João Victor Andrade
do, temos crise institucional. Não é mais possível conviver com alguns problemas do atual sistema político, por isso reforço a importância da reforma política. E para isso precisaremos dos advogados, que são vocacionados para a democracia”, afirmou o vice-presidente. Segundo o presidente do STF e do CNJ, Ricardo Lewandowski, após 25 anos da Constituição Federal, a democracia brasileira precisa ganhar qualidade, e reforçou o coro pela reforma política. “Nossa democracia precisa dar um salto qualitativo após 25 anos da Constituição Cidadã. A caminhada em prol da reconstituição das instituições republicanas foi exitosa, temos hoje uma democracia consolidada em nosso país. Nossa Justiça Eleitoral é uma das mais avançadas do mundo, em poucas horas temos o resultado das eleições. Mas é preciso avançar mais, no sentido de aprofundar nossas instituições e nossa democracia, por meio de uma reforma política”, disse Lewandowski. O presidente do STF e do CNJ defendeu barreiras para criação de partidos sem linhas programáticas e criticou as “campanhas eleitorais milionárias”, nas quais “as ideias e os programas sejam deixados
parcialmente a favor da tese da OAB. Atualmente, o julgamento da ação está suspenso em função do pedido de vista feito pelo ministro Gilmar Mendes. Segundo o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, o País passa por “grandes transformações” nos dias de hoje, o que torna a reforma política inadiável. “Nós, advogados, temos o dever de refletir em conjunto e continuar intervindo na realidade, como sempre fizemos. Os advogados do Brasil lutaram pela democracia e pelo Estado de Direito, e o conquistaram. Não podemos jamais abrir mão dos princípios do Estado de Direito Democrático. Temos de ter consciência da importância dos advogados e enfrentar tarefa inadiável: a reforma política. Os alicerces são anteriores à Constituição de 1988. Não é possível conviver mais com um abismo tão profundo entre representantes e representados”, reiterou Cardozo, destacando que estava apenas abrindo o debate sobre a reforma e não propondo um modelo. No entanto, o ministro lembrou que é preciso que a sociedade se mobilize. “As grandes transformações só se conseguem se a sociedade se convencer de sua necessidade”, completou.
José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça
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Foto: João Victor Andrade
Barroso faz Conferência de Abertura Imediatamente após o fim da Abertura Solene, o Ministro Luís Roberto Barroso, do STF, iniciou a Conferência Magna de Abertura, com o tema: “Estado, Sociedade e Direito: Diagnósticos e Propostas para o Brasil”. Barroso incluiu-se nos que defendem uma reforma política urgente, de modo a se reduzirem os gastos com campanhas eleitorais e reforçar a identidade programática dos partidos políticos. Para o ministro, Executivo e Legislativo deveriam trabalhar em conjunto pela reforma, mas não descartou a realização de plebiscitos. Ele apontou, ainda, a necessidade de uma mudança ética social, para que possamos “aceitar o pluralismo e a diversidade”, não desqualificando o outro e mantendo o debate em um nível racional, caso contrário “deflagra-se um debate passional sobre quem tem mais virtude e quem tem menos virtude pessoal”.
Luís Roberto Barroso, ministro do STF
Painéis e eventos paralelos batem recorde de palestrantes e inovam no sistema de som
Painéis debatem temas nacionais As críticas à implantação do PJe foram o mote do painel 16, “Pro-
Foto: João Victor Andrade
Foram mais de 80 painéis e eventos paralelos, o que levou a XXII Conferência Nacional a bater o recorde do número de palestrantes – 250 no total. O inovador sistema de som, que captava o som dos microfones e transmitia para receptores individuais com fones de ouvido, e a ausência de divisórias entre as mesas temáticas transformaram a Conferência em um espaço aberto, onde era possível a circulação de conferencistas entre os auditórios, participando de diversas atividades. Reforma política, Processo Judicial eletrônico (PJe), novo Código de Processo Civil (CPC), Código de Ética da Advocacia, direitos humanos e inclusão foram alguns dos temas amplamente discutidos.
Luis Cláudio Allemand, presidente da Comissão Especial de Direito da Tecnologia e Informação do Conselho Federal da OAB
cesso Judicial Eletrônico e a questão da inclusão digital”. O presidente da Comissão Especial de Direito da Tecnologia e Informação do Conselho Federal da OAB, Luis Cláudio Allemand, fez elogios ao trabalho de inclusão digital desenvolvido pela OAB/RJ, que tem ajudado a amenizar os impactos das falhas do PJe. A
necessidade de unificação do sistema eletrônico dos tribunais foi a principal conclusão do debate. Nos painéis 2 e 22, que trataram do “Novo Código de Processo Civil (CPC)”, foram destacados os aspectos democráticos do projeto do novo CPC e as conquistas para a advocacia expressas no texto.
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Foto: João Victor Andrade
Foto: João Victor Andrade
No painel 12, cujo tema foi o “Acesso aos tribunais superiores”, um fator ressaltado foi a imprescindibilidade do Quinto Constitucional como forma de democratização do Poder Judiciário. O painel 4 tratou dos “Remédios constitucionais”, apontados como soluções para omissões da legislação, abusos do Poder Judiciário e falta de garantia para direitos não regulamentados. A mesa foi presidida pelo ex-ministro da Justiça Bernardo Cabral. No tocante aos direitos humanos, a defesa da dignidade humana nos presídios, um dos temas mais caros à OAB, marcou o debate no painel 14, “Sistema carcerário e Direito Penal”. O excesso de presos e as dificuldades de ressocialização foram os fatores mais ressaltados. Sistematizar as sugestões para elaboração do projeto do novo Código de Ética e Disciplina foi o principal objetivo do painel 18, “O novo Código de Ética da Advocacia”. A atualização é necessária após a expansão da internet, do processo eletrônico, dos escritórios correspondentes, entre outras mudanças. A proposta final será levada à votação no Plenário do Conselho Federal da Ordem. Mais transparência na cobrança de impostos e maior eficácia na aplicação de recursos foram as demandas surgidas no debate do painel 20,
Herman Benjamin, ministro do STJ, palestrante do painel “Novo Código de Processo Civil (CPC)”
Bruno Dantas, ministro do TCU, palestrante do painel “Novo Código de Processo Civil (CPC)”
“Cidadania e tributação”. Na ocasião, o conselheiro federal e procurador especial para Assuntos Tributários da OAB Nacional Luiz Gustavo Bichara criticou o que chamou de uma “sobrevalorização da jurisprudência” no Judiciário brasileiro. O painel 37, que abordou “A proteção constitucional da vulnerabilidade”, foi um dos que mais emocionaram a plateia – não por acaso, foi o painel que obteve o recorde de público. A organização do evento teve de praticamente duplicar os lugares disponíveis para acolher a todos. A biofarmacêutica Maria da Penha – que simboliza a luta contra a violência doméstica – levou os conferencistas
às lágrimas com seu depoimento. Já a advogada Débora Prates inovou ao distribuir entre a plateia vendas para os olhos, para mostrar as dificuldades que os deficientes visuais enfrentam no dia a dia. Conferência recebe debate entre coordenações de campanhas presidenciais Entre os eventos paralelos à XXII Conferência Nacional dos Advogados, o principal foi o debate entre representantes dos presidenciáveis. Cinco dias antes do segundo turno das eleições, a Conferência foi palco de um debate entre o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e o senador eleito, Antônio Anasta-
Foto: André Macieira
Foto: João Victor Andrade
Teori Zavascki, ministro do STF, palestrante do painel “Remédios constitucionais” 16
Justiça & Cidadania | Novembro 2014
Colégio de Presidentes de Seccionais dá posse ao novo coordenador-geral Durante a Conferência Nacional, foi empossado o novo coordenador-geral do Colégio de Presidentes Seccionais, Valdetário Andrade Monteiro, presidente da OAB/CE, e também o coordenador-adjunto, Homero Mafra, presidente da OAB/ES, em sessão extraordinária. Na reunião, o presidente da OAB Nacional lançou
Foto: Fernando Frazão/ABr
sia, representando as coordenações de campanha da presidente reeleita Dilma Rousseff (PT) e do senador e na época candidato Aécio Neves (PSDB). O debate, mediado pelo presidente da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, teve grande presença do público. Tanto Anastasia quanto Mercadante reconheceram a importância do projeto de reforma política defendido pela OAB. “É o sentimento de toda a classe política a necessidade da reforma. Certamente a coordenação da OAB será fundamental para termos os debates no Congresso, para discutir com a sociedade qual é a reforma política mais adequada”, afirmou Anastasia. Já Mercadante destacou a ação da OAB que declara inconstitucional o financiamento privado de campanha. “Doações de empresas em campanhas têm que ser proibidas, como propõe a ação da OAB que está em votação no Supremo. O poder econômico não pode ser protagonista das eleições”, disse Mercadante.
Aloizio Mercadante, ministro-chefe da Casa Civil, e Marcus Vinícius Furtado Coêlho, presidente da OAB
oficialmente a revista OAB Nacional, publicação gratuita que terá 100 mil exemplares, com espaço reservado para cada uma das seccionais. Segundo o presidente do Conselho Federal, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, a Ordem Nacional, as seccionais e as subseções “compõem uma entidade única”, e a revista simbolizaria essa identidade. “O Colégio de Presidentes está sempre conectado com os interesses da classe, pois os dirigentes de cada Seccional conseguem captar as necessidades da advocacia em cada estado e, assim, conseguimos chegar às melhores soluções e definições para o rumo da entidade. Temos de construir a unidade na diversidade”, afirmou Furtado. OAB vai apoiar criação de Comissão da Verdade para crimes da escravidão A luta pela igualdade racial também esteve presente no debate “Reparação da Escravidão do Negro no
Brasil – propostas e possibilidades”, atividade paralela organizada pela Comissão Nacional de promoção da igualdade. A principal decisão anunciada foi a possibilidade de criação de uma Comissão da Verdade na OAB Federal, cujo objetivo seria investigar os crimes da escravidão negra no Brasil. Advogados de língua portuguesa unidos Além do III Congresso Internacional dos Advogados de Língua Portuguesa (Ualp), durante a Conferência foi realizada a XXVI Assembleia da entidade, da qual a OAB faz parte e que congrega advogados de países como Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. O advogado André Aureliano Aragão, que preside a Ordem dos Advogados de São Tomé e Príncipe, foi escolhido para comandar a Ualp no biênio 2015/2016.
Foto: Fernando Frazão/ABr
Mesa de encerramento 2014 Novembro | Justiça & Cidadania 17
Cotas para Mulheres nas eleições da OAB
A necessidade de amplas reformas para a plena efetivação dos direitos constitucionais deu o tom das conferências de encerramento da XXII Conferência Nacional dos Advogados. Para um público de cerca de 5 mil pessoas, os oradores destacaram o papel da Ordem na fiscalização do cumprimento da Constituição Federal. O presidente da OAB Nacional, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, quebrou o protocolo e antecipou seu discurso de encerramento, para que “a última palavra da conferência fosse a leitura da Carta do Rio de Janeiro”, que foi feita depois pelo ex-presidente da OAB, Eduardo Seabra Fagundes. Furtado defendeu novamente a proposta de reforma política da Ordem, anunciando para o mês de novembro de 2014 o início de uma ampla campanha de mobilização pela reforma. Em seu discurso, ele também homenageou Felipe Santa Cruz e sua fa18
Foto: João Victor Andrade
Foto: João Victor Andrade
Antônio Nabor Areias Bulhões, ex-presidente da Seccional de Alagoas
mília. “Trata-se de um líder formado na luta, que tem em seu DNA a luta pela democracia. O Brasil tem uma dívida com a família Santa Cruz. Homenagear Felipe é uma homenagem à democracia brasileira”, exaltou Furtado. O presidente da OAB/RJ, Felipe Santa Cruz, ressaltou o sucesso da conferência. “Foram 16 mil inscritos. Inovamos na formatação das palestras, que teve um sistema moderno de som e sem paredes entre os auditórios, como se faz em grandes eventos. A pauta da advocacia sai mais forte da Conferência. O Brasil sabe que pode contar com a Ordem”, afirmou Felipe. Foram anunciadas duas grandes mudanças para o futuro da OAB. A primeira, foi a possibilidade de que as eleições para o Conselho Federal passem a ser diretas. “Precisamos ouvir a classe e convocar um plebiscito para decidir a implantação das eleições diretas para presidente da OAB Nacional”, declarou o presidente da OAB Nacional. Outra medida divulgada foi a proposta de uma cota de 30% para mulheres na direção da OAB. O ex-presidente da Seccional de Alagoas, Antônio Nabor Areias Bulhões, iniciou sua conferência de encerramento falando sobre a reforma do Poder Judiciário. Ele integrou-se ao coro do pedido de reformas, mas ressaltou que não vê necessidade de outra Constituição. “Falou-se em reforma política em um momento de crise. Ela é necessária, mas deve ser elaborada levando em consideração a Constituição de 1988, tão importante para a preservação dos direitos, não só civis e políticos, mas também econômicos sociais e culturais. Nossa Carta Magna tem dispositivos e mecanismos para resolver crises. Não precisamos de outra constituinte”,
Celso Antônio Bandeira de Mello, jurista
argumentou Bulhões. Para o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, que também considera necessárias mudanças no Judiciário, é preciso enfocar a efetivação dos direitos previstos na Carta Magna. “Nosso país tem um contraste muito grande entre o que diz a Constituição e o que acontece na realidade”, apontou. Foram homenageados também os patronos nacional e local do evento, respectivamente, os juristas Evandro Lins e Silva e Heleno Fragoso. As homenagens foram entregues aos netos dos juristas pelo presidente do Conselho Federal e pelo presidente da OAB/RJ. Biógrafo do ex-presidente da República Getúlio Vargas, o jornalista e escritor Lira Neto, autor da trilogia Getúlio, falou sobre a personalidade e a imagem contraditória do estadista, que cursou Direito, na palestra “O Estado de Direito no Brasil e o período Getúlio Vargas”. Justiça & Cidadania | Novembro 2014
Carta do Rio de Janeiro Carta da XXII Conferência Nacional dos Advogados Brasileiros
Tema central: “Constituição Democrática e Efetivação de Direitos” Os advogados brasileiros, reunidos em sua XXII Conferência Nacional para discutir assuntos relacionados ao tema central “Constituição Democrática e Efetivação de Direitos”, reafirmam os compromissos da classe com os ideais que inspiraram a elaboração da Constituição de 1988 e com os princípios que se traduzem nesse documento histórico, cujos 26 anos de vigência devem ser celebrados. Consideram que o aprimoramento das instituições pressupõe uma reforma política democrática que atribua maior autenticidade à representação popular e, ao mesmo tempo, torne o processo eleitoral imune a interferências econômicas capazes de deturpá-lo, para o que é essencial a proibição do financiamento de campanhas por empresas. Expressam, igualmente, a aspiração geral por uma reforma do Poder Judiciário suscetível de atender à demanda crescente pelo acesso à Justiça, conjugada a novos instrumentos processuais que assegurem o devido processo legal, sem prejuízo da adoção de meios alternativos de solução de conflitos. Nessa ordem de ideias, ponderam que a implantação do processo judicial eletrônico não pode trazer entraves ao acesso à Justiça nem deixar de atender à realidade nacional, que é a de um país de dimensão continental e de diversidades regionais acentuadas. Entendem que para assegurar a realização de tais objetivos e seu contínuo aperfeiçoamento, o ensino jurídico há de buscar, sempre, o mais alto nível de qualidade, e isso recomenda a observância de critérios para a autorização de novos cursos, que atendam à necessidade social de sua criação. Mostram-se conscientes de que a contribuição da classe no sentido de viabilizar os ideais colimados passa pelo permanente cuidado com a própria conduta dos profissionais, manifestando, a esse respeito, a certeza de que a revisão e atualização do Código de Ética e Disciplina se efetivarão em prol desse objetivo. Proclamam a intangibilidade das prerrogativas do advogado. Recordam que o advogado é essencial à administração da Justiça e, por isso mesmo, constitui direito seu ter livre acesso aos gabinetes dos magistrados, assim como deve merecer tratamento condigno por parte desses, dos membros do Ministério Público e dos servidores da Justiça. Ressaltam a expectativa de que os interesses da classe mereçam atuação por parte dos três Poderes da República, referindo entre tais interesses o que diz respeito às férias dos advogados, com suspensão dos prazos processuais. Declaram o propósito de contribuir para o aperfeiçoamento da cultura jurídica, de forma a contemplar, no estudo e na aplicação do direito, fundamentalmente, a proteção do meio ambiente, a garantia dos direitos humanos, a superação dos preconceitos de toda ordem, a igualdade social, o respeito à diversidade e às minorias. Louvam a importância que se tem atribuído à transparência das ações dos poderes públicos e manifestam o pensamento geral de que a moralidade administrativa está a exigir, na hora presente, vigilância constante. Interpretam as recentes manifestações populares como sinais evidentes de que a sociedade brasileira compartilha desses anseios, ao mesmo tempo em que reafirmam a convicção de que as soluções almejadas hão de ser atingidas pelos caminhos institucionais. Estão convencidos, por derradeiro, de que as eleições em curso representam demonstração clara de vitalidade das instituições e de que o mais importante será a preservação da paz social e da harmonia dos brasileiros, de modo que todos possam alcançar a realização do ideal maior, que é o desenvolvimento e a grandeza do Brasil, com a consolidação de uma sociedade justa, fraterna e solidária. Rio de Janeiro, 23 de outubro de 2014 Marcus Vinicius Furtado Coêlho Presidente Nacional da OAB Eduardo Seabra Fagundes Coordenador da Comissão de Redação da Carta do Rio de Janeiro
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Veja como os presidentes da OAB Nacional e da OAB/ RJ avaliaram a XXII Conferência Nacional: Marcus Vinícius Furtado Coêlho, presidente da OAB Nacional JC: Em poucas palavras, qual a sua avaliação da Conferência no Rio de Janeiro? Furtado: Essa Conferência significou um marco na história da OAB. A advocacia sai daqui com mais força, após amplos debates que atualizaram a nossa temática, as nossas pautas. O cidadão é mais respeitado quando o advogado é valorizado.
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Marcus Vinícius Furtado Coêlho, presidente da OAB Nacional
JC: A OAB seguirá levantando a bandeira da reforma política? Furtado: Estamos unidos em defesa da classe e dos valores da República. A reforma política se apresenta como urgente e necessária e há de unir todos os advogados e a sociedade brasileira. Precisamos construir um sistema eleitoral que aproxime eleitos de eleitores e reduza o poder dos interesses econômicos, fortalecendo, assim, a democracia. JC: Que temas da Conferência o senhor destacaria? Furtado: É difícil destacar um tema entre tantos, mas eu diria que o debate entre os coordenadores de campanha dos presidenciáveis, o anúncio do balanço da Comissão Nacional da Verdade, a reafirmação da luta da OAB por ações afirmativas, entre outros, são assuntos que marcaram essa Conferência, que representou verdadeiras Olimpíadas da Cidadania brasileira. Isso foi possível graças à organização e à capacidade de liderança do presidente Felipe Santa Cruz.
Felipe Santa Cruz, presidente da OAB/RJ JC: Qual a sua avaliação do evento? Santa Cruz: Não há outra palavra para definir o evento a não ser perfeito. Superou todas as expectativas. Nem em nossos melhores planos pensávamos em fazer evento tão perfeito. Não temos palavras também para agradecer a confiança do presidente Marcus Vinícius Furtado Coêlho e de todo o Conselho Federal para que promovêssemos em conjunto a XXII Conferência Nacional.
Foto: João Victor Andrade
Felipe Santa Cruz, presidente da OAB/RJ 20
JC: Qual a importância da Conferência no atual momento do país? Santa Cruz: O evento reflete a força da advocacia hoje, em especial o sucesso da atual gestão do Conselho Federal. O País vive um momento especial em sua tradição democrática. Tivemos a sétima eleição presidencial seguida. É um momento de transição, a população que ingressou no mercado consumidor quer mais. Tudo isso gerou um conjuntura favorável à Conferência Nacional. A reforma política, a discriminação racial, a violência contra a mulher, todos esses temas foram debatidos de forma livre.
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O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Ricardo Lewandowski, recebeu, durante a Conferência, ho menagem do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). O ministro foi agraciado com a Medalha Montezuma, concedida a profissionais que se destacam em serviços prestados à advocacia. O nome da comenda é uma referência ao jurista Francisco Gê Acaiaba de Montezuma, primeiro presidente do IAB. Segundo o presidente do IAB, Técio Lins e Silva, a homenagem resulta diretamente da elevação da tribuna dos advogados na Corte Suprema. Apesar de simbólica, a medida tomada por Lewandowski – que reverteu a decisão de seu antecessor, Joaquim Barbosa, que havia rebaixado o tablado – foi muito aplaudida pelos conferencistas. O Presidente do Conselho Federal da OAB somou-se às justas homenagens prestadas ao Presidente do Supremo Tribunal Federal.
Foto: João Victor Andrade
Lewandowski homenageado pelo IAB e pela OAB
Ricardo Lewandowski, presidente do STF
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Foto: Eugênio Novaes
Feira jurídica apresentou trabalho da OAB e de parceiros durante Conferência
A
feira jurídica foi um dos espaços mais movimentados da XXII Conferência Nacional dos Advogados. Reunindo cerca de 170 estandes e 52 expositores logo na entrada do pavilhão que recebeu o evento, o local recebeu milhares de visitantes nos quatro dias do maior evento jurídico da América Latina. A disposição da feira aumentou o movimento e favoreceu o contato do expositor com o público. Diversas Seccionais da OAB apresentaram os trabalhos realizados em cada Estado do país, além de entreter os congressistas com apresentações culturais e com a diversificada gastronomia do Brasil. O estande do Conselho Federal criou uma réplica do icônico prédio que sedia a OAB 22
Nacional em Brasília, com projeto de Oscar Niemeyer, enquanto a OAB-RJ recebeu os convidados num animado bar. As Caixas de Assistência do Advogado também marcaram presença na feira jurídica. O Espaço Digital apresentou aulas diversas sobre o mundo virtual para os advogados, com assuntos como certificação digital e Processo Judicial Eletrônico. As dezenas de comissões da OAB Nacional tiveram um espaço próprio, onde os participantes conheceram as diversas ações da Ordem na proteção das prerrogativas profissionais e no aprimoramento das instituições republicanas. Os patrocinadores da XXII Conferência Nacional do Advogado também tiveram espaço garantido na feira, assim como universidades e editoras jurídicas.
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Foto: Eugênio Novaes
Presidente da OAB Nacional, Marcus Vinicius Furtado Coêlho; o Presidente e o vice-presidente do IAB, Técio Lins e Silva e Claudio Lamachia; o Vice-Presidente Jurídico dos Correios, Cleucio Nunes; o Conselheiro Federal da OAB/SP, Marcio Kayat, e a Diretora-Tesoureira da OAB/DF, Daniela Teixeira, na obliteração do Selo Comemorativo da XXII Conferência Nacional dos Advogados
Foto: Eugênio Novaes Foto: Eugênio Novaes
A área destinada à instalação dos estandes, 1512 m2, abrigou o total de 168 espaços de segmentos jurídicos 2014 Novembro | Justiça & Cidadania 23
Crônica policial
jornalismo e jurisdição
Júlio Antonio Lopes
Advogado Membro do Conselheiro Editorial
A
s notícias de conteúdo criminal têm alto potencial para gerar ações judiciais. Ocorre que a pessoa apontada pelas autoridades como suspeita, investigada ou autora da prática de ato ilícito, naturalmente, não quer a divulgação do episódio, alegando, em síntese, que será prejulgada pela opinião pública antes de um pronunciamento definitivo da Justiça, com possível ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência. Daí, aciona o Judiciário para obter uma tutela inibitória, pleitear indenização por danos morais e ocupar a responsabilidade penal do jornalista. Há várias e inquietantes decisões nessa direção. A tese parece, em princípio, sedutora, mas não merece prosperar. O crime é a conduta humana que atinge a sociedade de forma mais gravosa. É direito desta, portanto, tomar conhecimento de todas as suas circunstâncias, acompanhando o desenvolvimento das investigações e dos julgamentos, até para a sua autoproteção. Isto deflui do art. 5o, V; art. 93, IX, in fine; e art. 220, da Constituição Federal, segundo os quais: [...] a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição [...] todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos [...], podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. (grifo nosso) 24
Parece evidente que, se se pode divulgar o mais, que são os processos em trâmite na Justiça, se pode divulgar o menos, que são os inquéritos policiais, com fundamento, também, no princípio de que o interesse público se sobrepõe ao interesse do particular. O próprio Código Civil, em seu artigo 20, excepciona e permite a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa “se necessárias à administração da justiça”. O professor Antonio Jeová Santos1 [2], jurista de nomeada, explica que: É legítima a notícia sobre uma prisão, o indiciamento em inquérito policial ou de alguém que está sendo processado criminalmente. Mesmo que, ao final da investigação, o sujeito passivo saía livre da imputação criminal, o órgão de comunicação não deixou de agir senão no exercício regular de um direito. Tendo à mão notícia verdadeira de que alguém foi preso, submetido a inquérito policial ou ação penal, recomenda o interesse público que esses fatos sejam divulgados.
A professora Ana Lúcia Menezes Vieira2 considera que: [...] a informação do público sobre fatos relevantes é uma função social da crônica judiciária. Informar sobre a criminalidade e a justiça criminal é missão da mídia em uma sociedade democrática. Como mecanismo de política criminal de uma sociedade, a mídia, pela crônica judicial, tem o papel de fazer que a comunidade entenda e valore as causas que provocam os fatos criminosos, para contribuir na
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Foto: Mário Oliveira
remoção destas, quando possíveis de serem eliminadas. O delito fere um interesse comum a todos e adquire relevância pública, e a sua ocorrência deve ser divulgada. A difusão de notícias relativas a fatos criminosos aparece como consequência quase que necessária do interesse popular em conhecer tais fatos, seja sob o aspecto dos dramas humanos, seja sobretudo como aspectos particulares de determinado setor da patologia social.
E a jurisprudência é majoritária nesse sentido: É indevida a indenização por dano por empresa jornalística que publica crônica policial narrando fato constante de ocorrência registrada, pois a divulgação de tais matérias reveste-se de interesse público, prestigiando, assim, o direito à informação consagrado na Constituição Federal em seus artigos 5o, XIV e 220, § 1o. A crônica policial por meio da imprensa, do rádio e da televisão, tem base jurídica no direito geral à informação e se consigna com o caráter publicista dos processos criminais. Apelação Cível 59707367, TJRS, relator. Araken de Assis, j. 29.06.97, RT 745/355).
O Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (TJAM) comunga, salvo alguns casos bem específicos, do mesmo entendimento:
EMENTA. Apelação cível. Ação ordinária. Danos morais. Prisão em flagrante. Concussão. Requerente delegado de polícia. Notícias divulgadas em jornal acerca de sua prisão. Improcedência do pedido em 1o grau. Divulgação não abusiva dos fatos. Veracidade da matéria publicada.
Dano moral não configurado. Decisum mantido. Não constitui abuso no exercício da liberdade de informação, a divulgação, a discussão e a crítica, na imprensa local, mormente quando se trata de agente público, cuja conduta é de interesse da sociedade, não podendo o dever de informar da empresa, quando se limita à verdade dos fatos, configurar dano moral. Apelação Cível no 2006.000916-1, TJAM, relator desembargador Manuel Neuzimar Pinheiro, j. 08.05.2006. EMENTA. Ação indenizatória. Inexistência de publicação de matéria constrangedora. Exercício regular de informar. Dever de indenizar inexistente. Sentença mantida. Recurso Desprovido. Notícias veiculadas por jornal que se limitam a informar sobre eventual denúncia, reproduzindo apenas o fato que naquele momento histórico acontecia, sem fazer qualquer juízo valorativo a respeito, portanto, observando estritamente o animus narrandi do conteúdo obtido por meio de dados oficiais, não extrapola o dever de informação e a liberdade do exercício de imprensa, garantias do Estado Democrático de Direito, não havendo ofensa a direito da personalidade do demandante. [...]. Na espécie, não houve ilicitude ou abusividade na conduta do apelado, pois a reportagem apenas noticiou uma reclamação formulada por um sargento da polícia militar, de que o apelante teria recebido valores indevidamente, com o objetivo de liberar um preso, afirmando que tal situação se tratava de uma “denúncia”, não proferindo qualquer juízo de valor e muito menos opinião que pudesse configurar suposto ataque à honra do
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autor. Apelação Cível no 0224803-292010.8.04.0001, TJAM, 1a Câmara Cível, relator desembargador Flávio Humberto Pascarelli Lopes, j. 03.12.2013. EMENTA. Direito Processual Civil. Ação de indenização por danos morais. Notícia vinculada a procedimento investigativo da Funasa e do Ministério Público Federal. Dano moral não configurado. Presença do animus narrandi. Sentença mantida. I – A quizília impende sopesar os princípios constitucionais da liberdade de expressão e informação em face da violação da vida privada e intimidade do indivíduo, ambos previstos na Constituição Federal de 1988; II – Entretanto, o que se extrai dos autos é que toda a matéria foi fundamentada em notícias oriundas da própria entidade administrativa, bem como de procedimento investigatório do Ministério Público Federal finalizado em 10/08/2004; em nenhum momento a matéria jornalística tomou por base opiniões infundadas ou denúncias anônimas, apresentando um texto meramente informativo, isto é, sem juízo de valor. Este é o entendimento pacífico nos Tribunais de Justiça Pátrios; III – Alfim, o dano moral não restou configurado, uma vez que diante do animus narrandi, consubstanciado na notícia jornalística, não houve afronta ao direito à intimidade e à vida privada, haja vista que, in casu, deve prevalecer a liberdade de expressão e informação. IV – Apelação conhecida, porém improvida. Apelação Cível no 0018703-18.2005.8.04.0001, 3a Câmara Cível, relator desembargador João de Jesus Abdala Simões, j. 02.07.2013. EMENTA. Apelação 1. Dano moral. Majoração do valor arbitrado em sentença. Impossibilidade. Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade atendidos. Recurso conhecido e improvido. Apelação 2. Dano moral. Exclusão da responsabilidade. Empresa de comunicação condenada por indicar, equivocadamente em matéria jornalística, pessoa como traficante. Ausência de ilícito. Informação fornecida pela autoridade policial. Presunção de veracidade. Recurso conhecido e provido. Apelação 3. Dano moral. Exclusão da responsabilidade. Estado condenado em virtude de apresentação equivocada feita por autoridade policial à imprensa de pessoa como traficante. Ato ilícito. Dano moral configurado. Responsabilidade objetiva. Recurso conhecido e provido. Apelação Cível no 0248947-67.2010.8.04.0001, 3a Câmara Cível, TJAM, relator desembargador Cláudio Roessing, j. 30/06/2014. (grifo nosso) EMENTA. Apelação. Ação de indenização por danos morais. Nome veiculado em matéria jornalística. Homonímia. Ausência de elementos capazes de causar confusão entre a identidade veiculada na notícia e aquela do recorrido. Recurso conhecido e provido. [...]. 26
Pois bem. Analisando detidamente a nota jornalística datada de 30.06.06 (fls.21/22), observa-se que ela se refere a [...] como despachante aduaneiro de 34 anos de idade. O apelado, por sua vez, é advogado e, à época da publicação, contava com 24 (vinte e quatro) anos de idade – vide carteira de identidade juntada às fls.13. Ora, a simples confrontação destes dados revela a impossibilidade de confundir a identidade das pessoas em tela. São idades e profissões completamente distintas, que impedem atribuir ao recorrente as ações narradas. É difícil acreditar que os familiares e demais pares do recorrido tenham realmente acreditado ser ele o objeto da notícia em comento, se conhecem sua efetiva rotina, idade e profissão. Cuida-se de hipótese análoga àquela de homonímia, em que um sujeito sente-se ofendido pela vinculação de seu nome a um ato criminoso, quando, em verdade, a notícia trata de outrem que ostenta a mesma identificação. Em tais situações é impossível presumir o dano moral, pois inexistem elementos capazes de gerar no seio social real e relevante dúvida acerca da retidão daquele que alega ter sofrido dano à sua honra objetiva. Apelação cível no 0029121-78.2006.8.04.0001, TJAM, 2a Câmara Cível, Relatora Desembargador Maria do Perpétuo Socorro Guedes de Moura, j. 21.10.2013.
A chave está em narrar os fatos de boa-fé, sem emitir juízo de valor e com base em fontes e documentos fidedignos (fiéis a ele), como a palavra da autoridade policial, órgão do Ministério Público ou juiz da causa, bem como boletins de ocorrência, peças do inquérito ou do processo judicial respectivo. É importante, igualmente, oportunizar ao protagonista da informação espaço para a sua versão dos fatos ou defesa, na mesma edição do periódico ou nas seguintes, assim como indicar a fase em que o feito se encontra, se cabe recurso e a real condição do sujeito, se investigado, indiciado, acusado ou réu. Noticiar a prisão, o indiciamento, a denúncia, por exemplo, mas também informar sobre eventual absolvição. Em agindo assim o meio de comunicação atuará no exercício de seu regular do direito de informar fato de interesse público, sem intenção de injuriar, caluniar ou difamar, albergado pelo art. 93, IX, e art. 220 da Constituição Federal; e também pelo art. 20, parte inicial; e art. 188, I, do Código Civil. O animus com que agiu o jornalista ou o meio de comunicação é muito importante para a ponderação no caso em debate. De regra, se o sujeito atua sem a intenção de ofender, mas de corrigir, narrar, aconselhar, brincar ou defender, ainda que enganado, funcionam tais circunstâncias como excludentes de ilicitude, eis que, nos delitos de imprensa, há necessidade de comprovação de conduta dolosa, visto que a má-fé não se presume. Nos Estados
Justiça & Cidadania | Novembro 2014
Unidos da América, por exemplo, utiliza-se o critério da actual malice, ou seja, deve o suposto ofendido, para obter a reparação desejada, provar não apenas a falsidade da informação, mas também a má-fé do jornalista. Sem isso até uma publicação falsa pode estar protegida. Na Espanha, vale o teste da veracidade. Por esse critério, a lesão ao direito personalíssimo só restaria configurada se a informação não fosse verdadeira. E aqui se faz uma necessária distinção entre liberdade de informação, que é do que se trata neste artigo, de liberdade de expressão. A expressão de ideias, críticas e opiniões não depende de prova da verdade, como ensina o professor Ramon Daniel Pizarro,3 “uma ideia pode ser qualificada de acertada ou desacertada, de razoável ou sensata, de sólido, ou do contrário. Mas nunca de verdadeira ou falsa. Como bem sustenta Dantes Guanter, ideias se movem no mundo do opinável e não no mundo inamovível da certeza”. No Brasil, entre outros, prepondera o critério do interesse público. Ele significa, em síntese, que em conflito entre o direito de informação e os demais direitos da personalidade, estes devem ceder espaço, incluindo-se, é claro, as informações policiais e judiciais. Em reforço de tudo o que foi dito, a propósito, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), recentemente, em 17/9/2014, concedeu liminar na Reclamação de no 18.638-CE, em favor da Editora Três, para suspender a decisão da juíza de Direito plantonista da Comarca de Fortaleza, a qual proibira a revista IstoÉ de noticiar o suposto envolvimento do governador do Ceará, Cid Gomes, nos eventos relacionados à apuração criminal do escândalo da Petrobras, revelados em regime de delação premiada de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da empresa, assim como determinou o recolhimento de todas as edições que fizessem menção ao caso e segredo de justiça. Além de considerar livre e natural o relato de ocorrências criminais por meio dos veículos de comunicação, o ministro afirma, no decisum, que o impedimento ao noticiário constitui censura prévia, vedada pela Constituição do País, verbis:
Embora as informações em questão aparentemente estejam protegidas por segredo de justiça, não há elementos mínimos para concluir que a violação tenha partido dos profissionais da imprensa que receberam as informações. Embora possa ter havido ato ilícito por parte de quem tenha eventualmente comprometido o sigilo de dados reservados, a solução constitucionalmente adequada não envolve proibir a divulgação da notícia, mas sim o exercício do direito de resposta e a reparação de danos.
Aliás, a respeito desse assunto, lembro aqui um caso que foi levado à Suprema Corte dos Estados Unidos da América, o qual envolvia segredo de Estado durante a Guerra do Vietnã.4 Os jornais The New York Times e Washington Post revelaram documentos secretos do Pentágono, os quais, segundo o governo, trariam riscos para a segurança nacional. Por isso, pedia-se a punição dos jornais. A Suprema Corte, todavia, decidiu que “se a matéria chegou ao conhecimento do jornalista, era porque algum responsável pelo sigilo ou reserva faltou à sua responsabilidade. E, se isso ocorreu, a matéria já não era sigilosa, nem reservada”. Desse modo, os jornais não poderiam ser
Ementa. Reclamação. Medida liminar. Censura prévia a veículo de imprensa. Inadmissibilidade. 1. Na ADPF 130, Rel. Min. Ayres Britto, o Supremo Tribunal Federal proibiu enfaticamente a censura prévia de publicações jornalísticas, como determina a Constituição. 2. Ao vedar a divulgação de notícia sobre apuração criminal supostamente envolvendo governador de Estado, a decisão reclamada aparentemente violou essa orientação. 3. Liminar deferida. (STF, Rcl 18.638CE, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. 17/09/2014)
Na decisão acima, o ministro Luís Roberto Barroso igualmente esclarece várias questões correlatas ao tema ora em debate neste artigo, como o segredo de justiça: 2014 Novembro | Justiça & Cidadania 27
punidos, eis que o sigilo já estaria quebrado mesmo antes de a Imprensa do fato ter conhecimento. O responsável pela guarda, entenda-se, eram outros; o papel da Imprensa é informar. O ministro Barroso, ainda, quanto ao interesse público da informação jornalística que envolva apuração de crime, consigna: “Na mesma linha existe interesse público na divulgação de fatos relacionados com a atuação de órgãos públicos, o que ocorre, no caso, por se estar diante da atuação de órgãos encarregados de investigação criminal (Polícia, Ministério Público e Judiciário)”. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui decisões que convergem para esse mesmo entendimento, como a que se transcreve abaixo, da relatoria da ministra Nancy Andrighi: Direito civil. Imprensa televisiva. Responsabilidade civil. O jornalista tem um dever de investigar os fatos que deseja publicar. Isso não significa que sua cognição deva ser plena e exauriente à semelhança daquilo que ocorre em juízo. A elaboração de reportagens pode durar horas ou meses, dependendo de sua complexidade, mas não se pode exigir que a mídia só divulgue fatos após ter certeza plena de sua veracidade. Isso se dá, em primeiro lugar, porque os meios de comunicação, como qualquer outro particular, não detêm poderes estatais para empreender tal cognição. Ademais, impor tal exigência à imprensa significaria engessá-la e condená-la a morte. O processo de divulgação de informações satisfaz verdadeiro interesse público, devendo ser célere e eficaz, razão pela qual não se coaduna com rigorismos próprios de um procedimento judicial. A suspeita que recaía sobre o recorrido, por mais dolorosa que lhe seja, de fato, existia e era, à época, fidedigna. Se hoje já não pesam sobre o recorrido essas suspeitas, isso não faz com que o passado se altere. Pensar de modo contrário seria impor indenização a todo veículo de imprensa que divulgue investigação ou ação penal que, ao final, se mostre improcedente. Recurso especial provido. (REsp 984803/ ES, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 26/05/2009, DJe 19/08/2009)
Não se pode nem se deve, portanto, confundir o fazer jornalístico com fazer justiça. O Judiciário é poder do Estado; a imprensa que exerce controle social sobre o poder estatal. A função do Judiciário é pacificar os conflitos por meio de um julgamento definitivo, sendo que seus autores falam, preferencialmente, nos autos; o papel da Imprensa é relatar os fatos na medida em que acontecem, bem como criticá-los, quando necessário. A dinâmica do Judiciário é mais lenta, por questão a segurança de suas decisões; a dinâmica do jornalismo é mais rápida, pois os fatos devem ser informados aos cidadãos quase em tempo real. O Judiciário busca, ao fim de uma série 28
de atos complexos (o processo), a verdade real; à Imprensa, por sua vez, cabe noticiar, digamos assim, a realidade provisória, ou seja, aquela que é resultado das diversas versões sobre o fato e o retrato contemporâneo de cada acontecimento ou ato processual. Desse modo, não se pode condicionar o noticiário ao trânsito em julgado de uma ação, como defendem alguns. Se fosse assim, a crônica policial restaria banida, em definitivo, das páginas dos informativos, com prejuízos evidentes para o direito de saber que tem o povo. Na maioria das vezes a Imprensa auxilia, em muito, a polícia como, por exemplo, na localização de um criminoso (com a divulgação da imagem de um suspeito ou de um retratofalado), da vítima e, também, de possíveis testemunhas. Uma coisa (jurisdição) não exclui a outra (jornalismo). É desejável, mesmo, que se complementem, para o alcance da paz social e para o fortalecimento da democracia. A informação sobre questões criminais não é feita contra “a”, “b” ou “c”, mas pro societate. Por isso, salvo flagrante abuso, como naquele caso em que o jornalista forja, sozinho ou com auxílio de terceiros, acusações contra o protagonista de suas informações; um erro crasso; ou a violação frontal e deliberada de lei, como no caso de notícias sobre atos infracionais atribuídos a crianças e adolescentes, que, de alguma forma, os identifiquem, é legítima, plena e livre a cobertura jornalística a respeito de ocorrências de cunho criminal, estejam elas na esfera policial ou judicial.
Notas In Dano moral indenizável, 1999. VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Processo Penal e Mídia. São Paulo: RT, 2003. p.104. 3 PIZARRO, Ramon Daniel. Responsabilidade civil de los medios masivos de comunicación: dãnos por noticiais inexacts e agravianes. Buenos Aires: Hamurabi, 1991. p.208. 4 NOBRE, Freitas. Imprensa e liberdade: os princípios constitucionais e a nova legislação. São Paulo: Summus, 1988. 1 [2] 2
Referências bibliográficas MIRANDA, Darcy Arruda. Comentários à lei de imprensa. São Paulo: RT, 1994. T. I e II. NOBRE, Freitas. Imprensa e liberdade: os princípios constitucionais e a nova legislação. São Paulo: Summus Editorial, 1988. PIZARRO, Ramon Daniel. Responsabilidade civil de los medios masivos de comunicación: dãnos por noticiais inexacts e agravianes. Buenos Aires: Hamurabi, 1991. p.208. SERRANO, Vidal. Proteção constitucional da informação e o direito à crítica jornalística. SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. São Paulo: Lejus, 1999. VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Processo penal e mídia. São Paulo: RT, 2003.
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E m foco, por Ada Caperuto
Renovação na casa dos jornalistas ABI elege sua diretoria e dá início ao processo de reorganização administrativa, com propostas voltadas ao fortalecimento da categoria. Associados de outros estados brasileiros votaram pela primeira vez e escolheram o repórter Domingos Meirelles para liderar a entidade
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ealizadas em 26 de setembro, as eleições para a diretoria executiva da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) deu vitória, por 218 a 147 votos, à chapa Vladimir Herzog, encabeçada pelo jornalista Domingos Meirelles, que tem como vice Paulo Jeronimo de Sousa. Esta é a primeira vez na história da entidade que um repórter de televisão assume o cargo de diretor-presidente da entidade. O pleito também foi o primeiro realizado em
âmbito nacional. Desde que a ABI foi fundada, em 1908, participavam somente os eleitores radicados na capital do Rio de Janeiro. Dessa vez, a entidade, que tem cerca de três mil associados, contou com votantes do estado e também de São Paulo, Minas Gerais, Maranhão, Alagoas e Distrito Federal. O sistema de voto eletrônico será implantado para os próximos pleitos, – uma das propostas de campanha da Chapa Vladimir Herzog – de modo que, daqui para diante, associados de todo o Brasil possam votar.
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“Como consequência, a ABI se levanta e se renova, conclamando as gerações mais jovens a darem sua contribuição no estimulante processo de revitalização da entidade. Convoca todos os jornalistas a se envolverem no resgate da antiga vocação republicana da ABI como fulcro nacional dos grande debates políticos, econômicos e sociais, convencidos de que a democratização do conhecimento é o mais eficiente instrumento da inclusão social para que o Brasil deixe, de uma vez por todas, a ser o País injusto e perverso em que vivemos.” Orpheu Salles
Harmonia O editor da Revista Justiça & Cidadania, Orpheu Santos Salles, foi reconduzido ao cargo de diretor administrativo. Mais antigo sócio e decano da ABI, ele é observador privilegiado não apenas da trajetória da categoria no Rio de Janeiro, como da própria história da ABI, já que integra a diretoria há alguns anos. Nesse momento em que a nova diretoria assume, com a prerrogativa de “trazer de volta a harmonia à entidade”, Orpheu Salles comenta que a ABI foi criada em 1908 para ser a “Casa dos Jornalistas”, mas transformou-se em um símbolo do Brasil moderno. “Sua importância na vida do País transcendeu a agenda de uma agremiação fundada apenas para a defesa da liberdade de imprensa e do exercício profissional. Nos anos de chumbo, a ABI foi a mais notável das trincheiras na luta contra o arbítrio e a opressão”, diz o jornalista. Nesse viés, destaca30
se a participação da entidade, ao lado da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), na denúncia contra a tortura e morte de presos políticos, como no caso da morte de Vladimir Herzog (1937-1975), o que foi, de acordo com ele, fundamental para o restabelecimento do Estado Democrático de Direito. Para o diretor, o papel da ABI não foi apenas decisivo na consolidação do regime democrático, depois do golpe de 1964. Antes, seu envolvimento na Campanha do Petróleo foi também determinante com a criação da Petrobras. “As primeiras reuniões da memorável mobilização popular, cujo lema era “O Petróleo é Nosso”, foram realizadas no auditório do nono andar da Casa dos Jornalistas. A ABI sempre esteve na vanguarda da discussão das grandes questões nacionais. Foi uma das primeiras entidades a liderar a luta pela anistia e a participar da campanha das Diretas Já. Ao lado da OAB, teve participação relevante no impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Melo”, comenta. Ele lembra que, nos últimos anos, a ABI, que foi a “Casa” de respeitadas figuras históricas como Barbosa Lima Sobrinho, Gustavo Lacerda, Herbert Moses e Prudente de Morais Neto, abdicou de participar da vida política do País. “Suas intervenções passaram a ser meramente protocolares, sempre a reboque de outras instituições. A ABI tem o dever histórico de resgatar o espaço que perdeu entre as entidades mais representativas da sociedade civil, sob pena de ver sua identidade se esmaecer para sempre.” Para Orpheu Salles, as eleições realizadas com o resultado do novo comando da Casa demonstraram que foi alcançado o principal objetivo de estancar a perda de importância e significado de uma instituição que, nos últimos anos, havia renunciado a qualquer tipo de intervenção no mundo moderno. “Como consequência, a ABI se levanta e se renova, conclamando as gerações mais jovens a darem sua contribuição no estimulante processo de revitalização da entidade. Convoca todos os jornalistas a se envolverem no resgate da antiga vocação republicana da ABI como fulcro nacional dos grande debates políticos, econômicos e sociais, convencidos de que a democratização do conhecimento é o mais eficiente instrumento da inclusão social para que o Brasil deixe, de uma vez por todas, a ser o País injusto e perverso em que vivemos.” Como diretor administrativo da Associação, Orpheu Salles afirma que a principal tarefa será desassociá-la da letargia que a levou, em consequência, a dívidas colossais que se acumularam ao longo dos anos, deixando-a “mumificada pelos equívocos cometidos arbitrariamente por sucessivas gestões”. De acordo com ele, a penhora de
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O novo presidente da ABI Aos 74 anos de idade, o carioca Domingos João Meirelles iniciou sua carreira como estagiário do jornal Última Hora, em 1965. O jornalista atuou na Editora Abril e nos diários O Jornal, O Globo, Jornal da Tarde e O Estado de S. Paulo. No vídeo, Meirelles estreou na Rede Globo de Televisão em 1985, primeiro como repórter especial e, depois, como apresentador de programas como Fantástico, Jornal Nacional, Globo Repórter e Linha Direta. O novo presidente da ABI também registrou passagem pelo SBT e, atualmente, apresenta o Repórter Record Investigação, da Rede Record. Meirelles conquistou, em 48 anos de profissão, mais de 30 prêmios, entre eles dois Prêmios Esso e dois Vladimir Herzog, além do Prêmio Rei da Espanha de Televisão. Ele também é escritor com várias obras publicadas, entre elas “A Noite das Grandes Fogueiras: uma História da Coluna Prestes (Prêmio Jabuti de Reportagem de 1996) e “1930: os Órfãos da Revolução”, vencedor do Jabuti de 2006, na categoria Ciências Humanas. Na Associação, ele foi editor do antigo Boletim ABI – atual Jornal da ABI –, órgão oficial da entidade. Em 2004, passou a ocupar o cargo de diretor econômico-financeiro.
todos os pavimentos do edifício-sede tem de ser anulada com atitudes, ações administrativas e providências legais pertinentes, livrando um patrimônio inestimável que não pertence apenas aos seus associados, mas a toda a sociedade. “A ABI vai se reconciliar com o seu passado, visando ao futuro, e voltar a representar o papel que historicamente sempre foi seu.” Em termos de gestão, o comando da ABI, com a recente eleição e o firme intento dos seus diretores, possibilitará o reencontro democrático com a OAB, a CNBB e outras organizações que defendam também os princípios da honra, dignidade e a ética nos entes públicos, com a intransigente defesa dos direitos políticos e sociais da sociedade. “Será nossa meta atingir
as demandas que visam a alcançar a moralidade na administração pública, propugnando pelo atendimento aos direitos sociais consignados na Constituição Federal. O principal e o que se pretende é voltar a tornar a ABI o Bastião das liberdades cívicas e morais, em defesa da Pátria e da sociedade”, conclui o diretor. Propostas Depois de um acirrada disputa entre as duas chapas, a diretoria eleita se prepara para colocar em prática as propostas anunciadas durante a campanha eleitoral. De acordo com informações da própria ABI, entre as providências mais importantes, a partir de uma proposta administrativa de gestão compartilhada, está a recuperação e a harmonização da entidade, o que inclui uma campanha de filiação em todo o País, fazendo da Associação, efetivamente, a entidade representativa de todos os jornalistas brasileiros. Entre as propostas da Chapa Vladimir Herzog, no que tange ao fortalecimento da categoria, estão a de promover ações de geração de empregos e de capacitação, com a oferta de cursos livres para profissionais e estudantes. Outra meta é buscar a revitalização da imprensa do interior e a publicação dos Cadernos de Jornalismo ABI, utilizando-se o rico material do acervo do Centro de Memória. Está nos planos da atual diretoria a criação do Fórum de Políticas Públicas, em parceria com entidades representativas da sociedade civil, para discussão de assuntos de interesse dos jornalistas e da população em geral. No âmbito da recuperação do patrimônio, a prio ridade está na continuidade das reformas do edifíciosede. Prevê-se o restabelecimento das atividades cultu rais, incluindo sessões de cinema, teatro e realização de exposições de arte. Para tanto, será feita reforma total do auditório. Também foram anunciadas ações na área de saúde, com a implantação de um ambulatório e a reestruturação de seguro de vida, convênios médicohospitalares e outros benefícios.
Nova diretoria da ABI Diretor presidente: Domingos Meirelles Diretor vice-presidente: Paulo Jeronimo de Sousa Diretor administrativo: Orpheu Santos Salles Diretora econômico-financeiro: Ana Maria Costábille Diretor de cultura e lazer: Jesus Chediak Diretor de assistência social: Arcírio Gouvêa Diretor de jornalismo: Eduardo Cesário Ribeiro
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“Oh tempora! Oh mores!” (Que tempos! Que costumes!)
Thiago Ribas Filho
Desembargador aposentado do TJRJ
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leições de verdade para a Administração do TJRJ eram as do meu tempo. Já estou chegando, ou já cheguei, a esta altura da vida, à conclusão de que tudo de bom era no meu tempo; meu e de outros coroas, que insistem em continuar neste mundo, acreditam em Deus, mas não têm pressa de ir ao Seu encontro. Aos 83 anos, ainda me lembro das eleições para o biênio fev. 1997 / jan. 1999, nas quais fui eleito Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), cargo a que jamais aspirara e, por isso mesmo, não pleiteava disputar. A ele fui alçado por iniciativa de um grupo de colegas, encabeçado pelo Desembargador Dilson Navarro, que me apresentou uma lista de apoio ao meu nome, com a assinatura de grande número de eleitores de alta qualificação. Como me enquadrava nas regras legais exigidas pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) para concorrer, entre elas a de ser um dos cinco mais antigos para inscrever-me, aceitei o encargo, que exerci com dedicação e empenho, em conjunto com os ilustres Corregedor e Vice-Presidentes, e a cooperação eficiente de magistrados e serventuários que escolhi para auxiliarme. As principais linhas traçadas foram cumpridas e aperfeiçoadas pelos componentes das três direções do TJRJ que se seguiram, cada uma com maior êxito e proveito para os jurisdicionados. À distância, venho acompanhando a vida do nosso TJRJ, que ainda se encontra entre os melhores do País e, hoje, conta com 180 Desembargadores e passa, a meu ver, por um momento muito triste e decepcionante, pela grande divisão entre seus componentes. 32
“Para a magistratura, muito especialmente, a fiel observância das regras constitucionais e legais não será nunca vista como artigo supérfluo ou de luxo, mas como imperativo intransponível do sistema constitucional”
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Foto: Arquivo pessoal
Recentemente, o Tribunal Pleno, a partir de projetos de alteração do Código de Organização Judiciária e do Regimento Interno da Corte, resolveu, em um tempo realmente curto para exame da matéria, alterar o sistema eleitoral, com a apreciação, sui generis, de 15 questões, compilando propostas dos Desembargadores, entre elas: a) a do número de votantes (participação ou não dos magistrados de 1o grau (não aprovada); b) a dos candidatos passíveis de serem eleitos (a maioria optou por todos os Desembargadores); c) a de permissão para um Desembargador “ser eleito para o mesmo cargo, observado o intervalo de dois mandatos”, “desde que isto ocorra no prazo máximo de quatro anos” (aprovadas). Essas matérias, que figuram, com outras mais, na Resolução TJ/TP/RJ no 01/2014, contrariam, induvidosamente, o artigo 93 da Constituição Federal, reservada, no dispositivo constitucional, à Lei Complementar Federal, que veio a ser a de no 35/1979 (Loman). A propósito, há que se considerar que, mais do que as regras de organização interna do Tribunal, há precedente de uma Lei Estadual, de no 2.423, de 6/91995, que permitia a reeleição para a Presidência do Tribunal de Justiça, haver sido reconhecida inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Adin no 1422-6-RJ, da qual foi Relator o Ministro ILMAR GALVÃO. As hipóteses versadas no item c, acima – intervalo de dois mandatos e posterior prazo máximo de quatro anos
– deixam entrever estar-se visando a situações específicas de um ou mais Desembargadores interessados em uma reeleição ou recondução. Acredito que a inconstitucionalidade da Resolução TJ/TP/RJ no 01/2014, que “aprova novas regras para o processo eleitoral no âmbito do Poder Judiciário”, cujo art. 14 dispõe que suas “alterações terão vigência e eficácia imediatas”, venha a ser questionada junto ao C. Supremo Tribunal Federal – ou a ser objeto de exame pelo E. Conselho Nacional de Justiça, para que se proceda à futura eleição com a participação de quem efetivamente atenda às exigências constitucionais e legais para concorrer. Nesse sentido, destaque-se trecho de decisão de 10/10/2013, proferida pelo Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, atual Presidente do STF, no MS/SP 32451 MC, em que afirmou categoricamente sobre o tema: Ressalto, nesse sentido, que não considero recepcionado o art. 102 da Loman somente no que diz respeito à eleição para os cargos de direção dos desembargadores mais antigos. No resto, o citado art. 102 continua sendo aplicável, especialmente no que se refere à vedação de reeleição e à proibição de um mesmo desembargador ocupar cargos de direção por mais de quatro anos.
Para a magistratura, muito especialmente, a fiel observância das regras constitucionais e legais não será nunca vista como artigo supérfluo ou de luxo, mas como imperativo intransponível do sistema constitucional.
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Mentecapta, pagamento da dívida Antonio Carlos Esteves Torres
Desembargador do TJRJ
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Foto: Arquivo TJRJ
A
fórmula tradutora do sentido que se quis emprestar ao artigo “Dívida com a mentecapta”, agora repetida, não alcançou seus objetivos. Dúvidas permaneceram e muito poucos conseguiram perceber a ironia eufemística do texto, “subido” na escala vocabular, justamente para o contraponto da baixeza do comportamento da torcedora gremista, identificado como hábito da sociedade nacional, como um “quase todo”. Pois bem, anima-nos a republicação, porque o cotidiano brasileiro se ocupou de ilustrar o tema, diante do proce dimento crítico destinado a possíveis eleitores da candidata à reeleição, vencedora, em termos de quantitativo pouco confortável, mas jamais com prestígio suficiente para os xingamentos que materializam a principal característica da ofensa racial semiológica, agora com laivos geopolíticos. Ah, destino! Ah, verdade! Um dia sempre aparecem. O episódio do xingamento (termo cuja origem etimológica se contrapõe às das reprovações de arquibancada) dirigido a um atleta, no Rio Grande do Sul, por uma torcedora gremista descontrolada, com o brado indignado – macaco! – oferece oportunidade de reexame da configuração social brasileira. A força histérica da cidadã desportista não deve submetê-la à pública execração. Considerável parcela da população brasileira, embora com menos ímpeto e muito disfarce, reproduz o comportamento da mesma forma, sempre. A fórmula é conhecida, dependendo das circunstâncias: nego, neguinho, neguim, negão. A agressora não tem muito com o que se preocupar: tudo passará, dentro em pouco: as eleições, as mazelas inflacionárias e as minúsculas expectativas quanto ao PIB se ocuparão de diluir o incidente. As reações dos comuns do povo, quando surpreendidos no uso de expressões “nega do cabelo duro” ou “samba
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do crioulo doido”, na tardia percepção da presença de afrodescendentes, são as de quem procura reter a trajetória da flecha lançada ou retomar a esperança da oportunidade perdida. Não há volta. A xingadora (outra vez!), igual a quase toda gente, reedita o ódio remanescente entre a casa grande e a senzala, agora, perceptível entre os desprovidos de educação ou firmeza moral. Lupicínio, Gilberto Gil, Pixinguinha, Mandela, Obama deixam alguma dúvida no ar sobre o acerto da comparação com os símios, embora, como dizem os rasteiros de plantão, “preto, quando não suja na entrada, suja na saída”. Assim, a hipocrisia nacional dá continuidade ao esforço, ainda bem-sucedido, de manter na categoria dos cidadãos de segunda classe os que não ostentam alguma claridade de pele ou abrandamento da rigidez capilar. A evolução social no Brasil, na vertente etnológica, ainda carece de encontro com a sua realidade. As divergências científicas não podem esclarecer o fato de os próprios descendentes da africanidade, vizinhos e amigos (amigos, sim, por que não?), como já se noticia, apressarem-se a defendê-la, com argumentos de que a jovem torcedora racista não é. E talvez não o seja. Repetidora, apenas, de fórmulas batidas, que no seu âmago, no seu interior mais profundo, não configurariam arcabouço doutrinário ou teórico de valor científico, para a estruturar racismo, nem se incluiriam no desenho de ofensa consciente no intuito de atingir a honra subjetiva da vítima, como consagra o tipo penal, introduzido pela Lei no 7.716/1989, alterada pela Lei no 9.459/1997. É, para muitos, apenas um procedimento corriqueiro do cotidiano social do País, sem efeito discriminatório prejudicial. Vejam que tecnicamente, hoje, os estudiosos e sábios já divisam, doutrinária e
teoricamente, os crimes de racismo e de injúria racial, com todas as hesitações antropológicas envolvidas. Foi isso que quisemos dizer, com o artigo “Dívida com a mentecapata”, sem bom sucesso. A fórmula irônica pelo viés da pseudoerudição não atingiu o objetivo, para muita gente. Vieram críticas. Fui obrigado a tentar explicar, com as escusas pela imprecisão do texto original, vestido de linguagem antiga e desusada, para efeito inalcançado. Vai a título de tradução. Para os do mundo jurídico, fica uma demonstração do quanto é sábio o art. 156 do CPC, ao tornar obrigatório o uso do vernáculo (dificilmente, a xingadora tem ciência de que a origem desse termo remonta ao escravo nascido na casa do amo...), linguagem castiça, correta, livre de estrangeirismos, inteligível, portanto. Daí, a inclusão desse ligeiro comentário, tradutor de um pretensioso arroubo literário, estranho à lisura de decisões judiciais e pleitos advocatícios, recomendado pela generosidade dos puros de alma e divulgado pelos meios mais corajosos e sustentadores da liberdade de expressão, ainda que arrogante, na Página de Estudos Especiais do CEDES/TJRJ. Perdoem-me a insistência. Mas é justamente a acomodação do silêncio que produz a” meia sola” dos instrumentos legislativos (admissíveis como suplemento e não como fim único) copistas das mecânicas estrangeiras (aliás, já reprovadas em solo norte-americano, por sanar um erro, cometendo outro), reveladores da “quase inutilidade” das tentativas compensatórias das frustradas corrigendas da irreversibilidade histórica. Que se pague melhor aos professores; que se organize o sistema educacional. O ensino superior – se e quando afastado das sendas comercialistas – virá naturalmente, como consequência, para a quem se terá garantido a igualdade das bases pedagógicas.
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Inovações no setor de transporte rodoviário de passageiros no estado do Rio de Janeiro Juliana Fernandes
Gerente de Auditoria Integrada
Foto: Mariana Fróes
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transporte de passageiros por ônibus no estado do Rio de Janeiro viabiliza aproxi madamente 8,5 milhões* de viagens por dia, atendidos por uma frota estimada de 22.500* ônibus; e, dessa forma, tem papel fundamental no desenvolvimento socioeconômico, coparticipação na melhoria da qualidade de vida da população, assim como contribuição na mitigação do impacto ambiental. Esse setor gera aproximadamente 102 mil* empregos diretos. Apesar da aparente simplicidade de colocar um ônibus na rua, sua cadeia produtiva engloba vasta gama de atividades, como, por exemplo: manutenção mecânica, elétrica, pintura e/ou envelopamento; operação; gestão de infraestrutura tecnológica para recebimento e transmissão de dados; treinamento e capacitação de seus empregados; além das atividades tradicionais de gestão corporativa para suporte ao negócio como um todo. O setor compreende aproximadamente 210* operadoras e, naturalmente, o nível de maturidade é bastante variado quando se trata do estilo de gestão empresarial e nível de governança corporativa. Apesar de custeado por investimentos privados, o setor de transporte rodoviário de passageiro no estado do Rio de Janeiro necessita trabalhar em parceria com os governos estaduais e municipais, uma vez que opera com base em concessões e, para funcionar de forma eficaz, além de boa gestão empresarial, necessita de investimentos do poder público no que se refere à qualidade de vias, paradas,
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102 mil* empregos diretos
8,5 milhões* de viagens por dia
210* operadoras frota de 22.500* ônibus
estações, terminais rodoviários e demais equipamentos urbanos, por exemplo. No momento, um dos principais desafios do setor é atender aos requerimentos de suas concessões sem gerar desequilíbrio econômico-financeiro; e, como parte desse processo de revisão, também motivado por mudanças regulatórias, o setor visualiza o momento como oportunidade de rever seus conceitos e práticas para o futuro. A Fetranspor, como representante de 10 sindicatos e respectivas operadoras filiadas, vem investindo na pesquisa e/ou disseminação de novas tecnologias relacionadas ao setor (ex. Sistemas Inteligentes de Bilhetagem Eletrônica e de Informações aos Usuários), soluções de transportes (ex. BRTs e BRSs), no assessoramento para aprimoramento da gestão empresarial e adoção de boas práticas de governança corporativa. No que se refere à Lei no 12.846/2013, bastante discutida no momento e conhecida como Lei Anticorrupção, a Fetranspor está engajada em implantar seu programa de compliance e difundir esse conhecimento nos sindicatos/ operadoras do setor. Considerando o elevado nível de exposição, seu programa de compliance inclui iniciativas
como: implantação de canal de denúncia anônimo; processo para tratativa de atos ilícitos; revisão e divulgação do código de conduta; desenvolvimento e divulgação de políticas que tratam temas importantes (ex. aceitação de brindes e presentes, doações e segurança da informação); aprimoramento do ambiente de controles internos para adequada gestão de riscos; entre outras. Com relação ao aprimoramento do setor, vale destacar: realização de seminários para conscientização de sindicatos/operadoras sobre a Lei Anticorrupção; publicação de cartilha explicativa para orientação sobre o tema e ações sugeridas para adequação; assessoramento no desenvolvimento e divulgação do código de conduta dos motoristas; entre outras. Apesar de entender que esse é só o início de uma longa caminhada, a Fetranspor acredita ter um papel de agente propulsor de mudanças cujo objetivo é contribuir para melhoria da qualidade da mobilidade urbana e promover o desenvolvimento do setor de transporte rodoviário de passageiros no estado do Rio de Janeiro. * Note que essas estimativas consideram apenas sindicatos/operadoras filiados à Fetranspor.
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Breves estudos sobre a desaposentação Flavia Serizawa
Juíza do TRF da 3ª Região
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Foto: Arquivo pessoal
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1. Considerações iniciais tema da desaposentação tem sido submetido reiteradamente à análise do Poder Judiciário. Como se sabe, aquele que se aposenta e continua trabalhando é obrigado a continuar vertendo contribuições ao sistema previdenciário, sendo que a constitucionalidade da cobrança de tais contribuições já foi, inclusive, declarada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A questão que se coloca, então, é a possibilidade de que o aposentado que continua a trabalhar possa renunciar à aposentadoria que recebe e, adicionando ao tempo de contribuição anterior aquele posterior à sua aposentadoria, possa obter benefício mais vantajoso. Isso pode ser vislumbrado, a título ilustrativo, em relação àquele que se aposenta proporcionalmente, hipótese ainda existente para aqueles já filiados ao regime anteriormente à Emenda Constitucional no 20 de 1998, e que, após reunir tempo suficiente para aposentadoria integral, requer a renúncia daquele primeiro benefício, a fim de obter benefício mais vantajoso. A situação mostra-se bastante comum, especialmente levando-se em consideração que o sistema previdenciário brasileiro ainda hoje permite aposentadoria com idade relativamente baixa em relação aos demais países, o que permite que indivíduos que ainda possuem plena capacidade de trabalho se aposentem, bem como em função dos baixos valores das aposentadorias. O tema merece ser revisitado, tendo em vista que sua constitucionalidade deve ser em breve retomada pelo STF (RE no 381.367).
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São inúmeros os autores que definem a desaposentação. A respeito do tema, Sérgio Pinto Martins sustenta que “desaposentação é a renúncia a aposentadoria, visando contar o tempo de serviço anterior para futura aposentadoria, no mesmo ou em outro regime” (MARTINS, 2011, p. 347). Já Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari afirmam que “é o ato de desfazimento da aposentadoria por vontade do titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário” (2011, p. 599). Por sua vez, Marisa Ferreira dos Santos defende que “desaposentação é, então, a desconstituição do ato de concessão da aposentadoria, que depende da manifestação de vontade do segurado” (2011, p. 326). Observa-se que as diferenças na definição do instituto refletem, na realidade, as divergências existentes a respeito do tema, que refletem ainda a multiplicidade de entendimentos na jurisprudência pátria. Os principais temas que devem ser analisados antes de se chegar a uma conclusão no que tange à desaposentação são: (i) a aposentação se trata de um direito renunciável ou viola o ato jurídico perfeito, constitucionalmente assegurado?; (ii) a desaposentação é legalmente acolhida em nosso ordenamento jurídico?; (iii) o beneficiário quando continua contribuindo ao sistema contribui em seu próprio benefício? (iv) a desaposentação implica o dever de devolver as parcelas já recebidas a título de aposentadoria até então? São esses os temas que serão analisados ao longo do presente texto, a fim de que se chegue a uma conclusão a respeito da desaposentação. 2. Da possibilidade de renúncia à aposentadoria A primeira questão que deve ser respondida quando se analisa a viabilidade da desaposentação diz respeito à possibilidade de renúncia da aposentadoria, ou se sua renúncia implicaria violação ao ato jurídico perfeito. Muitos defendem que o ato de aposentadoria constituiria ato jurídico perfeito, motivo pelo qual seu desfazimento afrontaria texto constitucional, nos termos do artigo 5o, XXXVI. Também se invoca o artigo 181-B do Decreto no 3.048/1999, que afirma que as aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial são irreversíveis e irrenunciáveis, a não ser que requeridas antes do recebimento do primeiro pagamento ou antes do saque do FGTS ou PIS. Contudo, os que admitem a renúncia da aposentadoria ponderam que a proteção ao ato jurídico perfeito, que decorre da segurança jurídica, constitui garantia em
favor do indivíduo, podendo ser afastada quando visa ao próprio benefício, como se daria no caso da desaposentação, sendo este o entendimento que prevalece na doutrina pátria.1 Em nossa opinião, o ato de aposentadoria é renun ciável pela sua própria natureza, na medida em que a aposentadoria somente verte benefícios ao próprio aposentado, e não ao INSS, motivo pelo qual sua disposição, por si só, não implicaria prejuízo à autarquia previdenciária em nenhuma hipótese. No mais, o beneficiário não pode continuar aposentado à sua revelia, sobretudo em razão de texto de decreto, que não se sobrepõe à natureza do instituto. Além disso, a proteção ao ato jurídico perfeito deve visar ao benefício do indivíduo, e não ao seu prejuízo. Assim sendo, não haveria óbice, em princípio, à renúncia à aposentadoria. Contudo, deve ser consignado que o fato de defendermos a possibilidade de renúncia à aposentadoria não significa que a análise a respeito da possibilidade de desaposentação prescinda de outros requisitos. 3. Da legalidade da desaposentação no ordenamento pátrio Em relação ao tema, igualmente existem duas correntes a respeito. A primeira delas se apoia no parágrafo único do artigo 18 da Lei no 8.213/1991, que determina que “o aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado” (Redação dada pela Lei no 9.528, de 1997). Assim sendo, se a lei veda ao aposentado que retornar ao mercado de trabalho a concessão de “qualquer prestação” pela Previdência Social, salvo aqueles legalmente discriminados, as contribuições vertidas ao RGPS posteriormente à inativação não podem gerar qualquer pretensão do segurado já aposentado, seja para o recebimento de benefício mais vantajoso, seja para majoração de sua renda mensal de aposentadoria anteriormente deferida. Aliás, seria verdadeiramente vedado ao INSS conceder desaposentação, uma vez que estaria indo de encontro ao princípio da legalidade, que rege toda a Administração Pública, nos termos do artigo 37, caput, da Constituição Federal.2 Contudo, tal construção perde força ao se verificar que a obtenção de nova aposentadoria não se encontraria abrangida pelo § 2o do artigo 18 da Lei no 8.213/1991, uma vez que, na realidade, em primeiro lugar se renunciaria à aposentadoria concedida, para então se pleitear novo benefício.
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“As contribuições previdenciárias cobradas dos aposentados que permanecem trabalhando financiam o sistema como um todo. É irrelevante, portanto, que quem contribua não venha a ter proveito algum em razão deste recolhimento, pois a contribuição não é direcionada a si próprio, mas ao sistema (RGPS), que dela precisa para manter-se atuarialmente viável.”
Assim sendo, na realidade não se aplicaria o citado dispositivo legal, uma vez que quando da concessão de nova aposentadoria, o beneficiário não estaria, na realidade, em gozo de aposentadoria, pois a esta haveria renunciado. 4. Da destinação das contribuições do aposentado Um óbice verdadeiramente oponível à desaposentação diz respeito, na realidade, à natureza de nosso sistema previdenciário e dos princípios que o regem. Com efeito, verifica-se que a Seguridade Social é regida pelo princípio da solidariedade, entre outros.3 No mais, verifica-se ainda que nosso ordenamento alberga o princípio da diversidade da base de custeio, segundo o qual o custeio da Seguridade Social é devido por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, além das contribuições sociais dos empregadores, dos trabalhadores e sobre a receita de concursos de prognósticos (artigo 195 da Constituição Federal). Alie-se a tais princípios o fato de que nosso sistema é de repartição simples, e não de capitalização, cuja diferenciação é essencial para o entendimento da questão. Quanto ao ponto, destaque-se que, no sistema de capitalização, inspirado em técnicas de seguro e poupança, cada indivíduo reúne recursos para que cada beneficiário seja contemplado no devido tempo, quando da ocorrência da contingência. Cada geração, assim, financia suas próprias contingências. Por outro lado, no sistema de repartição simples, as contribuições de cada indivíduo servem para financiar não as suas próprias contingências, mas as da geração passada, de modo que as quantias arrecadadas sirvam para o custeio das prestações devidas ao mesmo tempo da arrecadação. 40
Assim sendo, levando-se em consideração os princípios da solidariedade e da diversidade da base de custeio vigentes em nosso ordenamento, bem como o sistema de repartição simples, verifica-se que, na realidade, em nosso sistema, o trabalhador contribui para financiar o sistema como um todo, e não diretamente a sua aposentadoria. Dessa forma, a sua contribuição é vertida ao custeio do sistema como um todo, uma vez que o sistema de custeio é solidário. Assim, é equivocado o pensamento no sentido de que o aposentado que continua contribuindo estaria, na realidade, fazendo uma espécie de “poupança” em nome próprio, pois suas contribuições vertem ao sistema, e não em seu benefício. Portanto, as contribuições previdenciárias cobradas dos aposentados que permanecem trabalhando financiam o sistema como um todo. É irrelevante, portanto, que quem contribua não venha a ter proveito algum em razão deste recolhimento, pois a contribuição não é direcionada a si próprio, mas ao sistema (RGPS), que dela precisa para manter-se atuarialmente viável. A Constituição Federal e a legislação federal permitem a taxação dos inativos por contribuição previdenciária, imunizando, apenas, os rendimentos do próprio benefício de aposentadoria ou pensão, estando excluídos da imunidade, em consequência – e sujeitos à taxação –, todos os rendimentos obtidos pelo trabalhador já inativo que permaneceu no mercado de trabalho, nos termos do artigo 12 da Lei no 8.212/1991. A tributação dos inativos do RGPS não é um fato isolado. Tal incidência tributária existe também para os servidores públicos desde a Emenda Constitucional no 41/2003 e atinge inclusive o rendimento de suas aposentadorias, tendo sido declarada constitucional pelo STF.4
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Assim sendo, verifica-se que os princípios que regem nosso ordenamento, bem como o sistema de repartição simples efetivamente, constituiriam óbices à concessão do pleito de desaposentação, a impedir o deferimento de pedidos judiciais nesse sentido. 5. Da necessidade de devolução dos valores recebidos Existem argumentos contrários à devolução, especialmente levando-se em consideração que, sendo a desaposentação ato desconstitutivo, não haveria restabelecimento do status quo ante, com produção de efeitos apenas a partir da decisão que desconstituiu a aposentação (efeitos ex nunc, portanto). Existe ainda o argumento de que, em se tratando da verba recebida a título de aposentação de verba alimentícia, havendo sido recebida de boa-fé e sendo efetivamente devida ao beneficiário, não haveria que se falar em dever de devolução de referidas parcelas.5 Contudo, existem inúmeros fundamentos pela necessidade de devolução. O principal deles diz respeito à necessidade de preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema, que é um princípio específico da Previdência Social e segundo o qual “o Poder Público deverá, na execução da política previdenciária, atentar sempre para a relação entre custeio e pagamento de benefícios, a fim de manter o sistema em condições superavitárias e observar as oscilações da média etária da população, bem como sua expectativa de vida, para a adequação a estas variáveis” (CASTRO e LAZZARI, 2011, p. 121). Assim sendo, verifica-se que o benefício concedido inicialmente ao beneficiário tinha um valor menor levando-se em consideração diversas variáveis, entre elas tempo de contribuição reduzido e expectativa de vida longa, a refletir na diminuição de sua renda mensal inicial, mas permitindo a percepção do benefício por um período, em tese, maior. Dessa forma, aquele que opta por se aposentar mais cedo sabe que perceberá renda mensal menor, mas por maior tempo. Contudo, ao pedir sua desaposentação utilizandose tempo de contribuição posterior à sua aposentação, estar-se-ia, na realidade, percebendo dupla vantagem, em prejuízo do sistema, pois haveria aposentação mais cedo com uma renda menor e, posteriormente, nova aposentação com alteração das variáveis tempo de contribuição e expectativa de vida em favor do beneficiário, que na realidade perceberia vantagem duplamente, em prejuízo ao sistema, que financiaria tanto sua aposentadoria precoce em menor valor quanto o pagamento de benefício maior posteriormente. Daí a necessidade de devolução dos valores percebidos, a fim de equalizar sua situação perante o sistema.
A necessidade de devolução dos valores é posição que prevalece em nossa doutrina.6 Também entendemos que deve prevalecer a devolução dos valores recebidos, em razão do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema. No mais, não cabe opor os argumentos de boa-fé no recebimento das prestações, bem como que elas eram efetivamente devidas, sendo a desaposentação ato desconstitutivo com efeitos ex nunc, pois a devolução é requisito da concessão do pedido, sendo que a desaposentação é opção do beneficiário, que poderá dela abrir mão e continuar aposentado. Diante do exposto, verifica-se que, ainda que se admita, em tese, a possibilidade de desaposentação em nosso sistema, um dos requisitos para sua concessão haveria de ser a devolução dos valores já percebidos, com vistas à preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema. 6. Considerações finais De tudo que foi exposto, conclui-se que o ato de desaposentação implica renúncia do direito à aposentadoria, não encontrando vedação legal expressa em nosso ordenamento jurídico e não violando o ato jurídico perfeito. Contudo, não seria viável em razão do princípio da solidariedade vigente em nosso sistema previdenciário, segundo o qual a contribuições pagas pelo segurado não são vertidas em seu próprio benefício, mas sim em benefício do sistema. Mesmo que se admita a viabilidade da desaposentação, como vem sendo decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, ainda assim deve ter como pressuposto a devolução dos valores percebidos anteriormente à segunda aposentação, sob pena de enriquecimento ilícito do segurado. No entanto, ressalta-se que ainda se está longe de uma solução pacífica a respeito do tema, o que somente deve acontecer após o julgamento do RE no 381.367 no Supremo Tribunal Federal.
Referências bibliográficas CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 13. ed. São Paulo: Modelo, 2011. CORREIA, Marcus Orione Gonçalves Correia; CORREIA, Érica Paula Barcha Correia. Curso de direito da seguridade social. 5. ed. São Paulo: [s.n.], 2010. MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2011. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 31. ed. São Paulo: Atlas, 2011. ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à lei de benefícios da previdência social. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. SANTOS, Maria Ferreira dos. Direito previdenciário esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011. VIANNA, Cláudia Salles Vilela. Previdência social. 2. ed. São Paulo: LTr, 2008.
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Notas 1 A esse respeito, citam-se os seguintes doutrinadores: “Não seria de se admitir que, gozando de direito fundamental social, o autor viesse, diante de hipótese mais favorável incorporada ao seu patrimônio jurídico, a ser prejudicado com a manutenção de determinado ato anterior apenas porque supostamente realizado em conformidade com a legislação aplicável à época em que postulou o direito. Não haveria, ainda, como se acreditar que o ato jurídico perfeito constitua valor absoluto, que não possa ser, enquanto decorrente do princípio constitucional da segurança jurídica, cotejado com outros princípios e sopesado à luz da fundamentalidade do direito social” (CORREIA e CORREIA, 2010, p. 305). “Tem entendido o INSS que a aposentadoria é irrenunciável, dado seu caráter alimentar, só se extinguindo com a morte do beneficiário. E lhe atribui o caráter de irreversibilidade, por considerar a aposentadoria um ato jurídico perfeito e acabado, só podendo ser desfeito pelo Poder Judiciário em caso de erro ou fraude na concessão. Entendemos que a renúncia é cabível, pois ninguém é obrigado a permanecer aposentado contra seu interesse. E, neste caso, a renúncia tem por objetivo a obtenção futura de benefício mais vantajoso, pois o beneficiário abre mão dos proventos que vinha recebendo, mas não do tempo de contribuição que teve averbado” (CASTRO e LAZZARI, 2011, p. 599). “É admitida a desaposentação, ou seja, o aposentado retornar à situação anterior, deixando de ter essa condição. Ninguém é obrigado a permanecer aposentado, contra seu interesse. O Estado deixa de ter a despesa no pagamento do benefício. É uma espécie de renúncia do segurado à aposentadoria. Desaposentação é um ato desconstitutivo. A Constituição não veda a desaposentação. A Lei 8.212 e 8.213 também não o fazem. O que não é proibido, é permitido. Há acórdãos do TCU permitindo a desaposentação. O objetivo é poder requerer outra aposentadoria e até mais vantajosa, com a utilização do tempo de serviço. A norma não pode ser interpretada contra o segurado, com o intuito de obrigá-lo a permanecer aposentado. A desaposentação é um direito patrimonial de caráter disponível. Não há lei que deve a desaposentação. O INSS não pode obrigar alguém a continuar aposentado, recebendo o benefício” (MARTINS, 2011, p. 347). 2 Observe-se que tal posição é defendida por autores de renome, tais como Marisa Ferreira Santos, para quem “a desaposentação não está prevista em lei. Por isso, não pode o INSS ‘desaposentar’ o segurado e aposentá-lo novamente, acrescendo o período de contribuição decorrente da nova atividade, sob pena de violar o princípio da legalidade, que vincula a Administração Pública” (SANTOS, 2011, p. 325). No entanto, referida autora não descarta a possibilidade de concessão da desaposentação pelo Poder Judiciário, ao menos em tese. Confira-se: “Entretanto, as disposições do RPS não autorizam concluir pela impossibilidade da desaposentação. De início, porque contém restrição de direito que só a lei pode impor. Depois porque, a nosso ver, a desaposentação não configura renúncia ao benefício. Só seria cabível invocar a renúncia se o aposentado simplesmente deixasse de receber os proventos, com o que a renúncia produziria efeitos ex nunc, ou seja, a partir do requerimento. Não é o que ocorre na desaposentação porque o aposentado pretende fazer cessar um benefício para, depois, somar o tempo considerado na sua concessão com outros períodos, no mesmo ou em outro regime, para fins de obtenção de nova aposentadoria” (SANTOS, 2011, p. 326). 3 A respeito de referido princípio, esclarece Sérgio Pinto Martins que “a solidariedade pode ser considerada um postulado fundamental do Direito da Seguridade Social, previsto implicitamente inclusive na Constituição. (...) Ocorre solidariedade na Seguridade Social quando várias pessoas economizam em conjunto para assegurar benefícios quando as pessoas do grupo necessitarem. As contingências são igualmente distribuídas entre todas as pessoas do grupo. Quando uma pessoa é atingida pela contingência, todas as outras continuam contribuindo para a cobertura do benefício do necessitado” (op. cit., p. 53-54). 4 “Sendo o regime de financiamento da previdência social, nos termos da CF inspirado pelos princípios da solidariedade e da obrigatoriedade, a contribuição não pressupõe, sempre, uma contraprestação. Na redação atual do dispositivo focado, o segurado aposentado poderá habilitar-se apenas aos benefícios de salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado. Paradoxalmente, o art. 103 do RPS assegura à aposentada que retorna à atividade o pagamento de salário-maternidade, hipótese que, além de rara na prática, em princípio seria ilegal. O tempo de serviço posterior à aposentadoria não pode ser empregado para a revisão de aposentadoria proporcional”. (ROCHA e BALTAZAR JÚNIOR, 2008. p. 110-111). Quanto ao ponto, Marisa Ferreira Santos também observa que “há posicionamento no sentido de que a aposentadoria constitui ato jurídico perfeito, o que impossibilitaria seu desfazimento ainda que por vontade de seu titular. Argumentam outros, em sentido contrário, que as garantias constitucionais não podem ser invocadas em prejuízo dos direitos do segurado, impedindo-o de obter benefício mais vantajoso” (SANTOS, p. 327). E continua: “ao nosso ver, a questão não está bem colocada. Realmente, os direitos e garantias individuais constitucionalmente consagrados não podem ser invocados para fins de restringir direitos. Porém, em matéria previdenciária, a questão transcende o indivíduo e atinge o grupo social protegido pelo sistema. Os regimes previdenciários públicos no Brasil adotam o sistema de repartição simples, alimentado pela solidariedade. Reparte-se o todo pelo número de necessitados de proteção social previdenciária. A desaposentação poderia ser admitida, talvez, se estivéssemos diante de regime de previdência de capitalização, em que o segurado financia o próprio benefício numa espécie de fundo de administração, cuja finalidade seria a concessão de um benefício futuro com base em tais contribuições. Entretanto, o constituinte do 1988 optou pelo regime de previdência baseado na solidariedade, em que as contribuições são destinadas à composição de fundo de custeio geral do sistema, e não a compor fundo privado com contas individuais. A opção pelo regime de repartição simples não dá espaço para imaginar que as contribuições vertidas pelos segurados seriam destinadas à composição de cotas a serem utilizadas posteriormente em uma eventual aposentadoria”. (SANTOS, 2011, p. 327-328). 5 Nesse sentido a posição de Marcus Orione Gonçalves Correia e Érica Paula Bachara Correia. Confira-se: “Quanto aos valores já percebidos a título da aposentadoria renunciada, não há que se exigir o seu ressarcimento para os cofres públicos. Primeiro, o ato de renúncia, como qualquer ato de natureza desconstitutiva, opera efeitos ex nunc, não sendo possível surtir efeitos para o passado – inclusive quanto à necessidade de pagamento de valores já vertidos para o Regime Próprio. [...] Por outro lado, há impossibilidade de se poder indicar, em regime de solidariedade, o valor a ser devolvido. Não há como se determinar o valor a ser restituído pelo fato de que este não decorre apenas, e imediatamente, da quantia percebida pelo segurado no período em que esteve no gozo do benefício do qual pretende renunciar”. (CORREIA e CORREIA, 2011, p. 310). 6 Nesse sentido, destaca-se o posicionamento de Marisa Ferreira dos Santos, para quem “somente a lei poderá dispensar o beneficiado da devolução dos proventos recebidos quando aposentado. E, caso prevaleça a obrigatoriedade da restituição, somente lei poderá estabelecer a forma de cálculo” (SANTOS, 2011, p. 332). Sérgio Pinto Martins igualmente defende que “a devolução do recebido é necessária para preservar o equilíbrio atuarial e financeiro do sistema. O trabalhador não pode querer receber aposentadoria no futuro sem ter recolhido o suficiente para o sistema, de acordo com a previsão legal. A aposentadoria compreende regime contributivo por parte do próprio segurado. Com a desaposentação, há a restituição das partes ao estado anterior. O trabalhador não está aposentado e há necessidade de ser devolvido o valor recebido ao INSS. A Previdência Social tem natureza contributiva por parte do segurado (art. 201 da Constituição), exigindo que o trabalhador devolva o valor para ser computado para futuro benefício” (MARTINS, 2011, p. 347).
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Lei da Ficha Limpa e a conjuntura brasileira
Rogério Medeiros Garcia de Lima
Desembargador do TJMG
E
1. Introdução m 1996, por iniciativa do preclaro Ministro Carlos Mário da Silva Velloso, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foram implantadas as urnas eletrônicas nas eleições brasileiras. No aspecto formal, ou seja, segurança na captação do sufrágio, a inovadora tecnologia operou histórica revolução no sistema eleitoral brasileiro. A Lei da Ficha Limpa, versada neste artigo, revoluciona nosso sistema eleitoral no aspecto substancial, ao propiciar o afastamento temporário da vida pública de candidatos incompatibilizados com o princípio constitucional da moralidade administrativa. Este artigo analisa a importância da denominada Lei da Ficha Limpa no contexto histórico e político do Brasil. 2. Visconde do Uruguai e a política Nos primórdios da atividade política no Brasil, ao tempo do Império, Paulino José Soares de Souza, o Visconde do Uruguai, ocupou relevantes cargos em ministérios e no Poder Legislativo. Era um homem estudioso e honrado. No seu clássico “Ensaio sobre o Direito Administrativo”, apontava muitos males inerentes à política nacional (CARVALHO, 2002, p. 44): A distância entre governo e povo, a burocracia absolutista e ineficaz, a mania de esperar tudo do Estado, o sufocamento dos municípios, a inadequada distribuição de responsabilidade entre municípios, províncias e governo central, o empreguismo, o empenho, o clientelismo, o patronato, o 44
predomínio dos interesses pessoais e de facções, a falta de espírito público, a falta de garantia dos direitos individuais, continuam na ordem do dia, posto que atenuados.
3. A corrupção no contexto histórico e político brasileiro Ao longo da sua história como jovem nação, o Brasil registra inúmeros episódios de corrupção nos campos da política e da administração pública. A chaga da improbidade espraia-se pelas diversas unidades federativas e esferas de poder. Atualmente, em pleno vigor da democracia e do amplo acesso às informações divulgadas pela imprensa e pela internet, os brasileiros indignam-se com escândalos repetidamente desvendados. Em junho de 2013, o povo foi às ruas protestar massivamente. 4. Milton Campos e Tancredo Neves, exemplos de políticos probos Sucessivos escândalos noticiados podem conduzir à generalizada impressão de que todos os políticos e homens públicos são corruptos. Essa ilação, contudo, não é justa nem verdadeira. A história brasileira sempre registrou a atuação de líderes dedicados, probos e patriotas, a exemplo dos saudosos Milton Soares Campos e Tancredo de Almeida Neves. Milton Campos pregava que “governar é resistir”. O estadista, deveras, tem de resistir a todas as pressões e tentações que o poder político suscita (NERY, Minas como era, 2014).
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o indivíduo existia em função da cidade e não a cidade em função do indivíduo. 6. Ética e política no mundo contemporâneo A questão ética é alvo de aprofundados debates no mundo contemporâneo, em diversos setores do conhecimento e das atividades humanas. Explicava o saudoso jurista, filósofo e político André Franco Montoro (1997, p. 13-14): Quiseram construir um mundo sem ética. E a ilusão se transformou em desespero. No campo do direito, da economia, da política, da ciência e da tecnologia, as grandes expectativas de um sucesso pretensamente neutro, alheio aos valores éticos e humanos, tiveram resultado desalentador e muitas vezes trágico.
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7. A Constituição de 1988: inelegibilidade e improbidade administrativa A redação original, o artigo 14, § 9o, da Constituição Federal de 1988, dispôs: Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
Tancredo Neves, o grande condottiere da redemocratização de 1985, era imbuído de inquebrantável espírito público. Iniciou a carreira política para servir a terra natal, São João del Rei/MG. Apresentou, como deputado estadual, emenda à Constituição mineira de 1946, da qual resultou a construção da usina hidrelétrica de Itutinga. Agiu movido pelas lembranças do passado de estudante e devorador de livros. Frequentemente suas leituras noturnas eram interrompidas pela falta de energia na cidade. E concluía:
Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1990, p. 102-103) comentou:
O intérprete arguto concluirá que Tancredo referirse-ia literalmente às trevas noturnas, mas também incluía na reflexão as trevas metafóricas do atraso, persistentes e difíceis de combater...
Dentro de uma orientação realista, a Constituição prevê que a lei complementar estabeleça inelegibilidades destinadas a preservar “a normalidade e legitimidade das eleições”. Isso, não só proscrevendo da disputa de postos os que exercem cargos ou funções públicas, inclusive na administração indireta, mas também impedindo que o façam os detentores de poder econômico que enseje abusos. É o que se depreende do art. 14, § 9o. De maior repercussão é a inelegibilidade em decorrência do poder econômico. Traduz o reconhecimento, que em raras legislações já se fez, de que o ocupante de certos postos em empresas privadas, como bancos, o proprietário de certos estabelecimentos, pode, tanto quanto certas autoridades públicas, usar do poder resultante dessa posição para viciar o processo político em benefício próprio ou de seus parentes mais chegados.
5. Ética e política na Antiguidade Clássica Antigos filósofos gregos, como Platão e Aristóteles, já falavam da Ética, como prática da virtude: fazer o bem, não fazer o mal (GARCIA DE LIMA, 2003). Aristóteles subordinava a ética à política (REALE, 1994, p. 405). Compreendia o homem, segundo a tradição grega dominante, unicamente como cidadão. Punha a cidade completamente acima da família e do homem individual:
Foi editada a Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990 (Lei de Inelegibilidade), a qual estabelece, de acordo com o artigo 14, § 9o, da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências. Entretanto, a Emenda Constitucional de Revisão no 4, de 1994, conferiu nova redação ao artigo 14, § 9o, da Carta de 1988:
Isso é que me levou a entrar na política e só por isto eu estou na política até hoje. Foi para tirar a minha terra das escuras, da escuridão em que ela vivia. (SILVA e DELGADO, 1985, p. 117)
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Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta (grifei os acréscimos).
Somente 16 anos passados, a partir de um projeto de iniciativa popular, o Congresso Nacional editou a Lei Complementar no 135, de 4 de junho de 2010, para alterar a Lei Complementar no 64. Resumidamente, a modificação fundamental é a imposição da inelegibilidade temporária ao candidato condenado, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado do Poder Judiciário, pela prática de determinados crimes, infrações eleitorais – inclusive abuso de poder – e improbidade administrativa. Em outras palavras, para o candidato ser considerado inelegível, não mais se exige, como antes, o trânsito em julgado das decisões que lhe impuseram as sanções já referidas. 8. O Supremo Tribunal Federal e a Lei da Ficha Limpa A constitucionalidade da Lei Complementar no 135/2010 foi corroborada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), destacando-se no acórdão: (...) O direito político passivo (ius honorum) é possível de ser restringido pela lei, nas hipóteses que, in casu, não podem ser consideradas arbitrárias, porquanto se adequam à exigência constitucional da razoabilidade, revelando elevadíssima carga de reprovabilidade social, sob os enfoques da violação à moralidade ou denotativos de improbidade, de abuso de poder econômico ou de poder político. (...) (Supremo Tribunal Federal, Ação Declaratória de Constitucionalidade no 29-DF, min. Luiz Fux, DJe 29/6/2012).
9. Os princípios e a hermenêutica contemporânea O sistema jurídico, em geral, é controlado e aplicado como uma rede axiológica e hierarquizada de princípios, de normas e de valores jurídicos, cuja função é dar cumprimento aos princípios e objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito, assim como se encontram consubstanciados, expressa ou implicitamente, na Constituição (FREITAS, 1997, p. 49). Surge nova materialidade constitucional e alcança o patamar supremo da Constituição. Ao mesmo passo, insere-se na órbita principal, com superioridade normativa, no que toca aos demais preceitos da Constituição. Em caso de conflito constitucional, o princípio é superior à regra. O princípio aplica-se, a regra não. Os juristas do positivismo sempre foram contundentes no menosprezo e na aversão 46
aos princípios. As correntes antipositivistas, desse fim de século, fundaram uma Nova Hermenêutica. Retiraram os princípios — dantes designados simplesmente princípios gerais de Direito — da esfera menor dos Códigos, onde jaziam como a mais frágil, subsidiária e insignificante das peças hermenêuticas do sistema, para a região mais elevada e aberta das Constituições, cujo espaço oxigenado entraram a ocupar até se fixarem com aquela densidade normativa que os converteu em senhores supremos da juridicidade constitucional. De tal sorte que, por derradeiro, os princípios governam a Constituição e a governam nos termos absolutos que a legitimidade impõe (BONAVIDES, 1998, p. 22-29). Segundo Canotilho, hoje a subordinação à lei e ao Direito, por parte dos juízes, reclama, de forma incontornável, a “principialização” da jurisprudência. O Direito do Estado de Direito do século XIX e da primeira metade do século XX é o Direito das regras dos códigos. O Direito do Estado Constitucional Democrático e de Direito leva a sério os princípios, é um Direito de princípios. O tomar a sério os princípios implica mudança profunda na metódica de concretização do Direito e, por conseguinte, na atividade jurisdicional dos juízes (Revista de Processo, 98/83-84). A existência de regras e princípios permite a descodificação, em termos de um “constitucionalismo adequado” (Alexy), de estrutura sistêmica, isto é, possibilita a compreensão da Constituição como sistema aberto de regras e princípios. Um modelo ou sistema constituído exclusivamente por regras conduzir-nos-ia a um sistema jurídico de limitada racionalidade prática. Exigiria disciplina legislativa exaustiva e completa – legalismo – do mundo e da vida, fixando, em termos definitivos, as premissas e os resultados das regras jurídicas. Conseguirse-ia um “sistema de segurança”, mas não haveria qualquer espaço livre para a complementação e desenvolvimento de um sistema, como constitucional, que é necessariamente aberto (CANOTILHO, 1993, p. 168-169). O Superior Tribunal de Justiça (STJ) assumiu posição vanguardeira, ao decidir: A norma de sobre-direito magistralmente recomenda ao Juiz, na linha da lógica razoável, que, “na aplicação da lei, o Juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Em outras palavras, é de repudiar-se a aplicação meramente formal de normas quando elas não guardam sintonia com a realidade. (Recurso Especial no 64.124-RJ, min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, publicação da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes, Tribunal de Justiça/MG, Diário do Judiciário/MG, 16/5/1997) O jurista, salientava Pontes de Miranda em escólio ao Código de 1939 XII/23, “há de interpretar as leis com o espírito ao nível do seu tempo, isto é, mergulhado na viva realidade ambiente, e não acorrentado a algo do passado,
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nem perdido em alguma paragem, mesmo provável, do distante futuro”. “Para cada causa nova o juiz deve aplicar a lei, ensina Ripert (Les Forces Créatives du Droit, p. 392), considerando que ela é uma norma atual, muito embora saiba que ela muita vez tem longo passado”; “deve levar em conta o estado de coisas existentes no momento em que ela deve ser aplicada”, pois somente assim assegura o progresso do Direito, um progresso razoável para uma evolução lenta. (trecho do voto do ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, relator do Recurso Especial no 196-RS, in Revista dos Tribunais, vol. 651, janeiro de 1990, p. 170-173)
10. O princípio da moralidade administrativa Releva enfatizar o princípio da moralidade administrativa, com fulcro no qual se editou a Lei da Ficha Limpa. Hely Lopes Meirelles (1985, p. 82) considerava “o povo titular do direito subjetivo ao governo honesto”. O artigo 2o, parágrafo único, da Lei Federal no 9.784/1999, determina que, nos processos administrativos no âmbito da Administração Pública Federal, serão observados, entre outros, os critérios de: (...) IV – atuação segundo padrões éticos, de probidade e boa-fé.
Também estabelece o § 2o do artigo 13 da Constituição do Estado de Minas Gerais (1989): A moralidade e a razoabilidade dos atos do Poder Público serão apuradas, para efeito de controle e invalidação, em face dos dados objetivos de cada caso.
Para Caio Tácito (Revista de Direito Administrativo, 218/1-10), a moralidade integra a legitimidade do exercício da competência administrativa (Hauriou). Pressupõe o exame dos motivos do ato administrativo, em conexão com o vínculo legal à finalidade. O administrador não pode colocar seus poderes a serviço de interesses pessoais exclusivos e de conceitos que se discrepam de valores morais respeitáveis. De maneira semelhante, definia Lúcia Valle Figueiredo (1995, p. 49): O princípio da moralidade vai corresponder ao conjunto de regras de conduta da Administração, que, em determinado ordenamento jurídico, são consideradas os ‘standards’ comportamentais que a sociedade deseja e espera.
11. Conclusão Preponderantemente no exercício da jurisdição eleitoral, os magistrados devem estar atentos à observância dos princípios e das regras constitucionais, bem como da legislação infraconstitucional. Devem também considerar o clamor social por probidade na Administração Pública (GARCIA DE LIMA, 2011).
Ao aplicar a Lei de Inelegibilidade (Lei Complementar n 64, de 1990), alterada pela Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar no 135, de 2010), os juízes eleitorais devem notar que o mau candidato é o mandatário corrupto em gestação. Afastá-lo das eleições para cargos políticos é – mais que um imperativo ético – um dever de cidadania. Concluo com a sempre oportuna assertiva de Alceu Amoroso Lima (1974, introdução): Onde falha a justiça e as leis não enquadram nem a autoridade, nem a liberdade, o resultado é o domínio dos fortes sobre os fracos e a opressão dos ricos contra os pobres. o
* Este artigo resume meu ensaio publicado, na íntegra, in RIBEIRO, Patrícia Henriques; COSTA, Mônica Aragão M. F.; GUERRA, Arthur Magno e Silva. Direito eleitoral: leituras complementares. Belo Horizonte: D’Plácido, 2014. p. 357-373.
Referências bibliográficas BONAVIDES, Paulo. Reflexões: política e direito. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. A “principialização” da jurisprudência através da constituição. São Paulo: Revista de Processo, vol. 98, abr./jun./2000, p. 83-89. ____. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993. CARVALHO, José Murilo (Org.). Visconde do Uruguai. São Paulo: Editora 34, 2002. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1995. FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São Paulo: Malheiros, 1997. GARCIA DE LIMA, Rogério Medeiros. Ética e eficiência nos serviços notariais e de registro. Autêntica – Revista dos Notários e Registradores, Belo Horizonte, n. 2, p. 20-26, dez./2003. ____. Justiça eleitoral e prevenção da improbidade administrativa. In: NASSIF, Gustavo Costa; FERNANDES, Jean Carlos (Coord.). Tópicos especiais de direito público e privado: direito, democracia e cidadania. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 371-392. LIMA, Alceu Amoroso. Os direitos do homem e o homem sem direitos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1974. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança e ação popular. 10. ed. São Paulo: RT, 1985. MONTORO, André Franco. Retorno à ética na virada do século. In: MARCÍLIO, Maria Luiza; RAMOS, Ernesto Lopes. Ética na virada do século: busca do sentido da vida. São Paulo: LTr, 1997. p. 13-26. NERY, Sebastião. Minas como era. Disponível em: <http:// sebastiaonery.com.br/visualizar.jsp?id=1857>. Acesso em: 2 jul. 2014. REALE, Giovanni. História da filosofia antiga. Trad. Henrique Cláudio de Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1994. SILVA, Vera Alice Cardoso da; DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Tancredo Neves: a trajetória de um liberal. Petrópolis: Vozes, 1985. TÁCITO, Caio. Moralidade administrativa. Rio de Janeiro: Revista de Direito Administrativo, n. 218, p. 1-10, out./dez./1999.
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Invista em Itaboraí
A capital dos bons negócios. Distante apenas 39km da capital do Rio de Janeiro, Itaboraí é hoje a grande oportunidade de excelentes negócios para empresas de diversos setores. Sede do Comperj - Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, e com uma Base Industrial e Tecnológica sendo implantada, o município terá em 10 anos, o seu PIB estimado em R$17 bilhões e sua população chegará a 1 milhão de habitantes nesse período. Esses empreendimentos estão atraindo empresas de diversos segmentos, pois hoje com a nova administração municipal, Itaboraí mostra um cenário de progresso e de modernização da cidade. Seu território faz divisa com Tanguá e Maricá, municípios que serão beneficiados pelo Arco Metropolitano do Rio de Janeiro, uma via de escoamento que integrará uma importante região do estado que compreende de Itaguaí à Itaboraí, promovendo o desenvolvimento integrado de toda essa região.
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Itaboraí
Conheça Itaboraí, a cidade que será a segunda capital do estado e o melhor lugar para sua empresa.
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Controle de constitucionalidade Discussão desafiadora!
Juarez Casagrande
E
Advogado
m que pese nossos recentes estudos publicados terem sido voltados a contribuir com os apaixonados do direito tributário, nessa estrada, não por poucas vezes, tanto aqueles que pleiteiam a tutela jurisdicional como aqueles que entregam a tutela jurisdicional acabam tendo que enfrentar os novos diplomas legais inseridos no mundo jurídico, principalmente os incluídos pelo Legislador Constituinte Derivado, que, por ora, para alguns revoga o direito anterior e para outros cria direitos que outrora eram incompatíveis à esfera do sujeito. Assim, em uma singela reflexão, buscaremos verificar a abrangência e o significado da superveniência no sistema brasileiro. Em resumo, pode-se entender que a superveniência de norma constitucional importa a derrogação do direito anterior com ela incompatível. E, nesse caso, a questão deixa de ser matéria de controle de constitucionalidade e passa a ser considerada com todas as suas implicações no âmbito de direito intertemporal. Alguns doutrinadores consideram que a situação de incompatibilidade entre uma norma legal e um preceito constitucional superveniente traduz valoração negativa da ordem jurídica, devendo, por isso, ser caracterizada como inconstitucionalidade, e não simples revogação.1 A Constituição brasileira de 1988 não tratou expressamente da questão relativa à constitucionalidade do direito pré-constitucional. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que se desenvolveu sob a vigência da Constituição de 1967/1969, tratava dessa colisão, 50
tal como já mencionado, com base no princípio da lex posterior derogat priori. A questão encontra posições ambíguas, sendo que uma delas afirma que a norma legal não albergada pela Constituição Federal não teria como ser reconhecida como inconstitucional, razão por que sua existência teve vigência até o nascimento da Constituição nova. Nesse contexto, a norma legal não poderia ser objeto de inconstitucionalidade, já que o novo texto constitucional a ela nada mensurou. A matéria refugirá, pois, ao âmbito de juízo de constitucionalidade, situando-se na esfera da simples aplicação do direito (Rechtsanwendungsrecht).2 Em análise ao art. 83 da Constituição de 1891, anotou Barbalho que “semelhante determinação vale por um aviso e instrução aos executores da Constituição – aos legisladores, as autoridades judiciarias e as da administração; pois mesmo sem ella ficaria revogada toda a legislação avessa aos principios e preceitos da Constituição (...) pelo simples facto da promulgação desta”.3 E, adiante, explicitava o eminente magistrado as razões históricas que determinaram a formulação do art. 83: [...] no regimen transacto dera-se o facto de, por falta de expresso texto constitucional, se considerarem vigentes, ainda depois da Constituição, disposições legaes virtualmente revogadas por ella (taes como as referentes a servidão da pena, a morte civil, a differença nos direitos de succssão hereditaria entre os filhos de homem nobre e peão, e outras
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Foto: Álvaro Orsi
referidas por Teixeira de Freitas, Consol. das leis civis, Introdução, in princ. e Paula Baptista, Herm. Jur. § 22 not 2). Quiz evitar cousas d’essas a Constituição actual e formalmente declarou destruida a legislação contraria a sua lettra e espirito. Assim, que, não mais vigoram, não obrigam e são como si não existissem todas as disposições legaes do antigo regimen nas condições acima dictas, e isto mesmo independentemente de acto do congresso revogando cada uma d’ellas. As autoridades não as podem mais applicar, os cidadãos não mais lhes deve obediencia e a justiça, quando a isso provocada por via legal, tem rigorosa obrigação de ir em amparo d’elles contra a applicação dessas leis mortas, fulminadas pela Constituição.4
Também Pontes de Miranda enfatizava que “a noção de constitucionalidade é, juridicamente, a partir do momento em que começa a ter vigor a Constituição; todo o material legislativo que existe considera-se revogado no que contraria os preceitos constitucionais”.5 No Supremo Tribunal Federal (STF) há registros de manifestações no sentido de se apreciar a questão à luz dos pressupostos da constitucionalidade.6 Todavia, a orientação jurisprudencial do Tribunal sob a Constituição de 1967/69 não deixava dúvida de que a compatibilidade do direito anterior com norma constitucional superveniente haveria de ser aferida no âmbito do direito intertemporal.7
Kelsen, no famoso escrito sobre as garantias jurisdi cionais da Constituição, deixa assente que a anulação de uma norma supõe a precedência da lei superior. É o que se lê na seguinte passagem do seu magnífico estudo: A anulação de uma lei por parte de uma Corte Constitucional – aqui se refere principalmente às normas gerais – é a rigor necessária apenas quando a norma inconstitucional for superveniente à Constituição. Em se tratando de lei anterior contrária à Constituição, verifica-se a sua revogação pelo princípio da lex posterior; uma anulação afigura-se supérflua, até mesmo logicamente impossível. Isso significa que os tribunais e as autoridades administrativas deverão – salvo restrição do direito positivo – verificar a existência de contradição entre a nova Constituição e a lei anterior e decidir em conformidade com essa aferição. A situação, em particular das autoridades administrativas, que, normalmente, não dispõem de autorização constitucional para proceder a essa aferição, mostra-se bem diversa. E isto afigura-se particularmente relevante em um período de mudanças constitucionais radicais, como as introduzidas em numerosos Estados após a Grande Guerra. A maioria das Constituições desses novos Estados receberam o antigo direito material – civil, penal, administrativo – desde que compatível com a nova ordem constitucional. Considerando que se trata de leis muito antigas, promulgadas sob o império de outras Constituições, podem ocorrer, plausivelmente, situações de incompatibilidade com a Constituição. Naturalmente,
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“O entendimento no STF é firme quanto à aferição da norma pré-constitucional mediante proposição de ADI no controle concentrado, entendendo a Corte ser cabível apenas por meio da ADPF. Não obstante, tal posicionamento vem sofrendo alteração”
não com referência à Constituição no sentido mais estrito do termo: o modo de formação da lei não está em questão, mas o seu conteúdo. Se o texto constitucional superveniente veda, v., g., a consagração de privilégio fundado na diferenciação entre sexos, sem que se possa interpretar tal disposição como aplicável, exclusivamente, às leis vindouras, e se se deve admitir que a Constituição derroga imediatamente as leis anteriores com ela incompatíveis, independentemente da edição de diplomas especiais de revisão, pode ser juridicamente muito difícil e politicamente assaz importante resolver a questão da compatibilidade dessas leis com a Constituição.8
Também os problemas de ordem prática decorrentes da diferenciação entre os juízos de constitucionalidade e de ab-rogação não passaram despercebidos ao mestre de Viena. Dizia Kelsen, a propósito: Pode parecer temerário confiar essa decisão às várias autoridades encarregadas de aplicar a lei, dotadas, muitas vezes, de concepções extremamente vacilantes sobre as diferentes questões. Daí afigurar-se digna de consideração a possibilidade de confiar esse exame à Corte Constitucional, retirando essa competência das demais autoridades encarregadas da aplicação do direito. Isto significaria negar à Constituição a força de derrogar as leis anteriores não expressamente revogadas, substituindo-a pelo poder de anulação da Corte Constitucional.9
Por outro lado, o entendimento no STF é firme quanto à aferição da norma pré-constitucional mediante proposição de ADI no controle concentrado, entendendo a Corte ser cabível apenas por meio da ADPF. Não obstante, tal posicionamento vem sofrendo alteração. Tal percebe52
se no julgamento da ADI-MC no 3.833, de relatoria do Ministro Carlos Ayres Britto, DJ de 14/11/2008, precisamente nos debates travados vários ministros asseveraram a possibilidade de análise da norma préconstitucional, no que tange ao campo da eficácia, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, ou seja, a nova orientação aposta para a possibilidade de se retirar a força normativa, em sede de ADI, de norma pré-constitucional. Todavia, esta é tão somente nova perspectiva do Supremo, tendo em vista que, na controvérsia constitucional da ADI n. 3.833, tal não foi conhecida, ante o entendimento da impossibilidade deste controle em norma pré-constitucional. A teor disto, a Corte Constitucional italiana cuidava apenas da “constitucionalidade da lei” e entre a lei ordinária e a Constituição existe uma diferença de hierarquia, sendo, por isso, irrelevante a distinção entre direito préconstitucional e pós-constitucional.10 A Constituição portuguesa, de 1976, consagrou, expressamente, a chamada inconstitucionalidade superveniente (art. 282, § 2o) e reconheceu a competência da Corte Constitucional para examinar a compatibilidade do direito pré-constitucional em face da nova Constituição.11 Assim, com vistas nas opiniões dos doutrinadores acima citados, inconcebível seria a possibilidade de se declarar a constitucionalidade de norma legal quando esta se encontra em desarmonia ou inexistente no texto constitucional atual. Ao máximo o que poderia ser realizado seria a revogação – e não a inconstitucionalidade, mas como dito, essa é só mais uma discussão desafiadora, que, como muitas outras, sempre chegam a Suprema Corte.
Notas 1 MIRANDA, Jorge. Manual, op. cit., p. 251. Cf., também, Orlando Bitar, A lei e a Constituição, in Obras completas, op. cit., v. 2, p. 173. 2 IPESEN, Rechtsfolgen, op. cit., p. 162; Victor Nunes Leal, Leis complementares da Constituição, RDA, vol. 7, p. 389-391; KELSEN, La garanzia..., in La giustizia costituzionale, op. cit., p. 183-4. 3 BARBALHO, João. Constituição Federal brasileira: commentários. Rio de Janeiro: Typ. da Companhia Litho-Typographia, 1902. p. 356. 4 BARBALHO, Constituição..., op. cit., p. 356. 5 PONTES DE MIRANDA, Comentários à Constituição de 1934. v. 2, p. 559. Cf. Victor Nunes leal, Leis complementares da Constituição, RDA, op. cit., p. 391. 6 RE 17.961, Rel. Min. Orozimbo Nonato, DJ, 11 dez. 1952, p. 4029. MS 767, Rel. Min. Hahnemann Guimarães, RT, vol. 179, p. 977. 7 Rp. 946, Rel. Min. Xavier de Albuquerque, RTJ, vol. 82, n. 1, p. 44; Rp. 969, Rel. Min. Antonio Neder, RTJ, vol. 99, n. 2, p. 544. 8 Kelsen, La garanzia..., in La giustizia costituzionale, op. cit., p. 183-184. 9 Idem, ibidem p. 184-185. 10 Acórdão de 5-6-1956, n. 1. Cf. a propósito Gaetano Sciascia, Die Rechtsprechung des Verfassungsgerichtshofs der Italienischen Republik, JöR NF, v. 6, 1957, p. 1 (6). 11 Cf., a propósito, Canotilho, Direito constitucional, p. 838.
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D om Quixote, por Laura de Araújo
Espalhando leitura pela Baía de Guanabara Iniciativa do desembargador José Geraldo da Fonseca, do TRT-1a Região, vira projeto cultural nas barcas Rio-Niterói
H
á dez ou 15 anos, algum incauto usuário do transporte público carioca poderia, durante uma viagem, acabar se deparando com algum livro ou CD esquecido nos bancos. Nesse caso, porém, a regra básica de procurar o dono não deveria ser levada a cabo, já que o objeto trazia um aviso: quem o encontrasse se tornaria seu proprietário. Era assim que José Geraldo da Fonseca, desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 1a Região, buscava semear o hábito da leitura entre os passageiros de ônibus, metrôs, táxis e barcas. Em outubro, a CCR Barcas, que administra o sistema da travessia Rio-Niterói, inaugurou iniciativa inspirada no antigo hábito do desembargador. José Geraldo, ou Zé, como prefere ser chamado, preocupa-se em democratizar os livros como apenas um apaixonado pela leitura pode fazer. Esse amor, conta ele, tem suas raízes em uma infância carente de livros, mas rica em histórias, contadas à noite, antes de dormir. Na infância em Caraguatatuba, litoral norte de São Paulo, em um mundo sem televisão e com um rádio a pilha que pegava mal, o menino tinha como entretenimento noturno os contos e casos contados ao pé do fogão de lenha. “Tudo o que aprendíamos com os mais velhos vinha dessa tradição oral. O conhecimento sobre as coisas ia passando de um para o outro por meio da palavra. Quando o braseiro do fogão morria, íamos dormir imaginando um mundo 54
diferente do nosso, cheio daquelas fantasias que os adultos contavam”, recorda. “Em uma família assim, pobre e de tradição oral, o refúgio predileto das crianças estava nos livros. O apego à leitura vem daí”. Anos depois, já proprietário de uma grande coleção de títulos, angustiou-se ao ver que os amados livros haviam se acumulado e virado um problema, já que ocupavam muito espaço. Jogar no lixo estava fora de cogitação e vender em algum sebo não era, tampouco, uma perspectiva agradável. Formar um novo leitor era o melhor destino que um livro poderia ter. E foi o que começou a acontecer. “Um dia, não sei exatamente quando, decidi ‘esquecer’ um livro nos ônibus, no metrô, nos táxis e nos caixas automáticos dos bancos porque estão em lugar seguro. Quando me mudei para Niterói e comecei a trabalhar no Rio, todo dia eu deixava uns dois ou três livros escondidinhos em um canto das barcas Rio-Niterói”, conta. No começo, simplesmente deixava os livros, mas como eles poderiam ir parar na sessão de achados e perdidos, passou a deixar junto deles um bilhete, explicando que o livro não havia sido perdido, e sim deixado ali de propósito, para que quem o encontrasse lesse e depois passasse adiante, criando uma corrente. Um dia, porém, observando o trabalho da equipe de limpeza das barcas em Niterói na Praça XV, notou que seu programa de leitura tinha uma fragilidade: o pessoal da faxina, acostumado a recolher os objetos deixados pelos
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Foto: Arquivo pessoal
Desembargador José Geraldo da Fonseca no espaço para leitura criado pela empresa CCR Barcas
passageiros, poderia encaminhar os livros para o setor de achados e perdidos. Se assim fosse, todo o plano do desembargador iria por água abaixo. Sabendo disso, decidiu falar com a empresa que administra as barcas. “Mandei um e-mail à ouvidoria da empresa CCR Barcas confessando o meu ‘crime’ e sugerindo a criação de bibliotecas livres em cada barca que fizesse a travessia Rio-Niterói”, diz. A empresa gostou da ideia, que foi implementada, ainda em caráter experimental, no início de outubro. “Nós fomos procurados pelo desembargador José Geraldo de uma maneira interessante. Ele tinha um sonho, que era utilizar o sistema de barcas como um facilitador no processo da leitura. Foi uma proposta muito agradável, que contou com o empenho da nossa equipe para concretizá-lo”, conta Francisco Pierrini, Diretor de Operações da CCR Barcas. A assessoria de comunicação da CCR Barcas concebeu a estante em formato de livro, mas ponderou que deixar os livros na barca, como o desembargador fazia, poderia incomodar os passageiros no horário de pico. Por isso, a solução foi acomodar a estante no Centro Cultural aberto na estação Charitas-Praça XV, ponto final das barcas que vêm de Niterói, Charitas e Paquetá, para atender aos passageiros de todas as linhas. Ao contrário das bibliotecas, onde um funcionário controla os empréstimos, nas barcas o acesso é livre. “As pessoas ficam um bom tempo nessas estações indo e vindo a lazer ou a trabalho, e o fato de
disporem gratuitamente de livros e CDs que possam pegar e levar para casa sem qualquer controle dá a elas uma sensação de responsabilidade, de confiança. Se a ideia vingar, eles pretendem levar essa estante móvel a todas as estações de barcas da empresa”, adianta José Geraldo. “Eu só dei a ideia, não interferi no projeto. O mérito é do Sérgio Murilo, assessor de comunicação, e da presidência das Barcas, que apostaram na proposta”. O desembargador sente-se bem vendo sua iniciativa solitária tornar-se um projeto maior, capaz de atingir ainda mais pessoas, embora não espere nenhuma distinção. “Você não sugere uma coisa dessas esperando mérito. Se for assim, é melhor nem começar. Mas me sinto muito bem. Estou fazendo uma coisa útil, que acrescenta algo na vida e no dia a dia das pessoas”, conta. E no que depender dele a biblioteca das barcas é só o começo. “Penso em sugerir isso também em aeroportos, onde o fluxo de pessoas é maior, e onde se fica ocioso por muito mais tempo. Penso que os bancos, shoppings, supermercados, órgãos públicos, todos eles poderiam aproveitar a ideia e criar suas bibliotecas. O custo é baixíssimo e o retorno, muito grande”, avalia. A iniciativa, diz ele, também poderia ser adotada individualmente, por pessoas que, como ele, têm em casa livros que já leram e não utilizam. Uma forma inteligente e barata de disseminar cultura e informação. “A ideia é entupir o país de bibliotecas assim”, idealiza.
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Possibilidade de negociação direta dos índices de reajuste de contratos de obras e serviços e a inaplicabilidade de reajustes automáticos de preços Sergio Pimentel Borges da Cunha
Ricardo Martins do Carmo
Procurador do Estado Assessor Jurídico Chefe da Cedae
Advogado da Cedae
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I. Introdução reajustamento dos contratos administrativos ainda é objeto de diversas controvérsias, especialmente em razão do frequente equívoco consubstanciado no entendimento segundo o qual os reajustes devem ser estabelecidos de forma automática e compulsória, sem qualquer espaço para o diálogo entre as partes. O objetivo do presente estudo é abordar a questão acerca da possibilidade de negociação direta entre os contratantes para a pactuação dos índices de reajustes, com vistas ao bom cumprimento das prestações e do princípio da economicidade, especialmente sob a ótica das empresas estatais. II. Natureza dos contratos celebrados pelas empresas estatais não dependentes de recursos do erário (art. 173, §1o, da CRFB) Inicialmente, cumpre tecer breves comentários sobre os contratos celebrados pelas empresas estatais, diante do regime jurídico aplicável às sociedades de economia mista 56
e da norma prevista no art. 173, §1o, incisos II e III, da Constituição da República. De acordo com o referido dispositivo constitucional, alterado substancialmente pela Emenda Constitucional no 19/1998, o legislador ordinário deverá criar um “estatuto jurídico” aplicável às empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias, que disporá necessariamente sobre a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários. Depreende-se do texto constitucional que, embora a exigência de criação de estatuto aplicável às empresas estatais se traduza por um comando destinado, especificamente, ao legislador, a sujeição deste futuro diploma ao regime jurídico próprio das empresas privadas é norma autoexecutável, fixada de forma imperativa. Portanto, tal norma constitucional já produz, minimamente, o efeito de orientar a interpretação e a aplicação das demais normas jurídicas pertinentes ao regime jurídico das empresas estatais.
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Foto: Luiz Winter
Sendo assim, independentemente da regulamentação a ser promovida pelo aludido estatuto, as normas da legislação privada devem incidir obrigatoriamente sobre as empresas estatais, eis que a sujeição estabelecida na Constituição é norma impositiva e de hierarquia superior aos demais regramentos previstos em lei ordinária. A própria redação originária do §1o do art. 173 da Constituição já continha tal exigência. Mostra-se, portanto, prescindível a promulgação do estatuto jurídico previsto no §1o do art. 173 da Constituição para que as empresas estatais se sujeitem de forma automática e imediata às normas de direito privado. Nas palavras de José Edwaldo Tavares Borba,1 tal sujeição encontra-se preordenada pela Carta Magna, de modo que o legislador ordinário, ao disciplinar a matéria, estará circunscrito apenas aos seus desdobramentos e implicações, não lhe cabendo restringir ou condicionar a incidência da legislação privada. Insta frisar que se revela inócua, sobretudo para os fins da presente análise, a diferenciação entre as sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos das que exploram atividade econômica. Com efeito, para o autor, a exploração de atividade econômica é inerente à condição de sociedade, de modo que o serviço público, quando entregue a uma sociedade, seja ela controlada pelo governo ou por pessoas privadas, passará a ser objeto de uma exploração econômica, como ocorre com as concessionárias de serviço público. Assim, ainda que diante de um serviço público pro priamente dito, este, quando exercido por uma empresa, torna-se objeto de uma atividade econômica. O Estado, ao escolher a forma societária para o exercício de uma atividade, a esta forma quer se submeter. Nos dizeres de Theophilo de Azeredo Santos,2 “a participação majoritária do estado não deforma a estrutura jurídica da empresa privada, que conserva sua natureza privada, revestida de características próprias, impostas pela lei que autorizou a constituição da sociedade”. Observação semelhante é feita por Paulo César Melo da Cunha,3 que enxerga como tendência uma submissão cada vez maior das empresas estatais à competição, considerando o fato de que “o serviço público previsto no Capítulo da Ordem Econômica comporta a exploração empresarial como atividade econômica”. Fixadas tais premissas, resta claro que, aos contratos celebrados por empresa estatal, na verdade, não podem ser aplicadas apenas regras pertinentes aos contratos administrativos stricto sensu, tendo em vista sua natureza de pessoa jurídica de direito privado, bem como o teor da norma contida no art. 173, §1o, II, da Constituição. Lembre-se que existe, inclusive, abalizada doutrina que reconhece que as estatais que exercem atividade
Sergio Pimentel Borges da Cunha, Assessor Jurídico Chefe da Cedae
econômica, em sentido estrito, nem sequer celebrariam contratos administrativos. É o que leciona, por exemplo, Marcos Juruena Villela Souto,4 para quem “os contratos celebrados por empresas estatais, atuando na exploração econômica de seu negócio ou patrimônio, não devem ser considerados contratos administrativos”, já que realizam negócios jurídicos sem a supremacia do poder de império. Cumpre frisar, por oportuno, que o fato de as empresas estatais se sujeitarem à licitação não induz à conclusão de que estas entidades estariam irremediável, estrita e integralmente presas ao regime jurídico aplicável aos contratos administrativos. Isso porque o procedimento licitatório, embora relacionado com os princípios da isonomia, economicidade e eficiência, limita-se, apenas, em termos práticos, à escolha do futuro contratado, sem maiores influências na natureza do pacto a ser firmado. Trata-se de exceção, expressamente prevista no texto constitucional, ao regime jurídico de direito privado decorrente da aplicação do art. 173, § 1o, II, da CRFB. Não parece necessário, contudo, descer a fundo no debate doutrinário acerca da natureza jurídica de tais contratos ou mesmo da distinção entre estatais que exercem atividade econômica, em sentido estrito, e aquelas incumbidas da prestação de serviços públicos. Para efeitos da interpretação do art. 173, § 1o, II, da CRFB, basta o reconhecimento de que, ante a literalidade do referido dispositivo, é inquestionável a incidência do regime jurídico de direito privado, especialmente em se tratando de estatal não dependente de recursos do erário. Empresa estatal independente, vale ressaltar, é aquela que faz frente às suas despesas com receitas próprias, gera das pela sua atividade, ao passo que a estatal dependente,
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III. Da autonomia da vontade e da consensualidade Constata-se, pela análise feita até aqui, que as estatais não dependentes sujeitam-se às regras e aos princípios de direito privado, podendo fazer uso dos institutos contratuais previstos na legislação civil em suas relações comerciais. Nesse sentido, quando da celebração dos seus respectivos ajustes, resta claro que tanto as empresas públicas e sociedades de economia mista, quanto as empresas que com elas contratam atuam com base na prerrogativa da liberdade contratual, que, segundo a doutrina de Orlando Gomes,5 “abrange os poderes de auto-regência de interesses, de livre discussão das condições contratuais e, por fim, de escolha do tipo de contrato conveniente à atuação da vontade”. Com efeito, nenhuma empresa está obrigada a participar de certame licitatório, muito menos de oferecer à Companhia a proposta mais vantajosa, de modo que, ao aderir às regras do certame, o participante já está exercendo, em alguma medida, a sua vontade livre e autônoma. Para os fins deste estudo, não é relevante o enfoque sobre a origem ou a formação da relação contratual, considerando que, muito embora o regime jurídico aplicável às empresas estatais seja, em regra, o privado, o texto constitucional impõe-lhe a observância dos princípios aplicáveis em matéria de licitações e contratos administrativos. No entanto, uma vez celebrado o contrato, sua evolução e o cumprimento das obrigações recíprocas estabelecidas para ambas as partes contratantes, sujeitar-se-á não apenas às normas estipuladas na Lei no 8.666/1993, mas, por igual, às práticas contratuais usualmente adotadas 58
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nas palavras de Ives Gandra Martins,5 é aquela “submetida às regras dos seus controladores, isto é, aos entes da Federação, que lhe suprem dos recursos financeiros para cumprir compromissos decorrentes de despesas com custeio ou de capital”. No caso das estatais não dependentes, a aproximação com o regime jurídico de direito privado é ainda maior, pois, ainda que exerçam atividades caracterizadas por eventual monopólio, legal ou natural, seus serviços ou produtos estarão colocados em ambiente de mercado, sujeitos, quando não à competição direta, a análises comparativas de qualidade e de relação custo-benefício. Por tais razões, considerando o fato de que as empresas estatais atuam em regime de competição com as demais entidades do setor privado, resta claro que, em relação aos contratos por elas celebrados, prevalecem as normas de direito privado, com as exceções pontuais decorrentes do objeto de tais avenças. Estabelecida essa premissa interpretativa, impõe-se a adoção de práticas que permitam às partes maior liberdade na negociação das respectivas cláusulas, tais como o princípio da autonomia da vontade e o da liberdade contratual.
Ricardo Martins do Carmo, advogado da Cedae
pelas empresas privadas, especialmente na negociação de reajustes contratuais. Tais conclusões são obtidas também quando se analisam os contratos sob a ótica econômica. Isso porque o objetivo principal dos contratos é regular as mais diversas situações fáticas, em especial, as práticas negociais dominantes. Nesse contexto, as regras previstas em lei perdem espaço para os ajustes fixados pelas partes, de acordo com suas pretensões. A doutrina de Direito Administrativo, embora com um enfoque diferente, compartilha do mesmo entendimento quando analisa as relações do Poder Público com o particular a partir da ótica da consensualidade. Segundo esta moderna linha de entendimento, que tem como principal expoente o Professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto, a atividade administrativa deve pautar-se em uma atuação baseada no consenso, evitando o uso da coerção, como medida de reforço à legitimidade já conferida pela lei. Assim, uma vez reconhecido que a consensualidade deve nortear a atuação dos entes estatais, especialmente no que diz respeito à vigência de contratos e ao cumprimento de suas respectivas cláusulas, a partir do livre consentimento e da vontade das partes envolvidas, não parece razoável querer exigir, de forma arbitrária e compulsória, a manutenção do entendimento doutrinário segundo o qual o reajuste automático dos contratos celebrados por estatais seria direito subjetivo e, nessa linha, insuscetível de negociação por parte da Companhia. IV. O reajuste contratual Reajuste contratual, nas palavras de Hely Lopes Meirelles,6 é conduta contratual autorizada por lei para corrigir
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os efeitos ruinosos da inflação, recompondo o valor fixado pelo licitante no momento da proposta, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição. Costuma-se adotar, para fins de reajuste, uma indexação de preços que reflita a variação de custos de produção de determinado seguimento econômico, prática perfeitamente aceitável desde que conste de cláusula contratual expressa que estabeleça tais índices. A questão acerca da legitimidade dos reajustes contratuais automáticos, estabelecidos no direito brasileiro a partir da criação dos mecanismos de correção monetária, merece análise sob a ótica do Direito Monetário. Nesse sentido, veja-se que os institutos do reajuste e da correção monetária nem sequer se revelam como prerrogativa essencial e efetivamente exigível pelas partes, ainda que previstos em contrato, tendo em vista a forma deturpada com que esses institutos são tratados pelo ordenamento jurídico e por parte da doutrina. A aludida distorção tem como principal fundamento o fato de que as ideias de “atualização do valor da moeda” e de “poder aquisitivo” têm deixado de ocupar papel coadjuvante, figurando, de forma equivocada, no conteúdo das normas monetárias, o que importa em subversão da hierarquia monetária e afronta ao próprio texto constitucional. Explicando o tema com clareza, Letácio Jansen7 assevera que o “poder aquisitivo” deve figurar sempre como uma “noção auxiliar”, destinado a medir a variação dos preços, “servindo adequadamente ao Direito apenas como meio de prova”, sem a atribuição de significado mais amplo. Os defensores da chamada “doutrina da correção monetária”, segundo Jansen, cometem grave equívoco ao conferir aos indexadores de preços papel de protagonismo, em detrimento da própria moeda nacional, que ocuparia papel secundário. Mostra-se incompatível com a disciplina constitucional da moeda o estabelecimento de uma ordem monetária paralela. A moeda, vale frisar, deve ser o único e exclusivo valor fundamental de uma ordem monetária. Como bem leciona Jansen, qualquer norma a que se queira atribuir “o papel de corrigir a moeda, ou de criar uma ‘segunda’ unidade monetária, viola o artigo 21, VII da Constituição Federal Brasileira”, que estabelece a moeda nacional como “o único e exclusivo valor capaz de atribuir sentido monetário ao ato da emissão e de fundamentar as normas monetárias individuais”. Portanto, a ideia de reajustes automáticos, desvinculados de uma avaliação acerca da necessidade de correção dos valores contratuais originalmente pactuados, acaba por quebrar a consensualidade no cumprimento e na execução dos contratos celebrados. Não se pode impedir, portanto, que empresas estatais venham a negociar reajustes caso a caso, considerando, especialmente, o interesse no bom cumprimento das
prestações exigidas de suas contratadas, de modo a não aviltar o valor pago, tornando o contrato inexequível, porém também não aceitando que majorações excessivas, decorrentes da aplicação automática de regras de reajuste, prejudiquem a economicidade (neste caso, especificamente, se houver demonstração de que o reajuste torna a opção pela manutenção do contrato menos vantajosa, do ponto de vista econômico, caberia até mesmo a realização de novos certames licitatórios, em obediência ao art. 70 da CRFB). Vale lembrar, em reforço a esse entendimento, que a ausência de cláusula contratual que possibilite o reajuste, segundo a doutrina majoritária, tornaria o pacto até mesmo irreajustável, já que, entre outros argumentos, o licitante não é obrigado a participar do certame, sendo-lhe facultado, inclusive, impugnar os termos do edital. Já quando o contrato previr a possibilidade de reajuste, sem estabelecer, contudo, qual seria o índice aplicável, a doutrina aponta como solução o consenso entre as partes e a formalização de aditivos contratuais, em razão do inegável conteúdo negocial da matéria. A solução apontada acima também pode ser aplicada, salvo melhor juízo, quando, muito embora o contrato indique o índice de correção aplicável, houver divergência entre as partes sobre a adequação do índice, ou seja, se ele realmente refletiria a situação econômica atual, recompondo corretamente o valor da moeda.
“Não se pode impedir, portanto, que as empresas estatais, não dependentes de recursos do tesouro, venham a negociar reajustes caso a caso, considerando, especialmente, o interesse no bom cumprimento das prestações e evitando majorações excessivas que prejudiquem a economicidade”
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Nesse sentido, vale observar que nem sempre o índice previsto no contrato refletirá adequadamente a variação do valor da moeda e, por conseguinte, o interesse das partes. A esse respeito, Marçal Justen Filho8 assevera que a grande dificuldade consiste na imprevisibilidade dos índices inflacionários, que podem configurar-se, em determinadas situações, como anormais e extraordinários. Tal divergência, como dito, poderá ser solucionada por meio da livre negociação entre as partes, tendo em vista o fato de que cláusulas de reajustamento se inserem no âmbito dos direitos disponíveis. Assim, nada impede que, em caso de divergência, as partes cheguem a consenso e celebrem aditivo contratual, reajustando o contrato de acordo com o índice que melhor reflita ambos os interesses. Especificamente no caso de estatais não dependentes, além do argumento acima, cumpre ressaltar que a sua natureza de pessoa jurídica de direito privado lhe permite maior flexibilidade na fixação e alteração das cláusulas contratuais, tendo em vista a sua submissão às regras de direito privado. Ainda que determinado contrato celebrado preveja um índice de reajuste específico (ex.: IPCA), nada impede que as partes contratantes, diante de controvérsia relacionada com a adequação deste índice, celebrem aditivo para, de comum acordo, estabelecer novo método de reajustamento que melhor atenda a ambos os interesses ou mesmo estipulem percentual inferior, atendendo às possibilidades financeiras da Companhia e ao princípio da economicidade. Cumpre frisar que a doutrina de Direito Civil recomenda a livre negociação entre as partes para a superação das controvérsias relacionadas com o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. A própria ideia de equilíbrio, segundo Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald,9 significa “a contemplação dos interesses legítimos de cada parte, com o qual se liga a exigência de respeito mútuo, para que ninguém realize os seus interesses às custas do outro”. Não obstante a recomendação da doutrina, caso não se chegue a um consenso a respeito dos índices de reajuste, nada impede que empresas estatais instaurem novo procedimento licitatório para a contratação de empresa que aceite ofertar o objeto contratual nas condições por ela estipuladas. Em suma, verifica-se que o reajustamento é, acima de tudo, questão negocial, que somente deve ser concedido em havendo crivo favorável do administrador, a ser aferido à luz dos interesses perseguidos pela Companhia, do panorama econômico, bem como de suas possibilidades financeiras e orçamentárias. Por igual, a partir das lições de Letácio Jansen, mostrase de fato equivocada a tese que defende a obrigatoriedade da correção periódica do valor da moeda. Assim, ainda que previsto em lei ou contrato, o reajuste monetário importaria 60
afronta à própria ordem monetária e constitucional, uma vez que o estabelecimento de índices de correção minimiza o protagonismo conferido pelo ordenamento jurídico à moeda nacional, criando uma ordem monetária paralela. Assim, apesar de se inserir no âmbito negocial, o reajuste eventualmente pleiteado pela parte contratada, sob a ótica do Direito Monetário, pode ser negado pela Administração, nada impedindo a instauração de novo procedimento licitatório para a contratação de empresa que aceite ofertar o objeto contratual nas condições estipuladas pelo Poder Público. V. Conclusão Verifica-se, desse modo, que a ideia de reajustes automáticos, desvinculados de uma avaliação acerca da correção dos valores contratuais originalmente pactuados, acaba por quebrar a consensualidade no cumprimento e na execução dos contratos celebrados. Não se pode impedir, portanto, que as empresas estatais, não dependentes de recursos do tesouro, venham a negociar reajustes caso a caso, considerando, especialmente, o interesse no bom cumprimento das prestações e evitando majorações excessivas que prejudiquem a economicidade. Conclui-se, assim, que existe pleno amparo legal para que sejam realizados reajustes negociados, em detrimento da pretensão de majorações automáticas e compulsórias dos valores de seus contratos, sendo certo que, caso não se logre êxito em eventual negociação, nada impede que se proceda à instauração de novo procedimento licitatório para a contratação de empresas que aceitem ofertar, nas condições estipuladas, os respectivos objetos contratuais.
Notas BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 13 ed.. Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 520. 2 SANTOS, Teophilo de Azeredo Santos. Teoria econômica do contrato. Coimbra: Almedina, 2007, p. 31. 3 DA CUNHA, Paulo César Melo. O tratamento jurídico das empresas estatais e os reflexos do consórcio celebrado entre empresas do setor público e do setor privado. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, n. 56, p. 271, 2002. 4 VILLELA SOUTO, Marcos Juruena. Direito administrativo em debate. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004, p. 146 e 157-158. 5 MARTINS, Ives Gandra et al. Comentários à lei de responsabilidade fiscal, São Paulo: Saraiva, 2012, p.97. 6 GOMES, Orlando. Contatos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 26 7 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo Brasileiro. 35ª Edição, São Paulo: Malheiros, 2009, P. 219. 8 JANSEN, Letácio. A moeda nacional brasileira, 1. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 75. 9 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 749. 10 ROSENVALD, Nelson et al. Curso de direito civil. 4. ed. Salvador: Jus Podivm, 2014. p. 227-228, vol. 4. 1
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Foto: Teresa Canela
A trajetória da Justiça Eleitoral Fernando Alencastro
A
Analista Judiciário
Justiça Eleitoral surge a partir da necessidade percebida por um grupo de políticos em romper com as práticas eleitorais do segundo período da República Velha, como a política do café com leite, o pacto dos governadores e o coronelismo, elementos de sustentação eleitoral da elite política republicana entre os anos de 1894 a 1930. Os governos republicanos, no exercício do poder, iriam caminhar em direção à preponderância progressiva de resultados eleitorais ao arrepio da vontade popular. (Portal São Francisco, 2012). Em 1891, a primeira Constituição republicana, inspirada na Constituição norte-americana, estabelecia o federalismo e o presidencialismo como princípios norteadores do regime republicano. A Igreja foi desvinculada do Estado e estabeleceram-se eleições diretas para os cargos públicos como presidente, governadores, senadores, deputados estaduais e federais. 62
Primeiro governou Deodoro da Fonseca. Sucedeu-o seu vice, Floriano Peixoto, que completou o mandato e consolidou a República. Esse período foi denominado de República da Espada, visto que ambos eram marechais. O segundo período da República Velha, que vai de 1894 a 1930, foi dirigido principalmente pelas oligarquias paulista e mineira, representadas pelos cafeicultores paulistas e os pecuaristas mineiros. Esse período foi marcado pelo governo de presidentes civis. Esses políticos saiam do Partido Republicano Paulista (PRP) e do Partido Republicano Mineiro (PRM). Esses dois partidos controlavam as eleições, mantendo-se no poder de maneira alternada, e contavam com o apoio da elite agrária do país e dos coronéis, nas cidades do interior. Braga assevera que: As eleições na República Velha eram manipuladas pelo Presi dente da República, sob a máquina montada pela “política dos governadores” em aliança com a oligarquia rural, os
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coronéis da terra – o poder local. O alistamento passou a ser permanente, mas era feito pelas autoridades municipais e pelas autoridades judiciárias que dependiam do Governo. As mesas eleitorais continuaram com as funções de apurar os votos e elaborar as atas, sendo mantidas as fraudes nas eleições “a bico de pena” para favorecer os candidatos oficiais. Embora a legislação eleitoral estabelecesse o voto secreto, na realidade, foi mantido o voto a descoberto. Nas eleições da República Velha era praticada toda a sorte de fraudes, a própria eleição favorecia a fraude. Os principais movimentos reivindicatórios sobre matéria eleitoral durante a República Velha foram a luta pelo voto secreto e a luta pelo voto feminino, que só vieram a ser adotados depois da Revolução de 1930. (BRAGA, 1990, p. 66)
O coronel – figura muito comum durante os anos iniciais da República, principalmente nas regiões do interior do Brasil – era o comandante máximo da Guarda Nacional. Essa Guarda foi criada em 1831 e substituiu as ordenanças da época colonial. Não era paga pelo Estado e não fazia parte da burocracia oficial. Era sustentada pelos comandantes, em geral proprietários rurais e comerciantes ricos. Os coronéis se transformaram em chefes políticos locais, conforme José Murilo de Carvalho (apud AVELAR e CINTRA, 2007, p. 25). O coronel era um grande fazendeiro que utilizava seu poder econômico para garantir a eleição dos candidatos que apoiava. Era usado o voto de cabresto, em que o coronel (fazendeiro) obrigava e usava até mesmo de violência para que os eleitores de seu curral eleitoral votassem nos candidatos apoiados por ele. Como o voto era aberto, os eleitores eram pressionados e fiscalizados por seus capangas para que votassem nos candidatos indicados. O coronel também utilizava outros recursos para conseguir seus objetivos políticos, tais como: compra de votos, votos fantasmas, troca de favores, fraudes eleitorais e violência. Victor Nunes Leal, autor do livro “Coronelismo, Enxada e Voto”, destacou o coronelismo como “resultado da superposição de formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada”. O coronelismo seria “um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais”. Desse compromisso fundamental é que resultariam “as características secundárias do sistema “coronelista”, como sejam, entre outras, o mandanismo, o filhotismo, o falseamento do voto, a desorganização dos serviços públicos locais”. O eleitor, principalmente da área rural, cumpria apenas uma formalidade votando nos candidatos indicados (apud PORTO, 1995/2000, p. 253). Na realidade, como afirma Cid Rebelo Horta (apud PORTAL SÃO FRANCISCO, 2008), “não eram eleições,
mas, praticamente nomeações, com resultados certos e fatais, preestabelecidos. Faziam-se menos nas urnas que nas atas. Por isso, alguns políticos na prática costumavam fazê-la apenas nas atas, poupando trabalho e dinheiro”. As fraudes, como voto de defuntos e ausentes, assinaturas falsas e o bico de pena completavam a prática eleitoral dirigida pela oligarquia. Se esses recursos não bastassem e ocorressem resultados que não atendiam às elites da República, estas contavam com a comissão de verificação de poderes que resolvia as dúvidas cassando o mandato dos indesejáveis dissidentes e opositores. O coronel poderoso em sua região nunca fazia oposição ao governo estadual, pois dependia de verbas para obras no município e empregos para os correligionários e parentes. O pacto oligárquico anulava na prática a liberdade de voto e as eleições eram manipuladas pelas oligarquias. Em 1930 ocorreriam eleições para presidência e, de acordo com a política do café com leite, seria a vez de assumir um político mineiro. Porém, o PRP, do presidente Washington Luís, indicou um político paulista, Júlio Prestes, à sucessão, rompendo com o café com leite. Descontente, o PRM junta-se a políticos da Paraíba e do Rio Grande do Sul e forma a Aliança Liberal para lançar à presidência o gaúcho Getúlio Vargas. Júlio Prestes sai vencedor nas eleições de abril de 1930, deixando descontentes os políticos da Aliança Liberal, que alegam fraudes eleitorais. Fato imprevisto agravou a crise: foi assassinado, a 26 de julho, em uma confeitaria do Recife, o governador da Paraíba, João Pessoa. Embora o assassino estivesse motivado por questões pessoais, João Pessoa figurou como candidato à vice-presidência de Getúlio Vargas, o que fez da sua morte uma grande comoção. A Aliança Liberal foi muito influenciada pelo tenentismo, movimento de jovens militares que defendiam a moralização administrativa e política no país. Liderados por Getúlio Vargas, esses políticos e militares descontentes provocaram a Revolução de 1930. Sobre a Revolução de 1930, Braga (1990, p. 68) discorre: A Revolução de 1930 tinha como um dos seus princípios a reforma eleitoral. No Manifesto-Programa da Aliança Liberal constava a moralização do sistema eleitoral por meio da punição das fraudes, da implantação do voto secreto e do sistema de representação proporcional.
A Revolução de 1930 terminava com o domínio absoluto das oligarquias e encerrava a República Velha, na qual predominou a política dos governadores e da troca de favores entre governo federal e estaduais e a política do café com leite, com alternância de São Paulo e Minas Gerais na presidência da República.
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É de Lima Sobrinho (1983, p. 163) a descrição da sensação que se apoderou na sociedade brasileira de então, um clima de festa nas ruas: Toda a cidade vibrava, em delírio. Era a euforia cívica, na realização de um velho sonho revolucionário. E o entusiasmo não se limitava ao Rio. Todo o País fora presa, naquele dia, das mesmas expansões. Iam caindo por terra, silenciosamente, os derradeiros governos legais nos estados. Na Bahia, por volta das 12 horas do dia 24 de outubro, eram conhecidos os acontecimentos do Rio de Janeiro. Organizam-se logo passeatas, com os vivas normais à revolução e aos seus chefes.
A Revolução de 1930 foi, para muitos historiadores, o movimento mais importante da história do Brasil do século XX. Foi ela quem, para o historiador Fausto (1972, p. 112), acabou com a “hegemonia da burguesia do café, desenlace inscrito na própria forma de inserção do Brasil, no sistema capitalista internacional”. A Revolução de 1930 tinha como um dos princípios a moralização do sistema eleitoral. Um dos primeiros atos do governo provisório foi a criação de uma comissão de reforma da legislação eleitoral, cujo trabalho resultou no primeiro Código Eleitoral do Brasil. Tinha como bandeira o lema Representação e Justiça, trazido ao movimento pelo gaúcho Joaquim Francisco de Assis Brasil. Assis Brasil, que vivenciou a mudança da forma de governo no Brasil, de Monarquia à República, e nessa época já publicava seus primeiros livros, indignou-se com as fraudes com que eram realizadas as primeiras eleições da recém-proclamada República brasileira. Engaja-se assim no movimento revolucionário de 1930, dando suporte intelectual e político à Aliança Liberal, liderada por seu conterrâneo, Getúlio Vargas. O jurista Luiz Carlos Lopes Madeira (2005) demonstra, em seu discurso na sessão comemorativa dos 60 anos do TSE, que a influência de Assis Brasil nos ideários eleitorais da Revolução de 1930 e na própria elaboração do Código Eleitoral de 1932 foi enorme. Relata Lopes Madeira que, na quarta edição de “Democracia Representativa”, obra de Assis Brasil, estão os alicerces do que viria a ser o Código de 1932. Em linguagem escorreita e sóbria, analisa os fundamentos e as condições do voto, a representação das opiniões políticas e as eleições, passando em revista os principais sistemas da época. Foi no Manifesto de Montevidéu, como é conhecido o Manifesto da Aliança Libertadora do Rio Grande do Sul ao país, que, disse ele, conforme descrito pelo jurista Madeira (2005, p. 16): O que há de fazer não são reformas sedativas, paliativas, remendos. O que reclama o augusto soberano, de quem só há apelação para ele mesmo – é a remodelação radical 64
da República. Essa não poderá ser operada pelas delongas, chicanas e escusos desvios dos processos ordinários, nem sob a inspiração e a autoridade da mesma casta que foi causa ou instrumento do mal a suprimir. Essa remodelação necessária e inevitável há de ser feita com as naturais atenuações da doçura da índole brasileira, pelos meios sumários da revolução. O Brasil pretende ser considerado um país civilizado: pois bem, o Brasil não dispõe das duas condições mais rudimentares e essenciais para tal, porque o Brasil não tem representação e não tem justiça. [...] Denunciada a causa do mal, está indicado virtualmente o remédio. Eis a solução: – contra a ausência de representação – o estabelecimento do voto secreto, única forma de voto sério; e a inscrição obrigatória, ou automática, dos cidadãos capazes, ao atingir a maioridade política. [...] – contra a falta de justiça– atribuição da legislação processual à legislatura federal; e efetivação da independência do Poder Judiciário, baseada na prerrogativa de nomear, mediante rigoroso concurso, os juízes primários, promovê-los até os mais altos postos por antiguidade ou mérito positivo, fiscalizando a ação de todos.
Ainda Madeira (2005, p.18), discorrendo sobre Assis Brasil, assim continua: Vitoriosa a Revolução de 1930, aceita o Ministério da Agricultura. Ele, que recusara qualquer pasta sob Deodoro! Na despedida ao Rio Grande, registra as condições de sua participação: Não disputemos lugares oficiais, nem recusemos a nossa colaboração quando solicitada. Deixemos a competição eleitoral, para quando houver eleições. [...] Só o que devemos fazer questão, mas essa fechada, intransigente, de honra e de sangue – é de cumprirem fielmente os postulados da revolução, a começar pelo sólido e leal estabelecimento dos quatro esteios mestres, das quatro colunas principais do edifício: alistamento automático, voto secreto, representação proporcional, independência dos juízes. Resumo – Representação e Justiça.
E no mesmo discurso traz Madeira (2005, p. 18) a opinião de Afonso Arinos sobre Assis Brasil: É muito curiosa a presença de Assis Brasil no processo político brasileiro, especialmente no processo das ideias políticas. Se há um homem que tenha contribuído originalmente no campo das ideias políticas, foi Assis Brasil. Ele é de fato o principal cientista político do
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princípio da República até 1930, e mesmo depois de 1930. Assis Brasil não era um jurista, embora o pensamento político dele muitas vezes se revestisse de conteúdo jurídico importante. Não tinha tampouco preocupação especial em matéria de sociologia. Era antes de tudo um pensador político. Os seus livros – como a Democracia representativa, que publica pouco depois de Da República e do regime presidencial – são estudos memoráveis pelo que contêm de antecipação política.
Gaúcho de Pedras Altas, deputado à Assembleia provincial do Rio Grande do Sul nas últimas legislaturas do Império, deputado à Constituinte de 1890 e diplomata, sua preocupação sempre foi a de que ninguém tinha garantido o reconhecimento como eleitor; se fosse eleitor, se votava; e se votasse, se o seu voto seria apurado de maneira que ele pudesse representar a vontade popular. Nos anos que antecedem a Revolução de 1930, as eleições são uma ficção. Após a implantação da Justiça Eleitoral, sob sua inspiração, os eleitores escolhem os representantes para os principais postos de poder, e pouca gente duvida da legitimidade do processo eleitoral brasileiro. As fraudes foram amplamente eliminadas. Portanto, considerando todas as suas obras publicadas e os seus ideais eleitorais, Joaquim Francisco de Assis Brasil pode ser considerado como o referencial teórico da existência da Justiça Eleitoral brasileira. O Código Eleitoral de 1932 é um marco na história institucional brasileira, pois evolui de um sistema eleitoral parlamentar, quando o legislativo era o poder que organizava as eleições, e passa a adotar o atual sistema eleitoral jurisdicional, no qual o judiciário, pela atuação da Justiça Eleitoral é quem, além de organizar as eleições, julga a conduta dos candidatos e normatiza o pleito. Costa Porto (1990/2000, p. 125) destaca que, assu mindo a chefia do Governo Provisório, após a revolução de 1930, Getúlio Vargas designou, pelo Decreto n. 19.459, de 6 de dezembro de 1930, uma subcomissão legislativa para estudar e propor a reforma da lei e do processo eleitorais. O grupo, composto por Assis Brasil, João G. da Rocha Cabral e Mário Pinto Serva, julgou que sua tarefa deveria ser dividida em duas partes, a primeira dizendo respeito ao alistamento dos eleitores – projeto publicado em setembro de 1931 –, a segunda, referente ao processo de eleições. Os avanços realizados pela subcomissão na elaboração da reforma eleitoral desembocam no Decreto n. 20.076, de 24 de fevereiro de 1932, instruindo novo Código Eleitoral para o país. Esse decreto, que regulamentava em todo o país o alistamento e as eleições federais, estaduais e municipais, trazia uma série de inovações.
A maior delas, sem dúvida, era o estabelecimento do sufrágio universal direto e secreto. O voto secreto – uma das medidas consideradas básicas para a moralização da prática eleitoral no Brasil – constituiria um dos pontoschave de toda a campanha da Aliança Liberal. A conquista do voto secreto representava aspiração antiga de todos aqueles que, vendo-se excluídos do poder, lutavam para alcançá-lo ainda na década de 1920 (COSTA PORTO, 1995/2000, p. 125). Segundo o mesmo autor, nesse sentido, a consagração do voto secreto significava não só o cumprimento de uma primeira grande promessa da Revolução, o saneamento dos costumes políticos do país, como também passo essencial para a reintegração do Brasil ao futuro regime constitucional. Além disso, o novo código ampliava o corpo político da nação, concedendo o direito de voto a todos os brasileiros maiores de 21 anos, alfabetizados, sem distinção de sexo. Pela primeira vez, as mulheres conquistavam o exercício da cidadania, o que, além de ter significado político muito importante, implicava acréscimo numérico substancial ao corpo de votantes. Em relação à obrigatoriedade do alistamento e do voto, a Subcomissão preferiu não adotá-la pura e simplesmente, preferindo optar por meios que estimulassem e forçassem a prática do exercício do voto. O Código Eleitoral estabelecia também a representação proporcional para todos os órgãos coletivos de natureza política do país, questão que vinha sendo anteriormente debatida no âmbito do direito constitucional brasileiro e criava, como grande inovação, a representação política das classes. Braga (1990, p. 68) descreve que o Código Eleitoral de 1932 passou para a Justiça Eleitoral todos os trabalhos eleitorais: alistamento, organização das mesas, apuração dos votos, reconhecimento e proclamação dos eleitos, atribuindo-lhe essas competências. Esse código instituiu o voto secreto, o voto feminino e o sistema de representação proporcional e regulou em todo o País as eleições federais, estaduais e municipais. O novo código instituía a Justiça Eleitoral, composta por um Tribunal Superior no Distrito Federal, por Tribunais Regionais em todas as capitais de estado e por juízes eleitorais nas comarcas e distritos. Tal iniciativa eliminava um dos maiores problemas eleitorais do país, uma vez que retirava do poder legislativo a faculdade de fiscalizar as eleições e reconhecer os candidatos eleitos. Essa havia sido a base formal sobre a qual se assentara o mecanismo da chamada política dos governadores da República Velha, que perpetuava no poder os situacionismos locais, bloqueando pelas degolas a ascensão de quaisquer candidatos de oposição. O estabelecimento da Justiça Eleitoral, ao lado do voto secreto, ganhava
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a dimensão de um ato de moralização da vida política no Brasil, possibilitando a livre expressão da vontade popular e a abertura do jogo político democrático com a participação efetiva das oposições. O próprio Assis Brasil, em discurso na constituinte de 1933, entusiasma-se ao afirmar que: Agora, o Brasil já teve a sua oportunidade de possuir a sua lei de representação. Ele já deu a melhor prova que jamais poderá dar. Estou mesmo convencido de que, nos poucos anos que me restam de vida, não terei oportunidade de observar outro espetáculo como ao que assistimos quando da eleição desta Assembleia. Não tínhamos educação para compreender os seus termos, o seu espírito, mesmo porque ela tem muito de original: não é cópia de lei alguma. Começa por isto: somos o primeiro país do mundo que fez um código eleitoral. (ASSIS BRASIL, 1934, p. 501-504)
Marco Maciel, então Senador pelo Partido Democratas (DEM) de Pernambuco, ao discursar na sessão do Senado Federal do dia 24 de março de 2008, assim se manifestou sobre o Código de 1932: Assis Brasil, de fato, foi um grande político. Divergiu de Getúlio Vargas, mas não se negou a colaborar com ele após a Revolução de 30, que foi uma revolução que teve um caráter renovador. Contam, não sei se é verdade, que Getúlio Vargas desejou contar com a colaboração de Assis Brasil, mas achou que este, por ser seu adversário, certamente iria recusar. Usou, então, um interlocutor para conversar com Assis Brasil, que teria dito: “Olha, toda pessoa tem um preço. Para colaborar, cobro o meu preço”. Getúlio, por meio desse interlocutor, teria então perguntado: “Qual é o seu preço?”. Ele teria então respondido: “O meu preço é que ele execute aquilo que são minhas ideias. Se ele aceitar minhas ideias, meu preço é esse. Colaboro se ele concordar com aquilo que eu penso que deva ser feito”. Getúlio, então, concordou com a ideia de Assis Brasil. A partir daí, tivemos um Código Eleitoral, o de 1932, o que representou uma grande inovação, pois muitos países do mundo ainda não tinham Código Eleitoral. Muitos, aliás, ainda não têm uma Justiça Eleitoral como a que temos no Brasil. Isso tudo começou em 1932, com esse novo Código Eleitoral. A partir daí, inclusive, nós conferimos o voto à mulher. Nós fomos um dos países que cedo admitiram o voto à mulher, aliás, antes que o fizessem alguns países da Europa, países mais desenvolvidos. Então, eu diria que esse Código Eleitoral foi um passo importante para a sociedade brasileira. (MACIEL, 2008)
Ao Código Eleitoral de 1932, seguiram-se o de 1950 e o de 1965, aprovado pela Lei n. 4.737, de 15 de julho de 66
1965, que é o código vigente. A história da Justiça Eleitoral confunde-se com a do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Criado em 1932 com o nome de Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, seu primeiro presidente foi o Ministro Hermenegildo Rodrigues de Barros. A Constituição do Estado Novo, de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, extinguiu a Justiça Eleitoral. O TSE foi novamente criado, já com a denominação atual, em 1945, instalando-se no dia 1o de junho e, a partir de então, figurou em todas as Constituições da República. A Justiça Eleitoral, desde sua criação em 1932, teve sobre ela depositada grande responsabilidade e esperança. Responsabilidade, pois herdava uma prática eleitoral absolutamente fraudulenta vivenciada na República Velha. Esperança, pois, com a sua criação, esperava a classe política e social brasileira que as eleições passassem a ser limpas e verdadeiras, onde o voto votado fosse o voto apurado. A partir de sua trajetória pode-se afirmar que a Justiça Eleitoral correspondeu às expectativas nela depositadas. Transformou as eleições brasileiras em referência, nos dias de hoje, para todo o mundo, com tecnologias do tipo votação eletrônica com apuração quase que imediata e a recente identificação do eleitor pelo sistema biométrico, artifício que se insere na segurança do voto e na certeza de que o eleitor que estiver presente estará representando a si próprio e não a terceiro. Um passo, entre outros tão arrojados e contemporâneos, que mostra a Justiça Eleitoral justificando todo o depósito de confiança e esperança que lhe foi creditado e que a cada ano tem sido correspondido.
Refêrencias bibliográficas ASSIS BRASIL, Joaquim Francisco. Anais da Assembleia Nacional Constituinte. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, nov./dez. 1933, 1934. v. 2. AVELAR, Lúcia; CINTRA, Antônio Octávio. Sistema político brasileiro. 2. ed. São Paulo: UNESP, 2007. BRAGA, Hilda Soares. Sistemas eleitorais do Brasil: 1821–1988. Brasília: Subsecretaria de Edições Técnicas do Senado Federal, 1990. LIMA SOBRINHO, Barbosa. A verdade sobre a revolução de outubro – 1930. 3. ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1983. MACIEL, Marco Antônio. Pronunciamento feito na sessão do Senado Federal de 31/03/2008. Publicado no Diário do Senado Federal de 1o/4/2008, p. 7.339. MADEIRA, Luiz Carlos Lopes. Discurso proferido na sessão comemorativa dos 60 anos da justiça eleitoral. Tribunal Superior Eleitoral 60 anos. Brasília: Seção de Publicações Técnico-Eleitorais do TSE, 2005. PORTAL SÃO FRANCISCO. A república velha. Disponível em: <http://www.colegiosaofrancisco.com.br/alfa/republica-velha/ republica-velha-1.php>. Acesso em: 23 mar. 2008, 15h50. PORTO, Walter Costa. Dicionário do voto. Brasília/São Paulo: Editora UnB/Imprensa Oficial do Estado, 1995/2000.
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