Revista Justiça & Cidadania

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ISSN 1807-779X

Edição 109 - Agosto de 2009

R$ 16,90


2 JUSTIÇA & CIDADANIA | JULHO 2009


E ditorial Foto: CNC

Em respeito às instituições Bernardo Cabral

Consultor da Presidência da CNC Membro do Conselho Editorial

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sta revista tem sido intransigente na defesa das instituições e manter-se-á desse modo, até porque não foi ela criada para ceder a poderosos eventuais ou a correntes políticas. Ademais, nos seus editoriais não há quem possa lançar a profanação da dúvida. Na sua existência — ao longo de 10 anos — superou dificuldades, enfrentou incompreensões e não procurou jamais distribuir simpatia a este ou àquele segmento, mas, isso sim, manter-se cada vez mais firme na admiração dos que exaltam a sua independência, sem despojar-se, em nenhum instante, do dever, senão do direito de abordar os problemas que afligem a sociedade. Um deles — de alta significação — diz respeito às instituições pilares da democracia, que vêm merecendo as mais severas restrições. O Poder Legislativo, por exemplo, adquiriu, de forma lamentável, a sinonímia de tudo que é vergonhoso, refletindo uma imensa vulnerabilidade, como se a política estivesse a sofrer de uma moléstia contagiosa. Os seus integrantes — com raras e honrosas exceções — estão voltados para o pântano insalubre dos interesses puramente pessoais, contribuindo de degrau em degrau para o desprestígio da Casa a que pertencem. Por outro lado, na esfera do Executivo, há o desrespeito aos dispositivos constitucionais que tratam da investidura em cargo ou emprego público através da aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, e da obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Faz-se mister que o Legislativo não seja mero caudatário do Executivo — de quem não pode ficar à mercê —, sob pena de se transformar em mero ajuntamento de pessoas que passam a prestar serviços ao Executivo, notadamente ao Presidente da República. O fortalecimento exagerado do Executivo acaba, ele próprio, por submeter-se a pressões e crises artificiais,

provocadas por grupos interessados. Nesse passo, é oportuno lembrar a lição dos filósofos da Antiguidade que doutrinavam que o excesso das causas produz efeitos contrários, o que é rigorosamente verdadeiro. Basta assinalar: a luz diminuta, clareia; em demasia, cega; o barulho, quando é pouco, ouvese; exagerado, ensurdece. Impende, por essa razão, colocar em relevo que a democracia, em sua essência, resume o consentimento dos governados na investidura do poder, mas traz, em contrapartida, a responsabilidade dos governantes no exercício desse mesmo poder. Daí, se alguém resolve afrontar a Constituição, o caminho é o Poder Judiciário, a quem cabe a sua guarda e colocar um ponto final nas chamadas cadeias de opressão. Ante isso, quando uma crise se agiganta, pondo em risco as instituições democráticas, é preciso que a sociedade procure um raciocínio absolutamente linear na sua defesa, a fim de que não sofram elas nenhuma derrapagem, até porque sociedade sem ideias de impulsão nem capacidade de ação é meramente letárgica, mais vencida do que vencedora. Essa é a nossa bandeira... defender sempre as instituições democráticas, sem medo nem omissão, porque esta nada mais é do que o subproduto do nada e do não. É só com esse comportamento que o ser humano desfrutará da intimidade da vitória, pois foi capaz de fazer da dignidade um inalienável princípio de vida. 2009 JULHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 3


EDIÇÃO 109 • Agosto de 2009 ORPHEU SANTOS SALLES EDITOR TIAGO SANTOS SALLES DIRETOR EXECUTIVO ERIkA BRANCO diretorA DE REDAÇÃO DAVID SANTOS SALLES EDITOR ASSISTENTE DIOGO TOMAZ DIAGRAMAdor Giselle Souza Jornalista colaboradora Luciana Peres Revisora EDITORA JUSTIÇA & CIDADANIA AV. NILO PEÇANHA, 50/GR.501, ED. DE PAOLI RIO DE JANEIRO – RJ CEP: 20020-906 TEL./FAX (21) 2240-0429 SUCURSAIS SÃO PAULO RAPHAEL SANTOS SALLES AV. PAULISTA, 1765 / 13°ANDAR SÃO PAULO – SP CEP: 01311-200 TEL. (11) 3266-6611 PORTO ALEGRE DARCI NORTE REBELO RUA RIACHUELO, 1038 / SL.1102 ED. PLAZA FREITAS DE CASTRO CENTRO – Porto Alegre – RS CEP: 90010-272 TEL. (51) 3211-5344 BRASÍLIA Arnaldo gomes SCN, Q.1 – Bl. E / Sl. 715 EDIFÍCIO CENTRAL PARK BRASÍLIA – DF CEP: 70711-903 TEl. (61) 3327-1228/29 CORRESPONDENTE ARMANDO CARDOSO TEL. (61) 9674-7569 revistajc@revistajc.com.br www.revistajc.com.br CTP, IMPRESSÃO E ACABAMENTO ZIT GRÁFICA E EDITORA LTDA ISSN 1807-779X 4 JUSTIÇA & CIDADANIA | JULHO 2009

Foto: Ana Colla

Conselho editorial Alvaro Mairink da Costa ANDRÉ FONTES Antonio Carlos Martins Soares Antônio souza prudente Arnaldo Esteves Lima arnaldo Lopes süssekind aurélio wander bastos Bernardo Cabral carlos antônio navega carlos ayres britTo Carlos mário Velloso CESAR ASFOR ROCHA DALMO DE ABREU DALLARI darci norte rebelo Edson CARVALHO Vidigal eLLIS hermydio FIGUEIRA Enrique ricardo lewandowski Eros Roberto Grau Fábio de salles meirelles fernando neves Francisco Peçanha Martins

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S umário Foto: Rosane Naylor

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Conquista da autonomia na PGE/RJ

Foto: Jorge dos Santos

Foto: Arquivo Pessoal

editorial

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O PRESIDENTE GETÚLIO VARGAS E AS SUAS PREVISÕES

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Dom Quixote: Corregedoria lança 10 projeto contra o subrregistro lei seca 30

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O advogado credor de honorários de sucumbência

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O Tribunal de Contas da União e o controle externo como instituição

AS INSTITUIÇÕES E 45 O FUTURO DO PAÍS em foco: Mutirões carcerários 46 ajudam a melhorar condições de presídios no País

Foto: Isaac Amorim

Foto: Saulo Cruz

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Transportes: iniciativas que podem aperfeiçoar o setor

O FIM DO JUS POSTULANDI 42 NA JUSTIÇA DO TRABALHO

O Petróleo e a Ilusão 48 do Golpe de Sorte

30 anos da lei de anistia: desafios e realizações

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O PRESIDENTE GETÚLIO VARGAS E AS SUAS PREVISÕES

Orpheu Santos Salles

Editor Presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da ABI

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entre todas as pessoas que conviveram com o Presidente Getúlio Vargas, por certo, foi o jornalista Assis Chateaubriand quem melhor o definiu, como consta no discurso de posse que pronunciou na Academia Brasileira de Letras ao homenagear o imortal a quem sucedeu naquele cenáculo da cultura literária brasileira. O conhecimento de ambos data de 1927, quando Getúlio governava o Estado do Rio Grande do Sul e Chateaubriand o procurou com o intuito de adquirir um empréstimo para fundar o seu primeiro jornal diário; o que conseguiu graças à interferência de Getúlio com um banqueiro gaúcho. Foram 28 anos de intensa participação pessoal e política, com os quais o jornalista obteve apoio e ajuda financeira para a formação da maior rede de rádio e jornalismo no país; inclusive a instalação da primeira televisão no Brasil, a TV Tupi. A sofreguidão de Chateaubriand para montar a grande máquina de comunicação nem sempre manteve e produziu um bom relacionamento com o Presidente Getúlio Vargas, a ponto de, em agosto de 1954, na crise política que ocorreu com o assassinato do Major Vaz, o jornalista ter deixado de atender o pedido que o Presidente lhe fez para sustar o uso da televisão por Carlos Lacerda, que na ocasião movia violenta campanha contra o governo, e, inclusive, virulenta e infamante contra o próprio Presidente da República. O laudatório e substancioso discurso pronunciado por 6 JUSTIÇA & CIDADANIA | JULHO 2009

Presidente Getúlio Vargas


Mas a mais surpreendente antevisão premonitória de Getúlio Vargas foi a conversa havida em 1946, em sua instância em São Borja, logo após o resultado das eleições que elegeu o Presidente Eurico Gaspar Dutra, graças ao apoio declarado de Getúlio Vargas.

Chateaubriand na Casa de Machado de Assis, enaltecendo as qualidades de Getúlio Vargas, reflete a admiração e o respeito do jornalista ao grande político e estadista, no qual reconhecia o amor ao poder, mas também a responsabilidade de exercer as funções com dignidade, honestidade e patriotismo. Os pressentimentos do Presidente Getúlio Vargas sobre os acontecimentos que lhe foram postos, motivaram sempre, desde a adolescência, a tomada de posições que evidenciassem seu conhecimento e responsabilidade. E isto aconteceu desde os tempos de estudante em Ouro Preto, na passagem pela Escola Militar, na fase universitária na Faculdade de Direito, nos primórdios da sua entrada na política do Rio Grande do Sul, no desempenho no governo e, com realce e destaque, quando participou da revolução de 1930, chefiando-a. A capacidade intuitiva, de percepção e até premonitória de Getúlio Vargas se fez sentir na eclosão da revolução, quando pela primeira vez ele fala em “vencer ou morrer”. Infelizmente, a sua intuição veio a se concretizar em 24 de agosto de 1954, quando cometeu o suicídio, evitando uma guerra civil e o sacrifício do seu povo. Na conceituação do jornalista, expressa claramente na oração com que o pranteou na Academia Brasileira de Letras, Vargas demonstrou o pressentimento de aconteci­ mentos futuros, pelo que por duas vezes lhe disse, com “o conhe­cimento íntimo da morte. E ambas no campo da luta

civil. A ideia da morte traduz invariavelmente um estado emocional de luta de responsabilidade e de beatitude da espiritualização. Isto mostra quanto o polo do sofrimento tinha uma elevada representação na natureza dessa criatura, Vargas alinhava a bravura à serenidade, para encarar, face a face, o enigma da morte”. A capacidade intuitiva, de percepção e premonição, de Getúlio Vargas sobre a sua morte foi por ele proclamada por várias vezes no decorrer da sua vida: em 1930, pela primeira vez, quando partiu para a revolução, ele fala em “vencer ou morrer”; em 1934, durante a tramitação da Constituição motivada pela revolução paulista de 1932, quando, sentindose acuado pelo clima implantado por desafetos, declara: “Resistir à violência para me depor do governo é um dever. Lúcido e consciente, estou resolvido a esse sacrifício para que ele fique como um protesto, marcando a consciência dos traidores”. E, finalmente, em 24 de agosto de 1954, quando cumprindo o que previra em 1929 comete o suicídio, deixando para os seus seguidores um brado de coragem, renúncia e incentivo à luta pelo direito dos trabalhadores e pela defesa do patrimônio público, interesses nacionalistas e econômicos, além de denunciar os atos de corrupção praticados pelos inimigos da Nação. Getúlio Vargas, além de ter vaticinado a própria morte, durante a sua existência também teve premonição de outros acontecimentos, transcendentes e importantes na vida e história do País, dentre os quais a ascensão dos trabalhadores à chefia do governo, como repetidamente discorreu em pronunciamentos incentivando os trabalhadores à sindicalização e à filiação a partidos políticos, tendo inclusive profetizado no discurso de 1º de maio de 1951 no estádio do Maracanã, na presença de 120 mil pessoas: “Trabalhadores do Brasil, tendes de prosseguir na vossa luta para que não seja malbaratado o nosso esforço comum de mais de vinte anos no sentido da reforma social, mas, ao contrário, para ser consolidado e aperfeiçoado. Para isso não cabe nenhuma hesitação na escolha do caminho que se abre à nossa frente. Não tendes armas, nem tesouros, nem contais com as influências ocultas que movem os grandes interesses. Para vencer os obstáculos e reduzir as resistências, é preciso unir-vos e organizar-vos. União e Organização devem ser o vosso lema. Preciso de vós, trabalhadores do Brasil (...) Chegou, por isso mesmo, a hora de o governo apelar para os trabalhadores e dizer-lhes: univos todos em vossos sindicatos como forças livres e organizadas. O sindicato é a vossa arma de luta, a vossa fortaleza defensiva, o vosso instrumento de ação política. No regime democrático, a maioria é que governa. Vós trabalhadores sois a maioria; organizai-vos no sindicato e no partido político para galgar o poder”. Pelo visto a mensagem do Presidente Getúlio Vargas 2009 JULHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 7


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Foto: Sandra Faddo

foi ouvida e colocada em prática pelos trabalhadores sob a liderança de um torneiro mecânico, que organizou e arregimentou os sindicatos, formou o Partido dos Trabalhadores e galgou o governo. Inúmeras são as ocorrências havidas em que as suas intuições se tornaram fatos, como a previsão da traição ocorrida em 1945, em que os seus mais íntimos generais, Eurico Gaspar Dutra, Pedro Aurélio Gois Monteiro e o mensageiro Cordeiro de Farias o traíram, e impuseram a sua deposição em 29 de outubro — e mais tarde, 10 anos depois, a funesta previsão de sua morte em 24 de agosto de 1954 —, com a traição do seu Ministro da Guerra, General Zenóbio da Costa, em que, despudorado e vergonhosamente, após a reunião ministerial em que ficou acertada, com sua afirmativa palavra, a licença do Presidente, esse patife desqualificado, de volta ao seu gabinete no Quartel General, declara aos generais presentes que o Presidente Getúlio Vargas não voltaria mais, estava deposto. A traição de Zenóbio é comunicada por telefone por um General a Alzira Vargas, que leva a informação ao seu pai, que calma e tranquilamente lhe responde: “Eu já antevia essa traição”. Mas a mais surpreendente antevisão premonitória de Getúlio Vargas foi a conversa havida em 1946, em sua instância em São Borja, logo após o resultado das eleições que elegeu o Presidente Eurico Gaspar Dutra, graças ao apoio declarado de Getúlio Vargas; eleição em que foi eleito senador por São Paulo e Rio Grande do Sul, e deputado estadual em 7 estados. Terminado o churrasco, sentaram-se em volta do Presidente, que tomava chimarrão, diversos convivas. Dentre os quais, recordo-me de Danton Coelho, Alexandre Marcondes Filho, João Goulart, Manoel Vargas, Paulo Baeta Neves, presidente do PTB, José Brochado da Rocha, Roberto Alves, José Vecchio, Hernani Fittipaldi, Guilherme Arinos, Euzébio Rocha, Alberto Pasqualini, José Gomes Talarico e outros. Lembro que depois de muitos casos contados e situações sobre a campanha, comícios e passeatas, alguém perguntou: “E agora, Presidente, que ficou demonstrado o seu prestígio, o apoio e a bem querença do povo, o senhor não pretende voltar à Presidência da República?” Getúlio olhou o interlocutor, deu uma sugada no chimarrão, olhou para o alto, em seguida para o entardecer do campo e respondeu: “Voltar é improvável e nem está nas minhas cogitações. Acedi em concorrer nas eleições proporcionais para fortalecer o Partido e a legenda. Entre os estados que disputei eleições e venci, escolhi a senatoria do Rio Grande porque é a minha terra. A caminhada no Congresso Nacional, se me dispuser a tanto, não será tranquila, devido aos ódios e malquerenças que se formaram. Estou cético do apoiamento contra as provocações que virão contra mim e o meu governo, muitas vezes contarão com as defecções e até apoio de companheiros que participaram da administração, mas que agora escolherão ficar à sombra do novo governo. Não sei se terei vontade de comparecer

Orpheu Santos Salles, editor

às disputas que irão ocorrer. Estou certo de que a ajuda eleitoral que demos ao General Dutra propiciando a sua vitória não nos trará reconhecimento e razoável participação no governo. Os novos áulicos do Presidente Dutra farão de tudo para incorporar a UDN ao governo e não tenho dúvida sobre as ofensas e mentiras que atirarão às minhas costas. Prevejo até que as conquistas sociais alcançadas e as reservas financeiras que acumulamos com as economias de guerra sejam desbaratadas com medidas predatórias contra os interesses do povo e da Nação. Prevejo para o futuro dias tumultuados e difíceis, mas antevejo também que o Rio Grande do Sul conseguirá fazer mais seis gaúchos na Presidência da República, sendo que São Borja terá o privilégio de fornecer ao Brasil mais 3 presidentes.” Esta profecia se tornou quase totalmente realidade com a posse dos três presidentes militares, Artur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel, nascidos respectivamente em Taquari, Bagé e Bento Gonçalves; e mais os próprios presidentes Getúlio Vargas e João Goulart, naturais de São Borja. Se a previsão se concretizar, como acredito, em decorrência dos fatos premonitórios antecedentes previstos pelo Presi­ dente Vargas, não é de se desdenhar o futuro do atual Ministro da Justiça Tarso Genro, já que é o único político de São Borja em evidência com possibilidade de atender à profecia do Presidente Getúlio Vargas, cuja ocorrência, entretanto, não acontecerá em 2010, tendo em vista a sua previsível vitória ao governo do Rio Grande do Sul, mas possivelmente ocorrerá em 2014, em 2018, ou então, fatalmente, em 2022.


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projeto contra o subrregistro Entrevista: Desembargador Roberto Wider, Corregedor-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

Foto: Divulgação

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rradicar o subrregistro no Rio de Janeiro. Com esse objetivo, o Corregedor-Geral de Justiça deste Estado, Desembargador Roberto Wider, deu início ao projeto Com Certidão Sou Cidadão. A iniciativa foi inaugurada, com o apoio do Governo do Estado, no último dia 6 de agosto, no Fórum de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, e, em breve, será estendida a outros municípios da região. A principal característica do programa está em sua permanência. “Intrinsecamente trata-se de um projeto já implementado e deflagrado pela Corregedoria e que veio para ficar. Então, não é um projeto deste Corregedor, mas da Corregedoria, a ser implantado de maneira que permaneça”, explicou o Magistrado, evitando utilizar o termo campanha, justamente por presumir a existência de temporalidade. Wider afirmou à Revista Justiça & Cidadania que começou a pensar no problema após ler uma reportagem sobre iniciativa semelhante que é desenvolvida em São Paulo. “Então, esse conhecimento me adveio, primeiro, como cidadão atento aos fatos que ocorrem a nossa volta”, disse o Magistrado. De acordo com ele, o número de crianças recém-nascidas no Estado que não são registradas chega atualmente a 10 mil, mas a quantidade de pessoas sem certidão é bem maior, se levarmos em consideração os adultos que não foram registrados ou perderam o documento. O projeto criado pelo Desembargador contempla ações para sanar os dois lados desta realidade dramática. Revista Justiça & Cidadania – Como surgiu a ideia do projeto de erradicação do subrregistro? Roberto Wider – Através do meio pelo qual todos tomam conhecimento: a Imprensa. Lembro-me de ter lido há algum tempo uma reportagem sobre o trabalho de Zilda Arns (fundadora e coordenadora nacional da Pastoral da Criança e da Pastoral

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da Pessoa Idosa, organismos de ação social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), que há muito tempo se dedica à solução desse tipo de problema. São questões sociais que afligem o País e que, vez por outra, vêm à tona. Às vezes não estamos afetos a essas questões e não imaginamos quão dramática é a situação das pessoas que não têm registro. Não é só uma questão de pobreza, é uma questão de alienação da vida social. Não tinha contato com isso até assumir a Corregedoria. Esse é um problema específico dos registros civis de pessoas naturais. Quando comecei a me debruçar sobre esse problema, imaginei essa questão: as pessoas nascem, mas não existem. É algo muito dramático. Tomei conhecimento de escolas primárias que têm aceitado crianças que não têm certidão, mas quando estas chegam ao segundo grau, não podem mais continuar. O mais dramático de tudo, como vimos também em São João de Meriti (no dia do lançamento do projeto), quando a juíza relatou, são os casos de pessoas que, por exemplo, têm doença psiquiátrica ou doenças graves que exigem medicamentos de tarja preta. Se a pessoa não tem registro não poderá receber esse remédio. Então, esse conhecimento me adveio, primeiro, como cidadão atento aos fatos que ocorrem a nossa volta, através desse instrumento que são os veículos de comunicação. Depois, quando assumi a Corregedoria e, então, comecei a questionar e verificar essa questão. Penso que a CorregedoriaGeral de Justiça é o órgão mais adequado para poder juntar as forças que trabalham nesse sentido. Existem diversas iniciativas, todas elas muito elogiáveis, como essa da senhora Zilda Arns e as que o Governo Federal está realizando. Então, há uma série de atividades pontuais, mas que não se interligam. JC – No que o projeto se diferencia? RW – Justamente nesse sentido da interligação. Quais são os órgãos encarregados de fornecer o registro? São os cartórios de registro civil de pessoas naturais, que estão submetidos à Corregedoria. E quais são os órgãos do Estado? Dessa maneira, vamos à Secretaria da Educação para resolver o problema das crianças; à Secretaria da Saúde para sanar a questão das maternidades e outras atividades afins; assim como aos órgãos de identificação de registros de pessoas, como o Detran e o Instituto Félix Pacheco. É aí que vejo o diferencial no trabalho da Corregedoria. Juntaremos esses órgãos e organizaremos os trabalhos que eles prestam dentro do núcleo de ação que a Corregedoria organiza, administra e implementa. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 5% da população do Estado do Rio não têm registro hoje. Ou seja, dos 200 mil e tantos nascimentos, 10 mil crianças deixam de ser registradas. Aí está o lado dramático. Isso é hoje. Como não era, então, há 10 ou 20 anos? Esse percentual era muito maior. O que significa que temos muitos adultos sem a certidão. Não é só o problema da criança que está nascendo hoje. Esse talvez seja o mais fácil, pois vamos instalar, junto às maternidades, postos

de atendimento. Há locais, inclusive, que contam com um. O objetivo é agregar esses esforços, essas iniciativas já realizadas e as pessoas com boa vontade em relação a esse problema, inclusive para que os juízes que têm competência de fazer esses registros, e que encontrem grande dificuldade, possam realizar esse trabalho. JC – O senhor pretende criar um cadastro? RW – Tem que haver um cadastro para controle, se não poderão ocorrer fraudes. Esse cadastro será formado por todos os documentos que pudermos conseguir; desde a tal declaração de nascimento com vida, que é o primeiro documento que surge na vida de uma pessoa, até os outros documentos que possam ser obtidos junto a esses órgãos. A ideia é que os juízes tenham um procedimento padrão e o apoio efetivo da Corregedoria para que possam julgar (os pedidos de registro tardio) com rapidez. JC – Essa campanha será permanente? RW – Exatamente. Por isso nem usaria o nome de campanha. Intrinsecamente trata-se de um projeto já implementado e deflagrado pela Corregedoria, e que veio para ficar. Então, não é um projeto deste Corregedor, mas da Corregedoria a ser implantado de maneira que permaneça agora na minha administração e naquelas que se seguirem, enfim, para a erradicação completa desse problema. Esse é o diferencial de tudo o que já foi feito até hoje. JC – O projeto foi inaugurado em São João de Meriti. Agora onde será desenvolvido? RW – Em outubro será em Nova Iguaçu; em novembro, em Duque de Caxias; em dezembro será a vez de Queimados; em janeiro, de Nilópolis; em fevereiro, instalaremos em Belford Roxo. Estamos falando, por enquanto, só da Baixada Fluminense. Vamos partir para todo o Estado. JC – Qual foi a repercussão do projeto entre os juízes? RW – Os juízes que já foram contatados estão empolgados. Eles enfrentam muitas dificuldades. É muito difícil para esses magistrados — com as limitações que têm — realizarem o registro. As pessoas que vão lá pedir isso geralmente são pobres, não têm nível de cultura, não sabem fornecer informações nem como proceder. Vão através da Defensoria, mas não fornecem elementos à Instituição. Então, fica muito difícil o julgamento dessas questões em relação aos registros anteriores, ou seja, de pessoas adultas. Em São João de Meriti, demos o registro para uma jovem. Ela não tinha a certidão, nem o filhinho dela. Essa é outra consequência: quem não tem registro não pode registrar, dando prosseguimento a essa situação tão triste e dramática. O que podemos e devemos fazer é difundir isso o máximo que conseguirmos, para justamente trazer toda ajuda possível a essa organização montada na Corregedoria. 2009 JULHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 11


Foto: José Cruz/ABr

Foto: Ana Colla

Procuradora-Geral do Estado, Lúcia Léa Guimarães

Conquista da Autonomia na PGE/RJ

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rimeira mulher a dirigir a Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro (PGE/RJ), Lúcia Léa Guimarães Tavares mostrou a que veio. Desde sua nomeação pelo Governador Sérgio Cabral, a Procuradora-Geral tem desenvolvido uma série de projetos que alavancaram a atuação da Instituição. Nesse sentido, destacam-se as diversas medidas com vistas a melhorar a arrecadação dos créditos inscritos em dívida ativa. “A Procuradoria tem conseguido agilizar o recebimento dos débitos inscritos em dívida ativa e, para isto, conta com alguns instrumentos 12 JUSTIÇA & CIDADANIA | JULHO 2009

recentes e com uma extrema dedicação dos servidores que trabalham na Procuradoria da Dívida Ativa”, afirmou. Essa, no entanto, não é a única ação desenvolvida pela Procuradora-Geral do Estado. À Revista Justiça & Cidadania, Lúcia Léa chamou a atenção para “as muitas vitórias” da Instituição, “especialmente no que se refere ao seu funciona­ mento”, como a realização recente de concursos públicos, que permitirão à PGE/RJ desempenhar melhor o papel que tem na defesa e orientação do Poder Executivo Estadual. Ela destacou também o programa de Residência Jurídica da Instituição, que


É preciso agir sem preconceitos e com tolerância. A Procuradoria deve se engajar na luta contra a discriminação em todas as áreas, inclusive quando a discriminação é dirigida contra o jovem pobre, que tem menos oportunidade que os demais.

tem como objetivo fazer com que os jovens advogados públicos conheçam melhor o trabalho que devem desenvolver. Ainda na entrevista, a Procuradora-Geral comentou a ação movida pela PGE/RJ com vistas a permitir a aplicação do regime jurídico da união estável às relações homoafetivas. Lúcia Léa destaca a atuação da Procuradoria no que diz respeito à aplicação da Lei de Cotas para as universidades do Estado, suspensa por uma liminar concedida pelo Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) e também reflete sobre os desafios da Instituição. “A Procuradoria é constantemente demandada para exercer a defesa do Estado em juízo. Temos milhares de ações em curso, em todas as áreas. Temos que nos empenhar para que esta defesa seja feita com sucesso e, especialmente, orientar o Poder Executivo para que possamos diminuir a litigiosidade hoje existente”, destacou. Revista Justiça & Cidadania – Tratou-se de um marco para a PGE a indicação do seu nome para dirigir a Instituição, justamente por ser a primeira mulher a ocupar o cargo de ProcuradoraGeral do Estado. Além do reconhecimento pelo Governador do Estado, toda sua classe também apoia e incentiva o seu trabalho. Tanto que, por três mandatos sucessivos, foi eleita Presidente da Associação dos Procuradores do Estado do Rio de Janeiro. Fale um pouco sobre o trabalho desenvolvido todos esses anos em prol da Advocacia Pública e sobre a oportunidade de representar classe e instituição tão relevantes para a Administração Estadual. Lúcia Léa – Sou Procuradora do Estado do Rio de Janeiro desde 1985. Durante todo esse período trabalhei em diversas áreas do Estado, tendo, inclusive, no começo da carreira, atuado como Procuradora da cidade do Rio de Janeiro, uma vez que, naquela época, nós também advogávamos para o Município. Fui ainda Secretária de Estado de Administração do Governador Moreira Franco. Pude trabalhar com procuradores-gerais excepcionais como Eduardo Seabra Fagundes; Letácio Jansen, nosso maior doutrinador e defensor da moeda nacional; Hélio Saboya; José Eduardo dos Santos Neves e Geraldo Arruda Figueredo. Todos eles, hoje aposentados, são grandes advogados, sendo que o

José Eduardo foi ainda Desembargador do Tribunal Regional Federal em São Paulo. Com essa escola, a gente acaba muito envolvida com a Advocacia Pública, que é muito absorvente e recompensadora. A Procuradoria-Geral do Estado é uma excepcional escola de Advocacia. Embora o concurso de admissão seja muito duro, é no exercício diário do cargo que se aprende efetivamente. Além disso, como fui Presidente da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro durante três mandatos consecutivos (o Régis Fichtner, nosso Senador e Secretário Chefe da Casa Civil, era o Vice-presidente), pude participar das lutas políticas para o alcance e manutenção de algumas das prerrogativas mais relevantes para a carreira, na qual se destaca a conquista da autonomia da Procuradoria. O nosso Governador nos dá um apoio firme, o que tem possibilitado uma administração da Casa bem tranquila. Confesso que achei muito bom ser a primeira mulher a dirigir a Procuradoria-Geral, embora já tivéssemos tido várias mulheres exercendo o cargo de subprocuradoras-gerais e, eventualmente, respondendo pelo comando da Instituição. De qualquer forma, temos, há muitos anos, muitas procuradoras trabalhando aqui e em posições de mando. Era apenas uma questão de tempo, mas foi ótimo que tenha ocorrido comigo. JC – O Programa de Residência Jurídica da PGE/RJ acabou de completar um ano. Essa iniciativa, além de pioneira, é inédita em todo o Brasil. Qual o objetivo desse projeto, como funciona e quais os resultados alcançados ao longo de mais de um ano de implantação? LL – O programa destina-se aos jovens advogados que desejam conhecer a Advocacia Pública. Eles passam por um concurso difícil e podem ficar trabalhando durante dois anos, recebendo uma bolsa. Um dia por semana é dedicado exclusivamente a aulas, que são ministradas por procuradores do Estado. Nos demais dias trabalham sob a orientação de procuradores e com questões nas quais o Estado se encontra envolvido (ou na Procuradoria-Geral ou nas assessorias jurídicas das Secretarias de Estado). Com isto, eles podem 2009 JULHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 13


ter uma visão geral muito boa dos problemas com os quais nos defrontamos no dia a dia e no que consiste um trabalho do advogado público, tanto no contencioso quanto na consultoria. O advogado iniciante tem a oportunidade de trabalhar, por exemplo, com a área de licitação e contratos administrativos, meio ambiente, relações públicas de trabalho, patrimônio, tributação, entre outros. Acho que o programa tem sido um sucesso. O nível profissional desses primeiros residentes é excelente, alguns inclusive foram estagiários na Procuradoria. Os procuradores que os supervisionam estão muito satisfeitos com o resultado do programa e aqueles que ministram as aulas acham que a resposta tem sido ótima. Como se trata de uma iniciativa pioneira, procuradorias de outros estados já nos pediram o modelo do projeto e estão pretendendo implantálo também. E, como acabamos de fazer um concurso para o quadro de apoio, alguns residentes já deixaram de sê-lo, uma vez que foram aprovados no concurso para Técnico Superior de Procuradoria. Ou seja: é uma iniciativa que tem tudo para dar certo. Espero que permaneça durante muito tempo.

Temos conseguido, pouco a pouco, diminuir o estoque de decisões judiciais pendentes de cumprimento, o que tem sido muito bom para o Estado. Vamos continuar a colaborar para o fortalecimento das instituições, sugerindo a edição de leis que organizem e modernizem o Estado.

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JC – A Lei de Cotas, que reserva 45% das vagas das universidades estaduais a cotistas, foi suspensa no mês de junho, em caráter liminar, pelo TJ/RJ. Tal decisão, no entanto, só passará a valer a partir do vestibular a ser realizado em 2010. O mérito da ação de inconstitucionalidade da lei, proposta pelo Deputado Flávio Bolsonaro do PP, ainda não foi julgado. O Governador do Estado já se demonstrou publicamente favorável à lei questionada. O que a PGE/RJ tem feito a favor da manutenção definitiva do sistema? LL – A Procuradoria tem desempenhado um papel importante na defesa da Lei de Cotas. Trabalhamos na sua revisão, fizemos uma audiência pública em que houve um grande comparecimento de interessados e, ao final, mandamos para o Governador um anteprojeto consolidando as conquistas que haviam sido obtidas a partir da data em que começou vigorar a lei anterior. Temos inteira convicção de que a Lei nº 5.346/2008 é uma grande contribuição do Estado do Rio de Janeiro para a redução das desigualdades existentes no país. A luta pela igualdade é, para mim, primordial, uma vez que a igualdade é um objetivo claro a ser perseguido por nós. Além do Rio de Janeiro, há outros estados que praticam políticas de ação afirmativa semelhantes e que têm sido bem sucedidas. As pesquisas demonstram isto. A lei não é inconstitucional e estou certa de que temos enorme chance de ganhar a questão. Há discussão sobre a matéria no Supremo Tribunal Federal e, recentemente, o Ministério Público Federal deu parecer (em ação que não é protagonizada pelo Estado do Rio de Janeiro) sobre a constitucionalidade desse tipo de norma. Na verdade, o que se pretende é concretizar a isonomia, do art. 5º, caput, da Constituição da Federal e, como já disse, tentar contribuir para a redução das desigualdades sociais e para a promoção do bem geral. É preciso agir sem preconceitos e com tolerância. A Procuradoria deve se engajar na luta contra a discriminação em todas as áreas, inclusive quando a discriminação é dirigida contra o jovem pobre, que tem menos oportunidade que os demais.


Foto: Ana Colla Procuradora-Geral do Estado, Lúcia Léa Guimarães

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JC – Em março do ano passado, a PGE/RJ propôs a primeira ação questionando a constitucionalidade da aplicação do regime jurídico da união estável às uniões homoafetivas. O que motivou essa ação? LL – O nosso Governador — que é uma pessoa voltada para transformar o Estado, dando oportunidade de educação, trabalho e desenvolvimento adequados para a população — entendeu que era inadmissível que houvesse um conjunto de cidadãos discriminado por sua inclinação afetiva e sexual. Os princípios da liberdade, da igualdade e da dignidade da pessoa humana são suficientes para embasar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental tal como propomos. Não há por que não aplicar as regras dirigidas aos casais heterossexuais aos casais homoafetivos. Todos nós temos o direito de buscar a felicidade. Como já disse, espero que a Procuradoria sempre defenda concretamente — em juízo, e mediante a promoção de estudos, pesquisas e seminários — a tolerância e a igualdade. É muito bom poder trabalhar com essas questões. JC – Qual a posição da PGE/RJ em relação à PEC 12, que visa estabelecer novas regras para o pagamento dos precatórios municipais e estaduais? LL – A Procuradoria defende a aprovação da PEC. A Emenda, se aprovada, vai possibilitar o pagamento, de forma continuada e consistente, dos precatórios, beneficiando os titulares de créditos de menor valor e possibilitando que os estados e municípios renegociem os débitos para realizar um pagamento mais rápido. O Estado do Rio de Janeiro tem acelerado o pagamento de seus precatórios e, em comparação com os Governos anteriores, a “fila” tem andado muito mais rapidamente. Assim, para comparar apenas com o Governo anterior, o Estado pagou no ano de 2003 R$ 55.662.229,07; no ano de 2004, R$ 26.778.311,44; no ano de 2005, R$ 26.094.952,41; e no ano de 2006, R$ 37.633.682,10. Já no Governo em curso, pagamos muito mais, ou seja R$ 73.815.482,78 no ano de 2007; R$ 154.766.776,28 no ano de 2008; e até julho já pagamos R$ 104.201.773,61. A previsão para todo ano de 2009 chega a cerca de R$ 220.000.000,00. Na área de requisições de pequeno valor, o panorama é ótimo. Estamos pagando em dia e também podemos fazer uma comparação com o Governo anterior, quando se verifica que aumentamos muito os valores do pagamento. Nos anos de 2003 a 2007 o Estado pagou R$ 2.832.650,65, já neste Governo, em apenas dois anos e meio, foi pago o valor de R$ 15.965.036,58 em Requisições de Pequeno Valor. JC – Desde o início de sua gestão, foram implementadas diversas medidas para a otimização e o aumento da arrecadação dos créditos inscritos na dívida ativa. Em linhas gerais, quais foram estas medidas e quais os resultados alcançados? LL – A Procuradoria tem conseguido agilizar o recebimento dos débitos inscritos na dívida ativa e, para isto, conta com alguns instrumentos recentes e com uma extrema dedicação dos servidores que trabalham na Procuradoria da Dívida Ativa. Entre outras novidades, estamos começando a mandar 16 JUSTIÇA & CIDADANIA | JULHO 2009

protestar os débitos, especialmente aqueles que são objeto de parcelamento e não foram pagos. Essa solução tem dado bons frutos e só foi adotada agora porque a nossa Assembleia Legislativa aprovou há alguns meses a lei que nos permite fazer isto com segurança jurídica. Estamos finalizando agora um convênio com o Serasa que será de grande ajuda. Vamos ainda, juntamente com as demais procuradorias estaduais, celebrar um convênio com o Conselho Nacional de Justiça visando acelerar o desempenho das Varas de Execuções Fiscais, que têm, em todo o país, demonstrado ser um problema de acúmulo de processos. No Estado do Rio de Janeiro, temos trabalhado em conjunto com o Presidente do Tribunal de Justiça. Há cerca de um mês, começou a funcionar um mutirão no cartório da dívida ativa estadual, visando diminuir o estoque dos processos, arquivando aqueles já encerrados ou sem possibilidade de cobrança e acelerando a tramitação daqueles que podem dar um resultado palpável de cobrança. Essa é uma questão delicada, de vez que o Estado depende da arrecadação tributária para ter recursos para prestar os serviços que constitucionalmente está obrigado a prestar. Assim, se a arrecadação cai, de onde vamos tirar dinheiro para aplicar em educação, saúde e segurança? JC – Durante sua gestão, quais foram as maiores conquistas alcançadas pela PGE/RJ, seja para o Governo, seja para os cidadãos fluminenses, ou para a própria Instituição? LL – Tivemos muitas vitórias, especialmente no que se refere ao funcionamento da Instituição. Fizemos um concurso para Procurador de Estado (o décimo quinto) e demos posse a 24 novos procuradores em meados do ano passado. Acabamos de abrir um novo concurso — as inscrições iniciaram dia 22 de julho — para vinte novos procuradores, que esperamos empossar no ano que vem. Acabamos de admitir, mediante concurso público, mais de 100 (cem) servidores de nível médio e universitário para suprir o quadro de apoio da Casa. Nunca foi feito um concurso como este na Procuradoria: arregimentamos engenheiros, arquitetos, contadores, bacharéis em Direito, administradores, médicos, bibliotecários, profissionais de tecnologia de informação, além dos profissionais de nível médio. Além disso, compramos sedes para a Procuradoria em três cidades do interior do Estado (Nova Iguaçu, Cabo Frio e Friburgo) e em Brasília. A instalação adequada da Procuradoria é necessária não só para que os servidores tenham um lugar confortável para trabalhar, mas para que se possa atender o público que nos procura todos os dias em virtude de problemas com pagamento de impostos e processos em juízo. Vamos continuar com o programa de melhoria das instalações das procuradorias regionais, situadas no interior do Estado. Fundamental para a institucionalização dos serviços jurídicos do Estado foi a lei que dispõe sobre o funcionamento das assessorias jurídicas das secretarias de Estado, que devem, obrigatoriamente, ser chefiadas por um Procurador do Estado. Elaboramos o anteprojeto, a pedido do Governador Sérgio Cabral, que hoje está em pleno vigor. Além de sugerir o anteprojeto, que resultou na nova Lei de Cotas, a Procuradoria redigiu o anteprojeto que se transformou


JC – Quais são os atuais desafios da PGE/RJ? LL – A Procuradoria é constantemente demandada para exercer a defesa do Estado em juízo. Temos milhares de ações em curso, em todas as áreas. Temos que nos empenhar para que esta defesa seja feita com sucesso e, especialmente, orientar o Poder Executivo para que possamos diminuir a litigiosidade hoje existente. Este é também o papel da consultoria na área pública. A Procuradoria também tem um compromisso de colaborar para o efetivo cumprimento das decisões judiciais. Temos conseguido, pouco a pouco, diminuir o estoque de decisões judiciais pendentes de cumprimento, o que tem sido muito bom para o Estado. Vamos continuar a colaborar para o fortalecimento das instituições, sugerindo a edição de leis que organizem e modernizem o Estado. Internamente, os nossos grandes projetos são dois. Um deles é a mudança da Procuradoria para uma sede maior na cidade do Rio de Janeiro, que consiga abrigar todas as áreas. Já estamos caminhando para esta mudança, que pretendemos completar no ano que vem, antes do encerramento do atual mandato do Governador. O outro é a profissionalização do quadro de apoio — o que começou com o concurso ao qual já me referi — e a modernização dos processos de trabalho, com a formulação de uma arquitetura de informação e novos sistemas, adequados para uma instituição de advogados públicos. Para

Foto: Ana Colla

na Lei nº 5.101, de 4 de outubro de 2007, que dispõe sobre a criação do instituto estadual do ambiente, o INEA, e possibilita providências para maior eficiência na execução das políticas estaduais de meio ambiente, de recursos hídricos e florestais. Na tentativa permanente de acelerar a cobrança da dívida ativa estadual, propusemos e tivemos aprovada a Lei nº 5.351, de 15 de dezembro de 2008, que dispõe sobre medidas para incremento da cobrança de créditos inscritos na dívida ativa do Estado do Rio de Janeiro. Em conjunto com os representantes de outros poderes e de técnicos do Rioprevidência, os procuradores trabalharam intensamente na redação do projeto que provocou a edição da Lei nº 5.260, de 11 de junho de 2008, que estabelece o regime jurídico próprio e único da previdência social dos membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, do Tribunal de Contas e dos servidores públicos estatutários do Estado do Rio de Janeiro. Apresentamos ainda o anteprojeto da lei sobre atos e procedimentos administrativos, que já está também em vigor. Redigimos a minuta do Decreto nº 41.614, de 24 de dezembro de 2008, que regulamenta os concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos integrantes dos quadros permanentes de pessoal do Poder Executivo e das entidades da administração indireta do Estado. Tal decreto contribuirá para diminuir a litigiosidade encontrada nessa área no nosso Estado. Estamos trabalhando na proposta de importantes diplomas legais, tais como o que pretende estabelecer normas sobre as licitações, contratos administrativos e convênios, e outro sobre medidas voltadas à regularização fundiária de interesse social em imóveis do Estado do Rio de Janeiro e dos demais entes da administração direta e indireta. Tais propostas já estão sendo analisadas pelo Poder Executivo.

Procuradora-Geral do Estado, Lúcia Léa Guimarães

isto tudo temos sempre que renovar o quadro dos procuradores e de apoio, e trabalhar com as inovações tecnológicas que todos os dias são colocadas no mercado. JC – Recentemente, a Defensoria Pública obteve o reconhecimento de sua autonomia através de uma Emenda Constitucional. Qual é, em sua opinião, o futuro da Advocacia Pública? LL – Cabe à Advocacia Pública defender a Fazenda, orientála quanto aos limites de sua atuação e propor as medidas que julgue necessárias ao alcance de seu fim. Como advogados públicos temos também o dever de auxiliar o Governo, eleito democraticamente, a colocar em prática as políticas públicas por ele escolhidas. Cabe ao Poder Executivo as escolhas políticas, aprovadas pelo Poder Legislativo. A nós cabe dar o suporte jurídico necessário para a sua execução, nos estritos termos da lei. A Procuradoria-Geral do Estado tem sua autonomia, o Procurador-Geral deve ser escolhido entre um dos integrantes da carreira e cabe a ele dirigir a Casa. A Advocacia cada vez mais se firmará, tendo, ainda, o relevante papel de exercer o controle da legalidade dos atos do Poder Executivo. 2009 JULHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 17


O ADVOGADO CREDOR DE HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA: LITISCONSORTE NECESSÁRIO NA AÇÃO RESCISÓRIA Francisco Peçanha Martins Ministro aposentado do STJ Membro do Conselho Editorial

O

advogado exerce a nobre profissão de defender o interesse jurídico de seu semelhante. Na Roma antiga, o advocatus era parente ou amigo do acusado que o defendia em Juízo. Era o patrono, o orador. ULPIANO, no “Digesto”, assim definia o jus postulandi: “Postulare este desiderium suum vel amici in jure apud eum qui jurisdictione praest, exponere vel alterius desiderio contradicere.” (Postular é expor seu desejo ou o do amigo, em direito, perante aquele que goza de jurisdição ou contradizer o desejo de outrem). Foi na França, em 1327, que o Rei Felipe estabeleceu, em ordenança, que só os inscritos nos quadros da ordem (corporação), após aprendizagem, poderiam advogar. No Brasil, criada a Ordem dos Advogados pelo Decreto nº 19.408, de 18/10/1930, somente os legalmente inscritos podem advogar, a teor do que dispunham o Decreto nº 20.784, de 19/12/1931, com vigência a partir de março 1933 (Decreto nº 22.266, de 28/12/1932); a Lei 4.215, de 27/4/1963; e estabelece a Lei 8.906/94, o vigente Estatuto da Advocacia. “A relação entre a parte ou quem a represente, e o seu defensor, é de mandato com representação.” (LIEBMAN, in “Manual de Direito Processual Civil”, n. 45, p. 97 ). CLÓVIS BEVILAQUA ensina que “o contrato de advogado constituído para a defesa de uma causa participa da natureza do mandato e da prestação de serviço, em íntima conexão”. Figura indispensável à administração da Justiça (art. 133 CF), “a parte será representada em juízo por advogado

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legalmente habilitado” (art. 36, 1ª parte, do CPC), atua nos autos em nome do cliente, exercitando o mandato conferido, por procuração. Defensor imprescindível dos interesses jurídicos dos cidadãos no processo judicial, o advogado sobrevive graças à remuneração auferida pelos relevantes serviços prestados. A capacidade de requerer, em juízo, o jus postulandi, é a maior das prerrogativas da Advocacia. O advogado, exercendo o mandato, atua, através de procuração, em nome do constituinte, na defesa da liberdade e dos seus interesses jurídicos materiais e morais. No seu ministério privado, o advogado presta serviço público, constituindo, com os juízes e membros do Ministério, elemento indispensável à administração da Justiça, como instituía o art. 68 da Lei 4.215/63 e proclama o art. 133 da Constituição. Trata-se, pois, de figura indispensável do processo judicial, exercendo, na lide, a defesa do seu cliente. A remuneração do advogado, o primeiro dos seus direitos, como a dos profissionais liberais, denomina-se “honorários”, que podem ser contratados, arbitrados ou fixados em sentença, por força da sucumbência. A lei vigente pôs fim à controvérsia que lavrava na doutrina e na jurisprudência quanto à titularidade dos honorários de sucumbência. Afirmavam renomados juristas que pertenciam ao cliente vitorioso na lide, pois se justificariam como ressarcimento à parte pelos ônus despendidos para a defesa do seu legítimo interesse jurídico.


A sentença rescindível, vale dizer, a coisa julgada, permanece eficaz enquanto não rescindida. E, como estabelece o art. 24 da Lei 8.906/94, é título executivo, podendo processar-se a execução dos honorários nos mesmos autos da ação ou em outro processo próprio.

Interpretavam, então, literalmente, o disposto no art. 20 do CPC, não obstante a Lei 4.215/63 afirmasse o “direito autônomo” dos advogados sobre tais honorários. A Lei 8.906/94 veio dissipar todas as dúvidas sérias a respeito do tema, positivando, peremptoriamente, nos seus artigos 22 e 23: Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência. Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor. E no art. 24 e parágrafos o Estatuto da Advocacia assegura ao advogado a execução dos honorários: Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial. § 1º. A execução dos honorários pode ser promovida nos mesmos autos da ação em que tenha atuado o advogado, se assim lhe convier. § 2º. Na hipótese de falecimento ou incapacidade civil do advogado, os honorários de sucumbência,

proporcionais ao trabalho realizado, são recebidos por seus sucessores ou representantes legais. ........................................................................................ § 4º. O acordo feito pelo cliente do advogado e a parte contrária, salvo a aquiescência do profissional, não lhe prejudica os honorários, quer os convencionados, quer os concedidos por sentença. O Pretório Excelso, por suas 1ª e 2ª Turmas, assentou a jurisprudência positivando a natureza jurídica de contraprestação alimentar dos honorários advocatícios de qualquer espécie (RREE ns. 146.318-0/SP (2ª T.), 170.220-6/ SP (2ª T.) e 470.407-2/DF (1ª T.). O STJ, de igual modo, pacificou a sua jurisprudência proclamando a natureza alimentar dos honorários de sucumbência, como se pode observar nos ERESP ns. 706.331/R (CE); 724.158/PR (CE), 854.535/RS (1ª S.), e inúmeros julgados das Seções e Turmas. E o fez também com apoio nos artigos 19, parágrafo único, I, da Lei nº 11.033/04, e 649, IV, do CPC, que incisivamente estabelecem: Art. 19. O levantamento ou a autorização para depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatório judicial somente poderá ocorrer mediante a apresentação ao juízo de certidão negativa de tributos federais, estaduais, municipais, bem como certidão de regularidade para com a Seguridade Social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS e a Dívida Ativa da União, depois de ouvida a Fazenda Pública. (Vide ADIN 3.453-7) Parágrafo único. Não se aplica o disposto no caput deste artigo: I - aos créditos de natureza alimentar, inclusive honorários advocatícios; Art. 649. São absolutamente impenhoráveis: (...) IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste artigo; (CPC – Redação da Lei nº 11.382/06) No direito brasileiro temos, pois, como verdade dogmática, que os honorários de qualquer espécie, inclusive os de sucumbência, pertencem ao advogado, e o contrato, a decisão e a sentença que os estabelecem são títulos executivos. Não há, pois, como negar a propriedade do advogado sobre os honorários de sucumbência. A sucumbência O princípio processual da sucumbência, a disttrazione italiana, foi inserido no art. 20 do CPC, que dispõe: Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários 2009 JULHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 19


Foto: STJ

Ministro Francisco Peรงanha Martins

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advocatícios. Essa verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria. A norma é imperativa: condenará. Ao Juiz não resta senão estabelecer o quantum dos honorários devido ao advogado, dentro dos parâmetros instituídos nos §§ 3º, 4º e 5º do art. 20. A princípio, a jurisprudência condicionou a condenação nos honorários de sucumbência a requerimento formulado pela parte. A Súmula 256 do STF, porém, proclamou a desnecessidade de pedido expresso para a condenação nos honorários de sucumbência: Súmula 256 STF. É dispensável pedido expresso para condenação do réu em honorários, com fundamento nos arts. 63 ou 64 do Código de Processo Civil. Temos, então, que pertencem ao advogado os honorários de sucumbência, a cujo pagamento o Juiz, na sentença, condenará o vencido. Duas são as premissas inafastáveis ao silogismo: i. O advogado é titular do direito patrimonial aos honorários de sucumbência, cujo pagamento o Juiz deverá impor ao vencido, haja ou não pedido expresso formulado nos autos. ii. Poderá ocorrer, porém, que o Juiz, embora obrigado a condenar o vencido ao pagamento da verba honorária, não o faça. Perguntar-se-á: quem poderá recorrer contra a omissão? YOUSSEF CAHALI, o maior tratadista sobre a matéria, dilucidando sobre a autonomia do direito do advogado, ratificada pelo art. 23 da Lei 8.906/94, afirma a sua legitimidade para recorrer, em nome próprio: “Mas também, referindo-se agora que tais honorários pertencem ao advogado, impende reconhecer que este encontra-se agora investido de legitimidade, também para recorrer, em nome próprio, da sentença proferida em favor do cliente, na parte referente aos honorários da sucumbência, seja no caso de ter sido negada a verba, seja igualmente no caso de ter sido esta fixada em quantia irrisória, ou desconforme às regras do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC.” (In “Honorários Advocatícios”, 3. ed., RT, p. 809). Vale notar que, nos autos da ação originária, o advogado atua em nome do cliente, mas a sentença, como ensina CHIOVENDA, faz nascer em seu favor o direito à verba honorária, o que assegura o direito de recorrer também em nome próprio. Mas a autonomia do direito do advogado aos honorários não impede a execução da sentença em nome do cliente. É, aliás, dever do advogado fazê-lo, na hipótese de permanecer exercendo o mandato. Investido, pela sentença, do direito à percepção dos honorários de sucumbência, instaurar-se-ia, na execução da sentença proferida na ação originária, um litisconsórcio entre o constituinte e o advogado, como esclarece CAHALI: “Com a titularidade do direito aos honorários da sucumbência, que agora lhe é expressamente atribuída, o advogado é introduzido, de alguma forma, na relação processual que se estabelece a partir da sentença condenatória nessa parte, quando antes, o processo seria quanto a ele uma res inter alios.( Id. Ib., p. 804)

....................................................................................... Com esta inserção do advogado no polo da relação executória, na parte referente aos honorários da sucumbência, sem a necessária ou concomitante exclusão do vencedor titular do todo da condenação principal, permite-se reconhecer agora, na hipótese, mesmo por analogia, o estabelecimento de um litisconsórcio facultativo entre o advogado e o cliente, fundado na solidariedade ativa que entre ambos se configura, na parte referente aos honorários da sucumbência, respeitado sempre o direito autônomo do advogado a tais honorários que lhe pertencem.” (Aut. ob. cit., id. p. 805). Após afirmar que o advogado é credor da parte vencida por força do disposto no art. 23 do Estatuto, CANDIDO DINAMARCO positiva: “A segunda das disposições contidas no art. 23, consistente na afirmação do direito autônomo para executar a sentença nessa parte, é de natureza processual e conceitua-se como norma concessiva de legitimidade ad causam ativa. Tal direito autônomo outra coisa não é senão a legitimidade para promover aquela execução (CPC, art. 3º). É uma legitimidade ordinária, não extraordinária, porque o profissional que promove aquela execução está a atuar em nome próprio, por um interesse próprio e não alheio. Essa é uma projeção do primeiro dos preceitos contidos no art. 23 porque obviamente, sendo ele próprio o credor e não o constituinte, o que vier a pedir será pedido para si e não para outrem.” (In “Fundamentos do Processo Civil Moderno”, 4. ed., M. t. I, p. 692) Não mais permanecendo como patrono do cliente, o advogado terá direito a requerer o arbitramento dos seus honorários. Mas, se o substabelecimento ou a revogação da procuração ocorrer após o trânsito em julgado da sentença, os honorários da sucumbência lhe pertencerão, e deverá, na hipótese, promover a execução em seu próprio nome. A coisa julgada Transitada a sentença em julgado, temos formada a eficácia imutável e indiscutível, com força de lei nos limites da lide e das questões decididas. Ora, é indiscutível que uma das questões imperativamente decididas será, sempre, em todas as ações ajuizadas perante o Estado (salvo a exceção em que se admite a defesa pela própria parte), a relativa à sucumbência, com a condenação impositiva do vencido ao pagamento dos honorários advocatícios. Temos, então, que haverá sempre, na coisa julgada, a declaração de direitos: o reconhecimento da pretensão do Autor, se procedente a ação, ou a negação do direito reclamado, caso improcedente a ação; e, em qualquer hipótese, procedente ou não a ação, a condenação do vencido ao pagamento dos honorários de sucumbência, devidos ao advogado do vencedor, de natureza remuneratória alimentar, como já assentaram o STF e o STJ (RREE 470.407 e ERESP 706.331), pacificando a jurisprudência nacional, em consonância com o art. 22 e seguintes da Lei 2009 JULHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 21


8.906/94, art. 19, parágrafo único, I, da Lei 11.033/04, e art. 649, IV, do CPC, acrescentado pela Lei 11.382/06. Ação rescisória PONTES DE MIRANDA no seu “Tratado das Ações” classifica a ação rescisória como de natureza constitutiva negativa, positivando que “na ação rescisória há julgamento de julgamento. É, pois, processo sobre novo processo. Nela, e por ela, não se examina o direito de alguém, mas a sentença passada em julgado, a prestação jurisdicional, não apenas apresentada (seria recurso), mas já entregue. É remédio jurídico processual autônomo. O seu objeto é a própria sentença rescindenda — porque ataca a coisa julgada formal de tal sentença — a sententia lata et data. Retenha-se o enunciado: ataque a coisa julgada formal.” (Autor. ob. cit., tomo IV, RT, 1973, p. 499) Continuando a ensinar, diz o mestre que “exercida a pretensão à rescisão e rescindida a sentença, ultima-se o juízo rescindente”, para concluir: “A sentença na ação rescisória, quanto ao juízo rescindente, rompe, cinde a sentença; havia sentença; não há mais”. (Aut. ob. cit., p. 509). BARBOSA MOREIRA, comentando o art. 485 do CPC, afirma que “enquanto não rescindida, apesar de defeituosa, a sentença tem força que normalmente teria, e produz os efeitos que normalmente produziria, se nenhum vício contivesse”, referindo-se a comentário do mestre Pontes de Miranda, em pé de página n. 151: “A eficácia da sentença rescindível é completa, como se não fosse rescindível” (In “Coment. ao CPC”, vol. V, 4. ed., Forense, p. 131). A sentença rescindível, vale dizer, a coisa julgada, permanece eficaz enquanto não rescindida. E como estabelece o art. 24 da Lei 8.906/94, é título executivo, podendo processarse a execução dos honorários nos mesmos autos da ação ou em outro processo próprio. Assim, temos como verdades assentadas que a sentença condenará o vencido ao pagamento de honorários de sucumbência; que pertencem ao advogado do vencedor na lide; que a coisa julgada rescindível manterá eficácia enquanto não for rescindida; que o capítulo condenatório da sentença é título executivo, de propriedade do advogado; que a verba honorária é remuneratória alimentar e é absolutamente impenhorável (art. 649, IV, do CPC). Citação necessária Titular de direito líquido e certo constituído pela coisa julgada, poderá sofrer o advogado ameaça ao seu patrimônio sem ser citado para integrar a lide rescisória? No Estado democrático de Direito da República do Brasil: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV, CF); “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (art. 5º, XXXVI CF); “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV, CF); “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5º, LV, CF). 22 JUSTIÇA & CIDADANIA | JULHO 2009

Dúvidas não podem restar quanto à titularidade do direito do advogado aos honorários de sucumbência constituído pela coisa julga ex vi legis. Direito material conferido pela sentença rescindenda poderá ser ameaçado, aniquilado, desconstituído pela sentença a ser proferida na ação rescisória sem que ao advogado, titular de direito substantivo executável, seja dada oportunidade de defesa? Poderá o causídico perder seu patrimônio, a contraprestação do seu trabalho de natureza alimentar, sem ser chamado à lide para exercer o contraditório? A “citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender” (art. 213 do CPC) e “para a validade de processo é indispensável a citação inicial do réu” (art. 214 do CPC). No direito brasileiro, a falta de citação do réu ou interessado, importa nulidade do processo (art. 245, parágrafo único c/c art. 248 CPC). CÂNDIDO DINAMARCO, no seu livro “Instituições de Direito Processual Civil”, acentua que “a citação tem importância de primeiríssima grandeza no sistema do processo civil, porque dela depende estritamente a efetividade da garantia constitucional do contraditório”. E não pode caber na cabeça de ninguém possa alguém ser ameaçado ou privado de seus bens sem o devido processo legal, de que são corolários o contraditório e a ampla defesa. Aferram-se, porém, alguns na interpretação literal do art. 487 do CPC, negando ao advogado a condição de litisconsorte necessário na lide rescisória. Dizem que o advogado não seria parte na ação originária e, por isso, não poderia figurar na lide rescisória. Raciocinam, ainda, esclerosadamente, sob o enfoque de que a sucumbência teria o caráter de ressarcimento, pertencente a verba honorária ao cliente vencedor da lide. Data venia, na vigência da Lei nº 8.906/94, o raciocínio é caduco, não resiste ao simples confronto com as leis vigentes e com a jurisprudência pacífica do STF e do STJ, uníssonas no proclamar a natureza remuneratória e alimentar dos honorários. Os honorários de sucumbência pertencem ao advogado e a condenação do vencido constitui um dos capítulos necessários de toda e qualquer sentença, inclusive na de improcedência da ação. O direito constituído pela sentença, o capítulo da coisa julgada que o inseriu na esfera jurídica do advogado vitorioso, não poderá ser anulado sem que o titular dele seja chamado à lide rescisória. O advogado é, sim, litisconsorte necessário do cliente. A coisa julgada que lhe conferiu o direito não poderá ser rescindida sem que sejam, ambos, citados para a ação rescisória, de modo a que possam, de per se, em nome próprio, exercer o contraditório e a ampla defesa. Outra não pode ser a conclusão lógica face aos termos dos art. 46, II, e 47 do CPC, que valem transcritos: Art. 46. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando: (...) II - os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito; Art. 47. Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o


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juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo. O capítulo condenatório da sentença em honorários de sucumbência estará sempre imbrincado ao direito da parte vitoriosa, seja ou não procedente a ação ou procedente em parte, como enuncia a Súmula 306 do STJ: Súmula 306. Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte. Pertencendo ao advogado os honorários da sucumbência, é indubitável que a sentença o faz integrante da lide desde a ação originária, com direito patrimonial próprio, autônomo, executável. Credor de honorários conferidos pela coisa julgada ex vi legis, o advogado tem legítimo e indiscutível interesse jurídico a defender na ação rescisória. O seu direito não poderá ser ameaçado ou desconstituído sem a sua presença na lide rescisória para exercer o imprescindível exercício do contraditório e da ampla defesa. O Professor FREDERICO MARQUES, no seu “Manual de Direito Processual Civil”, ensina: “Legitimado passivo, na ação rescisória, é aquele em favor de quem foi proferida a sentença passada em julgado, bem como seu sucessor a título universal ou singular”. O Ministro LUIZ FUX, renomado processualista, positiva que “o processo tem que ter a participação de todos aqueles em relação aos quais a sentença vai influir na esfera jurídica”. Por óbvio, a pretensão rescisória poderá restringir-se a vício contido no capítulo da sentença condenatória relativo aos honorários de sucumbência. Na hipótese, indiscutível a legitimação ad causam do advogado. O saudoso Ministro COQUEIJO COSTA já a afirmava na vigência da Lei 4.215: “Na rescisória, proposta pela parte condenada na ação originária, indevida ou irregularmente, em honorários advocatícios, o réu legitimamente passivo é o advogado, já que o crédito de tal parcela sentencial lhe pertence

de direito, autorizando-o a mover ação de execução independente para cobrar a verba honorária, ou, se for o caso, pedir precatório expedido em seu nome. É o que dessume da Lei 4.215, de 27.04.63.” ( Aut. ob. cit., 7. ed., revista e atualizada pelo jurista Gustavo Lanat Pedreira de Cerqueira, que em nota ao item 94 reafirma a lição face a Lei 8.906/94) O eminente Ministro CLÁUDIO SANTOS, festejado processualista, em artigo intitulado “O advogado credor de honorários na sentença e a ação rescisória”, assinalou: “O direito material disciplinado em lei (Estatuto da Advocacia), ou seja, a titularidade dos honorários, e surgido na sentença, entretanto, somente pode ser atingido, através da desconstituição daquela sentença, se presente o verdadeiro interessado na verba honorária, o seu proprietário, tanto mais que transitada em julgado a sentença, surgida a coisa julgada, torna-se imutável e indiscutível. Portanto a ação rescisória com o objetivo de rescindir a sentença, no concernente à sucumbência, como no caso, importa em ameaça de desfalque ao patrimônio do advogado, o que torna imperativa sua indispensável presença no processo, como parte. Se assim não se entender, inafastável é a ideia de estar-se diante de uma espécie de litisconsórcio necessário, por força dos vínculos de direito material antes demonstrados, decorrentes da lei (Estatuto da Advocacia) ou mesmo da natureza da relação jurídica (art. 47 do CPC). Daí a decisão proferida na ação rescisória contra a parte, necessariamente, deveria ser uniforme em relação àquela e ao verdadeiro titular dos honorários, o advogado, o que não é possível por não terem sido estes citados ou chamados para integrar o polo passivo da ação rescisória” (Aut. ob. cit., publ. in “Revista de Direito Renovar”, n. 13, pp. 15 e 20, jan/abril de 1999). 2009 JULHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 23


FREDIE DIDIER JR. e LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA, no “Curso de Direito Processual Civil”, embora classificando o advogado como terceiro na ação rescisória, positivam: “Merece consideração especial a possibilidade de que seja legitimado para integrar o polo passivo da ação rescisória terceiro que não integrou a relação processual da ação matriz. Essa possibilidade depende diretamente do pedido deduzido no juízo rescisório. A possibilidade acima referida relaciona-se perfeitamente com o caso de uma ação rescisória que objetiva exclusivamente a desconstituição do capítulo da sentença reservado à condenação ao pagamento dos honorários advocatícios. O advogado da parte do processo originário, à época um terceiro, apresenta-se, nessa oportunidade, na posição de parte da relação jurídica material que está sendo objeto da discussão em sede de rescisória. Assim, parece claro que essa ação rescisória trata de questão de interesse somente do advogado e não mais de seu cliente/ representado, o que torna imprescindível a participação daquele na relação processual estabelecida. Enfim, a legitimidade passiva na ação rescisória deve observar o capítulo da decisão que se busca rescindir, para identificar quem é o titular atual do direito ali certificado, que será a parte legítima nessa ação autônoma de impugnação.” (Aut. ob. cit., 3. v. p. 258) Há quem defenda a tese de que o crédito aos honorários advocatícios só poderá ser rescindido se houver pedido explícito de rescisão dessa parte do julgado, por isso que corresponde tal verba à contraprestação de serviços profissionais prestados na ação originária. Penso que não, embora não afaste a possibilidade de rediscutir a tese. É que, nascendo com a sentença o direito aos honorários de sucumbência, uma vez anulada, cessarão os seus efeitos. Por certo se os vícios da sentença disserem respeito apenas ao capítulo dos honorários, será o advogado credor o legitimado para responder a ação rescisória. Mas, se o objeto da ação for a rescisão integral da sentença, todos os direitos por ela constituídos estarão ameaçados de aniquilamento, inclusive o direito aos honorários devidos por uma sucumbência submetida à anulação. São vários os precedentes jurisprudenciais de ações rescisórias propostas contra advogados, valendo transcritas as suas ementas: AÇÃO RESCISÓRIA LIMITADA A VERBA HONORÁRIA. ESTANDO O ADVOGADO, CONFORME A LEI ESPECIAL, LEGITIMADO PARA COBRAR A VERBA HONORÁRIA, HAVENDO PRETENSÃO RESCISÓRIA QUE BUSCA EXATAMENTE A REDUÇÃO DOS HONORÁRIOS É ELE LEGITIMADO PASSIVAMENTE. (Ação Rescisória nº 598470615 – Rel. Des. Cezar Tasso Gomes, Rel. p/ acórdão Bayard Ney de Freitas Barcellos, 6º Grupo de Cam. Cíveis do TJ/RS, julgado em 24/11/2000). DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO RESCISÓRIA – HONORÁRIOS EM MANDADO DE SEGURANÇA – 24 JUSTIÇA & CIDADANIA | JULHO 2009

ADVOGADOS – LEGITIMIDADE PASSIVA – VIOLAÇÃO DE LITERAL DISPOSIÇÃO DA LEI – QUESTÃO DIRIMIDA PELA JURISPRUDÊNCIA – INOCORRÊNCIA – JURISPRUDÊNCIA. Considerando que, embora não titulares da causa, os advogados do vencedor são os destinatários dos honorários deferidos pela sucumbência, tendo, inclusive, legitimidade para, na forma autônoma, executar dita verba, podem e devem eles figurar no polo passivo da rescisória onde o que se busca é exatamente desvalidar a condenação ao pagamento de honorários advocatícios. (Ação rescisória nº 1.0000.04.409417-5/000 [I] - Rel. Des. Moreira Diniz, 7º Grupo de Câmaras Cíveis do TJ/ MG, publ. em 24/11/2006) E não são poucos os feitos em que o cliente e o advogado são chamados à lide rescisória, com se pode observar na AR 3219-RS, julgada pela 2ª Seção do STJ: AÇÃO RESCISÓRIA Nº 3.219 - RS (2004/0173585-6) RELATOR: MINISTRO JORGE SCARTEZZINI R.P/ACÓRDÃO: MINISTRO CASTRO FILHO REVISORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI AUTOR: BANCO DO BRASIL S/A ADVOGADO: ORIVAL GRAHL E OUTRO(S) RÉU: MARSIAJ OLIVEIRA INCORPORAÇÕES IMOBILIÁRIAS LTDA - MASSA FALIDA REPR. POR: OTÁVIO AUGUSTO FONTOURA - SÍNDICO RÉU: PAULO MARSIAJ OLIVEIRA RÉU: PAULO ANNÍBAL BECK OLIVEIRA RÉU: JOSÉ AUGUSTO GOMES MARTINS RÉU: MARTHA BECK OLIVEIRA MARTINS RÉU: MYRIAN LAIS CUNHA BECK DE OLIVEIRA RÉU: OSWALDO SÉRGIO DA CUNHA BECK - ESPÓLIO REPR. POR: OSWALDO SÉRGIO FERREIRA BECK RÉU: CECI FERREIRA BECK - ESPÓLIO REPR. POR: PAULO ANNÍBAL BECK OLIVEIRA LITIS.: FERNANDO CHAGAS CARVALHO NETO E OUTRO ADVOGADOS: PAULO ROBERTO SARAIVA DA COSTA LEITE SILAS NUNES GOULART EMENTA AÇÃO RESCISÓRIA COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO. DESCABIMENTO. A ação rescisória não é sucedâneo de recurso não interposto no momento apropriado, nem se destina a corrigir eventual injustiça de decisão. Constitui demanda de natureza excepcional, de sorte que seus pressupostos devem ser observados com rigor, sob pena de ser transformada em espécie de recurso ordinário para rever decisão já ao abrigo da coisa julgada. Pedido rescisório improcedente. Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, após divergência


inaugurada pelo Ministro Castro Filho, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Ari Pargendler julgar improcedente a Ação Rescisória, no que foi acompanhado pelo Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, a Seção, por maioria, julgar improcedente a Ação Rescisória, vencidos o Sr. Ministro Relator e a Sra. Ministra Nancy Andrighi, que a julgavam procedente, em parte. Quanto aos honorários advocatícios, a Seção, por maioria, fixou-os em 10 % sobre o valor da causa, vencidos, no ponto, os Srs. Ministros Castro Filho e Carlos Alberto Menezes Direito. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Castro Filho. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Hélio Quaglia Barbosa e Cesar Asfor Rocha (art. 162, § 2º, RISTJ). Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa. Brasília, 14 de fevereiro de 2007. (Data do Julgamento) MINISTRO CASTRO FILHO Redator p/ acórdão Tem curso perante o Terceiro Grupo Cível da Comarca de Porto Alegre a ação rescisória registrada sob nº 70023973654, proposta contra as partes originais e seus advogados pela Central Distribuição de Alimentos Ltda., representada pelos ilustres advogados e renomados processualistas Adroaldo Furtado Fabrício, Athos Gusmão Carneiro, Carlos Alberto Álvaro de Oliveira e Jorge A.A. do Amaral. Dentre os advogados citados para responder a ação figura o jurisconsulto Sergio Bermudes. Enfim, na ação rescisória devem figurar todos os titulares de direitos constituídos pela coisa julgada, cuja esfera jurídica seja ameaçada de desconstituição. É a lição dos mais eminentes processualistas brasileiros, consagrada pela jurisprudência dos tribunais. Conclusão Não é possível, no direito brasileiro, negar ao advogado a defesa do seu patrimônio constituído pela coisa julgada, em contraprestação dos relevantes e imprescindíveis serviços profissionais prestados na lide originária. Vigente a Constituição e o sistema legal democraticamente instituídos, não é possível imaginar possa alguém ser destituído de direito conferido pela coisa julgada sem ser chamado à lide rescisória para exercer as prerrogativas universais do contraditório e da ampla defesa, consoante o devido processo legal. O advogado credor de honorários de sucumbência será sempre litisconsorte necessário da parte Ré na ação rescisória para defender o direito material inserido na sua esfera jurídica pessoal pela coisa julgada. E se não for citado para dela participar, não poderá ser impedido o seu ingresso na lide, sob pena de nulidade do processo rescisório, pois no direito brasileiro ninguém poderá ser ameaçado ou perder os seus direitos sem o devido processo legal, dentre os quais o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, incisos XXXV, XXXVI, LIV e LV), pilares fundamentais do processo e da cidadania.

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Transportes: iniciativas que podem aperfeiçoar o setor

Da Redação

O

s pontos e itinerários dos ônibus na cidade e na Região Metropolitana do Rio de Janeiro estarão disponíveis, a partir de setembro, a todos os usuários na Internet. O anúncio sobre o novo serviço foi feito pelo Presidente Executivo da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor), Lélis Marcos Teixeira, durante palestra no V Seminário – Questões Jurídicas Relevantes no Transporte Coletivo. O evento foi promovido pela Fetranspor em parceria com a Escola da Magistratura do Estado do Rio (Emerj), entre os dias 6 a 9 de agosto último, em Mangaratiba. Participaram juízes, defensores públicos, advogados e membros do Ministério Público. Lélis Teixeira explicou que a divulgação desses dados se tornará possível a partir de uma parceria com o Google, desenvolvida para sanar uma necessidade dos usuários de ônibus no Estado, identificada por meio do serviço de atendimento ao cliente da Fetranspor. A Federação recebe, em média, 1.500 ligações por dia. Oitenta por cento delas, visam à obtenção de informações sobre paradas e percurso das linhas. O mapeamento permitiu esclarecer o porquê de tantas dúvidas: ao todo foi constatado que 41,62% dos pontos de ônibus não possuem placas. Deste total, 29,83% também não contam com abrigos. 26 JUSTIÇA & CIDADANIA | JULHO 2009

“O call center nos orienta a tomar decisões. O que fizemos a partir daí? Desenvolvemos um programa chamado Vá de Ônibus, em que, em conjunto com o Google, mapeamos as linhas e todos os pontos da região metropolitana. O Google colocará isso no ar a partir de setembro. O usuário, de qualquer lugar, poderá acessar essas informações para saber, por exemplo, como ir de Copacabana à Tijuca: qual é o meio mais rápido e o mais econômico, qual oferece menos baldeações. Isso resultou dos 80% das ligações feitas para pedir informações”, disse Lélis Teixeira, afirmando ainda, aos operadores jurídicos presentes no seminário, que a criação de canais de comunicação com os usuários tem sido uma política da Fetranspor. Ele citou como exemplo o chat que a entidade lançou para que o cidadão tenha mais um meio para fazer sugestões, reclamações ou elogios. Essa não é a única iniciativa desenvolvida pela Fetranspor para melhorar as condições de transporte no Estado. Outra que se destaca é a que visa o treinamento de quem atua nesta área. Mais uma vez a percepção acerca desta necessidade surgiu das manifestações dos usuários. Lélis Teixeira contou que o setor emprega hoje 100 mil profissionais. “Por meio da central de relacionamento, passamos a ter maior ideia do que pensam nossos clientes, quais são as críticas que eles têm ao setor do transporte. Vimos que a maior parte delas dizia respeito ao comportamento do motorista. Mais


Números que impressionam Segundo Lélis Teixeira, pensar a melhoria do transporte coletivo é uma necessidade. “A nossa missão é desenvolver o transporte coletivo. Temos um planejamento estratégico renovável anualmente, em que procuramos repensar o transporte, a empresa e a partir disso traçar planos de ação para que possa haver o desenvolvimento do transporte coletivo no sentido de melhorar a mobilidade e a qualidade de vida das pessoas. É fundamental a organização voltada para essas realizações”, contou. No seminário, ao falar sobre o funcionamento do transporte, Lélis Teixeira justificou essa necessidade com números que demonstram a grandiosidade e importância do setor. Ele lembrou que, por mês, os meios coletivos são responsáveis pelo transporte de 135 milhões de pessoas. Em cidades com mais de 60 mil habitantes, a estimativa é de que sejam realizadas mais de 170 milhões de viagens por dia.

Foto: Emerj

de 84% das reclamações eram por causas de ultrapassagem do sinal vermelho, não ter parado no ponto ou tratamento inadequado às pessoas, sobretudo aos idosos”, afirmou o Presidente da Fetranspor. “O motorista pode ter um ônibus zero km, mais moderno e com a mais nova tecnologia. O comportamento dele, ou seja, a postura que ele terá perante a legislação de trânsito e o cliente dependerá de uma maior educação”, completou. Diante da necessidade de maior capacitação, a Fetranspor assumiu o desafio de treinar todos os 100 mil profissionais que atuam no setor. Para isso, criou a Universidade Corporativa do Transporte. Também firmou uma parceria com a Fundação Getúlio Vargas, por meio da qual oferece um curso específico para motoristas. Já foram treinados 11 mil, de um total de 36 mil motoristas. “É preciso haver uma formação adequada, para que haja um mínimo de qualidade no serviço. Em função de a educação ser uma deficiência em nosso País, entendemos que deveríamos oferecer uma qualificação complementar, não apenas por meio do Sistema S (Sest/Senat) ou de cursos promovidos pelas escolas”, afirmou Lélis Teixeira. “Queremos ter na rua pessoas que respeitem as pessoas e prestem um serviço de qualidade”, acrescentou. A capacitação não se restringe apenas a motoristas e cobradores. O Presidente da Fetranspor afirmou que também houve preocupação de qualificar quem está à frente do setor. Nesse sentido, foi criado um curso de pós-graduação em transporte destinado a quem ocupa cargos de chefia. “É para dar treinamento às lideranças, diretores e gerentes. Quem ocupa hoje esses cargos? Geralmente economistas e engenheiros, que não têm formação específica em transporte. Então, sanamos isso”, frisou Lélis Teixeira, destacando ainda o curso de marketing voltado para essa área. Ele ressaltou que o objetivo da criação deste curso não é vender o serviço, mas promover a mudança de foco dos trabalhos internos das empresas, de modo que possam pensar no cliente. “A universidade é uma face menos conhecida do transporte, mas muito importante”, disse.

Lélis Marcos Teixeira, presidente executivo da Fetranspor

No que diz respeito a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, são mais de 9 milhões de viagens diárias feitas pelo transporte coletivo. O município conta com 47 empresas de ônibus, enquanto no Estado contabiliza 238. A frota hoje em circulação chega a 20.500 veículos — sendo 85% destes para atender somente a Região Metropolitana. “O Rio tem uma das malhas de transporte mais diversificadas e amplas do País, por isso permite maior flexibilidade ao usuário, que pode realizar uma viagem apenas pegando um ônibus. Ou seja, o cidadão não precisa pegar mais três ou quatro conduções. Ele consegue fazer mais viagens com menos baldeações”, disse. De acordo com ele, a malha rodoviária fluminense tem 22.965 quilômetros, que não são modificados na mesma medida em que se registra aumento no número de viagens, “daí uma das causas cada vez mais frequentes de congestionamentos”. “É muita coisa, foge aos padrões internacionais. Aí vem a responsabilidade, que independe de nossas escolhas: faltou um planejamento urbano. Ou seja, ações do Estado e dos municípios com vistas a maiores investimentos no setor de transporte”, criticou. De acordo com Lélis Teixeira, contribui também para o caos no trânsito o uso crescente de meios de transporte individuais. Atualmente os carros são responsáveis pela mobilidade de três 2009 JULHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 27


Foto: Emerj Foto: Luiza Reis Lélis Marcos Teixeira, presidente executivo da Fetranspor, e Desembargador Manoel Alberto Rebelo dos Santos, diretor geral da Emerj, compondo a mesa do V Seminário – Questões Jurídicas Relevantes no Transporte Coletivo

milhões de pessoas — número que representa apenas um terço das que fazem uso do transporte coletivo. “Quem tem mais renda e, portanto, um automóvel, ocupa mais espaço do que quem não tem renda”, constatou. Além do transporte terrestre, há as barcas, com quatro linhas e 23 embarcações. O Metrô tem duas linhas, a Um e a Dois, que interligam bairros da Zona Sul à Norte, sendo este último até a Pavuna. São 29 composições apenas para atender 33 estações, em uma média de 500 viagens por dia. A esses meios, soma-se ainda o Trem, com 89 estações distribuídas em uma malha de 220 quilômetros. Esse meio é responsável pelo transporte de 550 mil pessoas por dia. De acordo com Lélis Teixeira, se somados, os ônibus municipais e intermunicipais são responsáveis por 74% do transporte de passageiros. O transporte alternativo fica com 16%, enquanto o Metrô e o Trem, com 3% cada um. “É preciso maior investimento no transporte de massa por trilhos”, afirmou o Presidente da Fetranspor. Os investimentos se justificam ainda mais diante da arrecadação promovida pelo setor. Anualmente, são mais de R$ 2 bilhões pagos em impostos. “Hoje o setor de transporte é um dos grandes arrecadadores para o governo federal, estadual e municipal. Isso nos traz uma preocupação, porque esses impostos são retirados das tarifas. Com a desoneração tributária, poderíamos ter uma tarifa 45% menor. Ou seja, uma 28 JUSTIÇA & CIDADANIA | JULHO 2009

tarifa de R$ 2 poderia certamente ser reduzida para R$ 1,20, o que beneficiaria a população. Procuramos conscientizar, não em benefício do setor, mas dos usuários, sobretudo de baixa renda, que não têm recursos e que precisam sair para procurar emprego ou acesso à saúde”, afirmou. Conforto e bem-estar Diante dos números, conforto e bem-estar se tornaram as palavras de ordem nas iniciativas em prol do aperfeiçoamento do serviço. Em agosto último, a Fetranspor inaugurou ônibus com GPS, TV a bordo, câmaras de segurança interna e externa, rede wi-fi (internet sem fio) e aviso sonoro para informar sobre os pontos de paradas. Os novos veículos atenderão, nesse primeiro momento, usuários da Barra da Tijuca e Zona Sul que se deslocarem para o Centro. O RioCard também é outro projeto que se destaca. “Temos uma empresa com 350 funcionários que foi instalada para o desenvolvimento do transporte. O mais visível é a emissão do RioCard. Temos hoje, em conjunto com a operadora Oi, o gerenciamento de 1,5 milhão de cartões de gratuidade da Secretaria de Estado da Educação”, explicou Lélis Teixeira, comentando que o objetivo é aperfeiçoar ainda mais esse serviço. “Lançamos cartões em parceria com a Visa e Mastercard. A ideia é massificar o uso dos cartões, facilitando a vida do usuário, que ao invés de ter de três ou quatro cartões, poderá


ter apenas um, tanto para o transporte como para a realização de suas atividades econômicas no dia a dia. É um sistema moderno, que tem como referência o que é utilizado em Hong Kong”, explicou Lélis Teixeira. “Nosso Estado é o único com a implantação de sistemas inteligentes no transporte, inclusive com a tecnologia trazida de outros países”, acrescentou ainda. A Fetranspor também tem desenvolvido iniciativas na área social. Promover a acessibilidade da população é uma delas. Lélis Teixeira contou que as empresas do Rio resolveram, já nesse ano, adequar os veículos em circulação, trocando-os, inclusive, nos casos em que são necessários. Em maio último, foram inaugurados 500 ônibus adaptados, com elevadores para locomoção de cadeirantes. De acordo com o Presidente da Fetranspor, desde Lélis Marcos Teixeira, presidente executivo da Fetranspor; Desembargador Manoel Alberto Rebelo dos Santos, diretor geral então, foram inaugurados mais 314 da Emerj; e, Dr. Cláudio Soares Lopes, procurador-geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro veículos. Os investimentos realizados até agora são estimados de material particulado. A iniciativa também possibilitou a em mais de R$ 15 milhões. economia de mais de 50 milhões de litros de diesel por ano, por “Nossa meta é a de que, até 2011, todos os ônibus meio da manutenção adequada dos veículos, e a utilização de sejam adaptados. Estamos resgatando uma dívida para com combustível alternativo. a sociedade. Embora sejam 7%, aqueles que têm dificuldade “Ainda, mesmo que se faça um programa ambiental e de são pessoas que precisam ser incluídas. É uma questão de mudança de combustível, acabaremos emitindo poluição. Por conscientização. Uma cidade que exclui uma parcela de sua isso, resolvemos neutralizar o que foi emitido com replantio população não é feliz”, afirmou. de árvores para que haja o maior equilíbrio. No primeiro ano, A entidade também encampou uma série de outros plantamos 120 mil mudas, para termos o desenvolvimento do projetos, entre os quais o que visou à erradicação da Dengue transporte sustentável”, afirmou. e à disseminação da Lei Seca. Também doou cinco ônibus ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ), para Principais desafios o desenvolvimento do programa Justiça Itinerante, por meio do Segundo Lélis Teixeira, são muitos os desafios para o melhor qual leva-se o Judiciário a municípios que não possuem comarcas. desenvolvimento do setor. “Quais são os nossos principais Foram beneficiados ainda o Tribunal Regional Eleitoral, com três desafios? Um deles está relacionado ao fato de o transporte veículos, e a Defensoria Pública, com um. no País ter registrado queda de 28,8% nos últimos 10 anos. Chama atenção ainda o programa na área ambiental. O Temos que trazer aquele usuário que deixou de usar o transporte setor é responsável pelo consumo de mais de 50 milhões de coletivo. Isso nos permitirá diminuir a poluição, o número de litros de óleo diesel. Diante disso, a Fetranspor promoveu — em carros nas ruas e os congestionamentos. Teremos uma cidade conjunto com a Petrobrás, a Fundação Estadual de Engenharia melhor”, ressaltou. do Meio Ambiente (Feema) e a Secretaria Estadual do Meio Outra questão a ser enfrentada está relacionada à Ambiente — projeto para avaliação dos veículos atualmente concorrência com o transporte alternativo, à carga tributária e à em circulação. Para isso, comprou 16 unidades móveis com segurança pública. Esse último impressiona. De acordo com ele, laboratórios próprios para fiscalizar a emissão de poluentes. são registrados, em média, 692 assaltos por mês. “Assinamos o convênio selo verde e assumimos as auditagens “Estamos em contato permanente com a Secretaria de dos nossos veículos, no que tange à questão ambiental. Com Segurança, onde passamos informações dos locais com isso, diminuímos a emissão de gases, o consumo de diesel e maior incidência e o tipo do assalto. Também tivemos muitos melhoramos o desempenho da frota. Não há ônibus com fumaça problemas de incêndios. Qualquer problema que haja em uma preta no Estado do Rio”, disse. comunidade, o tráfico queima o ônibus para chamar a atenção. De acordo com Lélis Teixeira, desde 1997, quando o Tivemos prejuízo de 76 milhões, desde 2000, com os ônibus programa ambiental teve início, já foi possível a redução queimados e depredados. Somente neste ano já foram 32 acumulada de 930 mil toneladas de CO2 e 20.400 toneladas veículos destruídos”, lamentou. 2009 JULHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 29


LEI SECA Benedicto Abicair Desembargador do TJ/RJ

LEI S A

“Lei Seca” tem sido objeto de polêmica com relação a sua constitucionalidade, o que não será objeto de abordagem aqui. Pretendo, sim, fazer uma reflexão sobre sua aplicabilidade, pois a finalidade da lei é revestida de nobreza quando tenta evitar ou reduzir as sérias e desastrosas consequências da união álcool/direção para prevenir os acidentes que tiram vidas humanas, em especial jovens mais arrojados e menos providos de responsabilidade. Certo é que a maior contribuição para a redução satisfatória das tragédias, decorrentes daquele esposamento, consiste na fiscalização regular e contínua, porém, nos liames da legalidade. Na hipótese, é ilegal, arbitrária e discriminatória, a forma de abordagem dos motoristas, por estar sendo violado o princípio da presunção da inocência. Ou seja, cidadão algum pode ter cerceado o direito de exercer sua liberdade de locomoção, a menos que esteja cometendo flagrante delito, ou exista ordem judicial para sua privação do direito de ir e vir. Autoridades competentes e seus agentes não podem presumir que condutores de veículos, que não tenham praticado qualquer infração no trânsito, estejam alcoolizados. A abordagem deve ocorrer quando constatada prática de ilicitude. Portanto, infringido o Código Nacional de Trânsito, por qualquer veículo, tem-se, então, motivação, diante da

Foto: Stockxpert 30 JUSTIÇA & CIDADANIA | JULHO 2009


Foto: TJ/RJ

SECA violação de norma legiferante, justificando-se, aí sim, a abordagem, com exigência da apresentação de documentação, sendo viável, inclusive, a avaliação sobre eventual estado de alcoolismo do condutor, mas sem impor ao suspeito realização de prova, de qualquer natureza, contra si próprio, principalmente constrangendo-o na via pública. Após a lavratura do auto de infração, pela violação da norma de trânsito motivadora da abordagem, e entregue cópia ao infrator, constatado indício de alcoolismo no motorista, deverá ser ele conduzido à Delegacia policial para outros procedimentos que desaguarão no Judiciário, que julgará dentro dos princípios processuais. Inconcebível, sob o ponto de vista legal, são as medidas desmotivadas de abordagem, sem qualquer critério objetivo, mas, ao contrário, realizadas indiscriminadamente. Resta ainda destacar que a fiscalização deve ser aplicada a todos que cometem infrações no trânsito, para, então, ser possível levantar suspeitas sobre motoristas alcoolizados, pois são muitos os que sóbrios são mais perigosos que alguns com pequena dosagem de álcool no sangue. O objetivo de qualquer legislação não é punir, mas sempre disciplinar, educar e vedar a prática de atos danosos à sociedade. Agindo dentro da legalidade, sem suspeitas sobre fins políticos ou escusos de medidas fiscalizadoras, ter-se-á, com certeza, a preocupação dos motoristas em cumprir as

regras de trânsito, evitando a ingestão de bebidas alcoólicas ou ingerindo-as comedidamente, para não se sujeitar aos transtornos policiais e judiciais. Importa ainda destacar a obrigatoriedade do Poder Público em viabilizar transporte alternativo adequado para os que se privem dos automóveis particulares. É inconcebível que à noite cessem os serviços do Metrô, sejam reduzidos os horários de circulação dos ônibus, cujos motoristas não são regularmente fiscalizados, sem contar o péssimo estado dos táxis, que cobram bandeira dois e são conduzidos por motoristas cada vez menos preparados. Por fim, pertine destacar que o bafômetro não é meio de prova irrefutável, muito menos contundente, dentre outros motivos porque sempre será questionada sua aferição. São também desconhecidos os estudos científicos que asseveram ser a dosagem de álcool fixada na lei suficiente para caracterizar o estado de embriaguez. O desrespeito a qualquer prerrogativa dos cidadãos fará com que o Judiciário absolva os acusados que não tiveram respeitados seus direitos fundamentais e puna o fiscal transgressor. Repita-se, a fiscalização regular, contínua e dentro da legalidade, para coibir transgressões no trânsito, no regime democrático, não pode, em hipótese alguma, violar direitos indisponíveis.

2009 JULHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 31


O Tribunal de Contas da União e o controle externo como instituição Ubiratan Aguiar

Presidente do Tribunal de Contas da União

Foto: Saulo Cruz

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A

função que cabe ao Tribunal de Contas da União (TCU), de controlar, sofre, ao menos em princípio, uma natural resistência por parte daqueles que a ela estão sujeitos, por força da Constituição Federal e de normas infraconstitucionais. De igual modo ocorre com a função de tributar, que é aceita com menor repulsa pela sociedade caso os recursos arrecadados por meio dos impostos, taxas e contribuições tenham a correta e eficiente destinação que justificou sua criação. Na condição de Presidente do TCU, tenho o dever de defender a instituição de todas as críticas que sobre ela são opostas, quer seja por má-fé — sem fundamento na realidade da atuação do Tribunal —, quer seja por desconhecimento das ações e dos resultados que vêm sendo alcançados pela Corte de Contas. Para que o controle seja mais bem aceito por todos aqueles jurisdicionados ao órgão constitucionalmente responsável pelo seu exercício, permito-me apresentar alguns esclarecimentos àqueles que criticam o Tribunal. Assim como as autoridades que aplicam os recursos oriundos dos tributos têm o dever de informar em quais programas e atividades estão aqueles sendo revertidos em favor da sociedade, o TCU também tem o compromisso de tornar públicos os dados de sua atuação e os resultados por ele obtidos. Entre as diversas linhas de atuação do Tribunal, destaco duas funções que as norteiam: a preventiva e a sancionatória. A primeira dessas funções tem como principal expressão as medidas cautelares, que, outrora tímida ferramenta para impedir a concretização de irregularidades, hoje se mostra como um dos principais instrumentos para tornar ágil e efetiva a presença do TCU. Talvez seja essa nova sistemática de atuação, que privilegia o controle de modo concomitante à execução — ou mesmo antes desta, quando avalia projetos ainda em licitação —,


a responsável por reações que partem de alguns segmentos, que nem sempre têm a seu lado fundamentos técnicos e jurídicos consistentes. Tais segmentos querem fazer ecoar a injusta mensagem de que o Tribunal “atrapalha” ou “atrasa” a implementação dos programas de governo. Nada mais injusto com relação à atuação do TCU. O benefício que esse tipo de pronta atuação traz para o país é perfeitamente mensurável, como mostram os números da Tabela 1. Tabela 1 – Dados relativos às cautelares deferidas pelo TCU em 2008 e 2009 Determinação

Quantidade de Cautelares

Suspensão de licitação

2008 81

2009* 6

2008 897.863.865,97

2009* 12.741.476,85

Suspensão de repasses/pagamentos a convênios/contratos

41

36

802.453.760,83

475.574.152,08

Suspensão de processo seletivo para provimento de cargo público

4

691.800,00

4 130

– 42

– 1.701.009.426,80

Outros Total

Valores Envolvidos (R$)

– – 488.315.628,93

* Dados de 2009 até o mês de junho

Os valores envolvidos justificam, sem sombra de dúvida, a eventual paralisação de uma licitação, ou mesmo, em casos excepcionais, se não atendidas as medidas demandadas ao gestor pelo Tribunal, de uma obra ou serviço em execução — precedidas do devido contraditório e da ampla defesa —, na forma do art. 45, §§ 2º e 3º, da Lei Orgânica/TCU. Nesse sentido, a sociedade não admite que os recursos que lhes foram retirados sob a forma de tributos sejam mal empregados. A falaciosa justificativa de que há urgência em toda e qualquer execução contratual ou mesmo na deflagração de uma licitação não pode ser aceita: premente, sim, é a existência de um bom planejamento, para se evitar percalços nas fases de licitação e implementação de projetos que envolvem recursos públicos. A função preventiva do TCU se expressa não apenas por meio de medidas cautelares, mas, também, por meio dos reflexos pedagógicos que esse tipo de atuação — bem como daquelas que são exaradas no mérito, ao final dos processos — produz junto a todos aqueles que administram recursos públicos. Nesse sentido, o Tribunal tem, há tempos, a preocupação constante de disseminar boas práticas de gestão, de modo a fortalecer a referida função. Prevenir a ocorrência de falhas e desvios é, com certeza, muito mais profícuo do que investir recursos dos órgãos de controle na tentativa de recuperar valores desviados ou simplesmente desperdiçados por gestores mal intencionados ou que não foram previamente capacitados para geri-los. Um bom exemplo capaz de ilustrar esse importante papel orientador que o TCU exerce é a edição de normas por diversos órgãos do Poder Executivo que são, de modo direto ou reflexo, fruto de deliberações do Tribunal.

O Decreto nº 6.170/2007 (área: convênios) e as Instruções Normativas nº 1/2007, do Ministério dos Transportes (área: obras), e 4/2008, da Secretaria de Logística e Tecnologia do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (área: tecnologia da informação), são exemplos de normas resultantes de intenso diálogo travado entre a Corte de Contas e diversos órgãos e entidades do Poder Executivo federal, registrado por meio de inúmeros acórdãos do Tribunal. A segunda função que exterioriza uma das grandes linhas de atuação do TCU é a sancionatória. Conforme competências instituídas pela Constituição Federal, o Tribunal avalia a gestão de todos os administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos. Como consequência, por meio de suas deliberações, a Corte de Contas, caso constatadas irregularidades, condena os maus gestores à devolução dos valores desviados ou indevidamente aplicados, bem como lhes aplica sanções como multa ou inabilitação para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança no âmbito da administração pública federal. Os números consolidados na Tabela 2 têm a preocupação de atender ao compromisso ao qual me referi anteriormente, de tornar públicos os dados da atuação do TCU e os resultados por ele obtidos. Somente com essa transparência a função de controlar pode ser percebida como aliada da função de execução, tendo em vista que aquela busca otimizar a aplicação dos recursos públicos. Tabela 2 – Principais benefícios e resultados decorrentes das atividades desenvolvidas pelo TCU nos anos de 2008 e 2009 2008 Benefício potencial das ações de controle Medidas cautelares adotadas Licitações e contratos suspensos cautelarmente Prejuízos e danos evitados com a adoção de medidas cautelares Responsáveis condenados em débito e/ou multados Valor das condenações Processos de cobrança executiva formalizados Valor envolvido nos processos de cobrança executiva Responsáveis inabilitados para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança na Administração Pública Federal

2009*

R$ 31,9 bilhões R$ 7 bilhões 130 106

43 37

R$ 1,76 bilhão

R$ 488 milhões

2.061

1.199

R$ 1,05 bilhão 2.924

R$ 488 milhões 1.079

R$ 1,58 bilhão

R$ 352 milhões

127

13

Empresas declaradas inidôneas para participar de licitações 26 na Administração Pública Federal

30

Licitações e contratos com determinação para anulação/suspensão/ajustes

70

24

Denúncias sobre indícios de irregularidades na aplicação de recursos públicos recebidas pela Ouvidoria do TCU

2.408

1.149

8.200 13.747

4.278 7.873

1.422 111.643 1.855 570

711 51.585 201 402

Processos julgados conclusivamente Acórdãos proferidos Recursos julgados Atos de pessoal apreciados Atos julgados ilegais Fiscalizações concluídas

* Dados de 2009 até o mês de junho

2009 JULHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 33


Quero dizer com essa observação que o órgão de controle externo não é onipresente: há limitações de recursos humanos e financeiros para que este desempenhe suas atribuições. Com o intuito de aprimorar o desempenho do Tribunal na prevenção e na aplicação de sanções àqueles que não justificam o bom emprego dos recursos públicos, devo destacar algumas dificuldades que refogem da competência do TCU – por depender, por exemplo, de alterações na legislação. Duas limitações podem ser mencionadas para ilustrar situações que representam obstáculos ao controle: a necessidade de quebra de sigilo fiscal e bancário e o respeito ao papel constitucional conferido ao sistema de controle interno. Mesmo reconhecendo o importante papel desempenhado pelo Banco Central e pela Receita Federal do Brasil, entendo que o procedimento de solicitar dados fiscais e bancários de responsáveis jurisdicionados ao TCU a essas instituições implica em retardamento da ação de controle. Caso o órgão de controle externo tivesse acesso direto e instantâneo a esse tipo de informação, o ganho seria, sem dúvida, considerável, em benefício da agilidade que a sociedade espera nas fiscalizações que são realizadas pelo Tribunal. No futuro, em prol dos interesses maiores da Nação, confio na sensibilidade de todos os que dirigem este país e vislumbro a alteração do arcabouço legislativo, de modo que o órgão de controle externo beneficie-se da prerrogativa de ter acesso, de modo direito, às referidas informações. Por ora, o TCU faz sua parte para otimizar a ação conjunta de todos os órgãos e entidades que têm prerrogativas de controle — órgãos do sistema de controle interno, Ministério Público, Polícia Federal, Tribunais de Contas das esferas estadual e municipal, entre outros —, por meio da construção de uma “Rede de Controle da Gestão Pública”, que nada mais é que uma série de acordos de cooperação visando facilitar a troca de informações entre esses órgãos e entidades. Quanto ao segundo aspecto mencionado como limitante da ação do TCU, verifico que supostas falhas atribuídas ao Tribunal como “omissão” em seu dever de fiscalizar os atos praticados por seus jurisdicionados são, na verdade, resultado de limitações constitucionais. Em muitos casos, a incumbência da primeira verificação dos atos praticados nos três Poderes é do respectivo órgão de controle interno e não do TCU, tendo em vista que aquele está mais próximo do dia a dia da gestão de cada órgão e entidade no qual está inserido. Isso não significa, contudo, que haja uma delimitação para que as ações dos sistemas de controle interno e externo sejam encadeadas sequencialmente, nessa ordem. Quero dizer com essa observação que o órgão de controle 34 JUSTIÇA & CIDADANIA | JULHO 2009

externo não é onipresente: há limitações de recursos humanos e financeiros para que este desempenhe suas atribuições. Por outro lado, eventuais críticas construtivas dirigidas ao TCU são uma oportunidade para que a Corte aprimore seu trabalho e corrija as falhas existentes. O Tribunal é autocrítico o suficiente para absorver mesmo os julgamentos mais desfavoráveis acerca de seu trabalho, oriundo de todo e qualquer setor da sociedade, para que possa transformá-los em futuras melhorias na sua forma de atuar. Mesmo com as mencionadas limitações, novamente os números, a exemplo daqueles que apresentei nas Tabelas 1 e 2, defendem o TCU como instituição que confere valor aos recursos que lhe são atribuídos: para cada R$ 1 do Orçamento da União alocado em 2008 ao Tribunal, o retorno ao país, na forma de ações preventivas (cautelares e econômicas, por exemplo) e sancionatórias (condenações sob a forma de débitos e multas), foi de R$ 27,80. Além de as alegações de “omissão” não contarem com justificativas baseadas na realidade dos fatos, devo defender o TCU quando afirmam que esta seria uma instituição responsável por suposto “excesso de controle”. A defesa do interesse público pautada nos ditames constitucionais — com destaque ao respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa — é regra nos processos que tramitam na Corte de Contas, sendo que não há que se falar em qualquer excesso quando a ação do Tribunal está dirigida não apenas pelos referidos princípios, mas, também, pelo bom senso. Os que conhecem a maneira de atuar do Tribunal, sempre aberto ao diálogo com relação àqueles que lhe são jurisdicionados, são testemunhas de que o TCU não pratica o “controle pelo controle”; ao contrário, a Corte de Contas tem consciência de seu papel no conjunto da estrutura do Estado e de forma alguma teria outro norte que não a busca da plena e efetiva implementação das políticas públicas, por meio das contratações que as materializam, a partir de um controle que sirva como instrumento inteligente e sinérgico no ciclo da administração. Defender instituições não é fácil. À frente de uma instituição de controle, assim como ocorre com aquelas que têm o papel de tributar, a dificuldade torna-se maior, pois sempre há a cobrança pela clara percepção dos resultados alcançados — cujo reflexo é a contrapartida no dever de transparência, a fim de tornar tais resultados conhecidos pela sociedade. No caso do TCU, entendo que sua defesa deve estar pautada em seu reconhecimento como instituição de controle externo — e não como mera organização integrante da estrutura do Estado, posicionada no Poder Legislativo, como órgão auxiliar do Congresso Nacional —, que traz retorno ao país e contribui para que haja o melhor emprego possível dos escassos recursos públicos. Organizações podem até ser extintas, transformadas, ter suas competências reduzidas; instituições, ao contrário, quando cumprem seu papel com credibilidade, eficiência e efetividade, têm na sociedade sua principal aliada, sendo a respectiva estabilidade nas esferas política e jurídica o consequente e justo reconhecimento.


2009 JULHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 35


30 Anos da lei de anistia desafios e realizações

Da Redação

À

frente da presidência da Comissão de Anistia desde abril de 2007, o professor da Faculdade de Direito da PUC/RS, Paulo Abrão Pires Junior, vem enfrentando muitos desafios. Ao aceitar o convite do Ministro da Justiça para assumir o cargo, obrigou-se a diminuir intensamente sua vida acadêmica a fim de se dedicar ao trabalho histórico de contribuir para a transição democrática e para a reconciliação nacional, promovendo a tarefa constitucional de reparação aos danos impostos pelo Estado aos perseguidos políticos brasileiros. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia, doutorando em Direito na PUC-Rio, já possuía ampla experiência em funções administrativas: ocupava a coordenação do Departamento de Direito Público da sua Universidade, é membro da Comissão de Especialistas para a supervisão dos cursos de Direito pelo MEC, é vicepresidente da Abedi (Associação Brasileira do Ensino do Direito), integrou a Missão Brasileira de Implementação da Universidade do Cabo Verde, África, pela Agência Brasileira de Cooperação do Itamaraty e PNUD/ONU. Com 34 anos de idade, não presenciou a maior parte dos episódios que semanalmente lhe são relatados no Palácio da Justiça. A vantagem de ter um olhar distanciado da época da repressão permitiu-o implementar uma mudança estrutural na Comissão de Anistia, ressignificando o conceito de anistia política, promovendo ações educativas, de preservação da memória e de práticas para a permanente valorização da democracia e das liberdades públicas.

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Agregou-se aos trabalhos da Comissão uma dimensão educativa. Sessões de julgamento reais, denominadas Caravanas da Anistia, são realizadas em universidades, escolas, tribunais de justiça, palácios de governo, câmara de vereadores, assembleias legislativas, museus, sindicatos e até em acampamento de trabalhadores rurais sem terra. A Comissão tem publicado materiais educativos sobre a importância da preservação das liberdades públicas, republicado materiais históricos e vai lançar um prêmio nacional de monografias sobre os 30 anos da lei de anistia. A exemplo de inúmeros países do mundo, foi anunciada em sua gestão a criação de um Memorial da Anistia Política no Brasil, para o registro dos testemunhos e da resistência do povo brasileiro, sob o conceito de se lembrar para não repetir jamais. A sede do Memorial foi escolhida: a cidade de Belo Horizonte, onde será instalado, em parceria com a UFMG e a Prefeitura da capital mineira, com apoio da Caixa Econômica Federal, em prédio que abrigava a antiga Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade. Em meio às comemorações dos 30 anos de aprovação da lei de anistia no Brasil, conquista histórica do povo brasileiro, Paulo Abrão concedeu a seguinte entrevista à Revista Justiça & Cidadania: Revista Justiça & Cidadania – Qual sua avaliação destes 30 anos da lei de anistia no Brasil? Paulo Abrão – Inicialmente, o Brasil instituiu uma política de transição centrada no esquecimento e no silêncio em nome da


Foto: Isaac Amorim

Paulo Abrão Pires Junior, presidente da Comissão de Anistia

2009 JULHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 37


Foto: Isaac Amorim

Presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão Pires Junior, e o Ministro da Justiça, Tarso Genro

governabilidade. Hoje, nossa transição ainda não está completa e somos carentes de uma segunda transição, que é a do alcance de um efetivo estado de Direito. A história indica que é preciso lembrar para não repetir jamais. Deve o Estado manter uma política de preservação da memória histórica e de afirmação permanente dos valores democráticos. Como um fenômeno social, histórico, temporal e mutante, a democracia exige olhares sempre atentos e os cuidados da prudência. Por isso, nas transições dos regimes autoritários, para sinalizar ao futuro a ideia da “não-repetição”, torna-se obrigatória a implementação de uma “justiça de transição”, que permita não apenas projetar o Estado de Direito futuro, mas também restaurá-lo no passado, reparando os prejuízos do autoritarismo. A ONU conceitua justiça de transição como um conjunto de mecanismos hábeis para tratar o legado de violência do regime autoritário, seus elementos centrais são a verdade e memória (conhecimento dos fatos e resgate da história), a reparação (imperativo do Estado de reparar os danos que causou), o restabelecimento pleno do preceito da justiça e do devido processo legal (direito da sociedade em processar e responsabilizar aqueles que romperam com a legalidade cometendo crimes contra a humanidade) e a reforma das instituições (vocacionar os órgãos de segurança para a vida democrática e a cidadania). Atualmente o Brasil avança no desenvolvimento desses mecanismos, mesmo continuando muito atrasado em relação a países vizinhos, como Chile e Argentina. 38 JUSTIÇA & CIDADANIA | JULHO 2009

JC – A lei de anistia de 1979 deve ser revista? PA – Não. Ela deve ser apenas devidamente interpretada desde a perspectiva da democracia e do Estado de Direito. Não se constituiu em uma anistia ampla, geral e irrestrita como propunham os movimentos democráticos. A luta pela anistia no início dos anos 70 começou de maneira tímida e restrita a familiares dos perseguidos políticos, intelectuais e estudantes, ganhando, aos poucos, força e adesão de segmentos populares, empresariais, clericais, e isto culmina na formação dos Comitês pela Anistia no país e no exterior. A bandeira deste movimento era a da anistia ampla, geral e irrestrita para todos os presos políticos e exilados vítimas da repressão militar. Nas eleições para o Congresso Nacional de 1978, o tema foi obrigatoriamente pautado pelos candidatos progressistas do então MDB, e uma bancada considerável foi eleita com o compromisso assumido de levar e defender no parlamento a bandeira da anistia. O projeto de anistia ampla, geral e irrestrita, foi rejeitado em votação e o governo aprovou o seu projeto de anistia restrita, assim consolidada na Lei nº 6.683, uma anistia que excluía do seu alcance os exilados e presos condenados por terem participado de ações armadas contra o regime. Mas o mais grave veio posteriormente, com a interpretação política que se passou a fazer da Lei, pretendendo equiparar os perseguidos políticos vítimas das prisões ilegais, das torturas, das sevícias, das demissões e


dos afastamentos injustificáveis de seus empregos e de suas funções com os perseguidores e os torturadores, que sob o ilegal, frágil e inaceitável argumento da conexidade de suas ações com as ações das vítimas do regime se pretendiam perdoados por seus crimes. Tal interpretação é contrária à ideia de império da lei, uma vez que legitima a ruptura da ordem constitucional tida em 1964 e ainda viola inúmeros tratados internacionais firmados pelo Brasil. Portanto, a questão não é rever a lei, é apenas inseri-la no contexto do Estado de Direito, onde os direitos fundamentais precedem aos demais e onde não é aceitável, por meio de leis ordinárias e mesmo de reformas constitucionais, alterar tais fundamentos — especialmente quando se referem ao valor máximo da dignidade da pessoa humana. JC – Como a lei de 1979 deve ser interpretada? PA – A forma sistemática como ocorreram as torturas configura crime contra a humanidade, imprescritível e não passível de anistia. Este entendimento se baseia na legislação de direito interno vigente à época, nos tratados e convenções internacionais de direitos humanos e na melhor tradição ética desde Nuremberg. Seria suicídio moral admitir que uma pretensa autoanistia, confeccionada nas profundezas do autoritarismo, tenha validade à luz dos princípios da Constituição Democrática. A própria lei de 1979, objetivamente analisada, não permite inferir nenhuma conclusão neste sentido, pois tais crimes não se ajustam nem no qualificativo de “políticos” nem de “conexos” que a referida lei previu anistiar. Por isso, não se propõe a revisão da lei de anistia, mas uma adequada interpretação da mesma. Defendemos que o Estado Democrático não pode negar a busca por justiça para os vitimados pela barbárie, isso é negar a própria função do Judiciário. Seria como admitir que a nossa democracia tenha como fundamento de legitimidade a exclusão e negação política do direito básico de acionar o sistema de justiça para parte da cidadania. O que está efetiva e suprapartidariamente em discussão é se a nação brasileira se funda no repúdio às práticas de tortura ocorridas, seja contra pessoas de esquerda ou de direita, em ditaduras de esquerda ou de direita, no passado, no presente ou no futuro. Ou se, por questões eminentemente ideológicas, e não jurídicas, aceitaremos que em dadas circunstâncias o Estado possa abandonar o império da lei e valer-se de métodos sujos para manter o controle sobre a população. Se fosse instituída uma ditadura do proletariado que tivesse torturado e matado, defenderíamos hoje, peremptoriamente, a responsabilização desses criminosos torturadores do mesmo modo. Nunca é demais destacar que os países do antigo bloco soviético também passaram por ditaduras e tiveram uma justiça de transição, pois a questão que se discute não é ideológica, mas sim da efetivação do Estado de Direito. É uma questão de fundo sobre a afirmação da democracia e das liberdades públicas. O STF terá uma decisão histórica a proferir, um momento de afirmação máxima da ideia de corte constitucional. Pela qualidade dos ministros atuais, não creio que utilizar-se-

ão caminhos processuais para o não enfrentamento do mérito da questão. Podem-se prever votos históricos para a nação, seja qual for a posição que adotarem. JC – Quais foram suas principais medidas ao assumir a Comissão de Anistia? PA – A primeira medida foi a de adequar os valores das indenizações à realidade social brasileira e a um juízo de razoabilidade. A média das remunerações mensais, que chegou a ser próxima a R$ 6 mil, hoje está abaixo de R$ 3 mil e em harmonia com os valores pagos na iniciativa privada. Reestruturamos os fluxos processuais, promovemos alterações regimentais, reorganizamos os setores administrativos, criamos novas turmas de julgamento. Procuramos, acima de tudo, ampliar a transparência por meio dos boletins informativos, das audiências de prestação de contas públicas do trabalho efetuado e com a permissão do mais amplo acesso da imprensa aos trabalhos da Comissão. As sessões de julgamentos são públicas e abertas a toda a sociedade. Ainda temos trabalhado pela afirmação da memória e estimulado debates nacionais, conjuntamente com inúmeros parceiros dos governos federal, estaduais e municipais e com entidades da sociedade civil, com vistas à ampliação do processo transicional brasileiro. JC – E quais os resultados colhidos? PA – O resultado foi uma aceleração e aumento da quantidade de apreciação de requerimentos. Foram quase 22.000 processos julgados em dois anos, número equivalente ao total julgado nos 6 anos anteriores de existência da Comissão. A maior celeridade dos julgamentos de pedidos de reparação permite que os cidadãos atingidos pelos atos de violência da repressão recebam o pedido de desculpas do Estado em vida, pois muitos já possuem idade avançada. No ano de 2008, duas ações foram muito simbólicas. A primeira foi a de que, com apoio de inúmeras entidades — UNE, OAB, CNBB, ABI, Associação de Juízes para a Democracia, AMB, Ministério Público Federal — , lançamos uma audiência pública, ocorrida dentro do Ministério da Justiça, sobre o alcance da lei de anistia e a responsabilização jurídica dos agentes torturadores do regime ditatorial. A audiência pública sobre o alcance da lei de anistia e a questão das possibilidades jurídicas de responsabilização dos agentes violadores de direitos humanos durante o regime de opressão, promovida pela Comissão de Anistia e ocorrida no dia 31 de julho de 2008, foi um marco histórico, pois, pela primeira vez, um órgão oficial do Estado promoveu esta saudável discussão na sociedade e colaborou para a superação da descomprometida leitura de que a anistia brasileira devesse ser vista e convertida em amnésia, como tentativa de se impor o esquecimento. Depois desta audiência, o debate ecoou na sociedade e desencadeou a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, proposta pelo Conselho Federal da OAB, aguardando decisão no STF. Rompeu-se a cultura do medo, reafirmando que na democracia não podem existir temas proibidos. Outro destaque deve ser dado à anistia concedida ao Presidente João Goulart e seus familiares: 44 anos depois da deposição, restava pendente ao 2009 JULHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 39


Brasil um pedido de desculpas oficial à família deste que foi o primeiro dos perseguidos políticos. Ainda um outro grande resultado: agora em junho, finalmente o Brasil pediu desculpas aos moradores humildes da região do Araguaia, atingidos pela repressão à guerrilha e lhes concedeu reparação por anos de dor e sofrimento. Eram pessoas que sequer tinham noção política do que estava acontecendo naquela época, ficaram como reféns numa guerra entre a esquerda e a ditadura. Esse processo demonstra bem a efetivação do Estado de Direito que referimos, essas pessoas não tinham ideologia nem ameaçavam a pretensa “segurança nacional”, mas tiveram seus direitos suspensos, foram torturadas, perderam suas casas. É inadmissível que defendamos a existência de um Estado de Direito e não façamos a reparação e promoção de justiça para com as vítimas da força e do arbítrio. JC – O processo de reparação é muito complexo? PA – Estamos diante de um dever do Estado em reparar os danos que ele mesmo produziu. A reparação é um direito constitucional. Mas a lei que regulamentou a Constituição é bastante iníqua. Sou um crítico desta legislação que produz distorções graves e, muitas vezes, a Comissão se depara com diversas injustiças. As reparações econômicas são fixadas segundo o vínculo laboral do perseguido à época dos fatos. Comprovada a perda desse vínculo por razões políticas, concede-se uma prestação mensal, permanente e continuada, equivalente ao que teria direito “se na ativa estivesse”, diz a Lei. Já para os que não possuíam vínculo laboral, a reparação dá-se por uma prestação única, equivalente a 30 salários mínimos por ano de perseguição política efetiva e comprovada, observado o teto legal de 100 mil reais. Veja que a lei não estabelece uma correlação com o grau de perseguição e danos sofridos pelo cidadão, e, ainda, impõe teto para um grupo e não o faz para outro. Pessoas com danos físicos, psicológicos e materiais maiores, por vezes, acabam por receberem indenizações bem menores. A mora legislativa na regulamentação da lei fez com que os valores de pagamentos retroativos acabassem sendo muito altos. A despeito disso, é necessário obedecer a esta lei de reparação, que foi legitimamente aprovada (no presente caso, por unanimidade) em um Congresso livre e democrático. Mudanças podem ser promovidas a qualquer tempo pelo Parlamento, o que não é possível é exigir essas mudanças da própria Comissão, como querem alguns, isso seria colocar a vontade de alguns acima da lei. JC – E como conseguiu equilibrar estas distorções da lei? Quais foram os parâmetros utilizados para as atuais indenizações menores na Comissão de Anistia? PA – Diante de todas as dificuldades de uma alteração legislativa, e sem ferir direitos, passamos a fixar as indenizações conforme um dispositivo da lei que permite estabelecê-las segundo as médias de mercado atuais, e não pela progressão ficta ao topo da carreira. Passamos a incorporar nas decisões o princípio da razoabilidade e da adequação à realidade social brasileira. As indenizações do passado foram pautadas em ou40 JUSTIÇA & CIDADANIA | JULHO 2009

tros parâmetros que a lei também autoriza. Mesmo que ambos os critérios sejam legais, nosso entendimento é de que o atual, da média de mercado, é mais razoável e legítimo. Obviamente isso não corrige as deformidades da lei, mas as reduz. Ao nosso juízo, e por princípio, o mais relevante do processo de anistia não pode ser a dimensão econômica. Embora inquestionável e devida, a indenização deve ser decorrência do ato moral de o Estado hoje reconhecer os seus erros e pedir desculpas formais pelas arbitrariedades que cometeu. JC – Quantos brasileiros ingressaram com o pedido de reconhecimento de suas perseguições? PA – Hoje totalizam pouco mais de 64.000 requerimentos de anistia. Destes, 46 mil já foram apreciados. Mais de 30.000 receberam a anistia e um pedido formal de desculpas, dentro deste grupo, por critérios postos na lei, aproximadamente 12.000 receberam também algum tipo de indenização. O protocolo da Comissão ainda está em aberto, pois atos de lesa-humanidade são imprescritíveis e as reparações podem ser acionadas a qualquer tempo, como inclusive foi reafirmado recentemente por decisão do STJ. JC – As Caravanas da Anistia têm percorrido todo o país. Como é a reação das pessoas ao receber o pedido de perdão tantos anos depois? PA – É um processo de efetiva reconciliação. As pessoas, com razão, ainda guardam consigo um sentimento de injustiça por anos a fio e duvidam da capacidade do Estado de admitir seus erros (ou seja, duvidam da própria ideia de um Estado que se vincule à lei). O pedido de desculpas na localidade onde as perseguições ocorreram contra elas, junto à sua comunidade e familiares, permite resgatar suas dignidades. Foram anos sendo apontados nas ruas como se fossem criminosos, impedidos de ingressar em novos empregos. As marcas da tortura estão presentes na mente e no corpo. Não é possível reconciliação sem verdade. As feridas nunca foram fechadas, até mesmo porque não foram tratadas. A maioria dos perseguidos é gente desconhecida, embora a mídia somente repercuta as anistias aos personagens notórios. Quando apresentamos nossa experiência das Caravanas da Anistia a entidades e organizações internacionais, elas ficam entusiasmadas por perceberem como a ideia de uma justiça restaurativa pode ser mesmo levada adiante. Para dar um exemplo, recentemente o Ministro da Justiça da Espanha, país que viveu uma ditadura finda na mesma época que a nossa e que apenas em 2007 aprovou uma ampla lei de reparação e memória histórica, ficou impressionado com o modo como estamos lidando com nosso legado autoritário. O projeto das “Caravanas da Anistia”, com julgamentos públicos país afora, nos locais onde as perseguições ocorreram, promovem maior transparência e publicidade aos trabalhos e critérios da comissão. As atividades permitem, sobretudo aos jovens, conhecer a história e imbuir-se da relevância da manutenção da justiça e das liberdades públicas. A cada Caravana da Anistia, a democracia brasileira se fortalece.


Houve um tempo em que o esquecimento e o silêncio foram impostos. Hoje, graças à luta do povo brasileiro, a democracia se constrói pela memória e pelo exercício das liberdades públicas. Esquecendo das perseguições políticas, das mortes, dos desaparecidos, dos torturados e dos prejudicados em seus trabalhos e convívio familiar, acabamos por enterrar a dignidade de nossa própria história. É na interpretação do passado que se joga o futuro do Estado Democrático.

JC – Um país sem memória tende a repetir os seus erros, é isso? PA – Exatamente. Houve um tempo em que o esquecimento e o silêncio foram impostos. Hoje, graças à luta do povo brasileiro, a democracia se constrói pela memória e pelo exercício das liberdades públicas. Esquecendo das perseguições políticas, das mortes, dos desaparecidos, dos torturados e dos prejudicados em seus trabalhos e convívio familiar, acabamos por enterrar a dignidade de nossa própria história. É na interpretação do passado que se joga o futuro do Estado Democrático. A luta pela recomposição da memória não visa revanche com ninguém, muito menos “manchar” o passado de instituições que sustentaram o autoritarismo. Visa, na verdade, o equilíbrio das versões para fazer justiça a quem sofreu e aos que tombaram. As ações dos resistentes permitiram que a democracia pudesse voltar a viger no Brasil. Seria desqualificador para nossa democracia esquecê-los. Isto seria uma não-memória, que impregnaria nas entranhas do Estado o tipo de ordem jurídica e política capaz de instrumentalizar os homens para transformá-los em máquinas de destruição dos seus semelhantes. Por isso, é de interesse público e geral a primazia do direito à verdade dos fatos e à história. JC – Existe um trabalho coordenado com outros países? PA – Sim, necessariamente. O tema hoje é universal. A mesma

discussão que ocorre hoje no Brasil está em debate nos EUA, no caso de Guantánamo e seus torturadores; na Espanha, com as ações do juiz Baltazar Garzón; no trabalho do Tribunal Penal Internacional em Haia. O Brasil é réu atualmente na Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA em razão dos desaparecimentos no Araguaia. Integramos hoje uma rede internacional de proteção dos direitos humanos em matéria de anistia e memória e a Comissão de Anistia promoveu e sediou o Seminário Latino Americano de Justiça de Transição que abrangeu o 1º Encontro das Comissões de Reparação e Verdade da América Latina, trazendo representantes de países como Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Colômbia, Guatemala, El Salvador, Peru e Estados Unidos. Recentemente, a Comissão firmou convênio com o Mistério da Justiça da Espanha e com a Universidade de Coimbra para permitir acesso recíproco a fontes de informações e documentações públicas sobre os regimes autoritários de cada país. Em junho, a experiência dos projetos da Comissão de Anistia do Brasil foi relatada durante o “International Conference Taking Stock on Transitional Justice”, na Universidade de Oxford. E, neste mês de agosto o projeto do Memorial foi exposto para representantes de diversos países em Bogotá, a convite de uma instituição norte-americana sediada em Nova Iorque. A tipologia de “crimes contra humanidade” é uma nova síntese jurídica civilizatória e universal em torno dos direitos humanos. 2009 JULHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 41


O FIM DO JUS POSTULANDI NA JUSTIÇA DO TRABALHO

Benedito Calheiros Bomfim

Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho

Diante dessas transformações não mais se pode prescindir da assistência de advogado na Justiça do Trabalho, e a manutenção do jus postulandi, que visava a proteger as partes, notadamente o trabalhador, tornou-se inútil e prejudicial aos interesses deste, incapaz de compreender e, muito menos, de se mover dentro desse intrincado sistema judicial e processual.

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A

o ser instalada em 1941, a Justiça do Trabalho, então sob a esfera administrativa e carente de estrutura, caracterizava-se pela celeridade, singeleza, informa­ lidade e gratuidade. À sua simplicidade processual e à desburocratização de seus procedimentos, aliava-se a trivialidade das matérias de que se ocupava, tais como anotação de Carteira, indenização por despedida injusta, férias, horas extras. Vertente administrativa da CLT A Consolidação das Leis do Trabalho, ao ser editada em 1943, manteve, em parte, a vertente administrativa, bem como a simplicidade, a praticidade e a informalidade da Justiça preexistente. Reunindo no mesmo texto o direito material e processual, a CLT dispôs, entre outras medidas, que os autos não podiam ser retirados da Secretaria; o pagamento das custas da condenação em “selo federal aposto aos autos”; vedou expressamente a rescisória. Admitiu a aplicação subsidiária do direito comum (embora só excepcionalmente este fosse invocado) nos julgamentos; instituiu a figura do “Prejulgado” (equivalente hoje” à súmula vinculante); estabeleceu que das decisões das Juntas em reclamações envolvendo até dois salários mínimos somente cabiam embargos para o próprio órgão prolator da sentença; tratou genericamente do instituto do agravo contra decisões na execução. Criou uma Seção intitulada “Da Competência da


Foto: Arquivo Pessoal

Câmara da Previdência Social” (art. 705). Compôs um Conselho Nacional do Trabalho com duas Câmaras, uma das quais competente para apreciar recursos de decisões sobre matéria de Previdência Social. Manteve a competência do Ministro do Trabalho para avocar “ao seu exame e decisão do Despacho final do assunto ou no curso do processo, e questões referentes à fiscalização dos preceitos estabelecidos nesta Consolidação”. Ignorou a figura do Corregedor, bem como procedimentos como agravo de instrumentos e de petição, recurso de revista, embargos de declaração. Os órgãos judiciais, inicialmente, restringiam-se a um pequeno número de Juntas de Conciliação e Julgamento, das quais 6 no Rio de Janeiro e 8 Conselhos Regionais do Trabalho no país, além do Conselho Nacional do Trabalho e duas Camaras da Justiça do Trabalho, todos dotados de instalações precárias. Desse estágio primário da Justiça do Trabalho dão bem uma ideia estas palavras do Ministro Clóvis Ramalhete, ao prefaciar, em 1983, a 1ª edição de nosso “Conceitos sobre Advocacia, Magistratura, Justiça e Direito”: “Àquela época, presidentes de Junta tinham paciência e dispunham de tempo. Tornavam manifesto o princípio do moderno Processo, da intervenção condutora do Juiz. No caso, porém, acrescentavam a refração do propósito de tutela do trabalhador. Era de vê-los. Encaminhavam acordo, sem forçar. Supriam de coragem os depoentes toscos. Aqueles juízes despiam-se da

pompa, em benefício da descontração dos tímidos. No ato de julgar esses fundadores do Direito do Trabalho no Brasil foram criando Direito, também, dada a legislação fragmentária e lacunosa de então.” Mesmo depois da Constituição de 1946, que integrou a Justiça do Trabalho ao Poder Judiciário, não perdeu ela suas características básicas, nem seu sistema processual sofreu, senão muitos anos depois, alteração substancial. Uma das importantes inovações foi introduzida pela Lei 2.244/58, que transferiu para os Presidentes dos TRTs a competência para julgar, como instância definitiva, os recursos em processos de execução, aos quais atribuiu ainda a função de Corregedor, medida que prevaleceu por cerca de uma década. A essa época, os integrantes dos Tribunais Regionais ainda não desfrutavam do título de Desembargador. Razões do jus postulandi Nesse contexto, e consideradas as peculiaridades do processo trabalhista e a falta de experiência judicante de seus juízes, bem como a debilidade dos Sindicatos e a inexistência de órgãos públicos capazes de propiciar assistência jurídica aos trabalhadores-reclamantes, foi apropriada, necessária, útil e adequada a outorga às partes do direito de se autorrepresentarem até final do processo. Acontece que, com o transcurso do tempo e a mudança das condições sociais, econômicas, politicas e culturais do país, a Justiça do Trabalho expandiu-se enormemente, hipertrofiouse, tornou-se técnica, complexa, formal, solene, com Tribunais instalados em sedes suntuosas, à vista dos quais os trabalhadores passaram a se sentir intimidados. O processo do trabalho incorporou um emaranhado de modernos e numerosos institutos processuais civis. A Consolidação das Leis do Trabalho foi acrescida de mais de mil disposições, decorrentes de alterações nos seus caput, parágrafos, letras, alíneas, incisos. Criou-se paralelamente uma legislação extravagante, mais extensa do que a própria CLT. Aos advogados, mesmo, não tem sido fácil acompanhar as incessantes alterações normativas nessa área. Processualização da Justiça e necessidade de advogado Diante dessas transformações não mais se pode prescindir da assistência de advogado na Justiça do Trabalho, e a manutenção do jus postulandi, que visava a proteger as partes, notadamente o trabalhador, tornou-se inútil e prejudicial aos interesses deste, incapaz de compreender e, muito menos, de se mover dentro desse intrincado sistema judicial e processual. Não mais é possível que operadores jurídicos, em sã consciência, ou de boa-fé, continuem a defender a dispensabilidade do advogado na Justiça do Trabalho. Só algumas poucas capitais (entre elas, Belo Horizonte e Belém) mantêm o sistema permissivo de reclamação pelos próprios postulantes, e somente no longínquo interior a elas comparecem, muitas vezes, desassistidos de advogado. Na prática, pois, a autorrepresentação das partes, em nossos dias, não passa de uma falácia. 2009 JULHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 43


A negativa de honorários sucumbenciais é tanto mais incompreensível quando inexiste na legislação qualquer disposição proibitiva de tal condenação.

A negativa de honorários sucumbenciais é tanto mais incompreensível quando inexiste na legislação qualquer disposição proibitiva de tal condenação. E, mais absurdo ainda, se se tiver em conta que, ao preceituar que “o advogado é indispensável à administração da Justiça”, a Constituição/88 (art. 133) não excetuou dessa regra a Justiça do Trabalho. Considere-se mais que o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) dispõe, tal como faz o CPC, ser atividade privativa da advocacia “a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário”. Leve-se em conta ainda a incoerência, a contradição consistente no fato de o TST reconhecer, por Resolução, com quebra do princípio da isonomia, serem devidos honorários sucumbenciais em lides que envolvem relação de trabalho, e negá-los naqueles que têm por objeto relação de emprego. Honorários sucumbenciais e gratuidade O argumento de que a condenação a honorários seria prejudicial aos empregados que, no caso de sucumbência, não teriam como pagá-los, não mais procede. É que o conceito de assistência judiciária evoluiu, elasteceu-se, a ela fazendo jus o trabalhador mediante simples declaração de não ter condições de pagar as custas e os honorários advocatícios sem prejuízo próprio ou de sua família. E é razoável que o empregado que possui condições de pagar advogado de sua escolha, como é o caso de litigantes de status — executivos, artistas, atletas etc. —, arque com os honorários sucumbenciais. A compatibilizar a verba honorária com a Justiça 44 JUSTIÇA & CIDADANIA | JULHO 2009

especializada, concorre ainda a praxe, quase generalizada, da contratação, quando se trata de patrocínio de reclamações de trabalhadores, de honorários condicionados ao êxito da causa. A instituição da verba honorária produziria efeitos salutares. Primeiramente, porque desestimularia empresários sonegadores de direitos trabalhistas — e não são poucos — que, sabendose desobrigados de responder com honorários advocatícios, mandam os empregados reclamarem (ou obrigam-nos a isso) na Justiça do Trabalho, na qual estabelecem um dilema para os reclamantes: ou se submetem a acordo lesivo a seus interesses ou terão de sujeitar-se à delonga do processo, decorrente de recursos e procedimentos protelatórios. Em outras palavras, valem-se da Justiça para fazer um bom negócio. De outra parte, os advogados de empregados, diante do risco de onerar seus clientes com honorários advocatícios da parte adversa, seriam mais cautelosos na propositura de demandas, muitas vezes aventureiras ou temerárias. Com esse sistema todos se beneficiariam. A Justiça, com sensível redução de ações, o que a tornaria menos morosa; o trabalhador, porque o empregador, ciente de que no caso de sucumbência se sujeitaria ao pagamento de honorários advocatícios, se sentiria desencorajado a sonegar direitos e a induzi-lo a reclamá-los em Juízo; os empresários, porque seriam chamados a responder a um número menor de processos desarrazoados. Co-responsável pelo art. 791 da CLT pede sua revogação O Ministro Arnaldo Süssekind, um dos integrantes, e único sobrevivente, da Comissão elaboradora da CLT, acaba de reconhecer a indispensabilidade de advogado e honorários na Justiça do Trabalho. E, como membro de uma Comissão da OAB/RJ, criada especificamente para estudar o assunto, vem assinar, juntamente com o Presidente do aludido colegiado, Conselheiro Nicola Piraino, e do autor deste artigo, um anteprojeto propondo a obrigatoriedade do advogado e de honorários na Justiça especializada. Ora, se o próprio co-criador do jus postulandi, coresponsável por sua inserção na CLT, num gesto de sensibilidade social e probidade intelectual, reformula seu entendimento e pugna por sua revogação, será admissível que operadores jurídicos ainda possam, com isenção e sem outro propósito, sustentar o contrário? Com o propugnar a revogação do art. 791 da CLT, consciente das mudanças sociais e econômicas operadas com o longo decurso de tempo, o Ministro Arnaldo Süssekind concluiu pela necessidade de atualizar, nesse particular, o Estatuto Trabalhista, adequando-o às exigências da realidade atual. Seu gesto equivale à pá de cal que faltava para a erradicação do direito do leigo de se autorrepresentar na Justiça do Trabalho. Em cada etapa só é cabível, viável e adequado, o que em cada etapa é útil, necessário, possível, factível. O jus postulandi, de há muito anacrônico, deve desaparecer por já ter cumprido sua destinação, sua missão histórica.


AS INSTITUIÇÕES E O FUTURO DO PAÍS Humberto Mota

Presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro

Foto: Ivanoé Gomes/ACRJ

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videncia-se, a cada dia, a necessidade imperiosa de se promover uma ampla e profunda reforma política em nosso País. Desde fevereiro o Congresso vive uma permanente sucessão de denúncias, com a pauta de votações praticamente paralisada. Em plena crise econômica financeira, a mais grave dos tempos recentes, a Nação sente ausência do Congresso na discussão e no encaminhamento de propostas para superação dos novos desafios que vieram em consequência do colapso do sistema financeiro internacional. A raiz da paralisia congressual está no esgotamento do atual modelo Político-Partidário que foi implantado na Constituição de 1946. O Brasil, entre os dez mais importantes países do mundo, é o único que ainda adota o sistema de votação individual para eleição de seus Senadores e Deputados. Nos demais países encontramos os sistemas de votos distritais, distritais mistos,

votos em listas partidárias ou sistemas que utilizam os votos em listas simultaneamente com votações distritais diretas. Na verdade, precisamos buscar um sistema que fortaleça os Partidos, assegure a sistemática da fidelidade partidária e que garanta ao eleitor a possibilidade de votar optando por Partidos que tenham programas definidos. Atualmente, mesmo com a simultaneidade das eleições parlamentares com as presidenciais e as dos governos estaduais, não se consegue que os eleitos tenham a base de apoio imprescindível para que possam governar com estabilidade. A consequência é que se avolumam as Medidas Provisórias que limitam a atuação do Congresso, fazendo com que os projetos propostos pelos parlamentares se arrastem em votações que se prolongam por décadas. Em 2010, teremos novamente eleições gerais no País, o que nos dá excelente oportunidade para que se faça uma ampla mobilização popular em favor da Reforma Partidária. Existem, no Congresso, diversas propostas que poderiam ser consolidadas, introduzindo mecanismos que possibilitassem o resgate da imagem do Congresso e dos Partidos perante a opinião pública. As democracias exigem partidos sólidos, de dimensão nacional, com vida própria independentemente dos períodos eleitorais. No Brasil, a inexistência dessa realidade tem contribuído para o clima de instabilidade político-partidária, gerando consequências desastrosas no presente e refletindo também para médio e longo prazo. Temos, no Congresso, lideranças experientes que podem coordenar esse movimento, impondo uma agenda congressual positiva. Esta é uma exigência inadiável de todos os cidadãos brasileiros, angustiados e perplexos com o atual momento político-partidário que o País está vivendo. Esta hora reclama a atuação de políticos estadistas, os quais felizmente temos em diferentes partidos. É necessário que eles façam ouvir a voz da prudência, com propostas modernas, para que venhamos a ter uma organização político-partidária correspondente à dimensão político-econômica que o nosso País alcançou no cenário internacional do Século XXI. 2009 JULHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 45


Foto: stockxpert

E m foco

Mutirões carcerários ajudam a melhorar condições de presídios no País

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evantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) aponta que, no Brasil, o déficit carcerário é de 170 mil vagas. Segundo o órgão, que é vinculado ao Ministério da Justiça, são 469 mil presos para aproximadamente 270 lugares disponíveis. Esses números, por si só, já explicam o caos do setor, revelado por celas superlotadas, sem quaisquer condições de higiene e salubridade, pavilhões sem divisões internas, falta de triagem por tipo de delito e, pior, pessoas reclusas há anos mesmo sem terem sido julgadas. Pouca coisa foi feita pelo Poder Público nos últimos anos para mudar esse quadro. Uma iniciativa recente, no entanto, pode, se não mudar a situação, amenizar esta realidade e apontar possíveis soluções, oferecendo um ponto final a esse círculo vicioso de denúncias, imobilismo e agravamento das condições. Trata-se dos mutirões carcerários, coordenados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que em agosto completou um ano. A iniciativa teve início em 25 de agosto de 2008, primeiramente, com foco na execução penal. Os mutirões já passaram por 16 Estados. Até o momento, foram apreciados 33.106 processos e libertados 5.675 presos — o que corresponde a 17,14% dos casos revistos. A iniciativa, entretanto, não se restringiu às penitenciárias. Também envolveu os casos em curso nas Varas da Infância e Juventude com o objetivo de verificar a aplicação das medidas socioeducativas aos menores que cometeram delitos. Os mutirões já foram realizados no Pará, Maranhão, Piauí, Rio de Janeiro, Alagoas, Espírito Santo, Tocantins e Amazonas. Estão em andamento nos Estados de Goiás, Paraíba, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Bahia, Pernambuco e Ceará. Nos próximos dias, o CNJ dará início ao mutirão carcerário de Sergipe. A iniciativa do CNJ acabou chamando a atenção para o problema envolvendo o cárcere no Brasil. Mostrou que as péssimas condições do atual sistema decorrem, em parte, da superlotação. Segundo o Conselho, os recursos liberados anualmente pelo Depen para a abertura de novas vagas não representam nem 10% dos que são necessários. Na avaliação 46 JUSTIÇA & CIDADANIA | JULHO 2009

do CNJ, é preciso estabelecer uma nova política penitenciária, com novas fontes de recursos e padrões mínimos para que as prisões atendam à dignidade da pessoa, além de educação, profissionalização e reinserção social. De acordo com o CNJ, uma razão que também justifica a ineficiência do sistema está ligada à falta de estrutura. O CNJ constatou que as Varas de Execução Criminal são, em sua maioria, desestruturadas: não raro se verificam nelas juízes sem perfil, número de servidores insuficiente, rotinas ultrapassadas, inexistência da informatização e elevada taxa de congestionamento. Ao mesmo tempo, os mutirões revelaram uma Defensoria Pública que não atende adequadamente os presos; centenas de processos aguardando denúncia e pareceres do Ministério público; e a ausência de política penitenciária adequada. Atualmente, cerca de 20% da população carcerária se encontra presa indevidamente. Essa situação foi classificada como “vergonhosa” pelo Ministro Gilmar Mendes, Presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF). Ao abrir o mutirão carcerário de Pernambuco, no Ceará, no último dia 18 de agosto, o Ministro reconheceu que o País vive “a ineficácia de uma Justiça Criminal”. São várias as anomalias encontradas que comprovam isso. Ele citou como exemplo o Estado do Piauí, em que o CNJ constatou, durante a realização do mutirão carcerário, a existência das chamadas “pastas de capa preta”, nas quais eram arquivados os processos dos presos considerados perigosos para a sociedade, como forma de os delegados avisarem aos juízes que aqueles não deveriam ser liberados. Há ainda os casos de pessoas que acabaram esquecidas no sistema prisional. Exemplifica isso a história de um lavrador de 42 anos, que passou 11 anos preso no Espírito Santo sem nunca ter sido levado a julgamento. Ele é acusado de ter matado o excunhado com uma machadada na cabeça, em 1998. No período em que ficou preso, o lavrador passou por quatro presídios e não teve direito de sair nem mesmo para o enterro da mãe, em 2007. Era representado por um defensor público, que apesar de alegar


que ele tinha problemas psiquiátricos, não chegou a realizar um único pedido sequer de habeas corpus em favor dele. Se tivesse sido julgado e condenado pela Justiça, ele já teria tido direito a progressão do regime fechado para semiaberto ou aberto. A questão envolvendo a prisão provisória no País chamou a atenção do Conselho já no primeiro mutirão. Levantamento divulgado pelo Conselho em fevereiro último, durante o 2º Encontro Nacional do Judiciário, realizado em Belo Horizonte, Minas Gerais, mostrou que o número de pessoas detidas por um determinado período chegava a 191.946. Ou seja, dos 446 mil presos à época, 42,97% eram provisórios, contra 57,03% reclusos por uma condenação. A constatação do órgão de estratégia e fiscalização do Judiciário é de que essa desproporção dificulta a correção do sistema carcerário. O fato é que a maior atenção que passou a ser dada aos presos nessa situação não tem se restringido mais aos mutirões. A Corregedoria-Geral de Justiça do Espírito Santo, por exemplo, implantou o Sistema de Controle de Presos Provisórios. A medida atende à Resolução nº 66, editada pelo CNJ em janeiro deste ano. A norma estabeleceu o controle estatístico e disciplinou o acompanhamento, pelos juízes e Tribunais, dos procedimentos relacionados à decretação e ao controle desse tipo de prisão. O programa capixaba permite que os magistrados das Varas Criminais e da Central de Inquéritos encaminhem, de forma eletrônica, informações sobre o número de prisões em flagrante, temporárias e preventivas. O sistema facilita a identificação do nome do preso, do número do processo, da data e natureza da prisão, do nome da unidade prisional em que o réu está recolhido, assim como o dia e o conteúdo do último movimento processual. Possibilita ainda a emissão de relatórios de alertas para lembrar aos juízes das Varas Criminais sobre as prisões provisórias que já passaram do prazo e para quais processos precisam ser tomadas providências urgentes. É por meio de medidas como essa que o CNJ espera alcançar a meta de solucionar a questão da superlotação até agosto de 2010. O trabalho desenvolvido pelo CNJ conta também com ações que vão além do enfrentamento do problema que se tornaram as prisões provisórias no País. Uma das preocupações do Conselho está relacionada justamente à concessão dos benefícios que os presos teriam como cidadãos. Nesse sentido, o Conselho adotou também como política a realização de parcerias com diversos órgãos, governamentais ou não. Exemplo é o acordo de cooperação com o Ministério da Previdência, firmado no dia 25 de agosto último. Por meio desse acordo, os magistrados das Varas de Execução Penal apreciarão não somente a situação dos presos em relação ao cumprimento dos benefícios previstos na legislação penal, mas que também teriam, junto à Previdência, entre os quais pensões, aposentadorias, auxílio doença e, o mais comum deles, auxílio reclusão. A experiência nesse sentido teve início no mutirão realizado em Pernambuco. Destaca-se ainda o acordo de cooperação técnica que o CNJ negociou com os ministérios da Saúde e Educação, com vistas a ampliar a fiscalização dos repasses feitos por esses órgãos aos presídios. A verificação acerca da aplicação dessas verbas ficaria

a cargo dos juízes das varas de execução penal, que por lei têm a obrigação de realizar inspeções nas penitenciárias pelas quais são responsáveis, a fim de constatar as condições dos presos. O juiz auxiliar do CNJ, Erivaldo Ribeiro dos Santos, explicou que as regras do acordo entre o Conselho e os dois ministérios já estão prontas, à espera apenas da compatibilização das agendas do Ministro Gilmar Mendes, e dos Ministros José Gomes Temporão (Saúde) e Fernando Haddad (Educação). Segundo afirmou, as informações colhidas serão repassadas aos ministérios para que estes tomem as medidas cabíveis nos casos em que se verificarem que a verba não foi empregada efetivamente. Os acordos de cooperação são apenas uma das muitas consequências dos mutirões. A partir deles, o CNJ deu início a uma série de projetos a eles relacionados. Nesse sentido, destacam-se o estímulo à implantação do sistema de vara de execução virtual e a elaboração de sugestões para o aperfeiçoamento da legislação penal brasileira. Destaca-se também o Programa Começar de Novo, lançado em dezembro do ano passado e por meio do qual mais de mil vagas foram cedidas a ex-detentos, a partir da iniciativa do STF de contratar 49 egressos do sistema carcerário para trabalhar na corte. Dois deles estão lotados no gabinete do Presidente do Tribunal e do CNJ. Também, em abril último, o Ministro Gilmar Mendes firmou um acordo com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a Federação Internacional de Futebol (Fifa), que se comprometeram a usar a mão de obra dos egressos. Segundo Mendes, essa medida “dará oportunidade aos presos evitando que eles voltem a cometer delitos”. Projeto que também se destaca é que visa a estimular a advocacia voluntária no País, inclusive como forma de contornar os transtornos provocados com a falta de defensores públicos em número suficiente para atender à população carcerária. O atendimento é prestado por meio dos Núcleos de Advocacia Voluntária, até o momento instalados nos Estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e Amazonas. O projeto já assegurou a assistência gratuita a cerca de mil presos, somente no primeiro semestre deste ano, com vistas a agilizar o trâmite de processos e corrigir eventuais irregularidades como o excesso de prazo na concessão de benefícios. O trabalho voluntário é realizado por estudantes de Direito de universidades conveniadas ao programa, que trabalham como voluntários. O Presidente do CNJ e do STF reconhece que o problema carcerário não pode ser resolvido apenas com os mutirões. Fazemse necessários outros avanços, com ações integradas que levem à melhor prestação do serviço jurisdicional e ao maior acesso por parte da população ao Judiciário. É fato, no entanto, que a iniciativa tem levado a questão ao centro dos debates e conscientizado as autoridades acerca da necessidade de um maior empenho para sanar as deficiências existentes. Afinal, para dar certo, os mutirões precisam ser realizados em parceria com os Tribunais de Justiças dos Estados, o Ministério Público, a Defensoria Pública, as seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, entre outros órgãos ligados ao sistema penitenciário. 2009 JULHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 47


O Petróleo e a Ilusão do Golpe de Sorte Fabricio do Rozario Valle Dantas Leite Procurador do Estado do Rio de Janeiro Subsecretário de Fazenda para Assuntos Jurídicos do Estado do Rio Janeiro

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jornalista e escritor polaco Ryszard Kapuscinski dizia que o petróleo dá a ilusão de uma vida totalmente mudada, uma vida sem trabalho, uma vida sem graça, refletindo com perfeição o eterno sonho humano de riqueza conquistada com um golpe de sorte. E concluía que, neste sentido, o petróleo é um verdadeiro conto de fadas e, como todo conto de fadas, um pouco mentiroso.1 De fato, é um grande golpe de sorte, ainda mais quando se descobriu que a quantidade de energia contida em um barril de petróleo equivalia à de quase cinco quilos de carvão de qualidade superior, ou a mais de dez quilos de madeira, ou mesmo ao trabalho de um dia de cinquenta escravos bem alimentados.2 A descoberta desta equação no final do século XIX alterou definitivamente a matriz energética e a economia mundial, possibilitou o surgimento do primeiro milionário da história e transformou a geopolítica, com a divisão do mundo em países consumidores, países produtores e países estratégicos, em função do petróleo. Mais de 100 anos depois, pouca coisa mudou neste cenário em termos absolutos. Talvez os métodos comparativos tenham evoluído, com a entrada em cena da energia elétrica e de outras fontes de energia. Certamente as formas de se aproveitar a energia dos hidrocarbonetos também se aprimoraram, com novos meios de transporte e novos usos industriais, como a petroquímica. Mas, com um sexto de toda a economia mundial atual dedicada às atividades de upstream, procurar e produzir

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petróleo ainda guardam a mesma importância econômica que possuíam há um século. A dependência do petróleo como o principal elo da matriz energética mundial em nada difere do que se verificava em 1860, com o uso abundante da querosene na iluminação pública, ou em 1910, quando os norte-americanos se deliciavam com as primeiras corridas de automóveis e compravam o popular Modelo T, criado por Henri Ford, gerando um amplo consumo de gasolina. A tríade quase lotérica de rocha geradora, rocha reservatório e rocha selante, vital para possibilitar a exploração e a explotação do petróleo, cuja existência simultânea é tão difícil quanto a possibilidade de se tirar um sete, jogando o dado por seis vezes consecutivas3, convive com a velocidade voraz do uso do petróleo, ultrapassando em mais de 100 mil vezes o tempo necessário para que ocorra a sua acumulação natural4. Por estes fatores, a descoberta em solo brasileiro de reservas abaixo da camada de sal é motivo de comemoração para o país. Já para os Estados e Municípios produtores de petróleo, poderá ser um enorme paradoxo. Se, por um lado, de seus territórios ou áreas litorâneas limítrofes pode jorrar óleo suficiente para colocar o Brasil em posição de destaque diante de uma das mais importantes indústrias do mundo, por outro lado, a população destes entes pode vir a sofrer problemas imediatos e futuros, caso haja, em pleno jogo, mudança das regras estabelecidas desde a Constituição de 1988.


Estas regras foram criadas justamente para reparar os danos regionais decorrentes, não só do claro impacto ambiental da exploração de petróleo e gás, mas também da alocação de recursos tendentes a prover somente a pesada e cara infraestrutura necessária às atividades petrolíferas. O foco exclusivo de investimentos em unidades de processamento, terminais, oleodutos e plataformas promove verdadeiras distorções na economia local, que são sentidas a cada queda do preço do barril ou, de maneira mais profunda, quando as reservas começam a secar, e se percebe que atividades mais sustentáveis foram abandonadas totalmente ou deixadas de lado pela ilusão imediatista de se apostar apenas em uma indústria finita como única fonte de desenvolvimento regional. Para citar um exemplo concreto, quando o petróleo começou a jorrar no Gabão, sua pequena população urbana começou a usufruir os confortos da importação: dos artigos de luxo aos alimentos de primeira necessidade. Um quarto de século mais tarde, depois de o pequeno país do centro-oeste da África ter chegado a se tornar o maior importador de champanhe per capta do mundo e a consumir produtos agrícolas europeus, quando os poços começaram a secar, a ressaca do petróleo5 trouxe desespero para a população, que havia deixado de

produzir seus próprios alimentos em prol da dedicação exclusiva a investimentos na indústria do petróleo. É claro que não se pode desprezar o golpe de sorte de um país possuir jazidas de petróleo vultosas e muito menos o fato de ter desenvolvido tecnologia suficiente para tornar sua exploração economicamente viável, ainda que em condições extremamente hostis como as altas profundidades do pré-sal. Porém, não se pode perder de vista o custo que o desenvolvimento desta indústria e, por via de consequência, do país, irá exigir regionalmente, ou seja, daqueles que conviverão diretamente com esta produção. Neste caso, a necessidade imediata de desenvolvimento do país deve andar em paralelo com a preocupação mediata de desenvolvimento regional, preparando condições para que ao fim e ao cabo das atividades exploratórias, quando as reservas se tornarem economicamente inviáveis, as regiões produtoras não dependam apenas da política e dos recursos federais, que claramente terão privilegiado por décadas uma indústria com data marcada. Por este motivo, a Constituição de 1988, no § 1º do artigo 20, garantiu expressamente aos Estados e Municípios, cuja exploração de petróleo ou gás natural ocorra no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona

Foto: sxc.hu 2009 JULHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 49


Foto: Maira Coelho

Procurador do Estado, Fabricio do Rozario Valle Dantas Leite

econômica exclusiva, o verdadeiro “direito subjetivo da unidade federada”6 de receber compensações financeiras por esta exploração ou participação direta no seu resultado, como consequência de suportar uma indústria economicamente predatória e com evidentes impactos ambientais. Atualmente, adota-se no Brasil um modelo que vem dando certo desde a edição da Lei 9.478/97, que se baseia na previsão constitucional da compensação financeira. Por este modelo, denominado modelo de concessão, a concessionária fica com todo o resultado da produção e o pagamento à União e aos Entes produtores ocorre por via de tributos e compensações financeiras, como, por exemplo, os royalties e as participações especiais. Trata-se do modelo conhecido internacionalmente como Royalty/Tax – R/T, que goza de ampla aceitação do mercado e vem retribuindo de forma justa, não só os Estados e Municípios produtores, como a própria União. A mudança deste modelo para o de partilha da produção, que vem sendo aventada para as áreas de pré-sal, sofre fundada resistência técnica do próprio órgão regulador do setor, ou seja, da Agência Nacional de Petróleo7, e causará incerteza jurídica e econômica no mercado. Além disso, apresentará impacto negativo na arrecadação dos entes federativos, pois, no desenho que está sendo construído, a obrigação imposta à empresa contratante seria a

de financiar por sua conta e risco o desenvolvimento da área contratada, bem como a de pagar remuneração governamental, através de uma parcela líquida da produção (profit oil), após a dedução dos custos da produção (cost oil), e esta parcela ficaria concentrada na União, retirando o demais entes federativos do regime de repasse direto de recursos. A necessidade de se distribuir os benefícios do petróleo com toda a população do país e não apenas regionalmente e a alocação equivocada de recursos públicos decorrentes do petróleo, utilizados como principais argumentos para se desconsiderar o Texto Constitucional na futura regulamentação legal das reservas do pré-sal são certamente duas falácias. Em primeiro lugar porque, hoje em dia, a maior parte do valor recolhido com as participações governamentais na indústria do petróleo já é destinada à União e, por via de consequência, passível de ser utilizada de forma nacional. Sem contar que o government take petrolífero no Brasil é um dos mais baixos do mundo, equiparando-se a países desenvolvidos como o Reino Unido, mas bem abaixo de países subdesenvolvidos, como Angola8. Caso sejam insuficientes os recursos, tendo em vista as enormes reservas do présal e a dificuldade crescente de se descobrir novos campos economicamente viáveis no mundo, basta aumentar o valor devido pela contrapartida governamental às atividades da indústria do petróleo, com base, inclusive, na atual legislação vigente, e não mudar um regime que vem funcionando bem há mais de uma década, responsável inclusive pela autossuficiência da produção, atingida depois de menos de uma década da implementação do modelo. Por outro lado, equívocos na utilização de recursos públicos são motivos para se utilizar de garantias que a própria Constituição assegurou à sociedade, com a atuação de órgãos independentes e mecanismos eficazes de controle dos gastos públicos, e não para se desconsiderar norma constitucional explícita. Retirar simplesmente os recursos da disposição dos Estados e Municípios produtores, além de solução que viola cláusula pétrea (princípio federativo) e o § 1º do artigo 20 da Constituição, causaria, em curto espaço de tempo, o direcionamento exclusivo de várias regiões do país a uma única atividade econômica de vida limitada, e, a médio e longo prazo, pobreza regional por falta de investimento e poder de estímulo dos governos locais a outras atividades econômicas com maior sustentabilidade temporal. Seria como viver na ilusão de um grande golpe de sorte e acordar na realidade de uma vida totalmente mudada e efetivamente sem graça e sem trabalho.

Notas KAPUSCINSKI, Rysard. “Shah of Shahs”. Nova York: Harcourt,1983, p. 34-35 DAVIDSON, Jon P. et al, “Exploring earth: An introduction to physical geology”. Prentice Hall: 2002. p. 389 3 SHAH, Sonia. “Crude: The Story of Oil. Seven Story Press”. 2004. p. 21. Trecho da entrevista da autora com o professor aposentado de geologia da Princeton University, Kenneth Deffeyes 4 PRICE, David. “Energy and Human Evolution”. Population and Evironment. Springer Netherlands: March 1995. pp. 301-319 5 SHAH, Sonia. op. cit. p. 110 6 Expressão utilizada pelo ministro Gilmar Mendes no julgamento do MS nº 24.312-RJ 7 Cf.: Nota Técnica nº 021/2007-SCM 8 Dados da consultoria Wood and Mackenzie, no estudo: “Government Take – A Worldwide comparison – 100 mmbbl model field” 1 2

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