Revista Justiça & Cidadania

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EDIÇÃO 93 • aBRIL de 2008

20 Transformar sonhos em

DOM QUIXOTE EM SÃO PAULO

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realidade é dever cívico

Foto de capa: Ilkens Souza/STJ ORPHEU SANTOS SALLES EDITOR TIAGO SANTOS SALLES DIRETOR EXECUTIVO DAVID RIBEIRO SANTOS SALLES Diretor jurídico

A NATUREZA DO ESCORPIÃO

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ERIkA BRANCO SECRETÁRIA DE REDAÇÃO TAÍS CAVALCANTI REVISÃO DIOGO TOMAZ DIAGRAMAÇÃO CLEONICE DE MELO ASSISTENTE DE EXPEDIÇÃO EDITORA JUSTIÇA & CIDADANIA AV. NILO PEÇANHA, 50/GR.501, ED. DE PAOLI CEP: 20020-100. RIO DE JANEIRO TEL/FAX (21) 2240-0429 SUCURSAIS SÃO PAULO RAPHAEL SANTOS SALLES AV. PAULISTA, 1765/13°ANDAR CEP: 01311-200. SÃO PAULO TEL.(11) 3266-6611 PORTO ALEGRE DARCI NORTE REBELO RUA RIACHUELO N°1038, SL.1102 ED. PLAZA FREITAS DE CASTRO. CENTRO. CEP: 90010-272 TEL.(51) 3211 5344 SALVADOR FREDERICO DINIZ GONÇALVES RUA BARÃO DE ITAPUÃ, 60 CONJ. 301 CENTRO EMPRESARIAL PORTO CENTER CEP: 40140-060 TEL.(71) 3264 3754 BRASÍLIA ARNALDO GOMES SCN - Q.1 – Bl. E – Sala. 715 EDIFÍCIO CENTRAL PARK CEP: 70711-903 - BRASÍLIA - DF FONES: (61) 3327-1228 / 29 CORRESPONDENTE ARMANDO CARDOSO TEL (61) 9674-7569 revistajc@revistajc.com.br www.revistajc.com.br CTP, IMPRESSÃO E ACABAMENTO ZIT GRÁFICA E EDITORA LTDA ISSN 1807-779X

CONSELHO EDITORIAL Alvaro Mairink da Costa ANDRÉ FONTES Antonio Carlos Martins Soares Antônio souza prudente Arnaldo Esteves Lima arnaldo Lopes süssekind aurélio wander bastos Bernardo Cabral carlos antônio navega carlos ayres britTo Carlos mário Velloso CESAR ASFOR ROCHA DALMO DE ABREU DALLARI darci norte rebelo denise frossard Edson CARVALHO Vidigal eLLIS hermydio FIGUEIRA Enrique ricardo lewandowski Eros Roberto Grau fernando neves Francisco Viana Francisco Peçanha Martins Frederico José Gueiros GILMAR FERREIRA mENDES Humberto Gomes de Barros Ives Gandra martins Jerson Kelman Joaquim Alves Brito josé augusto delgado JOSÉ CARLOS MURTA RIBEIRO José Eduardo carreira Alvim luis felipe Salomão Manoel CarpeNa Amorim Marco Aurélio Mello Massami Uyeda MAURICIO DINEPI maximino gonçalves fontes nEY PRADO Paulo Freitas Barata Sergio Cavalieri filho Sylvio Capanema de Souza thiago ribas filho

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Células-tronco embrionárias e os

SUMÁRIO 31/03/1964 – DIA DE VERGONHA NACIONAL!

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o stj necessita retornar ao rumo traçado pela constituição

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DOM QUIXOTE EM SÃO PAULO

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SEGURANÇA JURÍDICA E O “PECADO ORIGINAL” DA LICITAÇÃO – Conduta administrativa cinqüentenária e proteção da confiança

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Olhemos o espelho

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A Lei dos Crimes Hediondos e as Alterações da Lei no 11.464/2007

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Um certo jeito de sorrir que tínhamos

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INSEGURANÇA JURÍDICA TRAZ PREJUÍZOS AO BRASIL

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DELAÇÃO PREMIADA À LUZ DO DIREITO PROBATÓRIO NO ESTADO DEMOCRÁTICO

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GERVÁSIO BAPTISTA, O FOTOJORNALISTA

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ASSINE (21) 2240-0429 assinatura@revistajc.com.br 2008 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 3


EDITORIAL

31/03/1964 – DIA DE VERGONHA NACIONAL!

1º DE ABRIL DE 1964 – OPRÓBIO DO REGIME DEMOCRÁTICO!

E

m 31 de março de 1964, exercia a direção de jornalismo na Rádio Marconi, que tinha seus estúdios no 22o andar do prédio da Rua Santa Tereza, no 20, esquina com a Praça da Sé, em São Paulo, posteriormente implodido. A concessão da Rádio Marconi foi outorgada em 1963 pelo presidente João Goulart, a instâncias de seus amigos e companheiros partidários, para se antepor ao proselitismo de todas as emissoras de São Paulo, que sistematicamente eram contra o Governo Federal. Logo de início, a Rádio foi boicotada pelas agências de propaganda, que, seguindo instruções das grandes empresas, negavam-lhe publicidade. Diante do fato, e como técnica para ganhar audiência, a emissora passou a transmitir durante as 24 horas do dia apenas músicas, o que a levou, em poucos meses, à liderança de audiência da capital. No segundo semestre de 1963, os dirigentes sindicais, pressionados pelos trabalhadores – sufocados pela inflação e o crescente aumento do custo de vida –, passaram a reivindicar aumentos salariais, e ante recusa das grandes empresas, começaram a eclodir os grandes movimentos sindicais e a torrente de greves que chegou a paralisar São Paulo. Motivado pelas grandes greves, o governador Ademar de Barros, além de reprimir manifestações fazendo uso da força policial nas ruas – espancando e prendendo trabalhadores –, passou a acusar os dirigentes sindicais de comunistas e insufladores das paralisações, inclusive apontando o Governo Federal como interessado na baderna. E foi em defesa do presidente João Goulart que a emissora passou a mostrar a realidade da situação social, posicionando-

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se firmemente e com denodo a favor das reivindicações dos trabalhadores e, conseqüentemente, atuar e criticar com acerbidade o governador Ademar de Barros. Na véspera do fatídico dia 31 de março, tivéramos uma reunião no Sindicato dos Metalúrgicos com o presidente e o vice da instituição, Afonso Delellis e Araújo Plácido, além de outros 50 sindicalistas, face os graves acontecimentos políticos que ocorriam. O encontro terminou por volta das 4h da madrugada. Na ocasião, eu residia no Hotel Lord, na Rua das Palmeiras, e, por volta das 10h da manhã, fui acordado pelo companheiro Dorival de Abreu, comunicando a rebelião comandada pelo general Mourão Filho, que havia se deslocado, com tropas do exército, de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro. Face o acontecido, sugeri uma visita ao general Amaury Kruel, então comandante do III Exército, a fim de pedir garantias para o funcionamento da emissora, em face da possibilidade de o governador de São Paulo, Ademar de Barros, cometer a arbitrariedade de intervir, mandar fechar a rádio e interromper as transmissões, tendo em vista que, ostensivamente, ele já havia se posicionado contra o Governo Federal – conforme seus pronunciamentos públicos. O general Kruel nos recebeu, ouviu as nossas ponderações e deu garantia de que poderíamos ficar tranqüilos e continuar transmitindo, pois, segundo suas palavras: “O Ademar é um fanfarrão e não vai fazer nada”. Diante de sua afirmativa, retiramo-nos e seguimos para a Rádio. Na emissora, suspendemos a programação e passamos a entrevistar no Rio de Janeiro – onde o presidente João Goulart se encontrava – diversos amigos e companheiros, entre os quais, Bocayuva Cunha, Raul Riff, Abelardo Jurema,


Lutero Vargas, Samuel Wainer, Yara Vargas, Eloi Dutra, Maria Aragão, Roberto Alves, Sebastião Nery, Raimundo Eirado e o presidente da UNE, José Serra, entremeando as entrevistas com as notícias que vínhamos recebendo. Fazíamos comentários sobre os acontecimentos, defendendo com veemência a manutenção da ordem e do regime democrático, e conseqüentemente com críticas acerbas e virulentas aos que se postavam contra o governo constituído. Com a ida do presidente João Goulart para Brasília, passamos a entrevistar o Chefe da Casa Civil Darcy Ribeiro, os deputados Almino Afonso, Doutel de Andrade, Mario Covas, Rubens Paiva e o ministro Amaury Silva – todos recriminando a ação subversiva do general Mourão Filho e a participação alarmante, provocativa e golpista do governador da Guanabara, Carlos Lacerda. Às 19 horas, o governador Ademar de Barros fez um pronunciamento público através das emissoras de rádio e televisão, declarando-se contra o governo do presidente João Goulart, postulando a sua deposição e colocando a Polícia Militar do Estado em prontidão, a favor do golpe. Incontinentes tentamos contato com o general Kruel, o que resultou inútil, recebendo informações de que ele se deslocara para Resende a fim de encontrar o general Âncora, comandante do I Exército, para preparar a resistência contra a subversão da ordem. Logo após, em menos de uma hora, recebemos ligação de Brasília e Darcy Ribeiro nos informou que o general Kruel, em telefonema ao presidente João Goulart, não tendo conseguido que este atendesse ao seu pedido de colocar a UNE, a CGT e as associações de cabos e sargentos na ilegalidade, abandonou o Presidente, aderindo ao golpe militar. Diante desse fato, João

Goulart decidiu voar para Porto Alegre. Na Rádio continuamos defendendo com desbragado ânimo e firme propósito a legalidade, o regime constituído e a Democracia, criticando com azedume e acirrados pronunciamentos as atitudes dos golpistas, em especial os governadores Carlos Lacerda, Magalhães Pinto e Ademar de Barros. Em conseqüência das notícias que a Rádio transmitia ininterruptamente, começaram a chegar diversos companheiros e adeptos, que queriam emprestar apoio e solidariedade à nossa luta contra os golpistas. Do Rio de Janeiro, chegou-nos a notícia, enviada por Raymundo Eirado, de que da UNE, sob a liderança do seu presidente, José Serra (atual governador do Estado de São Paulo), os estudantes preparavam uma passeata em apoio ao governo de João Goulart, às Reformas de Base e contra os pronunciamentos e manifestações que o governador Carlos Lacerda promovia pela televisão – pregando a deposição do governo de Jango, insuflando os seus adeptos e, com a participação escancarada de seus policiais, que invadiram a sede da UNE e promoveram sua depredação, jogando os móveis na rua e incendiando o prédio. Do Recife, o líder dos ferroviários e deputado estadual Cláu­­dio Braga (que em exílio no Uruguai se tornou secretário particular do presidente João Goulart) relatou – e nós transmitimos pela emissora – que tropas do Exército comandadas pelo general Justino Alves Bastos – que na véspera, inquirido ao telefone pelo presidente, hipotecou-o solidariedade e lealdade – haviam cercado o Palácio das Liberdades, exigindo do governador desse estado, Miguel Arraes, a renúncia. Face sua recusa, prendeu-o e o trancafiou no xadrez do Comando Militar. Pouco depois, Cláudio Braga voltou e informou que o Exército havia cercado a Assembléia Legislativa, prendendo vários deputados e pessoas que estavam reunidas naquela Casa, inclusive dando notícia da prisão do deputado federal Gregório Bezerra, que, apesar dos seus 70 anos, foi forçado, praticamente desnudo, apenas com um calção e descalço, a desfilar pelas ruas centrais de Recife, amarrado e puxado por uma corda presa atrás de um jipe do Exército. Entre os visitantes que compareceram à emissora durante a irradiação dos acontecimentos, destacamos os sindicalistas Afonso Delellis e Araújo Plácido, dos Metalúrgicos; Luiz Tenório de Lima, da Federação dos Trabalhadores Agrícolas; José Gonçalves, dos Portuários de Santos; o compositor e cantor Geraldo Vandré, que, passado algum tempo, encontrei no porão do fétido navio-presídio Raul Soares, onde sofreu barbaridades; vários estudantes das Faculdades de Direito e Filosofia; os escritores Moisés Vinhas, Taibo Cadorniga, Paulo Guilherme Martins, marido da deputada Ivete Vargas; o presidente do “XI de Agosto”, João Miguel, e os professores da Universidade de São Paulo, Caio Prado Junior, Mario Schemberg – que dias após vieram a ser confinados também no xadrez do DOPS – e uma quantidade enorme de populares que lotaram os corredores da emissora, emprestando sua adesão e solidariedade ao governo do presidente João Goulart. 2008 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 5


Foto: O Globo Incêndio da UNE em 1964

Por volta das 22h, recebemos telefonema do deputado federal João Dória, que se encontrava na redação do jornal “Última Hora”, em São Paulo, nos avisando que do DOPS saíra uma caravana policial em direção aos estúdios da Rádio Marconi, com ordens de tirá-la do ar e lacrar os estúdios. Perguntado se sabia de outras atitudes como prisões e demais violências, ele não soube informar-nos. A fim de evitar confusão e conflito entre policiais e visitantes, solicitei que estes fossem embora, o que ocorreu, permanecendo na Rádio apenas os profissionais, funcionários e amigos. Passados 20 minutos, vários policiais chefiados pelo dele­ gado Alcides Cintra – velho conhecido por determinar prisões de sindicalistas por motivo de greve e para os quais, muitas vezes, interferi solicitando a liberdade – invadiram os estúdios onde, ao microfone, eu, com veemência e orgulho ferido pela insolência, verberava contra as violências que se praticavam. O referido delegado abusivamente deu a ordem: “Em nome do governador Ademar de Barros determino o encerramento das transmissões!”, ao que respondi, travando diálogo, ainda com a emissora no ar: “Venha, então, dizer aos nossos ouvintes a razão e o motivo da arbitrariedade do Sr. Ademar de Barros mandando invadir uma propriedade privada, autorizada em seu funcionamento pelo Governo Federal”. Ele respondeu: “A ordem é para encerrar, portanto, encerra!” Então, novamente ao microfone, pronunciei: “Nós não temos condições de resistir a essa arbitrariedade do governador Ademar de Barros. Vamos encerrar, mas nós voltaremos um dia para continuar a luta em favor da emancipação econômica, política e social da nossa terra! Até a próxima oportunidade!” Em seguida, como anteriormente combinado, sinalizei 6 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2008

ao técnico para pôr no ar o hino nacional, mas aos primeiros acordes, irritado, o delegado bradou: “Eu dei ordem para encerrar, portanto, encerra!” Ao que eu lhe respondi: “O hino você não pode interromper”. Ele nada retrucou e o hino foi então tocado até o fim, dando por encerradas as transmissões. Tirada a Rádio do ar, o delegado deu ordem de prisão para todos que se encontravam na emissora e determinou que aguardássemos instruções que viriam da Secretaria de Segurança. Passados uns 20 minutos, o telefone tocou; ele atendeu e me chamou: “Atenda, que o general Aldévio Lemos quer falar com você.” Atendi e o general falou: “Aguarda, Orpheu, que o governador vai falar com você”. Esperei alguns segundos e veio a voz fanhosa e conhecida de Ademar: “Saiba, Orpheu, que o Jango foi deposto pelo Congresso Nacional e já fugiu para o Uruguai. Quero te dar uma chance. Venha para o nosso lado. Eu mando reabrir a Rádio e te nomeio Secretário de Imprensa do Governo do Estado.” Surpreso com a oferta, respondi: “Dr. Ademar, eu agradeço muito a deferência e o convite, mas o senhor já viu alguma vez em uma partida de futebol, como exemplo o jogo entre Corinthians e Palmeiras, um jogador trocar de camisa no 2o tempo? Eu agradeço, mas estou impossibilitado de aceitar.” E Ademar respondeu: “Então, não posso fazer nada para te ajudar.” E desligou o telefone. O delegado Alcides Cintra, logo a seguir, proclamou: “En­­tão estão todos presos, vamos para o DOPS”, tendo eu retorquido: “Delegado, não vejo porque prender todos os funcionários. Você assistiu ao telefonema do Governador me convidando para aderir. Eu ainda vou refletir sobre a proposta e não vejo razão de prender e levar todos para o DOPS. Os


“... mandou que fôssemos recolhidos ao xadrez na carceragem do DOPS, onde ficou registrado o jornalista e radialista Orpheu Santos Salles como o primeiro preso do fatídico golpe da subversão ocorrida em São Paulo.”

responsáveis pela Rádio e pela posição política somos apenas eu e o Dorival, e não tenha dúvidas, que diante dos fatos e acontecimentos, eu assumirei sozinho toda a responsabilidade das transmissões políticas, e não vejo porque prender o Gil Gomes, que é locutor esportivo e que tem como seu único líder o Pelé, a menos que você queira prendê-lo por ser são-paulino e deseja se vingar dos gols que o Pelé fez contra o seu time. Também por que prender o presidente do “XI de Agosto”, João Miguel, que está apenas visitando a emissora e não tem nenhuma participação na Rádio? Por que prender o Dr. Rivaildo, advogado trabalhista que também não tem nenhuma ingerência nas transmissões? Por que prender os técnicos, locutores comerciais e o jovem repórter Francisco Adalberto Nóbrega, que não têm nenhuma responsabilidade na direção da Rádio? Enfim, eu não vejo razão para prender pessoas que nada têm a ver com a posição política da emissora. Assim, eu peço que telefone e fale com o Secretário de Segurança, general Aldévio, que você constatou ser meu interlocutor, e o consulte sobre as prisões dos demais, além da minha pessoal e do Dorival. Eu insisto, porque ainda volto a falar com o governador, e falarei da sua atuação.” Felizmente o delegado Alcides Cintra resolveu telefonar para o General e recebeu ordens para levar para o DOPS “apenas os dois, Orpheu e Dorival”. No DOPS fomos encaminhados ao gabinete do diretorgeral, Dr. Manuel Ribeiro da Cruz, com quem ficamos conversando sobre os acontecimentos até as 4h da manhã do dia 1o de abril, quando ele nos declarou que a revolução, com a queda do presidente João Goulart, estava vitoriosa e deci­di­da, e mandou que fôssemos recolhidos ao xadrez na carceragem do DOPS, onde ficou registrado o jornalista e radialista

Orpheu Santos Salles como o primeiro preso do fatídico golpe da subversão ocorrida em São Paulo. Os acontecimentos que se seguiram nas várias prisões pelas quais passei, inclusive o navio-presídio Raul Soares, serão relatados em livro – em fase de produção –, que incluirá fatos vividos à época, os quais tive participação tanto quando integrava o gabinete do presidente Getúlio Vargas como o do presidente João Goulart, além de assuntos relevantes que foram e continuam sendo deturpados pela mídia com versões que estão muito aquém dos fatos e da verossimilhança. Nas próximas edições, como partícipe dos acontecimentos vividos dentro do governo, em 24 de agosto de 1954 e 31 de março de 1964, tratarei dos seguintes fatos: I – Fatos que antecederam o dia 24 de agosto de 1954 II – As pseudo-justificativas do golpe de 31 de março contra a Democracia III – Como os xadrezes do DOPS se transformaram em campus universitário IV– Quem foram os principais responsáveis pela expulsão de Olga Benário? V – Qual é a razão mais plausível do suicídio do presidente Getúlio Vargas? TUDO EM RESPEITO AOS ACONTECIMENTOS HISTÓRICOS!

Orpheu Santos Salles Editor 2008 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 7


Foto: Luiz Antonio/STJ

o stj necessita retornar ao rumo traçado pela constituição

Da esquerda: Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Presidente do STJ Ministro Humberto Gomes de Barros, Presidente do STF Ministra Ellen Gracie e o Presidente Nacional da OAB Cezar Britto

Ministro Humberto Gomes de Barros

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Presidente do STJ

nicio estas palavras agradecendo aos colegas pela con­­­­­­­­fian­ ça que depositaram em mim. Muito obrigado. Prometo fazer todo o possível para honrar os sufrágios que recebi. Confesso, desde logo, minhas limitações na arte de administrar. Não sou bom gerente. Sei, contudo, escutar e aproveitar conselhos. Por isso, rogo antecipadas desculpas pelos incômodos que causarei com seguidos pedidos de sugestões e outorga de tarefas a cada um dos ministros. Pretendo ser – mais que presidente – o denominador comum das idéias e anseios de todos os que colaboram na distribuição de Justiça. Além de meus pares no STJ, incomodarei muita gente, consultando e distribuindo encargos: magistrados; advogados; agentes do Ministério Público e os colegas servidores do Tribunal que não exercem jurisdição, mas colaboram na entrega da prestação jurisdicional. Quedo-me tranqüilo na certeza de que terei a meu lado o ministro Cesar Asfor Rocha, amigo leal, experiente magistrado e primoroso jurista. Não bastassem essas qualidades, o vicepresidente Asfor Rocha é dotado de experiência e tino administrativo. Sua Excelência sabe temperar a firmeza da Justiça com a suavidade da poesia que compõe e transforma 8 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2008

em belas músicas. Tem, de quebra, a orientá-lo a sabedoria de uma filha de Juazeiro do Norte: a Dra. Magda Bezerra Rocha. Conterrânea de nosso Padrinho Padre Cícero, ela certamente obterá suas graças, em favor de nossa administração. Tenho, ainda, os exemplos deixados pelos eminentes ministros Raphael de Barros Monteiro e Francisco Peçanha Martins, que desenvolveram gestão eficiente, segura e discreta. Ao tempo em que lhes agradeço, presto homenagem a suas admiráveis esposas: Maria Auxiliadora de Barros Monteiro e Clara Peçanha Martins. Senhor Presidente da República! Há dezessete anos, a Ordem dos Advogados do Brasil inseriu-me em lista de seis nomes indicados para compor este Tribunal Superior. Meu projeto de vida não envolvia a magistratura. Visava apenas o exercício da advocacia. Queria ser advogado. Ao colar grau na Faculdade Nacional de Direito, alimentava, no inconsciente, a esperança de retornar a Alagoas e, lá, render-me à tradicional vocação familiar, dedicando-me ao exercício da política partidária. Essa perspectiva morreu no nascedouro. Meus planos logo sofreram desvio: uma carioca impediu meu retorno.


Casei-me com Yvette. Emigramos – ela e eu – e nos incorporamos à grande aventura de Brasília. Na cidade recémformada, engajei-me no universo dos jovens advogados que aqui começavam a vida. O viés familiar acomodou-se à realidade da nova capital. À míngua de eleições governamentais, envolvi-me no pleito mais importante da Nova Capital: a disputa para o Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil. Foram dez eleições: nove vitórias; uma só derrota. O Conselho Federal lançou-me desafio que a ninguém é dado rejeitar: a indicação para o Superior Tribunal de Justiça. O desafio era ainda mais sedutor, porque o recém-criado STJ fora concebido para liberar Supremo Tribunal Federal, transformado em corte exclusivamente constitucional. Para o Superior Tribunal de Justiça, a Constituição reservara o encargo de velar pela segurança jurídica, no âmbito infraconstitucional. O objetivo que inspirou o constituinte foi assegurar – nos Estados e regiões – o duplo grau de jurisdição, prestigiando os tribunais estaduais e regionais. Somente lhes chegariam causas de maior repercussão quando houvesse incerteza relativa à incidência ou interpretação da legislação federal. Para essas hipóteses foram concebidos o recurso extraordinário e o recurso especial. Fascinado com a perspectiva de colaborar na consecução de tal objetivo, aceitei a provocação da OAB. Virei magistrado. Incorporei-me ao novo colegiado. Em 1991, com dois anos de existência, o STJ identificava-se como o Tribunal da Federação e consolidava posição pioneira na estrutura do Poder Judiciário brasileiro. Abandonou velhas técnicas que dificultavam o conhecimento de recursos excepcionais. Mitigou a exigência de prequestionamento e outras dificuldades. Passou a resolver questões federais efetivamente relevantes. Desgraçadamente, a nova Corte foi vítima de fatal esquecimento. Tanto o constituinte de 1988 quanto o legislador ordinário esqueceram-se de imunizá-la contra velha endemia que aflige o Poder Judiciário brasileiro – o processualismo e a ineficácia das decisões judiciais. À míngua de vacina, os recursos especiais passaram a observar velhas regras, concebidas para os recursos ordinários. Submetidas aos preceitos arcaicos, as decisões do STJ – em vez de funcionarem como faróis, orientando em definitivo a aplicação do direito federal – reduziram-se a soluções tópicas, cujo alcance limitava-se às partes envolvidas em cada processo. Geraram-se situações insólitas. Lembro, a propósito, aquela em que – chamado a definir o índice de correção do FGTS – o Tribunal foi compelido a repetir-se em milhares de processos absolutamente idênticos. Houvesse bom senso – uma vez estabelecido o índice de reajuste – todos os julgadores passariam a aplicá-lo. Estaria realizada a idéia inspiradora do STJ: gerar segurança jurídica e prestigiar as decisões locais. Isso não aconteceu. O STJ transformou-se em terceira instância. Passou então a

receber, indiscriminadamente, apelos oriundos de trinta e dois tribunais, espalhados por todo o Brasil. Os recursos que deveriam ser especiais transformaram-se em ordinários. Assim, os 19.267 processos julgados em 1991 transformaram-se, no ano passado, na inacreditável soma de 330.257 decisões. Dividido esse total pelo número de ministros que integram a Corte, percebe-se que, em 2007, cada um desses magistrados apreciou, em média, 11.901 processos. A enormidade transparece quando lembramos que o art. 106 da Lei Orgânica da Magistratura fixa em trezentos o limite de distribuição anual de processos por magistrado. Sufocado pelo insuportável peso de tantos encargos, o Tribunal mergulhou em paradoxo semelhante àquele que envolveu o patético Juca Mulato. O trágico personagem de Menotti Del Pichia descobriu que “Esta vida é um punhal com dois gumes fatais: Não amar é sofrer; amar é sofrer mais!” À semelhança do sofredor Juca, o STJ percebeu que, na situação em que se encontrava, Não julgar é justiça denegar; Julgar às pressas é arriscar E com a injustiça flertar Criado para funcionar como instância excepcional, o Tribunal da Federação desviou-se. Passou a dedicar mais da metade de sua atividade ao trato de agravos resultantes do indeferimento de agravos de instrumento – apelos indiscutivelmente ordinários. Essa circunstância nos relega ao status de corte semi-ordinária. O exagerado número de feitos intensificou a freqüência dos julgamentos, aumentando a possibilidade de erros, tornando insegura a jurisprudência. Insegura a jurisprudência, instaurase o império da incerteza. Sem conhecer a correta e segura interpretação dos enunciados jurídicos, o cidadão queda-se no limbo da dúvida. O Superior Tribunal de Justiça deixou de ser o intérprete máximo e definitivo do Direito federal. Desviado de sua nobre função, tende a se tornar um fator de insegurança. Às vésperas de completar vinte anos, o Tribunal, adolescente, enfrenta crise de identidade. Preso a infernal dilema, vê-se na iminência de fazer uma de duas opções: – consolidar-se como líder e fiador da segurança jurídica, ou – transformar-se em reles terceira instância, com a única serventia de alongar o curso dos processos e dificultar ainda mais a prestação jurisdicional. Intoxicado pelos vícios do processualismo e fragilizado pela ineficácia de suas decisões, o STJ mergulha em direção a essa última hipótese. Para fugir a tão aviltante destino, adotamos a denominada “jurisprudência defensiva”, consistente na criação de entraves e pretextos para impedir a chegada e o conhecimento dos recursos que lhe são dirigidos. Outro artifício é a utilização da informática no exame e julgamento de processos. Em seu exercício, os processos repetitivos são agrupados conforme os temas e recebem 2008 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 9


decisão padronizada, aplicada pelo computador e firmada por assinatura eletrônica. Substituímos o juiz natural pelo juiz eletrônico. A crise não é recente. Em 14 de agosto de 1997, presidi sessão da Primeira Turma em que foram decididos mais de quinhentos processos. No curso daquela reunião, a tristeza inspirou-me poema que dizia: Votos iguais Recursos inúteis Da monotonia O tédio profundo Faz com que a Turma Se alheie do mundo Quinhentos processos Passaram por nós Que os deglutimos Sem dó e sem pena Cumprindo agenda Com a indiferença De férrea moenda O STJ Tão bem concebido Sucumbe à sina De se transformar Em reles usina E cada Ministro Perdendo o valor Torna-se um chip De computador Quatorze de agosto Oh! quanto desgosto! De lá para cá, o problema só fez aumentar: em 1997 ingressaram no STJ 96.376 processos – pouco mais que a quarta parte dos 347.986 decididos em 2007. Desses quase 350.000 recursos, 258.230 – vale dizer: 74% – repetiam questões já superadas pelo Tribunal. Quase todos foram resolvidos pelos computadores. Esses processos saíram dos tribunais locais e vieram a Brasília. Aqui, receberam decisão padronizada e retornaram à origem ou mergulharam no arquivo morto. Foram, simplesmente, moídos. Deles aproveitou-se, apenas, quem os manejou para retardar o cumprimento de suas obrigações. Lucrativa para o inadimplente, a proliferação de feitos é caríssima para o litigante vitorioso e para todos os contribuintes. Com efeito, o custo da anomalia não é baixo. Nos últimos dois anos, o processamento de tais inutilidades no âmbito do STJ custou aos cofres públicos praticamente 140 milhões de reais. Nesses cálculos – é bom registrar – não se incluíram as despesas com transporte dos autos, entre o tribunal de origem e Brasília nem o retorno deles, após julgamento eletrônico. Os números revelam que a Justiça brasileira é extrema­ 10 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2008

mente barata para os litigantes de má-fé e caríssima para os bons cidadãos. Tão dolorosa situação agride a garantia constitu­cio­nal da “razoável duração do processo” (art. 5o, inciso LXXVIII). É necessário reverter esse processo deletério. O STJ necessita retornar ao rumo traçado pela Consti­ tuição Federal. Não podemos esquecer que o STJ foi criado para assegurar a eficácia e unificar a interpretação do Direito federal. Sua missão é exercer, no âmbito infraconstitucional, o trabalho desenvolvido pelo Supremo Tribunal Federal, no plano constitucional. Tanto quanto o STF, o STJ é um tribunal excepcional. Tanto quanto o STF, o STJ é fator de segurança jurídica. Bem por isso, é necessário preservar essas duas Cortes, para que elas possam bem. Bem por isso, o constituinte dotou o Superior Tribunal de Justiça de um instrumento em tudo semelhante ao recurso extraordinário – o recurso especial. Os dois apelos sempre observaram um mesmo procedimento. No entanto, nos últimos tempos, o trato do recurso extraordinário afastase decididamente daquele reservado ao recurso especial. A Lei no 11.418/06 inseriu no Código de Processo Civil os artigos 543-A e 543-B, condicionando o conhecimento do recurso extraordinário à possibilidade de repercussão geral e reservando tratamento especial para as questões repetitivas. Graças ao socorro do legislador, o Supremo Tribunal Federal começa a libertar-se da irracionalidade. O Superior Tribunal de Justiça, inexplicavelmente, ficou ao largo das providências salvadoras. É necessário e urgente que tais instrumentos sejam estendidos ao recurso especial. Com todo respeito ao legislador, a discriminação carece de sentido. O correto entendimento do direito infraconstitucional é, também, fundamental para a manutenção da segurança jurídica. É possível que sejamos culpados por nosso esquecimento. Certamente fomos inertes na apresentação de projetos tendentes à superação da crise. Deixamos que o Poder Executivo elaborasse textos que não nos atendem. Purgaremos, logo, nossa mora: A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados tem como um de seus objetivos a geração de projetos capazes de ajustar a anomalia. Em nome da Corte e em favor de todos os que necessitam de justiça, lanço um apelo a nossos parlamentares: Ponham a nosso alcance os instrumentos salvadores ofertados ao Supremo Tribunal Federal. Nosso apelo, estou certo, haverá de ser atendido. Senhora Presidente do Supremo Tribunal Federal! Permita, após esse doloroso pedido de socorro, que eu faça um sentido agradecimento a todos os presentes. Ao ver este majestoso auditório lotado, dou graças a Deus, que me permitiu semear e cultivar amizades ao longo da vida. São todos amigos. Amigos de infância, de escola, de fute­ bol, de faculdade, de advocacia, de magistratura, de coração. Vejo daqui meus primos – tanto aqueles descendentes


Foto: Sandra Fado/STJ

do saudoso Laurentino Gomes de Barros, quanto os outros oriundos do também saudoso Félix Alves Bezerra Lima. Amigos e parentes; é impossível pronunciar os nomes de todos. Ao vê-los, emociono-me na certeza de que sou um homem feliz. A emoção impede-me de dizer algo mais que um amoroso MUITO OBRIGADO! A meus pais, Carlos e Laura Gomes de Barros, um beijo de agradecimento, com o sabor agridoce da saudade. Considero-os presentes nas pessoas de meus irmãos: Eda, Arnoldo e Yone. Yvette, doce, autoritária, alegre, severa, prudente, corajosa, é a verdadeira dona desta festa. Graças a ela, livrei-me de erros e tive ânimo para continuar. Ela foi em verdade, minha sorte grande. Humberto e Debhora; Lícia e Jefferson; Raquel e Fernando; e Carlos Adolfo e Ana Roberta – oito filhos queridos, felizes, cidadãos exemplares. Pedro Paulo, Fernanda, Guilherme, Carolina, Ana Júlia, Mariana e Fernando – netos; filhos açucarados. Como tenho orgulho de vocês! A meus colegas de equipe no Gabinete estendo as alegrias desse momento. Graças a vocês consegui atravessar esses dezessete anos de trabalho duro, sério e correto. Somos vitoriosos! À Ordem dos Advogados do Brasil presto contas, espe­­­ran­ do haver honrado a confiança que me emprestou. Posso dizer apenas que tudo fiz para honrar o Quinto Constitucional. Senhores Procurador-geral e Presidente da OAB: ter­­­m­i­ no, falando de minha terra e dizendo: Minha terra tem coqueiros Tem cana, tem sururu Carapeba, genipapo Caju e maracujá Tem a beleza das lagoas E a mais linda cor de mar

Minha terra tem montanhas Cuja graça emociona Ao relance do olhar Tem o Cristo Redentor Que bem longe e lá do alto Com os braços bem abertos O mundo quer abraçar Minha terra é o cerrado Onde floresce o pequi Onde vivem em liberdade A ema e o lobo guará Onde há belos palácios E o Sol em cada ocaso Dá um show de encantar Minha terra é Maceió Que eu amo por inteiro Mas também é minha terra O belo Rio de Janeiro Brasília é por igual Meu torrão verdadeiro Maceió me deu à luz Já o Rio me deu luz E Brasília finalmente Expôs-me ao pau-de-luz Maceió e Brasília Mais o Rio de Janeiro A bem da verdade São as três de uma vez A minha cidade Três em uma Uma em três A minha cidade É uma trindade Discurso de posse na presidência do STJ, 07/04/2008.

2008 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 11


Auditório do Centro de Integração Empresa-Escola em São Paulo, onde foi realizada a outorga dos troféus Dom Quixote de La Mancha e Sancho Pança, com a mesa composta por (da esquerda) Orpheu Salles, Editor da Revista Justiça & Cidadania; Abram Sjazman, Presidente da 12 • JUSTIÇA & CIDADANIALuiz • ABRIL 2008 FECOMERCIO/SP; Antonio Marrey, Secretário de Justiça do Estado de São Paulo; Des.


São Paulo, 14.04.08

Marly Marques Ferreira, Presidente do TRF-3; Paulo Nathanael, Presidente do Conselho do CIEE; Bernardo Cabral, Chanceler da Confraria Dom Quixote; Luiz Gonzaga Bertelli, Presidente Executivo do CIEE, Flávio Durso, Presidente da OAB-SP, Tiago Salles, Diretor Executivo da Revista Justiça e ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA Cidadania e Ministro Massami Uyeda, do STJ, neste ato presidindo2008 a Confraria Dom Quixote.• 13


solenidade de out Dom quixote e Sa

Paulo Nathanael, Presidente do Conselho do CIEE, recebendo o troféu Dom Quixote do Deputado Federal Michel Temer.

Paulo Skaf, Presidente da FIESP, recebendo o troféu Dom Quixote do Ministro Massami Uyeda.

Ministro Sidney Sanches, que recebeu das mãos do Presidente Executivo do CIEE, Luiz Gonzaga Bertelli o troféu Sancho Pança. 14 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2008


orga dos troféus ncho Pança

A

Confraria Dom Quixote e a Revista Justiça & Cidadania fizeram realizar em São Paulo, no teatro do CIEE – Centro de Integração EmpresaEscola –, solenidade de outorga dos troféus Dom Quixote e Sancho Pança, revivendo numa noite festiva e alegre as aventuras das figuras criadas por Miguel de Cervantes e Saavedra, que foram explicitadas pelos oradores da efeméride com vigor e dramaticidade cultural, expressando o sentido da brilhante festividade. Vale relembrar, face o feliz e oportuno acontecimento, que há 400 anos, em La Mancha, na Espanha, o escritor Miguel de Cervantes escreveu um livro – destinado a criticar a cavalaria – que se tornou, pelo enredo e lances descritos pelo autor, uma das mais importantes obras da literatura universal, senão a mais importante, cuja narrativa, por seus aspectos dramáticos, cômicos, trágicos e inverossímeis, se tornou, na verdade, um hino de coragem, amor, ética, moralidade, renúncia e determinação através do sonho sublime de um aventureiro, que tenta pela sua bendita loucura encontrar a sublimação da vida. Os preceitos que o cavaleiro Dom Quixote deixou nos transmitem uma lição de purificação do mundo pelo heroísmo; não por um heroísmo hercúleo, mas de outro feito, de fé intangível, de pureza perfeita e de um atributo que a todos define – o dom de si mesmo. O dom de si mesmo salva o Quixote e o faz triunfar dos seus fracassos e enganos pelo exemplo que deixou semeada a consciência dos tempos seguintes.

Luiz Antonio Marrey, Secretário de Justiça de São Paulo, recebendo o troféu Dom Quixote das mãos de Bernardo Cabral.

Desembargadora Marly Marques Ferreira, Presidente do TRF-3, que recebeu de seu marido, Paulo Ferreira, o troféu Dom Quixote.

Desembargadora Federal Vera Jucovsky, do TRF-3, recebendo de sua mãe, Sra. Eurídice, o troféu Dom Quixote. 2008 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 15


Desembargador Federal Paulo Cotrim recebendo o troféu Dom Quixote de seu colega, Desembargador Federal Henrique Herkenhoff

Professora Samantha Meyer-Pflug recebendo o troféu Dom Quixote do Professor Ney Prado.

Professor Ney Prado, entregando o troféu Dom Quixote ao Professor Renato Ferrari. 16 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2008

O ministro Massami Uyeda, na presidência da mesa, bem como o senador Bernardo Cabral, chanceler da Confraria, expuseram os obje­­ti­vos da festividade, que visava congregar as ilustres personalidades que seriam outorga­ das por serem merecedoras do laurel e terem se destacado nos projetos e lutas em defesa da moralidade e dos direitos da cidadania. Após a outorga dos troféus às respectivas e conceituadas personalidades, como apresenta­ das nas fotos da recepção, falaram o ministro Massami Uyeda, o senador Bernardo Cabral, e, em nome dos agraciados, o professor Ney Prado – todos se referindo ao sentido da pregação cervantina legada por Dom Quixote de La Mancha e seu fiel escudeiro Sancho Pança, impregnada de exemplos e lições de civismo, moralidade, ética, coragem, amor, renúncia e determinação, com conotações à realidade dos dias que vivenciamos. Complementando a outorga dos troféus, o edi­tor da Revista, Orpheu Salles, fez referên­cias aos homenageados, agradecendo inicialmente ao presidente do CIEE, Paulo Nathanael, pela cessão do teatro para a realização do evento, e inclusive ao dirigente executivo do entidade, Luiz Gonzaga Bertelli, ressaltando os trabalhos desenvolvidos pela instituição em benefício do ensino e da profissionalização da juventude; fez, também, referências elogiosas ao ministro Sidney Sanches, pelos ensinamentos jurídicos que deixou durante a sua judicatura no Supremo Tribunal Federal e exemplos que semeia aos jovens operadores do Direito que seguem as lições de emérito jurista; a Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, pela fibra e coragem invulgar com a qual defende os interesses da indústria brasileira – que se confunde com o desenvolvimento da economia nacional –, merecedor da homenagem prestada, que realça um homem ético, inteligente, que sabe pensar alto e com desassombro na luta para construir o Brasil melhor sonhado por nós. É um verdadeiro cavaleiro-andante da verdade, um moderno Dom Quixote, menos preocupado em destruir moinhos de vento do que conquistar e repartir, fraternalmente,


com todos os brasileiros, os seus legítimos sonhos de um mundo no qual haja mais justiça e desenvolvimento. À satisfação, também, de homenagear um homem público digno e inteligente, o atual secretário de Justiça de São Paulo, Luiz Antonio Marrey, herdeiro de um dos grandes e saudosos vultos da política paulista, seu avô – o conselheiro, vereador e presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Marrey Junior. À honra de outorgar o troféu a uma mulher extraordinária, desembargadora Marly Marques Ferreira, presidente do Tribunal Regional Federal de São Paulo, que, além dos dotes de magnífica magistrada e consagrada administradora, conseguiu dotar o Tribunal que preside com a instalação de emissora de rádio e televisão. É de ressaltar as homenagens que se prestam com as entregas do troféu Dom Quixote aos ilustres e dignos magistrados, Desembargadora Federal Vera Lúcia Jucovski e Desembargador Federal Paulo Cotrim, que honram com inteligência e cultura jurídica a judicatura do Tribunal Regional Federal da 3a Região. Os colaboradores que enriquecem a Revis­ ta com seus artigos, a professora Samantha Mayer-Pflug, o estimado jurista e professor Renato Ferrari, o Juiz de Direito Valter Mena e mais o ilustre advogado Ruy Altenfelder, que receberam com homenagens e alto apreço o troféu, e ainda, engrandecendo a Confraria Dom Quixote. O estimado professor Ney Prado, que, com méritos e sem presunção, recebeu a outorga do troféu Dom Quixote, falou em nome dos agraciados com glamourosa e culta eloqüência, e já impregnado com os ideais quixotescos, proferiu brilhante oração, lecionando com competência sobre os predicados e dogmas de Dom Quixote, Sancho Pança e os contrastes daquela época e a realidade dos tempos atuais. A outorga do troféu Sancho Pança, símbolo da fidelidade ao Quixote, foi entregue com honraria maior ao mestre e jurista Ives Gandra Martins, que honra a Confraria pela constância na luta de seus e iguais princípios e

Abram Sjazman, Presidente da FECOMERCIO/SP, recebendo o troféu Dom Quixote de Bernardo Cabral, Chanceler da Confraria Dom Quixote.

Presidente da OAB-SP, Flávio D’Urso, recebendo o troféu Dom Quixote das mão de Bernardo Cabral e Talulá Kobaiashy.

Juiz de Direito Valter Mena, recebendo o troféu Dom Quixote das mãos do Dr. Luciano Volk. 2008 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 17


Dr. Ruy Altenfelder, recebendo das mãos de sua esposa, Sra. Nídia, o Troféu Dom Quixote.

Professor Ives Gandra Martins que recebeu de Orpheu Salles, editor da Revista Justiça e Cidadania, o troféu Sancho Pança.

Ministro Massami Uyeda, do STJ, que recebeu o troféu Sancho Pança das mãos de sua esposa, senhora Emico Uyeda. 18 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2008

ideais que nortearam a criação de Cervantes, e, ainda, pela participação efetiva no Conselho Editorial da Revista Justiça & Cidadania. Igualmente merecedor do troféu Sancho Pança, o denodado defensor do desenvolvi­ mento da agricultura, o estimado Fábio Mei­ relles, presidente da Confederação Nacional da Agricultura, cuja presença é honrosa e constante na Confraria Dom Quixote. A homenagem ao eminente professor de Direito, Deputado Federal Michel Temer, simboliza, também, com a outorga do troféu Sancho Pança, o alto apreço, respeito e admiração ao digno representante do povo paulista no Congresso Nacional, onde sua atuação política e parlamentar se fundamenta na fidelidade resoluta aos princípios éticos dignos, e em especial, nos exemplos de moralidade pública que semeia naquele legislativo. Merece destaque a entrega do troféu Dom Quixote ao consagrado líder do empresariado e presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, Abram Szajman, que acumula também as direções do SESC e Senac, onde são prestados relevantes serviços a centenas de milhares de jovens, que são ensinados e adaptados para a vida profissional, além de cerca de 450.000 pessoas que semanalmente são atendidas nas 31 unidades do SESC-SP. O idealismo de Abram Szajman se coaduna e se ajusta bem na aplicação prática dos princípios os quais Dom Quixote deixou para a posteridade. O ministro Massami Uyeda, ao receber o troféu Sancho Pança pelas mãos de sua esposa, senhora Emico Uyeda, foi saudado como um cidadão que, além de honrar as letras jurídicas e ser exponencial na Corte do Superior Tribunal de Justiça, é um dos descendentes dos emigrantes que aportaram no Brasil, ao tempo que se comemoram 100 anos da emigração japonesa, e serve de exemplo da feliz e boa aclimatação das raças que se fundiram no Brasil. Benditos sejam Dom Quixote de La Mancha e seu escudeiro Sancho Pança, que propiciaram a magnífica festividade.


Professor Ives Gandra entregando o troféu Sancho Pança ao Deputado Federal Michel Temer.

Professor Ney Prado recebendo das mãos da Presidente do TRF-3, Desembargadora Marly Marques Ferreira o troféu Dom Quixote.

Ilustrações:

Fábio de Sales Meirelles, recebendo das mãos do Diretor Executivo da Revista Justiça e Cidadania, Tiago Salles, o troféu Sancho Pança. 2008 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 19


Foto: Renata Castello Branco 20 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2008


Transformar sonhos em realidade é dever cívico

Paulo Skaf Presidente da Federação do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp/Ciesp)

A

história foi escrita pelas pessoas e povos que ousa­ ram acreditar nos seus sonhos e lutaram para transformá-los em realidade. A determinação nesse sentido é a força que derruba obstáculos e permite manter a esperança ante as barreiras aparentemente mais intransponíveis. Exemplo disso foi a mobilização dos bra­ sileiros, em 2007, contra a continuidade da CPMF, desafio de alta complexidade num país de tradição presidencialista e na vigência de um governo que praticamente conseguiu aprovar tudo o que propôs ao Parlamento. Contra os interesses de alguns, a lógica política e o ceticismo de muitos, a Fiesp acreditou na articulação da sociedade como forma de viabilizar a extinção daquele tributo. Valeu a pena! O vitorioso movimento cívico possibilitou desoneração fiscal de 1,5% do PIB, revertendo mais recursos a investimentos, à criação de empregos e à geração de renda. Todo esse processo, além de seu significado intrínseco, deixou muito claro que o exercício da responsabilidade social é o mais vigoroso instrumento do mundo contemporâneo para transformar sonhos em realidade, e devemos crer nisso na busca do desenvolvimento. Não devemos esquecer que essa conquista depende da capacidade do País de vencer alguns desafios cruciais. Sabemos que o caminho da prosperidade socioeconômica passa, necessariamente, pelo crescimento sustentado do nível de atividade e por uma série de políticas públicas. Temos de resgatar o passivo social, democratizar as oportunidades e transformar empregos, empreendedorismo e salários dignos nos principais meios de inclusão de milhões de pessoas nas prerrogativas da cidadania. Esses objetivos-macros dependem do equacionamento

de algumas questões, como as reformas estruturais, a solução dos gargalos da infra-estrutura, recuperação e preservação ambiental, redução dos índices de violência e criminalidade, melhoria da segurança jurídica e preservação da soberania das instituições e poderes constituídos. Todas essas tarefas, independentemente da responsabilidade do Estado, somente serão empreendidas com êxito caso contem com ampla mobilização da sociedade. Evidencia-se, assim, a importância de se multiplicar o exercício do civismo. Os brasileiros, como os povos vencedores da história, não devem intimidar-se ante a dimensão do desafio. A grandeza do embate não pode ser motivo de desânimo. Nesse contexto, também não temos o direito, no processo de enfrentamento dos obstáculos que nos separam de melhores condições socioeconômicas, de nos resignar ante os equívocos de governos e desentendimentos entre nações. Devemos, sim, nos mobilizar para tentar intervir em temas nacionais e mundiais preocupantes, como a resistência de economias poderosas a acordos voltados a mitigar o aquecimento terrestre. É justo contribuirmos para a formação de consciência crítica sobre os flagelos da miséria em nosso continente e outras regiões do Planeta e a respeito da questionável estratégia de alguns poucos emergentes que fazem de salários indignos um esdrúxulo diferencial competitivo. Tudo isto nos afeta. Porém, não podemos admitir, como desculpa para cruzar os braços, a inércia dos governos e a morosidade das políticas públicas de vários países e da diplomacia internacional na solução de impasses que atormentam o mundo e o Brasil. Tais dificuldades devem nos impulsionar mais ainda na direção do civismo 2008 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 21


Foto: Raffaele Sgueglia

e da democracia participativa. Seria intolerável assistir passivamente aos impasses na Rodada Doha e em acordos multilaterais, como o Protocolo de Kyoto. O mesmo aplica-se às questões brasileiras, como a teimosa postergação das reformas constitucionais, dentre elas a prioritária revisão do sistema tributário. A entidade atua com vigor em todas as vertentes da responsabilidade socioambiental. Por meio do SESI-SP, com 125 mil alunos, e do Senai-SP, com mais de um milhão de matrículas por ano, ministramos, respectivamente, Ensino Fundamental e educação profissional de qualidade. Com o trabalho dos distintos departamentos e conselhos, nos quais atuam como voluntários mais de seis mil nomes da inteligência brasileira, propomos políticas públicas aos governos e ações efetivas às empresas, em áreas como meio ambiente, tecnologia, pesquisa, economia, comércio exterior, infra-estrutura, gestão e governança corporativa. Buscamos, ainda, intervir no processo político, quando está em risco a inegociável meta do crescimento do Brasil. Não há dúvida de que a prática do civismo abre novas perspectivas à civilização quanto à viabilidade de uma sociedade global mais próspera, justa e feliz. Assim, é primordial esse olhar amplo, integrado e holístico sobre nossa responsabilidade, individual e coletiva, perante o mundo e as prioridades do Brasil. É por isto que, mais do que o direito, temos o dever de sonhar e de acreditar sempre em nossa capacidade de vencer o impossível.

NOTA DO EDITOR É com júbilo e satisfação que publicamos o esplêndido e elucidativo artigo do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. O industrial Paulo Skaf, digno e intemerato líder da amálgama dos responsáveis maiores da produção industrial do Brasil, inconformado com o escorchamento tributário que tolhe a caminhada do desenvolvimento e do progresso nacional pela asfixia fiscal, decidiu e resolveu partir para a luta aberta contra a incontida sofreguidão fazendária da União. Deu um basta ao governo: chamou os políticos de todos os matizes à responsabilidade cívica; impôs regras a serem cumpridas sob pena de retaliação; conseguiu o justo atendimento da reivindicação das classes produtoras e derrubou, com o decidido apoio de congressistas sintonizados com a sociedade, a famigerada e deturpada CPMF. Seu trabalho, ação e proselitismo fazem lembrar os benefícios deixados pelo saudoso industrial e homem público Roberto Simonsen – que, além de aglutinar no passado os industriais do Estado de São Paulo na portentosa Fiesp, ainda criou as grandes instituições do Senai, que muito têm ajudado na tecnicidade e formação dos profissionais da indústria, e o SESI, com os eficientes serviços sociais dispensados às famílias dos industriários. 22 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2008


2008 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 23


A NATUREZA DO ESCORPIÃO Abram Szajman Presidente da FECOMERCIO/SP Presidente dos Conselhos Regionais do SESC e do SENAC

“Em resumo, SESC e Senac foram criados e são mantidos pelo empresariado comercial e de serviços para benefício de toda a sociedade.”

N

unca se falou tanto na responsabilidade social dos empresários. Porém, ao mesmo tempo, verificase inédita onda de ataques e ameaças contra as mais consolidadas e bem-sucedidas expressões do compromisso empresarial com esse objetivo. O equívoco das manifestações pela extinção, diminuição ou fragmentação drástica do chamado ‘Sistema S’ começa pelo próprio rótulo, útil como recurso de simplificação jornalística, mas impróprio por misturar entidades autônomas, diferentes em história, estrutura e forma de ação. O SESC (Serviço Social do Comércio) e o Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), ligados ao setor comercial e de serviços, foram criados nos anos 40 do século passado por empresários que se mobilizaram para oferecer, com recursos próprios, melhores condições de vida e oportunidades a uma classe trabalhadora urbana que crescia explosivamente. Graças a essa iniciativa pioneira, o Brasil conta hoje com uma estrutura nacional de originalidade e exemplaridade reconhecidas mundialmente. Em 2006, o conjunto dos departamentos regionais do SESC nos Estados e no Distrito Federal realizou cerca de 655 milhões de atendimentos em programas de educação, saúde, cultura, lazer e assistência. No mesmo ano, o Senac atendeu perto de 2,1 milhões de alunos em todo o país. Essas entidades de direito privado são objeto de intensa fis­ calização, tanto no que se refere à aplicação de seus recur­­­­­sos 24 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2008

quanto à excelência de seu desempenho. Em nível estadual, SESC e Senac têm conselhos regionais formados por repre­ sentantes de empresários, trabalhadores e do governo federal. Em nível federal, um Conselho Fiscal, com maioria de representantes do governo, analisa e audita as contas, o que também é feito pela Controladoria Geral da União e pelo Tribunal de Contas da União. Tão importante quanto as ações de órgãos especializados é a fiscalização direta pelo público. Semanalmente, cerca de 300 mil pessoas freqüentam as 31 unidades do SESC-SP, desfrutan­ do de condições de segurança, conforto, acessibilidade e higiene pautadas por critérios internacionais. Predomina o segmento de menor renda: 87% do 1,3 milhão de matriculados no SESCSP têm renda familiar inferior a cinco salários mínimos. As 60 unidades do Senac-SP têm mais de 12 mil alunos nos cursos técnicos e mais de 11 mil em graduação, pósgraduação e extensão. Outras 308 mil pessoas passam anualmente por cursos livres, seminários, palestras e eventos de formação, aperfeiçoamento e atualização. Retratado com regularidade pela imprensa, esse trabalho se realiza também por meio de portais, SESC TV, CDs e DVDs do selo SESC e publicações das edições SESC e editora Senac. Muitos projetos têm servido de modelo a políticas públicas nas áreas social e educacional, caso do ‘Mesa Brasil SESC’, iniciativa contra a fome e o desperdício de alimentos que, em 2007, complementou 260 milhões de refeições servidas a


Foto: FECOMERCIO

NOTA DO EDITOR

pessoas carentes por instituições sociais de todo o Brasil, com alimentos doados que, de outra forma, seriam descartados. Ou do trabalho social com idosos, iniciado em 1963. Ou ainda do ‘Dia do Desafio’, iniciativa mundial de estímulo à prática esportiva, coordenada no continente americano pelo SESC-SP. Da mesma forma, antecipando as demandas de um mercado que se amplia e sofistica continuamente, o Senac foi pioneiro no lançamento de cursos técnicos e supe­ riores em áreas como saúde, fotografia, hotelaria, gastronomia, moda, turismo, gestão ambiental e tecnologia da informação. Isso sem descuidar da inclusão realizada pelo movimento de redes sociais, de estímulo a novos projetos produtivos, que compreende hoje 750 organizações ativas, ou pelo programa ‘Educação para o Trabalho’, que desde 1997 qualificou profissionalmente mais de 35 mil jovens. Em resumo, SESC e Senac foram criados e são mantidos pelo empresariado comercial e de serviços para benefício de toda a sociedade. Propor a extinção ou a redução drástica das contribuições que os sustentam, sem apontar alternativa viável para sua manutenção, é ameaçar o país com um retrocesso e mais exclusão dos cidadãos menos favorecidos. É desatino equivalente ao do escorpião da fábula, que determina a própria desgraça quando não resiste à tentação da ferroada mortal na rã que, solidariamente, o conduzia à segurança da margem.

Novamente publicamos elucidativa colaboração do eminente dirigente empresarial Abram Szajman, que expõe com a responsabilidade e importância da liderança que exerce no comércio paulista os relevantes serviços das organizações vinculadas à Federação que preside no Estado de São Paulo. Os números mencionados pelo laborioso líder empresarial demonstram com efetividade os benefícios sociais que os comerciários e suas famílias auferem da entidade patronal, merecendo destaque o relevante papel propiciado aos milhares de jovens que se utilizam do sistema educacional proporcionado pelo Senac. As reservas e restrições que equivocadamente fazem contra os órgãos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo estão inteiramente desprovidas de objetividade e razão. Considerando-se que os custos dos serviços e obras prestadas são única e exclusivamente de responsabilidade dos empresários, ainda assim as contas e gastos despendidos são analisados e auditados pela Controladoria Geral da União e pelo Tribunal de Contas da União. Ao contrário da arrecadação para o Senac e o SESC, que sofre pertinaz fiscalização, o dinheiro do Imposto Sindical, arrecadado dos trabalhadores e distribuído aos Sindicatos, Federações, Confederações e Centrais Sindicais, é repassado a essas entidades sem sofrer qualquer obrigatoriedade de prestação de contas. O veto do Presidente da República, aprovado pelo Congresso Nacional, à lei que sujeitava os gastos do Imposto Sindical ao controle do Tribunal de Contas da União demonstra o disparate das duas situações: 1a – Os custos e gastos com os benefícios sociais e educacionais prestados pelo SESC e Senac são proporciona­ dos única e inteiramente pelos empresários; 2a – O Imposto Sindical arrecadado compulsoriamente de todos os trabalhadores é repartido na íntegra às entidades sindicais trabalhistas, que, sem controle dos gastos, o distribui ao léu e , inclusive, financia a realização de ações criminosas como as praticadas às escâncaras pelo MST. Portanto, com inteira razão, o líder Abram Szajman lembra a fábula do escorpião e a rã.

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SEGURANÇA JURÍDICA E O “PECADO ORIGINAL” DA LICITAÇÃO Conduta administrativa cinqüentenária e proteção da confiança Darci Norte Rebelo Consultor Jurídico da FETERGS e Membro do Conselho Editorial

“Es la seguridad la que une nuestra vida presente y nuestra vida futura por un lazo de prudencia y de previsión y perpetúa nuestra existencia en las generaciones que nos siguen” [Bentham, cit. por Radbruch, in Los Fines del Derecho – Bién común, justicia, seguridad, ed. Unam, México, 1967, os. 65/6]

P

O “pecado original” das licitações não feitas rática administrativa cinqüentenária gerou, no País, o mais extraordinário sistema de transporte coletivo sobre pneus do mundo. Quase todas as delegações desses serviços operavam, e ainda operam, sob o regime jurídico de permissão e quase todas nasceram de processos espontâneos de iniciativa de pequenos empresários que, atraídos pela Administração, arriscavam seus patrimônios no serviço público, sem procedimento licitatório, estranho àqueles tempos de pioneirismo. Essa conduta tradicional da Administração – a de admissão de empresas no serviço público por procedimentos informais – contava com a crença de sua legitimidade por parte dos administrados. Com o advento da Carta de 88, imaginou-se que esse extraordinário sistema, já consolidado economicamente, estava crismado juridicamente, já que o art. 175, na prática, equiparara concessões e permissões, e instituíra, em homenagem à exigência de continuidade, o princípio da prorrogação para as concessionárias e permissionárias existentes. Ademais, a Carta conferira a láurea de essencialidade aos transportes urbanos pela sua importância para o exercício das 26 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2008

funções da cidadania [CF, art. 30, V]. A lei regulamentadora do art. 175 da Constituição, Lei no 8.987/95, porém, sete anos depois, terminou com essa tranqüilidade ao editar mal pensadas e, pior ainda escritas, normas transitórias que vieram a criar generalizada insegurança institucional nesse setor estratégico da economia. Em vão, eminentes juristas alertaram que essas normas não se aplicariam a estados, Distrito Federal e municípios1, o que salvaria do desastre pelo menos os essenciais transportes urbanos do País. A hermenêutica que a essas normas transitórias começou a dar o Ministério Público agravou esse quadro de incerteza e resultou traduzida em dezenas de ações civis públicas, promovidas contra os municípios para constrangê-los a licitar os serviços existentes ou para anular atos ou mesmo leis de prorrogação das permissões ou concessões de ônibus. O argumento básico de todas as demandas é uma suposta ilegitimidade do sistema por não ter sido ungido na pia batismal de processos licitatórios. [In]segurança jurídica como questão constitucional A insegurança institucional em que mergulhou o sistema


de ônibus, contudo, não é questão infraconstitucional. É, ao contrário, relevante questão constitucional que toca muito de perto o Estado de Direito por estar vinculada ao princípio da segurança jurídica. A humanidade teve de passar por uma tragédia para [re] definir o Rechtsstaat. “Foi a dogmática alemã que, com maior clareza, vinculou o princípio da segurança jurídica à idéia de Estado de Direito e as notas definidoras da regra do Rechtsstaat. Essa regra ou princípio se edificou na Lei Fundamental de Bonn, de 1949, sobre sólidos fundamentos éticos, com a pretensão de conjurar definitivamente os perigos aos quais um excesso de positivismo constitucional havia conduzido na recente historia alemã”2. Daí, a nova face do Estado de Direito acabou transformada num “dos elementos ‘estrela’ do Direito Administrativo europeu”3, tendo-se expandido, em “marcha triunfal”4 pelo direito comunitário, de onde chegou às letras jurídicas brasileiras pela pena de eminentes juristas, entre os quais, a do professor Almiro Couto e Silva5, invocado em diversos precedentes do Supremo Tribunal Federal (MS 24268-MG, entre outros). Mas a novidade ainda não se democratizou. Domina, entre nós, exacerbado positivismo, como este do culto da licitação, em devoção

ao qual se ajoelham bem intencionados membros do Ministério Público e muitos juízes. Segundo esse grupo de hermeneutas do apocalipse, tudo o que existe nesse sistema de ônibus deve ser desmontado para ser remontado, pouco importando as conseqüências econômicas e sociais derivadas desse ensandecido desperdício de economias. O sistema teria de ser passado a limpo através da prova licitatória, uma ordália administrativa ou um “juízo de Deus”, de modo que somente quem se submetesse ao teste seria ungido e recebido no seleto grêmio da “teoria pura do Direito”. De momento, não lhes resta, ao sistema social de transportes públicos, sequer a “impaciência de uma esperança”6 de dias melhores, de um despertar do bom senso. O “amanhã é um poder escondido”, diria o poeta Paul Valéry, algo indecifrável, uma pergunta sem resposta, pois o presente se transformou num ponto por onde se escoam dois nadas: um futuro que ainda não é e um passado que já foi 7. A tentativa de licitação generalizada como violação da segurança jurídica Os importantes investimentos efetuados no setor só 2008 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 27


existiram e existem em face da confiança legítima que os concessionários e permissionários depositavam nessa prática da administração vigente durante desde sempre como regra geral e, por isso mesmo, geradora do sentimento de legitimidade dos seus beneficiários. Essa crença legítima não pode ser fraudada, desprotegida, censurada, sob pena de se negar o princípio da segurança jurídica e o próprio Estado de Direito. Na Argentina, ao discutir-se uma lei de renegociação para introduzir mudanças no serviço público, observam Cassagne e Ariño Ortiz, que “habrá que respectar los derechos emergentes de los contratos celebrados con las empresas privadas, sin introducir modificaciones legislativas susceptibles de afectar sus derechos patrimoniales, ya que, de lo contrario, el Estado y todos los ciudadanos serán los principales perjudicados por el establecimiento de políticas que impulsen una suerte de castigo a las empresas privadas prestadoras. Cabe tener en cuenta que la mayoría de esas empresas han llevado a cabo inversiones de considerable magnitud y que actúan en el mercado de los servicios con un alto nivel de calidad y eficiencia, comparable a los niveles internacionales” 8. A posição pioneira do STF em defesa da proteção da confiança A proteção da confiança felizmente vem ganhando acolhida inovadora no Supremo Tribunal Federal, que incorporou o princípio em recentes decisões da Corte ao conceder, com o voto majoritário do ministro Gilmar Ferreira Mendes, mandado de segurança para assegurar a continuidade de pensão, cassada pelo Tribunal de Contas dezoito anos depois de concedida (ainda que ilegalmente)9. Se a confiança é legítima, prevalece sobre o vício10. A proteção da confiança, disse o STF, “é pedra angular do Estado de Direito”. Em outra recente decisão, no REsp 348.364-1-Rio de Janeiro, o ministro Eros Roberto Grau afirmou sua crença na “estabilidade das situações criadas administrativamente” em face do “princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica”. Na questão de ordem no 2.900-3, do Rio Grande do Sul, o ministro Gilmar Ferreira Mendes reitera que “considera-se, hodiernamente, que o tema tem, entre nós, assento constitucional (princípio do Estado de Direito)”. “Para os cidadãos significa – segundo a doutrina alemã –, em forma primária, a proteção da confiança legítima”11. As mudanças normativas e o respeito ao tempo Uma das formas de que é feito o alicerce da confiança é exatamente o tempo que consolida situações, convalida irregularidades e justifica a permanência das situações assim constituídas. Essa foi, pioneiramente, a postura do Superior Tribunal de Justiça12:“(...) Fatos posteriores à constituição da relação inválida, aliados ao tempo, podem transformar o contexto em que esta se originou, de modo a que fique vedado à Administração Pública o exercício do dever de invalidar, pois fazê-lo causaria ainda maiores 28 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2008

agravos ao Direito, por afrontar à segurança jurídica e à boa-fé” e, por isso, “sem prejuízo econômico ou do interesse público, deve-se procurar a estabilidade do ato ou do contrato”. Por isso, ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, “tanto se recompõe a legalidade fulminando um ato viciado, quanto consolidando-o.”13 Da mesma opinião partilha Weida Zancaner: “O dever de invalidar não se coaduna com a inércia administrativa, e é por esta razão que não pode a Administração Pública, a seu talante, fazer e desfazer atos viciados concessivos de benefícios por um lapso demasiado longo de tempo”14. E também o professor Juarez Freitas: “No atinente ao princípio da segurança jurídica, dimanante, como os demais, da noção mesma de Estado Democrático, significa que a Administração Pública deve zelar pela estabilidade e pela ordem nas relações jurídicas como condição para que se cumpram as finalidades superiores do ordenamento. A estabilidade fará, por exemplo, que, em certos e excepcionais casos, a Administração tenha o dever de convalidar atos irregulares na origem. É que sem estabilidade não há justiça nem paz, tampouco respeito às decisões do soberano”15. Ernst Fortshoff professorava: “Se a administração tolera que exista um fato que não é legal senão por ela autorizado, sua atitude faz presumir que ela o permite” (si l’administration tolère un fait qui n’est legal que par son autorisation, son attitude fait présumer qu’elle le permet)16. Michel Stassinopoulos, na mesma linha, reitera: “se a atitude da administração dá, durante longo tempo, a um homem de boa-fé, a impressão de que ela já reconheceu uma situação de vantagem ao administrado, pode-se, então, assimilar esse comportamento a um ato favorável” (si l’attitude de l’administration donne pendant longtemps a un homme de bonne foi l’impression qu’elle a dejà reconnu une situation ou profit de l’administré, ont peut alors assimiler dette attitude a un acte favorable)17. Almiro Couto e Silva, falando acerca de “princípios da legalidade da Administração Pública”18, ensina que o poder público não pode “declarar inválidos estados de posse dos cidadãos que havia deixado subsistir sem contestação durante muitos anos”. Também Miguel Reale: “Se a administração já permitiu que se constituíssem situações de fato já revestidas de forte aparência de legalidade, a ponto de fazer gerar nos espíritos a convicção de sua legitimidade, seria deveras absurdo que, a pretexto da eminência do Estado, se concedesse às autoridades um poder-dever indefinido de tutela”19. Donde a doutrina haver concluído: as conseqüências da aceitação do princípio da expectativa legítima “son dos fundamentalmente: la protección de la permanencia y la continuidad de lo que ya existe”20. O Direito como necessidade de certeza e de segurança Recaséns Siches afirma que o Direito “é fabricado pelos


homens” pela necessidade de certeza (saber orientar-se) e de segurança (confiança em que as regras serão observadas). “O Direito – diz ele - cumpre uma função de certeza e uma função de segurança”21. A segurança jurídica envolve pelo menos duas dimensões: segurança de orientação, ou certeza da ordem; segurança de realização, ou confiança na ordem22. Quando essa função se debilita, o administrado, o contribuinte, o investidor, o executor do serviço público, todos, ficam subordinados ao humor do político de plantão nas várias instâncias decisórias. Quando um país se torna imprevisível e a sociedade começa a duvidar das suas instituições básicas, a doença da imprevisibilidade e da incerteza podem chegar às formas epidêmicas da anomia e a corrupção se transforma em apólice de seguro contra a instabilidade. O custo [econômico] dos direitos O Direito tem custos como quase tudo. Original trabalho de análise econômica do Direito23 alerta que “levar os direitos a sério é incluir pragmaticamente no rol das trágicas escolhas que são feitas todos os dias pelas pessoas, os custos dos direitos, pois, como já se disse (...) direitos não nascem em árvores”24. “A partir desta concepção, a questão central da análise econômica do Direito será a eficiência econômica ou, mais precisamente, a maximização da eficiência econômica das instituições sociais e, dentre estas, também o Direito”25. Maximizar a instituição social dos transportes públicos implica adotar uma política de estabilidade. Como disse o ministro Édson Vidigal, em despacho monocrático acerca da gratuidade de idosos no transporte interestadual sem fonte de custeio: “Dinheiro não dá em árvores. Por mais verdes que sejam, as folhas não se transmudam em dólares. Nem nos reais da nossa atual unidade monetária, que exibe uma mulher cega, ar desolado de quem ganhou e logo perdeu a última olimpíada. Não é difícil fazer lei sob as melhores intenções. Nem vale lembrar o Getúlio, soberbo – ‘a lei, ora a lei...’” Oportuno, porém, lembrar o Bismarck, pasmo – “não me perguntem sobre como se fazem as leis, nem as salsichas”26. Basta não criar leis absurdas que desafiam as leis da economia, criam iniqüidades entre os que contribuem e falsas promessas aos incautos. Ao invés da desmontagem do sistema atual de ônibus, a solução de bom senso está na política da manutenção do que existe, dando-lhe garantia jurídica para investir, melhorar, crescer e gerar mais empregos. A falta de proporções entre a cegueira positivista que quer licitar tudo e as supostas vantagens restritas unicamente à fria obediência ao princípio da legalidade, aponta que a única solução correta é a prevalência do princípio da segurança jurídica, o respeito às situações definitivamente consolidadas pelo tempo e a proteção da confiança legítima dos concessionários e permissionários existentes. Se isso se fará por uma reforma legislativa ou através da

solução favorável de inumeráveis litígios, já desenhados no mapa jurisdicional do País, vai depender da mea-culpa dos legisladores, da revisão de conceitos do MP e do bom senso dos juízes. O princípio da legalidade, se é que violado foi, deve ceder ao princípio da segurança. O custo para manter o que existe é zero; para desmontar, milhões.

NOTAS Vide, entre outros, o Parecer de Ives Gandra da Silva Martins, acerca da interpretação do art. 42 da Lei no 8.987/95, in Questões de Direito Administrativo. Obra Jurídica Editora, 1999. Florianópolis. p. 147-163 2 NOVOA, César García. El princípio de seguridad jurídica en el derecho tributario. Ed. Marcial Pons. Barcelona, 2000. p. 29 3 A expressão é de Luciano Parejo Alfonso, catedrático da Universidade Carlos III, de Madri, no Prefácio da obra de Federico A. Castillo Blanco, La Protección de Confianza en el Derecho Administrativo, Prólogo, p. 14 4 A frase é citada por Javier García Luengo, in El principio de la protección de la confianza en el derecho administrativo. Madri, 2002. p. notas 13, 14 e 15 5 Cf. o notável trabalho pioneiro do professor Almiro Couto e Silva na Revista de Direito Administrativo, n. 237, p. 271-315, sob o título “O princípio da segurança jurídica [proteção à confiança] no Direito público brasileiro e o direito da administração pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei do Processo Administrativo da União [Lei no 9.784/99] 6 François Ost, O tempo do Direito, p. 202 7 idem, p. 430 8 CASSAGNE, Juan Carlos e ORTIZ, Gaspar Oriño. Servicios públicos, regulación y renegociación. LexisNexis, Abeledo-Perrot. B. Aires, 2005. p. 210 9 Ac. STF no MS 24268-MG, Rel. Ministro Gilmar Ferreira Mendes 10 Precedente semelhante foi julgado pela Corte alemã em caso chamado de “A Viúva de Berlim”, em 14 de novembro de 1956, a quem foi igualmente assegurada a continuidade de pensão, mesmo ilegalmente deferida, em respeito ao princípio da confiança legítima que a beneficiária tinha quanto a sua legitimidade 11 COVIELLO, Pedro José Jorge. La Proteccíon de la confianza del administrado – derecho argentina y comparado, p. 49 12 Revista do STJ, ano 8. n. 78. p. 129 13 Curso de Direito Administrativo, 8a ed. Malheiros. SP, 1996. p. 284. n. 160 14 Da Convalidação e da Invalidação dos Atos administrativos. Malheiros. SP, 1996. 2a ed. 2a tiragem, p. 96 15 O Controle dos Atos Administrativos e os princípios fundamentais. Malheiros. SP, 1997. p. 75-6 16 Traité de Droit Administratif Allemand, trad. de Michel Fromont, Bruxelas, 1969. p. 341 17 Traité des Actes Administratifs. Paris, 1973. p. 124 18 in Revista de Direito. Público, 84/55 19 Revogação e Anulamento dos Atos Administrativos. Ed. For. Rio, p. 86 20 CASTILLO BLANCO, Federico A. La protección de confianza en el derecho administrativo. Ed. Marcial Pons. Barcelona-Madri, 1998. p. 116 21 Introducción al Derecho. Editorial Porrua. México, 1977. p. 112-3 22 A referência é ao sociólogo Teodoro Geiger, feita por Eduardo García Maynes, Filosofia Del Derecho, Ed. Porrua, México, 1974, p. 477 23 GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos – Direitos não nascem em árvores. Lúmen Júris Editora. Rio, 2005 24 idem, p. 347 25 ibidem, p. 242 26 Suspensão de Segurança 1.404-DF, STJ 1

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Células-tronco embrionárias e os questionamentos que interessam Carlos Ayres Britto Ministro do STF Membro do Conselho Editorial

“Sucede que geneticistas, embriologistas e outros profissionais das ciências médicas e biológicas passaram a trabalhar com dois tipos de fecundação humana: uma, natural; outra, artificial.”

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oi-se o tempo em que a fecundação humana se dava por uma única forma. Agora já são dois os modos de se conceber o ser humano: um, natural, outro, artificial. Este último é que traz consigo a logomarca da novidade, por acontecer sem o conúbio ou relação sexual. Fora do corpo da mulher, então, por se tratar de fecundação processada em laboratório ou por efeito de processos científico-tecnológicos de procriação assistida. Essa distinção é fundamental para um claro posiciona­ mento sobre o tema da pesquisa científica a partir de célulastronco embrionárias. Células que são extraídas de embriões humanos para o fim de recuperação da saúde de pessoas físicas ou naturais (que são criaturas humanas em sentido biográfico, porquanto revestidas do atributo da personalidade civil). E o fato é que tais células-tronco se acham presentes em qualquer das duas modalidades de embrião. Cogitando-se de embriões naturalmente eclodidos, as coisas se passam, simplificadamente, por esta forma: um impulso inicialmente subjetivo – a cópula entre pessoas de sexos diferentes – é seqüenciado por impulsos objetivos. Quais? Primeiramente, o do espermatozóide para penetrar no óvulo e a predisposição deste para “dar as boas-vindas” àquele, de sorte a alcançarem, juntos, o ponto de fusão que já

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é o desabrochar do zigoto. Zigoto, ou embrião, inicialmente constituído por uma única célula: célula-ovo ou célulamãe, por ser a matriz de todas as 216 espécies de células do corpo humano. Dando-se em contínuo a possibilidade de ‘nidação’ dele, embrião, e o sobrevir das demais fases do processo de ‘hominização’; isto é, caminhada intra-uterina do feto (nome que passa a tomar o embrião) em direção a uma nova pessoa física ou natural. Daí o termo “nascituro”, a significar o estado de quem vai ou de quem pode nascer de u’a mulher. Quanto ao zigoto ou embrião artificialmente produzido, aí não se tem aquele inicial e subjetivo impulso da relação sexual. Não há coito ou contato físico equivalente. Nenhum início de vida virginalmente nova acontece nem se desenvolve no interior do corpo feminino. Nem dele sai. O que sai desse corpo é um singelo óvulo. Assim como se dá com o próprio corpo masculino, pois o que se coleta do homem é um jorro de espermatozóides. Não um embrião, lógico. Diga-se mais: esse tipo laboratorial de embrião, surgido por experimento em “Placa de Petri”, é forma de concepção que não se faz acompanhar da gravidez humana. O embrião está lá, numa placa, num tubo de ensaio, num pequeno cilindro de nitrogênio, num vidrinho congelado (“concepção


Foto: STF

in vitro”), mas não a nidação, não o útero, não o nascituro, não a gravidez. Repito: não a nidação, não o útero, não o nascituro, não a gravidez. Não há gestante. Menos ainda maternidade, se entendermos por maternidade esse arrebatamento amoroso que só as mulheres-mães ou em vias de sê-lo conseguem experimentar, porque da sua anímica parceria com a natureza e o próprio útero (entidade mágica à parte) é que se vai compondo a mais sublime das obras de arte deste planeta azul: um ser humano estalando de novo. Criatura verdadeiramente “insimilar” ou “irrepetível” em sua transbordante originalidade, seja qual for a dimensão em que se considere o tempo: presente, passado, futuro. Ninguém é igual a ninguém por toda a eternidade. Pois bem, é somente para esse tipo de embrião in vitro que se dirige o discurso do art. 5o da Lei de Biossegurança. Unicamente ele, embrião congelado em vidrinho de laboratório, que não saiu de nenhuma mulher nem em mulher alguma vai entrar. Embrião que, produto da Ciência, para a Ciência mesma pode vir a ser disponibilizado. Contanto que seja inviável para a reprodução humana. Ou que, mesmo prestante para o fim de procriação, esteja congelado há pelo menos três anos, sem que o casal doador se disponha a transportá-lo para um útero feminino. Casal que ainda

detém o exclusivo poder da autorização para o encarecido uso científico-terapêutico do zigoto que se produziu a partir da coleta do seu material genético (espermatozóide e óvulo). Tudo a ser complementado com a aprovação e o acompanhamento da pesquisa por comitês de bioética, vedado todo tipo de comercialização de embriões. Por isso que a Lei se auto-refere como de “Biossegurança”, e não de “Bioinsegurança” (lei federal no 11.105/05). Agora é de se perguntar, obviamente: a vida humana começa por qualquer das duas modalidades de embrião? A resposta parece evidente: sim! Mas embrião de pessoa humana já é pessoa humana embrionária? A pessoa humana como individualidade cerebral, moral, espiritual, a se antecipar à metamorfose do embrião e do feto? Novo questionamento: a Constituição brasileira cuida do início da vida do homo sapiens, ou sobre o início da vida a Constituição “é de um silêncio de morte”? O Direito pode proteger por diferentes modos o produto dos dois tipos de concepção humana? Se o embrião eternamente in vitro empaca nos primeiros degraus do que seria o seu processo de ‘hominização’ sem a menor possibilidade de vir a ter as primeiras terminações nervosas que já significam o luminoso anúncio de que um cérebro humano dá sinais de formação? 2008 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 31


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“Numa síntese, ser ou não ser usado para o fim de pesquisa científicoterapêutica, eis a questão que envolve um contingente de milhares de embriões já congelados em vidrinhos de laboratório e sem utilidade para fins reprodutivos.”

Prossigo nos questionamentos: o empenho da natureza em prol do que seria uma nova criatura, tanto quanto o investimento do casal doador e mais ainda o da mulher (investimento físico-psicológico-sentimental), tudo não é compreensivelmente maior no embrião que irrompe e evolui por modo natural sem a mão de estranhos a forçar a objetiva penetração de um óvulo por um espermatozóide? Cuida-se de lei que autoriza a mais desalmada chacina de embriões, ou, bem ao contrário, que favorece o belo sentimento da fraternidade, em perfeita sintonia com os desígnios constitucionais de incremento da ciência e do progresso? Da autonomia científico-tecnológica do País em tema de saúde, alongamento e qualificação da vida humana? Da livre decisão dos casais quanto ao tamanho de suas famílias como expressão de criterioso planejamento e paternidade responsável? Numa síntese, ser ou não ser usado para o fim de pesquisa científico-terapêutica, eis a questão que envolve um contingente de milhares de embriões já congelados em vidrinhos de laboratório e sem utilidade para fins reprodutivos. Tema que vai além do Direito para se tornar focado objeto das ciências médicas e biológicas, da filosofia, da ética, da antropologia e das confissões religiosas. Por isso que para uma justa resolução do impasse todos devam contribuir de alguma forma. Todos que se disponham a ver o mundo pelo inexcedível prisma da consciência, esse rebento que se parteja por efeito do amoroso matrimônio entre o pensar e o sentir. Afinal, bem disse William Shakespeare, “a transformação é uma porta que se abre por dentro”. 32 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2008


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Olhemos o espelho

Foto: Senado Federal

Cristovam Buarque Professor da Universidade de Brasília Senador pelo PDT/DF

“Precisamos manifestar nossa indignação com o compor­tamento dos países ricos que a cada dia dificultam mais o ingresso de turistas, estudantes, trabalhadores em busca de alternativas melhores no exterior.”

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“Ver nossos compatriotas impedidos de entrar na Espanha é um absurdo que deve nos indignar, mas não nos esqueçamos dos 16 milhões de brasileiros adultos impedidos de entrar na modernidade porque não receberam as condições para serem alfabetizados.”

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esta semana, lembrei de um colega de curso primário, Fernando Acosta Rodrigez, o melhor aluno da turma, filho de espanhóis bem recebidos no Brasil, há quase 60 anos. Hoje, Fernando é tão brasileiro como qualquer de nós e deve ter ficado indignado com o comportamento dos funcionários de fronteira do aeroporto de Barajas, que impediram brasileiros de entrar na Espanha porque não comprovaram dispor de dinheiro suficiente para ficar no país. Com razão, reclamamos do fato dos jovens brasileiros serem barrados na fronteira da Espanha quando iam fazer um curso. Mas nós mesmos não deixamos entrar nas boas escolas os filhos daqueles que não podem pagar as mensalidades. Os muros das nossas escolas são tão protegidos quanto as fronteiras dos aeroportos do mundo. Ainda pior, porque se o imigrante consegue entrar, pode ficar anos circulando clandestinamente; mas nas escolas e faculdades, se o aluno não pagar, as catracas automaticamente o barram na próxima vinda à aula. No Brasil, a entrada de qualquer hospital de qualidade é protegida por barreiras mais difíceis de atravessar do que as fronteiras européias. Para entrar, não basta estar doente, é preciso ter dinheiro, conta bancária, documentos de seguro em dia. As exigências da portaria do hospital brasileiro são muito mais rígidas do que dos aeroportos na Espanha. Se um brasileiro pobre conseguir pagar o ônibus para ir a um shopping, corre o risco de ser abordado pelo segurança e convidado a se retirar, porque não parece pertencer àquele mundo de consumo, por causa da roupa, do chinelo, dos dentes. Ou simplesmente porque, para os guardas, ele representa uma ameaça aos privilegiados freqüentadores, tanto quanto, para os guardas de fronteira espanhóis, nós somos

uma ameaça aos privilegiados habitantes da Comunidade Econômica Européia. Ver nossos compatriotas impedidos de entrar na Espanha é um absurdo que deve nos indignar, mas não nos esqueçamos dos 16 milhões de brasileiros adultos impedidos de entrar na modernidade porque não receberam as condições para serem alfabetizados. Criticamos o excesso de zelo nas fronteiras espanholas impedindo a entrada de brasileiros naquele país, para estudar ou trabalhar, e nos esquecemos da nossa falta de zelo de permitir que os brasileiros recebam a educação e a formação profissional para entrar no mundo do trabalho. Precisamos manifestar nossa indignação com o compor­ tamento dos países ricos que a cada dia dificultam mais o ingresso de turistas, estudantes, trabalhadores em busca de alternativas melhores no exterior. Mas precisamos olhar no espelho de nossa própria sociedade e nos perguntarmos por que só merece crítica o comportamento dos policiais da fronteira contra alguns brasileiros que vão ao exterior, ignorando o comportamento do emaranhado de fronteiras dentro do Brasil contra os brasileiros que desejam alguma alternativa aqui dentro. O Brasil é um país dividido por fronteiras tão rígidas quanto as do aeroporto de Barajas ou qualquer outro de um país rico. Nós barramos os brasileiros. E há uma fronteira pior: a dos olhos fechados, da falta de percepção para ver estas fronteiras contra os brasileiros pobres. E que é capaz de provocar a recusa de artigos como este, dizendo que é muito diferente o impedimento de um turista entrar em um país estrangeiro e de um doente entrar em um hospital em seu próprio país. Diferente contra que lado do espelho: dos espanhóis ou dos brasileiros? Artigo publicado no Jornal do Commercio de 21/03/2008 2008 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 35


A Lei dos Crimes Hediondos e as Alterações da Lei no 11.464/2007 Cláudio Soares Lopes Subprocurador-Geral de Planejamento do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

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o final do mês de março de 2008 estará com­ pletando um ano a Lei no 11.464/2007, que alterou de forma substancial a discutida Lei dos Crimes Hediondos (Lei no 8.072/90). Com efeito, foi a Constituição Federal de 1988 que pela primeira vez, em seu artigo 5o, XLIII, fez referência a crimes desta natureza. Assim, no referido dispositivo constitucional constou que “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”. Desta forma, em 26 de Julho de 1990 entrou em vigor a Lei dos Crimes Hediondos, já alterada posteriormente pelas Leis no 8.930/94 e 9.695/98. Prima facie, insta acentuar que, desde o início existiram controvérsias a respeito de quais delitos caracterizariam tortura, tráfico e terrorismo. No que concerne ao crime de tortura, alguns identifi­ caram, inicialmente, o antigo delito previsto no antigo artigo 233 da Lei no 8.069/90 (Estatuto da Criança e do 36 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2008

Ado­­­les­cente) como o possível crime de tortura aludido pela Lei Maior. Sem embargo, com o advento da Lei no 9.455/97, que revogou expressamente a norma incriminadora em questão, não pairaram mais dúvidas de que os crimes previstos nesta são efetivamente os crimes assemelhados a hediondos como dispõe a Constituição Federal. Quanto ao tráfico, há muito o colendo Supremo Tribunal Federal já vinha entendendo que os antigos artigos 12 e 13 da revogada Lei no 6.368/76 seriam os crimes de tráfico mencionados por nossa Magna Carta. É importante salientar que os dispositivos citados correspondem, embora com algumas pequenas mudanças, atualmente aos tipos previstos nos artigos 33 e 34 da nova Lei de Drogas (11.343/06). Averbe-se, por oportuno, que a posição dominante no excelso Pretório é no sentido que o delito de associação para o tráfico previsto no antigo artigo 14 da velha Lei de Entorpecente, correspondente ao atual injusto tipificado no artigo 35 da Lei no 11.343/06, não deve ser considerado crime de tráfico, logo, não pode ser considerado equiparado a hediondo. Assim, não incidem em relação ao delito em questão as conseqüências penais e processuais da Lei dos Crimes Hediondos.


Finalmente, no que se refere ao terrorismo, há posicio­ namento no sentido de que o crime do artigo 20, da Lei no 7.170/83 (Lei de Segurança Nacional) seria o crime de terrorismo aludido em nossa constituição, na medida em que a norma citada faz alusão a “atos de terrorismo”. De qualquer sorte, somos da opinião de que seria necessária uma lei específica, definindo os crimes de terrorismo, a fim de que possam incidir os efeitos da Lei dos Crimes Hediondos. A Lei dos Crimes Hediondos, típica novatio legis in pejus, trouxe à colação regras mais duras para autores deste tipo de crimes e seus assemelhados, como por exemplo, a previsão de um regime de cumprimento de pena integralmente fechado, a proibição de se obter anistia, graça e indulto, a vedação de liberdade provisória, etc. Não se pretende aqui, neste singelo trabalho, lembrar to­ das as discussões doutrinárias e jurisprudenciais que nasceram com a Lei dos Crimes Hediondos, pois, neste caso, seria indispensável discorrer longamente sobre diversas questões. Nessa ordem de idéias, vamos aqui apenas tentar abordar alguns aspectos novos trazidos pela Lei no 11.464/2007. A primeira alteração relevante criada pela nova lei

Foto: Arquivo JC

“... não há mais na lei uma vedação genérica à obtenção de liberdade provisória, não significando, necessariamente, que autores de crimes gravíssimos, hediondos, possam conseguir a liberdade...”

foi o fim da proibição de liberdade provisória aos autores de crimes hediondos e equiparados. Releva notar que, tão logo entrou em vigor a Lei dos Crimes Hediondos, boa parte da doutrina, em especial, considerou inconstitucional a regra que vedava a liberdade provisória, pois se afirmava que somente dentro do devido processo legal é que seria possível ao magistrado decidir isso, sendo vedado à lei proibir genericamente a liberdade provisória. Nunca nos pareceu, no entanto, que padecesse de vício de inconstitucionalidade a regra que proibia a liberdade provisória, pois sempre preferimos a opinião de que a própria Constituição Federal salienta que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. Ora, a Lei dos Crimes Hediondos, com certeza, ao menos antes da Lei no 11.464/2007, era uma das leis que não admitia a liberda­ de provisória. A nosso sentir, é perfeitamente possível que o legislador ordinário, em alguns casos, vede a concessão de liberdade provisória. Apenas, é bom que se frise, se em tese passa a ser admissível a liberdade provisória para autores de crimes 2008 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 37


hediondos, fica difícil sustentar a impossibilidade de liberdade provisória para autores de ilícitos penais menos graves, daí porque sustentamos que normas semelhantes em nosso ordenamento atual que vedam a liberdade provisória para autores de outras infrações mais leves devem ser consideradas revogadas, como aliás, já tinha se pronunciado o próprio Supremo Tribunal Federal em relação ao artigo 21 do Estatuto do Desarmamento. Infelizmente, parece claro que a vontade do legislador constituinte foi proibir qualquer forma de liberdade para autores de crimes graves quando presos em flagrante, que normalmente é a prova mais contundente da existência do crime. Entretanto, ao dizer que crimes hediondos são inafiançáveis, pouco fez o legislador. Realmente, e isso o leigo não vai entender nunca, o agente preso em flagrante acusado da prática de um crime hediondo não poderá ser solto mediante o pagamento de fiança, mas, poderá ser solto independentemente de fiança com fulcro no artigo 310, parágrafo único, do Código de Processo Penal, ou seja, bastando o seu defensor demonstrar que não estão presentes os pressupostos que poderiam autorizar sua custódia cautelar preventiva. Mister realçar que a Lei no 11.464/2007, neste particular, atingiu a recente Lei de Drogas. É que, malgrado a Lei no 11.343/06 vede a liberdade provisória para autores de tráfico, parece-nos, no entanto, que se o tráfico é um crime assemelhado a hediondo pelo princípio constitucional da isonomia, não tem sentido o autor de crimes como homicídio qualificado, estupro, extorsão mediante seqües­tro e latro­cí­ nio, em tese, poder ter direito a liberdade provisória e o autor de um crime de tráfico não ter o mesmo tratamento. Esse, de acordo com o nosso entendimento, é o correto fundamento para se entender revogada a Lei de Drogas quan­ to à vedação de liberdade provisória. Isso porque o simples fato de a Lei no 11.464/07 ser posterior à Lei de Drogas não autoriza a conclusão de que teria derrogado a anterior. Aliás, entendemos que a Lei no 11.343/06 é específica para crimes de tráfico, enquanto a Lei no 11.464/07 tem um caráter geral para crimes hediondos e assemelhados. Lembre-se que a Lei no 9.455/97, na época, passou a prever um regime apenas inicialmente fechado para autores de crimes de tortura, em oposição ao regime integralmente fechado previsto na Lei no 8.072/90. Não obstante ser a Lei de Tortura uma lei posterior mais favorável, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 698 no sentido de que “não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura”. Saliente-se, ainda, que apenas não há mais na lei uma vedação genérica à obtenção de liberdade provisória, não significando, necessariamente, que autores de crimes gravís­ simos, hediondos, possam conseguir a liberdade provisória. Em princípio, sem querer generalizar, a regra é a de que o sujeito preso em flagrante por esses crimes deva permanecer acautelado. Caso o juiz conceda a liberdade provisória 38 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2008

ao autor de crimes dessa natureza, o Ministério Público, discordando, deverá interpor o recurso cabível. Por seu turno, e talvez sua grande inovação, a Lei no 11.464/2207 tenha sido o sepultamento definitivo do controvertido regime integralmente fechado criado pela Lei dos Crimes Hediondos. Com efeito, com o advento da Lei no 8.072/90, muito se discutiu quanto à constitucionalidade do regime integralmente fechado. Desde o início da vigência da Lei dos Crimes Hediondos, boa parte da doutrina já criticava a previsão do referido regime de cumprimento de pena, em especial, por ferir princípios como os da humanização e individualização da pena, além de ir de encontro ao sistema progressivo de cumprimento de pena adotado pelo Código Penal Brasileiro. Alegava-se, também, que sequer a Lei Maior teria previsto o regime em questão, sendo vedado ao legislador infraconstitucional fazer uma restrição que não existia na Constituição Federal. Apesar das críticas doutrinárias, a jurisprudência pátria, incluindo a de nossos tribunais superiores, sempre foi no sentido da constitucionalidade do regime integral­­­ mente fechado, sendo editada pelo Supremo Tribunal Federal a Súmula 698, citada anteriormente, a qual, por via oblíqua, confirmava a constitucionalidade do regime único de cum­ primento de pena para autores de crimes hediondos. Isto porque afirmava-se que o regime integralmente fechado não iria de encontro ao mandamento constitucional que determina a individualização da pena, considerando que a individualização poderia ser feita entre o mínimo e o máximo de resposta penal prevista para a infração, sendo prescindível que a individualização abrangesse a fase de execução. Ocorre que a própria Suprema Corte, que como foi salientado – repita-se – chegou a editar a Súmula 698, com a aposentadoria de alguns ministros e com a chegada de outros, há cerca de dois anos e meio atrás mudou sua orientação anterior, passando a considerar o regime integralmente fechado inconstitucional. É bem verdade que as decisões do STF no sentido da inconstitucionalidade do regime integralmente fechado foram tomadas em casos concretos e não em ação direta de inconstitucionalidade, de forma que, em princípio, não teriam eficácia para terceiros. Da mesma forma, não houve sequer a edição de nova súmula a esse respeito, muito menos vinculante. Como corolário do entendimento de nossa Corte Máxima, preocupou-se o legislador em adequar a Lei dos Crimes Hediondos à nova jurisprudência, dando, assim, uma nova redação ao § 1o, do artigo 2o, da Lei dos Crimes Hediondos: “A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado”. Questão de relevo é saber se a Lei no 11.464/2007 constitui uma novatio legis in mellius ou in pejus. Isto porque, se de um lado a Lei no 11.464/2007 passou


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a expressar a possibilidade de progressão de regime para crimes hediondos e assemelhados, o que era vedado pela legislação anterior, por outro lado, a lei em questão deu a seguinte redação ao § 2o, da Lei no 8.072/90: “A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.” Ora, como é do conhecimento geral, o percentual de cumprimento de pena instituído na Lei de Execuções Penais, em seu artigo 112, para a progressão de regime é de mais de 1/6 da pena. Nessas condições, partindo da premissa da consti­ tucionalidade do regime integralmente fechado, a Lei no 11.464/2007 é uma lei penal mais favorável, devendo ser aplicada retroativamente em sua integralidade, inclusive no que concerne aos novos percentuais de cumprimento de pena visando à progressão, considerando que a lei antiga não permitia tal possibilidade em qualquer hipótese. De outra banda, na medida em que o Supremo Tribunal Federal passou a considerar inconstitucional o regime integralmente fechado, não podemos deixar de lembrar que a progressão de regime – sem considerar a Lei no 11.464/2007 – passou a ser admitida após o cumprimento de mais de 1/6 da pena, como prevê a Lei de Execuções Penais. Nessa ordem de idéias, a Lei no 11.464/2007, ao permitir a progressão de regime com percentuais de cumprimento de penas mais gravosos que a LEP, nesse particular deve ser considerada uma lei mais severa, não podendo ter aplicação retroativa, sob pena de violação do preceito constitucional de que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu, motivo pelo qual entendemos como conseqüência da posição firmada pelo Supremo Tribunal Federal no sentido da inconstitucionalidade do regime integralmente fechado, que condenados por crimes hediondos cometidos anteriormente à vigência da Lei no 11.464/2007 poderão ter direito à progressão de regime, desde que preencham os requisitos subjetivos e que cumpram mais de 1/6 da pena. Uma última observação que merece destaque, ainda em relação ao regime de cumprimento de pena, é no sentido de que, igualmente partindo mais uma vez da premissa da inconstitucionalidade do regime único, a nova lei, ao prever um regime inicial fechado, é mais uma vez uma lei que deve ser tratada como gravosa. Em decorrência, será admissível, dependendo do quantum de resposta penal, um regime aberto ou semi-aberto para condenados por crimes hediondos e equiparados, desde que os ilícitos tenham sido praticados antes do advento da lei que alterou a famosa Lei dos Crimes Hediondos. Essas são as questões mais importantes que estão sendo discutidas em razão da Lei no 11.464/2007 e que certamente ainda suscitarão acalorados debates entre os operadores do Direito.

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Foto: Marcha dos 100 Mil – Evandro Teixeira

Um certo jeito de sorrir que tínhamos Augusto Nunes Jornalista

Room number 1968”, avisa-me a jovem na recepção do hotel em Nova York, enquanto estende a chave do quarto que me coubera. Nineteen sixty eight. Pela naturalidade da voz, ela decerto não sabe que, depois daquele 1968, esses quatro algarismos deixaram de ser um número. São um ano, serão para sempre um ano. E que não terminou: brutalmente amputado na noite de 13 de dezembro, nunca mais acabaria. Continua na memória coletiva, continua nos seus fantasmas. Eles sempre me visitaram com freqüência. Pelo que acabo de ouvir na recepção do hotel nesta tarde de abril de 2007, devo desconfiar de que agora deram de acompanharme nas viagens, até para fora do Brasil, e já se reservam o direito de escolher o apartamento em que ficaremos todos. 40 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2008

Se a intimidade aumentou, as lembranças vão ficando mais desbotadas. No começo, chamava-os pelo nome ou pelo apelido. Hoje, não são muitos os que identifico imediatamente, sem hesitações, no meio dessa multidão de faces à espera de restaurações que lhes devolvam o desenho original e inconfundível. Já não consigo pinçar nos desvãos da memória nomes outrora familiares, nem recompor com nitidez os contornos de rostos que vi tão de perto, muito menos adivinhar como estariam neste abril de 2007, 39 anos depois de tudo. E, no entanto, são fantasmas indemissíveis, o que talvez seja a forma por eles encontrada para adiar a consumação da morte precoce. A primavera nova-iorquina que ilumina o quarto do hotel não consegue dissipar sombras tão antigas.


“Não pressentimos o horror a caminho, resumido em duas letras e um número: AI-5. Não foram muitos os que sobreviveram sem traumas invencíveis, ou feridas sem chances de cauterização, à colisão brutal entre a Era de Aquário e os Anos de Chumbo.”

Abril talvez seja mesmo o mais cruel dos meses. Abril de 1968 foi o prenúncio de que aquele outono seria longo e terrível – e, no entanto, nós o saudamos como se anunciasse a sagração da primavera. Nunca fomos tão felizes. E nunca seríamos tão escandalosamente felizes quanto em 26 de junho, quando a Passeata dos 100 Mil fez com que todos os sonhos parecessem ao alcance da mão. Não pressentimos a gestação da ditadura sem camuflagens. Não pressentimos o horror a caminho, resumido em duas letras e um número: AI-5. Não foram muitos os que sobreviveram sem traumas invencíveis, ou feridas sem chances de cauterização, à colisão brutal entre a Era de Aquário e os Anos de Chumbo. A morte, a loucura, a desesperança e o cinismo foram os cavaleiros do nosso Apocalipse, e à sua passagem alucinada e alucinante sucumbiram milhares de moços cujos rostos estão eternizados – com a espécie de olhar que só pode ser desenhado por passageiros da esperança – na foto incomparável do grande Evandro Teixeira. De qualquer forma, houve sobreviventes. Da vez primeira em que me assassinaram, perdi um jeito de sorrir que eu tinha, dizem os versos de Mario Quintana. A fisionomia dos que completaram a travessia do pesadelo confirma que entre um vinco e uma ruga se deu o assassinato de um jeito de sorrir que tínhamos. Mas muitos de nós resistimos ao cerco das carrancas e não nos

tornamos prisioneiros do ressentimento. Apesar de tudo, apesar de tantos, apesar de Thánatos, sabemos sorrir. Mas de um outro jeito. Os sobreviventes assimilaram dramaticamente lições e truques essenciais. Aprenderam, por exemplo, que embora seja a vida absurdamente curta, e deva, portanto, ser fruída a cada minuto, a cada segundo, dura o suficiente para que mesmo um jovem possa conhecer a subida ao céu e, em seguida, a passagem pelo inferno. Aprenderam a conviver com a morte como rotina e a tentar suavizar com eufemismos a tragédia incomparável (“Sabe quem dançou?”, era a pergunta que, naqueles tempos sombrios, preparava o interlocutor para o iminente uppercut na alma. Dizer que alguém dançara parecia menos penoso que simplesmente informar que mais um desaparecera. Ou fora preso. Ou morrera.). Quase 40 anos depois daquele outono, a primavera americana bruscamente me conduz (e aos meus fantasmas) de volta a 1968, pelas mãos de uma recepcionista de hotel que não conhece o brasileiro cinqüentão a quem entrega a chave do quarto, nem o país de onde vem o homem que reage com mal-disfarçada perplexidade a uma informação banal. Ela deve ter a idade que eu tinha quando tudo começou. E sorri com aquele jeito de sorrir que tínhamos. Crônica incluída no livro “68: Destinos, A Passeata dos 100 Mil”, do fotógrafo Evandro Teixeira – Publicada no Jornal do Brasil de 26/03/08. 2008 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 41


INSEGURANÇA JURÍDICA TRAZ PREJUÍZOS AO BRASIL

Luiz Flávio Borges D´Urso Presidente da OAB-SP

Walter Cardoso Henrique Presidente da Comissão de Assuntos Tributários da OAB-SP

Q

uando os princípios constitucionais sofrem abalos, quando se institui norma interpretativa que colide com a jurisprudência que vem sendo praticada ou um Poder usurpa as atribuições de outro, temos as condições ideais para construir um cenário de insegurança jurídica no País. Um dos exemplos mais contumazes dessa situação é a edição de Medidas Provisórias por parte do Executivo que, desde a sua criação, vem sendo usada de forma indiscriminada por sucessivos governos, sem observar os critérios de urgência e relevância previstas para sua edição. O atual governo, por exemplo, conseguiu imprimir um ritmo de 5 Medidas Provisórias/dia, trancando em várias oportunidade a pauta do Congresso Nacional. A Constituição Brasileira, que este ano comemora 20 anos, vem sendo constantemente violada, quebrando-se o ordenamento jurídico nacional em decorrência do volume de normas inconstitucionais editadas. Cabe aos parlamentares – enquanto representantes do povo – elaborar as leis, missão para a qual o legislador precisa estar preparado para que as novas regras realmente ajudem a solucionar conflitos e não criar novos, sobrecarregando o Judiciário que, de um modo geral, já está congestionado. O que estamos constatando é que a produção de leis inconstitucionais ou que se chocam ou se sobrepõe a 42 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2008

legislações já existentes acaba por criar um novo vetor de insegurança, gerando o que nenhum país civilizado deseja: instabilidade das relações econômicas, profissionais e particulares. Neste cenário, a qualidade dos diplomas legais é fundamental para garantir a segurança jurídica, a estabilidade do dia-a-dia dos cidadãos. Dados evidenciam que 82% das leis dos municípios do estado de São Paulo levadas ao exame do Tribunal de Justiça foram consideradas inconstitucionais nos anos de 2002 e 2003. Extrapolando para os mais de 5 mil municípios brasileiros chegamos a uma conta alarmante. Pior: metade das leis estaduais e quase 20% das leis e normas federais também são inconstitucionais. A lei, certamente, não pode ser elaborada para atender interesses de grupos ou interesse governamental, ela tem de servir à res publica. Também precisa ter enunciados claros para evitar interpretações diversas, que trarão ainda mais confusão e insegurança na sua aplicação. Por ter um índice tão alto de leis inconstitucionais, o Brasil evidencia que os detentores do poder acabam legislando em causa própria em detrimento dos direitos de todos os brasileiros. O aspecto tributário não pode ser dissociado da cidadania, porque o tributo é a forma pela qual o indivíduo financia a coletividade, e abusos fundados em meros interesses arrecadatórios, além de tumultuar o Poder


Foto: Cristóvão Bernardo/OABSP

Walter Cardoso Henrique

Foto: Cristóvão Bernardo/OABSP

Judiciário, retiram destes a possibilidade de investir em seu desenvolvimento econômico, deixando de gerar riquezas para todos. Empreender com segurança e estabilidade, sem sofrer abusos, não é apenas um direito dos brasileiros assegurado pelo ordenamento, mas uma necessidade de toda a sociedade para que tenhamos uma nação justa, desenvolvida e sem desigualdades sociais e regionais, promovendo o bem a todos (artigo 3o da Constituição Federal). Quando a norma legal é clara no processo de sua elaboração e também no procedimento de sua aplicação – hoje ainda há muito descompasso entre o que a lei pretende e sua aplicabili­dade –, a sociedade tem a certeza de sua efetividade e pode antever não apenas o seu dia-a-dia, mas o resultado das decisões judiciais quando for necessário ingressar com ações, aumentan­do seu grau de previsibilidade. Por isso, o país consegue preservar sua segurança jurídica, permitindo uma redução dos conflitos, contribuindo para a celeridade da Justiça. A quantidade de leis também contribui sensivelmente para a insegurança jurídica no País. Temos um cipoal legislativo de normas legais, regulamentares e complementares, que tornam quase impossível para os operadores do Direito manterem-se atualizados. Estudo do IBPT apontou que nos primeiros 19 anos da Constituição Brasileira foram editadas

Luiz Flávio Borges D´Urso

3,6 milhões de normas, o que resulta em 21 normas federais por dia, sem levar em conta as estaduais e municipais, a demonstrar que o princípio da eficiência por parte da Administração Pública foi totalmente relegado. Outro fator que contribui para a insegurança jurídica é o entendimento divergente das cortes no país. Temos, por exemplo, decisões divergentes entre o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça em determinadas matérias, como é o caso da cobrança da Cofins para as sociedades de profissão regulamentada, o que não contribui para trazer o entendimento entre as partes. Na verdade, isso gera mais instabilidade e até injustiças, acirrando o conflito existente na relação fisco-contribuinte. A segurança jurídica é importantíssima porque alicerça a proteção aos cidadãos. Dela decorre a segurança de todos os demais direitos individuais e coletivos. Assim, as normas legais passageiras, as normas que não pegam, as normas incons­ titucionais, as normas que geram interpretações diver­gentes expõem ainda mais o desequilíbrio de forças entre o Es­tado e o cidadão. Somente com a segurança jurídica é po­ssível combater os excessos do Poder público e garantir a li­ber­dade, igualdade, segurança e a plenitude da cidadania. 2008 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 43


DELAÇÃO PREMIADA À LUZ DO DIREITO PROBATÓRIO NO ESTADO DEMOCRÁTICO José Marinho Paulo Junior Promotor de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

“O processo penal, como instrumento de verdade e justiça, terá de ser um meio a serviço dos valores morais supremos e absolutos.” (G. BETTIOL)

A

chamada “Delação Premiada” vem prevista esparsa­ mente em nosso ordenamento e se constitui, em breve síntese e de forma bastante simplificada, em instituto processual-penal através do qual se beneficia alguém (seja réu, indiciado ou mero suspeito) em troca de informação “privilegiada” acerca da empreitada criminosa, identificando comparsas. Não se pretende aqui aventar quais os pressupostos para a concessão de benefícios em favor do delator, nem se estes se devem dar de forma cumulativa ou isolada, tampouco se verterá sequer uma gota de tinta para resgatar o empoeirado debate sobre se tal instituto é direito subjetivo do delator ou faculdade jurídica. Dedicar-se-á o presente artigo – é bom precaver o leitor desde já – a algo mais humanista ou ‘jusfilosófico’: ‘pensar’ a informação oriunda da delação premiada à luz do direito das provas, tendo por ambiente legitimador o Estado Democrático. A “delação premiada” parece, tal como uma pandemia virótica, ter contaminado muitos dos colegas que atuam no front de combate do Ministério Público contra o crime, em especial, o supostamente organizado. Um dia desses, ouvi estarrecido um antes lúcido colega anunciar entorpecido que 44 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2008

com o que os delatores diziam denunciaria um monte de pessoas tidas até então como idôneas e respeitáveis. Floreiam-se os méritos da “delação”, sustentando seus admiradores que só por meio de tal artifício é que as organizações criminosas poderiam ser desarticuladas; que só com tal artimanha legal é que crimes de materialidade fugaz poderiam ser provados; que só e somente só com este mecanismo é que o “Bem” venceria o “Mal”, dentre outras alegações cataclísmicas e apocalípticas, que, com as devidas escusas, beiram o radicalismo acéfalo. Neste contexto, e em verdadeira contramaré, propõe-se um criterioso repensar. Os que têm ouvidos de ouvir não podem ficar surdos ao clamor dos inocentes, que, atingidos visceralmente pelo maligno anverso da delação, vêem-se às voltas e às turras com a (in)Justiça – sempre e sempre irreparável – de uma acusação temerária, baseada tão apenas (pasme-se!) na delação – e isto é o que aqui se critica enfaticamente. Adiante-se: não se diz, sequer em meia linha, que a delação – se e quando tida como algo medianamente moral – deva ser abolida. Mas se insiste que a informação (precária) obtida por meio desta, por não sintetizar nem mesmo


Foto: Arquivo JC

indício suficiente, seja sucedida de cuidadosa investigação para, somente após sua verificação, ser-lhe dado o crédito (ou descrédito) devido. Não se reduz aqui a argumentar o paradoxo categórico de se dar mais valor ao delator, enquanto criminoso confesso, que àquele por este indicado como o agente catalisador das condutas criminosas. E tanto pior quando a dita delação vem precedida de depoimentos em sede policial em sentido absolutamente diverso e incompatível, sendo mero virtuosismo jurídico lembrar que a confissão pode ser cindida. Nem mesmo se pretende fazer excursão ao mundo da Moral e se confrontar a vantagem de encontrar um (suposto) culpado à custa da chamada “sociedade de delatores”, experiência concreta – e desastrosa – vivida pela China ditatorial e pela Alemanha hitlerista há pouco tempo atrás. Pais entregando filhos; esposas delatando maridos; netos “dedurando” avós... Uma sociedade pestilenta. Quem sabe Maquiavel não estivesse mesmo certo quando bradava que “os fins justificam os meios”? Teria sido Franz Kafka profético quando, ao escrever seu festejado livro “O Processo”, externou os pensamentos do protagonista K. no

sentido de que “o processo não era nada senão um grande negócio, como os que ele já havia fechado com vantagem para o banco; um negócio no interior do qual, conforme a regra, espreitavam diversos perigos que tinham de ser conjurados”? Nem se levantará a sufocante questão acerca da possibilidade de o primado constitucional da Moralidade Administrativa ser flexibilizado, ou antes, irremediavelmente rompido por norma infraconstitucional. Afinal, há a presunção de constitucionalidade da lei – quiçá especialmente reforçada quando favorável à acusação. Tampouco se fará uso justamente dos argumentos dos que entendem de forma diversa para demonstrar, de forma cabal, a indisfarçável incoerência das denúncias oferecidas com base em delação: se as previsões mais pessimistas hão de se concretizar, servindo a delação como nossa “tábua de salvação”, resta por demais evidente que aqueles que a erguem não podem ser justamente aqueles quem se queria, antes de tudo, condenar. Não é soltando um criminoso e prendendo outro que a sociedade avançará. Quer-se, em verdade, atentar aos incautos que o criminoso confesso pode fazer – e usualmente faz – uso inescrupuloso 2008 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 45


de tal benevolência legislativa, não em proveito da sociedade ou em detrimento do crime, mas sim em favor próprio. Não é difícil entrever-se o ‘falso dilema’ que se nos apresenta: escolheria o delator contar a verdade, incriminando seus comparsas (e quiçá correndo risco de vida, dada a provável vingança destes últimos), ou apontar um cidadão inocente, preferencialmente inofensivo, para servir como seu “bilhete” para o maravilhoso mundo para o qual o Ministério Público, de forma descuidada, pode lhe encaminhar? A segunda opção, por óbvio. Bem mais simples apontar alguém que certamente não lhe faça mal algum a “entregar” um comparsa perigoso e – por que não? – vingativo. Pueril pensar-se de forma diversa. Sob um prisma teórico, instaria relembrar que a denúncia oferecida com lastro tão somente em delação premiada insujeita a qualquer posterior verificação padece de rotunda ausência de justa causa, condição para legítimo exercício do direito de ação penal. Isto porque, repita-se, o fruto da delação premiada não consubstancia prova, tampouco indício, mas tão somente precaríssima suspeita – que deve, consigne-se uma vez mais, ser submetida à cuidadosa verificação de procedência –, que sequer atende ao vetor do in dubio pro societate. Admitir-se o contrário seria menoscabar a própria Constituição Federal e sua veste protetora contra perseguições vazias. A denúncia, nestes casos, deve ser rejeitada. Relembrando-se a ilustrada lição do eminente colega Walter Coelho, MD. Procurador de Justiça e insigne professor de Direito Penal das Escolas Superiores do Ministério Público e da Magistratura do Rio Grande do Sul, o indício pode ser classificado em três categorias distintas de acordo com seu caráter intrínseco: “indícios manifestos ou de evidência; indícios veementes, de alta probabilidade, também denominados de indícios próximos; e indícios vagos, isto é, leves ou remotos”. Se os primeiros – ditos suficientes – levam a conclusões certas e indubitáveis, os segundos, também denominados contingentes necessários, apenas orientam, embora com alta probabilidade, para a simples pertinência de causa e efeito, fundados que estão numa relação ordinária de causalidade, não ensejando um raciocínio estritamente dedutivo, por recorrer à inferência analógica. Os últimos, de menor probabilidade, afiguram tão somente uma inexpressiva suspeita. Quiçá se possa concordar seja tal informação fornecida pelo delator, despida de outras provas (ou indícios não remotos) e insujeita à verificação, identificada como indício, mas somente se este vier adjetivado como vago, leve ou remoto. Nada mais. O Ministério Público, eleito pelo Constituinte Originário como Defensor do Regime Democrático, não pode se comportar, de forma irrefletida e sem maiores pudores, como Acusador Sistemático. Com muito esforço é que nossos antecessores conseguiram respirar ares mais saudáveis e entender que acusar sempre e incondicionalmente é uma lástima profunda que só a distorção profissional e o espírito 46 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2008

pouco iluminado podem justificar. Sobrevive o ideal de ‘fazer justiça’ e não de ‘ser justiceiro’. Deve-se, sem hipocrisia, resistir à diabólica tentação do conhecido “denuncio agora e o réu que se defenda”. Deus, livrai-nos deste mal! Se admitida denúncia tão apenas com base em delação premiada, por quantos anos se esperará para que a suprema injustiça seja corrigida? Já há muito se dizia que o mero indiciamento infundado do cidadão de bem em inquérito policial é inominável constrangimento, devendo, se incorreto, ser prontamente retificado. Pois bem: imaginese o grau de devastação provocada por uma denúncia (in)fundada somente em delação premiada? Pode-se afirmar, sem medo de errar, que a condenação do inocente se dá sumariamente e sem direito de defesa no exato e irresgatável momento em que a denúncia é distribuída ao Juízo. Na máxima kafkaniana, “ter um processo desses já significa tê-lo perdido.” Os danos inestimáveis à honra, à família, à cidadania e à dignidade humana – tudo sem contar gastos, no mais das vezes, bastante significativos, com advogados – não serão cobrados de ninguém, bem menos do delator, que, então, somará ao seu cartel mais um delito odioso. Mauro Fonseca Andrade aduz que “foram noticiados, até, casos de pessoas investigadas – ao depois reconhecidas como inocentes – que cometeram suicídio, diante da verdadeira execração pública a que se viram expostas”. E com isto não se pode compactuar. A polícia judiciária – tanto mais quando incorporada pelo Ministério Público – há de cumprir seu papel constitucional! Deve-se investigar para que, depois, se possa denunciar e não – jamais! – o odioso inverso. Não se denuncie para, em sede processual, colher um lastro mínimo indiciário, vale dizer, investigar. Bem ao revés: investigue-se para denunciar. A anômala, perniciosa e abjeta “denúncia investigativa” não pode ser esposada por aqueles que têm o ‘múnus’ constitucional de defesa do regime democrático. Volte-se aos ensinamentos de Walter Coelho, ipsis litteris: “Não bastam, pois, simples suspeitas ou meras presunções para instaurar-se a ação penal. Há que ter indícios significativos ou mesmo provas em sentido amplo do fato e de quem o praticou ou para ele colaborou, material ou moralmente”. A palavra vazia do delator – indício vago que é – não permite o oferecimento de denúncia nem seu aditamento. Adrede, acresce o autor que, no que concerne às medidas “assecuratórias” (como o seqüestro de bens), basilar estejam escoradas, ao menos, em indícios veementes, havendo sido o Código de Processo Penal bastante enfático em seus artigos 126 e 132. Ad lateris, anota Coelho que assim também se deve dar com a “sentença” de pronúncia, perfilhando-se a Bento de Faria (in “Código de Processo Penal”), André Martins de Andrade (in “A Reforma do Júri”), Ary Azevedo Franco (in “Código de Processo Penal”), Pimenta Bueno (in “Processo Criminal”) e Eduardo Espíndola Filho (in “Código de Processo Penal Anotado”). Noutras palavras, tampouco nestes casos será bastante a informação oriunda da delação premiada despida de outras provas ou indícios e


insujeita à mínima verificação de veracidade. E vale tudo isto para chamar os colegas a um segundo momento de reflexão sobre o uso impensado de “delação premiada”. Não se trata de simplesmente questionar a moralidade maquiavélica de se premiar um bandido (ainda que escorado na lei [inconstitucional?]), mas o de fazer inocentes pagarem injustamente o prêmio àquele, tendo seus nomes, suas vidas e suas famílias jogadas à lama, negandolhes a própria cidadania e a mínima dignidade humana. Para isto, não há resgate. Antes de denunciar, pronunciar ou requerer medidas cautelares constritivas de direitos (à liberdade ou até ao patrimônio) com base na delação, absolutamente fulcral à prévia verificação das informações fornecidas pelo réu confesso, notadamente quando despidas suas palavras de provas do que diz, para, somente após, se for o caso, o Ministério Público agir. Conclusões • A informação (precária) obtida por meio da “delação pre­miada” não sintetiza prova, tampouco indício ple­ no ou suficiente. Trata-se de mera suspeita ou indício vago (também conhecido como leve ou remoto); • Tal informação deve ser sucedida por cuidadosa verificação para, somente após, ser-lhe dado o crédito (ou descrédito) devido; • Trata-se de anômala, perniciosa e abjeta “denúncia investigativa” aquela oferecida com base tão apenas em tal informação fornecida pelo delator, despida de outras provas (ou indícios suficientes) e insujeita à dita verificação; • Mais grave e mais odioso que o indiciamento infun­ dado do cidadão de bem em inquérito policial é o inominável constrangimento provocado pela denúncia (in)fundada somente em informação oriunda da delação premiada; • O aditamento à denúncia, por idêntica fundamen­ta­ ção, não pode ter espeque na palavra vazia do delator; • No que concerne às medidas constritivas de direito (à liberdade ou ao patrimônio), basilar estejam escoradas, ao menos, em indícios veementes, não sendo, portanto, a princípio, viável lastrarem-se em tal informação fornecida pelo delator, indício vago que é; • Tampouco será bastante para a pronúncia a infor­ma­ ção oriunda da “delação premiada”, despida de outras provas (ou indícios suficientes) e insujeita à mínima verificação de veracidade; • Obviamente, exceções se dão quando a palavra do delator vier acompanhada por documentos ou outras provas que permitam prontamente a verificação de sua (im)pertinência; • O Ministério Público não é acusador sistemático e o Pro­cesso Penal não serve à condenação a qualquer preço.

“Mais grave e mais odioso que o indiciamento infun­dado do cidadão de bem em inquérito policial é o inominável constrangimento provocado pela denúncia (in)fundada somente em informação oriunda da delação premiada.”

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GERVÁSIO BAPTISTA, O FOTOJORNALISTA Da redação

“fotografou a história política da República desde Getúlio Vargas ao atual presidente, Luiz Inácio lula da Silva. Também cobriu a Guerra do Vietnã e a Revolução Cubana.“

É

o fotógrafo mais longevo da imprensa brasileira, em atividade profissional há mais de 70 anos, tendo passado pelas lentes de suas máquinas as personalidades mais importantes da política, da administração pública e privada, da sociedade, do esporte, da indústria, comércio e agricultura. Enfim, as figuras de mais destaque em todas as atividades. Há nove anos Gervásio é um dos fotógrafos oficiais do STF e ainda com atividades na Agência Brasil. Começou sua vida profissional aos 12 anos no jornal “O Estado da Bahia”. De lá, foi para os “Diários Associados”, trabalhando principalmente na revista “O Cruzeiro”. Com a criação da revista “Manchete”, da editora Bloch, participou desde a primeira edição até a derradeira. Em seguida foi trabalhar no Palácio do Planalto e foi amigo dos presidentes Juscelino Kubitschek, João Goulart, Tancredo Neves e José Sarney, de quem é amigo até hoje. Fotografou a história política da República desde Getúlio Vargas ao atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Também cobriu a Guerra do Vietnã e a Revolução Cubana. Várias 48 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2008

fotos ficaram bastante conhecidas e foram publicadas muitas vezes, como a do presidente Juscelino Kubitschek acenando com a cartola em frente ao Congresso Nacional no dia da inauguração de Brasília. Gervásio afirma que “essa é uma das fotos que eu considero mais interessantes na minha carreira”. Flagrou imagens de John Kennedy, Richard Nixon, Juan Domingo Perón, Charles de Gaulle, Che Guevara, Fidel Castro e tantos outros líderes políticos. Cobriu sete Copas do Mundo. Gervásio diz que o maior prêmio que ganhou na profissão foi o convite feito pela presidente do STF, ministra Ellen Gracie, e pelo ministro Cezar Peluso de expor suas fotografias. “O maior prêmio que eu podia receber de fotografia foi a ministra Ellen apoiar a sugestão que deram, e eu fico feliz com isso, porque se trata de presidente do Supremo Tribunal Federal do País.” Na exposição “50 anos de Fotografia”, inaugurada no dia 12 de março no Supremo Tribunal Federal pela presidente da instituição e com a presença da quase totalidade dos ministros da Corte, foram afixadas 45 obras do profissional que tem a


Da direita: ministros Enrique Lewandowski, Eros Grau, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso, Marco Aurélio, o fotógrafo Gervásio Baptista e os ministros Gilmar Mendes e Ellen Gracie

credencial de imprensa número 001 do Palácio do Planalto e é um dos mais respeitados fotógrafos brasileiros. Além das fotos, foi afixado um texto de autoria do atual senador José Sarney em homenagem à exposição: “Moço com seus 84 anos, armado sempre de máquina e de seu sorriso, trabalhando agora entre os ministros e os grandes advogados, Gervásio é um ícone e exemplo na história da imprensa brasileira.” O ministro Carlos Ayres Britto, presente na exposição, fez questão de manifestar: “Não estamos homenageando Gervásio, ele é que está nos homenageando. Eu, particularmente, quero muito bem a ele. Tenho uma enorme admiração por Gervásio, esse artista da câmera.” A presidente, ministra Ellen Gracie, ao dar por inaugu­ rada a exposição, teceu largos elogios ao fotógrafo, que ela pessoalmente disse ser sua admiradora e amiga, cumprimen­ tando-o com efusão e carinho. O editor da revista, também presente, aproveitou para cumprimentar e homenagear seu velho amigo e companheiro de tanto tempo de profissão.

A ministra Ellen Gracie falando ao jornalista as razões da homenagem do Supremo Tribunal Federal ao fotógrafo Gervásio Baptista

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