Revista Ponto #9 - JUL/AGO/SET 2015

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PONTO

ISSN 2359-5248

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#9 JUL-AGO-SET 2O15

UM RETRATO DOS IMIGRANTES CONVERSA COM YAMANDU COSTA NOVIDADE: PARTICIPE DO ROMANCE JUVENIL INTERATIVO

REVISTA PONTO® PUBLICAÇÃO LITERÁRIA E CULTURAL DO SESI-SP #9 JUL-AGO-SET 2O15

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SESI-SP EDITORA AV. PAULISTA 1313 4º ANDAR O1311-923 SÃO PAULO SP TELEFONE 55 11 3146 7308

O HOMEM COMUM CONTO DE MARCIA TIBURI

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Na pรกgina anterior, vinheta de Alexandre Camanho para o livro Lauka e o Guarda-chuva.

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P O N T OD E P A RT I D A

A revista Ponto aposta na valorização da memória como elemento fundamental na compreensão de uma sociedade, evidenciada na matéria de capa deste número 9, que traz o acervo de fotografias do Museu do Imigrante, de São Paulo, tendo como contraponto a coleção de fotos tiradas por Augustus F. Sherman, na Ilha Ellis, tradicional ponto de entrada de imigrantes em Nova York. Essa matéria de João Kulcsár tem o seu aprofundamento no livro Retratos imigrantes, organizado por ele mesmo, que a SESI-SP editora publicou em abril deste ano. A Ponto Entrevista apresenta uma conversa com o violonista Yamandu Costa, gaúcho de Passo Fundo, mundialmente reconhecido, que faz da diversidade cultural e musical do Brasil a pedra de toque de suas interpretações vigorosas e precisas, que poderão ser vistas e ouvidas em nossa recém-lançada plataforma Sesi>Play (www.sesiplay.com.br), uma área de streaming de vídeos e áudio com produções da casa. Para comemorar esse lançamento, presenteamos nossos leitores com as canções de Yamandu, “Mangoré” e “Sarará”, que fazem parte do nosso DVD da quinta edição da Mostra SESI de Música Instrumental. Outra novidade que trazemos nesta edição é o desafio que propusemos ao escritor Luiz Bras de escrever um romance juvenil de aventura “em parceria” com nossos leitores, que poderão opinar e sugerir o desenrolar da história. Tudo isso se dará em um blog próprio, www.sesispeditora.com.br/participedoromance, onde você já pode encontrar o primeiro capítulo e deixar seus comentários. Na matéria Ilustração como palavra, Ana Paula de Jesus, mestre em literatura e crítica literária, analisa a crescente importância da ilustração como elemento narrativo nos livros de literatura infantil. Para ela, ao colocar a criança ainda não alfabetizada em contato com ilustrações de qualidade artística, o livro infantil inicia a educação do olhar que, em tempo, será enriquecida pelo contato com a informação verbal. Por sua vez, o doutor em artes André Carrico aborda a importância dos nossos clowns negros para a afirmação de uma cultura da negritude, no artigo Cacildis! Mussum e o palhaço negro no Brasil. Finalmente, em Ponto Esporte o destaque é rugby. José Eduardo de Carvalho traça um panorama do desenvolvimento desse esporte ao longo da história e comenta o programa Try rugby, uma iniciativa do SESI-SP em parceria com o British Council e a Premiership Rugby. Boa leitura! O Editor

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A REVISTA PONTO® É UMA PUBLICAÇÃO LITERÁRIA E CULTURAL DA SESI-SP EDITORA, EM PARCERIA COM A DEC (DIVISÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA), COM EDIÇÕES TRIMIESTRAIS

CONSELHO EDITORIAL

PAULO SKAF (PRESIDENTE) WALTER VICIONI GONÇALVES DÉBORA CYPRIANO BOTELHO NEUSA MARIANI

COMISSÃO EDITORIAL

DÉBORA PINTO ALVES VIANA ALEXANDRA SALOMÃO MIAMOTO RODRIGO DE FARIA E SILVA GABRIELLA PLANTULLI

EDITOR CHEFE

RODRIGO DE FARIA E SILVA

PRODUÇÃO EDITORIAL E GRÁFICA PAULA LORETO

COORDENAÇÃO EDITORIAL GABRIELLA PLANTULLI

CAPA, EDITORAÇÃO E PRODUÇÃO GRÁFICA VALQUÍRIA PALMA CAMILA CATTO

COLABORADORES DESTA EDIÇÃO

ANA PAULA DA COSTA CARVALHO DE JESUS ANDRÉ CARRICO ARNALDO NISKIER CAROLINA CARDOSO JOÃO KULCSÁR JOSÉ EDUARDO DE CARVALHO LUIZ BRAS MARCIA TIBURI MARÍLIA FONTANA GARCIA

REVISÃO

LILIAN GARRAFA

JORNALISTA RESPONSÁVEL

GABRIELLA PLANTULLI (MTB 0030796SP)

PROJETO GRÁFICO ORIGINAL VICENTE GIL DESIGN

TIRAGEM DESTA EDIÇÃO 5 MIL EXEMPLARES IMPRESSÃO NYWGRAF

Capa Retrato em Nova York de mulher rutena do antigo Reino da Rutênia. Crédito: Museu da Imigração de Ellis Island, coleção de Augustus F. Sherman.

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REVISTA PONTO® - PUBLICAÇÃO LITERÁRIA E CULTURAL NÚMERO 9 – JUL-AGO-SET DE 2015 SESI-SP EDITORA AV PAULISTA 1313, 4º ANDAR TELEFONE: 3146-7134

comunicacao_editora@sesisenaisp.org.br www.sesispeditora.com.br www.facebook.com/sesi-sp-editora

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06 ESTANTE DE LIVROS LANÇAMENTOS 08 PONTO ENTREVISTA CONVERSA COM YAMANDU COSTA 16 PONTO ESPECIAL UM RETRATO DOS IMIGRANTES 22 PONTO INFANTOJUVENIL ILUSTRAÇÃO PASSA A TER SIGNIFICADO DE PALAVRA 38 PONTO NOVIDADE SESI-SP EDITORA E LUIZ BRAS CONVIDAM LEITORES PARA ESCREVER ROMANCE JUVENIL INTERATIVO 42 ARTIGO CALCIDIS! MUSSUM E O PALHAÇO NEGRO NO BRASIL 50 PONTO ESPORTE RUGBY SIM, SENHOR 58 PONTO DO CONTO POR MARCIA TIBURI 66 PONTO DO NOVO CONTO POR ANDRÉ CORDEIRO 72 AO PÉ DA LETRA POR ARNALDO NISKIER 76 INSTIGAÇÃO EVASÃO ESCOLAR 78 EVENTOS DA EDITORA LANÇAMENTOS E PREMIAÇÃO 82 CARDÁPIO AGENDA CULTURAL GALERIA DE FOTOS UNIDADES DO SESI

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ESTANTE DE LIVROS PRATO FEITO LUCIA EID FOTOS JOSÉ GOES

Lucia Eid é ceramista e chef, embora ela prefira ser chamada de cozinheira... Neste livro, compartilha com o leitor a alegria de cozinhar, brincando com formas, tonalidades e sabores. Esse talento ela herdou da avó e da mãe libanesas, uma linhagem de mulheres artistas da cozinha e da cor. Aqui são apresentadas receitas de comida árabe, receitas simples do cotidiano, algumas delas aclimatadas ao paladar brasileiro, todas com um toque de sofisticação. Mas este é muito mais que um livro de receitas. Com ele aprendemos a harmonizar as cores da comida com a cor de fundo que o prato de cerâmica proporciona ao todo. Percebemos que o prato é mais que um receptáculo para um alimento, mais até que uma moldura, é uma cor complementar para a comida. Cozinhar com as cores é uma experiência que mobiliza muitos sentidos: é indispensável saber ouvir o chiado da panela e sentir o cheiro da comida para evocar uma cor que componha a apresentação final, o Prato Feito.

6 A BOLA ROLOU WILSON GAMBETA

Esta publicação examina a simbologia contida nos espetáculos esportivos para acompanhar a trajetória de adaptação da antiga elite agrária paulista à moderna vida urbana. Os esportes ingleses, concebidos dentro da ideologia liberal-burguesa, foram introduzidos em São Paulo na passagem do século XIX para o século XX. As disputas esportivas, baseadas no equilíbrio igualitário, ganharam novos significados ao serem assimiladas pela sociedade local, recém-saída do escravismo. Elas foram reinterpretadas segundo uma mistura contraditória de valores, os quais oscilavam entre o mundo agrário e o urbano, o velho e o novo. O autor procura mostrar como as estruturas conservadoras dissimularam, por vários anos, a existência de práticas profissionais dentro do ambíguo amadorismo brasileiro e retardaram a organização federativa dos esportes no país.

TORNANDO-SE IMAGINAL THOMAS R. RUDMIK

O sistema educacional precisa ser transformado de dentro para fora, o que exige a transformação dos educadores em líderes Imaginal. Mas como alguém se torna Imaginal? Não será isso apenas um dom destinado àqueles com potencial especial ou talento inato? Qual o benefício dessa mudança? Esta obra é o relato prático e bem-sucedido da Aprendizagem Profunda, sistema de educação que vem sendo aplicado em diversos países, cuja premissa básica é inovação e criatividade, e que se baseia em uma das maravilhas da natureza: a transformação da lagarta em borboleta pelo processo da metamorfose. O ponto principal deste livro é: se queremos que nossos estudantes se tornem pessoas Imaginal – ou seja, indivíduos que possam prever e criar o futuro – então precisamos de educadores e de um sistema que transfira e desenvolva essa capacidade aos seus estudantes.

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LANÇAMENTOS

OCUPAÇÃO ARTÍSTICA SESI-SP

O projeto Ocupação Artística no SESI-SP tem o objetivo de promover intervenções em espaços de grande circulação e visualização, selecionados nos Centros de Atividades do SESI-SP. Os artistas responsáveis permaneceram nos locais de exposição durante o período de montagem das obras expostas, permitindo ao público o acompanhamento do processo de criação e produção. Muros, fachadas, escadarias, salas diversas, janelas, quadras esportivas, jardins e piscinas receberam interferências artísticas produzidas com a utilização de diversas técnicas e materiais, proporcionando a todos os visitantes um encontro espontâneo com a arte urbana contemporânea. Esta 1a edição registra a experiência bem-sucedida do projeto Ocupação Artística SESI-SP.

DESIGN NO TEMPO SENAI-SP

A partir do ponto de vista de uma jovem designer, o leitor é levado a uma viagem no tempo e no espaço, identificando os marcos temporais em que o design mudou a qualidade da vida humana ao longo da história. O design é uma área apaixonante em que a criação e o desenvolvimento de projetos são baseados em necessidades, anseios e contextos. Por isso, o profissional que atua na área de design deve possuir competências relacionadas à criatividade, análise, senso e visão crítica, reflexão, raciocínio espacial, integração da tecnologia e da forma com a funcionalidade. Este livro integra o material de apoio ao curso de educação a distância Competências transversais em design, oferecido pelo SENAI-SP.

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SUPERGIGANTE

LAUKA E O GUARDA-CHUVA

ANA PESSOA ILUSTRAÇÕES BERNARDO P. CARVALHO

ALEXANDRE CAMANHO

Edgar corre a toda velocidade e deixa tudo para trás: a família, a escola, os amigos. Hoje é o dia mais triste da sua vida, mas é também o dia mais feliz. Como isso pode acontecer? Como viver com esta contradição? Nesta estrada sempre em frente, Edgar tropeça nos seus pensamentos, nos almoços de família, nas gargalhadas dos amigos e nas longas conversas com Joana. À medida que avança, Edgar fica cada vez maior. De repente, não cabe mais dentro do seu corpo. É um monstro. É uma explosão contínua. É supergigante.

FIGURINOS ORG. J. C. SERRONI FOTOS ALÊ CATAN

Dificilmente em nosso país encontramos um grupo de teatro que esteja produzindo e se mantenha em plena atividade depois de 50 anos de existência. Mais difícil ainda é encontrar no Brasil alguma companhia que tenha conservado em seu acervo mais de 3 mil peças de figurinos costurados para mais de 80 espetáculos produzidos initerruptamente, de 1964 até os nossos dias. Se isso já é motivo de orgulho e exceção, o que não dizer da qualidade desse acervo? Apresentamos aqui uma amostra representativa dos figurinos que integram o acervo preservado e catalogado pela instituição e que são evidências materiais do permanente compromisso do SESI-SP com a qualidade artística.

Foi no dia de seu aniversário que Lauka ganhou um presente indesejável: um Guarda-chuva. Mas de um choro mimado surgiu algo diferente e improvável: tomados por uma tempestade, os dois personagens começaram uma aventura ao sabor do vento caprichoso e do terror assombroso. Lauka e o Guarda-chuva é uma história sobre a amizade e como ela pode surgir das possibilidades mais inesperadas, das situações mais absurdas e ainda formar laços que ligam, por caminhos misteriosos, as pessoas ao mundo dos afetos.

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ESPAÇO GALERIA SESI-SP

O projeto Espaço Galeria SESI-SP explora a potencialidade da rede física do SESI-SP, criando novos espaços expositivos em unidades do interior do Estado de São Paulo de forma a levar ao público mostras inéditas de artes visuais, com linguagens e formatos distintos, mantendo a reconhecida qualidade das exposições realizadas na Galeria de Arte do SESI-SP. As exposições que registramos nesta publicação apresentaram obras dos artistas Antanas Sutkus, VJ Suave, Célia Barros, Norberto Nicola e Rodrigo Sassi. As mostras circularam pelo território paulista durante dez meses, entre 2013 e 2014, passando por espaços selecionados em unidades do SESI-SP.

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A SIMPLICIDADE DE UM GÊNIO DA MÚSICA

Foto: Divulgação

Yamandu Costa tem uma relação de intimidade com a música que é facilmente perceptível para qualquer pessoa que assista, ao menos uma vez, a uma de suas performances. Seu entusiasmo e entrega ao tocar seu violão de sete cordas têm a mesma intensidade, seja em apresentações para grandes públicos, seja em um bate-papo durante algumas das muitas entrevistas que já concedeu por ser considerado, hoje, um dos maiores violonistas do Brasil e do mundo.

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Mas o enorme reconhecimento de seu talento, já premiado inúmeras vezes, não conseguiu tirar dele outra de suas principais características: a simplicidade. Natural de Passo Fundo, interior do Rio Grande do Sul, ele parece se deixar levar muito mais pela felicidade de poder fazer aquilo que mais ama do que pelas vantagens que a fama conquistada trouxe para sua vida. O músico durante apresentação da quinta edição da Mostra SESI de Música Instrumental, em Piracicaba.

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Todo esse arrebatamento reflete-se na carreira desse jovem de 35 anos. Nos últimos 15 anos, já lançou 19 CDs e DVDs e esteve presente em cerca de quarenta países para se apresentar em festivais e concertos representando a música brasileira. E é justamente a síntese da diversidade cultural do nosso país um dos principais pontos fortes do talento musical de Yamandu. Difícil encaixá-lo em um só estilo musical, uma vez que percorre com muita facilidade e singularidade – com composições autorais ou não – ritmos como choro, samba, música clássica brasileira e jazz, passando por ritmos originários da região Sul do Brasil, da Argentina e do Uruguai, como tangos, zambas, milongas e chamamés. Duas de suas canções – Mangoré e Sarará - integram o DVD, lançado pela SESI-SP Editora, da quinta edição da Mostra SESI de Música Instrumental, tradicional evento na área musical e cultural de Piracicaba (SP), que conta com a participação de grandes nomes da música instrumental brasileira. Um dos músicos brasileiros da atualidade com maior número de apresentações no exterior, Yamandu não poderia ficar fora desse projeto. Na entrevista concedida para a revista Ponto, ele conta um pouco de sua trajetória e do seu talento, que já arrebatou públicos diversos, do Brasil e do mundo. O mais impressionante nessa conversa é que, a cada resposta, fica evidente a singularidade e a humildade de Yamandu, que, apesar de todas as conquistas nacionais e internacionais, almeja apenas poder continuar vivendo a música, em seus mais variados ritmos e estilos. ALÉM DO FATO DE VOCÊ SER GAÚCHO, O QUE MAIS EXPLICA A FORTÍSSIMA INFLUÊNCIA DA MÚSICA SULISTA NA COMPOSIÇÃO DO SEU REPERTÓRIO E TAMBÉM NA MANEIRA COMO INTERPRETA COMPOSIÇÕES NÃO AUTORAIS?

Meu contato com a música começou quando nasci. Sou de uma família gaúcha de músicos que ganhava a vida percorrendo diversas cidades da região Sul do país para se apresentar em bailes e festas populares. O conjunto que formávamos chamava-se Os Fronteiriços, daí você já nota que era um grupo de fortes raízes gaúchas. Meus pais foram, sem dúvida, minha primeira influência neste sentido. Comecei profissionalmente como cantor mirim, com apenas cinco anos de idade, nos shows que minha família fazia com o grupo e, desde então, não consegui mais me ver sem a música. Iniciei cantando e tocando músicas daquela região, inclusive da Argentina e do Uruguai, o que me influencia de diversas maneiras até hoje.

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E O PRIMEIRO CONTATO COM O VIOLÃO, COMO ACONTECEU?

Meu pai, Algacir Costa, era um músico multi-instrumentista. Ele tocava trompete, violão, piano, e também ganhava a vida dando aulas de música. Por isso, sempre tive acesso a todos esses instrumentos. Mas quando eu tinha por volta de cinco anos, minha família recebeu em casa um músico argentino, violonista de altíssimo nível, chamado Lucio Yanel. Ele estava passando por necessidades financeiras e meu pai o acolheu durante um tempo. E foi observando o Lucio que nasceu minha paixão pelo violão. Quando criança, e ainda adolescente, eu tentava imitá-lo em tudo, principalmente no estilo de tocar. Ele me influenciou muito tecnicamente e meu pai, eu costumo dizer, me ensinou a amar intensamente essa manifestação artística que é a música. Hoje, para mim, é como um vício. ALÉM DO APRENDIZADO “NA ESTRADA” E DESSAS INFLUÊNCIAS, VOCÊ CHEGOU A FAZER ALGUM CURSO DE MÚSICA?

Nunca fiz nenhum curso formal de aprendizado de música. Até mesmo a escola regular abandonei muito cedo por causa da carreira. O meu pai tinha esse amor pela música de maneira geral, ele ouvia de tudo, e isso ajudou muito na minha formação. Ele gostava muito de Baden Powell e Raphael Rabello, outras duas referências muito importantes para mim. Tudo o que sei aprendi mesmo na estrada e, principalmente, nesse contato contínuo com músicas de todos os estilos. Sempre fiz participação em festas populares com minha família e, depois, sozinho, tocando desde músicas country até músicas clássicas.

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QUANDO SUA CARREIRA COMEÇOU A TOMAR AS DIMENSÕES QUE TEM HOJE?

Minha vida artística – que até então sempre foi muito atrelada à minha família - começou a tomar um rumo diferente quando eu tinha 13 anos e fui morar com meu pai no Mato Grosso. Lá, toquei também em bares, por cerca de dois anos. Aí meu pai adoeceu e voltamos a morar em Porto Alegre, onde, com quinze anos, comecei a tocar sozinho em festivais de música regional. Foi nessa época que conheci o músico gaúcho Renato Borghetti, que me levou a São Paulo para fazer alguns shows com ele. Nesse período, acabei conhecendo alguns produtores importantes no meio musical e, com 18 anos, peguei meu violão e fui embora para a capital paulista. COMO FORAM SEUS PRIMEIROS ANOS EM SÃO PAULO?

Muito difíceis. Sempre tive uma personalidade muito forte e procurava fazer tudo do meu jeito. Por isso tive dificuldades para me estabelecer inicialmente.

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Com o tempo, fui amadurecendo e fazendo contatos importantíssimos no meio musical. Conheci músicos de altíssimo gabarito, como Armandinho, Paulo Moura, Nelson Ayres e Toninho Ferragutti, que foram os primeiros caras a me dar oportunidade de tocar em São Paulo. COM APENAS 21 ANOS, VOCÊ GANHOU O PRÊMIO VISA EDIÇÃO INSTRUMENTAL, UMA DAS MAIS IMPORTANTES PREMIAÇÕES DA MÚSICA NAQUELA ÉPOCA. DEPOIS DISSO, VOCÊ FOI INDICADO AO GRAMMY LATINO, EM 2010, PELO CD LUZ DA AURORA, QUE GRAVOU COM HAMILTON DE HOLANDA. O RECONHECIMENTO MUDOU, DE ALGUMA MANEIRA, O DIRECIONAMENTO DE SUA CARREIRA E A MANEIRA DE SE RELACIONAR COM O PÚBLICO?

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Sim, claro. O reconhecimento em uma premiação importante sempre acaba abrindo outras portas. Mas foi muito curiosa a maneira como acabei concorrendo ao prêmio Visa porque a Maria Célia, produtora que está comigo até hoje, me inscreveu sem o meu conhecimento. Sempre tive minhas restrições em relação a prêmios porque acho, com toda sinceridade, complicado você escolher um músico em detrimento de outros, pois, para mim, cada um tem algo diferente e importante a oferecer. Mas, depois que soube que já estava concorrendo, me dediquei muito para poder ganhar. Desde então, já foram cerca de vinte CDs gravados. VOCÊ ESTÁ CONSTANTEMENTE LANÇANDO NOVOS PROJETOS, PARCERIAS INUSITADAS. O NÚMERO DE CDS GRAVADOS NOS ÚLTIMOS ANOS COMPROVA ISSO. O QUE O MOTIVA A SE REINVENTAR SEMPRE?

Eu tenho a necessidade de fazer sempre coisas diferentes, é o que me instiga. Eu vejo a carreira de artistas que têm a trajetória longa, emplacam sucessos e têm sempre que voltar naquilo. Para mim, seria horrível. Para você ter uma ideia, estou trabalhando atualmente em três CDs diferentes, praticamente ao mesmo tempo. São estilos tão distintos que um não atrapalha o outro: Bailongo, que gravei com um parceiro gaúcho, Guto Wirtti; Concerto de fronteira, que gravei com a Orquestra do Mato Grosso, e Tocata à amizade, no qual participo de um quarteto com músicas da região Sudeste do país. Essa possibilidade de fazer sempre coisas novas é o que me fascina na música. VOCÊ É HOJE UM DOS MÚSICOS BRASILEIROS QUE MAIS SE APRESENTAM NO EXTERIOR, PRINCIPALMENTE EM FESTIVAIS DE MÚSICA. QUAL A PRIN-

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CIPAL DIFERENÇA DO PÚBLICO BRASILEIRO PARA O EUROPEU E COMO A MÚSICA BRASILEIRA É RECEBIDA?

Eu acho que a grande diferença é a curiosidade cultural que o público europeu tem de realmente conhecer a fundo o que outras culturas têm a oferecer, eles são muito abertos a isso. A música brasileira tem uma enorme tradição em apresentações fora daqui. Grandes nomes da nossa música já levam nossa cultura pelo mundo afora há muito tempo. A diferença é que venho de um Brasil fronteiriço, que não é estereotipado e era, até então, pouco divulgado, mas sempre muito bem aceito. DENTRE SUAS EXPERIÊNCIAS LÁ FORA, QUAL VOCÊ DESTACARIA?

Em 2010, apresentei uma composição inédita no Museu do Louvre, em Paris, que foi transmitida ao vivo por rádio para toda a França. Foi uma experiência bastante interessante, pois surgiu a partir de uma encomenda do próprio museu, e acabou originando a composição inédita Suíte impressão brasileira, que mescla choro, valsa, baião e frevo. Todo ano, o museu convida um músico estrangeiro para compor uma canção que, de certa forma, represente a música de seu país. Foi uma enorme honra, para mim, poder representar o Brasil na ocasião. Tive ainda a oportunidade de tocar pela primeira vez com a Orquestra de Paris, como solista. Também foi uma experiência muito enriquecedora.

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VOLTANDO AO BRASIL, COMO SURGIU A OPORTUNIDADE DE TOCAR COM DOMINGUINHOS? O QUE ESSA PARCERIA REPRESENTOU PARA SUA CARREIRA?

Tocar com Dominguinhos foi um negócio que mudou muito minha maneira de pensar na vida. Foi uma experiência única conhecer tão de perto a generosidade e a maturidade que ele tinha, não só na música, mas no dia a dia. Fizemos poucos shows e não viajamos muito porque foi difícil conciliar as agendas, mas foi uma época em que aprendi muito. Antes disso, quando o encontrava, eu falava para ele dessa minha vontade de fazer uma parceria em algum momento. Um tempo depois, ele me ligou dizendo que havia recebido um convite para tocar no Tom Jazz, em São Paulo, e que queria fazer uma improvisação comigo. Gravamos dois CDs e um DVD. Foi tudo muito rápido, mas muito intenso para mim. Ele deixou uma verdadeira escola para a música brasileira com sua obra. Mas ele faz muita falta e continuará fazendo. Sua energia é insubstituível. VOCÊ COSTUMA RESSALTAR A IMPORTÂNCIA DE ÉRICO VERÍSSIMO PARA SUA CARREIRA. COMO ELE O INFLUENCIOU?

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De diversas maneiras. Ele é um verdadeiro pilar da cultura brasileira e da cultura gaúcha. Universalizou a história da nossa região, principalmente com a obra O tempo e o vento. Eu vim a ler a obra dele bem depois de ter deixado o Rio Grande do Sul, o que me deu uma enorme nostalgia e me inspirou a fazer um CD chamado Lida, que tinha essa temática mais gaúcha mas, mais importante do que isso, era de música regional com alma liberta, como a obra do Veríssimo. Depois, fiz outro disco inspirado em um capítulo da mesma obra e já estou planejando um terceiro. O QUE LEVOU UM GAÚCHO TÃO TRADICIONAL A SE ESTABELECER NO RIO DE JANEIRO, ONDE VOCÊ VIVE HOJE?

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Meu primeiro casamento foi com uma carioca, em 2001, quando me mudei para cá. Desde então eu tinha esse objetivo de morar no Rio para aprender a linguagem do choro. Quem vive da cultura popular tem que estar no lugar certo para aprender, porque música é muito além da técnica. É importante vivenciar a cultura de cada estilo musical. Por isso estou há 14 anos aqui e foi onde construí minha família. VOCÊ VÊ NOS SEUS FILHOS A CONTINUIDADE DA HERANÇA MUSICAL FAMILIAR QUE VOCÊ TRAZ?

Eles são muito pequenos ainda, mas a música faz parte da vida deles desde sempre também. Apesar de o contato deles com essa arte não ser tão intenso como foi para mim, que vivia acompanhando a minha família em shows porque meus pais não contavam com a ajuda de ninguém para cuidar de mim e do meu irmão, nossa casa é totalmente musical. Minha esposa é violonista também. Então, respiramos música 24 horas por dia. Para mim, é uma alegria poder viver a música por prazer e por trabalho. Meus filhos têm apenas quatro e dois anos e, mesmo que não venham trabalhar no meio musical, já pensam na música como um bem comum.

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NO AR, SESI PLAY A SESI-SP Editora acaba de lançar a plataforma Sesi>Play, uma área de streaming de vídeos e áudio das produções apoiadas pela área de cultura do SESI-SP. Os valores de aquisição são bastante acessíveis e o usuário poderá baixar via streaming todo o conteúdo de vídeos da Editora. O acervo conta com peças de teatro (Mistero Buffo, Crônicas de cavaleiros e dragões, Menor que o Mundo), apresentações infantis (Criaturas e Almanaque da banda gigante), colóquios (Ugo Giorgetti e Gregório Bacic, José Arthur Giannotti, Maria Thereza Vargas, Chacal, Emicida) e musical, como o DVD da quinta edição da Mostra SESI de Música Instrumental, no qual você confere, para comemorar esse lançamento e a entrevista do Yamandu para a revista Ponto, gratuitamente, a apresentação do músico nas canções Mangoré e Sarará.

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P O N ES TO P EC IA L

UM RETRATO DOS IMIGRANTES POR JOÃO KULCSÁR

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Foto: Museu da Imigração de Ellis Island

A foto da esquerda, de Augustus Sherman, retrata uma mulher rutena do antigo reino de Rutência, que chegou a estender-se da Ucrânia ao nordeste da Romênia. A foto da direita é de autoria desconhecida.

No período que percorre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX, milhões de pessoas se deslocaram da Europa para a América. Ellis Island, em Nova York, EUA, e a Hospedaria dos Imigrantes no Brás, em São Paulo, Brasil, foram dois importantes pontos de desembarque, tornando esse período histórico de imigração de massa, por um lado, progressista, por outro, um ambiente de conflito e xenofobia. Retrato tirado em Nova York (EUA), de autoria desconhecida.

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Imigrantes vindos de países com idiomas e culturas diferentes, fugindo de guerras, industrialização, perseguições religiosas e políticas ou simplesmente da fome que “assolou” países europeus, chegaram dispostos a trabalhar e a virar a página de suas histórias de medo e sofrimento. As famílias vinham em navios com precárias condições sanitárias que favoreciam a proliferação de doenças contagiosas e até mesmo a morte, em rotas que levavam semanas. Os homens, mulheres e crianças desembarcavam no porto de Santos e de Ellis Island com baús, malas e tralhas repletas de sonhos, desejos e esperanças, se aglomeravam em seus pátios, dormitórios e refeitórios e aguardavam o momento de seguirem rumo às terras promissoras e prósperas. HOSPEDARIA DOS IMIGRANTES NO BRÁS

Inaugurada em 1887, a Hospedaria tornou-se local de abrigo na chegada ao país. Passaram por ali mais de 2,5 milhões de pessoas entre 1887 e 1978, que deixaram marcas indeléveis na cultura do país e na constituição do povo brasileiro. Diferentemente dos Estados Unidos, que selecionavam os imigrantes, o Brasil convidava os povos europeus para virem ao país e praticamente deixava todos entrarem.

Museu da Imigração (APESP)

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Desembarque em São Paulo. Autoria desconhecida.

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P O N ES TO P EC IA L

ELLIS ISLAND EM NOVA YORK

A Ilha de Ellis recebeu, entre 1892 a 1924, cerca de 12 milhões de pessoas de diversas nacionalidades – tornando-se a ilha de esperança ou de lágrimas para aqueles que não conseguiam passar pelas exigências de letramento, de saúde, ou provar que tinham recursos para se manter inicialmente nos EUA. Os reprovados eram mandados de volta ao país de origem, enfrentando novamente a longa viagem.

Museu da Imigração de Ellis Island

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Imigrantes chegando em Ellis Island, Nova York, em 1907.

REGISTROS FOTOGRÁFICOS — RETRATO

No campo da fotografia, o gênero retrato sempre foi o mais praticado e suas mudanças estéticas mostram a linha do tempo da própria evolução imagética. Nas imagens deste artigo é possível perceber que o retrato de uma pessoa ou de um grupo remete a complexas questões culturais, ideológicas, sociológicas e psicológicas, que provocam reflexões sobre nossa própria identidade. Aqui estes retratos contêm um registro fascinante e impressionante de rostos e expressões que seriam, de outra maneira, desconhecidos ou esquecidos há muito tempo.

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ACERVO DO MUSEU DA IMIGRAÇÃO NO BRASIL

As fotos do acervo do Museu da Imigração, em São Paulo, têm sintonia com as do fotógrafo americano Sherman. São registros das pessoas que chegaram ao Brasil e passaram pela Hospedaria do Imigrante, a qual funcionava exatamente no prédio que hoje abriga o Museu. As imagens deste acervo tiveram duas fontes: a primeira com fotografias de passaporte dos imigrantes e a segunda como parte formal dos registros oficiais da instituição. FOTOGRAFIAS DE SHERMAN NOS EUA

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Augustus F. Sherman foi funcionário administrativo em Ellis Island e fotógrafo amador. Entre os anos de 1905 e 1920, registrou os imigrantes que chegavam à ilha, ponto de inspeção para os viajantes. As fotos, seguindo as convenções de pose da época, eram produzidas quando os imigrantes eram conduzidos para entrevistas suplementares, pois assim havia mais tempo para o registro de uma imagem satisfatória de um indivíduo, de um grupo ou de uma família, com trajes tradicionais mais elaborados ou folclóricos de seus países de origem. Ao colocarem as vestimentas, os imigrantes mudavam de expressão, determinando assim um instante que evocava as reminiscências da terra deixada para trás, os medos do desconhecido e a esperança de uma nova oportunidade. Nas imagens também transparecem a variedade, a riqueza, as aspirações e ansiedades depois de uma jornada extensa. Eles almejavam, entre outras expectativas, serem aceitos no novo país. A aura do retrato e a carga de energia que aquelas pessoas carregavam, percebida pelo olhar, pela pose e pelas vestimentas, transpassam a intenção técnica do fotógrafo e conseguem mostrar ao mesmo tempo, em única imagem, o passado, o presente e o futuro. Sherman documentou não só a variedade e a riqueza da herança étnica de cada um, mas contribuiu também com projeto maior de categorização e de tipologia etnográficas típicas daquele momento histórico. Seu trabalho encontra-se na mesma linhagem de Edward Curtis sobre os índios norte-americanos e de August Sander, o retrato do povo alemão. DESLOCAMENTOS E DIREITOS HUMANOS

Estas imagens evocam questões como a da movimentação humana entre países, que sempre deixa traços na demografia, na cultura, na sociedade, na economia, na arte e no sotaque, contribuindo assim para a multiplicidade étnica e a miscigenação. A migração não é um fenômeno vinculado ao passado. Os

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deslocamentos continuam a acontecer pelo mundo pelos mesmos motivos que vimos no início do texto. Assim, ver retratos de imigrantes nos fomenta a reflexão sobre estes ciclos permanentes, o repertório estético, a valorização da diversidade cultural e, fundamentalmente, a questão do deslocamento de pessoas e dos direitos humanos. AFINAL SOMOS TODOS IMIGRANTES! O assunto retratado nas páginas anteriores, bem como as imagens, estão mais aprofundados no livro Retratos de Imigrantes, que a SESI-SP Editora acaba de lançar. JOÃO KULCSÁR tem mestrado em artes pela Universidade de Kent, Inglaterra (1996/7) como bolsista do The British Council. Foi professor visitante na Universidade de Harvard (2002/3) como bolsista da Comissão Fulbright. É professor do Senac-SP desde 1990. É autor do livro Herança compartilhada, com Matthew Shirts (Editora Sesc-SP e Senac-SP). É organizador do livro Retratos de Imigrantes, da SESI-SP Editora. Editor do site www.alfabetizacaovisual.com.br.

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Retratos Imigrantes Imigrantes, lançado em março deste ano pela SESI-SP Editora.

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ILUSTRAÇÃO PASSA A TER SIGNIFICADO DE PALAVRA POR ANA PAULA DA COSTA CARVALHO DE JESUS

Ilustração: imagem ou figura de qualquer natureza com que se orna ou elucida o texto de livros. Esta definição, encontrada em diversos dicionários com estas ou palavras próximas, possui vários pontos de interrogação e um sinal amarelo para quem percebe e sente as ilustrações dos livros infantis do mundo moderno. E ainda, quando recorremos às acepções de ilustrar e encontramos significados como esclarecer, elucidar, comentar, explicar, instruir e exemplificar, o sinal amarelo rápido se transforma em vermelho para quem verdadeiramente reconhece o valor das ilustrações no mundo contemporâneo.

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Ilustração que consta do livro Lauka e o Guarda-chuva.

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Mas por que sinal amarelo ou vermelho nesta questão? Vamos a um rápido teste de percepção. Olhe a imagem abaixo e tente reconhecer o que ou quem seria: um menino? Uma criança? Um humano? Um animal?

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E se pedíssemos para você reconhecer nesta imagem uma famosa personagem das histórias infantis? Pois bem, talvez não seja uma tarefa tão fácil se precisarmos a rapidez e o instantâneo. A imagem ao lado carece de um tempo de observação que pode variar de pessoa para pessoa. Um tempo para desconstruí-la, olhá-la metonimicamente. Percebem-se mãos, braços, pés, olhos, óculos (?), cabelos, um corpo, uma roupa (?) e um elemento fundamental para chegarmos a uma conclusão: um nariz. Um nariz estranho, não muito no lugar, deformado, mais parecendo um foguete, mas um nariz. E este elemento estranho mais todo o contexto de origem desta imagem nos levam a crer que se trata da representação de uma bruxa, por exemplo aquela que prende duas criancinhas dentro de uma casinha de doces. A modernidade implica valores que nos desafiam. O novo aparece e começa a fazer parte de nossa vida, tão marcadamente, que torna impossível qualquer atitude de passividade. Assim é com a pintura, com a música, com o cinema... e com a literatura _ expressões de linguagens que propõem novidades a cada uma de suas novas manifestações. O que fazer diante das novidades que nos afrontam e inquietam? Alguns estranham, outros resistem, recusam, e outros simplesmente aceitam. A modernidade, porém, implica algo mais do que simples aceitação. Ela constitui a expressão de novas formas e de novos valores que se impõem como desafiadores, seja para o universo sensível, seja cognitivo. Neste sentido, é possível convergir para a literatura infantil _ área de construção e expressão de conhecimento que ganha destaque por suas construções de linguagem marcadas pela especificidade da composição, o que recai numa estética discursiva. E, ainda, a ilustração do livro infantil vem se destacando e apresentando uma qualidade plástica por não se mostrar mais como simples complementação do texto verbal, mas, sim, por adquirir significados e expressão estética. Já que citamos a expressão estética, lembremo-nos desta passagem:

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“As histórias para crianças devem ser escritas com palavras muito simples, porque as crianças, sendo pequenas, sabem poucas palavras e não gostam de usá-las complicadas”. Palavras de algum crítico literário infantil? Não. Palavras de José Saramago, em A maior flor do mundo. Quem concordaria com tal afirmação? Professores, pais, escritores e críticos? Afinal, o texto que se destina à criança deve possuir uma linguagem simples? Será verdade que as crianças não gostam de palavras

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complicadas? Como crítico, o escritor ironicamente abre sua narrativa infantil desta maneira para o leitor, seja a criança ou o adulto, pensar sobre a questão. Apesar de estarmos em pleno século XXI, ainda faz parte do senso comum acreditar que o texto literário infantil exige simplicidade a fim de atender as expectativas do leitor mirim. Entretanto, as palavras de Saramago vêm justamente nos alertar do contrário. Não é o que realmente pensava e fazia o escritor. Há uma brincadeira com seus leitores, pois sua história é altamente elaborada, não existe simplicidade nem na linguagem, nem na forma da narrativa em Saramago. Não à toa que A maior flor do mundo é uma excelente obra para discutir questões teórico-literárias como a importância do ato de narrar, por exemplo. E a ilustração do livro para criança? Precisa ser “simples” também? Junto com o texto sensível de Saramago, o livro ganha destaque com as ilustrações de João Caetano, que apresenta ao leitor imagens altamente sofisticadas em sua composição plástica, imagens de qualidade estética que caracterizam o lado plástico da obra, pois, além de compor o texto verbal de Saramago, ampliam suas significações. Como se configura, então, esta relação entre autor e ilustrador? Entre texto e ilustração, entramos num terreno de palavras complicadas, pois o ilustrador é também autor e a ilustração é também texto, ou seja, tudo é texto e imagem. Explicações... A literatura infantil contemporânea tem o privilégio de contar com a participação de dois artistas: o escritor e o ilustrador. Porém, culturalmente, o destaque maior sempre foi para o autor; há algum tempo, o nome do ilustrador não aparecia nos créditos do livro. Felizmente, esse problema vem sendo superado e o artista visual ganha espaço e reconhecimento. Porém, a problemática é outra: a ilustração enquanto composição narrativa tem sempre qualidade artística? Sabemos que existem livros cuja ilustração é apenas um complemento da palavra e, apesar de a função poética revelar-se como dominante em muitos textos verbais, isso não acontece em relação à ilustração. Entretanto, é importante considerar o destaque que o livro infantil está ganhando nos últimos tempos. Notamos uma preocupação de autores e editoras que propõem, hoje, o livro como um objeto cuja seleção do papel, jogo de fontes, tipos gráficos, tamanho e composição das letras expressam um cuidado extremado que extrapola a composição verbal e amplia-se para a articulação palavra-imagem, ou seja, o projeto gráfico dos livros infantis, hoje, ganha uma dimensão altamente sofisticada ao pensar em todos os elementos que o compõe. Em relação à ilustração, especificamente, observamos que ela, de forma efetiva,

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vem adquirindo destaque, pois não se apresenta mais como simples complementação do texto verbal, mas, ao contrário, adquire significado e expressão estética. Em diversas obras, flagramos a palavra tornando-se imagem e a imagem tornando-se palavra. Assim, podemos dizer que há uma plasticização da palavra, transformando e propondo o livro infantil como objeto provido de qualidade plástica. Podemos, assim, criar a ideia de uma cadeia imagética. Veja: o autor, ao construir sua obra, pode ter como ponto de partida uma imagem mental, para, então, criar o texto verbal; o leitor, por sua vez, pode partir da palavra e construir uma imagem mental (não importando se esta equivale à do autor); seja qual for o caminho, não podemos falar de um elemento – verbal ou imagético _ sem levar em consideração o outro. Porém, além do autor e do leitor, não podemos esquecer de um outro elemento que participa ativamente quando se trata de literatura infantil: o ilustrador. Este, por sua vez, tem uma função que se aproxima da do poeta: propagar imagens visuais. A cadeia de criação textual se constitui da imagem mental à palavra do escritor. O trabalho do ilustrador passa, então, a criar representações visuais. A criança, por sua vez, enquanto receptora, tem a oportunidade de entrar em contato com imagens constituintes de dois tipos de códigos diferentes: o imagético e o verbal. Assim, o texto literário é gerado por uma imagem mental da qual surge a palavra e para qual se volta a representação visual, ou seja, a literatura é, na sua origem e no seu fim, puramente imagem.

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No caso da literatura infantil, se a ilustração for de qualidade estética, a criança pode ser motivada à criação de imagens mentais a partir da representação visual, isto é, o leitor mirim, até aquele não alfabetizado, pode entrar em contato com a literatura antes mesmo de saber ler. Assim, o texto literário infantil pode iniciar uma educação do olhar; pode ensinar valores estéticos por um código que não o verbal. Quando o livro une os dois códigos, a criança tem a oportunidade de apreender a informação estética por duas linguagens concomitantes. A ilustração constitui, então, um elemento fundamental na educação do olhar infantil. Monteiro Lobato foi o primeiro escritor, no Brasil, a preocupar-se com a ilustração; na sua época, chamou Voltolino, o mais importante caricaturista de

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São Paulo, no início do século, e outros artistas de renome para dar vida aos seus livros que compunham histórias do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Antes de Lobato, a literatura infantil, publicada no Brasil, contava com imagens francesas de Gustave Doré, o mesmo que ilustrava os livros de Perrault e La Fontaine. Muitas vezes, a ilustração servia apenas para preencher espaços vazios, funcionando como “tapa-buraco”.

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Na década de 1970, surge a revista Recreio e, com ela, ilustradores como Rogério Borges, Paulo Tenente e Walter Ono. Escritores iniciantes como Ana Maria Machado, Ruth Rocha e outros passam a trabalhar com esses mesmos ilustradores. Na década de 1980, o mercado editorial começa a dar importância efetiva à ilustração e ao projeto gráfico do livro; os críticos falam no “boom da imagem”. Desta forma, pensar na ilustração do livro infantil é ver a imagem não a serviço do texto verbal. O ilustrador, tal como o poeta, representa em imagens visuais as imagens mentais suscitadas pela palavra. Como não há limites para a imaginação, o ilustrador pode até extrapolar o texto verbal, informando algo que a palavra não chega a expressar. É a literatura infantil educando o olhar dos pequenos e preparando-os para o mundo ficcional. Assim, o

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ilustrador que, na atualidade, equipara-se à importância do autor, apresenta ao leitor mirim uma linguagem plástica permeada de função poética. No Brasil, certamente, a relação palavra-imagem é a qualidade maior da literatura infantil nos tempos atuais, seja nas produções nacionais ou estrangeiras. Existem, hoje, várias classificações como livro ilustrado, livro de imagem ou livro com ilustração, mas reconhecemos fundamentalmente uma expressão estética que a relação altamente semiótico-literária assume nestes livros. Assim, lembramos que a literatura infantil brasileira vem adquirindo, desde o final do século XX, qualidades significativas e atingiu um status altamente complexo, isto é, polifônica, com um emaranhado de códigos que assumem uma coerência enriquecedora. A literatura infantil vem exigindo leitores altamente competentes. No sentido de apreender o estético, será mesmo que a literatura infantil precisa pretender a criança? Ou melhor, somente a criança? O texto literário infantil é antes de tudo literário, mas, por ter algumas características especiais como a relação com outros códigos, eleva-o à condição de infantil, uma vez que apresenta uma relação de comunhão com dois códigos: o verbal e o visual. Então, o livro pode se dirigir a priori à criança, mas é tão empolgante para qualquer outro leitor, o juvenil ou o adulto. Este é mais um fator de destaque para a literatura infantil, um tratamento um tanto irônico que visa a um leitor implícito, mas abarca outros involuntariamente.

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Assim, arriscamos dizer que a literatura infantil contemporânea apresenta-se como uma literatura de vanguarda. Rompe com sua primeira função de educar por meios morais e mostra-se à criança de forma dialógica, isto é, com vozes que se complementam _ verbal e não verbal _, que se unem por características poéticas e acabam por contribuir com a aprendizagem do estético. Como um leitor em desenvolvimento ou a criança compreende e decodifica os códigos de um livro infantil ilustrado? Ou, como são produzidos os significados? A resposta refere-se ao modo de construção do texto, ou seja, pelo acúmulo de tipos de significados interligados, de denotação ou conotação, significados intertextual e intratextual. Quanto mais complexas as camadas de significados, mais difícil será para o leitor produzir um significado próximo ao que o escritor ou ilustrador demonstra.

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A criança, pensando nela como primeiro leitor a que se destina o livro infantil ilustrado, passa pelo processo de desconstrução do texto literário na medida em que, metonimicamente, ela junta as partes até formar o sentido global do texto. Mas também a criança é bastante desconstrutora no que diz respeito à percepção de mundo. Ela tem menos experiência social, o que a torna desapegada de algumas convenções sociais e, consequentemente, mais livre para o imaginário, ponto-chave para um leitor de literatura. A criança desconstrói o real e constrói despropósitos, usando o termo do poeta Manoel de Barros que, a propósito, vale lembrar que, de maneira sensível, mostra como é importante exercitar o ser criança em seu livro Exercícios de ser criança. Voltemos àquela imagem do começo de nosso texto, a bruxa. Essa ilustração faz parte do livro João e Maria, com texto integral dos irmãos Grimm e com ilustrações da artista tcheca Kveta Pacovská. A novidade, neste livro, não é o texto verbal, uma vez que a versão dos irmãos Grimm para esta história já é muito conhecida. Entretanto, quando se junta ao texto dos recolhedores de histórias uma ilustração de alta plasticidade, como é o caso, percebemos que o texto ganha novas dimensões estéticas. O texto verbal é o mesmo há aproximados duzentos anos. O que pode levar a pensar que João e Maria não apresenta mais nenhuma novidade. Engano. Se o texto dos autores já é amplamente conhecido, mesmo que por flashes, como a casinha de doce e duas crianças perdidas numa floresta, existem imagens que ainda são passíveis de criação e é aí que entra o trabalho dos ilustradores. Se a palavra não conta mais, pois a história está cristalizada, o texto visual tem muito ainda o que contar, as possibilidades de ilustração são inúmeras para um texto quando se é rico em imagens. E essa é uma tendência da atualidade. Os contos populares, recolhidos pelos autores clássicos, Perrault e irmãos Grimm, têm sido cada vez mais foco dos ilustradores que perceberam o vazio que havia no que diz respeito às ilustrações de qualidade. Sempre houve as ilustrações desses famosos contos clássicos, mas muitas delas repetitivas ao texto, com imagens muito previsíveis, reconhecíveis, sem desafio à percepção do leitor, como é o caso da imagem de domínio público na página a seguir (à esquerda). Qualquer leitor reconhecerá esta personagem como a Chapeuzinho Vermelho. É fácil, rápido e certo. Sem desafios à percepção do leitor. Uma ilustração como esta foi passada por anos, sempre com os mesmos códigos, uma capinha toda vermelha e formas reconhecíveis de uma criança. Será o mesmo que sentimos na imagem a seguir (à direita)?

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A ilustração à direita é da artista alemã Susanne Janssen. Sua Chapeuzinho é estranha, deformada, esquisita. Se aquela brincadeira do começo fosse feita com esta imagem, a dificuldade talvez fosse a mesma para identificá-la como Chapeuzinho Vermelho. Onde está a capinha? Que olhar é este? Por que uma cabeça muito maior que o corpo? Entretanto, algo importante: a cor vermelha, ou melhor, a sugestão do vermelho pela boina, lábios e saia. Uma ilustração icônica. Neste sentido, é importante lembrar das palavras de Gaston Bachelard: “Pretende-se sempre que a imaginação seja a faculdade de formar imagens. Ora, ela é antes a faculdade de deformar as imagens fornecidas pela percepção, é sobretudo a faculdade de libertar-nos das imagens primeiras, demudar as imagens. Se não há mudança de imagens, união inesperada das imagens, não há imaginação, não há ação imaginante. Se uma imagem presente não faz pensar numa imagem ausente, se uma imagem ocasional não determina uma explosão de imagens, não há imaginação. Há, percepção, lembrança de uma percepção, memória familiar, hábito de cores e das formas. O vocábulo fundamental que corresponde à imaginação não é imagem, mas imaginário. O valor de uma imagem mede-se pela extensão de sua auréola imaginária. Graças ao imaginário, a imaginação é sempre aberta, evasiva. (...) Uma imagem que abandona seu princípio imaginário e se fixa numa forma definitiva assume pouco a pouco as características da percepção presente. Uma imagem estável e acabada corta as asas à imaginação.” Uma tendência das novas ilustrações: deformar as imagens! Segundo a artista Kveta Pacovská, “as imagens de um livro infantil são a primeira galeria que as

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crianças visitam”. Esta é uma ideia muito interessante. O livro infantil ilustrado pode possibilitar à criança ou a qualquer leitor um contato com obras de arte, desde que as ilustrações sejam plásticas e possibilitem uma experiência e experimentação estética. As imagens não são prontas, é preciso decodificá-las, senti-las, como é o caso das ilustrações do livro A menina amarrotada, de Aline Abreu:

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Assim, retomando as ideias do começo deste texto, propomos que os significados das palavras ilustração e ilustrar sejam revistos quando pretendemos falar do livro infantil, pois tais ilustrações não precisam explicar o texto verbal; a ilustração, hoje, rompe com seus objetivos originais, de simplesmente ornar a palavra. A imagem visual pode ser tão rica quanto o texto verbal, ou até extrapolá-lo. Vejamos a imagem de Rafael Antón, em A incrível história do homem que não sonhava:

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Não podemos, ainda, deixar de lado os livros de imagens, aqueles apenas com ilustrações, sem a presença do texto verbal. São livros interessantíssimos, uma vez que propõem ao leitor uma nova forma de percepção: ler imagens e não palavras. É a literatura infantil e sua multiplicidade de códigos desafiando qualquer leitor do mundo contemporâneo.

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ANA PAULA DA COSTA CARVALHO DE JESUS é mestre em Literatura e Crítica Literária, professora de Ensino Fundamental, Graduação e Cursos de Extensão. Presta assessoria de Literatura Infantil para Escolas e Editoras.

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OS ILUSTRADORES FALAM ALINE ABREU, ESCRITORA E ILUSTRADORA, AUTORA DE A MENINA AMARROTADA, DA JUJUBA EDITORA. VOCÊ DIZ QUE SUAS FERRAMENTAS DE TRABALHO SÃO PALAVRAS E IMAGENS. NA CONCEPÇÃO DE UM NOVO PROJETO, DE UM NOVO LIVRO, QUEM CHEGA PRIMEIRO: A PALAVRA OU A IMAGEM? POR ONDE VOCÊ COMEÇA SEU PROJETO: PELO TEXTO VERBAL OU VISUAL?

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Foi no exercício de criação de textos ilustrados que comecei a pensar sobre sua natureza híbrida justamente por sentir que há uma circularidade na forma como vão surgindo: imagens que nascem de palavras que nascem de imagens... Uma forma de tentar explicar esse processo de criação é imaginar um vocabulário composto por palavras e imagens em pé de igualdade, onde o escritor vai buscar a unidade que melhor representa uma ideia ou sentimento. VOCÊ ADOTA COMO CONCEPÇÃO ARTÍSTICA O TERMO “DESENPALAVRAS”. EM QUAL DOS SEUS LIVROS VOCÊ ACHA QUE O TERMO SE ENCAIXA MELHOR? E VOCÊ USARIA TAMBÉM ESTE TERMO PARA AS ILUSTRAÇÕES DE QUEM?

O termo “desenpalavra” surgiu como uma brincadeira em minhas reflexões durante o fazer. Foi uma tentativa de expressar a natureza híbrida do texto ilustrado. Hoje considero que nos casos mais bem-sucedidos de livros com textos realmente híbridos o design gráfico entra na equação de modo que palavra-imagem-design atuem juntos na composição de um texto único no qual se alternam em protagonismo. Em determinados momentos a palavra está em evidência, em outros, a imagem, em outros ainda a materialidade ou o espaço proposto pelo projeto gráfico se destaca. Dos meus livros considero que A menina amarrotada seja o primeiro em que consegui efetivamente trabalhar com esse vocabulário híbrido palavra-imagem-design. Dos autores estrangeiros que admiro destacaria Anne Herbauts e Shaun Tan. No Brasil temos Odilon Moraes, Renato Moriconi, Angela Lago, Eva Furnari, André Neves, e muitos outros.

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DEPOIS DE VÁRIOS LIVROS PUBLICADOS, O QUE HOJE VOCÊ PERCEBE QUE NÃO PODE FALTAR EM SUAS DESENPALAVRAS?

Neste momento o que mais me mobiliza é a atenção aos silêncios entre as falas dessas linguagens entrecruzadas. Encontro nesses silêncios as possibilidades de leituras inúmeras, ou seja, o potencial poético a ser desvendado, senão escrito, pelo leitor ativo.

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PARA SER ILUSTRADOR DE LIVROS INFANTIS, É PRECISO...

Estimar as palavras. E não me refiro ao lugar comum _ se bem que verdadeiro _ que define o ilustrador como leitor experiente. Quero dizer com isso que, ao receber um texto para ilustrar, a atenção a cada uma das palavras, no caso da literatura infantil, deve ser a mesma dedicada no contexto da poesia. Os livros infantis têm textos verbais curtos e cada uma das palavras é escolhida com um propósito muito específico. Essas poucas palavras, em sua arquitetura cuidadosamente pensada, não raro, contam muito, deixam espaços. Penso que assim também devem ser as imagens propostas pelo ilustrador: quando entremeadas no texto verbal a abrir janelas para outras narrativas possíveis _ verbais e visuais _ não devem ocupar completamente os espaços deixados pela palavra.

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RAFAEL ANTON, ILUSTRADOR E AUTOR DA OBRA A INCRÍVEL HISTÓRIA DO HOMEM QUE NÃO SONHAVA, DA SESI-SP EDITORA. A ILUSTRAÇÃO VEM GANHANDO UMA IMPORTÂNCIA CADA VEZ MAIOR NO MERCADO DOS LIVROS, DEIXANDO DE SER APENAS UM COMPLEMENTO DA PALAVRA. VOCÊ CONCORDA? COMO ENXERGA ISSO?

Concordo plenamente. É difícil imaginar um relato infantil sem a ilustração. O pequeno se encanta em primeiro lugar com a imagem e cada vez mais a ilustração infantojuvenil está sendo vista como arte, o que atrai também o público adulto, que desfruta lendo para os pequenos. Agora, dá para entender um livro só com imagens? Acho que dá, perguntem aos menores. Sou um colecionador de livros de todos os países. Às vezes pego, por exemplo, uma história japonesa e conto para os meus filhos só seguindo

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a linguagem visual. Eu, particularmente, gosto cada dia mais do livro-imagem, e cada vez tem mais ilustradores e editoras interessadas em publicar. O QUE VOCÊ GOSTA MAIS DE FAZER: A PARTE DO TEXTO OU DA ILUSTRAÇÃO?

Bom, penso que depois do que já falei ficou óbvio. Sou autodidata em todos os aspectos e, até agora, a melhor maneira que encontrei para me comunicar é a imagem, sobretudo para transmitir emoções ou descrever sentimentos. QUANDO VOCÊ PENSA A HISTÓRIA DO LIVRO, COMEÇA PELAS ILUSTRAÇÕES OU MONTA UM TEXTO E DEPOIS O TRANSFORMA EM IMAGEM?

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Primeiro vem a ideia, mas ela só vai enriquecendo na medida em que vou transformando-a em imagens. É com os desenhos que tento contar a história, um exercício que me ajuda a enriquecer o relato. Uma vez que consigo enxergar a narrativa com os rascunhos, começo a bagunçá-los com anotações e é essa mistura toda que me leva à escrita final. Esse é o grande desafio, conseguir contar a minha história, baseando-me só nas imagens que vejo, mais ou menos como os trovadores medievais. O QUE É PRECISO PARA SER ILUSTRADOR DE LIVROS INFANTIS?

Primeiro, resgatar a criança que levamos dentro. Depois, não sei, cada um tem seu jeito de se expressar no papel. Conheço grandes ilustradores que não sabem desenhar do ponto de vista acadêmico, mas conseguem transmitir emoções com mais sutileza que ninguém, com traços tortos e manchas de cor. Depois vem o estudo e a prática, mas, o mais importante de tudo, é o diálogo com os pequenos. É a única coisa em que penso. Existem renomados e premiados autores que são reconhecidos (admiro algum deles) apenas pelo público adulto. Eu tento ver pelos olhos de uma criança. Para mim, isso é o mais importante. QUEM SÃO SUAS REFERÊNCIAS?

Foi na Alemanha, depois da vinda do meu primeiro filho, que comecei a interessar-me pelo universo da ilustração infantil. As minhas primeiras referências foram artistas alemães, e os que mais me influenciaram no começo foram a Wolf Erlbruch, Jutta Bauer e Ali Mitgutsch (de descendência turca). Outros autores que me influenciaram muito pelo traço diferente e original foram os geniais Bernd Pfarr e Martin Tom Dieck. Admiro Picasso, Schiele, Klimt , Basquiat... Bom, a lista é interminável.

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ALEXANDRE CAMANHO, AUTOR E ILUSTRADOR, PELA SESI-SP EDITORA, DOS LIVROS LAUKA E O GUARDA-CHUVA, O GALO E A RAPOSA E A VIDA É UM TREM.

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A ILUSTRAÇÃO VEM GANHANDO UMA IMPORTÂNCIA CADA VEZ MAIOR NO MERCADO EDITORIAL, DEIXANDO DE SER APENAS UM COMPLEMENTO DA PALAVRA. NO CASO DOS SEUS LIVROS, QUE PRESCINDE DELAS, SEMPRE FOI UMA OPÇÃO CONTAR A HISTÓRIA POR MEIO DAS IMAGENS?

Sim, uma opção pelo desenho. Tenho formação em artes plásticas com ênfase em desenho e gravura. Eu penso a estrutura e os conteúdos por meio da linha, a linha que se presta tanto ao desenho quanto à escrita. Nos livros A vida é um trem e O galo e a raposa, decididamente a opção foi contar a história através das imagens, penso que as imagens abrem as possibilidades além da história que está sendo contada.

37 QUANDO VOCÊ PENSA A HISTÓRIA DO LIVRO, COMEÇA PELAS ILUSTRAÇÕES OU MONTA UM TEXTO E DEPOIS O TRANSFORMA EM IMAGEM?

Sempre penso o projeto de um livro por meio das imagens; não quer dizer que eu não possa lançar mão do texto. A relação de texto e imagem para mim é a da trilha sonora para o filme. Texto é som e moldura para os desenhos que comporão o livro. O QUE É PRECISO PARA SER ILUSTRADOR DE LIVROS INFANTIS?

Não tenho resposta para esta pergunta. Sou um adulto que já foi criança, não posso pensar como criança ou imaginar o que uma criança gostaria de ver e ler. O que faço é pensar em uma aproximação ao mundo das crianças e dirigir-me a elas com o melhor do meu trabalho sem concessões; não faço um desenho fácil e bonitinho para agradar. QUEM SÃO SUAS REFERÊNCIAS?

Dentro do meu trabalho existem muitas referências e conversas que estabeleço com vários artistas, porém na ilustração existe um artista muito importante, que é Alfred Kubin.

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Ilustração: Thinkstock

SESI-SP EDITORA E LUIZ BRAS CONVIDAM LEITORES PARA ESCREVER ROMANCE JUVENIL INTERATIVO

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Luiz Bras aceitou o desafio: escrever um romance de aventura, para jovens, incorporando as melhores sugestões dos leitores.

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Luiz escreveu o primeiro capítulo, que será publicado na íntegra, no blog da SESI-SP Editora: sesispeditora.com.br/participedoromance. A partir da leitura desse capítulo inicial (veja um trechinho ao lado), todos os leitores poderão opinar, na página da Editora, sobre o desenvolvimento da história. As melhores sugestões serão incorporadas ao enredo, pelo autor, que planeja publicar um novo capítulo a cada quinze dias. Aliás, o romance ainda não tem um título, porque o Luiz Bras gostaria de ouvir as sugestões dos leitores. A nova história se passa numa cidade imaginária chamada Cobra Norato, que já foi cenário de outros romances juvenis do autor: Ventania brava, Babel Hotel e Sonho, sombras e super-heróis. Cobra Norato é uma cidade muito diferente das outras cidades do mundo. Ela não tem muitas ruas e esquinas. Não, lá não há nada disso, nem qualquer tipo de cruzamento ou bifurcação. A cidade foi construída em torno de um morro e tem uma só avenida: a avenida Oroboro. Primeiro, no topo do morro, foi erguida a famosa Torre de Babel, o ponto turístico mais conhecido da cidade. Depois, a partir da Torre, descendo e contornando o morro, foram surgindo espontaneamente os primeiros casarões e os primeiros estabelecimentos comerciais. A única avenida da cidade é uma espiral perfeita, como se tivesse sido desenhada com régua, esquadro e compasso. Mas não foi. Trata-se, de fato, de uma única e longa espiral perfeita, porém ninguém sabe dizer como foi que isso aconteceu. A história _ ainda sem título _ girará em torno de uma misteriosa semente da purificação, defendida por índios amazônicos e cobiçada por um grande laboratório farmacêutico. Essa semente mítica tem qualidades sobrenaturais, por isso é tão importante e desejada. Quando plantada em solo fértil, ela dará origem à árvore da luz. PERSONAGENS DO PRIMEIRO CAPÍTULO:

Fausto: um velho empresário de noventa anos, presidente e principal acionista de um grande laboratório farmacêutico. Tatu: um rapaz franzino, de uns quinze anos, pele muito branca e cabelo vermelho, apaixonado por informática, pilotando uma cadeira de rodas.

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_ Você tá morto? Não, querido. Começamos mal. O tom está errado. Não foi uma pergunta seca, foi uma constatação molhada. _ Você tá morto. Quase isso. É preciso corrigir a pronúncia. Sinta só essa unidade horrível. Não estamos numa tarde ensolarada, não há bem-te-vis nem borboletas. É madrugada, e chove muito. Foi um pouco menos intensa, a afirmação. Com menos ênfase no morto. _ Você tá morto… Perfeito. Foi exatamente assim que o rapaz falou. Com espanto contido. Entre a admiração e o sobressalto. Entre o sobressalto e o medo. Morto? Eu? Essa possibilidade estava adormecida lá longe, trancada no subsolo de tua mente sonolenta, e o rapaz a acordou com três palavras curtas, cortantes: _ Você tá morto… Eu? Morto? Caramba, será mesmo? Você descruza as pernas e logo percebe que a afirmação faz muito sentido. Na praça deserta sob a chuva, as peças encharcadas de um estranho quebra-cabeça se encaixam. É verdade. Estou morto. Você sente um fiapo de contentamento. Entende que está no caminho da verdade, e isso é animador. Mas num instante a sombra da tristeza abafa a satisfação, sopra o fiapo de contentamento pra longe. A verdade às vezes machuca. Você está morto, querido. O que poderia ser pior?

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A SEGUIR, UM TRECHO DESTE PRIMEIRO CAPÍTULO:

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LEIA O CAPÍTULO INICIAL NA ÍNTEGRA SESISPEDITORA.COM.BR/PARTICIPEDOROMANCE

LUIZ BRAS nasceu em 1968, em Cobra Norato, MS. É escritor e doutor em Letras pela USP. Já publicou diversos livros, entre eles Sozinho no deserto extremo (romance) e Paraíso líquido (contos). Colabora regularmente com a Folha de S. Paulo, resenhando lançamentos do mercado editorial.

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CACILDIS! MUSSUM E O PALHAÇO NEGRO NO BRASIL POR ANDRÉ CARRICO

Foto: M. Pires/Folhapress

43 De boné de peão, calça verde e camisa rosa, jeito desengonçado de andar e gesticular, entre sorridente e irritado, lá vem o Mussum. Seu chapéu tem o modelo dos pedreiros que se protegem do sol e dos pintores de construção, que se defendem dos respingos de tinta. Sua camisa listrada traz as cores da Mangueira. A risada é grave e escandalosa. Um sorriso aberto escancara a dentadura brilhante. Com os braços a bater, assobio entre os dentes, zanzando as pernas e de coração generoso, lá vai o Mussum... Os Trapalhões foram um quarteto cômico que se consagrou como um dos maiores fenômenos de bilheteria do cinema popular brasileiro. Alicerçados por uma tradição de procedimentos populares, Zacarias, Mussum, Dedé e Didi souberam conjugar as potencialidades individuais de cada um numa poética reveladora de nossas escolas cômicas. Mussum, por exemplo, foi o responsável por valorizar e perpetuar o repertório de códigos do Teatro de Revista. Muito de seus princípios cênicos remontam aos tipos negros de nossa tradição cômica. Na sociedade brasileira, em que os negros formaram a maior parte da força de trabalho escravo durante quase três séculos e na qual eles continuam * Tampa da cerveja "Biritis do Mussum", criada por um de seus filhos, em homenagem ao humorista, um apreciador da bebida.

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a compor a maioria da mão de obra dos serviços pesados e sujos, não é estranho que a figura do negro tenha servido, por grande parte da população, como um elemento cômico e ridicularizável. Segundo levantamentos de pesquisadores da história do palhaço no Brasil, os clowns negros estavam presentes nas diversões cômicas nativas desde tempos remotos e, conforme apontam anúncios de jornais acerca das diversões públicas do século XIX, a linguagem por eles utilizada, sobretudo daqueles que cantavam, já demonstrava a utilização dialetal de uma linguagem afro-brasileira como procedimento cômico no desempenho desses histriões. Além disso, a presença do palhaço-negro-cantor no Brasil talvez tenha influência de uma categoria clownesca norte-americana, a dos blackfaces. Eram cômicos brancos que se apresentavam em espetáculos itinerantes fazendo graça com as danças, canções e o dialeto dos afro-americanos, o creole. Alice V. de Castro chama a atenção para o fato de a cor negra no rosto do palhaço remontar a épocas mais antigas, uma vez que as primeiras máscaras teriam sido feitas com a cor preta do barro tirado do chão e que, no caso brasileiro, os brincantes do Boi e do Maracatu pintam o rosto dessa cor. Quanto aos palhaços-negros-cantores brasileiros, ela nos reporta ao Lundu do Escravo, do século XIX, recolhido por Mário de Andrade e cujos versos dão uma ideia do que seria a vida dos forros nativos. O primeiro palhaço-empresário a ganhar muito dinheiro no Brasil foi Benjamin de Oliveira, um negro. Introdutor do circo-teatro no país, nasceu em 1870, era filho de escravos e aos 12 anos fugiu com um circo. Foi capturado por um fazendeiro que o tomou por um escravo fugitivo. Como era forro, teve de apresentar suas habilidades circenses para provar que era do ramo. A genealogia dos palhaços negros brasileiros não para por aí. Além do negro veludo de que fala Mário de Andrade em um dos relatos de viagem e do palhaço Bahiano, galã do circo-teatro de Benjamim de Oliveira, Eduardo das Neves foi outro palhaço que popularizou o repertório de canções cômicas dos afro-descendentes. Embora branco, atuava como o palhaço Dudu das Neves, conhecido como Dudu Neves (Diamante Negro) Diamante Negro.

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Outro celeiro de cômicos negros foi a Companhia Negra de Revistas, fundada em 1926. Empenhada em justificar a importância do caráter negro e celebrar uma pretensa “harmonia racial”, era formada por elenco exclusivamente de negros e mulatos, que exploravam performances bastante conhecidas do público, como os quadros com mulatas, baianas e maxixes. Grande Otelo foi sua revelação mais célebre. Antônio Carlos Bernardes Gomes (1941-1994) era tocador de reco-reco no grupo Os Originais do Samba. Foi a exuberância de seus passos nas coreografias do conjunto que o tornou uma figura hilária e abriu-lhe a oportunidade de compor um tipo para programas televisivos de humor no final da década de 1960. A identidade negra, ou negritude, foi um dos elementos explorados por Antônio Carlos na composição do tipo Mussum. Ele não só fazia questão de lembrar sua origem como também, quando tinha oportunidade, gostava de exibir com orgulho os valores positivos atribuídos à sua etnia: força, esperteza, malícia, sorte, dons mediúnicos, axé. No filme A Princesa Xuxa e os Trapalhões (1989), Mussum comemora: “Já vi que nessa festa vou deitá e rolá! “Didi corrige o amigo: “Só pode rolar, porque se deitar vão pensar que é despacho!” Sua ascendência, portanto, também estava sujeita ao preconceito da piada. Quando um bandido foge pela porta de um banco, depois de assaltá-lo, nos Heróis Trapalhões (1988), o gerente chama a polícia que aparece no exato momento em que Mussum passa fazendo cooper. Ele é preso como autor do assalto. Os quatro tipos trapalhônicos são oriundos de regiões periféricas: o interior, o morro e o sertão nordestino. E a origem humilde de Bernardes Gomes, criado na comunidade da Mangueira, se confunde com a biografia do próprio Mussum. Em Os Três Mosquiteiros Trapalhões (1980), o sambista diz: “Cala a boca, essa boca minha de favela”. Também em A Princesa Xuxa e os Trapalhões, Mussum lança mão de sua origem articulada, de suas relações com as velhas tias do morro, ao tentar furar o bloqueio de um guarda: “Não tá lembrado de mim não, rapá? Do buraco quente, dona Nelma, dona Ziquis, aquele embalo lá, ré, ré, ré, ré...”. Mussum era o mais risonho dos trapalhões, mas também podia tornar-se feroz quando sua etnia era vítima de injúria ou escárnio. Embora não fosse militante, ficava enfurecido quando os outros trapalhões faziam qualquer alusão a apelidos de conotação racista.

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O personagem Mussum não nasceu de uma hora para outra, mas foi construído pouco a pouco. A aceitação de seu papel como elemento cômico nos Originais do Samba, por Antônio Carlos, só se deu depois da insistência de amigos e de muita hesitação sua. Seu jeito de falar, segundo Juliano Barreto na biografia Mussum Forévis (2014), teria sido sugerido por Chico Anysio, a partir de sua participação na Escolinha do Prof. Raimundo. Já segundo Dedé Santana, foi Grande Otelo quem teria lhe ensinado a falar “daquele jeito”. Além disso, Otelo também teria lhe conferido o apelido de Mussum já em 1965, no programa Bairro Feliz. Antônio Carlos tinha a cabeça toda raspada, por conta de suas atividades militares, não tinha pelos no rosto e era negro. “Tá rindo de quê, ô, mussum?”, fulminou o veterano das chanchadas. Mussum é o nome de uma enguia preta e sem escamas, e o apelido, apesar da revelia inicial do então militar, ficou.

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Grande Otelo

Há diversas semelhanças entre o “mussunguês” e a maneira de falar da mulata no Teatro de Revista nacional. Segundo a historiadora e diretora teatral Neyde Veneziano, foi “a dupla Luís Peixoto e Carlos Bettencourt

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que consolidou essa linguagem característica em 1911, com o Forrobodó”. Nessa burleta revisteira, que alude a fatos do ano de 1910, encontramos trechos da mulata falando com as palavras terminadas em is, atropelando-se ao tentar pronunciar termos difíceis. “Oriunda das senzalas do interior do país, chegou à cidade grande e incorporou os modismos, as gírias, os neologismos à sua maneira peculiar de falar”, explica Veneziano. Seu dialeto mistura o “caipirês” dos interiores com o “baianês” falado pelas migrantes da Bahia recém-chegadas aos morros cariocas: as tias dos terreiros de samba. Não teria Bernardes Gomes aprendido sua prosódia com essas tias? Também em Terra Natal, peça de Oduvaldo Vianna, de 1919, temos outro exemplo da ortoepia amulatada: “Madamis é muito ríspida nessas coisas. (...) as minhas sessões no Cine Palais, o meu banho no Flamengo, os futis na Avenida, aos meus teatros, as minhas matinés chiquis, as minhas soairetis branches, ao meu fivis-clotis... Ah! Neste lugar solitário fico ofsaides!”. Daniel Marques da Silva, em seu estudo a respeito das burletas de Luiz Peixoto, além da mulata, aponta ainda a presença de mais dois tipos de cômicos mestiços: o mulato pernóstico e o mulato capoeira. Os dois também se utilizam da linguagem “amulatada” em suas composições. Na burleta Dança de Velho, de Luiz Peixoto, por exemplo, encontramos o mulato Bastião a se apresentar: “Vulgo cabeça de cará, faço questão do pseudônis!”. Já em Saco de Alferes, também de Peixoto, o mulato pernóstico é personificado por Arnesto, poeta pedante que registra sua prosódia nos poemas que declama: “Que ponto é aquele branco? Não vês, que no céu flutua, pális, débis, anemis... a lua!”. E Antônio Carlos, ao lado dos Originais do Samba, chegou a trabalhar com Luiz Peixoto na boate Fred’s, na revista Joãozinho Boa Pinta, primeira de muitas parcerias entre o produtor Carlos Machado e o grupo de samba. Foi pela música que Antônio Carlos entrou para Os Trapalhões. Ele havia estudado teoria musical na Aeronáutica e tocava bateria por partitura. Mussum era um music clown. Além de aparecer tocando caixa ou bateria em alguns filmes, não são poucas as ocorrências do tipo transformando barris, panelas e pratos em instrumentos de percussão. E por ser o samba um ritmo alegre por natureza, o gênero combina perfeitamente com a poética cômica dos Trapalhões. Ele ainda servia de pretexto para o mangueirense desenvolver suas evoluções corporais. O jeito particular de tocar reco-reco, jogando o ombro direito para cima e para baixo – e marcando o compasso na baqueta metálica a

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partir desse movimento, contribuiria para a composição das evoluções braçais de sua dança e iria se cristalizar depois numa de suas gags. E no uso que Mussum fez da dança, transformou-a em arte marcial na luta corporal que desfiou pelos filmes trapalhônicos. Seus braços, ao dançar, estavam sempre desconjuntados, em desacordo com as pernas, imperitos na arte de bailar. E o tipo fazia desse mau jeito a tática para vencer seus algozes quando brigava. De tropeço em tropeço, atropelava o ar ao descrever um giro, dar um tapa em cada calcanhar e fazer uma leve parada, para depois concluir numa reverência elegante _ como fazem os mestres-salas diante dos jurados nos desfiles das agremiações de samba. Mussum era o único dançarino do quarteto atrapalhado. Em que pese os quatro trapalhões aparecerem dançando em situações esporádicas, todas as vezes em que o riso é extraído do bailado em si, cabe ao mangueirense a tarefa de desenvolver um conjunto de movimentos ritmados de forma risível. Mussum é o único exemplo que levantamos de palhaço alcoólatra no Brasil. O “mé”, como ele chamava o álcool, era a sua grande paixão. Ele bebia, mas nunca estava bêbado. E isso faz parte da lógica da comicidade, cuja dramaturgia pode ser plausível, mas nunca é verossímil. Talvez por isso, até o desaparecimento do tipo em 1994, nunca tenha havido problemas com o público infantil dos Trapalhões. O palhaço da Mangueira aparecia com frequência em busca da cachaça, cujos atributos sempre foram enaltecidos. Seu discurso, hoje, seria tomado como “politicamente incorreto”. Mas ele nunca aparecia embriagado. O historiador Georges Minois chama a atenção para a classe do “humor borracho” que se desenvolveu na França desde fins do século XIX. “O bêbado dobra-se ao meio, vomita, cospe, urina, peida. Seu humor malcheiroso une-se à voga muito popular do ‘peidorreiro’”, afirma. Embora não apareça bêbado, Mussum pode representar não o estado da forma embriagada, mas o que de fundo o álcool pode associar a situações nas quais aparece: a escatologia, a trivialidade, a derrisão provocadora, o desejo de libertação do estado antissocial daquele que bebe. Mussum não foi o primeiro cômico negro da TV brasileira. Antes dele, Canarinho (Aluísio Ferreira Gomes, 1927-2014), Chocolate (Dorival Silva, 1923-1989) e Borges de Barros (Fileto Borges de Barros, 1923-2007) já haviam fixado tipos na comédia nativa, sobretudo nos programas Praça da Alegria e A Praça é Nossa. Outros negros também atuaram no programa Os Trapalhões: Tião

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Macalé (Augusto Temístocles Silva, 1926-1993), Jorge Lafond (Jorge Luís Souza Lima, 1953-2003), Tony Tornado (Antônio Viana Gomes, 1930) e Jacaré (Edson Gomes Cardoso Santos, 1972). E outros o sucederiam na palhaçada geral televisiva, como Luís Miranda (1959), Hélio de La Peña (1959), Romeu Evaristo (1956) e Nando Cunha (1966). Mas, apesar das várias habilidades de cada um desses bufões tão díspares, nenhum agregou tantos recursos à composição de seus tipos. Ao cantar, sambar, falar, rir, enfezar-se, o domínio técnico de Antônio Carlos Bernardes Gomes jamais foi repetido entre nossos palhaços negros. Mussum encarnou um tipo trapalhônico tão carismático quanto o de Didi e talvez tenha sido o mais emblemático dos quatro trapalhões. Sua figura, muitas vezes associada a bordões de seu dialeto peculiar, protagoniza memes nas redes sociais, é campeã de visualizações no Youtube, se espalha por produtos comerciais: cervejas, camisetas e produtos decorativos. Parte da grande empatia do tipo originou-se da atualização que ele fez de recursos de atuação tradicionais dos cômicos negros. Nesse processo, Mussum deixou uma lacuna ainda não preenchida na palhaçadaria brasileira.

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REFERÊNCIAS

CASTRO, Alice Viveiros de. O elogio da bobagem _ palhaços no Brasil e no mundo. Rio de Janeiro: Editora Família Bastos, 2005. MINOIS, Georges. História do riso e do escárnio. São Paulo: Ed. da Unesp, 2003. SILVA, Daniel Marques da. “Precisa de arte e engenho até...”: um estudo sobre a composição do personagem-tipo através das burletas de Luiz Peixoto. Dissertação de Mestrado. Universidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro – RJ, 1998. VENEZIANO, Neyde. O teatro de revista no Brasil: dramaturgia e convenções. São Paulo: SESI-SP Editora, 2013.

ANDRÉ CARRICO é ator e pesquisador de comédia popular, doutor em Artes pela Unicamp, autor da tese Os Trapalhões no Reino da Academia: Revista, Rádio e Circo na poética trapalhônica. Colaborou na tradução do livro Mistero Buffo, da SESI-SP Editora.

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RUGBY SIM, SENHOR POR JOSÉ EDUARDO DE CARVALHO

Primo irmão do futebol, de quem praticamente foi separado no nascimento, o rugby pode não parecer em alguns países, dentre os quais o Brasil, um fenômeno de popularidade. Mas é. Praticado em mais de 120 nações, é uma das cinco modalidades com maior número de atletas e seguidores do planeta, tem uma história tão rica quanto a do futebol, marcada também por grandes façanhas esportivas, uma interminável galeria de ídolos e o magnetismo próprio das atividades humanas capazes de mobilizar, emocionar, atrair. Carimbado em outros tempos como o esporte da ‘elegante violência’, em razão de seus inevitáveis contatos físicos, o rugby tem uma ética muito particular, fundada no respeito e na competitividade que emanam das ortodoxas regras do jogo e que não impedem uma exemplar convivência pacífica sem prejuízo das rivalidades, atributos que fazem seus adeptos se encherem de orgulho. Tanto é que, desde cedo, o jogador de rugby é apresentado aos seis pilares de sua proposta filosófica: respeito, solidariedade, paixão, integridade, jogo limpo e disciplina. Ainda que não se trate de uma modalidade desconhecida no Brasil, o rugby por aqui ficou, por muito tempo, restrito a um número limitado de praticantes e admiradores, estigmatizado pela ideia equivocada e preconceituosa de que era um esporte mais físico do que técnico, que pressupunha correr muitos riscos, adequado apenas a uns poucos privilegiados e de entendimento mais complexo – supostamente na contramão do esporte mais popular do país. Na comunidade que pratica rugby, porém, a batalha por manter a chama acesa nunca esmoreceu até que essa visão distorcida de um esporte para poucos começou a mudar recentemente, quando o Comitê Olímpico Internacional (COI)

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resolveu, em 2011, oficializar a inclusão da modalidade nos Jogos do Rio de Janeiro, em 2016, quando será disputado o chamado Rugby Sevens – para equipes com sete atletas, e não 15 como no rugby tradicional. Nas primeiras edições dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, o rugby chegou a ser disputado em quatro ocasiões (Paris/1900, Londres/1908, Antuérpia/1920 e Paris/1924), mas os dirigentes internacionais decidiram suspender a modalidade alegando falta de competitividade em razão de poucos países, e sempre os mesmos, inscreverem equipes. Recentemente, os números falaram mais alto depois do boom de popularidade nos anos de 1980 e 1990 e a modalidade voltou a ser incluída nos Jogos do Rio, em disputas no masculino e no feminino, sem maiores controvérsias. Imediatamente surgiram aqui e ali projetos e propostas de formação de base, dentre as quais o programa Try Rugby, criado pelo SESI-SP em original e frutífera parceria com as entidades inglesas que comandam o rugby. O fato é que, hoje, termos como try, tackle, ruck ou scrum já não são estranhos a uma grande parcela de crianças e jovens brasileiros que descobriram os segredos da ‘elegante violência’. RIQUEZA TÉCNICA E TRADIÇÃO

Muito em função das peculiaridades técnicas e dos princípios filosóficos, as relações do rugby com o futebol já nasceram enviesadas no seio das escolas públicas inglesas do século XIX. As duas modalidades compartilhavam, então, a preferência da maioria dos estudantes britânicos em um período de especial fertilidade esportiva no meio acadêmico do Reino Unido. Havia, porém, um duelo conceitual que ia além do fato de que uns jogavam com os pés, de preferência evitando os contatos físicos, enquanto outros utilizavam as mãos e privilegiavam as disputas no corpo a corpo. Quando, nos anos de 1860, a rapaziada de Cambridge propôs uma série de regras que levariam à criação do Football Association, foi a senha para o pessoal do rugby buscar seu próprio rumo. As árduas discussões promovidas em Londres pelas diversas correntes estudantis terminaram em dissidência e os jovens que admiravam o jogo de contato rumaram para a cidadezinha de Rugby, ainda hoje um modesto município de 60 mil habitantes, onde criaram a modalidade, oficialmente em 1871. Daí por diante, rugby e futebol seguiram caminhos paralelos e derrubaram fronteiras, cada um a seu modo, com distintos apelos esportivos. O rugby teve o primeiro torneio internacional disputado em 1883, entre os países do Reino Unido, e percorreu grande parte do século XX angariando adeptos

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na Europa, na Austrália, na África e na América do Sul. Ao contrário do futebol, a modalidade não se profissionalizou logo cedo, o que não impediu o sucesso de torneios como o ‘Cinco Nações’ (Inglaterra, Escócia, País de Gales, Irlanda e França), transformado em ’Seis Nações’ em 2000, com a entrada da Itália. A criação da Copa do Mundo (hoje denominada Copa do Mundo de Rugby Union) só ocorreu em 1954, por iniciativa de um dos centros que se transformara numa potência mundial desse esporte – a França. Já então, a elite do rugby havia incorporado países como Nova Zelândia, Austrália, Argentina e África do Sul, emergentes que tiveram papel decisivo na fase de profissionalização consolidada em 1995. Pontuado por inúmeras passagens emblemáticas, o rugby é reduto de equipes míticas e ídolos igualmente marcantes. É impossível não associar a modalidade às carismáticas seleções britânicas patrocinadas por marcas de cerveja e uísque, ou aos All Blacks da Nova Zelândia, com suas danças tribais, ou à equipe inesquecível da África do Sul, que virou símbolo do fim do Apartheid. Esse episódio foi imortalizado no filme Invictus, de Clint Eatswood, que mostra a relação entre Nelson Mandela e o time que conquistou a Copa do Mundo de 1995. Na galeria de astros, nunca faltará reconhecimento a personagens como o franco-venezuelano Serge Blanco, comandante dos ‘Les Bleus’, time francês que conquistou o bicampeonato invicto do ‘Cinco Nações’ na década de 1980, ou o galês Gareth Edwards, visto por muitos como o maior de todos os tempos, ou ainda o incrível Jonah Lomu, comandante dos All Blacks nos anos de 1990.

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PARCERIA E DIFUSÃO

Em 2012, o Brasil chegou mais perto desse mundo fascinante do rugby. Ainda como consequência das experiências vivenciadas na Olimpíada de Londres, o SESI-SP firmou uma parceria com o British Council e a Premiership Rugby, a liga que organiza a modalidade na Inglaterra. A iniciativa resultou na criação do Try Rugby, um programa de popularização que trouxe ao país 12 técnicos britânicos com a missão de levar o projeto ao mesmo número de cidades paulistas. Os municípios escolhidos receberam um técnico do SESI-SP trabalhando junto com o especialista inglês, com o objetivo de se qualificar, absorver as experiências e difundir os métodos de treinamento. “Fizemos uma convocação às crianças e adolescentes interessados na modalidade, a partir dos 8 anos, em função das características do rugby e o retorno não poderia ser mais gratificante”, conta Alexandre Pflug, diretor da Divisão de Esporte e Qualidade de Vida do SESI-SP.

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Em pouco mais de seis meses, o projeto arregimentou seis mil crianças de 8 a 17 anos, média de 500 por unidade vinculada ao Try Rugby, um patamar impressionante se for levado em conta que o país tinha, então, pouco mais de 30 mil praticantes da modalidade. No fim do primeiro ano eram 10 mil participantes no projeto. A estas alturas, nunca no Brasil tanta gente estava praticando rugby ao mesmo tempo, com o apoio da estrutura do SESI-SP e a orientação de profissionais que conhecem como ninguém a modalidade. Alexandre Pflug detecta o principal diferencial do programa: “É a transferência de tecnologia social. O projeto foi condicionado à formação de professores do SESI-SP. Durante todo o processo, temos um professor do SESI-SP sendo capacitado, que acompanha o técnico inglês em todas as aulas.” À transferência de tecnologia social somam-se mais duas variantes igualmente importantes: a opção por realizar atividades permanentes, oferecendo a prática da modalidade de forma sistematizada e gratuita aos alunos da rede escolar do SESI-SP e da comunidade em geral; e as atividades eventuais, oferecendo clínicas, oficinas e promovendo eventos relacionados ao rugby, para levar o acesso à modalidade aos diversos segmentos da comunidade além do ambiente escolar – ONGs, indústrias e outros agentes ativos de projetos sociais. O Try Rugby foi instalado inicialmente nos municípios de Matão, Itapetininga, Rio Claro, São Carlos, Votorantim, Indaiatuba, Mogi Guaçu, Tatuí, Piracicaba, Araras, Campinas e Sumaré, sendo que o processo de capacitação dos técnicos do SESI-SP correu simultaneamente às aulas e treinamentos. A metodologia do Programa Atleta do Futuro facilitou o processo de interação com os técnicos ingleses e a difusão de sua cultura socioesportiva na comunidade do SESI-SP. O fato de terem sido escolhidas cidades pequenas e médias foi um dos fatores da rápida difusão, segundo Pflug: “O projeto, na verdade, foi estruturado para atender todas as 54 cidades com unidades do SESI-SP, mas iniciamos em alguns municípios para difundir a modalidade dentro da rede de ensino. Hoje estamos atendendo nos municípios maiores e o resultado tem sido excelente.” Outro diferencial foi a criação da Liga Try Rugby, envolvendo equipes das primeiras 12 sedes do projeto, torneio que teve sua primeira final disputada em outubro de 2013. A Liga representou um laboratório de avaliação do primeiro ano de projeto, ao mesmo tempo em que trouxe aos garotos um toque de competitividade para que eles próprios pudessem medir sua evolução. Na renovação da parceria, em 2014, mais sete cidades entraram no circuito ( Itu, Santo André, Guarulhos, Taubaté, Jacareí, Botucatu e Jaú) com a previsão de aumentar de 10 mil para 14 mil o número de estudantes vinculados. No plane-

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jamento para 2015, a projeção do SESI-SP é estender o Try Rugby para 25 municípios, com perspectiva de elevar o número de praticantes para 25 mil. MASSIFICAR É POSSÍVEL

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Bem ao estilo de metodologia praticada pelo SESI no âmbito esportivo, o Try Rugby mostrou-se uma proposta modélica de formação desde a base que estimula a participação em massa, sem que seja excluída, no futuro, uma trajetória rumo ao alto rendimento, com a criação de uma nova geração de jogadores de rugby no país. A experiência com os técnicos ingleses traz a certeza de que uma equipe qualificada está sendo constituída desde a infância, passando por um minucioso processo de aprendizado que vai na contramão do panorama da modalidade no Brasil até pouco tempo atrás. Nesse panorama, a maioria dos jovens atletas começava a praticar já em idade mais avançada, o que os obrigava a disputar espaço com os adultos, saltando as fases de contato com os conhecimentos básicos. “Isso nos leva a acreditar”, acrescenta Alexandre Pflug, “que em pouco tempo poderemos até montar uma equipe com os 12 melhores jogadores do projeto e levá-los à Inglaterra para um estágio com algumas partidas”. Muito do sucesso do programa, na visão de Pflug, se deve ao fato de se privilegiar o trabalho minucioso desde a base, com a estrutura de aprendizado calcada no Tag Rugby, o modelo de iniciação ao jogo, próprio para crianças e jovens, que evita o contato físico no início, sem abrir mão das questões técnicas e táticas. No ‘Tag’, os jogadores atuam com fitas amarradas na cintura e o contato dos adversários ao puxar tais fitas equivale ao contato físico no jogo adulto, ou seja, todos os princípios do regulamento e do desenvolvimento técnico do jogo são seguidos à risca, apenas evitando, nesse início, choques, agarrões e tackles. Tal estrutura, retratada no Caderno Didático de Rugby, publicado pela Editora SESI-SP, reflete o cuidado com a dosagem nos ensinamentos, adequando a evolução do jogador a seu estágio físico e de conhecimento da modalidade. Ao futuro jogador são proporcionados instrumentos que contemplam desde as noções fundamentais (formas de segurar a bola, aproveitamento dos espaços, maneiras de correr e de cair) até as variantes mais sofisticadas do jogo, como os movimentos de rotação, as estratégias e as melhoras formas de contato e queda. Assim, o método é dividido em cinco etapas, sendo as primeiras fases destinadas a crianças de 6 a 8 anos (Fase Multidesportiva) e de 9 a 10 anos (Fase Pré-Desportiva). Nas três etapas seguintes (de 11 a 12 anos, de 13 a 14 e de 15 a 17 anos), a preocupação com um entendimento mais elaborado do jogo e dos

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preceitos técnicos cresce de forma acentuada, mas gradativa. Para a Divisão de Esportes do SESI-SP, programas como o Try Rugby têm todos os elementos para funcionar como paradigma de popularização e massificação de outras modalidades menos conhecidas no país, principalmente porque, como afirma Alexandre Pflug, “criou um procedimento adequado à realidade brasileira”, mas sem déficits técnicos graças à interação com os profissionais ingleses. Utilizar, em um contexto local, a expertise dos britânicos é o grande salto do projeto, até porque no berço do rugby, além de tudo, a Premiership desenvolve a cada ano um trabalho com mais de 310 mil crianças e jovens de toda a Inglaterra. Em suma, significa uma aposta certeira no desenvolvimento de “uma rica cultura de realização de programas com base na comunidade”, de acordo com Wayne Morris, diretor de Responsabilidade Corporativa Social e Comunidade da entidade britânica.

57 JOSÉ EDUARDO DE CARVALHO, com formação em Jornalismo e História, trabalhou por mais de duas décadas como repórter, redator e editor no Grupo Estado (Jornal da Tarde/O Estado de S. Paulo/Agência Estado/Rádio Eldorado), em grande parte desse tempo vinculado às Editorias de Esportes, onde comandou a cobertura de quatro Copas do Mundo, duas Eurocopas e três edições dos Jogos Olímpicos. Foi ainda correspondente do Grupo Estado em Madrid, Espanha, e correspondente no Brasil do Diário AS, de Madrid, entre 1995 e 2003. Colaborador de várias publicações nos segmentos de Economia Popular, Educação, Patrimônio Histórico, Memória, Cultura e Esportes.

O livro da SESI-SP Editora Caderno Didático de Rugby, recém-lançado, está à venda nas melhores livrarias do país.

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POR MARCIA TIBURI

O pai era um homem comum. Essa é a frase com que podemos começar o relatório. Que um pai seja um homem comum quer dizer que ele está no seu direito de ser o mais simples dos cidadãos, um sujeito qualquer, vítima das vicissitudes da vida diária, condenado ao trabalho ou ao desemprego, às contas a pagar, ao casamento e, no meio de tudo, no meio da sua vida modesta pegando ônibus e metrô, andando de bicicleta e a pé, ter lhe acontecido de ser pai. Não há nada de mais no fato puro e simples de ser pai. Não há, de modo algum, nada de menos. É que ser pai não é, para o homem comum, uma medida. Este é o tema do relatório que elaboramos segundo exigências rigorosas e metodologias precisas da burocracia superior atenta a todos os movimentos e assuntos relativos ao pai enquanto ele é um homem comum. O assunto deste relatório é, portanto, a paternidade do homem comum. É a ela que dedicamos atenções, esforços e toda a nossa capacidade científica. Nosso homem comum tem data e número. Não é, portanto, problema nosso o fato de que tenha encontrado uma mulher comum e que tenham vivido um caso, praticado um ato sexual do qual tenha resultado um filho. O homem comum não tem a capacidade de entender do que se trata. Absolutamente, isso tudo não nos interessa. Sabemos, além disso, que as mães não são mulheres comuns. Jamais diríamos isso de uma mãe considerando as intenções diretas que garantem a qualidade do relatório atestado por todos os selos de certificação nacionais e internacionais. Antes de seguir adiante, apesar de nosso intento de perceber a paternidade em si mesma, é preciso dizer que ela acontece em todos os casos, de ricos ou pobres, alheios ou interessados, da seguinte maneira: uma maneira banal que precisamos delimitar aqui e que se resume bem no fato de que homens não podem ter filhos sozinhos, por isso têm filhos com mulheres. É realmente

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bizarro que uma coisa dessas tenha acontecido como se deu com o homem que é objeto deste relatório. É importante saber que a linhagem do homem comum tem história. Antigamente, os filhos eram filhos do ato do estupro e não do sujeito humano capaz de pensar no próprio ato praticado. Nascem crianças todos os dias. Isso não é o nosso tema. O relatório quer rastrear motivações humanas nos atos mecânicos que garantem o nosso funcionamento. O objetivo, ao qual servimos, é o perfeito funcionamento dos mecanismos. O próprio relatório precisa, por isso, ser corrigido, evitando que contenha erros que, em si mesmos, são humanos. Pensar no próprio ato é o que consta da definição do humano que pretendemos corrigir segundo as metas traçadas coerentemente e que devem ser atingidas até o final da década. Muitos morrerão tentando adequar-se ao parâmetro da máquina. Temos que, para o sistema, é melhor a morte, mas muitos não se conformam com isso. Contudo, este também não é o nosso problema. Trabalhamos em um grau muito inferior na hierarquia da máquina antropológica que comanda a burocracia superior. Sabemos pouco e pretendemos com nosso relatório avançar alguns graus na hierarquia. Servimos àqueles que se ocupam das questões abstratas enquanto nos preparamos. Assim, o relatório que temos pela frente e que iniciamos com o máximo rigor evitando que se perca em pensamentos abstratos, mas ao mesmo tempo reportando todos os pensamentos para fim de controle, refere-se apenas a um homem comum, um homem simples, numerado como todos os outros que analisamos até aqui. O que conseguimos saber com a desenvoltura de nossa competência técnica é que, tanto ontem como hoje, homens comuns, numerados da forma mais adequada possível, podem engravidar mulheres sem comprometer-se com elas e, mesmo não tendo contato nenhum com o filho resultante desta relação, continuarão sendo pais das pessoas que, de algum modo, nasceram por meio deles. Não há como escapar das leis da natureza. É a superação destas leis o que visa o projeto pelo qual trabalhamos dedicando nossas vidas. O homem comum é o homem livre para não ter a preocupação com o sentido da vida que tem sua elaboração primeira e última na máquina. Por isso, nós que servimos à máquina, o numeramos. Ele recebe um número. O homem comum é, por fim, apenas o pai em geral que registramos com um número adequado ao nosso trabalho, o Projeto para o Psicomapeamento de Hamlet a que, como temos dito,

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temos dedicado a vida e, dentro dela, o motivo pelo qual é preciso cuidar com perfeição técnica deste relatório. Até chegarmos aqui dispus os dados deste relatório nestes extensos prolegômenos na primeira pessoa do plural, pois falava em meu nome e de meu colega. Neste ponto da observação, passo a estar sozinho. No entanto, seguirei falando na primeira pessoa do plural, pois que a introjeção das normas me impede de dizer eu com tranquilidade. Sinto-me como que ofendendo a máquina a que todos juramos servir há tanto tempo. Que eu ainda sinta, demonstra um defeito estrutural. A condição meta-teórica pode ser o caminho segundo um treinamento recebido no começo dos processos. Mas ainda não a desenvolvi totalmente como certos colegas mais apressados. Aproveito para pedir desculpas, pois estou me deixando levar por raciocínios comuns, o que prejudica meu desempenho. Outra frase com que podemos começar este relatório é a seguinte: “o homem comum era pai”. Podemos fazer isso sabendo que a ordem dos fatores não altera o produto, no entanto, um relatório completo não pode descuidar do modo como é produzido. Para que um homem seja um pai comum ele precisa de algumas qualidades especiais. Pode ser daqueles homens calados que se tornam um pouco assessório da mãe, como um bolsa que ficou velha e se deixou ficar no cabide, um pouco eletrodoméstico, como algo que faz parte da casa, e cuja falta só se perceber quando o objeto estraga, ou um pouco zumbi, algo do qual lembramos quando vem assustar os filhos, como o pai de Hamlet fundamental para toda a nossa teoria e prática. O homem que observamos durante trinta e cinco anos está sentado à janela fechada pelo frio. Dos 35 anos compostos de 420 meses, 12.783 dias, contando os anos bissextos, observamos absolutamente todos. Chovesse ou fizesse sol, estivemos aqui, onde agora me encontro, para dar sequência à observação sem a qual não teríamos chegado aos magníficos resultados desse estudo expostos em exatas 145.218 páginas. Começamos a observação no nascimento de seu único filho há exatos 35 anos completados no dia de ontem. Descartamos o período pré-natal, pois nosso homem comum não esteve próximo da mãe do filho embora ela morasse em um bairro ao lado do seu. A propósito, fator relevante da vida deste homem comum é que ele mora no mesmo lugar desde que nasceu. Sua vida está por acabar. O cemitério é próximo a esta casa e, quando procedemos com o cálculo das distâncias, vimos que o espaço percorrido por ele

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em vida não passa de um quilômetro, justamente o que vai da casa onde nasceu ao cemitério onde será enterrado. A mulher, é preciso não deixar em aberto este detalhe, morreu no parto, viemos a saber por acaso. Mas, como foi dito, esse tipo de questão não importa para o efeito do relatório. O que nos importa é que o homem jovem, o filho, está a visitar o pai que lhe abre a porta num gesto mecânico. Podemos ver cada detalhe. Do ponto de vista de nossa potente luneta, conseguimos anotar tudo o que vimos durante mais de 10 anos, depois, com o advento das câmeras cada vez mais capazes, registramos tudo o que foi feito e dito. Fato é que poucas coisas foram ditas, o que nos entediou um pouco praticamente inutilizando os curiosos aparatos de áudio. Na verdade, devo dizer que isso entediou apenas a mim. Meu colega que esteve aqui até hoje pela manhã, considerava maravilhoso que nada fosse dito, assim o relatório poderia ser composto de centenas de milhares de marcadores tais como este * que nos é muito familiar ou algum outro que, de tempos em tempos, tínhamos a liberdade de mudar desde que não interrompêssemos a necessária repetibilidade que sustenta a máquina no sistema da burocracia superior. Demorei muito a convencê-los que podíamos escrever simplesmente “idem” nas páginas que ficariam praticamente em branco. Raramente usamos mais de uma página para um dia, raramente usamos meia página. Não fossem exigências da burocracia superior o relatório poderia ser resumido em quatro ou cinco dessas folhas em branco pautadas que, bem no começo, preenchíamos a mão. Mas o sistema não sustenta a inexatidão e precisamos medir tudo em caracteres. Assim como os homens comuns em números. Temos que evitar panes a todos custo, pois um colapso pode ser fatal para a máquina que rege a todos nós. O pai está sentado próximo à janela como o faz há trinta e cinco anos. O homem que chega é, por um momento, mais velho do que seu próprio pai. Corrijo minha percepção melhorando a posição da lente e percebo que são fisicamente muito parecidos embora tenham idades diferentes relativamente ao fato de que um seja o pai e o outro o filho. Ambos são homens comuns. O que me obriga a dizer que este relatório poderia começar ainda de um outro modo, a saber, com a seguinte frase: “o filho era um homem comum”. No entanto, por mais que o filho esteja aqui, e tenhamos esperado por ele por trinta e cinco anos e mais um dia, nosso interesse não recai sobre ele. Nosso assunto é ainda o pai. Esperamos todos estes anos por este encontro em nome do qual forjamos esta

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pesquisa e este relatório. Meu colega, estivesse aqui, corrigiria a terminologia referindo-se a “contato”, mas prefiro em certos casos termos diferentes, ainda que carreguem um pouco mais de expressão. Considero que, modicamente usados, eles podem aperfeiçoar a ciência em vez de prejudicá-la pelo clamor à atenção que tem o poder de despertar as mentes mais adormecidas. Sabemos que a atenção é experiência do cérebro acionada pela diferença e não podemos desconsiderar isso no que tange ao objetivo do relatório. Poderíamos sustentar a justificativa do relatório por mais algumas páginas, pois não há ação sem teoria que a fundamente. No entanto, é preciso ir aos fatos, apenas eles têm o poder da demonstração que interessa aos fins deste relatório. Devemos tratar do encontro que começa, portanto, com a abertura da porta. Não nos interessa que antes existisse uma hesitação do filho ao bater a porta. Não sabemos de onde vem, nem o que pensa. Temos apenas os fatos, de que o filho é filho do homem somente à medida em que está diante dele e revela-lhe esta hipótese. O pai não sabe quem o procura. Sabe, neste ponto, apenas remotamente que tem um filho, mas não o conhece. Não podemos dizer que esqueceu dele, pois não temos sinais de que tenha lembrado anteriormente. O filho pergunta-lhe se é fulano de tal, algo como Pedro ou Paulo. O homem afirma que sim com um gesto da cabeça e permanece mudo como esteve durante todos estes anos, salvo nos momentos de extrema necessidade em que precisou falar. Uma vez com o carteiro, outra vez com um cobrador da firma de fornecimento de energia elétrica. Não é o caso agora. Senta-se diante do filho sem oferecer-lhe um lugar. O filho permanece em pé. É então que ali mesmo em pé ele introduz um conteúdo inesperado para o pai comum que até agora era apenas um homem comum. O homem comum, filho e mais jovem embora pareça, por algum motivo que nos escapa, mais velho, dá dois passos na direção da janela onde o pai está sentado. Aproxima-se de tal forma que pode sentir seu hálito. Sendo um homem que fuma e raramente higieniza-se, podemos garantir que seu cheiro não é agradável. Também não é o do filho. Mas estamos falando de um pai e não de uma mãe, o que combinaria bem mais com este tipo de questão estética irrelevante neste momento. Há um novo conteúdo concernente ao fato de que o homem em pé pergunta ao homem sentado se podem conversar. Desacostumado de falar, o homem sentado não se move, não muda de posição, mantém as mãos sobre os joelhos numa estranha postura tão enrijecida quanto,

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estranhamente, disposta a alguma coisa. Ele diria “fale”, mas sabe que seria um excesso. Poderia estar com os braços cruzados, com as pernas cruzadas, com alguma forma de atenção que se dirigisse a qualquer coisa a seu redor, mas só o que vemos é seu olhar pendendo para o lado direito e para o lado esquerdo num movimento pendular. O homem em pé olha penalizado, cenho contrito, mandíbulas enrijecidas. Poderia ser raiva, mas sabemos que é pena o que sente, ainda que não se possa avaliar um sentimento e, assim, relatá-lo com o rigor da descrição que norteia a metodologia deste relatório. Mas sabemos, de qualquer modo, depois de tantos anos de experiência, que se trata de alguma sorte da piedade, aquela que muitos expressavam há mais de 50 anos, quando entrei na escola e comecei a preparar-me para meu ofício. A formação de todos nós foi aperfeiçoada a ponto que podemos reconhecer os sentimentos sem nos deixar afetar por eles. Hoje não há mais o treino para o reconhecimento, o que diminui a competência dos mais jovens. Nessas horas o valor das experiências pretéritas conta como nunca. Não sei como serão os relatórios no futuro quando não houver mais este tipo de memória capaz de tornar a percepção das coisas arguta ao infinito. Mas voltemos à observação. Temos, neste momento, os olhos do homem comum na posição de filho. Ele concentra sua visão num movimento de cima-abaixo que retorna, que se repete, fazendo pensar que está, além de tudo, perplexo. O homem comum na posição em pé, decide explicar que é filho do homem sentado. Ele o faz emitindo a frase: “sou seu filho”. O homem sentado move os olhos de um lado para o outro como se tentasse acordar de um sono que o toma por inteiro. O filho continua sua explicação dizendo que se chama fulano de tal, algo como Pedro ou Paulo, e espera, por alguns segundos, que a revelação provoque algum efeito mais direto, o que se pode saber devido ao modo como olha praticamente sem piscar para o homem que tem a sua frente. No intervalo entre a voz emitida e a audição do pai, vemos, com a atenção que apenas um relator experiente é capaz de ter, que não são apenas seus olhos, mas todo o seu corpo se insinua para a frente, como se fosse tocar o homem que tem diante de si. O homem mais velho, o pai, um homem comum do começo ao fim de seus dias, decide mover-se e o faz dando um salto inesperado que derruba a cadeira onde esteve sentado todo o tempo. Apesar de toda a minha experiência

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e da técnica acurada de meu colega, jamais imaginamos que isso fosse possível, jamais vimos nestes 35 anos de observação nenhuma manifestação que nos levasse a deduzir um acontecimento como esse. Na ausência de meu colega, não sei como ficará a credibilidade dessa narrativa, pois que se trata de um elemento indedutível. O homem mais jovem, o filho, um homem comum do começo ao fim desse dia em que o observamos, embora não devamos nos ater a ele, dá um passo atrás veloz e tensamente. O pai que não sabe que é pai pergunta-lhe por que veio perturbar sua paz, entoando suas frases num canto entristecido. O filho então responde “é que vou ser pai”. O pai, que poderia neste momento alegrar-se como vimos tantos outros fazerem tantas vezes nestes muitos anos, apenas senta-se novamente enquanto, em pé e mais afastado, o filho lhe diz: “E vou morrer”. Neste ponto, o homem comum, sentado na cadeira de madeira que range a qualquer esforço de respiração, apenas responde: “Você está morto”. Esperaríamos que o filho se revoltasse e se lançasse sobre o pai aos socos. Tanto a alegria quanto a raiva são deduzíveis. Mas o pai, neste ponto, desaparece. Não como fumaça que se esvai, mas como o efeito de um apagamento. Nós seguimos com outros relatórios esperando que até o fim dos tempos seja possível explicar o fenômeno único que testemunhamos neste último dia do relatório dedicado ao número 12446. A chuva que escorre das nuvens sem parar há 35 anos dá lugar ao sol e eu coloco o número do filho no próximo formulário. Daqui para a frente ele é nosso objeto e a ele dedicaremos todas as nossas atenções, técnicas, saberes e metodologias.

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MARCIA TIBURI é gaúcha, graduada em filosofia e artes, mestre e doutora em filosofia. Publicou diversos livros de filosofia, ensaios e romances. Esteve entre as apresentadoras do Programa Saia Justa da GNT, entre 2005 e 2010, escreveu para várias revistas e vários jornais e desde 2008 é colunista da revista Cult. Marcia é professora do programa de pós-graduação em educação, arte e história da cultura, do Instituto Presbiteriano Mackenzie, e professora convidada da Fundação Dom Cabral.

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PONTO DO NOVO CONTO SE VOCÊ É UM AUTOR ESTREANTE E QUER TER SEU TEXTO PUBLICADO AO LADO DE ESCRITORES JÁ CONSAGRADOS NA SEÇÃO PONTO DO CONTO, MANDE O MATERIAL PARA AVALIAÇÃO PELO E-MAIL: COMUNICACAO_EDITORA@SESISENAISP.ORG.BR. O MATERIAL DEVE CONTER ENTRE 6 MIL E 8 MIL CARACTERES.

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_ Foi uma mulher. O inspetor olha pra mim com repulsa. Nessa altura ele deve me achar um maníaco ou algo do tipo, mas estou de saco cheio daquilo tudo pra me importar com o que ele pensa. _ Não um homem. Uma mulher. _ reforço. _ Do que você tá falando, Ricardo?! _ Você acabou de falar que foi um homem. Mas foi uma mulher. _ começo a me arrepender de ter corrigido o Vargas. _ Você esperou pra falar isso agora? Não sei se você percebeu, mas já terminamos aqui. Abaixo a cabeça olhando para o carpete encharcado de sangue. O morto me olha de volta, inexpressivo. Decúbito dorsal. Um crime simples. Rompimento da artéria aorta com emprego de arma branca. Hemorragia externa. A vítima deve ter sofrido. Ela sabe o que faz. Provavelmente o dopou (álcool?). Ele não conseguiu reagir. Por quanto tempo ela o deixou sangrar? _ Temos testemunhas oculares, Ricardo. _ diz Vargas. _ O vizinho da frente comprova que viu um homem entrar no apartamento. _ A luz do corredor não está funcionando. A gente viu isso vindo pra cá. Ele pode facilmente ter se confundido com o próprio morador do apartamento. _ Puta que o... _ ele não completa. _ Você tá sugerindo que o vizinho não conhecia quem morava aqui?! _ Ele mesmo falou que a vítima era morador novo. Não acho que ele teve tempo de conhecê-lo bem. Além disso, com a luz do corredor não funcionando, não dá pra afirmar que ele seria capaz de distinguir o assassino do próprio morador. Sem falar que ele viu tudo pelo olho mágico.

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_ Quer saber de uma coisa? _ Vargas pousa uma de suas mãos no meu ombro. _ São dez da noite de sexta. Eu estou cansado pra caralho. _ suas mãos apertam mais forte. _ A última coisa que eu quero é perder meu tempo discutindo o gênero do assassino. Temos uma testemunha. Se ele disse que era um homem, era um homem. Ele anda até a porta do apartamento e, antes de sair, grita para o perito: _ E Umberto! Pode pôr no laudo que o nosso suspeito é um homem! Vou pra casa e sugiro que todo mundo faça o mesmo. Ouço os passos de Vargas ecoando pelo corredor, até sumirem. Fico sozinho na cena do crime, de novo. Tem algo errado aqui, algo extremamente errado. Vargas não me dá ouvidos, acha tudo uma grande bobagem. Mas eu tenho certeza. Chamo o perito pra perto, ele responde antipático: _ O que foi, Ricardo? Já vamos levar o corpo para autópsia. _ Antes que você faça isso me responda uma coisa. _ ajoelho ao lado do morto. – Você notou alguma coisa diferente nos lábios da vítima? _ Não vejo nada. _ Notou a coloração vermelha? _ Na verdade... – ele para por um segundo. – Não... Pego um lenço de papel e passo a ponta de forma branda no canto do lábio do morto. O lenço volta manchado de vermelho. _ Sabe o que é isso? _ eu pergunto, ele não responde. _ É batom. Coloque isso no seu laudo. _ Como você... _ É o terceiro assassinato seguido que acontece com o mesmo padrão. Morte por hemorragia externa, ataque com arma branca e sinais de batom no lábio da vítima. Foi uma mulher. Umberto é um idiota. Não importa o quanto eu tente explicar, a última palavra é sempre a do Vargas. Mostrar ou não as evidências parece inútil. Ele vê tudo o que mostro, ainda assim ele não fica convencido. _ Você tem mais alguma coisa além disso? _ ele pergunta. _ Não. Isso é tudo. _ Então sinto muito, Ricardo. Essas conexões com os outros crimes são totalmente subjetivas. E como o Vargas disse, o vizinho disse que viu um homem entrar no apartamento na hora do crime. Se você quiser provar que é uma mulher, consiga evidências mais concretas. _ É o meu instinto.

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_ Foi o que eu disse... sinto muito. Eles colocam o corpo da vítima num invólucro de plástico e fecham o zíper. Eu sou o último a sair do quarto. Passo por baixo da faixa de polícia. O caminho do corredor até as escadas parece mais longo. E vazio. Chego na rua e fumo um cigarro. Rápido demais. Então fumo outro. Chove e eu não tenho no que me proteger. Sigo a pé até o hotel. Estadia provisória para o meu apartamento que foi alvo de um incêndio. A chuva não cessa. Penso em subir até o meu quarto. Tentar dormir. Mas não estou com sono. Ou cansado. Minha cabeça não para, preciso de uma bebida. O bar do hotel: vazio. Apenas o barman. Peço um uísque. Esvazio o copo. Ele enche de novo. Tiro um cigarro do bolso. Não é permitido. Uma nota de cinquenta o ajuda a repensar. Então fumo. Fumo e deixo a fumaça pairar sobre o balcão. Pergunto se ele quer fumar também. Ele não sorri. Cidade pequena, gente pequena. O bar só é iluminado por lâmpadas amarelas do balcão. Meu reflexo me encara pelo espelho. O barman fala que está fechando o bar. Eu peço só mais um copo de uísque. Ele deixa. Me sinto sozinho. O cigarro já está acabando. Deveria estar na cama, dormindo. O barman vai para a cozinha. Eu me sinto ainda mais sozinho. Então alguém entra no bar. Eu não olho. Mas sinto um cheiro de rosas. Até que ela fala: _ Está livre? É uma mulher. Ela deixa os cabelos cobrirem parte da orelha esquerda, do outro lado ela os deixa para trás. Loira. Vestido preto curto que me deixa ver o suficiente. _ Não. Pode sentar. _ Esperando alguém? – ela ajeita a bolsa e o vestido enquanto senta. _ Também não. _ Então você não é daqui. _ Na verdade sou. Deu um problema no meu apartamento e estou aqui até arrumarem. _ Que droga. _ ela diz. _ Estou aqui de passagem. _ Negócios? _ Sim. Sou jornalista. _ Não tem muito o que ver nessa cidade. _ eu puxo um cigarro. _ Quer um? _ Eu não fumo.

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_ Eu também não. _ acendo o cigarro. _ Você não gosta muito daqui, não é? _ Cidade pequena, gente pequena. _ Não acho. Gente pequena existe em qualquer lugar. _ É... pode ser. _ trago profundamente. _ Você não parece muito convencido. _ Porque ainda acredito no que eu disse. Sou de São Paulo. _ Ah, tá explicado então. _ O você quer dizer com isso? _ Todo mundo que vem de São Paulo se acha melhor. _ ela diz. _ Eu também sou de lá. Não aguento mais aquela cidade. _ Se você não gosta de uma cidade é só se mudar. _ Olha só quem fala. _ Eu não posso. Trabalho aqui. _ Muda de emprego. _ Como se fosse fácil. _ meu cigarro está pela metade. _ Não querem mais policiais em São Paulo? – ela sorri. _ Como você... _ Dá pra ver a arma no seu coldre. _ ela aponta enquanto tento ajeitar o paletó. _ Não sou policial. Sou detetive. _ Grande diferença. _ Um policial atira antes de pensar. Eu tento só pensar. _ Bom, então você deve estar investigando os assassinatos que estão acontecendo aqui. _ ela puxa um bloco de notas e uma caneta. _ Isso é uma entrevista? _ Mais ou menos. _ Por que você não para de trabalhar um minuto e me acompanha no cigarro? _ Não fumo, já disse. Vocês tem alguma ideia do porquê desses assassinatos? Têm alguma relação? _ Então essa é a matéria que você veio buscar. _ Cidade pequena... _ ela deixa um sorriso lateral. _ Eu não falo de uma investigação em andamento. _ Tudo bem. Mas você precisa entender que não consigo achar ninguém que me dê uma informação útil desse caso. Eu tenho que voltar amanhã para São Paulo e não tenho nenhuma notícia.

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_ Ninguém aqui fala sobre isso porque ninguém acha que existe um padrão entre esses crimes. _ E você? _ ela pergunta. _ Eu não entendo. O que você vê de mais nesses crimes? Pessoas morrem todo dia. Você deveria ter ficado em São Paulo. _ Meu palpite é que tivesse uma história aqui. Foi o que eu disse para minha editora. Eu preciso de alguma informação. _ Boa sorte. _ o cigarro termina. _ Você sempre se veste assim para trabalhar? Ela se levanta irritada: _ Obrigada pela ajuda, babaca. Eu posso deixá-la ir. Depois voltar para o meu quarto e fechar os olhos. Mas preciso de alguém comigo. Não aguento mais uma noite do jeito que estou: _ Espere. _ eu levanto também – Eu posso falar sobre o que acho do caso. Mas não quer dizer nada. Ela se vira. Eu consigo ver seus olhos azuis: _ Qual o seu nome? _ Ricardo. _ Prazer, Felícia. – ela me cumprimenta como se nunca tivesse me conhecido. _ Sou repórter e quero fazer algumas perguntas pra você, se importa? _ Pode falar. – eu sorrio e decido entrar na dela. _ Você é um detetive? _ Correto. _ Quanto tempo? _ Nessa cidade, quase cinco anos. _ Você está investigando os assassinatos que estão acontecendo? _ Estou. _ E você acha que eles têm algo em comum? _ Talvez. _ Sim ou não? – ela diz. _ Sim. _ Por quê? _ Porque os assassinatos seguem um mesmo padrão. Vítimas costumam ser homens entre 35 e 40 anos. Sempre falecem por hemorragia externa, oriunda de um corte transversal no torso que atinge a artéria aorta. O agente utiliza-se de uma arma branca. _ Que tipo de arma branca?

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_ Uma faca de médio porte. Pelos níveis dos cortes eu diria talvez uma faca para limpar peixe. _ E esses crimes você acha que são feitos por uma pessoa só? _ Sim. _ Já tem algum suspeito? _ ela continua escrevendo no bloco de notas. _ Sim. _ Posso saber quem? _ Essa parte eu não posso falar, Felícia. Mas o resto, pode publicar. Ela para por um segundo, pensativa. _ Tudo bem. Me vê um cigarro. _ Você fuma agora? – eu rio. _ Sim. Eu passo o maço. Ela coloca um cigarro na boca. Eu acendo com o meu isqueiro. Felícia solta uma fumaça fina, ela sabe fumar. _ Satisfeito? _ Muito. Pensei que não fumava. _ Eu tento não fumar. _ ela diz. – Fazia dois anos que eu tinha parado. _ Meus pêsames. _ Deveria. A culpa é sua. _ ela ri. _ Foi bom você aparecer. Esse hotel é muito vazio. Ninguém viaja pra cá. Me sinto sozinho. _ Eu também me sinto. _ ela olha pra baixo. _ Vi que você tem uma aliança. _ Ele faleceu. Faz tempo. As coisas mudam muito rápido. _ Eu sinto muito. _ Tudo bem. Já superei. A luz ilumina Felícia de um jeito misterioso e ela me olha de um jeito misterioso. Eu me sinto mal por ela, de verdade. E, apesar de não conhecê-la bem, queria ajudá-la. Ela apaga o cigarro. Nós não falamos nada por um momento. A mão dela alcança a minha. Ela se inclina. Então ela me beija. Eu não recuo. O batom vermelho fica marcado em meu lábio. Deixamos o bar e subimos para o meu quarto. Ela fala alguma coisa no meu ouvido. Eu não ouço. A chuva resvala na janela.

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ANDRÉ CORDEIRO tem 21 anos, é graduando de Direito da PUC-SP e repórter da revista 29HORAS. Escreve nas horas vagas e sonha em viver da escrita. andremmcordeiro@hotmail.com

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AO PÉ DA LETRA POR ARNALDO NISKIER DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS

LEDO ENGANO “À entrada de uma empresa está escrito: seja bem vindo!” Isso não pode ser verdade. Ninguém é “bem vindo” e sim bem-vindo, porque o advérbio bem deve ser separado do segundo elemento por hífen, na maioria das palavras. Período correto: À entrada de uma empresa está escrito: seja bem-vindo!

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BOM SENTIMENTO “O bem-querer a todos é próprio daqueles que cultivam sentimentos puros.” Não é assim, não! Este termo é uma exceção à regra anterior explicada. Escreve-se: benquerer. Outras exceções: benfazejo, benfeito, benfeitor, benquerença e outras que lhes sejam afins. Período correto: O benquerer a todos é próprio daqueles que cultivam sentimentos puros. PAIXÃO POR CINEMA “O senhor sente saudade dos filmes de bangue bangue.” Mentira! Se a saudade fosse verdadeira escreveria: bangue-bangue, com hífen, pois palavras repetidas devem ser separadas por hífen, como sempre o foram.

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Frase correta: O senhor sente saudade dos filmes de bangue-bangue.

OBRA INDESEJADA “A dona de casa sofre com o barulho de bate estacas do prédio vizinho.” Escrito desse jeito (“bate estacas”), garanto que o barulho fica insuportável. Os compostos de verbo + substantivo exigem o uso do hífen: bate-estacas. Frase correta: A dona de casa sofre com o barulho de bate-estacas do prédio vizinho. VALE A PENA LEMBRAR O atual acordo ortográfico determina que os nomes dos dias da semana e dos meses do

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L ETRA

AO PÉ DA

ano devem ser grafados com letra minúscula, a não ser que iniciem uma frase. Já as datas cívicas devem ser registradas com letra maiúscula. Exemplos: O dia 1o de janeiro de 2016 cairá numa sexta-feira. O Sete de Setembro representa muito para os brasileiros. TUDO CERTO “Hei de vencer é uma máxima que deveria ser seguida”. Duplamente correta: a ideia e a ortografia. Não se deve usar hífen nas locuções, sejam elas adjetivas, substantivas, verbais (hei de vencer), pronominais, adverbiais, prepositivas, interjetivas ou conjuntivas. Exceções, por uma questão de tradição: cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, água-de-colônia, ao deus-dará, entre outras, têm hífen. MUDANÇA “O rapaz se julga realizado porque é Bacharel.” Tudo bem, mas não aprendeu a nova regra: as titulações devem ser escritas com letra inicial minúscula, logo o certo, agora, é bacharel. Período correto: O rapaz se julga realizado porque é bacharel.

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FINAL DE CAMPEONATO “Qualquer time que chegue à semi-final já terá garantido o segundo lugar.” É verdade, mas escrevendo “semi-final”, certamente não será campeão. Sempre que um prefixo terminar em vogal (i) e a segunda palavra começar com uma consoante (f) não se usará o hífen: semifinal. Período correto: Qualquer time que chegue à semifinal já terá garantido o segundo lugar.

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PRESSÃO ALTA “O senhor tomou o remédio antihipertensivo, mas não melhorou.” Um remédio “antihipertensivo” jamais fará efeito. Quando o segundo elemento de uma palavra com prefixo for iniciado com letra h, sempre se usa o hífen: anti-hipertensivo. Período correto: O senhor tomou o remédio anti-hipertensivo, mas não melhorou. CAUSA PERDIDA “O advogado usou um contra argumento, mas o juiz não o acatou.” Nem poderia, porque quando o prefixo terminar com a mesma vogal que inicia o segundo elemento, o hífen se torna obrigatório: contra-argumento. Período correto: O advogado usou um contra-argumento, mas o juiz não o acatou.

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SOGRA, NÃO! “O rapaz avisou à noiva que não quer co-ocupar a mesma casa com a mãe dela.” Briga na certa! O prefixo co é usado sempre junto, sem hífen. A exceção é com o h, quando este vem na segunda palavra, como co-herdeiro. Logo, escreve-se: coocupar Período correto: O rapaz avisou à noiva que não quer coocupar a mesma casa com a mãe dela.

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FRACASSO POLÍTICO “O prefeito de uma cidade do interior não conseguiu se re-eleger.” Garanto que o verbo “re-eleger” escrito dessa maneira contribuiu para a derrota. As palavras com o prefixo re devem ser grafadas sem hífen: reeleger. É uma exceção à regra. Período correto: O prefeito de uma cidade do interior não conseguiu se reeleger. SENSIBILIDADE “Os adolescentes, normalmente, são ultra- sensíveis.” Quaisquer pessoas ultra-sensíveis sofrem muito. Quando o prefixo terminar em vogal e a segunda palavra começar com s, este s será duplicado, não admitindo o uso do hífen: ultrassensíveis. Frase correta: Os adolescentes, normalmente, são ultrassensíveis. PROBLEMA SANADO “A moça teve falência da suprarrenal, mas depois do tratamento ficou boa.”

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Que bom! Certamente a escrita correta da palavra suprarrenal ajudou à cura da jovem. Porque quando o prefixo termina em vogal e o segundo elemento inicia com a letra r, dobra-se esse r. RACISMO “ As diferenças interraciais ainda não foram resolvidas.” E ainda demorarão muito para serem. É preciso atenção: se o prefixo for inter e a segunda palavra começar por r, usa-se o hífen – inter-raciais. Frase correta: As diferenças inter-raciais ainda não foram resolvidas. EXCESSO DE VELOCIDADE “Correr muito em uma auto-estrada pode causar sérios acidentes.” Escrevendo “auto-estrada”, o acidente será ainda maior. Se o prefixo termina em vogal (o) e o segundo elemento começa com uma vogal diferente (e), não se admite o hífen: autoestrada. Período correto: Correr muito em uma autoestrada pode causar sérios acidentes. OBSERVAÇÃO IMPORTANTE Quando os prefixos ab, ad, ob, sob e sub são seguidos de palavras iniciadas por r deve-se usar o hífen. Exemplos: ab-rogação / ad-rogado / ob-rogar / sob-roda / sub-rogativo.

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L ETRA

AO PÉ DA

VIZINHANÇA “ O casal morará na circum adjacência da família da noiva.” Não vai dar certo. Não existe a palavra “circum adjacência”. O prefixo circum exige hífen quando a segunda palavra começa com vogal, h, m ou n: circum-adjacência. O mesmo ocorre com o prefixo pan. Frase correta: O casal morará na circum-adjacência da família da noiva. CASA FLORIDA “A irmã de Maria gosta de enfeitar a casa com copos de leite.” Essas flores – “copos de leite” não existem. Os nomes de espécies botânicas e também da fauna têm hífen: copos-de-leite. Frase correta: A irmã de Maria gosta de enfeitar a casa com copos-de-leite. INAPETÊNCIA “A mãe do menino lhe deu um copo-de-leite, mas ele não tomou.” Ele fez muito bem! Escrito com hífen é uma flor (copo-de-leite), a bebida indicada para o menino é sem os hifens: copo de leite. Locuções com mais de dois elementos não admitem o hífen quando seus similares forem no âmbito de espécies botânicas ou da fauna. Período correto: A mãe do menino lhe deu um copo de leite, mas ele não tomou.

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75 ORGULHO JUSTIFICADO (I) “O rapaz se diz muito honrado por ser afro-descendente.” Concordo com ele, mas deveria fazer questão de grafar corretamente a palavra: afrodescendente. Período correto: O rapaz se diz muito honrado por ser afrodescendente. ORGULHO JUSTIFICADO (II) “ A jovem se diz muito honrada por ser afroamericana.” Já que tem tanto orgulho, deve aprender a escrever corretamente: afro-americana, com hífen. Período correto: A jovem se diz muito honrada por ser afro-americana.

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INSTIGAÇÃO

Informativo do SESI-SP e SENAI-SP SUP/DR - número 06 - julho de 2015

Por José Carlos Mendes Manzano e Nacim Walter Chieco

EVASÃO ESCOLAR

A evasão escolar sempre foi motivo de grande preocupação de planejadores e dirigentes de instituições de ensino. Atualmente, porém, vem se tornando um verdadeiro drama, sobretudo nas instituições de educação profissional, dado o crescente aumento dos índices de abandono e de desistência dos cursos. Isso gera um pesado ônus para as instituições e para toda a sociedade. Como em vários outros temas da educação, pululam analistas e pe76ritos em explicações e saídas salvadoras para esse grave problema. Lamentavelmente, entretanto,

não se tem procurado identificar previamente as causas, de forma a fundamentar proposta adequada e realista de cura da doença. A título de contribuição para uma abordagem menos amadora, pode-se considerar dois grandes grupos de causas da evasão: as escolares, que podem e devem ser atacadas pela instituição de ensino, e as extraescolares, que, na maioria dos casos, fogem ao controle e intervenção direta e exclusiva da escola.

Entre as causas escolares da evasão, podem ser destacadas as seguintes: • proposta pedagógica mal elaborada e sem qualquer vínculo com as aspirações da comunidade a que a escola pertence; • currículo enciclopédico e descolado do mercado de trabalho e da realidade dos alunos; • falta ou insuficiência de informação prévia aos candidatos sobre a escola e o curso; • método de ensino com prática escolar excessivamente verbalista, mantendo os alunos em situação predominantemente passiva; • avaliação da aprendizagem sem transparência e sem diálogo quanto aos resultados e às formas de recuperação e reforço; • fracasso do aluno, com reprovações e queda da autoestima; • falta ou insuficiência de recuperação e reforço;

• professores descomprometidos e desmotivados, com reflexos evidentes no trabalho em sala de aula; • ausência exagerada dos docentes; • má formação dos docentes; • direção da escola que não exerce liderança nem mobiliza a equipe interna, as famílias e a comunidade em torno dos valores norteadores da proposta pedagógica; • bullying e outras formas de violência e discriminação; • condições insuficientes e inadequadas do estabelecimento, no que se refere às instalações, mobiliário, equipamentos, acessibilidade, comunicação, biblioteca e demais recursos tecnológicos.

Há uma grande variedade de causas extraescolares. Algumas podem ser consideradas mais frequentes. Podem ser citadas: • econômicas, quando o aluno precisa trabalhar para ajudar a família ou, mesmo, quando os pais não contam com renda mínima

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suficiente para manter o filho na escola, ainda que esta seja gratuita; • falta de sistema público de informação e orien-

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tação profissional, com descrição das ocupações e oportunidades de trabalho e formação; • mudança de residência, que, no caso de transferência, não deve ser caracterizada como evasão; mas, muitas vezes, essa mudança é motivada por redução de renda e, nesse caso, acaba sim provocando evasão escolar; • baixo nível e falta de compromisso das instituições formadoras de docentes; • desemprego dos pais e do próprio aluno;

• trabalho do aluno em horário incompatível com a escola; • falta ou deficiência de transporte; • doença do aluno ou de pessoa da família; • desajuste familiar; • desinteresse pelo estudo, que pode estar associado a alguma causa escolar; • falta de segurança no entorno escolar; • delinquência; • drogas.

Há causas que podem ser consideradas, simultaneamente, escolares e extraescolares. Por exemplo, uma escolha profissional muito precoce, frequentemente sob influência familiar e de amigos, é causa externa à escola. A isso se associa, no entanto, o baixo limite de idade de oferta dos cursos pela escola, permitido pela legislação brasileira.

se viabilize torna-se possível conhecer as causas da saída definitiva.

Diante disso, fica a questão de como proceder para resolver o problema. Em primeiro lugar, é preciso conhecer as causas para que se possa definir estratégias e linhas de ação adequadas para reduzir a evasão. Ações deflagradas a partir de meras suposições de causas não produzem os efeitos esperados, provocando desânimo diante da questão não solucionada e até agravada. Quanto às causas extraescolares, embora o estabelecimento de ensino não seja o responsável principal, deve participar e se envolver na luta que é do poder público e de toda a sociedade. Fica na alçada da escola a tarefa de identificar e combater as causas escolares da evasão. A principal fonte de informação, sem dúvida alguma, é o próprio evadido, sua família e amigos. Afinal, o aluno não é somente um número a alimentar um índice. Ele é uma pessoa, uma identidade, um nome, um endereço. Há, porém, dificuldades que são o momento em que se caracterizam, de fato, o abandono e a localização do evadido. A melhor ocasião para se apurar o motivo dessa possível evasão seria aos primeiros sinais de repetida e inexplicável ausência. Além de uma tentativa de reintegração do aluno, caso esta não

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Outro ponto a se considerar com a devida atenção, no caso de rede de ensino, é o de que pode haver causas genéricas, mas o foco principal de ataque do problema deve ser cada escola isoladamente, pois cada uma delas, em função do seu contexto, apresenta um perfil próprio 77 de causas e, consequentemente, de formas de luta contra a evasão. Significa, portanto, que os órgãos centrais, a par de ações de cunho estratégico institucional, devem oferecer todo o apoio para que cada escola elabore e execute, coletivamente, um plano específico de combate à evasão. Para a análise da situação e definição de metas, juntamente com a pesquisa qualitativa, é preciso levantar os índices de evasão de cada modalidade formativa da escola, da instituição e da unidade federativa, preferencialmente em séries históricas de, no mínimo, dez anos. Além dos índices anuais, que se prestam à avaliação de desempenho institucional, é desejável apurar os índices de cada curso completo, ou seja, verificar a porcentagem de alunos concluintes em relação aos matriculados no início de cada curso. Finalmente, cabe salientar que um plano bem-sucedido de redução e até de eliminação da evasão, não significa que o assunto deixa de ser objeto de preocupação da escola. Não se pode abaixar a guarda. Trata-se de luta constante e difícil. Como a própria vida, na “Canção do tamoio”, do poeta Gonçalves Dias, é uma “luta renhida”.

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EVENTOS DAS EDITORAS SESI-SP E SENAI-SP

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EV EN ES TO DI TO RA

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LANÇAMENTO BRINCANDO COM O CONTA-GOTAS LIVRARIA DA VILA – ALAMEDA LORENA – SÃO PAULO (SP)

LANÇAMENTO CLUBE DO LIVRO LIVRARIA DO CENTRO CULTURAL FIESP – RUTH CARDOSO (SP)

PREMIAÇÃO FNLIJ CENTRO DE CONVENÇÕES SUL AMÉRICA (RJ)

LANÇAMENTO CLUBE DO LIVRO LIVRARIA MARTINS FONTES – AVENIDA PAULISTA - SÃO PAULO (SP)

LANÇAMENTO A VIDA É LOGO AQUI LIVRARIA CULTURA (SP)

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CARDÁPIO

CENTRO CULTURAL FIESP – RUTH CARDOSO* Foto: Divulgação

AVENIDA PAULISTA, 1313 SÃO PAULO SP EXPOSIÇÃO FILE SP 2015 – FESTIVAL INTERNACIONAL DE LINGUAGEM ELETRÔNICA GALERIA DE ARTE DO SESI-SP ATÉ 16 DE AGOSTO DE 2015 TODOS OS DIAS, DAS 10H ÀS 20H, COM ENTRADA PERMITIDA ATÉ AS 19H40

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O SESI-SP realiza a 16a edição do FILE – Festival Internacional de Linguagem Eletrônica, reunindo obras da vanguarda da arte eletrônica de todo o mundo. Como resume Paula Perissinotto, idealizadora e organizadora do evento ao lado de Ricardo Barreto, “o que nos move para realizar o FILE são as novas poéticas que se expressam dentro do universo digital. O público poderá observar as novas poesias criadas por artistas que expressam a estética do século 21”. Ou como sintetiza a frase que é tema do festival neste ano, “The new e-motion”, o movimento (motion) associado ao eletrônico (e-) produz novas emoções. Ao todo, serão mais de 330 trabalhos, que ocuparão os mil metros quadrados da área expositiva da Galeria de Arte do SESI-SP e outros espaços abertos, como a Galeria de Arte Digital SESI-SP (na fachada do prédio do SESISP/Fiesp), a calçada do outro lado da avenida Paulista em frente ao edifício e os acessos às estações Trianon-MASP e Consolação do Metrô. Neste ano, o FILE reunirá diversas categorias que expressam novas poéticas da arte e tecnologia, por meio de instalações, jogos, videoarte, animações e a recente imersão estética que utiliza óculos 3D. TEATRO CAIS OU DA INDIFERENÇA DAS EMBARCAÇÕES ESPAÇO MEZANINO DE 30 DE JULHO A 23 DE AGOSTO QUINTA A SÁBADO, ÀS 20H | DOMINGOS, ÀS 18H

Grande sucesso desde 2012, a montagem tem lotado sessões por onde passa e é vencedora de quatro importantes prêmios: melhor autor pela APCA, Shell e Aplauso Brasil, e o prêmio Qualidade Brasil como melhor diretor, todos para Kiko Marques. Ao todo a obra já recebeu 19 indicações desde sua estreia. O enredo se desenrola em um cais na Ilha Grande (RJ) e gira em torno de três gerações de uma mesma família. “O cais é um lugar de intersecção entre o que é terrestre e o que é marítimo. De lá, se parte para uma vida melhor, para escapar de uma realidade opressora. Por lá, se chega para conquistar algo novo, para uma vida nova, boa ou má. Um lugar de passagem”, explica Kiko Marques. A história acontece nas viradas de ano, momento em que as pessoas suspendem o cotidiano para rever suas ações e refletir, projetando para o ano que virá a possibilidade

de se tornarem melhores, querendo seguir sua consciência, mas influenciados pelo movimento das marés e das tempestades, num limite impossível de definir entre o externo e o interno. Tratando da separação que há entre o discurso humano e suas ações, o texto leva o espectador a questionar se somos nós mesmos os donos de nosso destino. ARTE NATUREZA URBANA – RISCOS E TRAÇOS GALERIA DE ARTE DIGITAL SESI-SP DE 7 DE AGOSTO A 6 DE SETEMBRO DAS 20H ÀS 22H – EXIBIÇÃO DE OBRAS INTERATIVAS; PARTICIPAÇÃO DO PÚBLICO NA ALAMEDA DAS FLORES DAS 22H ÀS 6H – EXIBIÇÃO DAS OBRAS EM VÍDEO

Desde sua inauguração, a Galeria de Arte Digital SESI-SP tem veiculado obras que exploram os estilos possíveis para um painel colossal de baixa resolução. Contraste cromático, formas cheias e padrões visuais marcaram a estética dos trabalhos que tomaram a fachada, remetendo a uma iconografia urbana. Para ampliar essa pesquisa, a mostra Natureza Urbana – Riscos e Traços reúne seis artistas de origem em mídias diferentes e investiga como seus estilos se comportam na Galeria, tomando por escopo o traçado das figuras. A partir dessa ótica formal, é estabelecida uma reflexão cultural, pautada no deslocamento de determinadas linguagens de seu espaço tradicional para uma plataforma gigantesca, de baixa resolução, a céu aberto e em diálogo com o espaço público. A procura de outros efeitos plásticos nas imagens exibidas, a partir de traçados tradicionalmente aplicados em outros meios, coloca em evidência as potencialidades da Galeria Digital, sobretudo a capacidade de colocar essas obras na paisagem urbana, em contato com o público espontâneo que transita pela Avenida Paulista. De 7 de agosto a 6 de setembro, das 20h às 22h, o público pode participar da instalação interativa Fazer Chover em SP, posicionada na Alameda das Flores, travessa para pedestres na Avenida Paulista. Na fachada, uma imagem em pixel art responde aos movimentos dos participantes. Às sextas e sábados, as figuras pixeladas compartilham o espaço com os traços manuais dos caricaturistas Toni D’Agostinho, Paulo Branco, Junior Lopes e Amorim, que estarão na Alameda das Flores desenhando o público para o especial Caricatura Digital. As ilustrações aparecem em tempo real na Galeria Digital. Após as 22h, a animação Garden Guerrilha, desenhada quadro a quadro pelo VJ Suave, ocupa a fachada e alterna-se com versões em vídeo das obras interativas até as 6h.

MESTRES DA ARTE ESPONTÂNEA. AUTOR DA OBRA: GERALDO DE ANDRADE DANILO BRITO A COSTUREIRA BAILE BRUTO CAIS OU DA INDIFERENÇA DAS EMBARCAÇÕES

* Datas e horários sujeitos a alterações. Mais informações no site www.sesisp.org.br/cultura/.

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CARDÁPIO Foto: Maria Camillo

Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

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Foto: Mateus Souza

Foto: Maringas Maciel

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Foto: Divulgação

GALERIA DE FOTOS

Foto: Divulgação

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Foto: Daryan Dornelles

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Foto: Pedro Matallo

CARDÁPIO

Foto: Helcio Nagamine

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MESTRES DA ARTE ESPONTÂNEA GUILHERME ARANTES MONALISA VASCONCELOS NEGRA LI NÚCLEO EXPERIMENTAL DE ARTES CÊNICAS DO SESI-SP MARCELO JENECI BLUBELL

Foto: Lais Aranha

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UNIDADES DO SESI-SP AMERICANA CAT DR. ESTEVAM FARAONE AVENIDA BANDEIRANTES,1000 CHÁCARA MACHADINHO CEP 13478-700 - AMERICANA - SP Tel: (19) 3471-9000 www.sesisp.org.br/americana ARAÇATUBA CAT FRANCISCO DA SILVA VILLELA RUA DR. ALVARO AFONSO DO NASCIMENTO, 300 - J. PRESIDENTE CEP 16072-530 - ARAÇATUBA - SP Tel: (18) 3519-4200 www.sesisp.org.br/aracatuba ARARAQUARA CAT WILTON LUPO AVENIDA OCTAVIANO DE ARRUDA CAMPOS, 686 - JD. FLORIDIANA CEP 14810-901 - ARARAQUARA - SP Tel: (16) 3337-3100 www.sesisp.org.br/araraquara ARARAS CAT LAERTE MICHIELIN AVENIDA MELVIN JONES, 2.600 - B. HEITOR VILLA-LOBOS CEP 13607-055 - ARARAS - SP Tel: (19) 3542-0393 www.sesisp.org.br/araras BAURU CAT RAPHAEL NOSCHESE RUA RUBENS ARRUDA, 8-50 - ALTOS DA CIDADE CEP 17014-300 - BAURU - SP Tel: (14) 3234-7171 www.sesisp.org.br/bauru

CAMPINAS I CAT PROFESSORA MARIA BRAZ AVENIDA DAS AMOREIRAS, 450 CEP 13036-225 - CAMPINAS I - SP Tel: (19) 3772-4100 www.sesisp.org.br/amoreiras CAMPINAS II CAT JOAQUIM GABRIEL PENTEADO AVENIDA ARY RODRIGUEZ, 200 - B. BACURI CEP 13052-550 - CAMPINAS II - SP Tel: (19) 3225-7584 www.sesisp.org.br/campinas2 COTIA OLAVO EGYDIO SETÚBAL RUA MESOPOTÂMIA, 300 - MOINHO VELHO CEP 06712-100 - COTIA - SP Tel: (11) 4612-3323 www.sesisp.org.br/cotia CRUZEIRO CAT OCTÁVIO MENDES FILHO RUA DURVALINO DE CASTRO, 501 - VILA ANA ROSA NOVAES CEP 12705-210 - CRUZEIRO - SP Tel: (12) 3141-1559 www.sesisp.org.br/cruzeiro CUBATÃO CAT DÉCIO DE PAULA LEITE NOVAES AVENIDA COM. FRANCISCO BERNARDO, 261 - JD. CASQUEIRO CEP 11533-090 - CUBATÃO - SP Tel: (13) 3363-2662 www.sesisp.org.br/cubatao

BIRIGUI CAT MIN. DILSON FUNARO AVENIDA JOSÉ AGOSTINHO ROSSI, 620 - JARDIM PINHEIROS CEP 16203-059 - BIRIGUI - SP Tel: (18) 3642-9786 www.sesisp.org.br/birigui

DIADEMA CAT JOSÉ ROBERTO MAGALHÃES TEIXEIRA AVENIDA PARANAPANEMA, 1500 TABOÃO CEP 09930-450 - DIADEMA - SP Tel: (11) 4092-7900 www.sesisp.org.br/diadema

BOTUCATU CAT SALVADOR FIRACE RUA CELSO CARIOLA, 60 – ENG. FRANCISCO CEP 18605-265 - BOTUCATU - SP Tel: (14) 3811-4450 www.sesisp.org.br/botucatu

FRANCA CAT OSVALDO PASTORE AVENIDA SANTA CRUZ, 2870 - JD. CENTENÁRIO CEP 14403-600 - FRANCA - SP Tel: (16) 3712-1600 www.sesisp.org.br/franca

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GUARULHOS CAT MORVAN DIAS DE FIGUEIREDO RUA BENEDITO CAETANO DA CRUZ, 566 - JARDIM ADRIANA CEP 07135-151 - GUARULHOS - SP Tel: (11) 2404-3133 www.sesisp.org.br/guarulhos INDAIATUBA CAT ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES AVENIDA FRANCISCO DE PAULA LEITE, 2701 - JD. CALIFÓRNIA CEP 13346-000 - INDAIATUBA - SP Tel: (19) 3875-9000 www.sesisp.org.br/indaiatuba ITAPETININGA CAT - BENEDITO MARQUES DA SILVA AVENIDA PADRE ANTONIO BRUNETTI, 1.360 - VL. RIO BRANCO CEP 18208-080 - ITAPETININGA - SP Tel: (15) 3275-7920 www.sesisp.org.br/itapetininga

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ITU CAT CARLOS EDUARDO MOREIRA FERREIRA RUA JOSÉ BRUNI, 201 - BAIRRO SÃO LUIZ CEP 13304-080 - ITU - SP Tel: (11) 4025-7300 www.sesisp.org.br/itu JACAREÍ CAT KARAM SIMÃO RACY RUA ANTONIO FERREIRA RIZZINI, 600 JD. ELZA MARIA CEP 12322-120 - JACAREÍ - SP Tel: (12) 3954-1008 www.sesisp.org.br/jacarei JAÚ CAT RUY MARTINS ALTENFELDER SILVA AVENIDA JOÃO LOURENÇO PIRES DE CAMPOS, 600 - JD. PEDRO OMETTO CEP 17212-591 - JAÚ - SP Tel: (14) 3621-1042 www.sesisp.org.br/jau JUNDIAÍ CAT ÉLCIO GUERRAZZI AVENIDA ANTONIO SEGRE, 695 - JARDIM BRASIL CEP 13201-843 - JUNDIAÍ - SP Tel: (11) 4521-7122 www.sesisp.org.br/jundiai

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LIMEIRA CAT MARIO PUGLIESE AVENIDA MJ. JOSÉ LEVY SOBRINHO, 2415 - ALTO DA BOA VISTA CEP 13486-190 - LIMEIRA - SP Tel: (19) 3451-5710 www.sesisp.org.br/limeira

OURINHOS CAT MANOEL DA COSTA SANTOS RUA PROFESSORA MARIA JOSÉ FERREIRA, 100 - BAIRRO DAS CRIANÇAS CEP 19910-075 - OURINHOS - SP Tel: (14) 3302-3500 www.sesisp.org.br/ourinhos

MARÍLIA CAT LÁZARO RAMOS NOVAES AVENIDA JOÃO RAMALHO, 1306 - JD. CONQUISTA CEP 17520-240 - MARÍLIA - SP Tel: (14) 3417-4500 www.sesisp.org.br/marilia

PIRACICABA CAT MARIO MANTONI AVENIDA LUIZ RALPH BENATTI, 600 - V. INDUSTRIAL CEP 13412-248 - PIRACICABA - SP Tel: (19) 3403-5900 www.sesisp.org.br/piracicaba

MATÃO CAT PROFESSOR AZOR SILVEIRA LEITE RUA MARLENE DAVID DOS SANTOS, 940 - JARDIM PARAÍSO III CEP 15991-360 - MATÃO - SP Tel: (16) 3382-6900 www.sesisp.org.br/matao

PRESIDENTE EPITÁCIO CIL - CARLOS CARDOSO DE ALMEIDA AMORIM AVENIDA DOMINGOS FERREIRA DE MEDEIROS, 2.113 - VILA RECREIO CEP 19470-000 - PRES. EPITÁCIO - SP Tel: (18) 3281-2803 www.sesisp.org.br/presidenteepitacio

MAUÁ CAT MIN. RAPHAEL DE ALMEIDA MAGALHÃES AVENIDA PRESIDENTE CASTELO BRANCO, 237 - JARDIM ZAÍRA CEP 09320-590 - MAUÁ - SP Tel: (11) 4542-8950 www.sesisp.org.br/maua MOGI DAS CRUZES CAT NADIR DIAS DE FIGUEIREDO RUA VALMET, 171 - BRAZ CUBAS CEP 08740-640 - MOGI DAS CRUZES - SP Tel: (11) 4727-1777 www.sesisp.org.br/mogidascruzes

PRESIDENTE PRUDENTE CAT BELMIRO JESUS AVENIDA IBRAIM NOBRE, 585 - PQ. FURQUIM CEP 19030-260 - PRES. PRUDENTE - SP Tel: (18) 3222-7344 www.sesisp.org.br/presidenteprudente RIBEIRÃO PRETO CAT JOSÉ VILLELA DE ANDRADE JUNIOR RUA DR. LUÍS DO AMARAL MOUSINHO, 3465 - CASTELO BRANCO CEP 14090-280 - RIBEIRÃO PRETO - SP Tel: (16) 3603-7300 www.sesisp.org.br/ribeiraopreto

MOGI GUAÇU CAT MIN. ROBERTO DELLA MANNA RUA EDUARDO FIGUEIREDO, 300 - PARQUE RESIDENCIAL ZANIBONI III CEP 13848-090 - MOGI GUAÇU - SP Tel: (19) 3861-3232 www.sesisp.org.br/mogiguacu

RIO CLARO CAT JOSÉ FELÍCIO CASTELLANO AVENIDA M-29, 441 - JD. FLORIDIANA CEP 13505-190 - RIO CLARO - SP Tel: (19) 3522-5650 www.sesisp.org.br/rioclaro

OSASCO CAT LUIS EULALIO DE BUENO VIDIGAL FILHO AVENIDA GETÚLIO VARGAS, 401 CEP 06233-020 - OSASCO - SP Tel: (11) 3602-6200 www.sesisp.org.br/osasco

SANTA BÁRBARA D' OESTE CAT AMÉRICO EMÍLIO ROMI AVENIDA MÁRIO DEDINI, 216 - V. OZÉIAS CEP 13453-050 - S. B. D’OESTE - SP Tel: (19) 3455-2088 www.sesisp.org.br/santabarbara

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SANTANA DE PARNAÍBA CAT JOSÉ CARLOS ANDRADE NADALINI AVENIDA CONSELHEIRO RAMALHO, 264 - CIDADE SÃO PEDRO CEP 06535-175 - SANTANA DE PARNAÍBA - SP Tel: (11) 4156-9830 www.sesisp.org.br/parnaiba SANTO ANDRÉ CAT THEOBALDO DE NIGRIS PÇA. DR. ARMANDO DE ARRUDA PEREIRA, 100 - STA. TEREZINHA CEP 09210-550 - SANTO ANDRÉ - SP Tel: (11) 4996-8600 www.sesisp.org.br/santoandre SANTOS CAT PAULO DE CASTRO CORREIA AVENIDA NOSSA SENHORA DE FÁTIMA, 366 - JD. SANTA MARIA CEP 11085-202 - SANTOS - SP Tel: (13) 3209-8210 www.sesisp.org.br/santos SÃO BERNARDO DO CAMPO CAT ALBANO FRANCO RUA SUÉCIA, 900 - ASSUNÇÃO CEP 09861-610 - S. B. DO CAMPO - SP Tel: (11) 4109-6788 www.sesisp.org.br/sbcampo SÃO CAETANO DO SUL CAT PRES. EURICO GASPAR DUTRA RUA SANTO ANDRÉ, 810 - BOA VISTA CEP 09572-140 - S. C. DO SUL - SP Tel: (11) 4233-8000 www.sesisp.org.br/saocaetano SÃO CARLOS CAT ERNESTO PEREIRA LOPES FILHO RUA CEL. JOSÉ AUGUSTO DE OLIVEIRA SALLES, 1325 - V. IZABEL CEP 13570-900 - SÃO CARLOS - SP Tel: (16) 3368-7133 www.sesisp.org.br/saocarlos SÃO JOSÉ DO RIO PRETO CAT JORGE DUPRAT FIGUEIREDO AVENIDA DUQUE DE CAXIAS, 4656 V. ELVIRA CEP 15061-010 - SÃO JOSÉ DO RIO PRETO - SP Tel: (17) 3224-6611 www.sesisp.org.br/sjriopreto

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SÃO JOSÉ DOS CAMPOS CAT OZIRES SILVA AVENIDA CIDADE JARDIM, 4389 BOSQUE DOS EUCALIPTOS CEP 12232-000 - SÃO JOSÉ DOS CAMPOS - SP Tel: (12) 3936-2611 www.sesisp.org.br/sjcampos SÃO PAULO – AE CARVALHO CAT MARIO AMATO RUA DEODATO SARAIVA DA SILVA, 110 PQ. DAS PAINEIRAS CEP 03694-090 - SÃO PAULO - SP Tel: (11) 2026-6000 www.sesisp.org.br/carvalho SÃO PAULO – CATUMBI CAT ANTONIO DEVISATE RUA CATUMBI, 318 - BELENZINHO CEP 03021000 - SÃO PAULO - SP Tel: (11) 2291-1444 www.sesisp.org.br/catumbi SÃO PAULO – IPIRANGA CAT ROBERTO SIMONSEN RUA BOM PASTOR, 654 - IPIRANGA CEP 04203-000 - SÃO PAULO - SP Tel: (11) 2065-0150 www.sesisp.org.br/ipiranga SÃO PAULO – VILA DAS MERCÊS CAT PROFESSOR CARLOS PASQUALE RUA JÚLIO FELIPE GUEDES, 138 CEP 04174-040 - SÃO PAULO - SP Tel: (11) 2946-8172 www.sesisp.org.br/merces SÃO PAULO – VILA LEOPOLDINA CAT GASTÃO VIDIGAL RUA CARLOS WEBER, 835 - VILA LEOPOLDINA CEP 05303-902 - SÃO PAULO - SP Tel: (11) 3832-1066 www.sesisp.org.br/leopoldina

SOROCABA CAT - SEN JOSÉ ERMÍRIO DE MORAES RUA DUQUE DE CAXIAS, 494 - MANGAL CEP 18040-425 - SOROCABA - SP Tel: (15) 3388-0444 www.sesisp.org.br/sorocaba SUMARÉ CAT FUAD ASSEF MALUF AVENIDA AMAZONAS, 99 - JARDIM NOVA VENEZA CEP 13177-060 - SUMARÉ - SP Tel: (19) 3838-9710 www.sesisp.org.br SUZANO CAT MAX FEFFER AVENIDA SENADOR ROBERTO SIMONSEN, 550 - JARDIM IMPERADOR CEP 08673-270 - SUZANO - SP Tel: (11) 4741-1661 www.sesisp.org.br/suzano

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TATUÍ CAT WILSON SAMPAIO AVENIDA SÃO CARLOS, 900 B. DR. LAURINDO CEP 18271-380 - TATUÍ - SP Tel: (015) 3205-7910 www.sesisp.org.br/tatui TAUBATÉ CAT LUIZ DUMONT VILLARES RUA VOLUNTÁRIO BENEDITO SÉRGIO, 710 - B. ESTIVA CEP 12050-470 - TAUBATÉ - SP Tel: (12) 3633-4699 www.sesisp.org.br/taubate VOTORANTIM CAT JOSÉ ERMÍRIO DE MORAES FILHO RUA CLÁUDIO PINTO NASCIMENTO, 140 - JD. MORUMBI CEP 18110-380 - VOTORANTIM - SP Tel: (15) 3353-9200 www.sesisp.org.br/votorantim

SERTÃOZINHO CAT NELSON ABBUD JOÃO RUA JOSÉ RODRIGUES GODINHO, 100 CONJ. HAB. MAURÍLIO BIAGI CEP 14177-320 - SERTÃOZINHO - SP Tel: (16) 3945-4173 www.sesisp.org.br/sertaozinho

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Ilustração de Rafael Antón para o livro A incrível história do homem que não sonhava.


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