Revista Ponto #12 - ABR/MAI/JUN 2017

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ISSN 2359-5248

9 772359 524001

12 ABR/MAI/JUN 2017

Foto-MIS

COLEÇÃO REÚNE ACERVO DO MUSEU

Conversa com Don Tapscott Publicação literária e cultural do SESI-SP #12 ABR/MAI/JUN 2017

editora@sesisenaisp.org.br sesispeditora.com.br facebook.com/sesi-sp-editora

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ABR/MAI/JUN 2017

SESI-SP Editora Av. Paulista 1313 – 4o andar 01311-923 São Paulo SP Telefone 55 11 3146 7308

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Cinema israelense um cinema disposto a atravessar fronteiras

A ficção fantástica e as narrativas de horror por Silvio Alexandre

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Na página anterior, ilustração do livro Encantados – contos de fada para jovens leitores, lançamento da SESI-SP Editora.

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editorial

A Ponto 12 inaugura uma divertida e espirituosa – no sentido

mais pleno do termo – seção de reflexões, aforismos e displicências do escritor Evandro Affonso Ferreira, intitulada Bombons recheados de cicuta. No divertido tom do autor de Grogotó!, Os piores dias de minha vida foram todos, entre outros, temos frases e pensamentos dos mais diversos, todos levando o recheio do sarcasmo e do lirismo seco e profundo. Junto com a seção Ponto do Conto, que traz a segunda parte de “A

Rosa de Luxemburgo”, do mesmo nobre Evandro, vamos aos poucos equilibrando o conteúdo autoral de cunho mais literário, seja ficcional ou não (aguardem os ensaios que vêm pela frente), com o conteúdo documental mais jornalístico, que pauta a revista desde a sua origem e que levanta questões importantes sobre o cenário cultural brasileiro. O que também gostamos muito de fazer nesta revista é a pesquisa iconográfica, muitas vezes clara e determinada diretamente pelo texto, outras muitas tiradas de uma interpretação subjetiva associada a um amplo repertório de imagens, tornando a Ponto muito visual – e não se trata de pura e simples ilustração, mas sim de um complemento condicionante da interpretação do conteúdo. Esperamos que gostem do que preparamos para este número! O Editor 3

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conselho editorial Paulo Skaf (Presidente) Walter Vicioni Gonçalves Débora Cypriano Botelho Neusa Mariani comissão editorial Alexandre Ribeiro Meyer Pflug Débora Pinto Alves Viana Rodrigo de Faria e Silva editor-chefe Rodrigo de Faria e Silva produção editorial Letícia Mendes de Souza coordenação editorial Gabriella Plantulli Mario Santin Frugiuele produção gráfica Camila Catto Sirlene Nascimento Valquíria Palma

José de Fernandes Teixeira Filho e Marcio Mazza. Maio, 1974.

editoração Letícia Alvarez Sardella/Globaltec Editora colaboradores desta edição Carlos Helí de Almeida Deise Deffune Evandro Affonso Ferreira Leonardo Coelho Rocha Nelson de Oliveira Regina Maria Fontes Lacerda da Fonseca Silvio Alexandre revisão Patricia B. Almeida jornalista responsável Gabriella Plantulli (MTB 0030796SP) capa e projeto gráfico Tereza Bettinardi tiragem desta edição 5 mil exemplares impressão Gráfica Rona CAPA Diafragma fotográfico. Fotografia que compõe o livro Lambe-lambe, da coleção Foto-MIS.

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Revista Ponto® – Publicação literária e cultural Número 12 – Abr-Mai-Jun de 2017 SESI-SP Editora Av. Paulista 1.313, 4o andar Tel. (11) 3146-7134 comunicacao_editora@sesisenaisp.org.br www.sesispeditora.com.br www.facebook.com/sesi-sp-editora

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sumário

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Fotografia Coleção Foto-MIS reúne acervo do museu

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Lançamentos

Um cinema disposto a atravessar fronteiras Por Carlos Helí de Almeida

Entrevista com Alayde Toledo Silva Pinto

Estante de livros

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Bombons recheados de cicuta

Por Evandro Affonso Ferreira

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Ponto entrevista

Conversa com Don Tapscott

18

Cultura

42

Estante de HQs Lançamentos

44

Tirinhas

Claudius, Orlandeli, Ossostortos, Ruis e Gilmar

Arte

46

30

Oficina de criação literária: um ritual sagrado Por Nelson de Oliveira

A arte que vem do palácio Por Leonardo Coelho Rocha

Literatura

Artigo

Ponto educação

68

Ponto do conto

Por Evandro Affonso Ferreira

78

Ponto do novo contista

Por Mariana Salomão Carrara

82

Galeria de fotos

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Unidades do SESI-SP

A ficção fantástica e as narrativas de horror Por Silvio Alexandre

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estante de livros

Lançamentos Encantados – contos de fadas para jovens leitores Adaptação HELENA GOMES Ilustrações ARTHUR VERGANI

Autora de mais de quarenta livros, Helena Gomes não economizou nas doses de ação e aventura ao adaptar os seis contos aqui reunidos. As histórias, menos conhecidas do leitor, remontam a uma época de príncipes, princesas, monstros, bruxas e encantamentos. Mistérios de um tempo que sobreviveu (e sobrevive) graças à tradição oral.

Crônicas de saúde, ciência e cotidiano EDUARDO FERREIRA ARANTES

Da gestão profissional da saúde no Brasil aos cuidados médicos que se deve ter para levar uma vida saudável, o autor nos apresenta dados, conclusões e teorias surpreendentes, finalizando cada capítulo com um aforismo que leva o leitor a refletir sobre aquilo que é apresentado.

Ribolópolis ANDY MULLIGAN

Conheça Ribolópolis, uma escola como nenhuma outra: situada em uma mansão caindo aos pedaços, tem um diretor cujas ideias são pra lá de malucas. Mas os alunos também não são flor que se cheire, como a incendiária e o filho do gângster. Dentro dessa rotina nada convencional, tudo muda quando um deles descobre um grande segredo que se esconde no subterrâneo de Ribolópolis.

Fronteira

CORNÉLIO PENNA

Em seu romance de estreia, simples na forma, compacto na sucessão de capítulos em geral curtos, como cenas ou quadros interiores de uma cidade sem nome encravada entre montanhas e fantasmas do ciclo da mineração, Cornélio Penna fala-nos de um mundo em decadência, mas que ainda persiste em nos assombrar.

A arte de fazer artes GLORIA PONDÉ

Participação italiana no cinema brasileiro MAXIMO BARRO

Participação italiana no cinema brasileiro é um livro informativo e biográfico sobre os italianos natos que trabalharam ou prestaram algum tipo de contribuição ao cinema brasileiro.

Valendo-se da teoria literária e de exemplos dos maiores expoentes da literatura infantil brasileira, Gloria atravessa veredas do conto tradicional e da poesia, comentando a influência desses gêneros na instrução das crianças.

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Jardim Atlântico FLÁVIO CAPI

No Jardim Atlântico crianças se perdem voluntariamente em busca de aventura, outras passam a tarde com brinquedos antigos, jovens mergulham atrás do peixe magnético e famílias desconhecidas transformam suas diferenças em amizade. A harmonia das cores dessas histórias retrata uma supernatureza e a ação está implícita no silêncio da ausência de palavras.

Para seu restaurante lucrar mais – gestão estratégica para a eficiência nos negócios com real entrega de valor

CHRISTIAN VOILLOT CRUZ

Este livro busca passar, de forma clara e direta, os pontos-chave da gestão de suprimentos de restaurantes que irão favorecer sobremaneira os resultados desse negócio, que, embora pareça simples, é um dos mais complexos que existem.

Simbá, o marujo Texto STELA BARBIERI Ilustrações FERNANDO VILELA

No final do século XVIII, a história de Simbá foi acrescentada ao Livro das mil e uma noites. Desde então, tornou-se uma das mais belas e comoventes narrativas árabes. Em sete noites, Simbá conta aos amigos suas aventuras de navegante e mercador contumaz.

Transpassar – poética do movimento pelas ruas de São Paulo Organização CARLOS FELIPE MOISÉS e VICTOR DEL FRANCO

AGORA ERA A VEZ DE UMA MOSQUINHA TENTAR INUTILMENTE SAIR DO BANHEIRO PARA FUGIR DO TRISTE FIM RESERVADO AOS INSETOS QUANDO SE ENCONTRAM EM

Antologia de poemas − muitos dos quais inéditos − sobre as ruas de São Paulo, criados por representantes de várias gerações: uns em atividade, outros que escreveram décadas atrás e alguns que acabaram de publicar seu primeiro livro.

MEIO AOS SERES HUMANOS. POR SORTE OU POR IRONIA, SURGE UM GAROTO DISPOSTO A PROTEGÊ-LA DO

tauromosquia AUTOR

J. R. PENTEADO • ILUSTRAÇÕES CARLOS NUNES

PERIGO IMINENTE, MAS QUE NEM SEQUER IMAGINAVA QUE O MAIS DIFÍCIL PARA AQUELA MOSQUINHA SERIA LIDAR COM A NATUREZA IMPREVISÍVEL DAS COISAS.

ISBN ISBN978-85-504-0238-3 978-85-504-0238-3

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Uma colcha de retalhos – a música em cena na cidade de São Paulo DENISE SELLA FONSECA

A obra lança luz sobre o circuito de produção e difusão do teatro musicado e mostra como ele ocupou, antes do surgimento e da consolidação dos meios de comunicação eletrônicos, papel de destaque na produção e na divulgação da música no espaço urbano.

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J. R. PENTEADO Ilustrações CARLOS NUNES

Uma mosquinha tenta inutilmente sair do banheiro para fugir do triste fim reservado aos insetos quando se encontram em meio aos seres humanos. Por sorte ou por ironia, surge um garoto disposto a protegê-la do perigo iminente. 7

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bombons nº 01 por Evandro Affonso Ferreira ilustrações de Bruno Maron NÃO participo de

coletânea de contos: prefiro errar sozinho.

* Pequeno e singelo acento circunflexo provocou estrago irreparável no relacionamento deles: rapaz gostava do Rambo; moça, do Rambô. * UMA VEZ, quando

escrevia certo romance, comentava com amigos sobre o tema, maioria perguntava se era sobre a mãe Daquele Amigo – dizia que não, absolutamente. Um dia, encontro finalmente Aquele Amigo, dizendo

que estava escrevendo um livro, etc. etc. etc. Ele, intrigado, perguntou o título do livro. Respondi: Minha mãe se matou sem dizer adeus. Ele argumentou, resignado: Preocupe, não, Evandro: Minha mãe disse adeus.

* UMA VEZ, andando

com outro amigo numa calçada do Leblon, ouço sussurro dele: Você viu quem vem em sentido contrário ao nosso? Respondo: É a Luiza Brunet. Cinco dias depois,

quase no mesmo horário, quase no mesmo lugar, passa Brunet de novo. Comentário do amigo: Você percebeu que foi a segunda vez que ela não viu nem você nem eu?

* SUCESSO quando flerta

comigo – mudo de calçada.

* Com o tempo, o meteorologista realizou todo o seu trabalho. *

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O POETA Paulo Mendes

UMA VEZ perguntaram

Campos costumava dizer que a vida dá azar; Millôr Fernandes, igualmente genial, mas menos rabugento, dizia que a vida seria melhor se não fosse diária.

para vários intelectuais (que viviam em Londres) o que havia de errado no mundo. Maioria respondeu através de páginas e tratados – entre eles, Freud e Bernard Shaw. Mas a resposta mais concisa foi do escritor Chesterton: EU.

* UMA VEZ, na minha

livraria, entra senhora, fica diante da vitrine, e pergunta perplexa: – Que rapidez, já escreveram a biografia dele? Fui até a tal vitrine percebendo ato contínuo que cliente estava diante do livro Ulisses, de James Joyce, na semana em que havia morrido Ulysses Guimarães.

*

* Amigo economista comentou certa vez comigo: Se você vir um banqueiro saltando do vigésimo andar, salte também: alguma coisa boa vai acontecer. *

UMA VEZ perguntaram

para Santo Anselmo se Deus existe. Resposta: Deus faz algo melhor que existir.

* LEMBREI-ME agorinha

de comentário de um jornalista americano sobre diferença entre Billie Holiday e Ella Fitzgerald: ambas cantam a mesma música, e na letra há a possibilidade do marido voltar – com a Billie ele não volta.

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Don Tapscott.

Autorretrato realizado em estĂşdio em Buenos Aires, em 2014.

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entrevista

O desmistificador do Blockchain

Divulgação.

O tema abordado nos livros e nas palestras do canadense Don Tapscott não são de fácil compreensão, mas seu livro mais recente, Blockchain Revolution, está na lista dos mais vendidos nos EUA, na categoria negócios, desde o seu lançamento, no início de 2016. Outros dois livros seus são best-sellers: Wikinomics e The digital economy. É também autor de mais de uma dúzia de outras obras importantes sobre tecnologia, negócios e sociedade. Além disso, já apareceu cinco vezes na lista dos 50 pensadores mais influentes do mundo da Thinkers 50*, sendo que, na mais recente (2015), ele figura no quarto lugar. Ser um dos mais respeitados estudiosos do impacto da tecnologia nas empresas e nas sociedades talvez explique a enorme quantidade de pessoas que vão em busca dos conhecimentos de Tapscott. Mas o grande diferencial desse escritor e palestrante é que ele consegue ser compreendido por um público que extrapola os especialistas de tecnologia e economia. Nesta entrevista para a revista Ponto ele explica claramente o que é Blockchain e como essa tecnologia, que ele afirma que já chegou, irá revolucionar o mundo nas próximas décadas. No Brasil, Blockchain Revolution, que tem coautoria de seu filho Alex Tapscott, foi lançado em abril deste ano, pela SENAI-SP Editora. 11

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Defina em poucas palavras o que é Blockchain. Estamos na segunda era da internet, a Internet do Valor, uma plataforma – livro-razão ou banco de dados – global, distribuída, altamente segura, em que qualquer coisa de valor, como dinheiro, ações, escrituras, música, arte, títulos de propriedade, propriedade intelectual e até mesmo votos podem ser armazenados e trocados de forma segura, sendo que, ali, todos nós poderíamos confiar uns nos outros sem a necessidade de intermediários poderosos. A confiança é programada na tecnologia, razão pela qual nós chamamos Blockchain de o “Protocolo de Confiança”. De que forma e há quanto tempo surgiu o Blockchain? Em 2008, o setor financeiro global quebrou, e, talvez de modo oportuno, uma pessoa (ou pessoas), sob o pseudônimo de Satoshi Nakamoto, fez um esboço de um novo protocolo para um sistema peer-to-peer de dinheiro eletrônico que utilizava uma criptomoeda intitulada Bitcoin. Tal protocolo permitiu que pessoas de todos os lugares pudessem confiar umas nas outras e realizar transações sem passar por um terceiro de confiança. Esse ato aparentemente sutil liberou uma faísca que inflamou, aterrorizou, capturou a imaginação do mundo da computação e se espalhou como um fogo incontrolável para empresas, governos, defensores da privacidade, ativistas do desenvolvimento social, teóricos da mídia e jornalistas (para citar apenas alguns) de toda a parte. Quais são os mercados mais impactados com a universalização do Blockchain e de que forma? Muitas pessoas acreditam que a maior impactada é a indústria de serviços financeiros com a certeza de que grandes mudanças chegarão por lá. Acontece que cada empresa, instituição, governo e indivíduo pode se beneficiar de forma profunda. Quais os maiores benefícios que o Blockchain oferece? Talvez você seja um amante da música e deseje que os artistas consigam viver da sua arte. Talvez você seja um imigrante que está cansado de pagar taxas enormes ao enviar dinheiro para seus entes queridos em sua terra natal. Talvez você seja um trabalhador humanitário que precisa identificar proprietários de terra para ajudá-los a reconstruir suas casas depois de um terremoto. Ou um cidadão cansado da falta de prestação de contas e de transparência dos líderes políticos. Ou um usuário de mídia social que acredita que todos os dados gerados por você podem ter algum valor – para você – e que a sua privacidade é importante. Mesmo enquanto estamos aqui lendo ou escrevendo, inovadores 12

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entrevista

estão criando aplicativos baseados no Blockchain e que podem atender a esses fins. E é apenas o começo. Poderíamos dizer que a internet está para a comunicação assim como o Blockchain está para a economia? Hoje a internet conecta bilhões de pessoas ao redor do mundo e é ótima para comunicação e colaboração on-line. Ocorre que, pelo fato de ter sido construída para mover e armazenar informação, e não valor, pouco contribuiu para mudar nossa maneira de fazer negócios. Quando você envia informações para alguém, como um e-mail, um documento do Word, um PDF ou um PowerPoint, na realidade, você está mandando uma cópia, e não o original. E é razoável (e mesmo vantajoso) as pessoas imprimirem a cópia do arquivo, mas não é razoável imprimir, digamos, dinheiro. Assim, na internet da informação nós temos que confiar em intermediários poderosos para estabelecer a confiança. Bancos, governos e mesmo empresas de mídia social, como o Facebook, todos fazem o trabalho de determinar nossa identidade e nos ajudar a possuir e transferir ativos e liquidar as transações. De um modo geral, eles realmente fazem um bom trabalho – mas existem limitações. Eles usam servidores centrais, que podem ser hackeados. Eles ficam com um pedaço do valor por realizar esse serviço – digamos, 10% para enviar dinheiro internacionalmente. Eles capturam nossos dados, não apenas nos impedindo de usá-los para nosso próprio benefício, mas também muitas vezes minando nossa privacidade. Eles às vezes não são confiáveis e geralmente são lentos. Eles excluem dois bilhões de pessoas que não possuem dinheiro suficiente para justificar uma conta bancária. O mais problemático: eles estão capturando assimetricamente os benefícios da era digital – e isso acontece hoje. E se houvesse uma Internet do Valor em que o valor pudesse ser armazenado e trocado e nós pudéssemos confiar uns nos outros sem a necessidade de intermediários poderosos? O interesse coletivo estaria codificado (hard-coded) neste novo meio digital próprio para o valor, garantiria segurança e confiabilidade para o comércio on-line. Qual a previsão para o Blockchain estar assimilado aos novos mercados? Está acontecendo hoje, em várias indústrias pelo mundo. Considere a corporação um pilar do capitalismo moderno: com o crescimento de uma plataforma peer-to-peer global para identidade, confiança, reputação e transações, seremos capazes de reordenar estruturas profundas da empresa pela inovação e criação de valor compartilhado. Estamos falando de construir as empresas do 13

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século XXI, que se parecem mais com sistemas de redes do que com as hierarquias verticais integradas da era industrial. Todo o setor de serviços financeiros já está sendo reinventado pelo Blockchain e outros também logo serão. Quais são os países que você acredita que terão mais aceitação com o Blockchain? E quais terão mais rejeição? Ainda é difícil dizer. O Brasil tem uma oportunidade de ser um líder. Imagine que estamos no ano de 1993 e alguém lhe fale da internet, mas você já tem o seu conhecimento atual. O que você faria de diferente? Bem, o gênio escapou da lâmpada uma vez mais e muitos países têm a oportunidade de liderar a situação. Como transações financeiras avalizadas por meio da rede podem ser plenamente confiáveis? Isso é mesmo possível? Existem diferentes maneiras de avalizar transações por meio da rede. Vamos pegar o exemplo do Blockchain do Bitcoin. O processo é complicado, mas pode ser descrito de forma simples. Dinheiro e outros ativos digitais não são armazenados em um ambiente central, e sim distribuídos por um livro-razão global (Global Ledger) que utiliza os mais altos níveis de criptografia. Toda transação, de uma compra a um voto, é transmitida para a rede. Ao redor do mundo há uma enorme comunidade de colaboradores chamados de mineradores (como mineradores de ouro), que juntos possuem massivos recursos computacionais – estimados entre 10 e 100 vezes maior do que o Google em todo o mundo. Esses mineradores utilizam seu poder computacional para chegar a um consenso a respeito do que é a verdade – quem pagou pelo que, quem é dono do que, quem casou com quem, quem votou... Em intervalos de poucos minutos, como o batimento cardíaco da rede, todas as transações conduzidas no período são armazenadas em um bloco. Os mineradores trabalham bastante, eles competem na resolução de alguns problemas matemáticos para criar um resumo ou uma compilação do que ocorreu. Os mineradores vencedores são recompensados. Cada bloco é adicionado ao livro-razão e deve se referir ao bloco precedente para ser válido. “Uma cadeia de blocos”. Essa estrutura insere permanentemente marcações temporais (time-stamps) e armazena trocas de valor – como um lacre digital –, impedindo que qualquer pessoa altere o livro-razão. Se você quisesse hackear um bloco (digamos, tentar gastar dinheiro em duplicidade), teria que hackear não apenas aquele bloco, e sim toda a cadeia, usando os mais altos níveis de criptografia, não somente em um computador, mas em milhões de computadores simultaneamente, à luz do recurso computacional mais poderoso do mundo. 14

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entrevista

Você acha que ao ler este livro, o leitor já pode se considerar apto a entender e passar a se valer do Blockchain? Centenas de milhares de pessoas ao redor do mundo parecem acreditar que sim. Suponho que a maior parte delas não seja fanática por tecnologia.

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O livro também aborda a questão da inclusão. De que forma essa tecnologia contribui para que pessoas menos assistidas possam se beneficiar dela? Talvez a maior oportunidade seja nos libertar do controle de um problemático paradoxo de prosperidade. A economia vem crescendo, mas menos pessoas estão se beneficiando disso. Em vez de tentar resolver o problema da crescente desigualdade social somente por meio da redistribuição, nós podemos mudar a forma como a riqueza – e a oportunidade – é pré-distribuída em primeiro lugar, uma vez que pessoas de qualquer lugar, de fazendeiros a músicos, podem usar essa tecnologia para compartilhar mais plenamente a riqueza criada por elas. Por exemplo, nós podemos incluir dois bilhões de pessoas na economia, que atualmente não possuem bancos. Tudo o que elas precisam é de um telefone celular. Podemos proteger títulos de propriedade. Podemos fornecer aos empreendedores novas e incríveis ferramentas para que construam negócios.

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Este livro é direcionado apenas aos interessados por tecnologia e economia ou pode atrair também os leitores de literatura? Não acho que ele seja uma grande obra literária. Mas é uma grande obra – que, por sinal, trata de uma tecnologia que pode salvar a literatura, a arte e a música. Há todo um capítulo sobre esse assunto. Falando em literatura, o que você gosta de ler? Acabei de ler um livro chamado Testimony, escrito por Robbie Robertson, do grupo de rock The Band. Foi fantástico. Conhece a literatura brasileira? Em caso afirmativo, qual livro ou autor destacaria? Li muita literatura latino-americana, inclusive um dos maiores livros de todos os tempos: Cem anos de solidão, do Gabriel García Márquez. Minha mulher é portuguesa e leu mais literatura brasileira do que eu. Mas toda a nossa família ama o Brasil e nós estivemos aí várias vezes, incluindo nossos filhos! Estou muito animado com a publicação do Blockchain Revolution no país!

O livro Blockchain Revolution pode ser encontrado nas principais livrarias do país, além do site da SENAI-SP Editora (www.senaispeditora.com.br) e do Blockchain Revolution (www.blockchainrevolution.com.br)

*www.thinkers50.com

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A revista

é impressa e digital.

www.sesispeditora.com.br/edicoes/

leia e divulgue! Se você tem interesse em receber a revista Ponto pelo correio, por favor, envie um e-mail para divulgacao@sesispeditora.org.br e informe seu nome completo e endereço.

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arte

A arte que vem do palácio por Leonardo Coelho Rocha

Tarsila do Amaral. Autorretrato I, 1924. Imagem que compõe o livro Coleções reveladas.

A frenética cidade

de São Paulo, com sua alquimia de fumaça, aviões, buzinas e arranha-céus espelhados, e a plácida Campos do Jordão, de casinhas dispersas em meio à Serra da Mantiqueira, abrigam um tesouro artístico, cultural e histórico que é, contraditoriamente, desconhecido por muitos que transitam por essas cidades. Quem imaginaria bater na porta dos palácios do Governo de São Paulo para uma visita diurna aos museus instalados nas suas dependências, com paredes ocupadas por pinturas (sim, no plural) da modernista Tarsila do Amaral e recintos repletos de móveis e objetos decorativos que atravessaram séculos de história? Não é imaginação, mas realidade. Os palácios dos Bandeirantes e Boa Vista, sedes do Governo do Estado de São Paulo e residências oficiais do governador, na capital e em Campos do Jordão, respectivamente, acolhem o Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo. São mais de quatro mil peças e obras de arte distribuídas em museus instalados no interior dos palácios, abertos à visitação pública – e gratuita. Este vasto conjunto histórico e artístico abrange mobiliários, objetos decorativos e obras de arte dos períodos barroco, rococó, neoclássico, art nouveau e moderno, adquiridos ou doados ao Estado desde a instalação da primeira sede do governo paulista, no Pateo do Collegio, em 1756, até os dias atuais. “A coleção testemunha os caminhos e transformações da história da arte e as mudanças no contexto social brasileiro ao longo dos anos”, pontua Ana Cristina Carvalho, curadora do acervo. 19

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Naveta, 1639. Imagem que compõe o livro Coleções reveladas.

A coleção é eclética. Passeia por várias estéticas e escolas artísticas e inclui objetos históricos dos últimos quatro séculos. Por exemplo, uma naveta de 1639, da cidade do Porto, utilizada para armazenar restos de incenso queimado; porcelanas orientais da China dos séculos XVIII e XIX, trazidas pela Companhia das Índias; uma peça de cerâmica maiólica (da Ilha de Maiorca, Espanha), do século XVII; uma série de trinta xilogravuras japonesas, cuja exuberância inspirou pintores impressionistas europeus do início do século XX; e pinturas, esculturas e desenhos de artistas modernistas do Brasil como Di Cavalcanti, Candido Portinari, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Alfredo Volpi, Cícero Dias, Tomie Ohtake e outros.

O acervo caminha As mudanças palacianas ensejaram uma montagem “orgânica” do acervo artístico-cultural ao longo dos séculos, a partir das necessidades decorativas e domésticas que se apresentavam a cada nova sede do governo, e das inflexões culturais e artísticas que marcavam cada período e influenciavam os critérios para a aquisição de peças e objetos de arte pelo Estado. A transferência para o Palácio dos Campos Elíseos, em 1911, significou incorporar o mobiliário europeu já existente no palacete, que antes pertencia ao cafeicultor Elias Chaves. A capital paulista vivia então a sua belle époque, desfrutando da prosperidade do café e influenciada pela Europa, sobretudo a França – afinal, Paris era o coração da arte mundial. A elite paulistana materializou essas influências na decoração dos seus ambientes domésticos, cujos ecos se fizeram ouvir também no palácio do governo, com seus móveis dourados à Luís XV e Luís XVI, rococó e neoclássico. Primeiro governador a habitar o Palácio dos Campos Elíseos, Francisco de Paula Rodrigues Alves foi retratado pelo pintor italiano Antonio Rocco no início do século XX. O artista reproduziu, em uma tela a óleo que integra o acervo, as feições do executivo em um ambiente ornado de móveis europeus, com a erudição própria das representações pictóricas da época. A influência do velho continente também marcou a reforma do palácio na década de 1930 para o estilo art déco, movimento surgido na Europa poucos anos antes e que se difundiu na elite paulista e pela América do Sul. Em 1965, a sede do governo mudou para o Palácio dos Bandeirantes, no bairro do Morumbi, São Paulo, e o Palácio Boa Vista, residência de inverno do governador, em Campos do Jordão. O acervo originário da antiga sede 20

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arte

Anita Malfatti. Retrato de Lalive, 1917. Imagem que compõe o livro Coleções reveladas.

foi distribuído entre os dois novos palácios e no Palácio do Horto, na zona norte da capital, a residência de verão. Com a necessidade de decorar os novos ambientes, começou, nos anos 1970, uma generosa política de aquisição de peças e obras de arte, que se fundamentava no “olhar para dentro”, para a arte brasileira e as raízes culturais nacionais, portanto diametralmente oposta à perspectiva europeia do início do século. Com o apoio de um grupo de especialistas em arte, liderado pelo secretário de Estado Luis Arrobas Martins, foram compradas pinturas, esculturas, gravuras e desenhos da arte modernista brasileira, móveis coloniais dos séculos XVII ao XIX, como arcas, baús, cômodas e mesas produzidas no Brasil e em Portugal, além de arte sacra, prataria, louçaria e tapeçaria. Neste período, foram adquiridos 80% das obras que compõem o atual Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo. As aquisições dos anos 1970 mesclavam obras de arte moderna, preferencialmente figurativas, como retratos e paisagens, e peças antigas do período colonial, como móveis e oratórios. “Esses objetos e obras foram comprados para a decoração dos novos palácios, e, somados às coleções dos palácios precedentes, formaram um organismo vivo com riqueza histórica, cultural e artística incalculável”, acrescenta Carvalho.

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Curadoria e gestão

Oratório da Paixão, séc. XVIII. Imagem que compõe o livro Coleções reveladas.

O ritmo das aquisições arrefeceu nas décadas seguintes, quando predominaram doações e realizações de concursos artísticos para integrar novas obras ao acervo. Entre 2007 e 2010, uma última compra incorporou fotos e pinturas de artistas cujos trabalhos evocavam aspectos da cidade e o Estado de São Paulo. Um exemplo é a série de fotos de Valdir Cruz, que mapeou as árvores do Estado.

Para valorizar o acervo do ponto de vista museológico e em respeito ao patrimônio público, foi instituída por decreto, em 2007, uma curadoria para a coleção, com equipe especializada, departamento de conservação e um laboratório de restauro situado nos jardins do Palácio dos Bandeirantes. Isso permitiu não só preservar o acervo como criar e propor percursos temáticos, mostras e exposições a partir de agrupamentos históricos, culturais e artísticos das peças da coleção. Hoje, todas as obras estão catalogadas, e cada item da coleção pode ser rastreado quanto à sua localização. A administração do acervo está a cargo do Conselho de Orientação; um Conselho Consultivo, composto por representantes civis, garante e zela pela preservação do patrimônio público. A visitação aos palácios-museus é gratuita, sem necessidade de agendamento. Um time de educadores sempre acompanha os visitantes, detalhando obras do acervo e aspectos arquitetônicos dos palácios. Cerca de 9,5 mil pessoas circulam pelos museus a cada mês. Segundo Ana Cristina Carvalho, curadora do acervo, a meta é aumentar a visitação. “Ainda há um preconceito em relação aos palácios-museus, que são vistos como inatingíveis por parte da população, quando, na verdade, abrigam um patrimônio público cujo valor artístico e cultural precisa ser exposto para a sociedade e admirado por ela”, avalia a curadora.

Além das fronteiras palacianas O acervo está cruzando as fronteiras dos palácios e ganhando o mundo. A mostra Tesouros Paulistas trouxe 322 obras da coleção para a Galeria de Arte do SESI-SP, na capital paulista, entre 13 de dezembro de 2016 a 28 de fevereiro deste ano. A seleção das obras e objetos cuidou em retratar a complexidade artística, histórica e cultural do acervo. A exposição atraiu 23,4 mil visitantes no período. 22

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arte

Alfredo Volpi. Paisagem, déc. 1920. Imagem que compõe o livro Coleções reveladas.

“As pessoas gostaram de todo o conjunto e se admiraram em saber que o acervo é público e está aberto à visitação nos palácios”, comenta Diana Vaz, analista de atividades culturais do SESI-SP. O projeto de acessibilidade aos deficientes visuais foi um diferencial da mostra. Pranchas tácteis de cinco obras de arte, entre elas o quadro Operários, de Tarsila do Amaral – destaque entre os visitantes –, foram construídas especialmente para a exposição. As placas simulam, a partir do toque, texturas e relevos das obras originais. O acervo palaciano também está retratado no livro Coleções reveladas, lançado pela SESI-SP Editora em 2016. A edição traz imagens e detalhes técnicos de peças, objetos e obras da coleção, e fotos dos palácios. O texto é da curadora Ana Cristina Carvalho. Ela examina o processo de aquisição do acervo e as correntes culturais e artísticas que influenciaram o colecionismo nos períodos de constituição do conjunto. Das entrelinhas das mais de 270 páginas do livro, o que sobressai são as dinâmicas culturais que, década após década, forjam os processos identitários do Estado de São Paulo e do Brasil. Os palácios testemunham.

LEONARDO COELHO ROCHA é natural de Belo Horizonte e mora em São Paulo há oito anos. É jornalista, escritor, artista visual e mestre em comunicação pela Universidade Paris 8, França. Em 2008, lançou o livro Curto-circuito – Narrativas mínimas para almas transitórias, pela Mondana Editorial. Mantém atualmente o blog Conto Direto, onde publica seus contos mínimos (contodireto.blogspot.com.br).

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Comemoração da Associação Athletica de São Paulo, em 1926.

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fotografia

Coleção Foto-MIS reúne acervo do museu Ampliar o número de pessoas que tenham acesso ao acervo de um

Foto que compõe o livro Memória paulistana.

museu e que possam conhecê-lo e se aproximar dele por meio do valor afetivo de um livro é o principal propósito da coleção Foto-MIS, que inicia agora com quatro volumes que visam cada qual perpetuar, disseminar e apresentar as histórias de uma profissão, de uma época, de um artista, de uma região. Lambe-lambe, Memória paulistana, Alex Vallauri e Madeira-Mamoré são os primeiros quatro títulos que abrem esta coleção. Além das coleções que fizeram parte das exposições no Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo e representam peças fundamentais na constituição do seu acervo, as publicações apresentam também o texto de um convidado especial, escolhido a dedo para complementar a compreensão e ampliar a percepção estética do conteúdo das imagens, as quais contextualizam sempre a importância das imagens dentro do seu tempo e contexto. Lambe-lambe é uma das coleções que deu origem ao acervo do MIS e que permite compreender sua formação e como as atividades foram estruturadas inicialmente. Os trinta retratos presentes nesta obra foram tirados nas praças públicas e parques da cidade de São Paulo, na década de 1970, por pesquisadores que registravam as atividades de fotógrafos munidos de uma câmera-laboratório portátil, que clicavam, revelavam e entregavam a foto aos clientes na sequência. Os “fotógrafos lambe-lambe”, como ficaram conhecidos, e suas fotografias instantâneas ajudaram a popularizar os registros fotográficos e o modo como eram tirados, transferindo-os da formalidade dos estúdios para as ruas da cidade, além de auxiliar na preservação da memória de uma época. 25

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Márcio Lucas G. Mazza, 1973. Foto que compõe o livro Lambe-lambe.

João Kulcsár, curador destes primeiros quatro volumes do Foto-MIS, explica a importância destes registros para a fotografia: “Olhando as fotografias com atenção – os rostos anônimos, as famílias, a luz natural incidindo sobre as poses categóricas –, atingimos a criatividade, a estética e a atmosfera criada transversalmente por registros econômicos que, durante anos, tiveram um papel social significante na documentação das famílias de baixa renda e na popularização da fotografia. As imagens também nos levam a pensar onde estarão hoje aqueles personagens retratados, bem como a sondar as condições sociais nas quais essa prática ia se disseminando por meio de ações mais democráticas”.

Pedro Arcaro regulando sua câmera.

Uma São Paulo em plena transformação e crescimento industrial: as trinta e quatro imagens presentes em Memória paulistana mostram a cidade em diferentes momentos e situações, uma volta no tempo com, por exemplo, o registro aéreo da avenida Paulista e seus palacetes dos barões do café ou então as variadas formas de transporte que circulavam pelo Viaduto do Chá. Memória paulistana foi a exposição que inaugurou a atual sede do MIS, após mudanças constantes nos seus cinco primeiros anos de existência. Abrir as suas portas em 1975 com uma exposição com a predominância de fotografias com uma linguagem artística que ainda não era totalmente consagrada indicava a vocação para a inovação que seguiu ao longo dos anos. 26

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fotografia

O livro traz ainda o poema de Paulo Bomfim, “Minha insólita metrópole”, que sintetiza a cidade de São Paulo: “Aqui o verde é esperança cobrindo o frio de existir. Teatros e o balé da multidão, museus contemplando o quadro dos que se agitam, orquestras e a sinfonia de uma época em marcha. Nestes tempos modernos, Carlito operário ou estudante, comerciário ou burocrata, é técnico em sobreviver. Planalto dos desencontros, porto dos aflitos, rosa de eventos onde até o futuro tem pressa de chegar.

Guilherme Gaensly, 1902. Foto que compõe o livro Memória paulistana.

Mal-amada cidade de São Paulo, EU TE AMO!”

Avenida Paulista, em direção à rua da Consolação.

Além de ser um dos pioneiros da arte do grafite no Brasil, Alex Vallauri transitou por outras vertentes com narrativa visual urbana, como estêncis e pinturas que discorriam a plasticidade das formas em seus desenhos. Kulcsár explica que a seleção de imagens no acervo do MIS para este livro deu-se com o intuito de valorizar o rico registro fotográfico de parte da obra deste artista multidisciplinar. “Resgatamos aqui sua plasticidade mais ininterrupta: figuras coloridas, representações críticas das efemeridades cotidianas e o dúbio elogio à sociedade capitalista.” 27

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Foto que compõe o livro Madeira-Mamoré.

Nova York, 1982-1983. Foto que compõe o livro Alex Vallauri.

Foi a partir dos anos 1980 que Vallauri deixou sua marca pelas ruas da cidade de São Paulo, com uma grande quantidade de ícones de referência popular, tais como a famosa “botinha”, as luvas, as acrobatas, as panteretas, o frango assado, o cupido, o telefone com fio. “Assim como Andy Warhol, ele se utilizava de muitas referências em seu repertório de imagens, que podiam ser extraídas do imaginário pop internacional (casos do Mandrake, de Lee Falk ou a pantera do Jim das Selvas, de Alex Raymond) até figuras esquemáticas do catálogo da fábrica de carimbos Dulcemira, tradicional comércio da rua Aurora, na Boca do Lixo”, explica o crítico e curador de artes visuais Paulo Klein, no texto em que escreveu para o livro. Em 1909, quando foi contratado pela construtora da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré para fazer o registro fotográfico da construção da obra, provavelmente o norte-americano Dana Merril não imaginava que suas imagens serviriam não apenas como testemunho da história, mas que virariam referência pela técnica fotográfica. Madeira-Mamoré traz uma amostra representativa de seu trabalho meticuloso. Acampamento ao longo da ferrovia.

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“Pensando bem, é muita sorte terem vindo até nós essas belíssimas e ­tecnicamente impecáveis fotografias de Dana Merril. Ele é nosso cronista maior. Ele é a testemunha presente da história. Suas imagens “falam”. E a história dessa ferrovia-fantasma pode irromper, de novo, a partir da coleção de fotos que sua câmera atenta registrou”, afirma Francisco Foot Hardman, professor titular de literatura e outras produções culturais na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Em seu emocionante texto, com fatos e contextualizações históricas, e com as fotos de Merril, o leitor é levado para o tempo e local da construção da ferrovia. E é essa a proposta da coleção Foto-MIS, que os leitores se sintam transportados e, como sugere Hardman, “Façamos um exercício. Boa viagem!”.

ISBN 978-85-504-0285-7

2 ––– ferrovia madeira-mamoré

3 ––– lambe-lambe: fotógrafos de rua anos 1970

Os “fotógrafos lambe-lambe”, como ficaram conhecidos, e suas fotografias instantâneas ajudaram a popularizar os reO fotógrafo Lambe-lambe é gistros e o modo como eram umfotográficos fotógrafo ambulante feitos, da formalidade quetransferindo-os exerce a sua atividade nos dos estúdios as ruas dajardins, cidade. espaços para públicos como Nesta publicação, praças, feiras. vemos o registro de um ofício em vias de extinção, nos anos a partir século XIX de 1970.Presente Uma mistura dedorecordações, noshistóricas espaços públicos, fontes e das transformações teve um papel importante na ocorridas. popularização da fotografia.

––––––––––––––––––– ferrovia madeira-mamoré ––––––––––––––––––– FOTO ––– MIS

Esta publicação traz uma amostra representativa do precioso trabalho feito pelo norte-americano Dana Merrill, contratado pela construtora da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré para registrar a construção da obra. Suas imagens serviram não apenas como testemunho da história, mas viraram referência pela técnica fotográfica.

––––––––––––––––––– ISBN 978-85-504-0284-0

lambe-lambe fotógrafos de rua anos 1970 ––––––––––––––––––– FOTO ––– MIS

ISBN 978-85-504-0287-1

4 ––– alex vallauri

1 ––– memória paulistana

Imagens memoráveis de uma São Paulo em transformação e franco crescimento industrial, mostradas a partir de diferentes momentos e situações. Uma volta no tempo, como mostra o registro aéreo da avenida Paulista e seus palacetes dos barões do café. Ou ainda diversos ângulos do Viaduto do Chá e as variadas formas de transporte público.

Quarenta e uma imagens do trabalho de Alex Vallauri, um dos pioneiros da arte do grafite no Brasil, com registros documentais valiosos para a história desta linguagem de natureza efêmera. A maior parte ––––––––––––––––––– das fotografias apresentadas aqui foram produzidas em São Paulo e Nova Yorkmemória e paulistana expõem uma de suas marcas: cenas da ––––––––––––––––––– paisagem urbana.

FOTO ––– MIS

––––––––––––––––––– alex vallauri ––––––––––––––––––– FOTO ––– MIS

ISBN 978-85-504-0289-5

Capas da coleção Foto-MIS.

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literatura

“As histórias fantásticas podem ser agrupadas em duas grandes categorias: aquelas em que o maravilhoso ou o horrível têm relação com alguma condição ou fenômeno; e aquelas em que se trata de alguma ação de pessoas em conexão com alguma condição bizarra ou algum fenômeno.”

Arte de Túlio Caetano para Contos reunidos do mestre do horror cósmico, editora Ex Machina.

H. P. Lovecraft – Notas quanto a escrever ficção fantástica

A ficção fantástica e as narrativas de horror por Silvio Alexandre

Um dos primeiros escritores a buscar uma teoria para a literatura

fantástica foi Howard Phillips Lovecraft (1890-1937). Seu estudo histórico-crítico O horror sobrenatural em literatura faz um levantamento dos principais escritores ocidentais que escreveram sobre o assunto e tenta encontrar o motivo da proliferação de histórias de horror, fenômeno que começou no século XVIII e teve um dos momentos mais prolíficos no século XIX. No ensaio, Lovecraft considera apenas a literatura que, a princípio, inspira horror. Uma de suas primeiras constatações foi a da dificuldade de criar uma teoria que satisfaça as inúmeras histórias sobrenaturais, frutos da criação de vários autores: “como é natural, não podemos esperar que todos os relatos 31

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Denis Pacowacz. H.P. Lovecraft Illustration project, 2016. (bit.ly/2ojYFGe)

sobrenaturais se ajustem a um modelo teórico”, ele argumenta. A primeira edição do ensaio em livro foi publicada em sua versão definitiva no volume de memórias The outsider and others, em 1939, dois anos após sua morte. Ao escrever uma história do gênero, Lovecraft acaba defendendo uma estética da literatura de horror. Para ele, o fantástico está ligado ao mais primitivo sentimento do ser humano: o medo, principalmente daquilo que é desconhecido. Isso fica bem claro no início do seu ensaio com a enunciação que se tornou célebre na tradição crítica da narrativa de horror: “A emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o tipo de medo mais antigo e mais poderoso é o medo do desconhecido. Poucos psicólogos contestarão esses fatos e sua reconhecida verdade deve estabelecer, para todos os tempos, a autenticidade e a dignidade da ficção fantástica de horror como forma literária”.

A estratégia do horror O horror é suscitado não apenas pela violência de sacrifícios secretos, ossos ensanguentados e formas amortalhadas fazendo tinir correntes, como ressalta muito bem o professor Adolfo de Souza Frota, da Universidade Estadual de Goiás. Antes de qualquer violência e horror físico, é preciso conceber a criação de um ambiente de terror sufocante e inexplicável. Aliada à concepção dessa atmosfera está a criação de determinada sensação. Nesse caso, a sensação que o leitor deve ter é a do medo. Entretanto, o medo tem que ser do contato com as forças desconhecidas, daquelas que a ciência não pode explicar. Caso a história tenha uma explicação dos seus fenômenos pelos meios naturais, ela não se constitui como fantástica. Para Lovecraft, a quebra nos padrões realistas pode funcionar como estopim do horror: cenas misteriosas e cenários medonhos trazem sempre uma alusão ao inexplicável e ao imprevisível, que geram a hesitação do fantástico. Como dispositivo responsável pela falha na expectativa, o fantástico convoca o desconhecido e faz do estranhamento personagem-chave. Uma história fantástica é geralmente a dramatização de uma probabilidade frustrada, e a sensação, nesse caso, pode ser de espanto ou de apavoramento. O nível emocional que o texto pode atingir é seu melhor juízo de valor, “o único 32

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literatura

Nasa/Esa

teste para o verdadeiro horror é apenas este: se ele provoca ou não no leitor um profundo senso de pavor, e de contato com esferas diferentes e forças desconhecidas”. Diversas explicações do horror literário usam premissas estéticas propostas a partir do século XVIII. Algumas técnicas de produção de efeito de horror são embasadas no conceito de sublime: trata-se da colocação de pares de oposição, que se fundem e mantêm sua integridade, como o belo e o feio; o atrativo e o repulsivo. A eficácia da narrativa e da recepção passa a depender da reação do leitor, pois a intenção de gerar ou simular o medo permanece visível. Quando comparamos escritores como Horace Walpole e Edgar Allan Poe, por exemplo, podemos perceber que eles partem do pressuposto de que reproduzir o horror é simular uma condição natural. O primeiro diz seguir as regras da natureza enquanto o segundo diz extrair o horror do coração. Essa percepção de naturalidade está em grande medida ligada à experiência do sublime, cuja acepção moderna ganha maior repercussão com a publicação de Uma investigação filosófica sobre a origem de nossas ideias do sublime e do belo, de Edmund Burke (1757). Para o filósofo irlandês, a beleza é definida como o conjunto de qualidades positivas dos corpos que agem de forma mecânica sobre o espírito, mediante a intervenção dos sentidos. O sublime é a mais forte emoção que o espírito humano é capaz de suportar, pois monopoliza e concentra o conjunto das energias individuais. Seu efeito característico é o terror e as reações dele derivadas, tais como o medo, a reverência e o respeito. Suas fontes são a obscuridade, a escuridão, a incerteza, a confusão, a grandiosidade e a infinitude. Com propriedade e uma análise bem fundamentada, o professor Júlio França, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, demonstrou a influência exercida pela obra de Edmund Burke sobre o consagrado ensaio de Lovecraft. E a consequente importância da teoria do sublime como fundamento da reflexão crítica contemporânea sobre a narrativa ficcional de horror. Algumas relações poderiam ser encontradas nas fontes do sublime elencadas por Burke e que estão intimamente relacionadas com 33

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as temáticas e os enredos da narrativa de horror: a obscuridade; o pavor de algo desconhecido; a ameaça física da dor, do ferimento ou da aniquilação; a privação; a solidão; o silêncio ou a vacuidade; a percepção da imensidão ou da infinitude, entre outras. Em comum, todas essas percepções seriam capazes de produzir dor, medo ou terror e, consequentemente, o deleite. Sobretudo a obscuridade, como ressalta ainda França, merece ser aqui mencionada, por sua proximidade com as noções lovecraftianas de desconhecido. A complexa ideia de obscuridade, que pode se referir a objetos que são ausentes de luz, de clareza ou mesmo de inteligibilidade, é indispensável na produção ideal do medo ou do horror. O conhecimento do perigo em toda a sua extensão faria desaparecer parte da apreensão por ele provocada. Nas palavras de Burke: “qualquer pessoa poderá perceber isso, se refletir o quão intensamente a noite contribui para o nosso temor em todos os casos de perigo e o quanto as crenças em fantasmas e duendes, dos quais ninguém pode formar ideias precisas, afetam os espíritos que dão crédito aos contos populares sobre tais espécies de seres”. E, para concluir, o professor França afirma que em relação às artes da representação, Burke entendia que a sugestão era capaz de produzir efeitos de horror muito mais eficazes do que a explicitação. Tal pensamento, claramente endossado por Lovecraft, influenciou muito mais do que sua reflexão crítica sobre a narrativa sobrenatural, tendo se convertido na diretriz essencial da prosa de ficção lovecraftiana.

Referências BURKE, Edmund. Uma investigação filosófica sobre a origem de nossas ideias do sublime e do belo. Campinas: Papirus/Ed. Unicamp, 1993. FRANÇA, Julio. Fundamentos estéticos da literatura de horror: A influência de Edmund Burke em H. P. Lovecraft. In: Caderno Seminal Digital, n. 14, jul./dez. 2010. Rio de Janeiro: Dialogarts, 2010. FROTA, Adolfo José de Souza Frota. A criação do fantástico, do estranho e do maravilhoso em três contos norte-americanos. In: Via Litterae Revista de Linguística e Teoria Literária, v. 4, n. 1, pp. 123-144, jan./jun. Universidade Estadual de Goiás: Anápolis, 2012. LOVECRAFT, Howard Phillips. O horror sobrenatural em literatura. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1987.

SILVIO ALEXANDRE é editor e gestor cultural. Quando as estrelas assumiram a formação correta, ele escutou um sussurro nas trevas do povo de Cthulhu e colaborou na publicação mais ambiciosa já levada a cabo em língua portuguesa da obra de H.P. Lovecraft: Contos reunidos do mestre do horror cósmico (Ex Machina).

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COLEÇÃO SOMBRA é a mais recente investida da SESI-SP Editora para estimular a leitura entre os jovens. Para isso, reuniu bons autores, com textos envolventes e que versam sobre temas que despertam o interesse do público juvenil a partir dos 12 anos. Muito mistério, ação, imprevistos e descobertas, por vezes sobrenaturais, estão presentes nas histórias desta coleção, que é para quem gosta de suspense, mas não aceita surpresas na qualidade do que vai ler ou indicar para os filhos e alunos. Composta de romances, novelas e contos, com autores nacionais e estrangeiros, novos ou consagrados, clássicos ou contemporâneos, a coleção tenta abraçar o universo de um tipo de ficção há séculos presente na literatura universal.

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A missĂŁo do gerente de recursos humanos

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cultura

Diversidade da produção de filmes de Israel neste início de século XXI viaja pelo mundo, conquista prêmios e público estrangeiro.

Um cinema disposto a atravessar fronteiras por Carlos Helí de Almeida

Divulgação.

Foi durante os três anos em que viveu no Rio de Janeiro, quando o pai

veio ao Brasil como adido cultural da embaixada de Israel, a partir de 1968, que o diretor israelense Eran Riklis teve contato com dois filmes decisivos na escolha de sua futura profissão. “Morei no Rio dos 14 aos 17 anos, fase fundamental para qualquer rapaz. Eram tempos politicamente interessantes, de protestos contra a Guerra do Vietnã, consolidação de direitos civis… Naquela época vi títulos como Se (1968), de Lindsay Anderson, e Cada um vive como quer (1970), de Bob Rafelson, sobre personagens que se rebelam contra o sistema. Eles me influenciaram muito”, contou o realizador em sua última passagem pelo Brasil, quando veio lançar Lemon tree (2008). 37

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Um dos maiores nomes de sua geração, Riklis é autor de A missão do gerente de recursos humanos (2010), uma das atrações da mostra “A vida em Israel”, que acontece entre 1o de maio e 1o de julho nas unidades do SESI-SP, como parte do projeto Cine SESI-SP no Mundo. Trata-se de uma tragicomédia sobre um funcionário que trabalha em uma panificadora de Jerusalém e que inicia uma jornada de autoconhecimento após a morte de uma colega de trabalho em um ataque terrorista. O filme é, ao mesmo tempo, um exemplo da inquietação e do humanismo que alimentam a obra de Riklis e que contaminam também o cinema feito em Israel neste início de século XXI. A programação da mostra, montada em parceria com o Consulado Geral de Israel em São Paulo, é composta por oito títulos produzidos a partir dos anos 2000, um dos períodos mais férteis da história recente daquela cinematografia.

A vida em Israel Além de A missão do gerente de recursos humanos, a mostra traz títulos como Delicada relação (2002), de Eytan Fox, que descreve a descoberta do amor entre dois jovens oficiais em um posto avançado do exército israelense; e As Medusas (2007), de Shira Geffen e Etgar Keret, que entrelaça a história de três mulheres de Tel Aviv: uma garçonete, uma noiva a caminho do casamento e uma empregada doméstica filipina. “Como o título da mostra sugere, demos preferência a obras que partem do cotidiano, da vida das pessoas comuns, para criarem sua poética”, explica Débora Viana, gerente executiva de cultura do SESI-SP. “Como a intenção do projeto é aproximar o público de diferentes culturas do mundo, tentamos aproveitar filmes que mostrassem diferentes regiões e grupos sociais do país.” Débora destaca ainda que a seleção de filmes da mostra atesta “a qualidade técnica e estética que o cinema israelense atingiu” nos últimos anos. A atividade cinematográfica local é quase tão antiga quanto o próprio estado de Israel, criado em 1948, e, desde então, tem experimentado grandes transformações. Ela teve início já nos anos 1950, por iniciativa do governo, que estimulou a produção de filmes que, a exemplo da literatura da época, exploravam o caráter heroico do povo judeu, como A colina 24 não responde e Eles eram 10. Nos anos 1970, houve a explosão das burekas, um estilo de comédia muito semelhante às chanchadas brasileiras, consumidas basicamente pelas plateias locais. Somente a partir dos anos 1990, com as transformações políticas e econômicas que permitiram coproduções internacionais, o cinema local enfim se moderniza e se diversifica. 38

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cultura

Divulgação.

“Israel sempre produziu um cinema muito bom. Mas, a partir da década de 1990, isso floresceu ainda mais, com a produção de filmes com temas muito diversos. Nos anos 2000, chega a um nível de riqueza e de diversidade de temas impressionantes. Basta lembrar que os filmes israelenses chegaram ao Oscar por três anos seguidos”, observa Antonio Carlos Sandoval, assessor cultural do Consulado Geral de Israel, referindo-se a Beaufort, de Joseph Cedar, Valsa com Bashir, de Ari Folman, e Ajami, de Scandar Copti e Yaron Shani, que concorreram ao prêmio da academia americana em 2008, 2009 e 2010. “A mostra do SESI-SP é bastante representativa dessa riqueza: há filmes protagonizados por homens e mulheres, dirigido por homens e mulheres, héteros e homossexuais, com diálogos em árabe, hebraico, inglês, francês e até romeno.” O cinema de Israel nunca deixou de ser reconhecido internacionalmente – a primeira produção a concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro, a sátira social Sallah Shabati, de Ephraim Kishon, data de 1964. Acontece que, desde os anos 1970, não se repetia o feito de The policeman (1971), I love you Rosa (1972) e The house on Chelouche street (1973), que disputaram o cobiçado prêmio americano em anos seguidos. A diferença é que esses pioneiros que venceram a barreira da língua e dos mercados, chegando à cerimônia do Oscar, eram comédias ou sátiras, que evitavam encarar a realidade israelense. Agora, os títulos da safra recente que ganham prêmios nos festivais internacionais e chegam ao público estrangeiro são justamente aqueles que falam sem rodeios das questões políticas e religiosas do país.

Aviva, meu amor (2006), de Shemi Zarhin, também integra a mostra.

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De Guy Nattiv, A enchente (2010) é outro filme na mostra "A vida em Israel".

“É fato que a maior parte dos filmes israelenses que circulam pelo mundo hoje em dia traz o apelo do conflito entre Israel e Palestina, ou trata frontalmente das sucessivas guerras que o país tem atravessado. Em geral, é o que o público tem sede de ver, e muitas vezes quer ver isso através da lei do menor esforço, através do clichê”, entende a crítica e pesquisadora Ilana F ­ eldman, especialista em cinema do Oriente Médio. “Mas nem todos os filmes que tratam do conflito são apelativos. Ao contrário, há filmes excelentes, que apresentam a questão com imensa inteligência visual, humor e potência crítica, trazendo ao campo cinematográfico e cultural outros pontos de vista, outras perspectivas, sem abrir mão da experiência cotidiana dos habitantes dos países e sem aderir a discursos militantes simplificadores.” Presença discreta nas histórias contadas por Eran Riklis e uma das atrações da mostra “A vida em Israel”, as diferenças ideológicas, raciais e religiosas entre judeus e palestinos surgem com todas suas cores e traumas na obra de diretores como Ari Folman (cujo filme Valsa com Bashir ganhou o Globo de Ouro de filme estrangeiro), Samuel Maoz (Lebanon, vencedor do Leão de Ouro do Festival de Veneza de 2009), Ronit Elkabetz (A visita da fanfarra, 2007), Avi Mograbi (Feliz aniversário, Mr. Mograbi, 1999), e Amos Gitai. Este último é um dos mais contundentes cineastas de sua geração, e já chegou a comprar briga com compatriotas mais conservadores por conta de suas revisões de temas caros ao país, como o extremismo religioso (Kadosh, 1999), a guerra contra a Síria e o Egito (O dia do perdão, 2000) e os sangrentos bastidores da criação do estado de Israel (Kedma, 2002). 40

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cultura

Realidade e ficção “Como cidadão, tenho opiniões muito fortes sobre o país, que amo profundamente. Nem sempre sou obrigado a concordar com o tipo de política, interna ou externa, praticada pelo governo israelense”, contou Gitai, atualmente com 66 anos, durante sua última participação na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Arquiteto de formação, o veterano e premiado realizador descobriu a inclinação para fazer filmes à época da Guerra do Yom Kippur, em 1973, quando o helicóptero em que viajava com seus colegas de batalhão foi abatido por soldados sírios. “Vi um companheiro morrer em minhas mãos. Decidi, naquele momento, que não iria mais passar o resto da minha vida desenhando hotéis de luxo para os outros.” Samuel Maoz é outro realizador que trouxe suas experiências pessoais para as telas. A trama de Lebanon se passa a bordo de um tanque israelense, ocupado por quatro soldados, que atravessa uma cidade inimiga devastada por bombas. A realidade do que acontece no front é filtrada pelas lentes da mira do canhão. O roteiro tem como base as memórias do diretor, que participou da Guerra do Líbano quando prestava o serviço militar. “Os eventos que mostro no filme são menos importantes do que a experiência emocional que eu queria transmitir para o público. Portanto, não se trata de um filme sobre a guerra entre os dois países, mas sobre a vivência de participar de um episódio tão traumático como aquele. O que ele mostra são os sintomas do trauma, não o fato histórico em si”, explicou Maoz em Veneza. Os filmes sobre as guerras e seus traumas se tornaram uma vertente valiosa do cinema israelense, para o bem e para o mal. Aqueles que conseguiram ir além dos clichês foram premiados e acabaram jogando holofotes sobre outros gêneros produzidos no país. “Cabe a esse cinema resgatar o que a tradição judaica tem de melhor, que é a pluralidade e o dissenso, sem medo do debate. Como diz o escritor israelense Amos Oz, com muito humor, ‘para cada judeu você tem duas opiniões’”, pontua Ilana Feldman.

CARLOS HELÍ DE ALMEIDA é jornalista e crítico de cinema formado pela Faculdade da Cidade do Rio de Janeiro. Com passagens por jornais como Tribuna da Imprensa, Jornal do Brasil e O Globo, cobre regularmente grandes festivais internacionais de cinema, como Cannes, Berlim, Veneza e Marrakech. É membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema, integrou comissões de seleção de festivais de cinema e foi jurado da competição oficial do Festival de Brasília de 2009. É autor do livro Walter Salles: Uma entrevista, publicado pelo Festival de Santa Maria da Feira (Portugal).

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estante de hqs

CHRISTIN

CHRISTIN / MÉZIÈRES

re Christin e de idade, lia todas as PILOTE... E devo aureline, mesmo que

r os espectadores empo.”

]

C. Mézières e P. Christin

MÉZIÈRES

INTEGRAL VOLUME 1

Cemitério dos sonhos

M. PERES, M. FELDHUES, C. SATY, RODRIGO MARTINS E R. DE OLIVEIRA

e Christin e Jean-Claude reline surgiram pela primeira a inventividade e audácia, bsoluta para os leitores de .

#1 INTEGRAL

Onde está o teu sonho de infância? Dre Amos perdeu-o há muito tempo. Responsável pelos testes de máquinas de lavar roupa, ele leva uma vida inútil. Um dia, uma entidade estranha surge diante dele, dando-lhe uma segunda oportunidade para recuperar seu sonho.

Valerian – integral, volume 1 PIERRE CHRISTIN e JEAN-CLAUDE MÉZIÈRES

Fruto da imaginação transbordante de Christin e Mézières, os personagens de Valerian surgiram pela primeira vez em 1967. Por sua inventividade e audácia, a série rapidamente se tornou referência absoluta para os leitores de histórias em quadrinhos de ficção científica. Neste álbum você encontrará os seguintes títulos reunidos: Os maus sonhos, A cidade das águas movediças/ Terras em chamas e O império dos Mil Planetas.

A fonte

ANDERSON NASCIMENTO e RONAN CLIQUET

Aluísio ouviu de seus familiares que o artista plástico francês Marcel Duchamp foi o responsável pela morte de seu bisavô e por tomar dele todos os conceitos dos ready-mades. Determinado a acabar com o legado do artista, embarca em uma viagem que o deixa frente a frente com Duchamp.

Gus 2. Belo bandido CHRISTOPHE BLAIN

Gus e seus comparsas retornam neste segundo volume desenhado por Christophe Blain. Nele os leitores encontrarão uma série de histórias aparentemente independentes, mas que relacionam as vidas dos três bandidos. Gus continua com seu fraco para mulheres (aaah, Nathalie!), Clem parece mais sério, mas todo dia sofre pelo seu amor e tem em Gratt o companheiro ideal de aventura: sempre pronto para atacar um novo banco! 42

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Laser Gun

ALEX SHIBAO

Sands Roadtansky acredita que a melhor forma de sobreviver é não depender de mais ninguém além de si mesmo – e de seu carro. Entretanto, seu caminho é interrompido e ele acaba se juntando a Catalina e seu pai, o cientista doutor Velascos, no combate a uma organização criminosa comandada por Deathrace, contrabandista que está atrás de um poderoso protótipo bélico: o Laser Gun.

Monsieur Jabot RODOLPHE TÖPFFER

Considerada a primeira história em quadrinhos publicada no mundo, Monsieur Jabot ganhou a admiração de ninguém menos do que Goethe, para quem a pena espirituosa de Töpffer retratara “do modo mais singular esse indivíduo impossível, como se fosse verdadeiro”.

Valentine – volume 2

Z de Zorglub

No segundo volume da série, Vanyda continua a descrever (com muita precisão) o cotidiano de uma adolescente. Agora no nono ano, Valentine passará por novas experiências: estudar para provas finais, matar aula para passear, flertar... não necessariamente com quem nós gostaríamos – o belo Felix continua inacessível. Neste turbilhão da vida, Valentine luta para encontrar seu lugar.

The Spaghetti Brothers

Nesta nova aventura, Spirou e Fantasio enfim conhecem seu arqui-inimigo Zorglub, um antigo colega do conde de Champignac que deseja dominar o mundo. Juntos com o Marsupilami e o conde, a dupla terá de enfrentar as invenções de Zorglub e partir em direção a Zorglândia.

Dois irmãos de origem italiana, pizzaiolos e mercenários sádicos, viajam ao Brasil para resgatar a filha de um senador dos Estados Unidos, matando todos que veem pela frente, com requintes de crueldade.

VANYDA

FRANQUIN e JIDEHÉM série “SPIROU E FANTASIO”

CAIO MAJADO

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tirinhas

Claudius*

— OK, I CONFESS. BUT THE COPYRIGHT IS MINE!

— AND NO CREATIVE COMMONS! * Esta charge

faz parte do livro Claudius, da SESI-SP Editora.

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Piu e Phiu – Orlandeli

Ossostortos

Bobo da corte – Ruis

Gilmar

Os autores das tirinhas integram o catálogo da SESI-SP Editora.

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Éditions Gallimard. La Métamorphose, 2000.

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artigo

Oficina de criação literária: um ritual sagrado por Nelson de Oliveira

Mircea Eliade, O xamanismo

E. S. Curtis. Navajo Indians, 1904.

Éditions Gallimard. La Métamorphose, 2000.

A segunda cerimônia, bekliti (abertura), é mais complicada e tem caráter nitidamente xamânico. Depois de uma noite de encantamentos, os velhos manangs conduzem o neófito a um aposento isolado por cortinas. Nesse local, segundo afirmam os antropólogos, cortam-lhe a cabeça e retiram o cérebro, que, depois de lavado, é reposto no lugar, a fim de conferir ao candidato uma inteligência límpida para que possa penetrar os mistérios dos maus espíritos e das doenças. Em seguida introduzem ouro em seus olhos, a fim de lhe dar uma visão suficientemente penetrante para enxergar a alma onde quer que ela possa encontrar-se perdida, a errar. Depois implantam-lhe ganchos dentados na ponta dos dedos, para torná-lo capaz de capturar as almas errantes e prendê-las com força. Finalmente, varam-lhe o coração com uma flecha, para torná-lo compassivo e cheio de simpatia pelos que estão doentes e pelos que sofrem. Evidentemente essa cerimônia é simbólica: sobre sua cabeça é posto um coco, que é em seguida quebrado, e assim por diante. Trata-se de uma cerimônia que simboliza a morte e a ressurreição do candidato: a substituição das vísceras ocorre de uma maneira ritualística.

Interesso-me bastante pelas tradições xamânicas e sua simbo-

logia. Dezessete anos atrás, na primeira oficina de criação literária que coordenei, iniciei o encontro inaugural lendo para os oficinandos esse excerto de Mircea Eliade, sobre a conquista de um corpo renovado. Então expliquei que a dinâmica da oficina seria basicamente xamânica: um ritual de des47

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membramento literário, com o objetivo de extirpar os clichês, eliminar os lugares-comuns, detonar os estereótipos calcificados pelo comportamento automatizado. Escrever é criar mais espaço de qualidade em nossa psique, ampliando nosso território íntimo. Ler é análogo a escrever: uma expansão do mapa-múndi sensorial e intelectual. Conversar sobre um texto pode ser um confronto ou uma aliança. Mas conversar sobre um texto é um esporte cada vez mais raro na Era das Redes Sociais, em que todos escrevem mas quase ninguém lê. E os que leem quase não comentam. E os que comentam raramente se aprofundam. Essa é a grande vantagem das oficinas de criação literária: um bom suprimento de leitores atentos, olho no olho. O segredo de seu sucesso parece ser a instauração, nas salas com ar-condicionado, da primitiva fogueira comunitária, imensa.

Encontros-atritos As oficinas de criação literária multiplicaram-se e se espalharam, disseminando mundos imaginários num mundo cada vez mais banalizado. O alarido do cotidiano não é nada poético, todos tagarelam mesmo sem ter o que dizer. Como combater essa algaravia? O nome e a configuração evocam, de modo tênue, as oficinas medievais, em que um mestre-artesão ensinava uma profissão a jovens aprendizes. Mas o oficineiro de hoje, um escritor de reconhecido talento, assemelha-se menos a um mestre-artesão e mais, muito mais a um bruxo-mestre. Ou um bruxo-maestro. Convivendo com suas idiossincrasias, aprendemos as delicadas artimanhas que faíscam no cruzamento alquímico da teoria com a prática. Melhor dizendo, de uma teoria particular com uma prática específica, afinal cada oficineiro é um microcosmo singular numa constelação de possibilidades. Do mesmo jeito que não existe uma só cartilha, não existem dois bruxos-maestros iguais. Se muda o coordenador, muda a partitura, mudam os instrumentos. Existe o oficineiro rock, o samba, o jazz, o erudito… Até mesmo o punk, que bota pra quebrar sem dó nem ré nem mi. A diferença só atrita na diferença, jamais na semelhança. O encontro − às vezes, o entrechoque − entre pessoas-realidades diferentes é o húmus necessário para que floresçam certas iluminações profanas. O encontro do contemporâneo com o clássico, da prosa com a poesia, da assonância com a dissonância, de nossa máscara externa com as muitas máscaras internas… 48

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artigo 49

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Aprecio também o necessário encontro social, em que pessoas-realidades contrastantes expressam esse contraste coletivamente. Hoje há oficinas para todos os bolsos e temperamentos, mas o encontro-atrito entre diferentes realidades sociais acontece quase exclusivamente nas oficinas gratuitas, oferecidas pelas secretarias de cultura e pelas instituições particulares dedicadas a ações culturais. Mapeamento dos caminhos que se cruzam. Mistura de mistérios… Para o bruxo-maestro João Silvério Trevisan, “as oficinas têm a vantagem de juntar pessoas que têm uma prática tipicamente clandestina, se considerarmos a literatura uma conversa íntima e intransferível, portanto pouco acessível a quem não estiver antenado no mesmo diapasão”. Trevisan propõe um diálogo de viajantes, um intercâmbio. “A expressão pessoal só lucrará com a troca e a miscigenação entre pares. Por isso é importante colocar os textos em crise, quando estão muito certinhos e seguros dentro de uma formatação literária determinada. É fundamental que oficinandos e textos se abram para horizontes amplos.”

Objetivos e prioridades A troca e a miscigenação entre pares multiplicam as possibilidades literárias da vida concreta, sempre em crise. Mesmo as oficinas cravadas num departamento acadêmico precisam rejeitar o enfadonho sistema técnico-científico, se quiser ser verdadeira. O conhecimento poético não é cartesiano, é xamânico. A primitiva fogueira comunitária promove a discussão coletiva, a pajelança. Para o bruxo-maestro Luiz Antonio de Assis Brasil, “a discussão coletiva dos textos propicia diversidades estilísticas e de conteúdo, permitindo ao aluno se aventurar pela inovação estética”. O combustível da inovação, também para Márcia Denser, bruxa-maestrina das melhores, é uma substância impalpável, feita de muitos ingredientes: “entrosamento, conhecimento de outros escritores e novas técnicas narrativas, uma forma de começar uma carreira literária, publicar nas antologias das oficinas também é uma boa!”. Sem esquecer que inovação rima com renovação. “Até para escritores já experientes e reconhecidos”, Denser comenta, “fazer oficina é uma boa maneira de se realimentar e manter acesa a chama da paixão literária. Até porque a literatura é um processo estético-cultural coletivo. Sem intercâmbio − de homens, ideias, livros − a literatura adoece, empobrece, se ­descaracteriza”. Que maravilha seria se os veteranos da ficção e da poesia, ao perceberem certa inércia engessando seu talento, aceitassem serenamente o retorno ao processo dinâmico e rejuvenescedor de uma oficina de criação literária. 50

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artigo Denser está certíssima. Eu mesmo conheço um sem-número de escritores experientes e reconhecidos que deviam voltar a frequentar correndo uma oficina. Mas suspeito que são orgulhosos demais pra reconhecer que seu vigor criativo anda meio empoeirado, com teias de aranha aqui e ali. Talvez no futuro… Por enquanto, são os iniciantes, apenas os iniciantes, que procuram o vórtice espiralado da ação grupal. Mas somente frequentar o círculo da pajelança fará de alguém um pajé? A resposta é fácil. Há décadas, Assis Brasil avisa aos iniciantes que apenas frequentar uma oficina de criação literária não transforma ninguém em escritor, assim como frequentar uma escola de dança não transforma ninguém em bailarino. “É possível realizar uma carreira ou uma brilhante obra literária − e até ganhar o Nobel − sem passar por uma oficina, e a história está aí para confirmar”, ele reconhece. “Contudo, numa oficina o caminho torna-se mais breve, e a possibilidade de erros de percurso é bem menor. Não são o fim nem o começo de nada, as oficinas são uma passagem.” Frequentemente me perguntam quantos escritores talentosos saíram de minhas oficinas. Confesso que fico pasmado com essa pergunta. Santa ingenuidade, Batman! Talento é um fenômeno muito maior que uma sala, uma roda de aprendizes e um cronograma. Nesse ponto, todos os bruxos-maestros concordam com João Silvério Trevisan: “Coordeno oficinas para ajudar escritores a melhorar e aprofundar sua expressão através dos recursos literários da língua. Não me preocupo, por exemplo, com publicação imediata de obras, nem acho que isso seja uma prioridade para as pessoas que estão treinando sua escrita.”

Vantagens e desvantagens Formar bons leitores sempre foi minha primeira preocupação, nas oficinas. E conversando com outros bruxos-maestros logo notei que essa preocupação é comum a todos. Trevisan fala pelo grupo inteiro de feiticeiros, quando diz: “A expressão da interioridade pessoal pode servir tanto para incrementar a carreira literária como para fazer do oficiando um ótimo leitor, tornando-o um humano mais adequado às suas idiossincrasias. Daí porque enfatizo muito a questão do mergulho interior profundo, trazendo para a expressão até mesmo os demônios internos, que gostamos de deixar na sombra, mas sem os quais não somos totalmente nós mesmos.” 51

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Wellcome Library, London. Dance of an indian "medicine man", s. d. (bit.ly/2ooytu2)

Outro aspecto apaixonante das oficinas de criação literária é a multiplicidade de formas e formatos, ângulos e órbitas. Não há certezas absolutas nem inter-relações permanentes do tipo certo-errado, verdadeiro-falso. Nada de constelações fixas no céu noturno. Mudam o oficineiro e os oficinandos, muda tudo.

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artigo A bruxa-maestrina Ivana Arruda Leite, por exemplo, avisa que suas oficinas “têm no máximo cinco oficinandos, o que permite um atendimento superdiferenciado”. O número menor de participantes faz dos encontros uma reunião mais intimista, em que a proximidade reforça a inflexão camerística. Outro detalhe importante é que agora a teoria submete-se à prática, não o contrário. “Minha oficina é baseada quase que exclusivamente em exercícios em classe e comentários dos textos produzidos”, Ivana explica. “As vantagens são o incentivo à escrita por meio dos temas propostos e a crítica imediata (da oficineira e dos colegas) dos textos produzidos.” A maneira de lidar com as expectativas e as limitações dos oficinandos também varia de acordo com o temperamento do oficineiro, que pode ser agressivo, maternal, sedutor, irônico, messiânico, ardiloso… Para o bruxo-maestro Ronaldo Bressane, de temperamento mais espartano, a melhor estratégia não é incentivar o participante a escrever, e sim criar problemas, dificuldades e desafios. “Meu papel é o de advogado-do-diabo do texto: ainda que excelente, é possível aperfeiçoá-lo? Como? Textos horríveis não têm salvação? Se não, estaca zero! E não gosto de moleza. Se o caboclo quer mesmo ser um escritor, senta a bunda na cadeira e leva o troço a sério, diabos. Literatura não é inspiração: é trabalho duro.” O bruxo-maestro Marcelino Freire também acredita que formamos mais leitores do que escritores, e ironiza os oficinandos com síndrome de Peter Pan, que se recusam a crescer. “Tem gente que chega na oficina querendo escrever, mas não gosta de ler. Há quem queira publicar, mas não queira escrever. Daí na oficina o cara entra em uma fase adulta do texto. Não está mais em uma escola primária, não está mostrando seus textos só para sua mãe, sua namorada, seu marido. O texto circula em outros ouvidos, olhos. É a fase do amadurecimento de cada vontade ali exposta.” Rejeitar a vivência ingênua em nome do amadurecimento… “A desvantagem? Em certo ponto, perder exatamente o olhar distraído”, Marcelino reflete. “Eu tenho muito cuidado para que cada um não perca, sob o impacto da oficina, o seu jeito natural, não acabe ficando automatizado, regulado, tolhido. Mas, enfim, é o risco que se corre na vida. E na literatura.” Por falar em riscos, haveria desvantagens nas oficinas de criação literária? Quais? Denser: “Desvantagens? Se a pessoa que coordena a oficina literária for pouco qualificada, picareta ou desonesta, aí é uma perda tremenda para todos nós, não acha?” Bressane: “Uma desvantagem é o participante morgar no mundinho das oficinas e se sentir confortável no mesmo círculo de leitores, não dar a cara a 53

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tapa, não publicar, não se meter no mundo editorial. Acontece bastante. Tem muito gênio de oficina que passa décadas estudando e nunca lança um livro.” Trevisan: “Aí está um ponto negativo: oficinas literárias podem (e muitas vezes estão promovendo) uma homogeneização de estilo, que na verdade são formatos padrões que neutralizam a expressão pessoal em favor de alguma vantagem extraliterária. Nesse sentido, as oficinas podem criar clones de escritores. Estamos diante de um fenômeno em que as estrelas têm brilho fácil e efêmero. Trata-se de um terrível empobrecimento para qualquer cultura.” Esse comentário me lembra um aviso importante de Ivana, aos escritores em início de carreira: “Não tente adequar sua literatura aos modismos e tendências de mercado porque cedo ou tarde você vai ser desmascarado. Pior que o anonimato é não ser respeitado pelos seus pares.”

Semelhanças ou diferenças Qualquer oficina pode ser uma experiência transcendente, capaz de erguer o escritor iniciante acima da contingência estereotipada, ou, infelizmente, um produto pasteurizado da indústria cultural, pobre de espírito e sem autonomia. Esse é o consenso entre os próprios bruxos-maestros. O sucesso ou o fracasso alquímico depende da cuidadosa mistura dos sais. A expressão literária é uma substância maleável, capaz de se acomodar muito bem em diferentes recipientes. Uma substância multicolorida, avessa a qualquer polarização ideológica. Na convivência semanal, o oficineiro e os oficinandos se ensinam que mais importante que o sucesso ou o fracasso profissional, os prêmios ou o retorno financeiro é o prazer estético, é o bem-estar psicológico proporcionado pela prática da criação. Descobrir a linguagem e se descobrir na linguagem, cotidianamente, esse não deveria ser o primeiro e único mandamento? Oficina também pode se chamar laboratório, estúdio ou ateliê. O nome da pajelança não importa muito. É o coordenador quem faz a diferença. A dinâmica e os exercícios podem até ser os mesmos, mas jamais haverá dois processos parecidos se o coordenador for diferente. Quase uma década atrás, a pedido do jornal Rascunho, preparei um Decálogo do escritor iniciante, que foi publicado ao lado dos dez mandamentos de outros oficineiros. Apesar de não acreditar mais na forma fechada e autoritária do decálogo, preferindo a sabedoria espiralada da doutrina xamânica ou budista, confesso que ainda me reconheço na maioria dessas recomendações.

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artigo

Decálogo do escritor iniciante 1. Ler muito. Ler de tudo. Ler sem preconceito. Os prosadores devem ler bons poemas. Os poetas devem ler boa prosa. Digo isso porque tenho notado que a maioria dos prosadores não aprecia a arte poética, assim como a maioria dos poetas não aprecia a arte da prosa. Isso não é sinal de inteligência. O escritor iniciante também precisa cultivar o gosto pela reflexão teórica. Livros de filosofia, de crítica e de história da literatura precisam frequentar sua mesa de trabalho. 2. Ler muito. Ler de tudo. Ler sem preconceito. Ler o passado e o presente, o cânone e a atualidade. Digo isso porque tenho notado que metade dos escritores iniciantes aprecia somente a literatura contemporânea, enquanto a outra metade aprecia somente os clássicos. Isso não é sinal de inteligência. O passado e o presente precisam estar em perpétuo diálogo. 3. Ler muito. Ler de tudo. Ler sem preconceito. Ler os brasileiros e os estrangeiros, os daqui e os de lá. Digo isso porque tenho notado que metade dos escritores iniciantes aprecia somente a literatura brasileira, enquanto a outra metade aprecia somente os estrangeiros. Isso não é sinal de inteligência. Certo, eu confesso: eu pertenço ao primeiro time, esse mandamento vale pra mim. Aprecio muito mais a prosa e a lírica brasileiras do que a prosa e a lírica estrangeiras. Por isso tenho me obrigado, ao menos profissionalmente, a estar sempre em contato com os de lá. Minha tese de doutorado foi sobre a lírica portuguesa contemporânea. 4. Ler muito. Ler de tudo. Ler sem preconceito. Ler desconfiando do que está lendo, ler desconfiando do autor, do editor, do livreiro. Desconfie dos livros de sua predileção, desconfie mais ainda dos autores de sua predileção. Livros e autores, ame-os intensamente, sim, mas jamais se entregue à idolatria cega, pois os escritores são mestres na arte da sedução e do engano. 5. Ver muito. Ver de tudo. Ver sem preconceito. Cinema, dança, artes plásticas, teatro, seriados de tevê. Ouvir muito. Ouvir de tudo. Ouvir sem preconceito. Música erudita e popular, clássica e contemporânea. Ler muito. Ler de tudo. Ler sem preconceito. Quadrinhos, quadrinhos, quadrinhos. Jogar muito. Jogar de tudo. Jogar sem preconceito. Videogame, RPG, cosplay. 55

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6. A literatura é antes de tudo linguagem. Linguagem articulada com sensibilidade e talento. Linguagem estética, subjetiva, conotativa, que ultrapassa a linguagem ordinária, objetiva, denotativa. O escritor não deve procurar com avidez o mínimo denominador comum: apenas a linguagem que é acessível à maioria das pessoas. Quem faz isso são os autores de best-sellers, simples contadores de histórias, simples versejadores, não os verdadeiros escritores. 7. Evite o estereótipo, fuja do clichê, corra do chavão, não marque encontro com o lugar-comum. O critério originalidade não é exclusivo apenas do desfile das escolas de samba, ele ainda faz sentido também na atividade literária. 8. Bons sentimentos não fazem boa literatura. Afaste-se do tratamento edificante, repleto de boas intenções. A sociedade está cheia de defeitos, porém a melhor forma de propor soluções não é produzir literatura doutrinária, militante, moralista. A expressão explícita de determinada visão política e ideológica, mesmo que revolucionária, não faz necessariamente de um texto uma obra-prima. As grandes obras em que aparece a temática política e social não são grandes por essa razão, mas pelo confronto entre a realidade empírica e o mundo particular da construção literária. 9. A função da boa literatura não é entreter e deleitar, mas inquietar e provocar o leitor. Se a narrativa e o poema passam o tempo todo adulando o leitor, dando-lhe somente o que ele deseja, evitando constrangê-lo ou contrariá-lo, essa narrativa e esse poema são péssimas peças literárias. 10. Prosadores, evitem as formas consagradas, evitem o conto e o romance realistas, inventem sua própria forma, a teoria do efeito único e concentrado (Poe e Tchekhov) e a do iceberg (Hemingway e Piglia) pertencem ao passado glorioso. Poetas, evitem as formas clássicas, evitem o verso de medida fixa, inventem sua própria métrica, fujam da rima, o poema regularmente metrificado e rimado pertence ao passado glorioso.

NELSON DE OLIVEIRA é escritor desde março de 1989, quando começou a frequentar uma oficina de criação literária, e pajé-maestro desde março de 2000, quando coordenou sua primeira oficina. Recebeu duas vezes o Premio Casa de las Américas, em 1995 e em 2011. Dos livros que publicou destacam-se A oficina do escritor: sobre ler, escrever e publicar (ensaios), Subsolo infinito (romance) e Ódio sustenido (contos).

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Formatura, em 19. dez. 1945, da Escola de Serviço Social – Alayde está no alto à esquerda (de óculos).

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educação

Arquivo pessoal.

Em meados de 1944, o SENAI-SP realizou um levantamento das necessidades sociais de seus alunos da capital. Os resultados foram alarmantes: indicavam alimentação, saúde e higiene precárias, além da ausência de recreação e hábitos culturais saudáveis. Somente em uma escola, 86% dos alunos apresentavam sérios problemas dentários. A análise dos dados conduziu à organização do serviço social no SENAI, que passou a funcionar em 1945, como apoio ao desenvolvimento integral do aluno. Dona Alayde foi uma das pioneiras do serviço social.

Lembranças do serviço social do SENAI-SP: uma entrevista com Alayde Toledo Silva Pinto por Regina Maria Fontes Lacerda da Fonseca e Deisi Deffune

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Alayde Toledo Silva Pinto é paulistana, nasceu à rua Conse-

lheiro Furtado, 220, em 22 de maio de 1924. Atualmente mora com os sobrinhos, José Rubens e Regina, na mesma casa em que viveram seus pais, Jorge da Silva Pinto e Maria da Glória Toledo Barbosa da Silva Pinto. Aos 93 anos é lúcida e participativa. No momento da entrevista em sua residência, recuperava-se de uma pneumonia. Seu avô foi um comerciante português casado com uma campineira que havia enviado os filhos para fazer curso superior na Suíça. O pai de dona Alayde se formou em ciências contábeis, os tios em botânica e química. A mãe era professora. Dona Alayde começou seus estudos no primário, onde hoje é o Aeroporto de Congonhas. Ali havia uma escola alemã. Como aquela escola não era registrada, seus pais a mudaram para uma escola católica. Ex-assistente social do SENAI-SP, dona Alayde exerceu funções de estagiária em 1944-45 e como funcionária de 1o de fevereiro de 1946 a 31 de dezembro de 1976. Foi contratada pelo professor engenheiro Roberto Mange1. Logo no início da conversa, dona Alayde explicou por que gostaria de falar. Queria deixar registrada a concepção de educação integral do dr. Mange em um tempo em que o estado de São Paulo enfrentava dificuldades do pós-guerra e se industrializava. Era premente a educação e a qualificação de seus cidadãos. Como a senhora escolheu o serviço social? Eu tinha uma prima, Gena dos Passos, que era assistente social. Ela sugeriu que minha mãe me incentivasse a cursar serviço social, pois eu levava jeito. Aí resolvi entrar como aluna ouvinte para ver se eu me interessaria em fazer o exame de ingresso. Fiz todas as provas como se fosse uma aluna regular, recebia nota, mas não tinha valor. Naquela época, precisava ter 18 anos para prestar vestibular para serviço social. Quando completei a idade, prestei o exame, passei e fiz o curso. Gostei e fiquei. Na minha família não havia essa diferenciação de homem estudar e mulher não. Como foi o começo no SENAI-SP? Vocês nem podem imaginar. A sede funcionava na rua Boa Vista e fomos contratadas para trabalhar lá. Ninguém sabia dizer o que deveríamos fazer, então nos enviaram para a escola. Lá começamos a implantar o trabalho em um ambiente em que havia o preconceito em relação ao trabalho das mulheres. 1 Primeiro Diretor Regional do SENAI-SP, nasceu em La Tour-de-Peilz, Suíça, em 31 de dezembro de 1885. Faleceu em São Paulo em 31 de maio de 1955. Foi professor da Escola Politécnica da USP. Concebeu o SENAI junto com Roberto Simonsen e Euvaldo Lodi.

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Arquivo pessoal.

educação

Encontro de Páscoa com alunos e funcionários da administração. Década de 1950, escola SENAI do Brás (SP).

Os homens eram contratados como assistentes sociais, depois de um curso de preparação, e as mulheres, mesmo formadas em curso superior, eram contratadas como auxiliares. Havia uma colega dentista que foi registrada como auxiliar de serviços de odontologia e ela não aceitou. Eu, ao contrário, lutei até convencer a entidade a fazer a coisa certa. O nosso curso da PUC era muito superior ao dos rapazes. Éramos mais bem preparadas. E considerávamos um desaforo esse tratamento. Como meus colegas homens eram contratados como assistentes sociais e nós como meras auxiliares? Fiquei, lutei e venci. Passado um tempo, solicitei que regularizassem minha carteira, colocando nela o que eu exercia. Eu tinha espírito de luta e adorava o SENAI. Minha vida era o SENAI. Entrava às 7h da manhã, saía de lá às 17h, 18h e ia direto para a faculdade dar aula. Na PUC era responsável por supervisão e orientação de estágio. Como era o trabalho com as alunas e as operárias? O dr. Mange selecionara duas estagiárias do 1o ano, duas do 2o ano e eu do 3o ano. Teríamos de começar o trabalho com as operárias. À época as firmas só enviavam homens aos cursos. Nosso trabalho inicial era convencer os empresários e os supervisores que as trabalhadoras precisavam ser qualificadas, mas havia resistência em enviá-las ao SENAI. A escola, segundo eles, era para os homens. Havia setores, como o têxtil, em que a maioria dos trabalhadores era do sexo feminino e havia uma cota de aprendizagem que a empresa deveria cumprir. Ao visitar os locais de trabalho, precisávamos convencer tanto as 61

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empresas quanto as moças. Quando não conseguíamos persuadir os superiores, convidávamos as trabalhadoras a visitar a escola e aí elas eram estimuladas a estudar e a convencer os seus patrões a enviá-las ao SENAI. Em que ano foi isso? Em 1945, se não me engano. A minha experiência com as operárias foi tão empolgante que o meu trabalho de conclusão de curso foi sobre o SENAI e versou sobre a integração das mulheres à educação profissional. O dr. Mange queria que nós assistíssemos essas alunas, no sentido da educação integral. Ainda tenho o trabalho. Como foi a entrada das mulheres nos cursos do SENAI? A primeira escola que trabalhei foi a Roberto Simonsen e fiquei lá até a conclusão dos programas oferecidos às mulheres. Lá funcionavam os cursos de confecção, calçados e joalharia. As condições iniciais de funcionamento eram muito precárias: salas para aulas teóricas e um barracão próximo da escola para aulas de oficina. Havia uma casa velha onde ficavam o médico, o assistente social, o dentista e a professora de educação física. Em quais escolas a senhora lecionou? O meu maior tempo foi na Roberto Simonsen, no Brás, que era dirigida pelo professor Luiz Gonzaga Ferreira. Depois fui para a Anchieta, na Vila Mariana, quando o professor Edmur Monteiro era o diretor, depois trabalhei em Santo Amaro e finalmente voltei à Anchieta. Em todas as escolas eu tive que começar do bê-á-bá, conquistar os alunos e organizar o atendimento de serviço social. No começo da Escola SENAI Roberto Simonsen, os alunos tinham aulas teóricas em salas de aula. Ainda não havia oficinas, era um galpão. Além da educação profissional, as moças recebiam preparação para a educação familiar. Havia uma salinha para que elas pudessem considerar a casa delas. Eu as ensinava a fazer comida, a receber pessoas, a administrar a casa, ou seja, as atividades da vida diária. Os alunos eram muito desprovidos de oportunidades. Não conheciam noções básicas de higiene, de alimentação, de apresentação; não conheciam nem a praça da Sé, o centro da cidade, nunca tinham visto o mar. Então, uma das atribuições do serviço social, junto com a professora de educação física, Nancy Giorgi, era organizar a recreação deles, levá-los a passeios, cinema, teatro. Organizar atividades culturais na escola em que eles eram os participantes. Guardo algumas fotografias de passeios que eu fazia com os alunos, inclu62

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sive nas praias. Uma das atividades culturais era a dança. Um dos meninos, o Dimas do Amaral Coutinho, foi descoberto como grande talento e enviado para uma escola de balé em Paris. Como o talento de Dimas foi descoberto? Nós tínhamos muitas atividades artísticas, como dança, canto, teatro. Representávamos a “Dança das Horas” nas Escolas SENAI. E o Dimas participava. Então havia aula de dança para os alunos do SENAI? Havia. A professora de educação física preparava os alunos. Depois excursionávamos em outras escolas, como em Campinas, Piracicaba, Taubaté. O espetáculo da “Dança das Horas” foi um sucesso. Os ensaios terminavam tarde, um assistente social ou professor de educação física acompanhava os alunos até suas casas; muitas vezes as moradias ficavam em barrocas distantes, sem iluminação. Nos passeios com os alunos, todos os assistentes iam juntos: um assistente social, um professor de educação física e um assistente da escola. O SENAI dispunha de ônibus para levar os alunos à praia. Nós íamos ao Butantan, ao Zoológico em excursão de estudos.

Arquivo pessoal.

Qual era o objetivo das excursões e das atividades culturais dos alunos? Organizávamos muitas festas e cerimônias cujo objetivo era oferecer arte e cultura, promovendo o conhecimento, a sociabilidade dos alunos. Enfim, instruí-los para que eles levassem novas experiências para as escolas e valorizassem o trabalho dos professores. A animação ia do servente ao diretor da escola e os nossos passeios eram feitos aos domingos. Nós gostávamos do que fazíamos. Nas escolas havia maestro, canto

Excursão dos alunos do SENAI à praia do Guarujá (SP). Década de 1950. Dimas do Amaral Coutinho é o terceiro da esquerda para a direita.

coral e canto orfeônico. Em 1955, um dos maestros, Nivaldo de Oliveira Santiago, preparou os alunos para cantarem em latim a missa de sétimo dia de morte do dr. Mange. Para o canto coral, havia também uma professora. Sempre aconteciam apresentações. Ora numa escola, ora em outra e às vezes todos os corais em conjunto. Este era o conceito de educação integral. Não se referia ao tempo 63

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que o aluno permanecia na escola, e sim, à formação cultural que proporcionávamos e que ia muito além da profissional. Gostaria que a senhora falasse um pouco mais sobre a educação integral de seu tempo. O aluno ficava um período no SENAI e outro na firma, mas depois passou a ficar o dia inteiro. No SENAI havia o médico, o enfermeiro, o professor de educação física, o dentista e a assistente social. Qualquer problema que os alunos tivessem, eles recorriam ao professor, ao orientador, ao assistente social. A comida vinha do SESI em grandes compartimentos metálicos para as refeições dos alunos e funcionários. A educação não era só a parte profissional, era o todo do indivíduo. Por isso havia vários profissionais para atender ao aluno. Lembro-me de um aluno que teve leucemia. Ele foi encaminhado ao tratamento e nós o acompanhávamos. Nós nos preocupávamos com o conjunto da pessoa, não só a parte profissionalizante. Era de fato educação integral. Qualquer problema que o aluno tivesse, estávamos nós ali para ajudá-lo. No meu papel como assistente social havia um clima democrático. Os alunos tinham liberdade de falar. Eu também fazia muitas reuniões e entrevistas com as famílias, as chamadas reuniões de pais. Com os alunos eu praticava dinâmica de grupo e a participação era livre. Também ministrava aula de educação moral. Eu discutia muito com eles o que fazer, quando fazer e por que não fazer determinadas coisas. Pedia permissão para gravar os encontros e depois discutia o teor com as mães, com os pais, a quem solicitava ajuda para a resolução das questões antes que os problemas estourassem e chegassem a um ponto impossível de revertê-los. Os alunos tinham o tempo de reflexão, de raciocinar sobre seus conflitos. Às vezes eles brigavam entre si e nem sabiam o porquê. A reflexão evitava agressões, violências. Com isso, a convivência na escola era muito boa, não havia brigas. Eles tinham liberdade de contar as travessuras. Na hora do almoço até dava aula de preparação religiosa para aqueles que me pediam, eu os preparava para os sacramentos da primeira comunhão e depois os levava para os exames na Igreja do Santíssimo Sacramento. Acompanhei alunos que mais tarde se tornariam instrutores, professores e até padre, com os quais me relaciono até hoje. Como se dava a articulação da educação física e do serviço médico com o serviço social? O professor de educação física era preocupadíssimo. Quando o aluno tinha algum problema, ele o enviava ao serviço social para que pudéssemos tratar do assunto. Lembro-me do caso de um aluno que não gostava de tomar banho. 64

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Aí o professor de educação física falou comigo antes. O pescoço dele estava todo rajado de sujeira. Quando o menino chegou até mim eu lhe perguntei o que havia acontecido por ele estar no serviço social. Aí ele me respondeu que não sabia, que o professor havia pedido a ele para ir até o serviço social. Perguntei-lhe, mas para quê? Aí ele me respondeu que o professor lhe disse que precisava ver o que era algumas manchas que ele tinha no pescoço. E eu lhe falei. Vamos ver o que é isso, se não passar, vamos ao médico. Peguei um algodão e passei no pescoço dele e mostrei-lhe a sujeira. Aí lhe disse: é só lavar o pescoço. Não tem nada, mas o professor, delicadamente mandou você para mim. Então você faça o favor de tomar banho. (A mãe havia me dito que quando o pai chegava do trabalho ela informava que o menino não queria tomar banho. O pai falava a todos que ele não tomava banho e ele ficava irritado e aí não tomava mesmo.) Eu era acionada porque também havia feito um curso de enfermagem. Recebi um diploma municipal. Nós, assistentes sociais, tínhamos que estar preparados para a possibilidade de atuar em situação de guerra. Eu também visitava as empresas para saber, junto ao pessoal de recursos humanos, quais eram as suas necessidades de formação, assim podíamos orientar os alunos para os cursos certos. Além disso, o SENAI contava com orientação profissional e testes vocacionais elaborados por psicólogos. Os cursos vocacionais eram muito bem-feitos, muito bem organizados. Foi uma pena quando os extinguiram, pois ajudava o aluno a descobrir suas aptidões. Eles experimentavam várias atividades, de várias áreas, para descobrir suas vocações. Na seleção havia o dr. Barros2 e na orientação dos cegos, o Sandoval3. Como a senhora orientava os alunos? As dificuldades derivadas de preconceitos não ocorriam somente em relação às mulheres. Houve uma época que convencer os alunos a fazer marcenaria era muito difícil porque não havia colocação em empresa. Geralmente os marceneiros trabalhavam sozinhos, eram autônomos e a moda da época eram móveis de metal. E a marcenaria ficou em terceiro lugar como opção de escolha dos alunos. Tinha vaga aberta e elas não eram preenchidas. Um dia chegou uma senhora na minha sala e me disse: 2 Dr. Oswaldo de Barros Santos graduou-se na Escola de Educação e na Escola de Educação Física, ambas da USP. Mais tarde graduou-se em pedagogia. Especializou-se no Institut D’Etudes du Travail et d’Orientation Professionale de Paris. Formou-se em psicologia clínica na Florida State University e pós-graduou-se na Columbia University (1957). Fez várias viagens de estudos em países como Suíça, Bélgica, Japão, Inglaterra, Portugal, França e Itália. Foi Diretor do Serviço de Seleção e Orientação Profissional do SENAI-SP, onde desenvolveu, com sua equipe, testes que são aplicados em várias partes do mundo. 3 Geraldo Sandoval de Andrade era psicólogo. Chefiou o Serviço de Adaptação Profissional do Cego do SENAI-SP. Foi um dos pioneiros da inclusão da pessoa com deficiência no Brasil.

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– Dona Alayde, enviei meu menino aqui para fazer a seleção para o curso de tornearia e mandaram ele para marcenaria. E por que isso? Comecei, então, a falar com ela – a senhora está sentada em quê? Dorme em que lugar? Guarda a roupa onde? Fiz com que ela raciocinasse que o trabalho em madeira era importante. Já havíamos entrevistado o aluno após ele ter passado por testes vocacionais e ele queria ser marceneiro e tinha aptidão para a profissão. Argumentei com a mãe que ele queria ser marceneiro. E ela finalmente aquiesceu. Foi a senhora que implantou o serviço social na Escola SENAI de Santo Amaro? Sim, eu implantei o serviço social nas Escolas Roberto Simonsen, Anchieta e na de Santo Amaro. E a senhora fez estágio com a dona Nadyr4? Quando eu vim para o SENAI, estava no último ano da faculdade. Fui supervisionada pela dona Nadyr. Depois que me formei, passei a trabalhar com supervisão e isso aconteceu durante toda a minha vida de trabalho. Supervisionava o serviço social de todas as escolas do SENAI, tanto da capital quanto do interior, orientando meus colegas que estavam em início de carreira como assistentes sociais. E a senhora se lembra do nome de alguns dos colegas que supervisionou? Sim, lembro-me, por exemplo, do Dionino Colaneri, diretor do Departamento Regional do Sesc. Ele tem muita consideração comigo, me telefona, vem me visitar. Quando trabalhava no SENAI, assistia também a cursos oferecidos aos assistentes sociais. A alma do trabalho do serviço social é a supervisão. Em uma ocasião, substitui o meu diretor, que era o Francisco de Paula Ferreira, chefe do serviço social do SENAI. Fiquei responsável tanto pela supervisão dos serviços nas escolas como pela administração central do serviço na sede. Supervisionei também o José Augusto Bezana, que depois foi chefe da Divisão de Serviço Social do SENAI, e os estagiários João Paes de Almeida e Luiz Picarelli.

4 Nadyr Gouvea Kfouri, primeira brasileira a assumir reitoria de uma universidade (PUC-SP), tia do radialista Juca Kfouri. Assistente social formada na primeira turma de 1938, prestou relevantes serviços no Brasil e no exterior. É uma referência do serviço social no Brasil.

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E depois que a senhora se aposentou, continuou seu trabalho como assistente social? Quando me aposentei, continuei trabalhando com um grupo de idosos que coordeno há 40 anos. E trabalho até hoje. Nosso trabalho voluntário é indicar cuidadores para as pessoas idosas. A família que precisa do cuidador nos telefona e diz o perfil que precisa. Nós selecionamos em nossos arquivos o perfil adequado e supervisionamos o trabalho dos cuidadores. Nós nos reunimos na sede da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias de Artefatos de Borracha do Estado de São Paulo, a cada quinze dias, para um chá. Cada participante leva um doce, uma bolacha. E lá tratamos do assunto para o qual nos reunimos. Dessa forma, mantemos nossa cabeça útil e funcionando. Que temas são discutidos no grupo? Vou dar alguns exemplos: como e quando a gente deve fazer algo pelo outro. Ou, não podendo fazê-lo, quais as consequências. Com a internet, não se visita mais as pessoas. Não se telefona mais para elas. Por quê? Quais são as suas lembranças de professora da PUC? No início, fui substituir um colega. Lembro-me de um aluno que ficava de ­costas para mim, como se eu não existisse, e faltava em algumas aulas. Um certo dia ele me disse que estava me testando. Outro aluno que fazia CPOR foi reclamar que eu não havia dado presença para ele. Aí eu disse a ele que na hora que o quepe respondesse, eu lhe daria presença. Ele saía da sala e deixava o quepe sobre a carteira. Guardo boas lembranças daqueles tempos. E quais são suas outras lembranças do SENAI?

Arquivo pessoal.

Lembro-me do barulho do refeitório, da agitação dos alunos. O grêmio era uma verdadeira aula de civismo, desde a indicação dos alunos, a votação, a participação. Sinto saudades! Também me lembro do dr. Mange. Eu era muito agitada, e ele sempre falava: "Alayde, cuidado!". Como suíço, ele era muito fechado. Mas eu gostava muito dele. Lembro-me de um discurso proferido em homenagem ao dr. Mange. O orador falou o seguinte: “Tem uma coisa que vocês não encontram nem em banco nem na Caixa. É o valor humano”.

Alayde no começo da década de 1980.

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Rosa de Luxemburgo dos trêfegos trópicos por Evandro Affonso Ferreira

Parte 2*

Ales Motyl. Narrow eyes, 2009. (bit.ly/2oSjo6P)

Ela? Apareceu três anos depois – mais velha, mais experiente, reas-

sumindo a quase-Rosa de Luxemburgo primeva. A pele já não estava mais tão luzidia; semblante noctâmbulo, seios já não tanto túrgidos... E a língua? Seria a mesma? Não havia perdido o olhar da altiveza – pensasse em se matar um dia, também seria grandiosa feito a mitológica Erígone, cuja árvore onde se enforcou atravessava toda a terra e seus ramos perdiam-se entre as constelações. Entanto, havia perdido aquela aura erótica – sim: seu olhar continuava altivo, mas havia perdido quase toda a sua sensualidade. Sensação de que havia trazido do prostíbulo trejeitos histriônicos, pantomimas de indisfarçável teatralidade. Ex-parceiro-às-vezes-estoico-às-vezes-epicurista sentiu-se, ele também, filho de Anankê, a Fatalidade. Sim, ela apareceu ex abrupta dizendo apenas oi. Entrou, sentou-se jogando sobre a mesinha de centro envelope – dentro do qual havia, segundo ela, primeiras páginas de sua nova tese de Doutorado: PRÓSPERO PROSTÍBULO: PAÍS. Título que fez o agora professor-benemerente chamar ato contínuo à memória magistral escritor aquele de Cordisburgo que também havia lançado mão do mesmo recurso para pontuar o título de sua obra de maior relevo. Leia, por favor, trouxe apenas a introdução, pediu, plácida, como se não tivesse ausentado três longos anos, mas apenas dois dias. Ele leu: Antiga, sim, existiria desde 69

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as épocas mais remotas da história. Existiria... disse existiria porque os olhos não são capazes de ver os primórdios das coisas. Babilônios? Heródoto já comentava sobre a prostituição que acontecia no interior do templo da deusa Ishtar. Assírios? Elaboraram as primeiras leis contendo regras de conduta para as biscaias, biraias – em caso de descumprimento: 50 chibatadas e piche derramado sobre suas cabeças. Fenícios? Grande comércio deles era o tráfico de pombas – mulheres jovens, belos rapazes para os prostíbulos da Ásia. Atenas clássica? Ditadores percebendo boa fonte de lucros, instituíram bordéis oficiais administrados pelo Estado. Começo da Era Cristã? Atire a primeira pedra aquele que... Idade Média? Esteve presente em todas as cidades da França durante os séculos XII e XIII – zona urbana e zona rural, se me permitem jogo de palavras já no introito. Alguma prostituta virou santa? Sim: Maria do Egito. Sabe-se que a prostituição sempre existiu para possibilitar a realização do instinto sexual masculino. Por cima delas duas passara uma geração inteira de devassos, disse o narrador de certo romance brasileiro do século XIX, ao falar de duas prostitutas – a mais jovem atendia pelo sugestivo nome de Pombinha. Meretriz leiloada? Sim: século XIX, Rio de Janeiro – prostituta era conduzida à casa de leilões da cidade para ser de novo negociada por outro cafetão, depois que anterior rufião declarava que estava dando respectivo divórcio. Dizem que em 1880, dezenas desses cafetões, os mais importantes, foram expulsos do país. Sabe-se que uns corpos são substituídos por outros no espaço; que a todo instante nos embrenhamos nos princípios de doutrinas ímpias e avançamos na senda do crime; que muitas vezes não parecemos gente não parecemos bicho, mas, seres híbridos, simulação de ambos; que a natureza dissolve novamente cada coisa nos seus átomos, mas infelizmente não reduz certas coisas ao nada – o cáften, por exemplo, este descendente direto de Orco. Oportuno lembrar que Teseu transformou em vício humano o costume divino de raptar donzelas. Mal necessário? Médico ilustre afirmou naquele mesmo século, XIX, que poderia provar psicológica, civil, intelectual e moralmente que as prostitutas eram necessárias. Entanto, defensores dos bons costumes, preocupavam-se com o encanto exagerado das cortesãs que dissipavam impiedosas o patrimônio de muitas famílias, além de incentivar a libertinagem celibatária dificultando casamentos e procriações. Sabemos que sempre foi impossível impedir qualquer movimento que rompesse as leis do falo, pela qual os machos avançam para onde o prazer conduz cada um; que, por ser grande a quantidade desses membros masculinos, é evidente que nem todos devem ter a mesma estrutura nem estar dispostos com idêntica configuração; que, cada um, cada falo, procura o que lhe é próprio e conhecido. Bordel? Parece que os primeiros 70

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surgiram no Rio de Janeiro em 1860. Curioso chamar agora à memória poeta aquele de sobrenome angelical: Este lugar, moços do mundo, vede: é o grande bebedouro coletivo, onde os bandalhos, como um gado vivo, todas as noites vêm matar a sede. Eu? Doutoranda, mas também objeto desta tese? Tornei-me prostituta, de moto próprio, por vários motivos, um deles foi que carreguei vida quase toda enrodilhado em meu próprio corpo cinto invisível de Afrodite. Mas roubaram aos poucos, no prazo de três prostituidores anos, minha incandescência, meu abrasamento – sim: confirmei in loco poeta aquele dos passos em volta: é tão degradante a insolência dos jovens como a devassidão dos velhos. Desvario se exibindo a si mesmo. Nossa função? Extrair in extremis o sumo do êxtase – independentemente da iniciação ou dos derradeiros estertores dos clientes. Bordel? Cidadela de espectros; refúgio do desamor; rua do gozo de mão-única; viela do quase-estupro-remunerado; lugarejo-miasma, bacteriano; templo da saudade e da plangência e dos falsos gemidos a dois e dos gemidos sinceros a sós num quarto qualquer sob a luz mórbida de abajur lilás sobre criado-mudo, cuja gaveta há sempre providenciais camisas-de-Vênus e cartas escritas a lápis para ninguém – ou para pessoas mortas ou vivendo-morando em endereços desconhecidos. Alguns foram embora, outros estão distantes – diria aquela magnífica poeta cujo filho Stalin crucificou. Sim, Lupanar, ancoradouro dos hematomas; dos dias prenhes de coágulos; das vozes engroladas, etílicas; dos coitos animalescos; dos coitos desajeitosos; das ejaculações precoces; dos gozos compensadores; do gozo-nenhum-daquele-decepcionante-pênis-que-deixou-de-acontecer. Prostituição é flibusteria do acaso, é ocaso da esperança. Nosso corpo vai pouco a pouco se impregnando de suores alheios, fétidos, tresandando a álcool e solidão e desespero e devassidão e mácula e traição e lágrimas e uivos. Eu? Puta? Tempo todo no palco-cama interpretando falsas Messalinas. Faço desta tese-depoimento meu canto lúgubre. Conheci in loco alguns ciclos do inferno dantesco: vi sangue escorrendo em rostos femininos semicobertos por estilhaços de garrafa; vi corpo nu de homem sendo baleado por capataz de fazendeiro-coronel. Percebe-se, com o tempo, que há nódoas em todos os cantos de um bordel – além das manchas nos lençóis e nelas, nossas esperanças. Vi velho-solitário-muito-rico mandar entregar flores numa Kombi abarrotada de lírios para fuampa-ninfeta, dezenove anos, se tanto – deusa do nosso olimpo-lascivo-voluptuoso; vi zabaneira acionar o gatilho contra a própria têmpora: rufião execrável a impedia de ver filha adolescente de ambos. Lupanar? Templo-mercantil-luxurioso enfestado de soluços femininos às escondidas e dores imensas anais-existenciais e muita repulsa e muito nojo camuflados atrás de sorrisos mínimos, oblíquos, em benefício da moe71

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da-michê. Bordel? Lugar no qual envelheci definhei-me célere debaixo de homens truculentos, que, afoitos, lavravam e semeavam e colhiam eles mesmos ais e uis – eu? Fazia ouvidos moucos. Sim: tudo muito exaustivo, repugnante. Às vezes pensava em sair-sumir, mas, minhas perninhas, em incansável vibração, sobre as quais não exercia controle algum à semelhança daquele monstruoso Inseto-Samsa que já havia sido Gregor. Também fui Rosa e depois Rosalux e agora Rosa de Luxemburgo outra vez – já não totalmente a Rosa primeva: enrolei-me durante três longos anos na própria teia, pisei as uvas mas não bebi o vinho. Bordel? Lugar em que entrei histérica, saí estéril, exaurida, sem rosto feito Anankê; onde aedos entoam cantos lúgubres; lugar no qual só existem Ifigênias – todas igualmente sacrificadas. Imperecíveis? Desalentos e saudade e lamentos e nojo deles, homens-minotauros. Eu? Fui meu próprio fio de Ariadne: estou agora aqui, despedaçada, quase-destruída, depois dessa metempsicose, desse movimento cíclico por meio do qual fui Rosa-de-Luxemburgo-eu-mesma e depois Rosalux-eu-outra e agora Rosa-de-Luxemburgo-quase-eu-mesma, mas fora daquele labirinto-mercantil-luxurioso de solidão infindável e de infindáveis dores imensas no cu e na boceta e na alma. Meu poeta romano diria que não é impunemente que a dor pode penetrar tão profundamente e introduzir-se o agudo sofrimento, sem que tudo se perturbe a ponto de não haver lugar para a vida e as partículas da alma fugirem por todos os orifícios do corpo. Bordel? Ferida que cicatriza nunca-jamais. Sinto que não vou recuperar minhas fogosidades pretéritas, pré-Rosalux, sinto-me agora desprovida de desejo sexual – trago comigo Alforje atafulhado de náuseas. Visões? Sim, aumentaram no prostíbulo: via quase sempre na parede do quarto ou ao pé da cama sombrações os mais variados possíveis – nunca entendi nunca me aprofundei nesses meus dons mediúnicos. Sei que os mistérios desde minha juventude se afeiçoaram a mim: vida quase toda circunscrita às fantasmagorias. No Bordel? Sim, tive ascendência sobre todas as outras prostitutas – jeito que arranjei para disfarçar a própria morte, por assim dizer. Curioso chamar à memória Aquiles falando com Odisseu: Preferia viver com o guardião de bois, ao serviço de um pobre camponês, de mesa pouco abundante, a reinar todos estes mortos consumidos. Eu? Simulacro de mim mesma. Noutros tempos tive também trinta e oito pretendentes à semelhança de Helena. Agora? Convivendo com meus fantasmas e seus presságios funestos. Jeito é peregrinar – olhar a vida de soslaio, sim, perdi de vez o encanto afrodítico: bordel? Antro de homens-aves-de-rapina? Emurcheceu minha vulva. Eu? Sombra exausta. Perdi tudo inclusive a aparência. Agora? Efígie sutil de mim mesma – Perséfone no reino das larvas. Sim: indo viver num lupanar (tal qual sempre acontece nas histórias mitoló72

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gicas) abri a cesta misteriosa no momento errado. Herança? Corte profundo de navalha na perna esquerda – atraquei-me com candidato a rufião. Salvei-me, embora continue sabendo (à semelhança dele, meu poeta latino) que a vida a ninguém é concedida como propriedade plena, mas a todos como usufruto. Agora? Vivendo apenas nos interstícios do cotidiano. Preciso praticar silêncios, afagar arredios, exilar-me em meus arrependimentos – experiência lancinante: fui muito impiedosa comigo mesma. Sim: refém dos próprios desvanecimentos e dos temores e dos lamentos. Sei da impossibilidade de reabilitar-me in totum: alma entregue ao lusco-fusco permanente – sensação de que ela ficou enganchada para sempre no pórtico daquele bordel. Sim: houve esmero excessivo nelas minhas adversidades. Não consigo exercitar autocomplacência, simular abstraimentos, retemperar as forças, me acostumar com noites sobressaltadas, fantasmagóricas. Sim: possivelmente esteja querendo, nesta tese-prostíbulo-autobiográfica, dar significado superlativo aos próprios emaranhados existenciais. Experiência autofágica. Meu poeta latino diria que a mesma mãe de tudo, a terra, é também o túmulo de todas as coisas. Contrapartida? Historiador francês perguntaria ato contínuo: nosso berço, a terra, onde nasceu nossa raça, não é também um berço para renascer? Sei que trouxe de herança do bordel o fugidio, o ensimesmamento – lá, tudo em mim foi violentado, inclusive meu personalismo. Bordel? Descoseu meu fervor, mutilou meu ideal: entrei para decifrar enigmas do submundo e me perdi em meu próprio universo; trouxe comigo o torpor, a letargia; abandonei o erótico, o passional, a possibilidade do triunfo, o esgrimismo do verbo; afeiçoei-me ao equívoco. Bordel? Convento profano, lugar no qual nos enclausuramos no desencanto, na saudade; dilacerador de vísceras, palco de espetáculos insólitos e escatológicos e profanos e sórdidos e santificados e demoníacos. Não, não é afrodisíaco o muco desse ambiente, mas é difícil se desvencilhar dessa viscosidade, desse desmoronamento ciclópico, enciclopédico, cujo nome é meretrício – calvário exótico-erótico-devastador: insuportável recorrência deles, nossos dissimulados ais, nossos falsos uis. Agora? Privilegiar os próprios ofuscamentos, viver recolhida em mim mesma, na própria vaziez. Bordel? Ascese às avessas; plenitude da solidão; empresa, por assim dizer, cujas funcionárias terceirizam o orgasmo; templo das bizarrias masculinas, das dissimulações femininas. Agora? Trouxe comigo peito engendrando desalento. Bordel? Lugar no qual conhecemos de perto o perigo de todos os excessos; templo profano ministrado por demiurgo cuja força devora nossas almas; ancoradouro de conas-mercantis e de pestilências de toda natureza e de plangências-às-escondidas e de mil milhares eteceteras devastadores. Agora? Certeza de que sou, embora não 73

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sabendo o quê; mulher-túrgida-vegetal adestrando-me aos arrependimentos. O que fizeram dos meus ideais? Agora também sifilíticos? Difícil-impossível hoje em diante ser complacente comigo mesma. Eu? Estorriquei meu próprio percurso; manufaturei meus próprios látegos. Alma agora esforçando-se para ganhar quietude qualquer, uma fuga, um aconchego das próprias palavras que teimam em driblar o espírito acadêmico tentando inútil arrefecer fartos fardos meretrícios e as asperezas do arrependimento. Experimentei a prostituição mercantilizando o próprio ânus, a própria vagina. Agora? Fazendo dele, meu texto, tese-autocomiserativa – mesmo sabendo da impossibilidade de apagar todos os rastros dos meus passos. Bordel? Cidadela de veredas espinhosas sangradura de almas desterradas. Sim, poeta, os deuses sutilmente moldam a loucura com a tristeza sobre a terra, desconhecendo a compaixão, desprovidos de toda a piedade. Agora sei que meu fogo não era inextinguível; que as mulheres de Tessália não seriam capazes de fazer baixar a Lua; que eu mesma acabei comigo sem julgamento; que agora procuro pisar a anti-Terra de Perséfone para conhecer minha segunda morte – possivelmente mais suave que a primeira. Aliei-me ao desencanto – sim: minha água nunca foi potável, mas, agora, salobra demais. Eu? Rosa, a eterna Rosa dos extravios. Hoje? Cuidando dos coágulos negros que provoquei em mim mesma – sim: fui Rosa dos sonhos luxuriosos insaciáveis e dos ideais também insaciáveis: Rosa, a contraventora e também a obscena e também a anárquica. Agora? Escrever, escrever, mesmo sabendo que vocábulos não acalmam febres. Escrever tentando quem sabe me livrar dos incômodos rastilhos das incongruências, dos meus gritos agudos e das minhas assombrações e das minhas miragens e dos vultos consagrados nas paredes e ao pé da cama – prenúncios da perplexidez. Bordel? Ancoradouro de fornicações autômatas e de quartos e vielas cheirando a enxofre; nexus rerum às avessas: a conexão de nada com nada; lugar no qual enxundiei a desesperança. Agora? Trouxe comigo a perpetuidade do desequilíbrio. Não, antes de entrar naquele ancoradouro de marafonas não encontrei em meu caminho nenhum daqueles pássaros portadores de presságios. Bordel? Covil de fêmeas amestradas para matar parceiros-parceiras de orgasmos múltiplos. Agora? Toda manhã, diante do espelho, dar pêsames a mim mesma pela própria morte, se assim posso dizer – tentando enterrar contendas e apaziguar a alma e deixar para trás todas as incandescências. Sim, poeta, onde encontrar, onde encontrar os guerreiros que guardarão os rios em suas núpcias? Agora? Refugiando nesta tese-lápide-memorialística, vivendo noutra zona: na zona sombria que sou eu mesma – brandindo inúteis retratações, compungimentos. Sim: Rosa-Orfeu sem corpo, apenas a cabeça flutuando no rio, mesmo assim ainda can74

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do conto

tando-contando, convivendo com as próprias obscuridades – sem precipitar acontecimentos. Bordel? Máquina trituradora de perspectivas para as putas, as croias, as catraias, as fuampas; lugar no qual os deuses os santos os anjos tergiversam diante das súplicas delas, as meretrizes, as findingas, as birais, as biscaias; indiferença despropositada, insensatez descomedida – ou elas, as marafonas, as pituriscas, as rongós são desprovidas de perspicácia mística? Agora? Horizontes turvos, escarnecedores, refratários aos amanheceres, propícios aos estiolamentos. Eu? Vida toda? Rosa-irrefletida: refém das impulsividades. Agora? Exaurida, impregnada de estupores, incapacitada de suportar a mim mesma – sim: não há possibilidade de coagir o passado. Jeito? Elaborar tese-cilício deixando palavra vez em quando se subordinar à autocomiseração, aos esfacelamentos internos, sim, sensação de que todos os ritos expiatórios foram abolidos para sempre. Bordel? Antes de entrar, não sabia exata extensão do axioma, segundo o qual para que surja a vontade, é necessária antes uma ideia de prazer e desprazer – sim, lamentável, nasci depois daqueles tempos em que pessoas tinham oráculos, avisos secretos, acreditavam nas profecias. Agora? Desamor ao destino; exuberância ao rés do chão; classificando tropeços, rememorando impulsividades; deixando-me levar pelo predomínio da apatia, do alheamento, dos entorpecedores amiudados. Bordel? Templo das trapaças orgásticas, das virilidades efêmeras – sim, meu poeta, até as pedras são pelo tempo levadas de vencida e os rochedos transformam-se em pó e tudo é formado por um corpo que nasce e morre. Agora? Desaguar nesta tese-prostíbulo meus próprios dissabores; desaprender arroubos; adestrar insaciabilidades e ímpetos luxuriosos e impulsos belicosos – não, não estava preparada para ser minha própria cobaia. Bordel? Lugar no qual não se faz estágio impunemente. Sim, eu sei: arrastar aqui neste texto-tese-testemunho minhas plangências é igualmente inútil feito atitude aquele dele, Aquiles, de levar de rastos cadáver de Heitor: Pátroclo não ressuscitou. Agora? Viver dias miúdos trancada em mim mesma, ser meu próprio ataúde; tentar driblar as interpelações do acaso; outorgar-me o poder da mnemônica; ser carpideira da própria morte lançando mão, intempestiva, de tese-cataplasma, de texto-apaziguador-quase-acadêmico-quase-literário; tentar apagar de vez as próprias teatralidades; exílio, sim, exilar-me nas regiões soturnas da mortificação dos sentidos; aquecer-me nas entrelinhas do próprio texto. Bordel? Templo dos desentranhamentos: machos desventram nossas fendas nossas frinchas nossas vidas; cidadela das vulvas-fertilizantes fecundando pênis-infantes; conas-afrodisíacas rejuvenescendo falos revelhuscos. Sim, poeta, todas pensam, uníssonas: Quem sabe o senhor da outra noite me leva com ele. Chance? Quase nenhuma: dias sema75

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nas anos inteiros coalhados de frustrações, sem corresponder às expectativas. Prostíbulo e bem-aventurança? Inconciliáveis entre si. Bordel? Lugar em que ventos contrários fustigam o desalento. Agora? Resignar-me: impossível criar pontes suspensas sobre precipícios pretéritos; sim, vida toda fiz chacotas, troças do acaso, mas acabei eu mesma alumiando veredas da minha própria imprevisibilidade. Agora? Amordaçar intempestividades; perder a pressa de chegar no dia seguinte; andar ziguezagueante driblando ventanias, prováveis tropeços, possíveis esfoladuras na alma; resguardar resignações; reinventar trapismo para mim mesma; aquietar dubiedades; desaprender devassidão; repelir alvoroços; umedecer a alma; seguir a inexorável lei da contemplação, sim, estudei Santo Tomás de Aquino, mas não havia me atinado momento no qual ele diz que as virtudes morais pertencem à vida contemplativa como predisposição. Agora? Acalentar reveses com o emplasto, o unguento da resignação; lapidar arredios; cultivar sem medo os próprios assombramentos, as súbitas aparições ao pé da cama, nas paredes dos quartos onde durmo; criar, espontânea, ritual de austeridade para mim mesma; explodir meu arsenal de intolerância; tatear prumos; reaver-me; entrançar-me nos vestígios da ternura; emergir a pretérita Rosalux nas águas do Letes; apagar rastros dos desvios pretéritos; recolher destroços no alforje da penitência; forjar mansuetudes. Bordel? Templo-oráculo de presságios funestos; povoado das adversidades; usina de cancros e frustrações e purulências e desesperanças; laboratório sufocador de afetos; lugar no qual sempre emperra a roda do afago sincero; onde as anomalias-sexuais-masculinas se transbordam inexoráveis, inabaláveis; onde risonhas expectativas vivem em permanente convalescência; lugar no qual nós, mulheres, caímos para nunca mais levantarmos de vez; pavilhão atafulhado de solidões femininas; onde nossos próprios demônios rosnam quase sempre ao pé da cama; estrada sinuosa que desemboca no declínio; córrego que alimenta o moinho do menosprezo. Eu? Vítima da própria imprevidência: deveria ter colocado rede debaixo daquele desastroso salto triplo. Agora? Catar destroços, recuperar desmoronamentos íntimos; caminhas às apalpadelas entre veredas obscuras do acaso; cavalgar no lombo de cavalo xucro cujo nome é Pungimento; alumiar escuridões internas; esquecer incandescências – sim: esquecer para me livrar de fardos mnemônicos; agarrar-me, desesperada, contraditória, vez em quando a Lucrécio, vez em quando a Tomás de Aquino; ficar de cócoras, reflexiva, horas seguidas, num cantinho de mim mesma; ou, quem sabe, viver horas abstratas, abstraídas talvez; me acostumar, oclusa, aos eclipses personalizados; sensação de que vivo às escondidas de mim mesma querendo extrair, inútil, do corpo para sempre todas aquelas fornicações mer76

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cantis – sim, inútil: meu corpo? Minha sacristia profana; agora? Tentar viver nos alhures nos distantes de mim mesma, ou, quem sabe, fazendo aos poucos desta tese-testemunho minha marcha fúnebre, sim, trilha sonora do cortejo sombrio dela Rosalux, a croia circunstancial, a puta provisória; agora, aqui, eu, Rosa de Luxemburgo procurando abrigo no aconchego redentor das palavras que não deixam desalento absoluto se alastrar futuro adentro. Ele? Percebeu com clareza, que, mais uma vez, Rosa trêfega continuava lançando mão de mexerufada de textos alheios – de Platão a Lucrécio, passando por Cícero, et caterva, além de penca de historiadores, referências mitológicas, poetas, romancistas, cronistas, assim por diante. Mas, desta vez, depois de dois longos estios linguísticos, resolveu apenas menear a cabeça de forma afirmativa, dizendo: Bom preâmbulo, gostei, apesar de ser mais literário que acadêmico. Elogio pechisbeque, inútil: ele soubera naquele mesmo dia que ela recolhera para sempre sua língua-pétala – bordel havia dizimado de vez seu êxtase. Ao se despedir, perguntou, lacônica, sem esperar resposta: Querido, eu acredito em Deus? Suporte e abstenha-se, ele pensou, estoicamente. Havia percebido ali naquele momento que perdera sua quase-amante-quase-orientanda. Coragem, domínio de si, resistência à dor, racionalidade, sim, sendo ele estoico, logo, sabia que não existe nenhum vazio no mundo – apesar da ausência possivelmente definitiva da língua-pétala dela, Rosa trêfega, Rosa combalida. Sabia também que as repercussões das ações dos corpos uns sobre os outros, não colocam em questão a integridade dos corpos. Parceiro-nem-sempre-plenamente-estoico começou a procurar inútil um princípio unificador dentro daquele logos, daquele pneuma, daquele sopro ígneo, cujo nome era língua-pétala-Rosa. Evocou igualmente em vão o eterno retorno. E o autodomínio? Sim: era preciso cultivar o autodomínio a todo instante, arrefecer a volúpia, emperrar sabe-se lá de que jeito, onanistico talvez, o desejo, a eterna saudade dela, língua-pétala. Cavalheiro, acompanhou-a até esquina mais próxima, e, para se defenderem do sol abrasador abrigaram-se debaixo de frondosa copagem. Assim que Rosa de Luxemburgo entrou no táxi, ele pensou: Nunca mais nos veremos outra vez noutra sombra.

* Continuação do conto publicado na edição 11 da revista Ponto.

EVANDRO AFFONSO FERRREIRA é autor de vários romances, entre os quais Minha mãe se matou sem dizer adeus, prêmio APCA de melhor romance; O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Rotterdam, Prêmio Jabuti de melhor romance do ano; Os piores dias de minha vida foram todos, finalista do Prêmio São Paulo de Literatura e terceiro lugar no Prêmio Jabuti de Literatura.

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do novo contista

Parecido com alguém que está indo embora Mariana Salomão Carrara

American Telephone and Telegraph Company. Bell telephone magazine, 1922.

Você está mesmo indo embora?

Você de fato parece alguém que está indo embora. Você tem as coisas todas em mochilas e enormes sacos pretos enfileirados perto do elevador como se fossem lixo. Talvez um dia, meses atrás, eu até tenha chamado tudo isso de lixo, talvez tenha mandado você sair com todo o seu lixo, mas agora não faz sentido que as suas coisas estejam assim em sacos de lixo. Você parece com alguém que está indo embora e que não deixa para trás nada que depois venha a precisar, e eu torço pra que fique entre as gavetas algum documento que te faça voltar por cinco minutos, cinco minutos em que eu possa ver você como uma pessoa que de fato foi embora, e que portanto é uma pessoa diferente, logo eu que nas últimas semanas quis tanto ver você assim saindo daqui. Você olha em volta tentando não parecer cerimonioso, mas é visível que está indo embora e que já não falta mais nada pra guardar, e que agora o próximo passo é me dar um abraço natural feito qualquer despedida diária nossa, e em seguida fechar a porta, e eu fico pensando que, no instante em que a porta fechar, a casa inteira vai mudar de cor, ou vai apagar, ou gritar, alguma coisa vai acontecer, porque não parece razoável que você feche essa porta e tudo continue como sempre esteve. E eu até agora tão convicta de repente não suporto o barulho do seu sapato caminhando devagar até a sala para dizer então-já-vou-indo, mas o seu sapato caminha devagar porque foi devagar que a gente fez tudo, meses lutando em nome de um milhão de anos, como se não fizesse sentido você ir 79

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embora só porque já ficou por tempo demais, só que agora que o seu sapato está chegando assim tão perto da sala eu me pergunto – pergunto só a mim, porque seria um absurdo perguntar pra você – se a gente devia ter se levado tão a sério, se não chega a ser até mesmo engraçado você completamente fora das nossas estantes, armários, sofás, se isso tudo não é uma grande brincadeira nossa para o mundo que está assistindo pela janela esperando a hora que a gente tira a máscara e revela que somos outras pessoas, ou que somos de novo aqueles de tantos anos atrás. Por que você está indo embora? Se eu fizesse essa pergunta talvez você me olhasse com o seu olho de estupefação e em seguida fizesse a curva ocular da impaciência, porque entender a razão de você ir embora é tudo que a gente ficou fazendo nas últimas semanas, na verdade nos últimos meses. A chegada do seu sapato até a sala, onde você dirá que então-já-vai-indo, é feito o momento de passar o cartão de crédito na hora que compramos a nossa cama. Depois de sentar e deitar em todo o mostruário, aceitar o café, o copo de água, as balinhas meladas que grudam nos dentes, discutir com o vendedor as formas de entrega, os parcelamentos, descontos, detalhes da subida da cama pelas escadas do edifício, preencher o cadastro, a nota fiscal em cima do papel carbono, enfim, depois de tudo isso, já no fim da fila do caixa não faria qualquer sentido a gente se perguntar por que mesmo estávamos adquirindo uma cama de casal. Do mesmo jeito já não tem qualquer sentido perguntar por que você está indo embora. Agora os seus sapatos pararam definitivamente muito perto, mas não mais perto do que convém, e eu preciso me virar e te dar um sorriso leve, porque a gente merece que isso seja leve. Ainda não olho pra você, como se qualquer coisa além da janela estivesse muito interessante, e a sua imobilidade me faz sentir que está olhando o celular, talvez vendo as horas, ou se consolando com a vida dos outros que continua igual, ninguém está deixando a vida de ninguém, um amigo comenta um bom filme, o outro divulga um abaixo-assinado, fotos de cachorro, tudo continua tão igual, será que ir embora é isso? Será que a gente se arruinou tanto que até mesmo ir embora é continuar igual? Daí eu lembro que o meu celular está quebrado na minha cabeceira – subitamente me dou conta de que agora a cabeceira inteira é minha –, não está só quebrado, está aberto, com as veias expostas em microchips microdiques microconectivos magnéticos microplacas. Parece uma cidade saqueada, silenciosa, e eu até preferia que a queda tivesse sido de raiva, de desespero, que eu tivesse arremessado o aparelho contra a parede quando você final80

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mente decidiu que ia embora, mas não, não tem mais qualquer espaço para esses arroubos de sentimentos, o telefone caiu no meio das minhas atrapalhações cotidianas, a bolsa, o atraso, as ligações perdidas. Eu queria me sentar com você diante do celular aberto e investigar o que foi que aconteceu, onde foi que, entre tantos microcaminhos, nossas falas se perderam. Quem sabe a gente podia entender, olhando por dentro do meu aparelho, quando foi que a primeira coisa muito ruim que eu disse atravessou todo o magnetismo cancerígeno do meu telefone e foi parar do outro lado como a pior coisa que alguém poderia dizer, e a sua voz em resposta veio batendo de metal em metal até retumbar insuportável do outro lado, e talvez se a gente decifrasse onde essas vozes ficaram perdidas tanto tempo ali dentro, talvez a gente pudesse libertar tudo e desdobrar as falas, tirar os nós de tantos enigmas, estender aqui na janela o fio comprido e comido e amassado das nossas brigas dentro desse celular enquanto você viajava, enquanto você não vinha, enquanto eu saía e não voltava, enquanto você tinha vontade de não me ligar e de repente não nos ligamos mais, ficou aqui esse silêncio até você ficar assim muito parecido com uma pessoa que está indo embora, e o mundo lá fora muito parecido com um mundo que continua totalmente igual mesmo com você saindo daqui e fechando aquela porta sem que as paredes sequer mudem de leve a cor. Demoro tanto a me virar que você põe a mão no meu ombro, bom-então-já-vou-indo. Você tem um sorriso exausto, um sorriso de quem me deseja as melhores coisas, bem diferente do que você me desejava antes de ser uma pessoa bem parecida com alguém que está indo embora, e eu penso de novo que agora é igual ao momento em que compramos a cama de casal, depois de tanta negociação, e não tem volta nem sentido retroceder, justo essa cama com as molas ensacadas individualmente que servem apenas pra que você se vire e se mexa o quanto quiser durante o sono sem que eu sinta nada. Sem que eu sinta nada.

MARIANA SALOMÃO CARRARA é paulistana, nascida em 1986, e defensora pública desde 2011, agora em São Miguel Paulista. Tem seis contos eleitos e publicados em premiações nacionais, e em 2015 reuniu seus textos e lançou o livro Delicada uma de nós (https://www.facebook.com/delicada.uma.de.nos/?fref=ts), em pequena tiragem, pela Off Flip. A página do livro no Facebook é atualizada com novos textos e leituras em vídeo. Tem dois vira-latas, dezesseis almofadas e quatro romances ansiosos por publicação.

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galeria de fotos

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1 Lançamento do livro Monsieur Jabot. Livraria da Vila – São Paulo – SP; 2 André Caramuru Aubert e Marisa Orth no lançamento de Monsieur Jabot. Livraria da Vila – São Paulo – SP; 3 Don Tapscott, autor do livro Blockchain Revolution; 4 SESI-SP Editora na feira do livro de Bologna (Bologna Fiere); 5 e 6 Inauguração do Centro Cultural Fiesp, endereço da livraria da SESI-SP Editora. São Paulo – SP; 7 Christian Voillot Cruz e Veronica Bylik no

lançamento do livro Para seu restaurante lucrar mais. Saraiva Mega Store – São Paulo – SP.

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unidades do sesi-sp

Americana

cat dr. estevam faraone Avenida Bandeirantes, 1000 Chácara Machadinho cep 13478-700 Americana – sp Tel: (19) 3471-9000 www.sesisp.org.br/americana

Araçatuba

cat francisco da silva villela Rua Dr. Álvaro Afonso do Nascimento, 300 J. Presidente cep 16072-530 Araçatuba – sp Tel: (18) 3519-4200 www.sesisp.org.br/aracatuba

Araraquara

cat wilton lupo Avenida Octaviano de Arruda Campos, 686 Jd. Floridiana cep 14810-901 Araraquara – sp Tel: (16) 3337-3100 www.sesisp.org.br/araraquara

Araras

cat laerte michielin Avenida Melvin Jones, 2.600 B. Heitor Villa-Lobos cep 13607-055 Araras – sp Tel: (19) 3542-0393 www.sesisp.org.br/araras

Bauru

cat raphael noschese Rua Rubens Arruda, 8-50 Altos da Cidade cep 17014-300 Bauru – sp Tel: (14) 3234-7171 www.sesisp.org.br/bauru

Birigui

cat min. dilson funaro Avenida José Agostinho Rossi, 620 – Jardim pinheiros cep 16203-059 Birigui – sp Tel: (18) 3642-9786 www.sesisp.org.br/birigui

Botucatu

cat salvador firace Rua Celso Cariola, 60 Eng. Francisco cep 18605-265 – Botucatu – sp Tel: (14) 3811-4450 www.sesisp.org.br/botucatu

Campinas I

cat professora maria braz Avenida das Amoreiras, 450 cep 13036-225 Campinas I – sp Tel: (19) 3772-4100 www.sesisp.org.br/amoreiras

Campinas II

cat joaquim gabriel penteado Avenida Ary Rodriguez, 200 B. Bacuri – cep 13052-550 Campinas II – sp Tel: (19) 3225-7584 www.sesisp.org.br/campinas2

Cotia

olavo egydio setúbal Rua Mesopotâmia, 300 Moinho Velho cep 06712-100 – Cotia – sp Tel: (11) 4612-3323 www.sesisp.org.br/cotia

Cruzeiro

cat octávio mendes filho Rua Durvalino de Castro, 501 Vila Ana Rosa Novaes cep 12705-210 – Cruzeiro – sp Tel: (12) 3141-1559 www.sesisp.org.br/cruzeiro

Cubatão

cat décio de paula leite novaes Avenida Com. Francisco Bernardo, 261 – Jd. Casqueiro cep 11533-090 – Cubatão – sp Tel: (13) 3363-2662 www.sesisp.org.br/cubatao

Diadema

cat josé roberto magalhães teixeira Avenida Paranapanema, 1500 Taboão – cep 09930-450 Diadema – sp

Tel: (11) 4092-7900 www.sesisp.org.br/diadema

Franca

cat osvaldo pastore Avenida Santa Cruz, 2870 Jd. Centenário cep 14403-600 – Franca – sp Tel: (16) 3712-1600 www.sesisp.org.br/franca

Guarulhos

cat morvan dias de figueiredo Rua Benedito Caetano da Cruz, 566 – Jardim Adriana cep 07135-151 – Guarulhos – sp Tel: (11) 2404-3133 www.sesisp.org.br/guarulhos

Indaiatuba

cat antonio ermírio de moraes Avenida Francisco de Paula Leite, 2701 – Jd. Califórnia cep 13346-000 Indaiatuba – sp Tel: (19) 3875-9000 www.sesisp.org.br/indaiatuba

Itapetininga

cat - benedito marques da silva Avenida Padre Antonio Brunetti, 1.360 – Vl. Rio Branco cep 18208-080 Itapetininga – sp Tel: (15) 3275-7920 www.sesisp.org.br/itapetininga

Itu

cat carlos eduardo moreira ferreira Rua José Bruni, 201 Bairro São Luiz cep 13304-080 – Itu – sp Tel: (11) 4025-7300 www.sesisp.org.br/itu

Jacareí

cat karam simão racy Rua Antonio Ferreira Rizzini, 600 – Jd. Elza Maria cep 12322-120 – Jacareí – sp Tel: (12) 3954-1008 www.sesisp.org.br/jacarei

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cat ruy martins altenfelder silva Avenida João Lourenço Pires de Campos, 600 Jd. Pedro Ometto cep 17212-591 – Jaú – sp Tel: (14) 3621-1042 www.sesisp.org.br/jau

Jundiaí

cat élcio guerrazzi Avenida Antonio Segre, 695 Jardim Brasil cep 13201-843 – Jundiaí – sp Tel: (11) 4521-7122 www.sesisp.org.br/jundiai

Limeira

cat mario pugliese Avenida Mj. José Levy Sobrinho, 2415 – Alto da Boa Vista cep 13486-190 – Limeira – sp Tel: (19) 3451-5710 www.sesisp.org.br/limeira

Marília

cat lázaro ramos novaes Avenida João Ramalho, 1306 Jd. Conquista cep 17520-240 – Marília – sp Tel: (14) 3417-4500 www.sesisp.org.br/marilia

Matão

cat professor azor silveira leite Rua Marlene David dos Santos, 940 – Jardim Paraíso III cep 15991-360 – Matão – sp Tel: (16) 3382-6900 www.sesisp.org.br/matao

Mauá

cat min. raphael de almeida magalhães Avenida Presidente Castelo Branco, 237 – Jardim Zaíra cep 09320-590 – Mauá – sp Tel: (11) 4542-8950

Mogi das Cruzes – sp Tel: (11) 4727-1777

Pres. Prudente – sp Tel: (18) 3222-7344

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Mogi Guaçu

cat min. roberto della manna Rua Eduardo Figueiredo, 300 Parque Residencial Zaniboni III cep 13848-090 Mogi Guaçu – sp Tel: (19) 3861-3232 www.sesisp.org.br/mogiguacu

Osasco

cat luis eulalio de bueno vidigal filho Avenida Getúlio Vargas, 401 cep 06233-020 – Osasco – sp Tel: (11) 3602-6200 www.sesisp.org.br/osasco

Ourinhos

cat manoel da costa santos Rua Professora Maria José Ferreira, 100 Bairro das Crianças cep 19910-075 – Ourinhos – sp Tel: (14) 3302-3500 www.sesisp.org.br/ourinhos

Piracicaba

cat mario mantoni Avenida Luiz Ralph Benatti, 600 V. Industrial cep 13412-248 Piracicaba – sp Tel: (19) 3403-5900 www.sesisp.org.br/piracicaba

Presidente Epitácio

cil - carlos cardoso de almeida amorim Avenida Domingos Ferreira de Medeiros, 2.113 – Vila Recreio cep 19470-000 Pres. Epitácio – sp Tel: (18) 3281-2803

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Mogi das Cruzes

Presidente Prudente

cat nadir dias de figueiredo Rua Valmet, 171 – Braz Cubas cep 08740-640

cat belmiro jesus Avenida Ibraim Nobre, 585 Pq. Furquim cep 19030-260

Ribeirão Preto

cat josé villela de andrade junior Rua Dr. Luís do Amaral Mousinho, 3465 Castelo Branco cep 14090-280 Ribeirão Preto – sp Tel: (16) 3603-7300 www.sesisp.org.br/ribeiraopreto

Rio Claro

cat josé felício castellano Avenida M-29, 441 Jd. Floridiana cep 13505-190 – Rio Claro – sp Tel: (19) 3522-5650 www.sesisp.org.br/rioclaro

Santa Bárbara D'oeste

cat américo emílio romi Avenida Mário Dedini, 216 V. Ozéias cep 13453-050 S. B. D’oeste – sp Tel: (19) 3455-2088 www.sesisp.org.br/santabarbara

Santana de Parnaíba

cat josé carlos andrade nadalini Avenida Conselheiro Ramalho, 264 – Cidade São Pedro cep 06535-175 Santana de Parnaíba – sp Tel: (11) 4156-9830 www.sesisp.org.br/parnaiba

Santo André

Erik Desmazieres. The Library of Babel, 2000.

Jaú

cat theobaldo de nigris Pça. Dr. Armando de Arruda Pereira, 100 – Sta. Terezinha cep 09210-550 Santo André – sp Tel: (11) 4996-8600 www.sesisp.org.br/santoandre

Santos

cat paulo de castro correia Avenida Nossa Senhora de Fátima, 366 – Jd. Santa Maria 85

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unidades do sesi-sp

cep 11085-202 – Santos – sp Tel: (13) 3209-8210 www.sesisp.org.br/santos

São Bernardo do Campo cat albano franco Rua Suécia, 900 – Assunção cep 09861-610 S. B. do Campo – sp Tel: (11) 4109-6788 www.sesisp.org.br/sbcampo

São Caetano do Sul

cat pres. eurico gaspar dutra Rua Santo André, 810 Boa Vista cep 09572-140 S. C. do Sul – sp Tel: (11) 4233-8000 www.sesisp.org.br/saocaetano

São Carlos

cat ernesto pereira lopes filho Rua Cel. José Augusto de Oliveira Salles, 1325 – V. Izabel cep 13570-900 São Carlos – sp Tel: (16) 3368-7133 www.sesisp.org.br/saocarlos

São José do Rio Preto

cat jorge duprat figueiredo Avenida Duque de Caxias, 4656 V. Elvira cep 15061-010 São José do Rio Preto – sp Tel: (17) 3224-6611 www.sesisp.org.br/sjriopreto

São José dos Campos

cat ozires silva Avenida Cidade Jardim, 4389 Bosque dos Eucaliptos cep 12232-000 São José dos Campos – sp Tel: (12) 3936-2611 www.sesisp.org.br/sjcampos

São Paulo – Ae Carvalho

Sorocaba

www.sesisp.org.br/carvalho

www.sesisp.org.br/sorocaba

São Paulo – Catumbi

Sumaré

cat mario amato Rua Deodato Saraiva da Silva, 110 – Pq. das Paineiras cep 03694-090 São Paulo – sp Tel: (11) 2026-6000

cat antonio devisate Rua Catumbi, 318 – Belenzinho cep 03021000 – São Paulo – sp Tel: (11) 2291-1444 www.sesisp.org.br/catumbi

São Paulo – Ipiranga

cat roberto simonsen Rua Bom Pastor, 654 – Ipiranga cep 04203-000 São Paulo – sp Tel: (11) 2065-0150 www.sesisp.org.br/ipiranga

São Paulo – Vila das Mercês

cat sen josé ermírio de moraes Rua Duque de Caxias, 494 Mangal cep 18040-425 – Sorocaba – sp Tel: (15) 3388-0444

cat fuad assef maluf Avenida Amazonas, 99 Jardim Nova Veneza cep 13177-060 – Sumaré – sp Tel: (19) 3838-9710 www.sesisp.org.br

Suzano

cat max feffer Avenida Senador Roberto Simonsen, 550 Jardim Imperador cep 08673-270 – Suzano – sp Tel: (11) 4741-1661 www.sesisp.org.br/suzano

cat professor carlos pasquale Rua Júlio Felipe Guedes, 138 cep 04174-040 São Paulo – sp Tel: (11) 2946-8172

Tatuí

www.sesisp.org.br/merces

www.sesisp.org.br/tatui

São Paulo – Vila Leopoldina

Taubaté

cat gastão vidigal Rua Carlos Weber, 835 Vila lLeopoldina cep 05303-902 São Paulo – sp Tel: (11) 3832-1066 www.sesisp.org.br/leopoldina

Sertãozinho

cat nelson abbud joão Rua José Rodrigues Godinho, 100 – Conj. Hab. Maurílio Biagi cep 14177-320 Sertãozinho – sp Tel: (16) 3945-4173

cat wilson sampaio Avenida São Carlos, 900 B. Dr. Laurindo cep 18271-380 – Tatuí – sp Tel: (015) 3205-7910

cat luiz dumont villares Rua Voluntário Benedito Sérgio, 710 – B. Estiva cep 12050-470 – Taubaté – sp Tel: (12) 3633-4699 www.sesisp.org.br/taubate

Votorantim

cat josé ermírio de moraes filho Rua Cláudio Pinto Nascimento, 140 – Jd. Morumbi cep 18110-380 Votorantim – sp Tel: (15) 3353-9200 www.sesisp.org.br/votorantim

www.sesisp.org.br/sertaozinho

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A Biblioteca Mário de Andrade é um dos centros de distribuição da revista Ponto.

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Ilustração do livro Encantados – contos de fada para jovens leitores, lançamento da SESI-SP Editora.


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