O conceito de universidade no projeto da UNICAMP
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Universidade Estadual de Campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador Geral da Universidade Fernando Ferreira Costa
Conselho Editorial Presidente Paulo Franchetti Alcir Pécora – Arley Ramos Moreno Eduardo Delgado Assad – José A. R. Gontijo José Roberto Zan – Marcelo Knobel Sedi Hirano – Yaro Burian Junior
COLEÇÃO UNICAMP ANO COMISSÃO EDITORIAL
Carola Dobrigkeit Chinellato Eduardo Roberto Junqueira Guimarães João Luiz Pinto e Silva Jorge Ruben Biton Tápia Paulo Franchetti
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Fausto Castilho
O conceito de universidade no projeto da UNICAMP Entrevista, apresentação e organização Alexandre Guimarães Tadeu de Soares
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ficha catalográfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp diretoria de tratamento da informação. C278c
Castilho, Fausto. O conceito de universidade no projeto da Unicamp / Fausto Castilho; organizador: Alexandre Guimarães Tadeu de Soares – Campinas, sp: Editora da Unicamp, 2008. (coleção Unicamp Ano 40)
1. Universidade Estadual de Campinas. 2. Universidades e faculdades. 3. Modernidade. 4. Projetos de pesquisa. 5. Interdisciplinaridade. I. Soares, Alexandre Guimarães Tadeu de. II. Título. cdd 378 303.4 370.072 370.112 isbn 978-85-268-0819-5 Índices para catálogo sistemático: 1. 2. 3. 4. 5.
Universidade Estadual de Campinas Universidades e faculdades Modernidade Projetos de pesquisa Interdisciplinaridade
378 378 303.4 370.072 370.112
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Sumário
As razões do questionário .......................................................... Primeira Parte
Reflexões sobre os antecedentes da instituição Antecedentes remotos e “a concepção brasileira de ensino superior” ....................................................................... . A idéia de UNICAMP ........................................................... . A multissecular inexistência da universidade no Brasil ............ . Instituição ..................................................................... . A USP .......................................................................... . Os termos da questão ....................................................... . O período pombalino ....................................................... . O malogro pombalino e a formação da concepção brasileira de ensino superior no século XIX .............................
O Memorando de Humboldt e a universidade moderna ................ . Considerações gerais sobre a proposta de Humboldt ................... . O Memorando ................................................................... . As duas perspectivas e os três planos ....................................
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. Os ECS em sua organização interna ..................................... . Os ECS em sua organização externa .................................... .. Relações dos ECS com o Estado .................................... .. Relações dos ECS com a escola .................................... .. Sobre o fundamento da divisão dos ECS e seus diversos modos ..................................................... .. Relação dos ECS com a vida prática ..............................
Antecedentes recentes: a Universidade do Rio de Janeiro e o “sistema brasileiro de ensino superior” ................................... A reinserção do tema da universidade na agenda nacional ........ As “reformas do ensino” ....................................................... Reforma Maximiliano: a Universidade do Rio de Janeiro ........... Reexame da idéia de universidade ......................................... O inquérito sobre a “educação pública em São Paulo” ................ . As conclusões de Fernando de Azevedo ................................ . O depoimento de Arthur Neiva .......................................... . Esboço de uma idéia de universidade ..................................... . Confronto entre duas concepções ....................................... . Os pressupostos da criação da USP ...................................... . . . . .
Antecedentes recentes: USP, UnB e Universidade Federal de São Paulo no ABC ................................................................ . Projeto USP ....................................................................... . Júlio de Mesquita Filho: de uma vaga aspiração a uma idéia que aos poucos se define .................................................. . As funções da F ......................................................... . O “espírito universitário” .................................................. . A implementação do projeto USP ........................................ . O projeto UnB .................................................................... . A Universidade Latino-Americana ...................................... .. A UnB ........................................................................ . O projeto da Universidade Federal de São Paulo no ABC ............
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Segunda Parte A UNICAMP
O projeto UNICAMP ................................................................. . Primeiras iniciativas .......................................................... . Antecedentes da criação do D ..................................... . Resultados da estada em Besançon ..................................... . A C ....................................................................... . Regresso a Campinas ...................................................... . Planejamento efetivo ...................................................... . O saldo das experiências históricas ..................................... . A determinante de pressupostos para a introdução da universidade no Brasil ................................................ . A universidade opera uma enciclopédia ............................... .. Os três aspectos da enciclopédia .................................. .. A extensão da enciclopédia ........................................ .. Uma instituição pública de estudo dedicada à pesquisa fundamental ................................................... .. A integração da enciclopédia ..................................... . A cidade universitária e o campus ...................................... . Um novo centro ............................................................ .. O campus nasce das projeções do centro ........................ .. As duas seqüências de institutos centrais ....................... .. A configuração e a integração da estrutura .....................
.. O Estudo Geral ...................................................... .. Área e área ........................................................ . A atualização da enciclopédia ...........................................
O I — Instituto Central de Filosofia e Ciências Humanas ................................................................. . O estabelecimento das estruturas ......................................... . Do D ao I (Instituto de Planejamento) ................. . A criação do I ......................................................... . A constituição do corpo docente do I ...............................
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A condição do recrutamento ............................................ Os pioneiros: filosofia, sociologia e ciência política ................. O Grupo dos Historiadores .............................................. O Grupo de Antropologia ................................................ O Grupo de Lingüística ...................................................
Anexos .............................................................................................. . Über die Innere und Äussere Organisation der Höheren
Wissenschaftlichen Anstalten in Berlin, de Wilhelm von Humboldt com tradução de Fausto Castilho: Sobre a organização interna e externa dos estabelecimentos científicos superiores em Berlim . CD-ROM Proposta de Criação do D (Departamento de Planejamento Econômico e Social) Proposta de Criação do Grupo de Lingüística Proposta de Criação do I (Instituto Central de Filosofia e Ciências Humanas) Proposta de Criação do C (Colégio de altos Estudos Internacionais) Ata de aprovação da proposta de criação do D
Bibliografia ............................................................................ Índice onomástico ...................................................................
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As razões do questionário
Alexandre Guimarães Tadeu de Soares
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alvez o que dê sentido à história seja desprender-se do imediato no tempo e do local no espaço. Os conflitos humanos freqüentemente opõem as forças da sobrevivência e do cotidiano — que se pautam pela eficiência no momento presente e num dado lugar — e a busca por uma elaboração de horizonte mais amplo, que nos situa no âmbito cosmopolita e nos lança de algum modo no duradouro. Nessa perspectiva, os gregos ajudaram a definir o modo de ser humano elaborando a política, a ciência, a filosofia etc. Herdeira dessa elaboração da Antigüidade e principal depositária da sua acumulação científica, a universidade floresce no Ocidente a partir do século XI em torno da sua biblioteca. Sistematizadora do conhecimento recebido, aperfeiçoa os seus processos de transmissão através das lições e comentários de textos. Desempenha então importante papel na formação de profissionais que respondem por atribuições precisas na sociedade da época, egressos das suas faculdades de teologia, direito e medicina. A partir do Renascimento e, mais ainda, da revolução copernicana, há uma inflexão do conhecimento que, por um lado, o afasta da mera utilidade na formação de recursos humanos para a sociedade e, por outro, abre a perspectiva moderna de intervenção técnica. É O conceito de universidade
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uma época de redefinição do próprio conceito de ciência. Aos poucos, o foco se desloca da interpretação de um acervo consagrado de textos para a observação da natureza, para a descrição da realidade sem nenhuma interposição doutrinária. De sorte que a ciência já não pode ser entendida como um corpus doutrinário determinado, como mera disciplina a ser ensinada. O horizonte que se apresenta é a compreensão do científico mediante uma pauta de investigação que quer apreender algo que lhe escapa, isto é, o científico se converte num programa de estudos. Trata-se, portanto, de definir a ciência a partir da noção de pesquisa. A universidade tradicional confinada à sua função docente, ao ensino de disciplinas delimitadas pelas autoridades reconhecidas, não consegue assimilar essa redefinição da ciência. Razão pela qual sua crise institucional pede a reformulação do seu conceito. No entanto, longo será o período de crise, pois somente após o esforço de crítica às instituições, realizado no século XVIII, é que surgirá no limiar do século XIX uma proposta de universidade moderna, apresentada por Guilherme de Humboldt. Essa proposta dá origem à fundação em Berlim de uma universidade que se caracteriza por ser uma instituição propriamente acadêmica, matriz da atual universidade, dedicada prioritariamente à pesquisa fundamental. Desde então acadêmico e universitário vão confundir-se num programa institucional em que a ciência entendida como atividade pesquisadora é posta em primeiro plano. Como podemos mensurar a inserção do nosso país nesse quadro de redefinição da noção de ciência e de reconceituação da universidade no mundo ocidental? A universidade que temos hoje no Brasil assimilou realmente o sentido da renovação institucional que pôs a pesquisa em primeiro plano? De que modo a universidade brasileira enfrenta o óbice do praticismo — termo que para Anísio Teixeira caracterizava a anterioridade da Faculdade em relação à Universidade? A universidade brasileira realmente contribui para a superação do bacharelismo, cuja função — tal como Sérgio Buarque de Holanda a caracteriza em sua obra — é a mera distinção social, que se contenta com a superficialidade de uma ciência aparente, descomprometida, portanto, com a sua produção real? Ademais, em que medida a
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universidade brasileira tem condições e estrutura para promover interdisciplinaridade que hoje é tão reclamada? Essas questões, que inquietavam a mim e a muitos outros colegas — conscientes de que instituições em toda parte são algo em reiterada construção e como tais sempre ameaçadas por rotineiros argumentos de utilidade —, foram formuladas num quadro teórico formado em boa parte por aulas, palestras e textos do professor Fausto Castilho. Em face disso, julguei oportuno que o próprio professor desenvolvesse essas e várias outras questões correlatas, de modo que explicitasse a sua reflexão sobre o tema da universidade, que havia ocupado muito de sua vida e de seu pensamento, mas que nunca havia sido exposta sistematicamente e no seu todo. Propus-lhe então o questionário. Ele aquiesceu a respondê-lo desde que o fizesse a partir das suas considerações sobre o projeto da UNICAMP e da sua experiência na implementação desse projeto. O professor Castilho foi membro dos colegiados superiores dessa universidade no momento da sua fundação — do Conselho Universitário, denominado na época Conselho Diretor, da Comissão dos Estatutos e da Comissão de Planejamento (C) —, ao mesmo tempo em que conduzia a organização da área de humanidades da UNICAMP. Dessa sua atuação resultou a criação do Instituto Central de Filosofia e Ciências Humanas (I), a partir do qual viriam a se constituir posteriormente o Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) e o Instituto de Economia (IE). Elegendo essa experiência na implementação do projeto da UNICAMP como referência, suas respostas tencionaram sempre caracterizar o problema universitário brasileiro numa dimensão histórica ampla e na sua decorrente dificuldade conceitual, procurando assim descobrir os obstáculos históricos ao cultivo das ciências e à realização da pesquisa em âmbito nacional. Segundo os termos em que o professor Castilho situou a questão universitária e a fundação da UNICAMP como um esforço de enfrentá-la, pudemos dividir este livro em duas partes. A primeira parte recupera o sentido da formulação do projeto da UNICAMP. Trata-se de uma reflexão sobre os antecedentes da instituição, que buscou compreender, histórica e conceitualmente, o esforço anterior de criação de universidade no Brasil e no mundo ibérico. Divide-se em
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quatro capítulos: no primeiro — “Antecedentes remotos e ‘a concepção brasileira de ensino superior’” —, as respostas permitiram descrever a determinante de longo prazo que explica a multissecular inexistência da universidade no Brasil. No segundo capítulo — “O Memorando de Humboldt e a universidade moderna” —, as questões visaram à explicitação do documento originário da proposta de uma universidade como uma instituição acadêmica, isto é, de estudo e dedicada à pesquisa fundamental. Finalizando essa primeira parte, os dois últimos capítulos consideraram os antecedentes recentes, discutidos então em face da reformulação humboldtiana do conceito de universidade. No terceiro capítulo — “Antecedentes recentes: a Universidade do Rio de Janeiro e ‘o sistema brasileiro de ensino superior’” —, o entrevistado mostrou o significado ambíguo da criação da Universidade do Rio de Janeiro, que, embora possa ser entendida como um caso de reedição do sistema brasileiro de ensino superior do século XIX, reintroduziu, entretanto, inopinadamente, a questão da universidade na agenda nacional. No quarto capítulo — “Ante cedentes recentes: USP, UnB e Universidade Federal de São Paulo no ABC” —, foram enfim estudados a concepção da USP como uma tentativa de ruptura do “sistema brasileiro de ensino superior” e de conseqüente introdução de uma universidade moderna no país e também os projetos da UnB e da Federal de São Paulo no ABC como decorrentes da reflexão sobre os problemas da implementação do projeto da USP. A segunda parte apresenta a formulação propriamente dita do projeto UNICAMP e a sua implementação. Desse modo, no quinto capítulo — “A concepção do projeto UNICAMP ” —, a formulação do projeto foi analisada como o esforço para que a concepção de uma universidade moderna não se perdesse na sua implementação, para que a estrutura espacial determinasse os rumos da própria implementação, inscrevendo na matéria a importância da pesquisa fundamental, a interdisciplinaridade e a relação funcional entre as diferentes partes da universidade. No sexto capítulo — “O I (Instituto Central de Filosofia e Ciências Humanas)” —, se esboça uma história da organização das humanidades na UNICAMP , mostrando sobretudo a gestação institucional da filosofia, da ciência
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política, da sociologia, da antropologia, da história, da economia e da lingüística. Na série de entrevistas, o histórico aparece na sua dimensão de longo prazo, em que os próprios conceitos tomam forma e nos permitem explicar vários processos em curso numa instituição universitária. Aparece também o histórico no seu horizonte restrito a uma instituição em particular, a UNICAMP. Razão pela qual as entrevistas possibilitam esboçar uma história da organização da UNICAMP, em especial da sua área de humanidades e do I. Diante disso e para melhor embasar essa rememoração, anexei ao conjunto das entrevistas documentos importantes no estabelecimento das estruturas da UNICAMP, a saber: a proposta de criação e a ata de aprovação do D (Departamento de Planejamento Econômico e Social), primeiro departamento de ciências humanas da universidade; a proposta de criação do Grupo de Lingüística; a proposta de criação do I (Instituto Central de Filosofia e Ciências Humanas); e a proposta de criação do C (Colégio de Altos Estudos Internacionais). Cabe dizer também que um valioso material fotográfico de época ilustra as entrevistas. Ademais, há o texto decisivo de Humboldt — o Memorando sobre a organização interna e externa dos estabelecimentos científicos superiores em Berlim —, traduzido pelo professor Fausto Castilho no momento da organização da UNICAMP. Posto no início do Anexo em formato bilíngüe, o Memorando constitui um dos principais documentos da universidade. "
Agradecimentos Agradeço, em primeiro lugar, ao professor Fausto Castilho, que, com a solicitude que lhe é característica, aceitou responder ao questionário que propus. Agradeço ao professor José Tadeu Jorge, reitor da UNICAMP, ao professor Eduardo Guimarães, presidente da F, e ao professor Paulo Franchetti, diretor da Editora da UNICAMP, que prontamente
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acolheram a iniciativa e propuseram que fosse incluída na Coleção Comemorativa dos anos da UNICAMP. Agradeço também ao professor Arley Ramos Moreno, diretor do I, aos professores José Oscar de Almeida Marques e Oswaldo Giacoia Junior, antigo e atual chefe do Departamento de Filosofia do I, respectivamente, bem como às secretárias do I Maria Aparecida Ferreira e Regiane Aparecida de Melo Ferreira, pelo apoio decisivo que deram à consecução deste trabalho. Agradeço ainda aos senhores dr. José Emílio Maiorino e Ricardo Lima pela produção editorial do livro. Gostaria de agradecer também aos professores Jorge Nagle, Luiz Orlandi, Marcos César Seneda, Luciene Maria Torino, Hélio Ázara de Oliveira, Vladimir Luiz de Oliveira e Michelle Frances O’Connell, que de algum modo contribuíram para a realização deste trabalho. Por fim, agradeço à C na pessoa do professor Brieger.
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Primeira Parte Reflexões sobre os antecedentes da instituição
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| Antecedentes remotos e “a concepção brasileira de ensino superior”
. A idéia de UNICAMP Pergunta: A criação da UNICAMP foi uma oportunidade auspiciosa para enfrentar o problema brasileiro da anterioridade da Faculdade em relação à Universidade, pois, em primeiro lugar, tratouse de uma universidade construída quase completamente na ausência de estruturas anteriores; em segundo lugar, seus organizadores puderam aprender com as experiências anteriores de criação de universidades no Brasil durante o século XX, notadamente, o caso da USP; e, em terceiro lugar, havia grande discussão sobre o conceito moderno (humboldtiano) de universidade na formulação de seu projeto. Gostaria que discutíssemos os termos desse enfrentamento antes de nos determos no projeto propriamente dito. Contudo, antes de analisarmos os principais conceitos que orientaram a sua participação na elaboração do projeto da UNICAMP, seria importante situarmos historicamente a sua incorporação ao grupo que planejou essa universidade. Professor Fausto Castilho, como o senhor começou a trabalhar na organização da UNICAMP? Resposta: Em , presidente do Conselho Estadual de Educação (CEE), Zeferino Vaz foi o maior responsável por minha cassação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara. No segundo
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semestre de , torna-se presidente de uma comissão do mesmo CEE para organizar a Universidade de Campinas. No começo de — ao final de entendimentos conduzidos por amigos de Faria Lima e por Carlos Aldrovandi, diretor da Faculdade de Araraquara em —, Zeferino me oferece em sua residência um jantar dito de “reconciliação”. Durante o jantar, interpelado sobre se era verdadeira a informação de que o campus da nova universidade teria configuração radial — conforme o que eu, como conselheiro, propusera em ao Conselho Universitário encarregado de organizar no ABC a Universidade Federal de São Paulo —, respondeu-me que sim. Presente entre os circunstantes o próprio Faria Lima. A concepção de um campus radial ocorreu-me em como o único modo de compatibilizar duas estruturas: a estrutura da universidade e a estrutura da porção propriamente funcional da cidade universitária. Essa proposta continha, por assim dizer, o saldo que ficou de minha experiência sobre a questão da universidade no período de a . Experiência que se desdobra em quatro momentos: ) a campanha em Defesa da Escola Pública; ) os debates sobre as propostas de Reforma Universitária; ) minha permanência por todo um mês em Brasília para discutir, a convite de Darcy Ribeiro, o plano da UnB; e ) os estudos, as discussões e a reflexão sobre o projeto da Universidade Federal de São Paulo durante os trabalhos do seu Conselho Universitário. P: Que é propriamente a estrutura de uma universidade? R: Em São Paulo, o reitor afirmara que a Universidade de Campinas seria pensada a partir de “seus princípios”. Do que dizia, pudemos concluir, primeiramente, que o ponto de partida da concepção da universidade residia nas ciências, tomadas em seu conjunto; em segundo lugar, a fortiori, a nova instituição estaria de nascença imune a toda hipoteca advinda da presença de qualquer entidade preexistente que pudesse deturpar-lhe o conceito. Foi o nexo entre a disposição de conceber a universidade a partir de seus princípios e a declarada opção pelo campus radial — duas coisas que no meu entendimento se reduziam a uma só — que me levou a aceitar o convite para organizar as humanidades em Campinas.
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Organizá-las a partir do zero, pois na nova universidade até aquele momento elas pura e simplesmente não existiam. Havia em Campinas até então algumas unidades reunindo disciplinas subsidiárias de uma escola de medicina existente desde e que os médicos da cidade conseguiram introduzir numa proposta municipal de criação de uma universidade que chamavam de “estadual”. P: Como começou a organização das humanidades na UNICAMP? R: Vim a Campinas no dia de agosto de para expor ao Conselho Diretor (CD) da universidade o plano de criação do que chamei de D — Departamento de Planejamento Econômico e Social. Foi concebido como a primeira unidade do futuro Instituto Central de Filosofia e Ciências Humanas. O plano foi aprovado na mesma data em decisão unânime do CD. Na parte da manhã, o reitor levou-me ao distrito de Barão Geraldo. Diante da gleba doada por Ademar de Almeida Prado para a localização da futura cidade universitária, o reitor desce do carro, de frente para o que era então um imenso canavial, abre os braços e diz: “Aqui será construída a universidade”. É claro que na frase do reitor, além da metáfora, havia uma palpável força de expressão. Nas circunstâncias daquele momento brasileiro, a obra de engenharia não raro fazia as vezes de panacéia para a cura de uma porção de males. Entretanto, crescia a olhos vistos a distância entre edificação e instituição. Exemplo: a dissonância que se acentua entre o plano piloto em sua medula e as ceilândias que proliferam ao redor da nova capital.
. A multissecular inexistência da universidade no Brasil . Instituição P: A partir da noção de instituição, podemos iniciar a análise propriamente conceitual e de amplitude histórica da questão da universidade brasileira, em geral, e da UNICAMP, em particular. Que diferencia realmente uma instituição de uma edificação?
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R: Uma instituição se apóia em antecedentes e projeta-se em conseqüentes, ao passo que um edifício descansa sobre fundações que são próprias dele, exclusivamente suas. Não cabe, pois, comparar fundamentos e fundações. Os alicerces são um dado do edifício, os fundamentos jamais se dão ou se darão da mesma maneira. É que os pressupostos de uma instituição raramente são exclusivos dela: em regra, exorbitam e muito dos limites determinados por suas condições de existência. Quanto mais significativa uma instituição, menos claro é o laço que a prende a seus supostos. De sorte que, para pensar uma instituição a partir de seus princípios, é necessário buscar-lhe não apenas os antecedentes próximos mas, de igual modo e sobretudo, seus antecedentes remotos. Estes, na eventualidade de que ainda sejam efetivos, isto é, operantes. . A USP P: O senhor poderia esclarecer um pouco a questão dos antecedentes de uma instituição? R: Para minha geração, o antecedente mais próximo no que se refere à universidade é a criação da USP. O entusiasmo com que é recebida a fundação da USP e da F (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras) em — a euforia de que falou justamente Antonio Candido — prolongou-se a bem dizer por muitos anos. Lembro-me perfeitamente de que, passado mais de um decênio, o mesmo estado de ânimo ainda perdurava entre os adolescentes que, na segunda metade dos anos , freqüentavam as salas de leitura da nova Biblioteca Municipal de São Paulo. Entende-se que assim o fosse: aos colegiais que pretendiam dedicar-se às disciplinas teóricas oferece-se pela primeira vez a possibilidade de realizar no próprio país o seu estudo direto e conjunto, tanto das humanidades antigas ou modernas quanto das ciências modernas. O sentimento de júbilo exprimia um voto de confiança na instituição que começava por se instalar a partir do recrutamento, nas
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