Introdução à teoria da predicação em Aristóteles

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UNIVERSIDADE ESTADUAL

DE

CAMPINAS

Reitor JOSÉ TADEU JORGE Coordenador Geral da Universidade FERNANDO FERREIRA COSTA

Conselho Editorial Presidente PAULO FRANCHETTI A LCIR P ÉCORA – A RLEY R AMOS M ORENO E DUARDO D ELGADO A SSAD – J OSÉ A. R. G ONTIJO J OSÉ R OBERTO Z AN – M ARCELO K NOBEL S EDI H IRANO – Y ARO B URIAN J UNIOR

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LUCAS ANGIONI

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BI B L I OT E C A CE N T R A L D A UN I C A M P

An45i

Angioni, Lucas. Introdução à teoria da predicação em Aristóteles / Lucas Angioni. – Campinas, SP: Editora da U NICAMP , 2006. 1. Aristóteles. 2. Ontologia. 3. Metafísica. I. Título. CDD 185 111 110

e -ISBN85-268-1187-8 Índices para catálogo sistemático: 1. Aristóteles 2. Ontologia 3. Metafísica

185 111 110

Copyright © by Lucas Angioni Copyright © 2006 by Editora da UNICAMP 1a reimpressão, 2009 Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistema eletrônico, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................

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A TEORIA DA PREDICAÇÃO EM ARISTÓTELES ........................................................................................ 17 COMENTÁRIOS ....................................................................................................................................................... 45 TEXTOS

DE

GLOSSÁRIO

ARISTÓTELES ................................................................................................................................ 173 TÉCNICO ..........................................................................................................................................

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BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................................................................... 207

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APRESENTAÇÃO

A P R E S E N TA Ç Ã O

Este volume aproveita boa parte do material publicado em 2000, sob o título Ontologia e predicação em Aristóteles, na coleção Textos Didáticos, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP . De um ponto de vista geral, as mudanças mais significativas consistiram na revisão e no aprimoramento da tradução, na atualização da bibliografia, na retificação e no aperfeiçoamento de alguns comentários e, sobretudo, na elaboração de um artigo introdutório (inexistente no volume de 2000), em que procurei sistematizar alguns aspectos centrais da teoria aristotélica da predicação. Permanecem as mesmas, porém, as linhas gerais que delimitam o perfil deste volume. Do ponto de vista editorial, trata-se do mesmo tipo de publicação: traduções comentadas, selecionadas de acordo com certos projetos teóricos, mas, agora, cimentadas por uma introdução mais sistemática. Quanto ao projeto teórico, a inspiração mais básica ainda persiste. Não procurei oferecer uma coletânea exaustiva dos trechos em que Aristóteles trata de assuntos ligados, direta ou indiretamente, à predicação. Tivesse sido esse meu objetivo, seriam imperdoáveis as ausências de vários capítulos de Categorias, Da interpretação, Tópicos, Analíticos etc. Procurei oferecer um recorte introdutório, obviamente limitado e, ao mesmo tempo, pautado por certas questões centrais que me parecem mais relevantes. Também os comentários se determinam pelo objetivo de salientar essas questões (sistematizadas na Introdução) e de modo algum pretendem contemplar todos os problemas exegéticos, conceituais, filológicos etc., que poderiam ser formulados a respeito de cada passagem dos textos aristotélicos aqui traduzidos. O ponto principal que organiza a relação entre os textos aqui traduzidos e comentados, e que obviamente ressaltará nos Comentários, consiste na articulação entre a teoria da predicação e uma tese central da metafísica aristotélica, a distinção entre ousia e concomitantes. Interessa-me (desde a publicação de 9

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2000) ressaltar o papel central que a noção de ousia desempenha na teoria da predicação de Aristóteles e, mais particularmente, mostrar que, quanto a esse assunto, as teses sobre a predicação e a noção de substância expostas nas Categorias não são apenas insuficientes, mas também intrinsecamente insatisfatórias, de tal modo que não merecem atenção preponderante. No meu juízo, os argumentos que Aristóteles apresenta em Metafísica IV, acompanhados pelos argumentos propostos no início de Segundos analíticos I 22, merecem muito mais atenção. Ao invés de ressaltar a primazia dos indivíduos substanciais, atestando a dependência ontológica das “substâncias segundas” em relação às “substâncias primeiras” (como faz nas Categorias), Aristóteles, nos textos mencionados, ressalta que o subjacente da predicação não pode ser concebido senão através de propriedades essenciais, as quais são necessárias e suficientes para garantir a identificação do assunto do qual se pretende falar e, portanto, para assegurar a verificabilidade das predicações a seu respeito. Outros textos de Aristóteles foram incluídos neste volume justamente por contribuírem, de um modo ou de outro, para a compreensão dessa tese fundamental: Metafísica IV 5, 1010b 19-30; Da interpretação 1-6, 11; Segundos analíticos I 4, 73a 34-b 10; e Tópicos I 5-9, 101b 37-103b 39. Por outro lado, o capítulo 7 do livro V da Metafísica foi acrescentado justamente porque, à luz dos textos anteriormente apresentados, ele pode ser lido como recapitulação sumária e compactada do núcleo da teoria aristotélica da predicação. Finalmente, incluímos também partes significativas das Categorias — capítulos 1 a 4, na íntegra, e a primeira metade do capítulo 5 (2a 11-3b 23) —, justamente para elucidar o quadro conceitual que procuramos expor. A ordenação desses textos neste volume, em vez de seguir a ordem dada pela numeração Bekker, obedeceu ao propósito de ressaltar os problemas e as articulações conceituais que há pouco mencionamos; por isso, aos textos do Órganon, antepusemos os textos de Metafísica IV, e dispusemos os trechos das Categorias por último. Com relação a esta última obra, continuo a julgar que ela recebe um privilégio desmedido. De fato, em apreciações gerais da filosofia de Aristóteles, é comum atribuir-se às Categorias um privilegiado papel introdutório, como se esse opúsculo fosse um conveniente “cartão de visita” da metafísica e da lógica aristotélica. É verdade que encontramos nas Categorias alguns pontos capitais da teoria lógico-ontológica que podemos atribuir a Aristóteles. No entanto, há de se convir que, em termos de requinte argumentativo e conceitual, tal obra é extremamente limitada. Tão limitada que julgo desnecessário insistir em dizer que seu comportamento terminológico não pode ser tomado como canônico para auxiliar a leitura ulterior das outras obras. Nas Categorias, há um uso peculiar da expressão “ser afirmado de algo subjacente”. Nos demais textos apresentados neste volume (e não apenas neles, mas tam10

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bém na Física, nos restantes livros da Metafísica e do Órganon, nos Parva Naturalia etc.), tal expressão é utilizada para assinalar a predicação acidental ou heterogênea, isto é, a sentença em que um predicado de uma categoria acidental é atribuído a um sujeito da categoria da ousia. Mesmo em contextos em que tal expressão não remete diretamente a uma forma sentencial, ela demarca uma relação de dependência entre um concomitante e uma ousia. Nas Categorias, contudo, como foi notado por S. Mansion (1946) e Chen (1957), a mesma expressão é utilizada para descrever a predicação essencial, ou predicação sinônima. No entanto, julgo que esse uso terminológico peculiar deva ser tratado como as outras (numerosas) anomalias no vocabulário de Aristóteles, sem que tenhamos de adentrar na discussão sobre a autenticidade do opúsculo, questão para a qual não há elementos objetivos minimamente satisfatórios que pudessem fundar sua resolução. Seja como for, permanece uma evidência: seria insensatez procurar nas Categorias as teses definitivas de Aristóteles sobre o papel da substância na predicação. Em relação à publicação de 2000, algumas retificações importantes devem ser destacadas. Em primeiro lugar, mudei de opinião a respeito do papel desempenhado pela regra da transitividade de predicados na determinação dos tipos de predicação. Antes, julgara que a satisfação de tal regra era condição necessária e suficiente para que um predicado fosse considerado essencial. No entanto, o exame mais atento de certas dificuldades levou-me à tese de que a satisfação de tal regra é apenas condição necessária para delimitar um predicado essencial, e talvez seja condição necessária e suficiente apenas para delimitar a classe mais ampla dos predicados que, ao serem atribuídos a um sujeito, “significam uma só coisa”. Parece-me também que, em determinadas passagens de Metafísica IV, Aristóteles assume (sem argumento) uma assimilação entre predicados essenciais e predicados que significam uma só coisa, mas que essa assimilação não poderia ser preservada apenas a partir dos critérios que ele explicitamente propõe em tal texto. Outra importante advertência diz respeito à tradução do termo mousikon — antes traduzido por “culto” e, nas mais recentes traduções disponíveis, vertido para coisas tão diversas quanto musicien (Tricot), artistic (Kirwan), cultivé (Cassin e Narcy) etc. Não me atrevo a dizer qual seria o sentido exato do termo, conforme proposto por Aristóteles. Uma coisa, porém, é certa: dado que Aristóteles apresenta o termo mousikon sempre como exemplo de predicado estritamente acidental (freqüentemente, ao lado do termo leukon, “branco” ou “claro”) e, dado que o predicado estritamente acidental não tem nenhuma relação necessária com o sujeito a que se atribui, são incorretas — e rigorosamente incorretas — todas as traduções que propõem termos que, em relação ao sujeito “homem” (anthropos, “ser humano”), satisfaçam o cri11

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tério pelo qual se delimita o segundo tipo de atributo per se, exposto em Segundos analíticos 73a 37-8, a saber, o critério pelo qual se estabelece que tal tipo de atributo se afirma estritamente de uma única classe de sujeitos, de tal modo que o predicado implica o sujeito (sem que a inversa seja verdadeira), o qual deverá, assim, ser mencionado na definição do atributo. Trata-se da relação entre o atributo “par” e o sujeito “número”. Se algo é um número, não se segue que seja par. No entanto, se algo é par, necessariamente é um número, e o é de tal modo que o número deverá ser mencionado no enunciado que define o que é o par. Suponha-se, então, o termo “culto” (ou o termo “letrado” etc.) como predicado atribuído a homem (ser humano). Ora, dado que apenas seres humanos são capazes de aprender a ler, cultivar a literatura etc., a verdade da proposição “x é culto” implica a verdade da proposição “x é um ser humano”. Deixemos de lado a questão de saber se o sujeito “ser humano” deveria ser mencionado na definição de “culto”, pois basta constatar que “culto”, como predicado de “ser humano”, satisfaz a seguinte regra de implicação: “se x é culto (P), necessariamente x é um ser humano (S )”. Ora, o predicado estritamente concomitante — chamemo-lo de contingente — é tal que não satisfaz nenhuma regra de implicação entre sujeito e predicado, isto é, nem a regra “se x é P, x é S”, nem a regra “se x é S, x é P”. Assim, como Aristóteles indubitavelmente apresenta mousikon como exemplo de predicado contingente, a tradução de mousikon por “culto” estaria rigorosamente incorreta. O que me levou a tal incorreção foi o péssimo hábito de lucubrar sobre o sentido das palavras a partir de meras “possibilidades lexicográficas”, em completa desatenção ao contexto argumentativo em que elas são usadas no texto a ser traduzido — hábito contra o qual espero estar definitivamente vacinado. Assim, o termo “musical” é uma tradução apropriada porque ele pode — de acordo com as regras que delimitam a noção de predicado contingente — atribuir-se também a outras coisas, além de homem (ser humano). De fato, pode ser denominado “musical” um instrumento, um poema etc., e isso satisfaz os propósitos conceituais de Aristóteles. Desde a publicação do volume que deu origem a este livro, surgiram três obras de considerável importância para o presente trabalho: o minucioso livro de Allan Bäck, Aristotle’s theory of predication (2000); o ousado livro de Deborah Modrak, Aristotle’s theory of language and meaning (2001); e a edição das Categorias feita por Richard Bodeüs na coleção Guillaume Budé (Les Belles Lettres, 2002). As teses de Bäck mereceriam comentários à parte e foram discutidas neste volume apenas ocasionalmente, em função dos pontos que nos interessam. O mesmo se aplica às teses de Modrak, as quais envolvem até mesmo um escopo bem mais amplo e ambicioso que o recorte de questões contemplado neste volume. A esmerada edição de Bodeüs, por 12

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outro lado, impressiona pela erudição, pela quantidade de informações e pela qualidade da discussão, nas notas complementares, mas não apresenta nenhuma tese de impacto sobre os assuntos mais específicos aqui tratados. Sobre os princípios que nortearam esta tradução, ressalto, antes de tudo, as peculiaridades do texto aristotélico: ele não foi confeccionado more geometrico com destino a um público universal, mas, pelo contrário, evidencia, a cada linha, sua destinação “interna”, voltada para o próprio grupo de “ouvintes” em torno de Aristóteles, os quais certamente partilhavam das pressuposições que permitiam à argumentação aristotélica progredir de maneira logicamente válida, apesar de sua compactação. Aristóteles jamais escreveu tratados cuja estruturação interna pudesse ser concebida como um sistema expositivo autosuficiente. É verdade que várias de suas obras exibem notável articulação interna, na qual declarações programáticas lançadas no início se vêem paulatinamente cumpridas, numa argumentação razoavelmente contínua. Não obstante, qualquer que seja a natureza exata dos escritos aristotélicos que nos restaram e hoje constituem o corpus — sejam eles “notas de aula” tomadas por algum discípulo e revistas por Aristóteles, sejam “lembretes programáticos” para as aulas, escritos pelo próprio Aristóteles, para uso próprio ou para circulação entre os “ouvintes” etc. —, o fato é que o estilo argumentativo se pauta por uma extrema compactação. Aristóteles nem sempre (talvez quase nunca) deduz as conseqüências de modo perfeitamente progressivo: nem sequer explicita todas as premissas necessárias para a validade de uma pretendida conclusão; às vezes, nem sequer enuncia explicitamente a conclusão a que pretende ter chegado, mas apenas a sugere. Analisada pelos parâmetros de sua própria silogística, exposta nos Analíticos, a argumentação de Aristóteles é tal que inverte a ordem natural das premissas, inverte até mesmo a ordem entre premissas e conseqüências, e subentende premissas que supostamente não precisariam ser explicitadas para seus ouvintes imediatos. Por isso, o leitor do texto grego muitas vezes deve esforçarse por descobrir a premissa implícita que Aristóteles, por alguma razão, não se deu ao trabalho de enunciar formalmente; descobrir a conclusão a que Aristóteles julga ter efetivamente chegado (mesmo que não a enuncie formalmente); descobrir até mesmo a pretensão em favor da qual Aristóteles quer argumentar etc. Constatar esses pontos seria algo desnecessário, se não existissem interpretações que assumem a dificuldade e a obscuridade do texto aristotélico como sinais de uma presumida “estrutura aberta”, intrinsecamente aporética etc., e se não existissem “filosofias de tradução” que optam por “deixar ao leitor contemporâneo o trabalho de descobrir os argumentos” etc. Infelizmente, devo dizer que, no meu juízo, esses slogans são adotados por tradutores que, eles mesmos, não se deram ao trabalho de compreender a argumentação aristotélica e que, portanto, se aventuram a traduzir textos dos quais não 13

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compreendem o emaranhado argumentativo e o significado filosófico. É claro que as interpretações são sempre suscetíveis de discussão, revisão etc., e um tradutor pode perfeitamente mudar de opinião a respeito de suas interpretações para um dado argumento, para um dado conceito etc. No entanto, uma interpretação razoável dos argumentos é condição necessária para uma tradução adequada. Isso não implica, porém, a confecção de traduções demasiadamente parafrásticas, em que o estilo de Aristóteles seja substituído por uma explicitude escolar. O estilo compactado de Aristóteles deve ser respeitado, mas a tradução deve refletir a interpretação argumentativa pela qual o tradutor, ao ler o texto grego, compreendeu seus meandros e dificuldades. Foram essas as premissas que nortearam minha tradução. Se os resultados que propus são aceitáveis, é o leitor que deve julgar.

As edições de textos gregos que utilizei são as que constam na Bibliografia, ao final deste volume. Cumpre observar que, para a tradução, assumi o texto grego estabelecido nas edições da Oxford Classical Texts (para Categorias, Da intepretação e Tópicos) e, no caso da Metafísica e dos Segundos analíticos, o texto grego estabelecido nas edições comentadas de Ross. As poucas divergências de leitura foram devidamente indicadas e justificadas nos comentários respectivos a cada passagem. As traduções que utilizei para comparar resoluções e aperfeiçoar minhas primeiras tentativas são as que constam na Bibliografia, ao final deste volume.

Os resultados apresentados neste volume — traduções, comentários e artigo introdutório — se beneficiaram das discussões nos seminários do projeto temático F APESP Ética e Metafísica em Aristóteles, nos quais tive o privilégio de discutir algumas de suas formulações provisórias. Agradeço as sugestões, objeções e críticas que foram apresentadas por Marco Zingano, Roberto Bolzani Filho, Luís Henrique Lopes dos Santos e Balthazar Barbosa Filho. Mais particularmente, ressalto que várias opções de tradução aqui adotadas amadureceram nos seminários mais específicos de discussões de tradução, no mesmo projeto temático F APESP . Devo agradecimentos também a Alberto Alonso Muñoz e a Oswaldo Porchat, com os quais, em várias ocasiões, discuti diversos aspectos relacionados à minha interpretação da teoria aristotélica da predicação. Por outro lado, a utilização das traduções e comentários em disciplinas de graduação e pós-graduação freqüentemente me deu ocasião para importantes retificações e aprimoramentos, e, nesse âmbito, agradeço particularmente a alguns 14

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orientandos que acompanharam de perto meu trabalho: Luis Márcio Nogueira Fontes, Carlos Alexandre Terra e Mateus Ricardo Ferreira. Agradeço também a José Cavalcante de Souza, pelo encorajamento em minhas aventuras de tradução, e a Fátima Évora, pelo apoio constante. Agradeço ao CNPq pela bolsa de produtividade em pesquisa, cujo projeto sobre a noção aristotélica de substância tem fortes relações com a teoria aristotélica da predicação. Finalmente, agradeço à FAPESP pela concessão de auxílio-publicação e pelo apoio ao projeto temático Ética e Metafísica em Aristóteles.

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I Como introdução à teoria da predicação em Aristóteles, o primeiro passo consiste em caracterizar o que ele entende por predicação, qual terminologia associa a esse conceito e quais os textos em que o desenvolve. Por predicação, entende-se o enunciado que (i) possui a forma “S é P” ou alguma forma equivalente e redutível àquela, (ii) pretende reportar-se a fatos dados no mundo e, assim, apresenta-se como pretensão de constatação ou registro desses fatos — o que, como veremos, consiste em dizer que ela é uma pretensão de verdade. Vários problemas já surgem dessa breve caracterização — pode-se indagar, por exemplo, se as condições (i) e (ii) são inseparáveis e se implicam mutuamente, e quais seriam as formas redutíveis a “S é P”, dado que enunciados do tipo “Sócrates corre” satisfazem claramente o critério (ii), mas não satisfazem, à primeira vista, o critério (i). Esses problemas serão analisados com algum detalhe logo adiante. Antes disso, porém, cumpre dizer que, para designar o conceito de predicação, definido pela conjunção dos dois critérios acima explicitados, Aristóteles não dispõe de um único termo, e vários termos que ele usa não designam invariavelmente esse mesmo conceito. A noção de predicação, no vocabulário de Aristóteles, pode ser designada por diversos termos, incluindo nomes e verbos: (i) katêgoreisthai, katêgorein e katêgoria, (ii) apophansis, (iii) protasis, (iv) kataphasis. 1 Acrescente-se ainda o uso de (iv) symplokê e do verbo symplekô para descrever a conexão de termos pela qual se constitui uma predicação. Com exceção do segundo, esses mesmos termos, em outros contextos, são usados para designar outros conceitos. Assim, katêgoreisthai às vezes parece designar uma relação mais complexa do que a mera predicação, e katêgoria adquiriu um sentido mais estrito, consagrado na tradição, o de categoria, isto é, os gêneros supremos do ser; 2 protasis, nos contextos em que se opõe a sumperasma (conclusão), designa, mais particularmente, premissa; 3 kataphasis, em seu uso mais apropriado, designa a 17

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afirmação, por oposição à negação (apophasis); 4 symplokê às vezes designa a conjunção de termos ou a conjunção de proposições. 5 Essa situação terminológica dos textos de Aristóteles dificulta bastante a leitura para o neófito, mas não é sinal de nenhuma confusão maior na determinação dos conceitos. Em cada contexto, de acordo com as situações peculiares ao argumento em questão, Aristóteles utiliza um dos termos acima arrolados para remeter à noção delimitada pelos dois critérios especificados. O contexto justifica o uso terminológico de Aristóteles e, embora possa haver dificuldades maiores em alguns casos, não podemos dizer que a flutuação terminológica se acompanhe de alguma oscilação no uso dos dois critérios expostos. Com relação aos textos em que Aristóteles desenvolve sua teoria, seria de esperar que ele o fizesse nas Categorias e no Da interpretação, textos respectivamente devotados (segundo a tradição) a uma teoria dos termos e a uma teoria da proposição. Embora esses textos tenham sua importância, eles são absolutamente insuficientes para compreender a teoria aristotélica. Classificações de tipos de predicado, por exemplo, apresentam-se de maneira muito mais clara em outros textos — Tópicos I 5-8, Segundos analíticos I 4 — do que nas Categorias e no Da interpretação. Até mesmo a “semântica ontológica” contida nas Categorias é absolutamente incompleta, se comparada com o desenvolvimento dos mesmos assuntos na Metafísica (sobretudo nos livros IV e VII). Do mesmo modo, vários aspectos desenvolvidos no Da interpretação recebem imprescindível complementação em outros contextos, como em Segundos analíticos I 22 e Metafísica IV 4, quando se trata de mostrar que não há séries predicativas ao infinito, como se qualquer termo pudesse ser tomado indiferentemente como sujeito ou como predicado. 6 De modo semelhante, as breves considerações de Aristóteles em Metafísica V 7 auxiliam-nos a compreender a estrutura básica da predicação e o seu imediato enraizamento no terreno da ontologia. É basicamente esse conjunto de textos que se encontra traduzido e comentado neste volume.

II A estrutura básica da predicação, tal como proposta por Aristóteles, constitui-se de três elementos mínimos: dois termos (sendo um deles o sujeito e o outro, o predicado) e o operador copulativo. À primeira vista, a leitura apressada de alguns textos (sobretudo Da interpretação 3) daria a entender que Aristóteles admitiria uma forma ainda mais primitiva, reduzida apenas a um nome, como termo-sujeito, e um verbo como termo-predicado — por exemplo, “Sócrates corre”. No entanto, como veremos, essa forma, ainda que 18

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seja a mais comum na linguagem ordinária, não reflete a estrutura básica da predicação, 7 que se constitui exatamente por uma operação de composição (sinalizada pelos operadores copulativos) entre dois termos, o sujeito (por assim dizer, o assunto sobre o qual se pretende falar) e o predicado (aquilo que se propõe sobre o assunto previamente introduzido pelo termo-sujeito). O operador copulativo apresenta-se de dois modos: há a cópula afirmativa, “é”, a qual, precisamente, estabelece uma composição (synthesis) entre os dois termos da sentença; por outro lado, há o operador negativo “não é”, o qual, precisamente, estabelece uma separação (diairesis) entre os dois termos da sentença. 8 A composição indica a pretensão de que as coisas respectivamente denominadas pelo sujeito e pelo predicado se apresentem, de fato, juntas, como certa unidade, ao passo que a separação indica a pretensão de que as coisas respectivamente denominadas pelo sujeito e pelo predicado se apresentem separadas entre si na realidade. 9 Tal como concebida por Aristóteles, a predicação, em sua forma completa, caracteriza-se ainda pela quantificação: a relação pretendida entre o sujeito e o predicado é quantificada, ou seja, reportada a certa quantidade do sujeito, por meio de quantificadores (“todo”, “algum”, “nenhum”). Há, ainda, lugar para os operadores modais (“é possível que”, “necessariamente”), mas esse aspecto pode ser deixado de lado neste estudo. Acrescente-se que as funções de sujeito e de predicado podem ser exercidas por expressões constituídas por um nome antecedido pelo advérbio “não” (mê/ ouk), as quais Aristóteles designa como termos indefinidos, por exemplo, “nãohomem”. É preciso ressaltar também que as funções de sujeito e de predicado não precisam ser necessariamente desempenhadas por termos isolados, pois também expressões complexas (“animal bípede”, “no Liceu” etc.) podem desempenhá-las. Por comodidade, falaremos, neste volume, em “termosujeito” e “termo-predicado”, mas essa conveniência de linguagem não nos deve induzir a erro.

III Aristóteles concebe a predicação não apenas como certa combinação de signos, submetida a certas regras consistentes de sintaxe. A predicação tem, claramente, regras sintáticas que regulam a devida combinação dos termos e dos operadores de que ela se constitui, 10 mas, além disso, Aristóteles concebe-a como uma pretensão de verdade a respeito das coisas a que se reportam os termos nela envolvidos. E, dada a concepção aristotélica de verdade, a predicação, enquanto pretensão de verdade, é concebida como pretensão de objetividade: a verdade se estabelece não apenas por critérios intralingüísticos, 19

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mas justamente porque as coisas a respeito das quais a predicação pretende falar apresentam-se tais como a predicação pretende, e independentemente desse ato lingüístico que as toma por assunto. 11 A predicação não é única combinação de signos admitida e comumente usada na linguagem, ou seja, não é a única forma de “elocução com significado” (16a 19). Há outros usos da linguagem que não pretendem reportarse a fatos e, portanto, não se definem pela função de registro ou de constatação de fatos. Esses outros usos da linguagem não são, portanto, pretensões de verdade e, por isso, tampouco podem ser avaliados em termos de verdade ou falsidade. Quando alguém exprime um desejo — “que chova hoje”, por exemplo —, não se tem uma pretensão de verdade, pois não se pretende constatar que certa situação está dada no mundo. Algo similar ocorre quando se propõe uma ordem — “feche a porta”, por exemplo: não se trata, nesse caso, de enunciado que pretenda constatar uma situação dada no mundo; antes, trata-se de um enunciado cuja função é levar a produzir no mundo um estado de coisas que não existia no momento em que se proferiu tal enunciado. Embora indique que cabe à retórica ou à poética o estudo de vários tipos de enunciados nos quais não há pretensão de verdade (Da interpretação 17a 5-6), Aristóteles não se esmera em desenvolver uma teoria dos enunciados normativos, desiderativos etc. De todo modo, o que nos importa, neste estudo, é a teoria dos enunciados cuja função essencial é constatar estados de coisas, ou seja, os enunciados que se caracterizam pela pretensão de verdade. Aristóteles chama tais enunciados de apophantikoi — termo que podemos traduzir por “declarativos”. Entenda-se o que se quer dizer com “declarativo”: um enunciado que pretende declarar ou mostrar um estado de coisas, ou seja, um enunciado que se define essencialmente pelo propósito de constatar uma situação dada no mundo. Se a situação proposta no enunciado realmente se apresenta no mundo, o enunciado é verdadeiro. Se a situação proposta no enunciado não se apresenta no mundo, o enunciado é falso. 12 Nessa perspectiva, a teoria da predicação é uma teoria a respeito das regras pelas quais a linguagem, em seu domínio declarativo ou apofântico, pode satisfazer plenamente sua função, qual seja, reportar-se objetivamente ao mundo e oferecer-nos constatações fidedignas a respeito dos fatos e situações nele presentes. Assim, a teoria da predicação envolve uma teoria semântica, que busca delimitar as regras e condições pelas quais os termos, combinados nas proposições, podem objetivamente remeter a situações verificáveis no mundo e, por isso, precisamente, podemos dizer que ela se apresenta, ao mesmo tempo, como uma ontologia: a teoria da predicação é uma teoria a respeito das correlações entre, de um lado, as estruturas objetivas pelas quais as coisas se dão no mundo e, de outro, as estruturas lógico-lingüísticas pelas quais pretendemos constatá-las e remeter a elas. 20

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