Métodos matemáticos vol. 2

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MÉTODOS MATEMÁTICOS Volume 2


universidade estadual de campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador Geral da Universidade Alvaro Penteado Crósta

Conselho Editorial Presidente Eduardo Guimarães Elinton Adami Chaim – Esdras Rodrigues Silva Guita Grin Debert – Julio Cesar Hadler Neto Luiz Francisco Dias – Marco Aurélio Cremasco Ricardo Antunes – Sedi Hirano

Unicamp Ano 50 Comissão Editorial Itala M. Loffredo D’Ottaviano Eduardo Guimarães


Jayme Vaz Jr. Edmundo Capelas de Oliveira

MÉTODOS MATEMÁTICOS Volume 2


Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Em vigor no Brasil a partir de 2009.

ficha catalográfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp diretoria de tratamento da informação Bibliotecária: Helena Joana Flipsen – crb-8a / 5283

V477m

Vaz Júnior, Jayme, 1964Métodos matemáticos / Jayme Vaz Jr., Edmundo Capelas de Oliveira. – Campinas, sp: Editora da Unicamp, 2016. v.2. 1. Equações diferenciais. 2. Fourier, Séries de. 3. Dirac, Delta de. 4. Transformadas integrais. I. Oliveira, Edmundo Capelas de, 1952- II. Título.

cdd 515.35 512.22 530.124 515.723 e-isbn 978-85-268-1427-1 Índices para catálogo sistemático: 1. Equações diferenciais 2. Fourier, Séries de 3. Dirac, Delta de 4. Transformadas integrais

515.35 512.22 530.124 515.723

Copyright © by Jayme Vaz Jr. Edmundo Capelas de Oliveira Copyright © 2016 by Editora da Unicamp

Direitos reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19.2.1998. É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização, por escrito, dos detentores dos direitos. Printed in Brazil. Foi feito o depósito legal.

Direitos reservados à Editora da Unicamp Rua Caio Graco prado, 50 – Campus Unicamp cep 13083-892 – Campinas – sp – Brasil Tel./Fax: (19) 3521-7718/7728 www.editoraunicamp.com.br – vendas@editora.unicamp.br


Dedicado a Maria Clara e Liliane J. Dedicado a Ivana E.



Sumário

Apresentação

xi

Introdução

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1. Séries de Fourier 1.1. Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.1.1. Série de Fourier em intervalos arbitrários . . . . 1.1.2. Série de Fourier na forma complexa . . . . . . . 1.2. Propriedades de paridade: Séries de senos e de cossenos 1.3. Alguns teoremas envolvendo SF . . . . . . . . . . . . . . 1.3.1. Teorema de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.4. Convergência da série de Fourier . . . . . . . . . . . . . 1.5. Diferenciação e integração de uma SF . . . . . . . . . . 1.6. Fenômeno de Gibbs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.7. Método de Fejér . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.7.1. Teorema da aproximação de Weierstrass . . . . . 1.8. Séries de Fourier generalizadas . . . . . . . . . . . . . . 1.9. Série de Fourier-Bessel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.9.1. O caso 0 ≤ x ≤ a . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.9.2. O caso a ≤ x ≤ b, com a > 0 . . . . . . . . . . 1.10. Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

1 1 10 12 15 20 20 28 35 40 43 47 48 53 53 60 63

2. Função delta de Dirac 2.1. Motivação . . . . . . . . . . . . . . . 2.2. Função delta de Dirac . . . . . . . . 2.2.1. Translação . . . . . . . . . . 2.2.2. Mudança de escala e reflexão 2.2.3. Multiplicação por uma função 2.2.4. Argumento funcional . . . . .

69 69 72 75 76 77 77

. . . . . .

. . . . . .

. . . . . .

. . . . . .

. . . . . .

. . . . . .

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. . . . . .

vii


2.2.5. Derivada . . . . . . . . . . . 2.2.6. Primitiva . . . . . . . . . . . 2.3. Expansão em série da função delta . 2.4. Descontinuidade de salto: Derivadas 2.5. Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . .

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. . . . .

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. . . . .

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3. Transformada de Fourier 3.1. Motivação: Da série para a integral . . . . . . . . . 3.2. A transformada de Fourier . . . . . . . . . . . . . . 3.2.1. Transformada de Fourier da função delta de 3.2.2. Propriedades da transformada de Fourier . 3.3. Transformadas seno e cosseno de Fourier . . . . . . 3.4. Dimensões superiores . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.5. Amostragem e a TF discreta no tempo . . . . . . . 3.6. Transformada de Fourier discreta . . . . . . . . . . 3.7. Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . .

. . . . .

. . . . .

. . . . . . Dirac . . . . . . . . . . . . . . . . . .

80 81 82 84 86 87 87 89 95 96 107 109 111 116 119

4. Transformada de Laplace 123 4.1. Transformada de Laplace . . . . . . . . . . . . . . . . . 123 4.1.1. Propriedades da transformada de Laplace . . . . 125 4.2. Transformada inversa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128 4.3. Propriedades adicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135 4.3.1. Transformada de Laplace da função delta de Dirac 137 4.3.2. Transformada de Laplace de funções com descontinuidade de salto . . . . . . . . . . . . . . . . . 140 4.4. Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142 5. Outras transformadas integrais 5.1. Transformada de Hankel . . . . . . . . . . . 5.1.1. Motivação . . . . . . . . . . . . . . . 5.1.2. Transformada de Hankel de ordem µ 5.2. Transformada de Mellin . . . . . . . . . . . 5.2.1. Aplicação: Núcleos de Fourier . . . . 5.3. Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . .

. . . . . .

. . . . . .

. . . . . .

. . . . . .

. . . . . .

. . . . . .

147 147 148 150 153 158 161

6. Equações diferenciais parciais 163 6.1. Generalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163

viii


6.2. EDP quase linear de primeira ordem . . . . . . . . . . . 6.2.1. Método de Lagrange-Charpit . . . . . . . . . . . 6.3. EDPs lineares de segunda ordem: Classificação . . . . . 6.4. O problema de Cauchy . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.4.1. O problema de Cauchy para a equação de onda . 6.4.2. Método de Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . 6.4.3. Ondas esféricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.5. Método de separação de variáveis . . . . . . . . . . . . . 6.5.1. Separação de variáveis na equação do calor . . . 6.5.2. Separação de variáveis na equação de onda . . . 6.5.3. Separação de variáveis na equação do telegrafista 6.5.4. Separação de variáveis em dimensões superiores . 6.6. Os problemas de Dirichlet e Neumann . . . . . . . . . . 6.6.1. Problema de Dirichlet no retângulo . . . . . . . . 6.6.2. Problema de Dirichlet no cı́rculo . . . . . . . . . 6.6.3. Problema de Dirichlet no anel circular . . . . . . 6.6.4. Problema de Neumann no cı́rculo . . . . . . . . . 6.6.5. Problema de Dirichlet no cilindro . . . . . . . . . 6.7. Expansão em série de autofunções . . . . . . . . . . . . 6.7.1. Problema de Neumann no retângulo . . . . . . . 6.7.2. Equação do calor com fronteira variável . . . . . 6.8. Harmônicos esféricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.9. Transformadas integrais em EDPs . . . . . . . . . . . . 6.9.1. Transformada de Laplace . . . . . . . . . . . . . 6.9.2. Transformada de Fourier . . . . . . . . . . . . . . 6.9.3. Transformadas de Laplace e de Fourier . . . . . . 6.9.4. Transformada de Hankel . . . . . . . . . . . . . . 6.9.5. Transformada de Mellin . . . . . . . . . . . . . . 6.9.6. Uma transformada arbitrária . . . . . . . . . . . 6.10. Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

167 173 175 183 185 195 201 204 205 209 212 215 227 228 230 232 232 234 236 237 239 242 251 251 262 269 273 275 277 282

A. Respostas e/ou sugestões

295

Referências bibliográficas

309

Índice remissivo

315

ix



Apresentação

Este livro, composto por três volumes, poderia ter um tı́tulo e um ou mais subtı́tulos, ou ainda um duplo tı́tulo. Optamos por manter um único tı́tulo: Métodos matemáticos (M2 ). A justificativa deriva de os autores haverem ministrado, por alguns anos, as disciplinas chamadas métodos de matemática aplicada e métodos matemáticos da fı́sica, ambas direcionadas aos estudantes dos cursos de matemática, matemática aplicada, fı́sica e engenharia. Ele é o resultado das diferentes versões das notas de aulas escritas para esses cursos. O universo dos M2 é gigantesco, e a porção deles que será discutida ao longo dos três volumes faz parte dos chamados métodos analı́ticos. Os igualmente importantes métodos numéricos não fazem parte deste livro, pois são objetos de outras disciplinas nesses cursos. Existe uma rica literatura dedicada aos assuntos que se encaixam nessa denominação genérica de M2 . Livros, contudo, não competem entre si, mas se complementam. A visão autoral reflete-se no foco de cada obra, dedicando uma maior atenção a um assunto ou outro, e também no público-alvo. Dessa forma, encontramos livros de M2 com muito material em comum, apresentados essencialmente no mesmo nı́vel, mas direcionados para estudantes de fı́sica, como [AWH13, But68, Ha99, MF53], para os de engenharia, tal qual, por exemplo, [Gre98, Kre11], ou para ambos, como [IM59, RHB06], e inclusive outros que se destacam pela maior perspectiva matemática, como [CH89, WW96]. Nesse cenário, qual a razão de ser deste livro? Depois de várias experiências ministrando M2 para públicos com interesses distintos, os autores entendem que o material básico de apoio para essa disciplina deve estar focado no método em si, não em sua aplicação em problemas especı́ficos. Em um curso de matemática ou de matemática aplicada, os métodos matemáticos são relevantes, em particular, nas aplicações, isto

xi


é, na resolução de uma especı́fica questão advinda de outras áreas do conhecimento, englobando não apenas as ciências exatas e tecnológicas, mas também áreas da biologia ou economia, por exemplo. Por outro lado, na fı́sica ou na engenharia, o problema já existe e a metodologia é apenas para ser utilizada. Em geral, o foco não é necessariamente o mesmo, e, portanto, em nosso entender, o material básico de apoio para uma disciplina, nessas circunstâncias, não deve carregar um particular viés de público-alvo. Nessa percepção, as particularidades dos grupos de estudantes devem ser deixadas para referências complementares. Vários livros, como [AWH13] ou [But68], usados pelos autores quando estudantes de graduação, são muito bons, mas repletos de aplicações fı́sicas que, eventualmente, não despertam interesse em outros estudantes, às vezes até mesmo produzem o efeito contrário, quando usados como referência básica da disciplina. Diante desse quadro, surgiu o projeto de transformar as notas de aula, escritas nesse espı́rito universal, em um livro. A preocupação do texto é simples e objetiva. Apresenta-se a teoria com o rigor matemático necessário e discute-se uma série de exemplos, a fim de fixar as ideias apresentadas. Ao final de cada capı́tulo, encontra-se uma série de exercı́cios propostos para o estudante praticar e/ou enfrentar o desafio de elaborar a solução do exercı́cio não exatamente igual àquele abordado no texto. Todos esses exercı́cios propostos contam com resposta e/ou sugestão. Tivemos a felicidade de conhecer, na vida acadêmica, pessoas cujo convı́vio enriqueceu nossas trajetórias e que, direta ou indiretamente, influenciaram este trabalho. Foram tantas que uma tentativa de listar nomes seria incompleta devido às inevitáveis omissões involuntárias. De uma forma geral, gostarı́amos de agradecer aos nossos professores que, com seus ensinamentos, foram fontes de inspiração e aos alunos que, com suas dúvidas e sugestões, ajudaram a aprimorar este trabalho. Entretanto, não podemos deixar de agradecer explicitamente ao professor doutor Waldyr A. Rodrigues Jr. pelos anos de amizade e colaboração. Gostarı́amos também de agradecer à Editora da Unicamp e sua equipe pelo apoio.

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Introdução

Vamos discorrer apenas sobre os temas abordados neste volume. O primeiro capı́tulo aborda as clássicas séries de Fourier, que desempenham papel fundamental, por exemplo, na resolução de uma equação diferencial parcial e que também encontram outras aplicações em diversas áreas, incluindo engenharia, como processamento de sinais e de imagens, vibrações etc., fı́sica e quı́mica, particularmente em mecânica quântica. São discutidos teoremas associados à convergência da série de Fourier, o chamado fenômeno de Gibbs e o método de Fejér. Conclui-se o capı́tulo com as séries de Fourier generalizadas, em particular, a série de Fourier-Bessel, que desempenha papel importante em problemas em que a simetria cilı́ndrica se faz presente. O segundo capı́tulo discorre, de modo introdutório, sobre a função delta de Dirac, visando ao seu uso nos capı́tulos posteriores. São apresentadas as propriedades da função delta de Dirac, algumas operações com ela, e em especial a derivada da função delta, e mostramos como ela surge no cálculo da derivada, no sentido distribucional de uma função com descontinuidade de salto. O terceiro capı́tulo é todo dedicado à transformada de Fourier, que é, basicamente, a versão contı́nua da série de Fourier. Assim como a série, as transformadas de Fourier são muito importantes em várias áreas da fı́sica (por exemplo, em mecânica quântica), quı́mica (por exemplo, espectroscopia) e engenharia (por exemplo, processamento de sinais e de imagens). Nesse capı́tulo são estudadas as principais propriedades das transformadas de Fourier, sua versão envolvendo apenas as funções seno e cosseno, e suas principais aplicações. Conclui-se o capı́tulo com a transformada de Fourier discreta. O quarto capı́tulo é dedicado à transformada de Laplace. Em analogia ao capı́tulo anterior, são apresentadas as propriedades da transformada de Laplace, destacando o problema da inversão, ou seja, o cálculo da transformada de Laplace inversa, que, em

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geral, requer o uso das variáveis complexas. Devido à importância, discutimos em detalhes o problema da transformada de Laplace da função delta de Dirac e de funções envolvendo uma descontinuidade de salto. O quinto capı́tulo conclui o estudo da metodologia das transformadas integrais, com destaque para as transformadas de Hankel e de Mellin. Em analogia aos capı́tulos envolvendo as transformadas de Fourier e Laplace, o problema da inversão da respectiva transformada merece destaque. No sexto capı́tulo apresentamos as equações diferenciais parciais. A partir das metodologias até então apresentadas, estamos em condições de discutir e resolver uma equação diferencial parcial. Começa-se com as equações diferenciais quase lineares de primeira ordem para, logo após, classificar uma equação diferencial parcial linear de segunda ordem, as quais têm importância fundamental, visto que são as principais equações da fı́sica matemática, como já mencionado no volume 1. Discutem-se o clássico problema de Cauchy e o método de Riemann associados a uma equação diferencial parcial do tipo hiperbólico. Na sequência apresenta-se o poderoso método de separação de variáveis, na forma de um produto de funções, cada uma delas dependendo apenas de uma variável independente, para as equações de onda, do calor e de Laplace, em duas e mais dimensões. Os clássicos problemas de Dirichlet e Neumann são discutidos para a equação de Laplace. A equação do calor com fronteira variável é abordada através do método de expansão em séries de autofunções. Discutimos também, em detalhes, os chamados harmônicos esféricos. Finalmente, a metodologia das transformadas integrais, em particular, as transformadas de Laplace, de Fourier, de Hankel e de Mellin, é utilizada para resolver equações diferenciais parciais. Este volume apresenta ainda um Apêndice, em que são apresentadas as respostas e/ou sugestões de todos os problemas que foram deixados a cargo do leitor, bem como as Referências bibliográficas, todas elas comentadas. O Índice remissivo conclui o texto.

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Séries de Fourier

Funções periódicas desempenham um papel importante em vários ramos da ciência. Neste capı́tulo discutem-se as séries de Fourier associadas a uma função periódica. Como casos particulares, discutiremos as séries de Fourier de senos e de cossenos. São apresentados vários teoremas relacionados à expansão de uma função em uma série de Fourier. Uma atenção especial é dada ao problema da convergência da série e ao conceito de convergência em média. Analisamos em detalhes o fenômeno de Gibbs e apresentamos uma estimativa do seu efeito através de um exemplo especı́fico. Discutimos ainda uma generalização das séries de Fourier, com destaque para as chamadas séries de Fourier-Bessel.

1.1. Introdução Sejam a0 , an , bn ∈ R, n = 1, 2, . . . Considere a série trigonométrica ∞

a0 X + (an cos nx + bn sen nx). 2 n=1

1


1. Séries de Fourier Essa série trigonométrica é a série de Fourier (SF) da função f (x) se seus coeficientes a0 , an , bn forem dados, respectivamente, por Z 1 π f (x) dx a0 = π −π Z 1 π an = f (x) cos nx dx (1.1) π −π Z π 1 bn = f (x) sen nx dx π −π para n = 1, 2, . . . Observando essas expressões, vemos que a notação a0 /2 para o termo constante da SF se justifica para que a expressão para a0 possa também ser vista como caso particular da expressão para an , quando consideramos n = 0 em an . Uma SF é, portanto, uma série trigonométrica onde os coeficientes tem uma forma particular dada pelas Eqs. (1.1). Nem toda série trigonométrica é uma SF. Um exemplo é a série ∞ X sen nx

n=2

ln (n)

.

Essa série converge para todo x ∈ R, mas não é a SF de nenhuma função f (x) – veja [Tit39], p. 420. Vamos denotar a SF de uma função f (x) por F2π [f ](x), ou seja, ∞

a0 X + (an cos nx + bn sen nx) F2π [f ](x) = 2

(1.2)

n=1

Usando as expressões para a0 , an e bn , podemos ainda escrever Z π ∞ Z π 1 1X f (ξ) cos nξ dξ cos nx F2π [f ](x) = f (ξ) dξ + 2π −π π −π n=1 Z π + f (ξ) sen nξ dξ sen nx −π

e, lembrando que cos (A ± B) = cos A cos B ∓ sen A sen B, segue Z π ∞ Z 1 1X π F2π [f ](x) = f (ξ) dξ + f (ξ) cos n(x − ξ) dξ 2π −π π −π n=1

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1.1. Introdução Aqui é preciso observar que em muitos textos é usada a mesma notação para a função f (x) e sua representação na forma de SF, prática essa que eventualmente adotaremos quando estivermos mais confortáveis com a teoria das SFs. Nosso cuidado em usar diferentes notações é para explicitar uma questão fundamental que está por detrás da teoria das SFs, a saber: Qual a relação entre F2π [f ](x) e f (x)? Observação: Para não sobrecarregar a notação, e estando claro qual o intervalo envolvido, iremos denotar F2π [f ](x) simplesmente por F[f ](x). Além disso, quando o contexto não oferecer dúvidas, iremos escrever simplesmente f (x) em lugar de F[f ](x). Como as funções cos nx e sen nx são periódicas com perı́odo 2π, a série F[f ](x) também deve ser periódica com o mesmo perı́odo 2π, ou seja, F[f ](x) = F[f ](x + 2π). Portanto, considerando a SF uma representação de uma função, devemos presumir que a SF apresente uma representação de uma função restrita à condição de ser periódica com perı́odo 2π. Certamente isso deve ocorrer quando a função f (x), a partir da qual calculamos os coeficientes de Fourier, é periódica com perı́odo 2π (ou quando 2π for um múltiplo inteiro do perı́odo fundamental da função). Porém, mesmo quando a função f (x) não é periódica, ainda assim podemos calcular os coeficientes de Fourier segundo a Eq. (1.1) e como resultado definir uma SF periódica. Nesse caso o que acontece é que estamos lidando não exatamente com uma representação da função f (x), mas sim com uma representação da extensão periódica dessa função, restrita ao intervalo em consideração, no caso [−π, π]. Alguns exemplos ajudarão a esclarecer esses pontos. Exemplo 1.1. Seja f (x) = x2 . Seus coeficientes de Fourier são a0 =

1 π

π

Z

x2 dx = −π

2π 2 , 3

e, usando integração por partes, an =

=

1 π

Z

1 nπ

π

π Z x2 sen nx

1 π 2x sen nx dx −

n n −π −π | {z } =0 Z 4 1 π − 2 cos nx dx = 2 (−1)n , n −π n | {z }

x2 cos nx dx = −π

π 2x cos nx

n

−π

1 π

=0

3


1. Séries de Fourier

π Z x2 cos nx

1 π 2x cos nx dx +

n n −π −π −π | {z } =0

π Z 1 2x sen nx

1 π = = 0. − 2 sen nx dx

nπ n n −π −π {z } | | {z }

bn =

1 π

Z

π

x2 sen nx dx =

1 π

=0

=0

A SF é, portanto, F2π [x2 ] =

∞ X (−1)n π2 +4 cos nx. 3 n2 n=1

As aproximações usando cinco termos e sete termos dessa SF estão ilustradas na Figura 1.1 e Figura 1.2, respectivamente, com a linha contı́nua.

π2

−3π

−2π

−π

π

x

Figura 0.1: Figura 1.1. Aproximação com cinco termos da SF da função f (x) = x2 (linha contı́nua) e a extensão periódica da restrição dessa função ao intervalo [−π, π] (linha tracejada).

Está claro pela figura que essa SF fornece uma representação da função f (x) = x2 apenas no intervalo −π ≤ x ≤ π. Para todo x ∈ R devemos pensar que a SF representa a extensão periódica de f (x) = x2 , ou seja, a função fper (x) definida como ( f (x) = x2 , −π ≤ x ≤ π, fper (x) = fper (x + 2π), x ∈ R, cujo gráfico está ilustrado na Figura 1.1 e Figura 1.2, com a linha tracejada.

4


1.1. Introdução

π2

−3π

−2π

π

−π

x

Figura 0.2: Figura 1.2. Aproximação com sete termos da SF da função f (x) = x2 (linha contı́nua) e a extensão periódica da restrição dessa função ao intervalo [−π, π] (linha tracejada).

Exemplo 1.2. Vamos considerar a SF da função f (x) = π − |x|. Usando as fórmulas (1.1) e lembrando que |x| = −x para x < 0 e |x| = x para x ≥ 0, temos que Z π Z Z Z 1 0 1 π 2 π a0 = dx + x dx − x dx = 2π − x dx = 2π − π = π, π −π π 0 π 0 −π onde fizemos a mudança de variável x 7→ −x na segunda integral, Z Z Z π 1 π 1 0 x cos nx dx − x cos nx dx an = cos nx dx + π −π π 0 −π Z Z π 2 π 2 2 =0− x cos nx dx = sen nx dx = [1 − (−1)n ], π 0 πn 0 πn2 onde usamos a mesma mudança de variável mais integração por partes, Z π Z Z 1 0 1 π bn = sen nx dx + x sen nx dx − x sen nx dx π −π π 0 −π Z π Z π 1 1 =0+ x sen nx dx − x sen nx dx = 0, π 0 π 0 onde repetimos a mudança de variável acima. A mudança de variável x 7→ −x é muito útil, quando a integração envolve funções com paridade definida. 2

5


1. Séries de Fourier

π

−3π

−π

−2π

π

x

Figura 0.3: Figura 1.3. Aproximação com dois termos da SF da função f (x) = π − |x| (linha contı́nua) e a extensão periódica da restrição dessa função ao intervalo [−π, π] (linha tracejada).

A SF de f (x) é, portanto, F[f ](x) =

∞ X 4 4 X cos (2k + 1)x π π + cos nx = + . 2 2 n=1,3,... πn 2 π (2k + 1)2 k=0

Na Figura 1.3 temos ilustrada a aproximação com dois termos e na Figura 1.4, a aproximação com quatro termos, da SF acima (linhas contı́nuas), com a comparação com a extensão periódica da função f (x) = π − |x| restrita ao intervalo [−π, π] (linhas tracejadas).

Exemplo 1.3. Seja agora ( −1, f (x) = sign(x) = 1,

x < 0, x > 0.

Os coeficientes de Fourier são Z 0 Z π 1 − dx + dx = 0, a0 = π −π 0 Z 0 Z π 1 cos nx dx + cos nx dx = 0, an = − π −π 0 Z 0 Z π 1 bn = − sen nx dx + sen nx dx π −π 0 Z 2 π 2 = sen nx dx = [1 − (−1)n ], π 0 nπ

3

6


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