MÉTODOS MATEMÁTICOS Volume 3
universidade estadual de campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador Geral da Universidade Alvaro Penteado Crósta
Conselho Editorial Presidente Eduardo Guimarães Elinton Adami Chaim – Esdras Rodrigues Silva Guita Grin Debert – Julio Cesar Hadler Neto Luiz Francisco Dias – Marco Aurélio Cremasco Ricardo Antunes – Sedi Hirano
Unicamp Ano 50 Comissão Editorial Itala M. Loffredo D’Ottaviano Eduardo Guimarães
Jayme Vaz Jr. Edmundo Capelas de Oliveira
MÉTODOS MATEMÁTICOS Volume 3
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Em vigor no Brasil a partir de 2009.
ficha catalográfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp diretoria de tratamento da informação Bibliotecária: Helena Joana Flipsen – crb-8a / 5283
V477m
Vaz Júnior, Jayme, 1964Métodos matemáticos / Jayme Vaz Jr., Edmundo Capelas de Oliveira. – Campinas, sp: Editora da Unicamp, 2016. v.3. 1. Teoria das distribuições (Análise funcional). 2. Green, Funções de. 3. Equações integrais. 4. Teoria dos grupos. 5. Cálculo de variações. I. Oliveira, Edmundo Capelas de, 1952- II. Título.
cdd 515.782 515.35 515.45 512.22 515.8 e-isbn 978-85-268-1428-8 Índices para catálogo sistemático: 1. Teoria das distribuições (Análise funcional) 2. Green, Funções de 3. Equações integrais 4. Teoria dos grupos 5. Cálculo de variações
Copyright © by Jayme Vaz Jr. Edmundo Capelas de Oliveira Copyright © 2016 by Editora da Unicamp
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515.782 515.35 515.45 512.22 515.8
Dedicado a Maria Clara e Liliane J. Dedicado a Ivana E.
Sumário Apresentação
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Introdução
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1. Introdução às distribuições 1.1. Definições e propriedades básicas . . . . . . . . . . . . . 1.2. Distribuições singulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.2.1. Pseudofunções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.2.2. Fórmulas de Plemelj-Sochozki . . . . . . . . . . . 1.3. Algumas operações com distribuições . . . . . . . . . . . 1.4. Derivada de distribuições . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.4.1. Derivada de funções com descontinuidade de salto 1.5. Primitiva de uma distribuição . . . . . . . . . . . . . . . 1.6. Produto de distribuições . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.6.1. Produto direto de distribuições . . . . . . . . . . 1.6.2. Produto de convolução de distribuições . . . . . 1.7. Transformadas de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.8. Transformadas de Laplace . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.9. Distribuições periódicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.10. Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1 1 5 7 13 15 23 25 32 34 34 34 39 46 47 52
2. Funções de Green 55 2.1. Funções de Green unidimensionais . . . . . . . . . . . . 55 2.1.1. Motivações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 2.1.2. Função de Green para EDO linear autoadjunta . 65 2.1.3. Função de Green para EDO linear arbitrária . . 70 2.1.4. Expansão em autofunções para a função de Green 74 2.2. Distribuições e soluções fundamentais . . . . . . . . . . 76 2.2.1. Solução fundamental da equação de Laplace . . . 78 2.2.2. Solução fundamental da equação do calor . . . . 79 2.2.3. Solução fundamental da equação de onda . . . . 80 2.2.4. Método de descenso . . . . . . . . . . . . . . . . 81 vii
2.3. 2.4. 2.5. 2.6. 2.7.
Funções de Green multidimensionais . . . Função de Green para o laplaciano . . . . Função de Green para a equação do calor Função de Green para a equação de onda Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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3. Equações integrais 3.1. Introdução aos operadores em espaços de Hilbert 3.1.1. Espaços de Hilbert . . . . . . . . . . . . . 3.1.2. Operadores em espaços de Hilbert . . . . 3.2. Equações integrais . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.3. Equações integrais de Volterra . . . . . . . . . . 3.3.1. Método dos núcleos iterados . . . . . . . . 3.3.2. Método das aproximações sucessivas . . . 3.3.3. Método da transformada de Laplace . . . 3.4. Equações integrais de Fredholm . . . . . . . . . . 3.4.1. Método dos determinantes de Fredholm . 3.4.2. Método dos núcleos iterados . . . . . . . . 3.4.3. Núcleos degenerados . . . . . . . . . . . . 3.4.4. Núcleo simétrico ou hermitiano . . . . . . 3.4.5. Alternativa de Fredholm . . . . . . . . . . 3.5. Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4. Teoria de grupos 4.1. Generalidades . . . . . . . 4.2. Grupos de transformações 4.2.1. Grupos clássicos . 4.3. Representação de grupos . 4.4. Exercı́cios . . . . . . . . .
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. 84 . 89 . 95 . 104 . 110
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. . . . . . . . . . . . . . .
115 118 118 128 134 139 140 144 146 148 148 153 159 162 167 169
. . . . .
175 175 182 184 190 193
. . . . .
5. Grupos e álgebras de Lie 5.1. Grupos de Lie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.2. Grupos de transformações: A ação de grupos de Lie sobre variedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.3. Álgebras de Lie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.4. Constantes de estrutura . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.5. Subgrupos uniparamétricos . . . . . . . . . . . . . . . . 5.6. Representação adjunta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.7. Subálgebras e ideais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.8. Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . viii
195 195 199 201 208 210 217 220 223
6. Grupos de transformações e equações diferenciais 6.1. Grupo de transformações . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.1.1. Transformações uniparamétricas infinitesimais . . 6.1.2. O gerador de transformações . . . . . . . . . . . 6.2. Funções invariantes e sistemas caracterı́sticos . . . . . . 6.3. Prolongação do gerador . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.4. Integração de uma EDO de primeira ordem invariante por uma simetria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.5. EDO de ordem superior . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.6. Generalização para várias variáveis . . . . . . . . . . . . 6.6.1. Espaço de jatos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.7. Prolongação de grupos e geradores no espaço de jatos . 6.8. Fórmulas de prolongação . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.9. Simetrias de um sistema de EDOs . . . . . . . . . . . . 6.10. Simetrias de uma EDP . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.11. Simetrias e redução de ordem . . . . . . . . . . . . . . . 6.12. Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
225 226 228 230 235 239
7. Cálculo variacional 7.1. Noções básicas sobre funcionais . 7.2. Derivada funcional . . . . . . . . 7.3. Equação de Euler-Lagrange . . . 7.4. Simetrias variacionais . . . . . . 7.5. Redução de ordem . . . . . . . . 7.6. Teorema de Noether . . . . . . . 7.6.1. Leis de conservação . . . 7.6.2. Demonstração do teorema 7.6.3. Simetria divergencial . . . 7.7. Exercı́cios . . . . . . . . . . . . .
295 296 300 306 315 320 323 323 326 333 335
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . de Noether . . . . . . . . . . . . . .
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. . . . . . . . . .
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241 246 257 262 265 269 275 280 285 293
A. Variedades 339 A.1. Definição de uma variedade . . . . . . . . . . . . . . . . 339 A.2. Vetores tangentes e campos vetoriais em uma variedade 344 B. Respostas e/ou sugestões
349
Referências bibliográficas
361
Índice remissivo
367
ix
Apresentação
Este livro, composto por três volumes, poderia ter um tı́tulo e um ou mais subtı́tulos, ou ainda um duplo tı́tulo. Optamos por manter um único tı́tulo: Métodos matemáticos (M2 ). A justificativa deriva de os autores haverem ministrado, por alguns anos, as disciplinas chamadas métodos de matemática aplicada e métodos matemáticos da fı́sica, ambas direcionadas aos estudantes dos cursos de matemática, matemática aplicada, fı́sica e engenharia. Ele é o resultado das diferentes versões das notas de aulas escritas para esses cursos. O universo dos M2 é gigantesco, e a porção deles que será discutida ao longo dos três volumes faz parte dos chamados métodos analı́ticos. Os igualmente importantes métodos numéricos não fazem parte deste livro, pois são objetos de outras disciplinas nesses cursos. Existe uma rica literatura dedicada aos assuntos que se encaixam nessa denominação genérica de M2 . Livros, contudo, não competem entre si, mas se complementam. A visão autoral reflete-se no foco de cada obra, dedicando uma maior atenção a um assunto ou outro, e também no público-alvo. Dessa forma, encontramos livros de M2 com muito material em comum, apresentados essencialmente no mesmo nı́vel, mas direcionados para estudantes de fı́sica, como [AWH13, But68, Ha99, MF53], para os de engenharia, tal qual, por exemplo, [Gre98, Kre11], ou para ambos, como [IM59, RHB06], e inclusive outros que se destacam pela maior perspectiva matemática, como [CH89, WW96]. Nesse cenário, qual a razão de ser deste livro? Depois de várias experiências ministrando M2 para públicos com interesses distintos, os autores entendem que o material básico de apoio para essa disciplina deve estar focado no método em si, não em sua aplicação em problemas especı́ficos. Em um curso de matemática ou de matemática aplicada, os métodos matemáticos são relevantes, em particular, nas aplicações, isto
xi
é, na resolução de uma especı́fica questão advinda de outras áreas do conhecimento, englobando não apenas as ciências exatas e tecnológicas, mas também áreas da biologia ou economia, por exemplo. Por outro lado, na fı́sica ou na engenharia, o problema já existe e a metodologia é apenas para ser utilizada. Em geral, o foco não é necessariamente o mesmo, e, portanto, em nosso entender, o material básico de apoio para uma disciplina, nessas circunstâncias, não deve carregar um particular viés de público-alvo. Nessa percepção, as particularidades dos grupos de estudantes devem ser deixadas para referências complementares. Vários livros, como [AWH13] ou [But68], usados pelos autores quando estudantes de graduação, são muito bons, mas repletos de aplicações fı́sicas que, eventualmente, não despertam interesse em outros estudantes, às vezes até mesmo produzem o efeito contrário, quando usados como referência básica da disciplina. Diante desse quadro, surgiu o projeto de transformar as notas de aula, escritas nesse espı́rito universal, em um livro. A preocupação do texto é simples e objetiva. Apresenta-se a teoria com o rigor matemático necessário e discute-se uma série de exemplos, a fim de fixar as ideias apresentadas. Ao final de cada capı́tulo, encontra-se uma série de exercı́cios propostos para o estudante praticar e/ou enfrentar o desafio de elaborar a solução do exercı́cio não exatamente igual àquele abordado no texto. Todos esses exercı́cios propostos contam com resposta e/ou sugestão. Tivemos a felicidade de conhecer, na vida acadêmica, pessoas cujo convı́vio enriqueceu nossas trajetórias e que, direta ou indiretamente, influenciaram este trabalho. Foram tantas que uma tentativa de listar nomes seria incompleta devido às inevitáveis omissões involuntárias. De uma forma geral, gostarı́amos de agradecer aos nossos professores que, com seus ensinamentos, foram fontes de inspiração e aos alunos que, com suas dúvidas e sugestões, ajudaram a aprimorar este trabalho. Entretanto, não podemos deixar de agradecer explicitamente ao professor doutor Waldyr A. Rodrigues Jr. pelos anos de amizade e colaboração. Gostarı́amos também de agradecer à Editora da Unicamp e sua equipe pelo apoio.
xii
Introdução
Vamos discorrer sobre os temas abordados neste volume. O primeiro capı́tulo apresenta uma introdução às distribuições, em que, após a notação e definições, são discutidas propriedades e operações. Uma atenção especial é dada para as distribuições definidas através de processos de regularização de integrais divergentes. À derivada de uma distribuição, devido a sua grande importância, é dedicada uma seção, em que também é discutida a derivada de funções com descontinuidades de salto do ponto de vista distribucional. As transformadas de Fourier e de Laplace, já discutidas no volume 2, são generalizadas de modo a incluir suas aplicações em distribuições. Uma discussão das distribuições periódicas conclui o capı́tulo. O segundo capı́tulo é todo dedicado às funções de Green. Discutem-se as funções de Green unidimensionais, associadas a uma equação diferencial ordinária, e apresentam-se as soluções fundamentais para as clássicas equações de Laplace, do calor e da onda. O capı́tulo é concluı́do com as funções de Green multidimensionais, em que merecem destaque as funções de Green associadas às equações de Laplace, do calor e da onda. O terceiro capı́tulo é devotado ao estudo das equações integrais, as quais, muitas vezes, desempenham papel similar às equações diferenciais, porém com certa vantagem. Após a introdução do aparato matemático, em particular, os operadores em espaços de Hilbert, subdivide-se o capı́tulo na maneira clássica, isto é, nas equações integrais do tipo de Volterra e do tipo de Fredholm. Para as equações de Volterra, são discutidos os métodos dos núcleos iterados, as aproximações sucessivas e a transformada de Laplace. Associados às equações de Fredholm, são apresentados os métodos dos determinantes de Fredholm e dos
xiii
núcleos iterados. O estudo dos chamados núcleos degenerados e núcleos simétricos, além da alternativa de Fredholm, concluem o capı́tulo. No quarto capı́tulo é feita uma breve introdução à teoria de grupos, com o objetivo principal de introduzir conceitos que serão utilizados nos capı́tulos posteriores. Além dos principais conceitos, são apresentados os grupos clássicos, grupos de transformações e representação de grupos. No quinto capı́tulo apresentam-se os grupos e álgebras de Lie, também visando ao uso dessa teoria no capı́tulo subsequente. Nesse sentido, discute-se e a ação dos grupos de Lie sobre variedades e as álgebras de Lie dos campos vetoriais nessa variedade, além de alguns conceitos correlacionados. Os leitores que apresentam familiaridade com os conceitos básicos da teoria de grupos e dos grupos e álgebras de Lie podem omitir o estudo desses dois capı́tulos sem grandes prejuı́zos. A teoria dos grupos e álgebras de Lie teve sua origem no estudo de equações diferenciais, e este é o assunto abordado no sexto capı́tulo. Após uma breve introdução, apresenta-se o grupo de transformações, funções invariantes e sistemas caracterı́sticos. Uma seção é dedicada exclusivamente às equações diferenciais ordinárias de primeira ordem invariante por uma simetria. Generaliza-se o resultado para várias variáveis e discute-se o espaço de jatos. Simetrias de um sistema de equações diferenciais ordinárias, de uma equação diferencial parcial e redução de ordem concluem o capı́tulo. O sétimo capı́tulo é todo dedicado ao tema cálculo variacional. Após apresentar noções básicas sobre funcionais, discute-se a chamada derivada funcional. As clássicas equações de Euler-Lagrange têm uma seção completamente a elas dedicada, em que os particulares casos são apresentados e discutidos. Simetrias variacionais e redução de ordem são apresentadas de modo a concluir o capı́tulo com o teorema de Noether, associado ao qual discutem-se as chamadas leis de conservação, finalizando-se com a demonstração do teorema. Este volume apresenta ainda dois Apêndices. No primeiro é apresentado o conceito de variedade e o de vetores tangentes e campos vetoriais em uma variedade. O objetivo desse Apêndice é auxiliar o leitor não familiarizado com esses conceitos na compreensão da teoria dos grupos e álgebras de Lie. No segundo Apêndice, são apresentadas as respostas e/ou sugestões de todos os problemas que foram deixados a cargo do leitor. As Referências bibliográficas, todas elas comentadas, e o Índice remissivo concluem o texto.
xiv
1
Introdução às distribuições Um estudo preliminar da função delta de Dirac foi feito no volume 2. Iremos agora considerar também outras distribuições. Faremos uma discussão geral do assunto e depois entraremos na questão do cálculo utilizando distribuições. Boas referências complementares para o estudo são [Kan04, Vla84, Zem10]. Antes de começar, cabe uma palavra sobre a notação. Em geral a variável x será usada no sentido vetorial, ou seja, x = (x1 , . . . , xn ). Quando precisarmos nos restringir a n = 1, e isso não estiver óbvio no contexto, faremos menção explı́cita a n = 1. Para simplificar a notação, escreveremos dx = dn x = dx1 · · · dxn e faremos uso da notação de multi-ı́ndice para as derivadas, ou seja, usaremos a notação Dα φ(x) =
∂ |α| φ(x1 , . . . , xn ) , ∂xα1 1 · · · ∂xαnn
onde α = (α1 , . . . , αn ) e |α| = α1 + · · · + αn .
1.1. Definições e propriedades básicas Seja supp φ o suporte de uma função φ(x), supp φ = {x ∈ Rn | φ(x) 6= 0},
1
1. IntroduçaĚƒo aĚ€s distribuiçoĚƒes onde a barra denota o fecho do conjunto. Se supp φ ⊂ UR ⊂ Rn , onde UR denota a bola de raio R, dizemos que φ(x) tem suporte compacto em Rn . Uma funçaĚƒo-teste eĚ uma funçaĚƒo infinitamente diferenciaĚ vel e com suporte compacto em Rn . Denotaremos o conjunto dessas funçoĚƒes-teste por D = D(Rn ). Podemos tambeĚ m restringir a discussaĚƒo a uma regiaĚƒo U ⊂ Rn e, nesse caso, denotamos o conjunto das funçoĚƒes-teste nessa regiaĚƒo por D(U ). Observando a definiçaĚƒo de uma funçaĚƒo-teste, vemos claramente que ela naĚƒo pode ser uma funçaĚƒo analÄąĚ tica em todo Rn . O exemplo claĚ ssico de uma funçaĚƒo-teste, jaĚ apresentado no volume 2, eĚ a funçaĚƒo ( 2 2 2 C e− /( −x ) , |x| ≤ , Ď• (x) = (1.1) 0, |x| > , onde C eĚ uma constante geralmente escolhida tal que Dessa forma podemos ver que Ď• (x) = −n Ď•1 (x/ ).
R
Ď• (x) dx = 1.
Ď• (x)
= 1/4
= 1/2 =1
−1
− 12
− 14
1 4
1 2
1
x
Figura 4:
Figura 1.1. A funçaĚƒo-teste Ď• (x) para diferentes valores de .
Um outro exemplo importante de funçaĚƒo-teste, tambeĚ m jaĚ apresentado f (x) no volume 2, estaĚ relacionado com a funçaĚƒo caracterÄąĚ stica χU (x) Ď€
2
1.1. DefiniçoĚƒes e propriedades baĚ sicas de um conjunto U , definida como ( 1, x ∈ U, χU (x) = 0, x ∈ / U. Seja U = (a, b) e U = (a − , b + ). Vamos definir ΡU (x) atraveĚ s de Z ΡU (x, ) =
∞
−∞
χU2 (u)Ď• (x − u) du =
Z
∞
−∞
χU2 (x − u)Ď• (u) du.
Das propriedades das funçoĚƒes χU e Ď• segue (veja volume 2) que 0 ≤ ΡU (x, ) ≤ 1, ΡU (x, ) = 1, ΡU (x, ) = 0,
x ∈ U ,
x∈ / U3 ,
e, como ΡU (x, ) eĚ infinitamente diferenciaĚ vel, temos que ΡU (x, ) eĚ uma funçaĚƒo-teste. Outros exemplos seguem quando notamos que, se f (x) eĚ uma funçaĚƒo analÄąĚ tica e φ(x) uma funçaĚƒo-teste, entaĚƒo f (x)φ(x) eĚ uma funçaĚƒo-teste. Podemos ainda construir outros exemplos de funçoĚƒes-teste atraveĚ s de um processo denominado regularizaçaĚƒo, ou, mais especificamente, regularizaçaĚƒo por convoluçaĚƒo, que consiste em definir, dada uma funçaĚƒo f (x) de classe C k (k ≼ 0), uma funçaĚƒo f (x) atraveĚ s de Z f (x) =
f (y)Ď• (x − y) dy.
EstaĚ claro que f (x) eĚ infinitamente diferenciaĚ vel. AleĚ m disso, se supp f ⊆ UR , entaĚƒo supp f ⊂ UR+ . Logo f (x) eĚ uma funçaĚƒo-teste. Vamos agora introduzir uma noçaĚƒo de convergeĚ‚ncia em D. Dizemos que uma sequeĚ‚ncia de funçoĚƒes {φk }∞ k=1 ∈ D converge para φ ∈ D se (i) ∃R > 0, tal que supp φk ⊂ UR ; (ii) para cada Îą as derivadas DÎą φk convergem uniformemente para DÎą φ. Denotaremos isso simplesmente por φk → φ, para k → ∞. Definimos uma distribuiçaĚƒo como um funcional linear contÄąĚ nuo no espaço das funçoĚƒes-teste D. Outra denominaçaĚƒo para distribuiçaĚƒo eĚ funçaĚƒo generalizada e a justificativa para isso logo ficaraĚ clara. Denotaremos o espaço das distribuiçoĚƒes por D0 . Se estamos considerando apenas uma regiaĚƒo U ⊂ Rn , usaremos a notaçaĚƒo D0 (U ).
3
1. Introdução às distribuições Vamos denotar por (f, φ) o valor da distribuição f na função-teste φ.1 A propriedade de linearidade de f significa obviamente que (f, aφ + bψ) = a(f, φ) + b(f, ψ), onde a, b ∈ R (ou C, quando for o caso). Já por funcional contı́nuo entendemos que, se φk → φ em D, então (f, φk ) → (f, φ), para k → ∞. Devido à linearidade de D, podemos ainda simplificar essa propriedade como: se φk → 0 em D, então (f, φk ) → 0, para k → ∞. Com isso já podemos ver que o espaço das distribuições D0 é um espaço linear. De fato, definindo af + bg, (a, b ∈ R), através de (af + bg, φ) = a(f, φ) + b(g, φ), é um simples exercı́cio mostrar que af + bg é um funcional linear contı́nuo em D. Definimos a convergência em D0 dizendo que a sequência de distribuições {fn } é convergente se (fn , φ) for convergente no sentido numérico usual para todo φ ∈ D. Seja o limite (f, φ) = lim (fn , φ), n→∞
∀φ ∈ D.
Não é difı́cil vermos que f é uma distribuição. Da sua própria definição fica também claro que uma distribuição não tem seu valor determinado por um ponto ou por pontos separados, mas sim por toda uma região U ⊆ Rn . Dizemos que f é nula em U se (f, φ) = 0, ∀φ ∈ D(U ) e f = g em U , se a diferença f − g for a distribuição nula em U . A coleção de todos os abertos Ui nos quais a distribuição f é nula é chamada conjunto nulo de f , denotado por O(f ). O complemento de O(f ) em Rn é o suporte da distribuição f , supp f = {O(f ) = Rn \O(f ).
Um primeiro exemplo de distribuição é dado pelas distribuições regulares. Dada uma função f (x) localmente integrável em Rn , definimos, para φ(x) ∈ D, Z (f, φ) = f (x)φ(x) dx. 1
4
Uma notação alternativa é f [φ] e essa notação deixa claro o caráter de funcional de f , mas mesmo assim iremos continuar com a notação (f, φ), pois se trata da mais usual.
1.2. Distribuições singulares A linearidade e a continuidade de (f, φ) são imediatas e com isso definimos uma distribuição f dita regular. Note que necessitamos apenas que a função seja localmente integrável em vez de integrável em virtude da presença da função-teste na integração. Além disso, como consequência dos teoremas dos cursos de análise, vemos que, se f e g são duas funções contı́nuas que definem a mesma distribuição regular, então f e g são idênticas. Mais ainda, se duas distribuições regulares são tais que (f, φ) = (g, φ), ∀φ ∈ D, então f e g diferem no máximo em um conjunto de medida nula. Se denotarmos por [f ] a classe de equivalência das funções que diferem de f (x) por um conjunto de medida nula, podemos pensar na distribuição regular correspondente como simplesmente uma outra interpretação para essa classe de equivalência. Outro fato a ser notado é que, uma vez que uma função-teste claramente define uma distribuição regular, temos D ⊂ D0 . Exemplo 1.1. As distribuições xλ± com Re λ > −1 definidas como xλ± = |x|λ H(±x),
(1.2)
onde H(·) denota a função degrau de Heaviside, são distribuições regulares, uma vez que as integrais Z ∞ Z 0 (xλ+ , φ) = xλ φ(x) dx, (xλ− , φ) = (−x)λ φ(x) dx −∞
0
são convergentes.
1.2. Distribuições singulares O interesse na teoria das distribuições começa quando passamos a considerar as distribuições não regulares, ou melhor, distribuições singulares. O exemplo mais importante e mais conhecido de uma distribuição singular é a função delta de Dirac, denominação esta obviamente imprópria mas usual e estabelecida por motivos históricos. A função delta de Dirac δ é definida através de (δ, φ) = φ(0)
(1.3)
Uma simples generalização consiste na função delta de Dirac δa definida como (δa , φ) = φ(a) (1.4)
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1. IntroduçaĚƒo aĚ€s distribuiçoĚƒes Como naĚƒo se trata de uma distribuiçaĚƒo regular, naĚƒo existe uma funçaĚƒo integraĚ vel δ(x − a), tal que Z φ(a) = δ(x − a)φ(x) dx. (1.5) De fato, se existir δ(x) satisfazendo a Eq. (1.5), temos, tomando a = 0 e φ(x) = Ď• (x) como na Eq. (1.1), Z C 2 2 2 = C δ(x)e− /( −x ) dx, (δ, Ď• ) = Ď• (0) = e − e, se δ(x) eĚ integraĚ vel, essa uĚ ltima integral se anula para → 0, que eĚ uma contradiçaĚƒo e que nos leva aĚ€ conclusaĚƒo de que naĚƒo existe tal funçaĚƒo. PoreĚ m, eĚ muito comum encontrarmos a expressaĚƒo Eq. (1.5) nos livros envolvendo aplicaçoĚƒes da teoria de distribuiçoĚƒes. Podemos usar essa expressaĚƒo desde que esteja claro que ela se trata essencialmente de uma notaçaĚƒo muitas vezes uĚ til e que tem como significado justamente o lado esquerdo da Eq. (1.5). TambeĚ m podemos lembrar da primeira introduçaĚƒo aĚ€ funçaĚƒo delta de Dirac feita no volume 2, atraveĚ s das sequeĚ‚ncias delta {δn (x − a)}∞ n=1 , e interpretar o lado direito da Eq. (1.5) como Z Z δ(x − a)φ(x) dx = lim δn (x − a)φ(x) dx, n→∞
que tem obviamente como resultado φ(a). Definimos assim uma sequeĚ‚ncia de distribuiçoĚƒes regulares atraveĚ s de (δn , φ) que converge em D0 para a funçaĚƒo delta. Alguns exemplos de sequeĚ‚ncia delta saĚƒo: n 1 , Ď€ 1 + n2 x2 1 sen2 nx (iii) δn (x) = , nĎ€ x2 (i)
δn (x) =
n 2 2 (ii) δn (x) = √ e−n x , Ď€ (iv) δn (x) = nJn (n(1 + x)),
onde Jn (x) denota a funçaĚƒo de Bessel de primeira espeĚ cie e ordem n. Com essa notaçaĚƒo envolvendo o sÄąĚ mbolo de integraçaĚƒo e em termos de coordenadas cartesianas, eĚ imediato que δ(x − a) = δ(x1 − a1 ) ¡ ¡ ¡ δ(xn − an ).
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(1.6)