De Olinda a Holanda
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universidade estadual de campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador Geral da Universidade Alvaro Penteado Crósta
Conselho Editorial Presidente Eduardo Guimarães Esdras Rodrigues Silva – Guita Grin Debert João Luiz de Carvalho Pinto e Silva – Luiz Carlos Dias Luiz Francisco Dias – Marco Aurélio Cremasco Ricardo Luiz Coltro Antunes – Sedi Hirano
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Mariana de Campos Franรงozo
de olinda a holanda o gabinete de curiosidades de nassau
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Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Em vigor no Brasil a partir de 2009.
ficha catalográfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp diretoria de tratamento da informação
F849d
Françozo, Mariana de Campos. De Olinda a Holanda: O gabinete de curiosidades de Nassau / Mariana de Campos Françozo – Campinas, sp: Editora da Unicamp, 2014. 1 . Nassau, Maurício de, 1604 - 1679 . 2 . Antropologia – Miscelânea. 3 . Etnologia – Miscelânea. 4 . Cultura material. 5 . Brasil – História – Domínio holandês, 1624 - 1654 . 6 . Brasil – História – Período col o nial, 1500 - 1822 . I . Título.
cdd 301.2 306 981.03 e-isbn 978-85-268-1238-3
Índices para catálogo sistemático:
1. Nassau, Maurício de, 1604-1679 301.2 2. Antropologia – Miscelânea 301.2 3. Etnologia – Miscelânea 301.2 4. Cultura material 306 5. Brasil – História – Domínio holandês, 1624-1654 981.03 Brasil – História – Período colonial, 1500-1822 981.03 6.
Copyright © by Mariana de Campos Françozo Copyright © 2014 by Editora da Unicamp As imagens deste livro foram adquiridas com o apoio da Faculdade de Arqueologia da Universidade de Leiden, Holanda. Direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19.2.1998. É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização, por escrito, dos detentores dos direitos. Printed in Brazil. Foi feito o depósito legal. Direitos reservados à Editora da Unicamp Rua Caio Graco Prado, 50 – Campus Unicamp cep 13083-892 – Campinas – sp – Brasil Tel./Fax: (19) 3521-7718/7728 www.editora.unicamp.br – vendas@editora.unicamp.br
agradecimentos
Este livro é uma versão revista da tese de doutorado defendida em novembro de 2009, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), Unicamp, sob orientação de John Manuel Monteiro. Aos membros da banca de defesa da tese, Heloisa Pontes, Silvia Hunold Lara, Cristina Pompa e Paulo César Garcez Marins, agradeço pelas leituras cuidadosas, pelas arguições generosas e pelo diálogo que temos continuado desde então. Durante os anos do doutoramento, contei com uma bolsa do CNPq, que tornou possível minha dedicação integral à pesquisa. Ao CNPq devo agradecer ainda pela concessão de uma bolsa de doutorado-sanduíche na Holanda, sem a qual teria sido impossível realizar a pesquisa necessária para este livro. Agradeço também ao Centro de Estudos e Documentação sobre América Latina (Cedla) da Universidade de Amsterdã e especialmente a meu coorientador Michiel Baud, que me recebeu para dois períodos de pesquisa na Holanda. Ali, agradeço a Ernst van den Boogaart, Roelof van Gelder, Henk van Nierop, Benjamin Teensma, Geert Banck e Michael Pye (a distância), que generosamente me receberam e compartilharam sua sabedoria comigo. Aos colegas Bruno Miranda, Lodewijk Hulsman, Daniel de Souza Leão, Daniel Breda, Lúcia Xavier e René Lommez Gomes, pela possibilidade de novas conversas sobre velhos assuntos. Ao Grupo Coimbra-União Europeia e à Universidade de Aarhus, agradeço pelo financiamento de um breve período de pesquisa na Dinamarca. A Peter Bjerregaard e Anne Line Dalsgaard, pelo acolhimento
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em Moesgaard, e a Inger Sjoerslev e Barbara Berlowicz, pelo apoio à pesquisa e acesso ao Museu Nacional da Dinamarca. No período de revisão e reescrita do livro, fui contemplada com uma bolsa pós-doutoral da Fundação Fritz-Thyssen — Herzog Ernst Fellow ship, à qual agradeço pela possibilidade de uma estadia de pesquisa na Biblioteca Forschungsbibliothek Gotha, da Universidade de Erfurt, Alemanha. Ali, agradeço a toda a equipe do Forschungszentrum Gotha, aos funcionários da biblioteca e aos colegas de pesquisa, especialmente a Peter J. Yoder. Para a composição final deste livro, foi fundamental o apoio da Fa culdade de Arqueologia da Universidade de Leiden e especialmente de Willem Willems, pelo financiamento para obtenção dos direitos de reprodução das imagens. À Fapesp, agradeço pelo auxílio-publicação, que tornou possível a materialização do livro em sua forma final. Agradeço, ainda, a Silvia Lara pela ajuda generosa com o pedido do auxílio-publicação. Aos amigos que vêm me incentivando desde o doutorado: Elciene Azevedo, Claudia Leal, Ana Paula Palamartchuk, Chris Tambascia, Gabor Basch, Marilia Giesbrecht, Daniela Araújo, Nashieli Rangel, Elaine Dias, Malu Scaramella. Especialmente a Luiz Gustavo Freitas Rossi, que fez a pergunta certa na hora exata: “E o livro?”. Aos novos amigos que me apoiaram durante a finalização do livro, especialmente a Filipa Ribeiro da Silva, Catia Antunes, Laura van Broekhoven e Alex Geurds. Aos amigos que me acompanham nos meus velhos e novos caminhos: Leonie Ansems de Vries, Barbara Consolini, Michiel van Groesen e Maartje van Gelder. Para todos, fica aqui meu sincero muito obrigada. Aos meus pais, Edson e Fátima, e a minha irmã, Laura, agradeço pela presença e pelo apoio constantes. Finalmente, gostaria de expressar minha gratidão e minha dívida para com John Monteiro, que me orientou de forma rigorosa, confiante e bem-humorada durante toda a minha formação acadêmica. Dedico este livro a sua memória com saudades.
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De Olinda a Olanda não há mais que a mudança de um i em a, e esta vila de Olinda se há de mudar em Olanda e há de ser abrasada pelos olandeses antes de muitos dias; porque pois falta a justiça da terra há-de acudir a do céo. Frei Antônio Rosado, 1629
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sumário
lista de abreviaturas . .................................................................... apresentação
–
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coleções e saberes : cruzando história e
antropologia . ............................................................................
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prefácio . .........................................................................................
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introdução .....................................................................................
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— os holandeses e o atlântico ................................... Holandeses no Atlântico . ........................................................... Um mundo de coisas . ................................................................... Um mundo de saberes . ................................................................. Os brasilianos e a conquista . ....................................................... O conde de Nassau .......................................................................
capítulo 1
45 45 52 61 68 78
— nassau no brasil : criando a coleção ...................... 85 A comitiva de Nassau ................................................................... 85 O palácio e o jardim de Vrijburg . ................................................ 93 Papagaios, penas e plumas ........................................................... 103 Sobre a dádiva, parte 1 ................................................................. 115
capítulo 2
capítulo 3
—
entre o brasil e a europa : circulação de
saberes ............................................................................................. 129
Representações da natureza.. ........................................................ 130 A História natural do Brasil ......................................................... 141 Caspar Schmalkalden: contraponto? ............................................ 156
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A circulação de saberes . ............................................................... 164 capítulo 4
—
nassau na europa : a dispersão da coleção .............
169
Haia, 1644.................................................................................... 170 “A joia mais ilustre de sua casa” .................................................. 176 Desfiles, bailes e mascaradas . ...................................................... 188 Sobre a dádiva, parte 2 ................................................................. 202 Maurício, o Brasileiro? ................................................................. 227 epílogo
—
traficante do exótico ................................................. 231
fontes e bibliografia ...................................................................... 235
Fontes manuscritas.. .......................................................................... 235 Fontes impressas............................................................................... 236 Bibliografia ........................................................................................ 240 caderno de imagens . ...................................................................... 257
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lista de abreviaturas
FB — Forschungsbibliothek Gotha (Biblioteca de Pesquisa de Gotha),
Gotha, Alemanha. HNB — Willem Piso & Georg Markgraf, Historia naturalis Brasiliae, editado e anotado por Johannes de Laet, Amsterdã, Elsevier, 1648. KB — Koninklijke Bibliotheek (Biblioteca Real), Haia, Holanda. KBD — Kongelige Bibliotek (Biblioteca Real), Copenhague, Dinamarca. KHA — Koninklijk Huisarchief (Arquivo da Casa Real), Haia, Holanda. LP — Libri principis, Rio de Janeiro, Index, 1995, 2 vols. (Coleção Brasil Holandês). NA — Nationaal Archief (Arquivo Nacional), Haia, Holanda. OWIC-OBP — Oud West-Indische Compagnie, Overgekomen Brieven en Papiëren uit Brazilië en Curaçao (Antiga Companhia das Índias Ocidentais, Cartas e Papéis vindos do Brasil e de Curaçao). VOC — Verenigde Oostindische Compagnie (Companhia das Índias Orientais). WIC — West Indische Compagnie (Companhia das Índias Ocidentais).
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apresentação
coleções e saberes : cruzando história e antropologia
Em 1637, o conde alemão João Maurício de Nassau-Siegen desembarcou no Recife, com a missão de governar a colônia neerlandesa no Brasil. E foi na condição de governador-geral que ele, aos 33 anos de idade, deu início aos encargos políticos e militares para os quais havia sido designado pelos Estados-Gerais dos Países Baixos. O seu interesse pelos trópicos (para a nossa sorte) era muito maior do que a esfera de seu objetivo imediato: administrar o Brasil Holandês. Entre os planos de Nassau estava a exploração científica e artística das novas terras. Desejoso de conhecer “tudo aquilo que de maravilhoso e curioso a América tinha a apresentar” — e a lhe oferecer —, Nassau canalizou a curiosidade na montagem de sua coleção, formada durante os sete anos em que permaneceu no país. Composta por espécies vegetais e animais, anotações sobre a flora e a fauna do Brasil, retratos e paisagens, artefatos confeccionados pelos diversos grupos com quais, direta ou indiretamente, estabelecera contato, seu raio de extensão na vida de Nassau foi enorme e teve desdobramentos inusitados, como nos mostra Mariana de Campos Françozo. Prismático como a coleção de Nassau, o livro da autora, De Olinda a Holanda, irradia-se por muitas direções. Antropóloga com sólida formação, Mariana debruçou-se sobre essa coleção com um duplo propósito: entender as condições de produção e a dinâmica da construção dos saberes coloniais; perscrutar os sentidos e os usos que Nassau conferiu à coleção após o retorno, em 1644, à cidade de Haia, então capital dos
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Países Baixos. O acompanhamento minucioso do desmonte dessa coleção, que foi sendo dada aos pedaços pelo próprio Nassau, sob a forma de presentes, para pessoas específicas, permite entender “o valor simbólico dos objetos que a compunham e o seu significado como conjunto”. Até a primeira metade da década de 1650, Nassau, segundo a intérprete, “usou seus artefatos e objetos brasileiros e africanos como mecanismo para se inserir nos círculos de poder mais importantes do norte protestante”. Distribuindo-os para figuras-chave do cenário político pro testante daquele período, Nassau firmou a sua posição e “garantiu que seu nome ficaria sempre associado àqueles objetos e, mais importante, ao seu governo no Brasil”. Valendo-se do registro etnográfico e da visada em grande angular da história, Mariana Françozo entrelaça a análise da trajetória dessa coleção ao universo de conhecimento produzido na Europa sob o Novo Mundo. Atenta à circulação de objetos e saberes e às implicações políticas e epistemológicas envolvidas nesses circuitos transnacionais, Mariana é hábil no manejo dos achados da antropologia e do legado da historiografia sobre o período. Sua desenvoltura no cruzamento das duas disciplinas, aliada ao domínio do alemão e do holandês, essencial para a leitura das fontes pesquisadas, garante o ineditismo da empreitada, completado pelos sucessivos pontos de vista de conjunto que ela mobiliza ao longo da análise. Assim como Fernand Braudel, Mariana sabe que “não há cortes sincrônicos simples demais, prontos a surgir à primeira necessidade de argumentação”1. Os recortes temporais adotados para seguir a trajetória da coleção de Nassau — e sua inscrição no universo da diplomacia, da política e das dádivas que circulavam nas cortes europeias — funcionam como “observatórios cômodos, de onde [se pode] olhar rio acima e abaixo, segundo o escoamento do tempo, as paisagens e realidades que se descobrem a nossos olhos”2. A imagem expressiva de Braudel aplica-se bem à maneira como Mariana se apro1
Cf. Fernand Braudel, O modelo italiano. Trad. Franklin de Mattos. São Paulo, Companhia das Letras, 2007, p. 29.
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xima da história para descortinar uma infinidade de implicações, sugestões e descobertas propiciadas pelo estudo em filigrana de uma coleção particular. A armação teórica e empírica do trabalho deve muito à trajetória intelectual da autora e à estreita ligação entre o seu mestrado e o doutorado, das quais resultou este livro. Não no plano dos objetos estudados, mas no jeito de abordá-los. No mestrado, Mariana analisou a experiência de Sérgio Buarque de Holanda no Museu Paulista — decisiva para entendermos o impacto e o uso que ele fez da etnologia alemã em sua obra historiográfica. Interessada nas correlações entre autor, obra e contextos intelectuais e institucionais precisos, Mariana mostrou, em Um outro olhar: A etnologia alemã na obra de Sérgio Buarque de Holanda, que o estudo da cultura material, importantíssimo para a compreensão da dinâmica do contato entre colonizadores e indígenas no Novo Mundo, permitiu ao historiador captar o “Brasil em movimento”3. O uso que Sérgio Buarque de Holanda fez do conceito de cultura material aproxima-o, mostrou-nos Mariana Françozo, da etnologia alemã do século XIX. No entanto, e seguindo o raciocínio da autora, se a atenção à cultura material é semelhante, o desfecho é diverso. Para Sérgio Buarque de Holanda, ela era um recurso para explorar a intersecção, no Novo Mundo, entre a cultura nativa e a adventícia e para entender em chave renovada as implicações e as consequências do contato entre os grupos indígenas e os europeus na América Portuguesa. Desse encontro nasceu o sertanista e, com ele, a possibilidade da colonização. O contato teve efeito construtivo e não destrutivo, como pressuposto pela etnologia alemã do século XIX, mobilizada criticamente pelo historiador. Essa digressão pelo mestrado da autora é para salientar que o estudo da cultura material, da circulação de saberes, das trajetórias dos objetos moldou a sua maneira de pensar o mundo social e, por extensão, a 3
Cf. Mariana de Campos Françozo, Um outro olhar: A etnologia alemã na obra de Sérgio Buarque de Holanda. Dissertação de mestrado em antropologia, Unicamp, 2004.
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perspectiva analítica utilizada em De Olinda a Holanda. A escolha da coleção de Nassau como objeto privilegiado de estudo, inscrita no contexto mais amplo da produção e circulação de saberes pelo Atlântico, deixa entrever o modo com que Mariana Françozo se deixou impregnar pela obra de Sérgio Buarque de Holanda a partir de um lugar especí fico: o da antropóloga interessada na apreensão da historicidade ma terializada nas relações sociais e simbólicas. É desse lugar que a autora traz uma contribuição relevante a um só tempo para a história e a antropologia. O foco cruzado entre a antropologia e a história é fruto também da orientação segura e generosa que Mariana recebeu de John Monteiro no mestrado e no doutorado — concluídos em 2004 e 2009, respectivamente, no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Unicamp. Formado na melhor tradição da historiografia, reconhecido pela importância de suas contribuições à etnologia, John Monteiro tinha um faro aguçado e uma sensibilidade rara para a circunscrição de fontes pouco exploradas, mas de relevância indiscutível. E soube ensinar aos seus orientandos a enxergar nas fontes históricas indícios eloquentes de processos sociais e simbólicos mais amplos. Dito de outra maneira e com o recurso das palavras precisas do historiador Ulpiano Bezerra de Menezes, o que John Monteiro ensinou aos seus orientandos é que qualquer objeto que venha a se tornar um documento não é, tampouco encerra, “uma carga latente, definida, de informação, pronta para ser extraída, como o sumo de um limão. O documento não tem em si sua própria identidade, provisoriamente indisponível, até que o ósculo metodológico do historiador resgate a Bela Adormecida de seu sono programático”4. Sem o conhecimento do analista, não há sistema documental. Por isso, é um equívoco dizer que o historiador faz o documento falar. “É o historiador quem fala e a explicitação de seus critérios e procedimentos é fundamental para definir
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Cf. Ulpiano T. Bezerra de Menezes, “Memória e cultura memorial: Documentos pessoais no espaço público”, Estudos Históricos, 11 (21): 95, 1998.
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o alcance de sua operação.”5 Toda operação com documentos, arremata Ulpiano, “é de natureza retórica”6. A análise inovadora da coleção de Nassau e de suas ligações com a cultura visual holandesa e com o tema mais amplo da produção e circulação de conhecimento e saberes sobre o Novo Mundo na Europa, potencializada pela forma arrojada com que Mariana Françozo “faz falar” os documentos escrutinados, completa-se com a prosa apurada e o manejo seguro da arte da escrita. O resultado é um livro notável pela soma de clareza expositiva, argúcia analítica, fluência narrativa. Heloisa Pontes
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prefácio
O que o leitor tem em mãos é, antes de mais nada, um objeto. Com uma certa quantidade de folhas cheias de letras e algumas imagens, envoltas por uma capa de papel mais grosso e colorido, é um volume que pesa e ocupa espaço. O modo como foi produzido e o motivo pelo qual você o segura e lê podem ser vários. Comprado, emprestado ou recebido como presente, ele esteve em companhia de outros objetos parecidos até chegar aqui. É muito provável que, em sua casa, escritório ou biblioteca, encontre peças similares e se integre a uma coleção. Raramente buscamos livros pelo seu formato ou por suas características físicas; em geral queremos lê-los e saber o que dizem seus autores. Mas não deixa de ser interessante pensar neles de outro modo. Se é a leitura que tanto nos interessa, por que guardamos livros? Por que damos livros de presente? Onde estão os que temos? Onde ficam, quando pertencem a lugares especializados, como livrarias e bibliotecas? As perguntas podem ir ainda mais longe: quem se encarregou de escolher letras e cores, por que meios essas folhas foram impressas e juntadas; quem se encarregou de levá-las da gráfica para a editora e dali para tantos outros lugares? De que modo? Por quê? As respostas podem parecer simples, se pensarmos apenas neste volume. Nesse caso, a história começa numa tarde de verão, quando uma bela tese de doutoramento foi defendida no Departamento de Antropologia da Unicamp. Depois o texto passou por revisões, chegou à Editora da Unicamp, onde foi preparado e editado, para em seguida ser enviado para impressão em uma gráfica; ficou um tempo armazenado, 19
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até ir para as livrarias. A construção do texto e a seleção das imagens, no entanto, foi um processo mais longo, que se iniciou muitos anos antes e terminou com negociações com os museus e bibliotecas para conseguir os direitos de publicação das imagens. Para saber mais, seria preciso seguir novamente os caminhos que, da escolha do tema à redação dos capítulos, foram cuidadosamente percorridos por Mariana de Campos Françozo. Para um livro publicado no século XVII, porém, as respostas são bem mais difíceis de obter e, certamente, diferentes. O assunto não é novo na historiografia e vários autores já se ocuparam da história dos livros, de sua escrita, impressão, circulação, leitura e recepção. Seguindo esses exemplos, haveria uma longa pesquisa a fazer em busca de pistas e indícios. A consulta atenta às fontes desvendaria um mundo bem diferente do nosso, no qual a produção e a posse de livros tinham sentidos bem diversos dos de hoje. Poucos, entretanto, se debruçaram sobre o hábito de colecionar livros: Por que volumes impressos ou manuscritos se juntavam a outros? Por que, muitas vezes, integravam conjuntos de coisas diversas, interessantes e valorizadas por aquele que as reunia? Qual a relação que mantinham com essas coleções? Em geral, estamos acostumados a pensar que apenas textos e imagens são portadores de significados e constituem fonte de conhecimento. Mas, como nos mostra este admirável livro escrito por Mariana Françozo, as coleções de objetos — que podem incluir livros — também são reveladoras e interessantes para quem quer saber mais sobre o passado. Esse foi o caminho escolhido pela autora, que nos conta a história de uma coleção de curiosidades: coisas raras e excepcionais juntadas por João Maurício de Nassau, que governou a colônia neerlandesa instalada em Pernambuco entre 1637 e 1644. A ideia de colecionar coisas não era fruto de alguma característica particular de Nassau, mas um hábito comum a nobres e burgueses da época moderna. Era algo que havia se desenvolvido paralelamente à expansão europeia, quando o velho continente começou a conviver com coisas vindas da América, África e Ásia: açúcar, pimenta, madeiras, pele de animais, especiarias, marfim. O que interessava aos colecionadores 20
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