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universidade estadual de campinas Reitor Fernando Ferreira Costa Coordenador Geral da Universidade Edgar Salvadori De Decca

Conselho Editorial Presidente Paulo Franchetti Alcir Pécora – Christiano Lyra Filho José A. R. Gontijo – José Roberto Zan Marcelo Knobel – Marco Antonio Zago Sedi Hirano – Silvia Hunold Lara

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Gustavo Adolfo Ramos

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Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Em vigor no Brasil a partir de 2009.

ficha catalográfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp diretoria de tratamento da informação R147o

Ramos, Gustavo Adolfo. Obsessão e psicanálise depois de Freud / Gustavo Adolfo Ramos. – Campinas, sp: Editora da Unicamp, 2012.

1. Psicanálise. 2. Psicopatologia. 3. Neuroses. 4. Transtorno obsessivocompulsivo. I. Título. cdd 616.8917 616.8582 616.85 e-isbn 978-85-268-1096-9 616.8522 Índices para catálogo sistemático:

1. Psicanálise 2. Psicopatologia 3. Neuroses 4. Transtorno obsessivo-compulsivo

616.8917 616.8582 616.85 616.8522

Copyright © by Gustavo Adolfo Ramos Copyright © 2012 by Editora da Unicamp

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Aos meus três filhos. À minha esposa.

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Agradecimentos Ao Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá e suas então chefes Marly Lamb e Lúcia Cecília da Silva pelo apoio financeiro e logístico. À professora Viviana Carola Velasco Martínez pela administração da pesquisa que deu origem a este trabalho.

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La défécation n’est pas à dédaigner. On a pu la considérer comme la seule source de richesse intérieure: ce n’est pas faux. Effectivement, c’est dans ce moment de surgissement que les phénomènes mentaux intéressants commencent à se manifester. L’homme chez qui ce surgissement est absent reste proche du galet1. Michel Houellebecq, Rester gluant, 2002. Deus não perdoa os pecados que manda cometer. José Saramago, O Evangelho segundo Jesus Cristo, 2011. O homem é livre para poder ser castigado. José Saramago, O Evangelho segundo Jesus Cristo, 2011. Si Dieu pouvait tout à coup être condamné à vivre de la vie qu’il inflige aux hommes, il se tuerait2. Alexandre Dumas, filho em <http://www.citations-fr. com/archives/1742>. Acessado em 2/7/2012. No hay peor servidumbre que la esperanza de ser feliz. Carlos Fuentes, Diana, la cazadora solitaria, México, Alfaguara, 1994. Les forces matérielles sont redoutables, les forces psychologiques invincibles3. Gustave Le Bon, em Hier et demain, 1918/2001.

1 “A defecação não é nada desdenhável. Pode-se considerá-la como a única fonte

de riqueza interna: isso não é falso. Efetivamente, é nesse momento de eclosão que os fenômenos mentais interessantes começam a se manifestar. O homem em quem essa eclosão é ausente fica próximo da pedra”. 2 “Se Deus de repente pudesse ser condenado a viver a vida que ele inflige aos homens ele se mataria.” 3 “As forças materiais são assustadoras, as forças psicológicas, invencíveis.”

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sumário

prefácio........................................................................................................................................ 13 Referências bibliográficas............................................................................................... 29

introdução............................................................................................................................. 31 Elementos iniciais.............................................................................................................. 37 1

anos próximos a freud..................................................................................... 47 1 Fixações

libidinais e relações de objeto.............................................................. 47 2 Klein..................................................................................................................................... 57 3 Mais um pouco: influências. ................................................................................... 78 2

anos 1950. .................................................................................................................................

89

1 Maurice Bouvet: relações de objeto de um eu no limite ........................... 89 2 O obsessivo e seu desejo — Um pouco de Lacan .......................................... 110 3 De Jérôme e de morte.................................................................................................. 121 3

anos 1960. ................................................................................................................................. 137 1 O Congresso...................................................................................................................... 137 2 André Green..................................................................................................................... 185

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4

anos 1970. ................................................................................................................................. 199 1 A morte ainda................................................................................................................. 199 2 Homens e lobos............................................................................................................... 204

5

anos 1980. ................................................................................................................................. 219 1 Ainda em torno da individuação/separação . ................................................. 219 2 Mesa-redonda na América do Sul. ...................................................................... 229 3 Contestando. .................................................................................................................... 247

6

anos 1990. ................................................................................................................................. 257 1 Narcisismos....................................................................................................................... 257 2 Narcisismos ainda; uma variação no campo lacaniano . ......................... 263 3 A mãe do obsessivo, a mãe do perverso .............................................................. 266 4 Pais insuficientemente bons..................................................................................... 276 5 Psicanálise limitada. ................................................................................................... 278

7

anos 2000. ................................................................................................................................. 287 1 Um “olho” anal. ............................................................................................................. 287 2 Fairbairniana................................................................................................................. 294 3 Psicanálise, relações objetais e cognitivismo . .................................................. 307

8

terminando — uma proposta................................................................ 317 1 Ilha materna.................................................................................................................... 317 2 Breve observação sobre o fenômeno . .................................................................... 333

bibliografia............................................................................................................................ 343

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prefácio Viviana Carola Velasco Martínez

O livro que Ramos aqui nos apresenta é o fruto de uma cui­ dadosa revisão e análise do pensamento psicanalítico sobre a neurose obsessiva “depois” de Freud1. Trata-se de um material extenso e todo peculiar, pois apresenta diferentes posicionamentos e pontos de vista teórico-clínicos. Isso, por vezes, pode revelar uma franca oposição de argumentos, embora todos eles estejam fundamentados pela experiência dos seus autores. Diante de tal diversidade, Ramos desenvolve sua análise a partir de uma organização cronológica da produção escrita acerca da neurose obsessiva, e o faz de tal forma que se mantém fiel às teori-

1 Na verdade, “depois” de Freud é apenas uma forma de dizer. Pois há no texto

de Ramos uma boa discussão da neurose obsessiva em Freud e a discussão de artigos não escritos por esse autor, mas que foram publicados quando Freud ainda estava vivo e por autores do seu círculo. Mesmo assim, a expressão “depois” de Freud se justifica, uma vez que isso diz respeito a um espírito, a uma forma de representar a psicanálise que Ramos supõe estar presente no movimento psicanalítico desde há muito. 13

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zações de cada autor e à experiência clínica que avaliza tais ideias. Digo cuidadosa porque adota a neutralidade analítica necessária para poder escutar os autores e para interpretar. Isso não quer dizer que Ramos não se posicione; ao contrário, sua detalhada revisão está acompanhada de seus próprios comentários e da tarefa enriquecedora de apontar relações entre as ideias, para chegar, finalmente, à declaração do seu próprio ponto de vista, nas conclusões, ainda em diálogo com os outros autores. O livro de Ramos pode ser lido, a nosso ver, a partir de quatro eixos temáticos, cada um com sua importância, sua especificidade, mas que, juntos, contribuem para tecer parte da trama complexa do psiquismo. O primeiro desses eixos diz respeito a uma história do pensamento psicanalítico (1); o segundo refere-se à clínica propriamente dita (2); o terceiro nos fala dos aspectos socioculturais em torno da neurose obsessiva (3); e o quarto e último diz respeito ao próprio projeto de pesquisa que deu lugar a este livro e a vários outros trabalhos realizados em equipe, da qual Ramos era um dos dirigentes (4). Quanto ao primeiro eixo, o da história da psicanálise, sabemos que a neurose obsessiva, assim como a histeria, “fundou” a psicanálise. Mas, para isso, foi preciso “retirá-las” do domínio da psiquiatria, do olhar médico-organicista. No caso da neurose obsessiva, a psicanálise, com Freud, efetuou, em termos históricos, a “transposição” da obsessão do âmbito das grandes loucuras (loucura racional, loucura ma­níaco-depressiva, loucura da dúvida, loucura do tocar, loucura feminina etc.) para o da neurose. Ora, isso teve consequências do ponto de vista tanto teórico quanto clínico e político. Tomemos apenas como exemplo, nesse percurso histórico da psicanálise, as ideias de Freud sobre a etiologia da neurose obsessiva e as diversas defesas. Em torno delas vamos vendo todo um conjunto de mudanças na construção do 14

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edifício teórico-clí­nico da psicanálise. Tais mudanças vão desde a “simples” explicação pela participação ativa numa cena de abuso sexual, com o requisito de antes ter sido uma vítima passiva e também abusada, até a descrição de outros mecanismos mais complexos, principal­mente o isolamento, a formação reativa e a anulação retroativa e, além deles, uma dinâmica toda peculiar em torno seja da agressividade, seja do narcisismo. A complexidade, então, que se revela na neurose obsessiva, conforme vemos em Ramos, justifica que alguns autores a considerem uma doença grave, sobretudo pelas aproximações que podem ser feitas com a melancolia e a paranoia, o que nos levaria de volta a sua origem — à “loucura” — e a uma ampla discussão do objeto para a psicanálise. Nessa discussão sobre a neurose obsessiva e sua proximidade com quadros mais graves, as ideias de Abraham são retomadas por autores de todas as épocas, principalmente no que diz respeito às subdivisões das fases anal I e II, e os mecanismos de introjeção/ projeção ganham destaque, sobretudo porque dão lugar ao tema das relações de objeto. A ênfase nessas vinculações, afirma Ra­ mos, das relações de objeto com a patologia caracterizou a psicanálise moderna. Retomam-se, também de Abraham, as ideias sobre o objeto cuja perda não só explicará a melancolia, mas também marcará a diferença entre esta e a neurose obsessiva, pois, para esta última, o objeto desperta profunda ambivalência, diz Ramos, “de modo que o sujeito, ao mesmo tempo em que teme perder o objeto, não faz muito para retê-lo e essa seria uma grande diferença” (p. 49 adiante)2.

2 Sabemos que essas ideias já estão em Freud, mas em Abraham elas ganham

muito mais força e detalhe. 15

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É assim que encontramos no livro de Ramos uma interessante metamorfose da conceituação do objeto na história da psicanálise. O objeto ganha força, por exemplo, nas teorizações de Klein — fortemente influenciada por Abraham —, embora seja de um ponto de vista predominantemente fantasmático; dessexualiza-se sob a autoria de M. Mahler, de grande parte da Psicologia do Ego e dos pós-kleinianos, substituindo-se o sexual pelo apego, pelo amor ou por sua falta, isto é, o edípico e o sádico-anal cedem lugar à oralidade, e esta acaba dando lugar a uma espécie de “purificação”, de forma que o pulsional acaba sendo deixado de lado. Estamos no âmbito das teorias ditas das relações objetais, e o destaque é colocado na díade mãe–filho. Se, por um lado, o livro de Ramos se refere a esse movimento histórico de dessexualização da psicanálise, de outro, também nos propõe uma volta, uma recuperação do psicanalítico. Obviamente, não se trata de negar a vital importância da relação mãe–criança e desse ponto de vista, mas de recolocar o que de sexual há aí. É assim que, de outro modo, o objeto adquire na atualidade, e principalmente com Laplanche, não só a sua autonomia em relação ao sujeito, mas revela também uma dinâmica própria que afeta, provoca, seduz o pequeno ser que acaba de chegar ao mundo. Trata-se, sobretudo, da sexualidade do objeto a fundar o psiquismo da criança, sexualidade essa que se faz excessiva e enig­ mática para ela e que, portanto, a interroga. Para Laplanche, o apego, nessa relação adulto–criança, é imediatamente recoberto pela sexualidade polimórfica e perversa, e por isso inconsciente, do adulto, numa relação de total assimetria. Assimetria porque a criança, que nem inconsciente “tem”, depende totalmente dos cuidados do outro. Diremos que com Laplanche se recupera a especificidade da psicanálise quanto ao seu objeto, que é o sexual. 16

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Ainda em relação ao objeto na neurose obsessiva, Ramos ­aponta para um deslocamento, ao longo da história da psicanálise, da figura do pai para a da mãe e, com Laplanche, para o adulto que cuida de modo geral. Se com Freud, no início do século XX, temos um predomínio fantasmático da figura paterna no que tange à neurose obsessiva, e eis aí o pai do Homem dos Ratos como testemunha, com Zetzel, com Blum e com os kleinianos e os pós-kleinianos há, a partir da segunda metade do século, uma espécie de “recuperação” da mãe e de sua função de maternagem que falha, digamos, que terá como correspondente um pai tido como “fraco”. Winnicott, por exemplo, afirma Ramos, ao interpretar o caso Frankie no 24o Congresso da International Psychoanalytical Association (IPA), de 1965, sobre a neurose obsessiva, “enfatiza a ideia de um funcionamento mental dissociado específico e essencial” (p. 170 adiante), decorrente da relação com uma mãe impossibilitada de cumprir sua função integradora, de ser uma mãe suficientemente boa, relata-nos ainda Ramos. É nesse sentido que a intervenção de Winnicott se atém a um detalhe em particular do relato, que faz girar em torno da relação do paciente com uma mãe incapaz de cumprir sua função de manter e sustentar, porque ela mesma estava dissociada. E o comentário de Ramos: Vemos, então, levado ao máximo, o que Anna Freud relatava e criticava em relação às exposições de muitos participantes do Congresso e que diz respeito à ênfase dada ao papel da mãe, aos anos muito precoces e, sobretudo, ao que conhecemos por holding. Pode-se notar que, no discurso de Winnicott, a pulsão desaparece; na verdade, não é mencionada e menos ainda lhe é dado um papel causal. (p. 172 adiante)

Já na psicanálise francesa, o destaque dado à figura da mãe (ou mesmo do pai) gira em torno do que ela tem de sedutora. Com 17

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Laplanche (1999), por exemplo, é necessário que a mãe seja “suficientemente má”, capaz de seduzir sua criança e, ao mesmo tempo, fornecer-lhe recursos para traduzir, organizar o que lhe foi comunicado de forma enigmática e, portanto, inconsciente. Isso implica que essa relação diádica necessariamente remeterá a um terceiro, pois a mãe que cuida um dia foi a criança seduzida — uma sedução generalizada —, o que, por sua vez, deu lugar a seu inconsciente, e assim sucessivamente. Quanto ao Édipo, comentaremos apenas que, para Laplanche, ele é o resultado da defesa, uma tradução ante a mensagem enigmática do adulto. O mesmo podemos dizer de Lacan e dos lacanianos mais atuais, para quem a mãe do obsessivo seduz, mas o faz dentro de uma cena edípica em que, como solução possível, é necessário acrescentar um quarto elemento, a morte. Mata-se o pai para realizar a cena incestuosa com a mãe, mas, ao mesmo tempo, é necessário ressuscitá-lo, precisamente para impedir tal realização. Lembremos da célebre frase de Freud, retomada por Ramos, do “Homem dos Ratos”: “Antes de tudo, os obsessivos necessitam da possibilidade da morte para resolver seus conflitos” (apud Leclaire, 1956, p. 111). É dessa maneira que Ramos nos leva pelo pensamento de um grande número de autores, alguns mais conhecidos e outros menos, mas todos interessantes, que são os construtores de toda essa história. Para finalizar as considerações sobre o que denomino eixo histórico, chamo atenção — apenas chamo a atenção — para os conflitos da psicanálise, que levam à criação de escolas ou linhas. São célebres as disputas da filha de Freud com M. Klein, sabemos, que marcaram uma das primeiras cisões dentro da psicanálise. De um modo ou de outro elas estão muito presentes nesse 24o Congresso, embora Melanie Klein já estivesse morta a essa altura. Dessa primeira divisão surgiram outras tendências. Ora, isso não é muito mais que o esperado, no entanto, o que surpreende é 18

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a forte dessexualização da psicanálise que se dá nessas tendências, apesar de todo o esforço tanto de Klein como de Anna Freud em serem fiéis ao que há de psicanalítico na psicanálise. Entre essas tendências dessexualizadoras, podemos citar a psicanálise das relações objetais, que tem Winnicott como seu representante mais conhecido, e a Psicologia do Self, criada por Kohut, a partir da Psicologia do Ego, de Hartman e Loewenstein, e que tem como precursora a própria Anna Freud. Contudo, como dissemos, outras tendências, como a da psicanálise francesa, sobretudo com Lacan e Laplanche, reivindicam um retorno a Freud e, portanto, ao sexual. Passemos, pois, ao eixo da clínica. Vemos desfilar no texto de Ramos, além das inestimáveis contribuições de Freud, as de diversos autores como Abraham, Klein, Anna Freud, Fairbairn, Lacan, Bouvet, Leclaire, Laplanche e uma sucessão de teóricos de cada tempo e suas contribuições, suas interpretações. Todos, de alguma maneira, desvendam um ser humano extremamente vulnerável que deverá cumprir sua missão de sair do mundo da loucura, às vezes sem muito sucesso. Daí a proximidade, ou melhor, os limites tênues entre a neurose obsessiva e o universo das patologias narcísicas (entre elas as psicoses) a que nos referimos. Contudo, o eu, na neurose obsessiva, voltemos a ele, diferentemente destas últimas patologias, continua investindo o objeto, um objeto incestuoso, embora o faça de maneira narcísica. Isso, por sua vez, levará a que se façam importantes distinções com consequências para a clínica e novas teorizações. Vejamos que no livro de Ramos encontramos diversos pontos de vista, decorrentes da constatação quase unânime de que a neurose obsessiva é uma patologia grave. Esse autor falar-nos-á, então, do que podemos considerar se tratar de um diagnóstico — pois, provavelmente, a primeira interrogação que se coloca o analista seja 19

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em torno de saber se está diante de uma neurose obsessiva ou diante de um outro quadro — e discutirá os diversos posicionamen­tos dos autores a esse respeito. Há autores, Ramos nos diz, que ques­ tionam a especificidade da neurose obsessiva em relação à psicose. Pensam que haveria sempre no obsessivo uma espécie de vocação que levaria o sujeito na direção das psicoses. É assim que, para autores como Glover, Bouvet e outros, a neurose obsessiva constituise em uma defesa contra a psicose. Citemos Ramos a esse respeito: Glover teria muito bem mostrado que a “técnica” obsessiva (deslocamento, isolamento, simbolização) permitiria ao sujeito a manutenção de relações de objeto “concretas e estáveis”, na medida em que evitaria a introjeção de objetos maus “irremediáveis”. Em outras palavras, isso quereria dizer que a neurose obsessiva seria uma garantia contra a psicose. [...] Nesse sentido, uma vez que a técnica obsessiva envolve a regressão, essa última teria um valor positivo como defesa. Bouvet, então, nos diz que, levando isso em conta, não haveria, de fato, nenhum interesse em simplesmente destruir a relação de objeto neurótica, porque a psicose que aí estaria mascarada viria, então, a se fazer presente e amplificada. Portanto, a relação obsessiva teria um caráter vital (p. 94 adiante).

Aliás, mais que isso, a agressividade na neurose obsessiva, que é um de seus aspectos mais importantes, também seria uma forma de preservação — também contra a psicose e a desorganização do eu —, uma demanda de amor, para Bouvet, mas “sem solução, perdida e impossível de ser satisfeita ou respondida” (Ramos, p. 103 adiante). Diferentemente, outros autores, principalmente os lacanianos, consideram que uma estrutura clínica não poderia se transformar em outra. Se uma neurose obsessiva, afirmam, revelar mais adiante uma psicose, não é porque uma estrutura tenha se modificado em outra, mas, provavelmente, isso se deve a que a estrutura psicó20

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