Copyright © 2012 by William J. Broad título original The Science of Yoga capa Silvana Mattievich foto de capa Dougal Waters/Getty Images foto do autor Della Bass diagramação Impresso no Brasil Printed in Brazil 2013 cip-brasil. catalogação na fonte sindicato nacional dos editores de livros, rj B88m Broad, William J. A moderna ciência do yoga: os riscos e as recompensas / William J. Broad; tradução Mônica Maia; ilustrações Bobby Clennell. – Rio de Janeiro:Valentina, 2013. 288p.: il.; 23 cm. Tradução de: The science of yoga ISBN 978-85-65859-02-8 1. Ioga. 2. Corpo e mente. 3. Qualidade de vida. I. Título. 12-6841
cdd: 613.7046 cdu: 613.72
Todos os livros da Editora Valentina estão em conformidade com o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Todos os direitos desta edição reservados à Editora Valentina Rua Santa Clara 50/1107 – Copacabana Rio de Janeiro – 22041-012 Tel/Fax: (21) 3208-8777 www.editoravalentina.com.br
Para Nancy In Memoriam
Não há assunto que esteja tão envolvido em mistério e que sobre o qual alguém possa escrever o que quiser sem risco algum de ser contestado. — I.K. Taimni, químico, professor e pesquisador indiano, sobre a obscuridade do yoga
Sumário
Lista de Ilustrações
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Personalidades Principais
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Estilos de Yoga
21
Cronologia
23
Prólogo
31
1 Saúde
45
2 Aptidão Física Total
81
3 Disposição e Humor
115
4 O Risco de se Machucar
145
5 Cura
183
6 Sexo Divino
211
7 Inspiração
247
Epílogo
269
Agradecimentos
278
Prólogo
O
yoga está em toda parte entre os instruídos e os abastados. A flexibilidade, o alongamento e a respiração profunda se tornaram uma espécie de oxigênio para o espírito moderno, como uma volta pelos bairros nobres pode rapidamente comprovar. A área construída dos novos condomínios prevê até estúdios de yoga como atrativos. Os cruzeiros marítimos procuram angariar instrutores de yoga, assim como os resorts tropicais. Centros para a terceira idade e museus para crianças* oferecem alongamento como um benefício a mais — Olá, papais e mamães, entrar em forma pode ser divertido. Estrelas de Hollywood e atletas profissionais fazem juras de amor. Médicos o prescrevem como terapia natural. Hospitais oferecem aulas para iniciantes, como também muitas escolas de ensino médio e faculdades. Psicólogos clínicos recomendam aos pacientes tentar o yoga contra a depressão. Gestantes o praticam (com muita cautela) como uma forma de cuidados pré-natais. Os coordenadores de workshops de pintura e redação criativa colocam seus discípulos para fazer yoga com o objetivo de lhes provocar o espírito criativo. As escolas de teatro também. Músicos utilizam o yoga para se acalmarem antes de entrar no palco. Isso sem mencionar as aulas regulares. Em Nova York, onde trabalho, parece que um estúdio de yoga é aberto a cada quarteirão.Você também pode fazer aulas em Des Moines e em Dushanbe, no Tajiquistão. Antes uma prática esotérica dirigida a poucos, o yoga se tornou um fenômeno global e também um ícone de serenidade, algo que repercute profundamente as tensões urbanas. Em 2010, a cidade de Cambridge, em Massachusetts, começou a estampar em seus tíquetes de estacionamento uma série de posturas tranquilizantes de yoga.
* Há um nicho de museus nos Estados Unidos devotados exclusivamente às crianças, e centenas deles em todo o mundo. Existem 200 museus focados em programas de educação e entretenimento infantil que recebem mais de 30 milhões de crianças e pais anualmente. (N. da T.)
A MODERNA CIÊNCIA DO YOGA
A popularidade do yoga aumenta não só por causa de sua aptidão para eliminar o estresse, mas porque as suas tradições representam um atraente contraponto à vida moderna. É natural e descolado, centrado e antigo — uma espécie de pílula anticivilização que pode neutralizar a influência dissipadora da internet e o fluxo de informações que todos nós enfrentamos. A serenidade antiga que nos oferece um novo tipo de consolo. Um indício da ascendência social do yoga é o quanto os seus espaçosos centros têm sido instalados em locais antes ocupados por igrejas, mosteiros e seminários, em cenários frequentemente campestres e inspiradores. Kripalu, em mais de 1,2 km2 das Berkshires, no oeste de Massachusetts, era um seminário jesuíta. Cada ano a escola de yoga nesse centro forma centenas de novos professores. E eles produzem milhares de yogis e yoginis. Até a Casa Branca adotou o yoga. Michelle Obama fez disso parte do Let’s Move — seu programa nacional com exercícios para crianças, que procura combater a obesidade. A primeira-dama fala sobre o yoga em visitas escolares e destaca a disciplina no Easter Egg Roll anual, o maior evento público do calendário da Casa Branca. Iniciado em 2009, o Egg Roll tem apresentado repetidamente o Yoga Garden, um Jardim do Yoga, com coloridos mats, os “tapetinhos” utilizados para a prática do yoga, e professores prestativos. As sessões começam cedo e se prolongam ao longo de um dia inteiro. Em 2010, nos gramados da Casa Branca, um adulto vestido como O gatola da cartola — personagem do livro do Dr. Seuss — fez uma postura de pé na qual equilibrava-se sobre uma só perna. Uma demonstração mais ousada apresentava cinco yogis apoiados sobre a cabeça na postura Shirshásana. No evento de 2011, o Coelho da Páscoa fez uma complicada postura de equilíbrio. As crianças assistiram, brincaram e levaram para casa uma mensagem clara sobre aquilo que o presidente e a primeira-dama consideram uma maneira elegante de entrar em forma. O yoga é uma das atividades de saúde e fitness que mais crescem no mundo. A Yoga Health Foundation, sediada na Califórnia, avalia o número atual de praticantes nos Estados Unidos em 20 milhões e mais de 250 milhões em todo o planeta. Muito mais pessoas manifestam algum interesse em experimentar o yoga. Como estratégia de divulgação, a fundação organiza o Mês do Yoga — uma celebração que ocorre em setembro 32
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que cobre os Estados Unidos com aulas de yoga gratuitas, atividades e feiras de saúde. A prática é muito difundida, e seus adeptos ricos demais para que anunciantes e a mídia a ignorem. Revistas de beleza e saúde publicam matérias regularmente. O New York Times, onde trabalho, publicou centenas de artigos e em 2010 criou uma coluna regular chamada “Stretch”. Ela aborda todos os assuntos relacionados desde os estúdios que oferecem Hot Yoga em salas superaquecidas até uma manifestação que reuniu milhares de praticantes no Central Park, que os organizadores consideraram a maior aula de yoga já registrada. Uma das atrações daquele evento foram os brindes corporativos. Os participantes ganharam mats de yoga da marca JetBlue, garrafinhas de água SmartWater e ChicoBags cheias de brindes. A fascinação foi tamanha que muita gente ficou nas filas antes que uma chuvarada mandasse todos embora. Culturalmente, o yoga pode até ser um modismo. Mas evidentemente também é um grande negócio. Comerciantes vendem mats, revistas, livros, vídeos, excursões, cremes, produtos terapêuticos, calçados, lanches à base de soja e muitos acessórios que parecem ser vitais à prática — assim como as aulas. Os puristas consideram esse carnaval um complexo industrial do yoga. Grandes investidores têm subvertido o ethos tradicional. Bikram Choudhury, o criador do Bikram Yoga, conhecido como Hot Yoga, registrou o copyright, os direitos autorais de sua sequência das posturas do yoga, e os seus advogados enviaram centenas de notifi cações ameaçadoras que acusavam pequenos estúdios de infração. Ele não está sozinho. Nos Estados Unidos, empresários de yoga procuram aumentar a exclusividade deles registrando milhares de patentes, marcas registradas e copyrights. Analistas de marketing identificam o yoga como parte de um setor de demografia conhecido como LOHAS — Lifestyles of Health and Sustentainability: Estilos de Vida Saudáveis e Sustentáveis. Indivíduos com alto nível educacional, desta faixa superior de mercado, são dirigidos a um estilo de vida sustentável e iniciativas ecológicas. Guiam carros híbridos, compram produtos naturais e buscam estilos de vida saudáveis. As yoga moms, as “mamães yoginis” (um sucessor demográfico das soccer moms), são um exemplo. De acordo com estudos de marketing, elas tendem a comprar roupas para os filhos em locais como o Mama’s 33
A MODERNA CIÊNCIA DO YOGA
Earth, confeccionadas com algodão orgânico, hemp* e materiais recicláveis. Um fator que distingue o yoga moderno de seus predecessores é sua transformação de vocação para estilo de vida premium. Outro é que as mulheres constituem a maioria de seus praticantes — fato que influencia radicalmente a natureza de sua inserção no mercado.As mulheres compram mais livros do que os homens, leem mais, gastam mais em bens de consumo e prestam mais atenção à saúde e à aparência. O Yoga Journal — a revista líder na área, fundada em 1975 — alega ter 2 milhões de leitores, sendo 87% mulheres. Festeja a categorização delas ao citar os altos rendimentos, empregos qualificados e bom nível educacional. Uma brochura para potenciais anunciantes ressalta que mais de 90% frequentaram uma faculdade. As páginas coloridas da revista oferecem um exemplo vívido da maneira como as empresas miram essa faixa de mercado. Centenas de anúncios promovem produtos de cuidados com a pele, sandálias, bijuterias, sabonetes naturais, vitaminas especiais e enzimas, terapias e sistemas de cura alternativos, gurus sorridentes e carros ecológicos. Cada número apresenta um índice de anunciantes. Um dos meus favoritos é o Hard Tail, uma linha de vestuário cuja propaganda mostra mulheres atraentes em poses impressionantes. “Para sempre” lê-se no slogan minimalista. Outra é a Lululemon Athletica, uma festejada marca de roupas para yoga conhecida pela modelagem, e mais especialmente por sua característica de moldar e mostrar bumbuns em boa forma. Recentemente um analista de marketing identificou um item da grife Lulu como a calça Groove US$98: “Reforçada com nesgas especiais e costuras niveladas sem relevo para criar uma área glútea firmemente compacta quase perfeitamente redonda, como uma gota de água.” Tudo isso está relacionado com aquilo que o yoga (ao contrário de seus acessórios) faz pelo corpo e pela mente, ou, mais precisamente, com aquilo que os gurus, spas, livros, vídeos de instrução, comerciantes, programas de TV, revistas, resorts e health clubs prometem.
* Cânhamo. Tecidos de fibras de cannabis sativa. (N. da T.)
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Sob esse aspecto é importante lembrar que o yoga não possui uma instituição de controle ou administração. Não há hierarquia oficial ou organizações destinadas a garantir a pureza e a fidelidade para acordos sobre séries de fatos ou posturas, regras e procedimentos, resultados e benefícios. Não é como a religião ou a medicina modernas, em que instrução rigorosa, licenciamento e conselhos procuram produzir um alto grau de conformidade. E esqueça sobre a supervisão do governo. Não há um órgão como a Consumer Product Safety Commission ou a Food and Drug Administration (FDA) para garantir que o yoga corresponda às expectativas de suas promessas. Ao contrário, é livre para todos — e sempre tem sido assim. Essa liberdade tem resultado em um rumor contínuo de reivindicações conflitantes ao longo das eras. “O iniciante”, observa I.K. Taimni, um acadêmico indiano, “é propenso a sentir-se rejeitado pela confusão e instruções exageradas”.Taimni escreveu isso há meio século. Hoje a situação é pior. Por um motivo, a explosão de publicações — impressas e eletrônicas — tem amplificado o rumor em uma cacofonia. Outro fator é a motivação do lucro. Bilhões de dólares estão agora em jogo em apresentações públicas do que o yoga pode fazer, e as tentações são férteis para fisgar declarações com tudo, desde o autoengano e impressões felizes até distorções propositais e gradações da verdade. Outra tentação é evitar qualquer menção do risco de se machucar ou de consequências adversas — um silêncio sempre enraizado em racionalizações econômicas. Por que contar toda a história se a divulgação geral pode afugentar clientes? Por que limitar o apelo de vendas? Por que não deixar a disciplina ser tudo para todas as pessoas? Quem praticou yoga por algum tempo pode recitar de cor uma lista de benefícios: acalma e relaxa, reconforta e renova, energiza e alonga. De alguma forma, faz com que nos sintamos melhor. Mas além desses fundamentos está um caldeirão fervilhante de garantias e reivindicações públicas, técnicas de venda e promessas New Age. Os tópicos incluem algumas das aspirações mais centrais da vida — saúde, atratividade, fitness, cura, sono, segurança, longevidade, paz, força de vontade, controle de peso, felicidade, amor, conhecimento, satisfação sexual, crescimento pessoal, realização e as longas fronteiras daquilo que significa ser humano, sem mencionar a Iluminação.
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A MODERNA CIÊNCIA DO YOGA
Este livro não leva em conta a confusão em torno do yoga moderno e descreve aquilo que a ciência nos diz. Elucida mais de um século de pesquisas com o objetivo de discernir o que é verdadeiro e o que não é, o que ajuda e o que faz mal — e quase tão importante: por quê. Ilumina o funcionamento oculto do yoga, assim como a desconcertante realidade das falsas alegações e perigosas omissões. Em sua essência, elucida os riscos e as recompensas. Muitos, verifica-se, são desconhecidos. Cheguei a este livro como um diletante instruído. Em 1970, durante meu primeiro ano como calouro, fiquei encantado pelo yoga porque me fazia bem e parecia me deixar mental e fisicamente mais saudável. Meu primeiro professor disse que era importante praticar um pouco — mesmo que muito pouco — todos os dias. Esse sempre foi o meu objetivo, apesar da usual batalha com as boas intenções. O yoga tornou-se um grande amigo ao qual me volto não importa quão louca a minha vida se torne. Comecei a minha pesquisa em 2006. Meu plano era simples. Eu seguiria as pistas do melhor em termos de ciência que pudesse encontrar e responderia a muitas questões que tenho acumulado ao longo das décadas, coisas sobre as quais conjecturava, mas nunca tive a chance de explorar. Minha primeira surpresa foi como o yoga originou um confuso leque de estilos e marcas. Eu sabia o suficiente para entender que a origem de tudo era o Hatha Yoga — a variante centrada em posturas, respiração e exercícios que pretendem fortalecer o corpo e a mente (em oposição aos estilos de yoga ligados à ética e à filosofia religiosa). Hoje, o Hatha e sua prole são as formas de yoga mais praticadas no planeta, tendo produzido uma gama de variações que vão dos estilos locais em quase todos os países até onipresentes marcas globais, como Iyengar e Ashtanga. Meu entusiasmo por academias de ginástica e natação também me deu uma razoável perspectiva de como o yoga difere dos exercícios comuns. Em geral (com exceções que estudaremos mais detidamente), flui mais lentamente, enfatizando posturas estáticas mais fluidas do que as velozes, vigorosas repetições do, digamos, spinning e da corrida. Sua natureza de baixo impacto confere menor tensão ao corpo do que os esportes tradicionais, aumentando assim o apelo tanto aos jovens quanto 36
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aos que entram na maturidade. Em termos de fisiologia, possui um apelo minimalista da queima de calorias, da contração muscular e da pressão sobre o sistema cardiovascular.Talvez mais distintamente, coloca grande ênfase no controle da respiração e na promoção da conscientização interna da postura corporal. O yoga avançado, por sua vez, vai além para encorajar a concentração e o fluxo sutil de energia. Especialmente comparado aos esportes e outras formas de exercícios ocidentais, o yoga dirige a atenção para o interior. Comecei a examinar a literatura do yoga com cautela. Há algum tempo, ao trabalhar na Universidade de Wisconsin em um estudo da fisiologia da respiração, encontrei uma categórica contradição a um dos princípios centrais do yoga — que a respiração rápida inunda o corpo e o cérebro com oxigênio revitalizante. Em contraste, um livro que estava lendo à época dizia que o ritmo da respiração humana “pode diminuir à metade ou aumentar para mais de cem vezes que o normal sem influenciar apreciavelmente a quantidade de sangue oxigenado”. Verifico agora que, em 1975, sublinhei aquela passagem enfaticamente. Infelizmente, minha pesquisa confirmou as minhas expectativas mais rasas. Alguns livros e autores destacaram-se brilhantemente. Mas, no todo, achei a bibliografia chata, sem sentimento, asserções sem referências e um surpreendente número de inverdades óbvias. Queria dicas para encontrar pistas da boa ciência, mas, em vez disso, encontrei uma bagunça. A redação, nova e antiga, revelou-se curiosamente dogmática, e, na melhor das hipóteses, demonstrou um conhecimento científico apenas superficial. Muito daquilo se parecia com o que Richard Feynman, um fundador da física moderna, depreciava como cargo-cult — isto é, material que parece científico, mas de fato ressente-se de honestidade. Em contrapartida, meu mergulho na literatura científica me animou. Funcionários públicos federais, no National Institutes of Health (NIH) — a maior organização mundial para pesquisa de saúde —, em Bethesda, Maryland, administram uma biblioteca eletrônica de relatórios médicos mundiais, um banco de dados conhecido como PubMed. A consulta mostrou que os cientistas redigiram quase mil artigos relacionados com o yoga — o número aumentou no início da década de 1970 e começou a disparar nos últimos anos com artigos acrescentados quase todos os dias. 37
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Os estudos vão dos não confiáveis e superficiais aos rigorosos e aprofundados. Entre os autores se incluem pesquisadores em Princeton e Duke, Harvard e Colúmbia. Além disso, o tema se tornou global. Cientistas na Suécia e em Hong Kong publicaram artigos rigorosos. Mas à medida que olho mais de perto, mais eu julgo esse corpo de informações bem limitado. Alguns tópicos gerais têm sido cobertos razoa velmente bem — por exemplo, como o yoga pode relaxar e curar. Mas muitos outros são ignorados, e muito da ciência que é publicada revelou- se superficial. Por exemplo, pesquisas para aprovação de uma nova droga podem requerer a participação de centenas ou mesmo de milhares de voluntários para experiências científicas; a grande quantidade de pessoas aumenta a credibilidade das descobertas. Em oposição, muitas investigações sobre o yoga contaram com menos de uma dúzia de participantes. Algumas apresentam apenas um indivíduo. A superficialidade revelou ter raízes bem óbvias. A pesquisa sobre o yoga sempre foi um hobby ou uma linha alternativa. Não tem patrocinadores de grandes corporações (não se esperam descobertas que possam levar a pílulas caras ou aparelhos médicos) e possui relativamente pouco apoio financeiro dos governos. Os centros federais tendem a se especializar em tipos avançados de pesquisa esotérica, assim como em temas prementes de saúde pública, com suas investigações previsivelmente desenvolvidas em institutos ou universidades. A ciência moderna parece pouco se importar. A exceção veio a ser nas áreas em que o yoga tem uma interseção com outras disciplinas ou faz audaciosas e singulares reivindicações à sabedoria convencional. Tais cruzamentos provaram ser cientificamente ricos. Por exemplo, cientistas interessados em medicina do esporte e fisiologia do exercício têm despendido atenção nas alegações do yoga a respeito do fitness. Então os médicos concentraram a atenção na reputação do yoga a respeito da segurança. As limitações da literatura corrente sobre o yoga me levaram a lançar uma ampla rede, e imediatamente peguei um peixe grande. Era um livro muito velho — A Treatise on the Yoga Philosophy —, escrito por um jovem médico indiano, publicado em 1851, em Benares (cidade agora conhecida como Varanasi), a antiga cidade no Ganges, marco central do hinduísmo. Tomei conhecimento da existência do tratado porque alguns poucos acadêmicos ocidentais fizeram menção a ele, de passagem. 38
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Tive sorte e descobri que o Google Books recentemente escaneou a cópia de Harvard em seu arquivo eletrônico, então eu estava habilitado a fazer um download daquilo tudo em um piscar de olhos. A linguagem era arcaica. Mas o autor aborda a ciência do yoga com grande habilidade, iluminando um importante aspecto da fisiologia respiratória que muitos especialistas ainda não compreenderam até hoje. O livro surpreendeu-me porque haviam me dito que a pesquisa indiana acerca do yoga — embora pioneira — normalmente era de qualidade inferior. Mas continuei encontrando joias. Um cientista curioso, sempre trabalhando na Índia ou nascido lá, e fazendo pesquisas no exterior, daria uma peneirada no yoga trazendo à luz descobertas importantes. Aconteceu não apenas com a fisiologia respiratória, mas também com a psicologia, a cardiologia, a endocrinologia e a neurologia. Cientistas sempre agem com rigor e contra a maré. Intrigado, viajei à Índia para aprender mais sobre esses pesquisadores e finalmente vim a vê-los como um tipo de vanguarda intelectual. Seus relatórios tendiam a preceder os arquivos eletrônicos do PubMed, os tornando tudo, menos invisíveis aos pesquisadores modernos. Mas as descobertas deles se revelaram centrais ao desenvolvimento do tema. À medida que ampliava a minha pesquisa, tive a sorte de observar Mel Robin, um veterano professor de yoga e astro dessa ciência. Mel trabalhou no Bell Telephone Laboratories (o berço do transistor — o coração dos chips de computadores) por quase três décadas, antes de tornar-se pesquisador de yoga. Seu trabalho apaixonado produziu dois livros enormes totalizando quase 2 mil páginas. Aquilo que Mel fez foi perambular singularmente muito além da literatura do yoga para mostrar como as descobertas gerais da ciência se apoiam na disciplina. O exemplo dele encorajou o tipo de pensamento independente que eu iniciei na Universidade de Wisconsin. Ao longo dos anos, a extensão da minha pesquisa me colocou em contato com uma variedade de cientistas, curandeiros, yogis, pesquisadores médicos, místicos, funcionários públicos federais e outros estudantes daquilo que a ciência nos diz sobre o yoga. Se a ciência é a coluna vertebral deste livro, eles são a carne e o sangue. Meu foco é prático. Por vezes, o livro faz menção a tópicos da espiritualidade oriental — meditação e atenção, liberação e iluminação —, 39
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mas não faz esforço para explorá-los. Melhor: se foca implacavelmente no que a ciência nos diz a respeito do que envolve as posturas do yoga. Não desconsidero a religião hindu ou as tradições espirituais que emolduram o quadro completo. Mas se este livro obtiver êxito, o consegue porque se limita a um corpo de constatações reducionistas pouco conhecidas. Mesmo assim, devo ressaltar que vejo o processo científico como limitado e incapaz de responder às mais importantes questões da vida, assim como faz qualquer verdadeiro crédulo. O epílogo explora o que pode estar além. Finalmente, meu exame revelou não somente uma riqueza de descobertas, mas uma memorável falta de conhecimento entre os yogis, os gurus e os praticantes sobre os artigos e pesquisas. Isso é pura especulação, mas eu ficaria surpreso se a comunidade soubesse um centésimo ou mesmo um milésimo do que os cientistas têm aprendido por mais de um século e meio. Este livro conta essa história. Oferece, em essência, uma avaliação imparcial de um importante fenômeno social que começou sua caminhada há um milênio. E se eu conseguir, é o primeiro a fazer isso. Estruturei este livro para começar com questões de interesse comum e terminar com tópicos que são menos familiares. Esse fluxo se revela paralelo ao desenvolvimento do interesse científico ao longo das décadas. Então o livro tem uma organização cronológica solta. O retrato do yoga que emerge é bem diferente, em aspectos importantes, das alegações usuais. Em alguns casos, a novidade é melhor. Por exemplo, vários professores atribuem ao yoga poderes de renovação sexual. A ciência confirma essa reivindicação e mostra como posturas específicas podem atuar como afrodisíacas, produzindo aumentos repentinos de hormônios sexuais e ondas cerebrais indistinguíveis daquelas dos apaixonados. De forma mais geral, estudos clínicos recentes dão solidez à ideia de que o yoga pode melhorar a vida sexual de homens e mulheres, ao documentar como novos praticantes reportam não somente sentimentos acentuados de prazer e satisfação, mas também intimidade emocional com os parceiros. Os benefícios à saúde também se revelam consideráveis. Enquanto muitos gurus e livros do tipo “como fazer” saúdam o yoga como um caminho 40
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para o bem-estar máximo, as descrições deles são vagas. A ciência vai direto ao assunto. Por exemplo, artigos recentes indicam que o yoga libera substâncias naturais no cérebro que agem como fortes antidepressivos, sugerindo grandes promessas para a melhora da saúde. A depressão incapacita mais de 100 milhões de pessoas em escala global. Todos os anos, a desesperança resulta em quase um milhão de suicídios. Amy Weintraub, personalidade importante neste livro, reconta como o yoga salvou a sua vida abrindo caminho através de nuvens de desalento. No entanto, se algumas descobertas animam, outras contradizem os ataques violentos a reivindicações audaciosas e curas reconhecidas. Considere o peso corporal — um tópico de enorme suscetibilidade para alguém que tenta ficar bonito. Por décadas, professores de yoga têm saudado a doutrina como um ótimo caminho para emagrecer. Mas se revelou que o yoga trabalha tão bem com a redução da taxa metabólica corporal que — equiparando-se tudo — as pessoas que se dedicam à prática queimarão menos calorias, impelindo-as a ganhar peso e acumular novas camadas de gordura. E os cientistas constataram que os indivíduos mais aptos a baixar o seu metabolismo são mulheres. É claro que outros aspectos do yoga de fato derrotam os quilos com sucesso. A disciplina constrói consciência corporal e sua influência calmante pode ajudar a reduzir a vontade de comer por estresse. A maioria dos professores de yoga é esbelta e não cheia de protuberâncias. Mas quando o yoga vence o controle de peso, as provas científicas sugerem que faz isso, apesar de — e não por causa de — seu impacto básico no metabolismo humano. Esse é um dos segredinhos sujos do yoga. Revela-se que há muitos outros, alguns bem significativos. O yoga tem produzido torrentes de danos. Considere os AVCs, que surgem quando artérias bloqueadas desviam sangue do cérebro. Médicos descobriram que certas posturas podem resultar em danos cerebrais que tornam os praticantes aleijados, com pálpebras caídas e membros sem reação. Ainda mais tenebroso: alguns especialistas alertam sobre a loucura. Como Carl Jung colocou, o yoga avançado pode “liberar uma corrente de sofrimentos, com os quais nenhuma pessoa sã jamais sonhou”. Muitos livros de yoga citam Jung favoravelmente, mas sempre deixam de fora essa citação. 41
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Mesmo assim, isso representou sua opinião abalizada depois de duas décadas de estudo e reflexão. Globalmente, os riscos e benefícios revelaram-se mais amplos do que qualquer coisa que eu pudesse imaginar. O yoga pode matar e mutilar — ou salvar a sua vida e lhe fazer sentir como um deus. É um longo alcance. Em comparação, faz a maioria dos outros esportes e exercícios parecer uma brincadeira de criança. Minha pesquisa me induziu a mudar minha própria rotina. Coloquei menos ênfase ou abandonei certas posturas, acrescentei outras e, em geral, agora conduzo o yoga com muito mais cautela. Espero que você se beneficie também. Vejo este livro como se fosse uma permissão consciente — a informação dada aos voluntários de experiências médicas e de novos tratamentos para ter certeza de que compreenderam as ações, os prós e os contras. Para mim, os benefícios superam os riscos de modo inquestionável. Comparativamente, a prática faz mais bem do que mal. Ainda assim, o yoga faz sentido apenas se realizado de maneira inteligente, como um limite ao risco pessoal. Estou convencido de que mesmo modestas precauções irão afastar ondas de dor, remorso, sofrimento e incapacidade. Os heróis deste livro são centenas de cientistas e médicos que trabalharam arduamente de modo inconspícuo, por décadas, para descobrir a verdade, apesar dos obstáculos, como escassez de fundos e apatia institucional. Seus primeiros questionamentos não só deram início ao processo de iluminar o yoga como produziram um extraordinário efeito colateral. Ajudaram a transformar a natureza da doutrina. Em sua origem, o yoga era um culto obscuro fundado na magia e no erotismo. No final, fixou-se na saúde e no fitness. Para minha surpresa, resultou que a ciência teve um papel importante na modernização. À medida que os pesquisadores começaram a mostrar como as ostensivas maravilhas do yoga têm explicações naturais, a doutrina trabalhou duro para reinventar-se. Uma nova geração de gurus depreciou o arrebatador e o miraculoso por um foco no bem-estar material. Em essência, eles viraram o yoga de cabeça para baixo por privilegiar o físico sobre o espiritual, ajudando a criar a disciplina secular agora praticada ao redor de todo o mundo. 42
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O primeiro capítulo detalha essa sublevação. A fábula é importante não só por revelar as origens da programação de saúde, mas para apresentar personalidades e temas principais. Por exemplo, revelou-se que muitos milagres do yoga — ainda que comprovadamente falsos — envolvem importantes alterações fisiológicas que podem produzir ricos e verdadeiros benefícios. Podem melhorar o humor. Podem combater doenças cardíacas. A mais recente pesquisa indica que podem até desacelerar o relógio biológico. Não que a ciência tenha todas as respostas. Ao contrário, a investigação da doutrina começa em resposta ao impressionante espetáculo de dois séculos atrás que ainda hoje nos coloca uma série de questões fundamentais. A ciência do yoga faz mais que revelar segredos.Também pode lançar luz sobre verdadeiros mistérios.
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