Entrevista do Fausto wolff na Revista F nº 04 - completa

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Este texto de introdução seria para apresentar o nosso entrevistado, que dispensaria qualquer introdução se o Brasil não fosse um país ingrato com seus gênios: Fausto Wolff, nascido Faustino Wolffenbutten em Santo Ângelo, Rio Grande do Sul, escritor imortal mesmo - porque, ao contrário de seus colegas de fardão, adeptos do chá, sobrevive há 65 anos a uma dieta de álcool e outros aditivos não recomendados pelo Ministério da Saúde. E é esse o motivo porque este cabeçalho não serve só para abrir alas para o homem - porque o homem é ele e a sua circunstância: tanto entrevistado como entrevistadores começaram a conversa com algumas garrafas de White Horse já consumidas. Allan, Arnaldo, Léo e André Dahmer - quadrinista colega de Fausto no Jornal do Brasil - foram até a toca Copacabanense do Lobo com mais do que curiosidade jornalística nas idéias. Daí esse papo não-linear transcrito abaixo, entremeado por várias idas ao congelador para renovar o estoque de gelo e ao banheiro, para esvaziar os cinzeiros que a paciente esposa do entrevistado não nos leia. (João, a única testemunha sóbria, liga a câmera. A conversa já começou) Fausto – A única coisa que faz o JB não ser um jornal mais de direita que o Globo sou eu. Allan – Mesmo assim cortaram um pedaço grande, cortaram a coluna do Jebão (n: Nataniel Jebão, colunista fictício criado por Fausto), né? Fausto – Mas o Ziraldo... agora ele fez a orelha da tradução que fiz das obras completas dos Irmãos Grimm, tentando apaziguar... mas não é questão de apaziguar, ele cortou metade do meu salário porra... Léo – Você deu um soco na cara dele, não é? Fausto – Só não dei porque ele desviou (risos). Arnaldo – Pô, então o cara ainda está rápido... Léo – Porque também se pegasse... Dahmer - É uma mão grande, também (n: Dahmer passa a entrevista obcecado pelo tamanho das mãos do Fausto, voltando ao assunto em conversas paralelas). Léo – Se pegasse ia ser um caso sério... Allan – Ia fazer ele ficar branco (risos).


Dahmer – Mas na verdade não tem espaço em um caderno do Rio para botar o Nataniel Jebão, sacou? Essa é que é a questão. Fausto – Não, se o cara vem falar comigo, eu teria... eu disse pro Ziraldo: "o Jebão como está, ele é pesado demais, pra qualquer jornal". Agora, eu arrumo Jebão. Eu dou uma ajeitada nele pra ele ficar meio Agamenon. Dahmer – O Agamenon nada mais é do que uma cópia malfeita do Jebão. Allan – Não tinha também aquele no Pasquim que o Ivan Lessa fazia, o Edélsio Tavares... Dahmer – Mas o Jebão é que fez a escola, tem tudo que tinha ali. Fausto – A idéia do Jebão era criar todo um circo, um clube de personagens... Allan – Um Universo todo fechadinho... Fausto - ...em volta de um troço completamente falso. Só que ele era o primeiro a informar! Allan – Nina Rollas, o Boquinão... Fausto – Tudo! Dahmer – Você acha que está difícil de fazer humor no Rio de Janeiro? Que o carioca não está preparado para rir da situação atual? Fausto – Eu vou explicar para vocês. Dahmer – Porque está duro de rir. Eu sou carioca e está duro de rir. Allan – Eu não sou carioca. Fausto. Eu vou explicar pra vocês, porque eu sou jovem há mais tempo que vocês (risos). E eu já cansei de escrever isso, eu vou dizer mais uma vez: hoje você pode fazer o que quiser com o povo brasileiro. Vai chegar um momento daqui a dez, vinte, trinta anos em que isso não vai ser possível, mas isso não vai ser por causa da educação. Vai ser porque o povo vai estar tão acuado que ele vai começar a morder. Dahmer – É um estado de calamidade pública mesmo... Fausto – Tá entendendo? Mendigo vai te dar uma mordida na mão.


Dahmer – E vai começar pelo Rio de Janeiro isso... Fausto – Não, vai começar pelo nordeste, meninas lá chupam pau por dois reais... então, o único modo é... saiu um artigo meu, e o engraçado é que eles publicam os meus artigos. Ou eles não aceitam ou eles publicam tudo... Allan – Mas você tem essa coisa da rejeição, deles pedirem "Não, manda outro"... Fausto – Ah, mas eu mando, não me incomodo. Eu não quero é autocensura... Allan – Mas acontece com freqüência isso? Fausto – Ah, agora está acontecendo uma vez por semana. Tem um cara lá chamado Amaury Melo, que é um merda, que veio lá da TV Globo e que é o diretor de conteúdo. E tem o Augusto Nunes, que eu achava que era um jornalista graduado, que era assim uma espécie de Tarso de Castro que estava ali em cima, mas não, era um canalha, um filho da puta. Allan – Ah, esse cara esteve um tempo lá no Zero Hora, todo mundo sabia que... Fausto – Não, mas ele era canalha, filho da puta, porque eu fui falar com ele: "vamos fazer o Jornal do Brasil". Aí escrevi vinte laudas pra ele sobre como fazer o jornal, que eu ia mandar pro Tanure também. Aí ele falou "não, não manda pro Tanure não"... aí o cara pegou aquilo e marcou dez encontros comigo. Só aqui em casa foram seis. Nunca apareceu. Agora estão aparecendo as carinhas lá no JB, a minha não aparece. Não aparece carta minha, não aparece porra nenhuma. Por isso é que estou achando que... Léo – Uma das últimas vezes que eu consegui ler o JB ainda tinha umas cartas, eu ia até te perguntar das cartas, se eles continuam a publicar... Fausto – Eles fazem uma putaria muito grande. O caderno B tem cartas, como só tem carta para mim, eles não publicam. Aí as cartas ficam datadas. Aí a seção de cartas só sai uma vez por semana – enquanto O Globo publica tudo ali naquela folha da seção de cartas.Então vem a volta do jornal. Tudo o que eu disse pra ele, ele já está começando a botar. O jornal vai sair... olha, eu falei pra eles, do esporte, à crônica social, tudo como devia ser. A fotografia, a primeira página, posso mostrar pra vocês aqui. Dahmer – Podia mandar isso aí por e-mail até.


Fausto – Não, estou esperando. Marco com o cara e o cara: "Pô, Fausto, excelente, do caralho, vamos nos encontrar". Nunca veio, a última vez tem um mês, telefonou pra cá e disse "vamos nos encontrar no Copacabana Palace", eu vou lá feito um idiota e o cara não aparece. Então o cara pegou o meu plano e vai executar. Só que eu enchi o saco dessa merda e duas semanas atrás eu mandei pro Tanure tudo. A minha carta, a carta dele, carta do leitor, mandei tudo. O Tanure não respondeu, mas ele fez uma coisa engraçada... o Ziraldo, que é quem paga os colaboradores, o Ziraldo ganha uma grana. Com essa grana ele paga todo mundo. O Ziraldo fez uma merda, fez um caderno B de merda que no primeiro dia eu disse pra ele: "está uma merda, não pode ser assim, você não pode ter seis cronistas falando do próprio umbigo". Só pode ter um cara falando do próprio umbigo que sou eu, tenho 65 anos e vi tudo. Allan – Tem um umbigo mais interessante. Não esteticamente, é claro... Fausto – E o Aldir Blanc... então mandei pro Tanure... mas o Ziraldo é o Ziraldo, um artista gráfico excepcional, mas é um editor de merda, conseguiu cagar a Bundas (n: revista lançada em 1999 pelo homem de Caratinga)... tudo! O Paulo Francis já tinha me dito que o Ziraldo era um caráter zero. Todo mundo tinha dito, aliás. Mas eu conheço o Ziraldo há cinquenta anos. Allan – E como era o jovem Ziraldo? Fausto – Ah, uma pessoa maravilhosa. Estava na luta, estava brigando, estava fazendo o Pererê (n: excelente revista em quadrinhos do Ziraldo) dele, estava... sabe? Mas logo, logo... Léo – Uma vez você disse que não conhecia nenhum cartunista mau caráter... Allan – Você sustenta isso ainda? Fausto – Olha, eu diria que o Ziraldo não é mau caráter, o Ziraldo nunca foi apresentado ao caráter (risos)... ele deu a sorte daquele momento em que a ditadura estava ali acabando... o Ziraldo está sempre ligado a qualquer orgão do governo, sempre ligado ao poder... o Ziraldo é caráter zero. O Jaguar é caráter fraco, mas o Jaguar eu gosto dele, eu gosto dele, mas ele é um filho da puta. Você faz o papel do fraquinho, que não sabe nada, que está de porre e coisa, é muito bom, mas não pode... por que ele não me chamou pra fazer a edição da coletânea do Pasquim, e chamou o Sérgio Augusto? Chamou o Sérgio Augusto que é um viadinho invejoso, um filho da puta... aí eu


tenho, nos primeiros números do Pasquim eu fiz trinta artigos, o Sérgio Augusto não escolheu um! Eu sou o cara que mais escrevia no Pasquim. Nem Jaguar, nem Millôr, ninguém escreveu tanto quanto eu no Pasquim. E o Sérgio Augusto bota assim: "bom, a seleção é uma coisa subjetiva...". Desses todos, o único que tem vergonha é o Millôr. Dahmer – Mas você dizia que eles cortaram o Jebão no JB porque tem palavrão... Fausto – Não, mas o negócio do Jebão um pouco foi culpa minha, porque eu podia ter adaptado o Jebão... mas eu estava tão cansado de escrever uma coluna do Fausto Wolff e depois mais uma página inteira do Jebão... e o Ziraldo não queria conversar, não queria saber, porque o Ziraldo tinha medo que eu quisesse tomar o lugar dele. E na verdade o Ziraldo estava levando aí 50 por cento de todo mundo, e está levando até hoje. Então é um grande filho da puta. É uma pena, porque nós nos conhecemos há tantos anos... a primeira peça que o Ziraldo escreveu, chamava-se "Esse banheiro é grande demais para nós dois" ele mandou para eu ler... mas o Ziraldo ele perdeu o caráter, psicologicamente ele é surdo, ele não ouve o que você fala (risos). Allan – Essa história dele não broxar, isso é a coisa mais merda do mundo... Fausto – Eu quero alguém me explique, porque eu gosto de foder pra caralho, e outro dia eu broxei batendo uma punheta, porra (risos)... minha mulher não estava em casa e eu aproveitei e botei um filme que tinha duas mulheres chupando a buceta uma da outra que é um troço que eu adoro... Allan – Quem não gosta? Fausto – Aí um troço que eu, meia-bomba, coisa e tal e eu, "ah, tá muito ridículo essa porra..." Arnaldo – O Ziraldo já fez aquela campanha "Droga é uma merda"... isso não é hipocrisia? Fausto – Não, acho que esse puto nunca cheirou maconha (risos)...vem cá, eu quero saber o seguinte. Isso é uma coisa que a gente deve estabelecer antes de qualquer entrevista. Eu (pausa)... eu acho que eu sou o cara mais inteligente desse país. Inteligente no sentido de ter humanidade pra procurar ver inteligências. Qualquer coisa que não seja humana me chateia, qualquer academicismo me dá no saco. Vocês não imaginam o que foi pra mim a alegria quando eu cheguei lá na festa do JB e o Tanure (n: Nelson Tanure, dono do Jornal do Brasil) veio falar comigo. E eu fui com a camisa da Banda de Ipanema. Só pra deixar bem


claro... e aí o Tanure veio falar comigo "Fausto, eu imaginei que você viesse vestido desse jeito". Eu aproveitei pra falar com ele "cara, o salário está pouco, quero 7 mil reais". Ele disse "está dado". Eu ainda consigo elevar pra oito, e o Ziraldo consegue baixar pra 3 e 500. Eu quero saber de vocês, se vocês imaginam... estou com 66 anos... a vontade que eu tenho de mandar esses caras para a putaquepariu. E eu preciso desses 3 e 500. Porra, eu não sou esses putos da propaganda... "não precisa dizer uísque, diga Chivas". Quarenta anos eu tenho levantado a bandeira do comunismo, meu artigo de domingo (n: entrevistamos FW na semana anterior a uma mudança editorial que mudaria o formato do JB - virou tablóide - e a linha editorial) começa afirmando "eu sou comunista". Eu pergunto: se eu for despedido alguém vai chorar por mim? Leonardo – Gente pra caralho, porra. Vai ter essa mudança do JB agora, alguém te deu uma explicação porque você não está nas fotos do anúncio da nova fase? Fausto – Eu não posso dar essa bandeira. Leonardo – Mas é estranho. Você é o cara, o diferencial do JB. Fausto – Olha, a coisa é tão louca no Jornal do Brasil... a única coisa que eles tem de novo sou eu, e a única coisa que eles escondem também. Allan – Esse Ziraldo... Fausto – É um homem de quase 80 anos que quer ir para a Academia Brasileira de Letras. Gente bem mais séria, como o Carlos Drummond de Andrade, como o Millôr, que não... Leonardo – Que nunca quiseram. Fausto – Eu sempre disse que a Academia Brasileira de Letras foi cúmplice da ditadura. Arnaldo – Teve o caso do Adelita (n.: o general Adélio Lira Tavares, que entrou para a ABL inscrevendo discursos de posse e poemas adolescentes escritos com esse pseudônimo, "Adelita)... Leonardo – Porra, o Sarney é um imortal! Fausto – Mas não é disso que estamos falando, você não pegou o espírito da coisa. A idéia toda é uma merda, o jornalismo todo é uma


merda. A única coisa que está acontecendo no jornalismo brasileiro de absolutamente excepcional é me deixarem escrever. Dahmer – Fausto, você gosta de morar em Copacabana? Fausto – Ah, eu sou... minha Pátria é Copacabana, sempre foi. Quando eu cheguei aqui eu tinha dezoito anos, eu vim de Santos de trem... Dahmer – E a sua família é alemã, não é? Fausto – Alemã, porra... minha família chegou em 1824... depois de cento e tantos anos a minha família é alemã? Qual é a família mais estrangeira, a minha que chegou em 1824 ou a do português que chegou em 1940? É que a gente não se misturou, não teve esse negócio de crioulo, nem judeu, nem índio... Allan – Ficou tudo no sul. Léo – Santo Ângelo, né? Fausto – Se alguém leu meu livro "À mão esquerda" sabe. Ficou assim porque era absolutamente isolado na colônia... Allan – E lá eles falam um alemão que nem existe. Fausto – Acabam desaprendendo o alemão... Allan – É uma coisa arcaica... Fausto - Com o português... Allan – É, é um dialeto. Você conseguiu aprender dinamarquês? Fausto – Eu leio dinamarquês. Eu li... mas não é uma língua evoluída. Dahmer – Você lançou sua candidatura a presidente... é oficial? Fausto – Não, porque eu não tenho 70 mil assinaturas... preciso de 70 mil para me candidatar a presidente... mas eu vou fazer a candidatura da Heloísa Helena. Dahmer – Eu vou votar nela também... no primeiro turno vou votar nela. Quando chegar o Alckmin e o Lula, aí eu faço campanha para o Lula. Diante do Alckmin... o que você vai fazer, Fausto? O que você prefere, o Alckmin ou o Lula? Mesmo sendo a política econômica igual?


Fausto – O Alckmin não vai chegar lá. Léo – Não, está aí nas cabeças... Fausto – Um cara que poderia se candidatar, mas está velho, e que eu trabalharia pra ele, não de graça, claro, seria o Pedro Simon. Léo – Do PMDB. E o PMDB não existe. Fausto – Mas o Brasil está dividido entre os ladrões e os não-ladrões... Léo – Tem a ala do Garotinho... Fausto – É, tem a ala do Sarney, tem a ala do Garotinho... e tem a ala do Pedro Simon, eu votaria até naquele maluco do Paraná, o Requião. Dahmer – Eu acho a Heloísa Helena a melhor candidata até agora, do que tem aí... Fausto – É... eu já vi tanta coisa... eu votaria nela, é a melhor candidata, vou fazer campanha pra ela, mas a possibilidade dela se eleger é zero. E é zero porque tanto as duas direitas que estão se enfrentando (risos) confiam no povo. Sabem que o povo é burro (risos). Que o povo vai votar no melhor candidato, que vai ser aquele que vai gastar mais dinheiro. Arnaldo – Que nem em tribunal, não ganha a melhor causa, ganha o melhor advogado... Fausto – O Collor não se elegeu porque era o mais bonitinho, ele se elegeu porque fez a melhor campanha e gastou mais dinheiro. Allan – Não tem essa coisa dele ser o mais bonitão... Léo – Mas ajudava a vender. Fausto – Ajudava, mas não tanto. Léo – Não, ajuda a vender tanto que o Lula só foi eleito depois de passar por várias plásticas (risos)... Dahmer – Agora, esse governo Lula, essa questão dos bancos... isso tudo igual, não é? Fausto – Nada mudou. A última vez que você teve alguma coisa de


diferente no Brasil foi entre 1950 e o suicídio do Getúlio. Depois você teve entre 1962 e 1964. Você teve o Getúlio e o Jango brigando pelo povo. O Getúlio era um estadista e o Jango era um cara que queria ser fiel ao Getúlio, apesar de não ter o estofo do Getúlio. E é isso. E a terceira pessoa disso tudo ia ser o Luís Carlos Prestes. O Brizola apareceu, mas o Brizola era um homem de pouca leitura e não entendeu, coisa que o Fidel entendeu imediatamente, que tinha que ser Marxista. Não existe socialismo sem Marx. Allan – Mas ele tinha carisma. Fausto – Mas ele só botava os pés pelas mãos, ele botou o filho pra senador... será que não tem um candidato melhor? – "ah, mas a mãe quer" (risos)... Arnaldo - Fausto, a gente tentou te entrevistar antes, mas você estava fazendo uma mega-viagem internacional... Fausto - Agora, resolvi, como a minha mulher ganhou uma graninha, e eu estava cansado de pedir dinheiro, passei quatro meses sem pedir grana... e fui pra esse cruzeiro aí. Léo – Na Patagônia, não é? Fausto – É, sou o único duro que faz essas coisas... Allan – Foi legal o cruzeiro? Fausto – O serviço foi uma merda, mas a viagem foi boa. Allan – Não tinha uns caras chatos tocando piano, coisas assim? Fausto – Não, foi uma merda porque o programa cultural era todo muito ruim, era um programa de auditório, karaokê... o navio era uma beleza, até ganhei no cassino... fiquei puto porque eu queria ver as baleias, queria dar uma de Capitão Ahab, agarrar uma baleia, eu queria ir até o fim do mundo... no lugar onde eu ia ver a fauna e a flora, o capitão teve medo de ir... Allan – Que cuzão. Fausto – Uma merda, um capitão português, o filho da puta (risos). Não conhecia a Patagônia e adoro de viajar de navio, fui pescador de sardinha...


Allan – É mesmo? Onde? Fausto – No Mar do Norte. Allan – Lá na Escandinávia? Fausto – Passei seis meses lá... eu tinha sido corneado maravilhosamente por uma mulher e... Allan – Vou pescar sardinha, foda-se (risos). Fausto – Pensei "o que que eu estou fazendo aqui na Dinamarca? Eu vou embarcar em um navio de pesca de sardinha". Porra, eu tinha 35 anos, vamos nessa. Consegui economizar quinze mil dólares. Allan – Pescando sardinha? Fausto – É, você não tem que gastar nada, porra, você está no mar... Arnaldo – Pegou tempestade? Fausto – Peguei tudo. Allan – Seis meses em um navio sem aportar? Fausto – Não, esse aí era um navio-fábrica, os caras pescavam e já enlatavam no navio mesmo. Era tudo com máquina, você não fazia nada. Você jogava a porra da rede, já vinha por computador onde estava o cardume e já pegava duas toneladas daquela merda (risos). Allan – Mas qual era a sua função lá? Fausto – A minha função era ficar escrevendo cartas para os marinheiros, principalmente os marinheiros portugueses, que eram a maioria. Portugueses estão em tudo que é lugar, portugueses e italianos. Espanhóis também. Dahmer – E o negócio d´O Lobo na internet? Você percebeu que era importante botar os textos para todo mundo ler, ao invés de botar só no jornal? Fausto – Não... eu tenho um camarada lá no sul chamado Jean Charlau que fez o meu site... eu vou dizer para vocês: eu acho que eu sou o jornalista mais querido do Brasil pra quem leva a profissão a sério. Sabe aquele cara que não faz concessões... agora, por outro lado, isso


é muito engraçado, até uma certa idade... ninguém esperava que eu fosse agüentar tanto. Nem eu (risos). Tanto que há dez anos eu disse para o filho do Hélio Fernandes que é o diretor d´O Globo, que eu conheci garoto, eu disse "vamos fazer um negócio: você me dá a coluna de turfe e eu não falo mais sobre outra coisa". Allan – Isso é bizarro, você podia ter uma coluna sobre turfe tranqüilamente... Fausto – Você me entende? Você me dá uma grana direito e eu vou falar sobre cavalo e, porra, vou ser um cidadão comum. Continuar incomodando, mas por aí ajudando, dando palestras... vocês não tem idéia como é difícil para mim manter essa postura no Jornal do Brasil. Domingo, na minha estréia, começo a coluna assim: "Confesso que sou comunista". É o dia da estréia do novo jornal. Não posso conceber a vida de uma outra maneira. Eu gosto da idéia de a cada um segundo a sua necessidade, de cada um segundo a sua possibilidade. Dahmer – Essa escritora, a Naomi Klein, que fala contra as corporações, que fala que a briga nova não é contra o capitalismo de Estado, mas contra o capitalismo de empresas, da Nike, a Gap... você já leu? Fausto – Eu já li, ela é uma das safadinhas. Dahmer – Que ganha dinheiro com isso. Fausto – Porque o que acontece é que sempre tem um safado, que está do seu lado, mas não... o Zuenir Ventura, eu dou uma porrada nele (risos)... um dos mais celebrados cronistas cariocas... o filho da puta me veio há duas semanas com uma coluna dizendo que "nós temos culpa pelo que está acontecendo". Ele chega e diz assim "não é só a classe dominante", porque o Ibope fez um pesquisa e aí ele bota sessenta e tantos por cento dizem que roubariam, que fariam nepotismo, que... e trinta e um por cento diz que não. Aí eu digo, engraçado esse repórter, esse cronista não acreditar nos trinta e um por cento. Eu estudei no Grupo Escolar Primeiro de Maio em Porto Alegre, de 1945 a 1950 – nenhum dos meus colegas saiu delinqüente, porque tiveram professores extraordinários. Porque a gente aprendia honra, caráter, dever. Há quanto tempo não se ensina isso? Há quanto tempo eu só ouço a palavra "honra" quando alguém diz "palavra de honra", sem mesmo saber do que está falando? Então eu digo, não é certo isso. E mesmo que fosse certo, quem foi que ensinou o povo a ser filho da puta se não vocês desde 1964? Porque não era assim. Então com 25 anos de TV Globo os caras não sabem nem o que vão dizer para os filhos.


Dahmer – E o Lula, Fausto? Fausto – No Lula não se pode votar de jeito nenhum. Dahmer – Pode ser que ele ganhe... Fausto – Mas no Lula não se pode votar. Eu continuo achando, se vocês lêem meus artigos, eu acho que o Lula é um ator. Eu acho que o Lula é um ator contratado para dizer as falas do poder invisível. Léo – Mas a partir de quando isso? Fausto – Ah, desde o princípio. Dahmer – 89, não? Fausto – Não, desde o princípio, precisavam de um ícone... Allan – Mas isso aí é uma teoria conspiratória. Fausto – Não: é uma conspiração. Os jovens filhinhos de papai saíram do Chile, saíram de Paris, um bando de vagabundos, essa turma, já estavam todos com trinta anos e pensaram, o que que a gente faz? "Vamos entrar no Partido Comunista"? Porra, o Partido Comunista era a única força mais ou menos organizada. O PC do B também – mas "o povo não quer saber disso". "Nós vamos fazer um partido de esquerda que não seja comunista". Um partido de esquerda que tenha um Jesus Cristo. Então eles aparecem com um operário, sem um dedo, que é a imagem perfeita pra todo mundo seguir. Cai o Aurélio Buarque de Hollanda nessa, cai o Bicudo nessa, cai todo mundo, porque todo mundo com uma culpa filha da puta dos quatrocentos anos em que botaram no cu de operários, estupraram e o caralho – "agora nós vamos seguir um operário". Ou você acha com os judeus não foi a mesma coisa "agora nós vamos seguir o filho do carpinteiro". Dahmer – E o Garotinho? Fausto – O Jornal do Brasil está comprado pelo Garotinho. Até quando, se até as eleições... eu escrevi um artigo provando que dez mil obras, matematicamente, nem em 50 anos. Dahmer – Vetaram? Fausto – Foi cortado pela metade, disseram: "olha, eles não vão publicar isso no artigo".


Dahmer – Ah, sempre rola isso. Fausto – Não, mas eu prefiro que seja isso! Porque eles estão me informando: "olha, Garotinho não". Tudo bem, o sistema é capitalista, porra, eles têm que ganhar dinheiro de alguma forma. Dahmer – O jornal é só uma empresa, esse é o terror, deixou de ser um instrumento de informação... Fausto – Nunca foi. Léo – Mas o Garotinho tem influência em outros jornais... Fausto – Mas eu fico puto com isso. Não se trata de quem é o pior... porque esse é o argumento de todo bom filho da puta: "não, mas tem fulano que fez pior" – porra, e daí? Léo – Sim, mas não é isso, quero dizer que o Garotinho tem um poder na metade do público leitor... Fausto – A minha mulher me perguntou "porra, mas por que você é desse jeito?" Eu digo, porque é fácil. Porque se fosse difícil eu não era. Arnaldo – Você já se sentiu bem em algum jornal? Fausto – Eu estou me sentindo muito bem no JB, apesar de todas as sacanagens... porque eu não me lembrava mais, desde o tempo que eu escrevia na Última Hora, como era receber uma resposta do público. Porque no Pasquim eu recebia uma excelente resposta... Dahmer – Você já tomou porrada, Fausto? Na rua, assim... em boteco... porque eu já te vi batendo... já tomou porrada, porque você é um cara grande...? Fausto – Levar porrada eu nunca levei não... levei na cadeia... mas na cadeia você dá e leva... mas como você está preso você acaba levando mais do que dá. Allan – Você ficou quanto tempo preso? Fausto – Levei umas quatro, cinco canas... por cheirar cocaína, usar maconha... mas nunca era... era pretexto, desculpa. Tanto que nem era grande cheirador... nem bêbado sou mais, porque tenho que cuidar da saúde, senão eu morro...


Allan – (incrédulo, olhando pra garrafa de White Horse) Você está cuidando da saúde? Fausto – Não...(risos) não tanto quanto eu devia... Arnaldo – Naquele artigo sobre a isquemia (n: Fausto sofreu um derrame há um ano - o que não o impediu de lançar um livro semanas depois com uma garrafa de uísque na mesa) você disse que fugiu do hospital... Dahmer – Você prefere texto corrido ou texto curto, aforismas, que nem você fez na última coluna... Fausto – Não, nessa coluna eu só fiz isso porque tinha tanto assunto que qualquer um dava um artigo... Dahmer – Estava muito bom... Fausto – Muito bom pros caras mais burros, não é, porque não conseguem ler o texto grande... Dahmer – Não, jornal não é isso? Fausto – Não, cada artigo meu é uma obra de arte, eu faço questão que seja uma obra de arte literária, porra, não é uma obra de arte jornalística não, aquilo ali eu trato com um cuidado de literatura. Léo – Qual é a diferença da resposta da internet e do jornal? Allan – Mas ele não tem acesso às cartas do JB... Fausto – Olha, eu vou te dizer, no JB, no caderno B, noventa por cento das cartas são pra mim, é porque não publicam... eles deram um golpe brutal em mim. Quando o Ziraldo fez essa putaria... eu não sei se vocês entendem, o Ziraldo chamou gente pra caralho pagando 2 mil. Eu ganhava 8 mil. Então era o meu salário, o dinheiro da minha mulher era pra firula, era o que sobrava, 8 mil garantia a casa. Aí o Ziraldo, depois de ver que aquele jornal estava uma bosta como estava... por que o que eu faria no Caderno B? Eu pego um crítico de teatro, um crítico de artes plásticas, um crítico de televisão, um crítico de cinema... Allan – Mas isso não existe mais, crítico de teatro, de cinema... Arnaldo – De talento...


Allan – Essas são profissões em extinção, tem uns idiotas tipo bombando filme de merda... Fausto – Não, quando eu digo fazer isso, não digo pra ficar dando noticiazinha... é pra chegar e... sempre levar as artes plásticas em relação ao público que a vê. Levar a... como eu disse, porra... o que foi que os artistas plásticos fizeram de 1964 até a anistia? Nada – só ganharam dinheiro. Quem botou o cu no fogo foram os cartunistas. Os outros estavam todos ali, fazendo as belas exposições deles... então eu queria... claro que não podia ser qualquer um, mas o cara que levasse em conta a arte brasileira, a arte com vista no Brasil, a arte com sentido no Brasil. Eu não quero saber, eu quero ver o mamão. O cara me pinta o mamão, eu quero ver se esse mamão é brasileiro ou não é. Você é capaz de pintar um mamão como o Van Gogh pintava? Allan – Por exemplo, o que você acha da Bárbara Heliodora? Fausto – A Bárbara Heliodora era, na minha época, o único crítico homem além de mim (risos). Dahmer – O Diogo Mainardi tem valor pro país ou é um merdalhão mesmo e todo mundo sabe disso? Fausto – A Cora Rónai, que me odeia, escreveu um artigo sobre ele... Allan – Mas todas as mulheres dos seus amigos te odeiam (risos)... Fausto (rindo) – Claro, todas. Agora, vamos ver qual é a razão: eu obrigo os putos a serem eles mesmos – agora, engraçado, porque a minha mulher não odeia nenhum deles... Léo – Mas você é um cara feliz, não é todo mundo que tem essa sorte.... as mulheres dos seus amigos estão lá, no próprio "À Mão Esquerda" estão lá, com outros nomes... Fausto – No "O Homem e seu Algoz"... um bêbado, que é o cara que sabe tudo, que ele está ali, e ele é meio ridículo, o que ele fala, ele conhece as coisas, e os amigos o evitam, mas aí acontece um negócio e ele acaba tendo que entrar para a Academia Brasileira de Letras, e as mulheres matam ele... não, isso aí da Eliana do Chico, da Cora do Millôr e da Célia do Jaguar...esse pessoal... eles deviam aprender liberdade comigo. O Chico Caruso quando esteve aqui em casa, disse "porra, quando eu estou aqui eu esqueço do mundo"...


Arnaldo – Ele gosta muito da gente também, o Chico Caruso (risos)... Léo – As mulheres dos seus amigos, como aconteceu? Fausto – Ah, sim, eu vou dizer uma coisa pra vocês... eu, de um modo geral, toda entrevista eu peço para ler antes. Essa eu não vou pedir! Allan – Você confia na gente a esse ponto? Arnaldo – Você está louco, Fausto... Fausto – Agora, vocês sabem da responsabilidade de vocês... Dahmer – Você sabe que eles nunca iriam te fazer mal, irmão... Fausto – Não sei. De repente não querem fazer mal e fazem... Arnaldo – Fausto, você tem boa memória? Fausto – Se eu não tivesse, estaria em outra profissão... Arnaldo – Porque toda vez que você vai escrever um artigo você usa muitas citações, você vai nos livros clássicos, tudo aquilo não é um trabalho de pesquisa, você cita de memória... Fausto - Eu tenho uma coisa que eu decidi quando eu estava na Dinamarca, na Itália, eu digo: o cara que vai ler um troço que eu escrevo vai sair enriquecido. Acho que isso você pode ver em cada artigo meu: eu dou a você oportunidade de ver o que esse cara falou, como ele escreveu... agora, por outro lado, não trato o meu leitor como um idiota. Dahmer – Fausto, três jornalistas que você acha que valem a pena. Fausto – Jânio de Freitas... só. Eu e ele. Léo – E o Gaspari? Fausto – É um bom jornalista. Agora, se você juntar o caráter aí... porra, ele escreveu um artigo esculhambando com o Lula quando ele bebeu Romaneé Conti... Léo – O Verissimo até escreveu um artigo genial em resposta, com uma ironia que ninguém entendeu, quer dizer, a maior parte dos leitores não entenderam.


Fausto – Por que que eu não digo o Verissimo? O Verissimo é um belo escritor, ele pode se permitir ficar nas esquinas, nas arestas das coisas... porque ele conta histórias políticas, está entendendo? O Verissimo, ele não quer se aporrinhar... e eu acho que ele está certo, mas eu, por outro lado, eu sempre dei a minha cara a tapa, tanto vocês vêem que, de vez em quando, quando a semana está fraca, eu escrevo uma história... Arnaldo – O Millôr, ele é bom caráter além de bom jornalista? Porque lembro de uma frase dele, "não se deve misturar bons sentimentos com arte"... Fausto – Mas o Millôr não é jornalista... Arnaldo – Ele é um humorista... Léo – Mas engloba aí... Fausto – Mas pra mim é muito difícil entender quem não é comunista. Eu não consigo entender a cabeça de quem chegou nesse momento em 2006 e não entendeu o Marxismo... é uma coisa tão bonita, o comunismo é uma filosofia humanista, vem dizer que comunismo é Stálin, não é Stálin porra nenhuma. Imagina se, como eu digo no meu artigo de hoje, imaginem se o Fidel, se tivesse feito a revolução dele de 59, se ele fosse venezuelano? Sentado no petróleo? Léo – Como é essa história de Guantanamo? Como é que eles alugam uma parte da ilha para fazer uma prisão? Até porque é proibido fazer comércio com Cuba, não pode nem comprar um charuto, nunca entendi isso... Fausto – Essa é uma base americana que já estava lá antes do Fidel. Então aquilo lá seria uma base – agora virou um presídio. E o povo cubano está morto de fome. Você imagina se essa merda desse nosso país não tivesse band-aid. Se você tivesse que fabricar, se tivesse que vir de contrabando. Ou que não tivesse penicilina. Ou se não tivesse anestesia. Cuba está sem nada. Está pedindo pelo amor de Deus, tudo chega lá contrabandeado. Dahmer – Acabou o dinheiro dos russos. Fausto – Mas quem acreditou no comunismo foi o Fidel, aqueles putos nunca acreditaram no comunismo.


Dahmer – Tem a China... Fausto – A China está fazendo um negócio meio no eixo, meio Capital, meio Estado... mas o comunismo você usa ele... eu, pessoalmente acredito que o comunismo vai ter que vir de dentro pra fora. O cara vai ter que entender que ele não precisa das coisas que dizem que ele precisa. Como isso não vai acontecer no Brasil, a miséria vai aumentar. Porque daqui a pouco o cara não vai querer mais morar em Copacabana, nego vai estar alugando o apartamento dele por nada, porque ele vai pra Petrópolis, ele vai ter não um, nem dois, ele vai ter cinqüenta mendigos na rua. E o cara numa Barra da Tijuca, que tem dezoito guarda-costas, ele não vai poder mais confiar nesses guarda-costas. Então o que vai ter que acontecer, a elite vai ter que se regenerar. Allan – Mas isso não é possível. Fausto – É possível. Com carrasco é possível. Arnaldo – Fausto, o que você acha da questão da violência, das drogas, aqui do Rio principalmente? Fausto – Eu acho que se você liberar as drogas você acaba com a violência, Dahmer – Mas vão aumentar os assaltos a banco... Fausto – Assalto a banco eu também gosto (risos). Arnaldo – Mas Fausto: acabando com as drogas no morro, eles vão continuar com as AR-15, os Kalashnikovs, como vai ser? Fausto – Eles não vão acabar, eles vão legalizar. Eles não legalizam porque o consumo vai diminuir em 50 por cento. E porque vai diminuir o consumo? Porque você não vai ter o traficante em uma escola primária dando amostra grátis para criança. Muito bem: legalizou. Você vai e informa: eu sou dependente de drogas... Dahmer – Mas os americanos? Fausto – Mas os americanos não querem isso, os americanos usam as drogas. É uma pena eu ter que contar pra vocês coisas que eu já escrevi muitos anos atrás. Nos Estados Unidos, 1969, 70, 68, 67, criou-se um movimento chamado Panteras Negras. Esse movimento era comunista, por isso ele não deu certo. Usou todo o organograma do Partido Comunista. O inimigo é o branco ou aquilo que ele representa.


Naquela época, era um perigo. Os caras estavam em todos os Estados Unidos, aquela garotada orgulhosa... como é que aquele viado filho da puta do Richard Nixon resolveu isso? Meia tonelada de cocaína distribuída em todos os guetos negros da costa oeste à costa leste. Como é que você vai querer, um cara que está fodido, cagado, que não tem nada.... Léo – Seria a mesma coisa dos hippies, com o LSD? Fausto – Não, porque o negócio dos hippies era uma classe média... Arnaldo – Os hippies nunca assustaram... Fausto – Assustaram. Mas os Panteras Negras assustaram mais. Então eu pergunto: o que que hoje assusta mais? Hoje, aqui no Brasil? Nada. E por que que nada assusta? Porque o nosso povo não tem cultura. E quem faz a resistência é a cultura. Você briga em função da cultura. O que é que faz um cachorro paraense ser diferente de um cachorro chinês? Não estou falando nem de gente... é que a cultura do cachorro paraense é diferente. O homem é ele mais a sua rua, mais a sua mãe, mais o seu pai, mais as suas canções... quando você tira tudo isso do homem, ele pode fazer um cruzeiro que ele vai encontrar um McDonald´s em tudo que é lugar. Léo – Tinha McDonald´s na Patagônia? Fausto – Claro. Arnaldo – O homem é o lobo do homem e a gente não pode fazer nada a respeito? Fausto – Não, vamos evitar os clichês: há possibilidade de mudar. Dahmer – Qual é a possibilidade de mudar? Fausto – O ideal seria o voto nulo. O ideal seria se nós conseguíssemos ter 51 por cento. Pro mundo ver. Arnaldo – Você acha que a desobediência civil iria deixar os políticos ligados? Fausto – Eu vou perguntar pra vocês uma coisa. O José Dirceu, enquanto ele estava levando porrada, ele só escreveu uma carta. Pra mim. Dizendo que eu estava manchando a honra dele. Minha resposta foi tão fácil que... e agora ele está escrevendo no Jornal do Brasil. Vocês tem que entender que eu virei uma curiosidade, uma excentricidade.


Arnaldo – Fausto, quando você estava na TV você era censurado? Tipo, no Jornal de Vanguarda da Bandeirantes? Allan – Você comeu a Dóris Giesse? Fausto – Claro. Aliás, uma belíssima apresentadora. Que fim levou ela? Allan – Está louca. Léo – Dizem. Arnaldo – Ela foi em um programa de TV, pedindo esmola. Fausto – Que pena. Ela era a mais bonita, e a melhor apresentadora. Você sabe que na minha carteira de trabalho meu último trabalho é Jornal do Brasil, redator, de 1964 e pronto. Léo – Você já tomou LSD, Fausto? Fausto – Já. Em 1962. Foi extraordinário. Fui eu, o Fauzi Arap, o Paulo Mendes Campos e o Ivan Lessa. Todo mundo escreveu um pouco sobre isso. Você chegava 8 horas da manhã, no dr. Pereira Gomes na rua Miguel Lemos, primeiro andar, chegava lá, isso depois da gente ter levado papos de 3 semanas com ele, você levava uma injeção com uma agulha pequenininha e aí você começava a conversar. E aí você tinha todas as alucinações do mundo, desde as mais primárias, que é de feto, com a criança tentando comer, o umbigo da mãe não dando... e eu tive umas dez sessões com ele até você ter apenas os sentidos, o tato, audição, olfato, a visão extremamente aguçada. Léo – Então foi uma experiência ministrada, você teve acompanhamento, foi isso? Fausto – É, eu era um garoto, estava no Rio de Janeiro, tinha 22 anos, tinha separado da minha mulher, estava muito triste... então o que qualquer cara tenha feito aqui a não ser troço de chupar pau e tomar no cu eu fiz antes... Dahmer – Por que, Fausto, por que não experimentou dar o cuzinho uma vez pra ver como era? Arnaldo – O Jaguar dizia que o Paulo Francis deu uma vez, mas não gostou... Fausto – Não, isso é sacanagem do Jaguar... Arnaldo – Você gosta do Francis, tem saudade?


Fausto – Tenho muita saudade do Francis, ele era muito engraçado... Arnaldo – Mas mesmo o Francis que foi cooptado (faz o gesto de aspas) pela Globo... Fausto – Não, o Francis decidiu que queria ganhar dinheiro e ia parar com aquela merda de ser um cara como eu... ele era Trotskista... e aí ele foi e inventou um personagem para ele, ele inventou um Nataniel Jebão pra ele...olha, se tinha um cara que podia dizer "olha, eu sou o herdeiro do Francis", seria eu. Agora, quem é o herdeiro do Francis, o Diogo Mainardi? Ou aquele viadinho cineasta... o... Léo – O Walter Moreira Sales? Fausto – Não, o... Léo - O Jabor? Fausto – O Jabor.. Léo – A gente estava falando até dos jornalistas, a gente citou o Verissimo, o Gaspari... o João Ubaldo Ribeiro é um grande escritor, e hoje ele escreve em jornal e fala sobre... Fausto – O João Ubaldo é um belo escritor... ele não chega a ser um dos grandes escritores... Arnaldo – Ainda mais que ele parou de beber... Fausto – (Balançando a cabeça) Beber só faz bem (risos)... Allan – É melhor escrever bêbado ou sóbrio? Fausto – Sóbrio. Arnaldo – Você nunca escreve bêbado? Fausto – Não consigo. Arnaldo – Qual o seu horário de trabalho, de sentar e escrever? Fausto – 5 horas da manhã até o meio-dia, todo dia, sem falta. Arnaldo – Como você consegue, as colunas, os romances, a poesia, muita


produção... Fausto – Porque eu sei escrever e é fácil. Basta você saber o que você tem pra dizer. Eu, por exemplo, já sei o que eu tenho pra dizer pra uma coluna daqui a um mês. Arnaldo – Então os fatos nunca te surpreendem... Léo – Quando começar o campeonato de futebol, você vai escrever sobre futebol... Fausto – Claro. Léo – Então você se interessa sobre futebol, Copa do Mundo... Fausto – Não, me interesso por futebol na medida que futebol interessa às pessoas. Claro que não vou dizer que esse time é melhor do que aquele. Por exemplo, em 1982 eu escrevi um artigo dizendo que eu ia torcer contra o Brasil, porque havia uma esperança... Léo – E a situação política não condizia... Fausto – E agora eu vou torcer para o Brasil porque não há uma esperança... embora quem quiser fazer uma aposta comigo eu boto uma garrafa de uísque contra uma caixa que o campeão vai ser a Alemanha. Vai ganhar a Alemanha como ganhou a França, não havia como a França não ganhar. Imagina: o futebol, politicamente... porra, a FIFA é muito mais poderosa que o estado do Paraguai, da Colômbia... Arnaldo – Tem mais países afiliados que a ONU... Fausto – Não há nem por um caralho possibilidade da Alemanha não ganhar... pra Alemanha é fundamental ganhar essa merda. É um povo que vai se livra daquele estigma de ter matado judeu pra caralho... que nem agora, você acha que o Madureira tinha jeito de perder duas partidas seguidas para o Botafogo? Eu vi as partidas do Madureira! Léo – Mas a Copa é um evento televisionado para o mudo todo, tem muita gente vendo... Fausto – Mas você lembra a Copa do Mundo na França, o nosso Ronaldinho até hoje ninguém sabe o que houve com aquele filho da puta! Léo – Que nem a Copa da Argentina, em 1978... Fausto – A Alemanha vai ter um time do caralho. Vai ser difícil


ganhar. Os nossos jogadores estão todos fora. Se tiver dois ou três que joguem no Brasil é muito. O tempo que eles vão ter pra treinar vai ser pouco...a Alemanha é uma coisa engraçada... a Alemanha é a minha esperança de que alguma coisa aconteça. Não estou falando de futebol, estou falando politicamente. Arnaldo – Alemanha Über Alles...você tem identificação com a Alemanha? Porque o sentimento alemão é um troço forte, você disse que tem esperança na Alemanha... Fausto – Se a Alemanha pretender... perguntaram pro Luís Carlos Prestes "em uma guerra entre o Brasil e a União Soviética com quem o senhor ficaria?". Ele respondeu "ficaria com a União Soviética, claro". Leonardo – Eu ficaria de fora. Fausto – Não é ficar de fora, ele está dizendo "porra, eu fico com a União Soviética porque é uma ideologia...". Eu não fico por aí, "ah, eu sou brasileiro..." Que merda isso... no futebol eu sou brasileiro pra caralho, torço, mas... em 82 eu escrevi um artigo dizendo "sinto muito, mas vou torcer contra, porque acredito que o meu país é melhor do que um time de futebol". Hoje eu vou escrever um artigo dizendo que vou torcer a favor, quero que o Brasil ganhe, embora saiba que não vai ganhar, porque é a única coisa que deixaram para o meu povo. É a única e eu não posso ser contra isso... olha, eu disse a vocês, hein: eu não vou pedir cópia! Dahmer – Mas você vai gostar da entrevista, não vai bater em ninguém, você acha que vai chegar aqui e bater no Allan, que é um cara fraco, pode bater... Fausto – Vou bater em você, que é forte (risos)... você sabia que eu sou campeão mundial de queda de braço? Arnaldo – Qual é o truque? Dizem que o lance é torcer primeiro o pulso do cara... Léo – Vamos fazer uma disputa aqui com o Allan? Ou com o nosso campeão, o Dahmer... Fausto – O último cara de quem eu ganhei, vocês todos sabem, foi o Mariel Mariscott (famoso policial truculento que integrava um grupo de elite chamado "Homens de Ouro". Foi executado na cadeia).


Todo mundo – Do Mariel Mariscott??? Caralho!!! Léo – Ainda bem que o cara não estava armado... Léo – Quais que você considera suas grandes glórias, "tenho orgulho de ter feito isso"... Fausto (desconfiado) – Orgulho de quê? Arnaldo – Tudo, pode ser glória literária também... uma dessas histórias pela qual você gostaria de ser lembrado? Fausto (pausa dramática) – Em 1968 eu estava em Búzios e estava nadando entre as pedras ali, na praia da Ferradurinha. Um pouco adiante tinha uma moça de uns 14, 15 anos e eu vi um Guerreiro Português. Sabe o que é isso? Na superfície, ele parece um barquinho de plástico... e o puto tem uns 100 metros de mandíbula... e estou vendo a garota ir em direção a ele. Eu nado até lá, e dou-lhe uma porrada nos cornos... estávamos a 200 metros das rochas, e entrego ela lá... e o pai me dá uma porrada, e eu dou uma porrada no pai... e a menina acorda e me dá porrada. E eu tentei explicar o que ia acontecer, levei eles lá e a porra do bicho já estava em outra, porque ele vai com o vento, nada. Então o maior orgulho que eu tenho é ter salvo a vida dessa moça. E de ter comido a Brigitte Bardot (risos). Allan – Sério? Em Búzios? Fausto – Eu namorava uma moça que era socialite e eu fui em uma sexta-feira de tarde pra Búzios. Todo mundo falava que a Brigitte Bardot ia pra lá... e eu fui a praia... eu tinha 23, 24 anos e lá está aquela mulher nua, maravilhosa, vou lá e converso com ela, porra, os cornos da Brigitte Bardot, eu como, ela vai pra um lado, eu vou para o outro – ela falava francês, é claro, era francesa. Vou pra casa, eu estava com a minha namorada e dizem "ih, rapaz, sabe que hoje tem uma festa pra Brigitte Bardot?" (risos). Léo – E a sua grande época de comedor foi no apartamento da rua Montenegro? Fausto – Não, nessa época eu já tinha 38, 39 anos, a grande época foi quando eu fui crítico de teatro, porra, era o único crítico de teatro homem (risos). Léo – Mas afinal a história de quando você se mudou pro Leme... Fausto – Isso foi uma briga com um sujeito chamado Cafu, em oitenta,


noventa e poucos... como eu gosto muito de botequim, desci pro botequim, eu não gosto de caminhar e o botequim mais perto era o do Coutinho, onde acontecia tudo. Aí eu fui lá começamos uma discussão, eu sabia que ia dar merda, ele tentou me dar uma porrada, eu dei uma porrada e ficamos brigando meia hora, briga de Faroeste, mesmo. E que querendo que apartassem, o cara era forte pra caralho, eu tinha 41 e ele tinha 25. Até que eu botei o pé contra o vidro do boteco e o vidro entrou dentro do meu calcanhar de Aquiles. Aí jorrou sangue pra caralho, o cara foi embora e eu fui para o hospital, me deram pontos pra caralho. Mas aí ficou marcado, ninguém mexe ali. Arnaldo – Fausto, e aquela vez que você derrubou um marinheiro sueco na bebida, aquela história clássica em que depois que o cara perdeu o desafio você virou pros seus amigos e disse: "agora nós vamos começar a beber socialmente?" Fausto – Ah, com o Jaguar... Allan – Isso foi em Curitiba, não é? Fausto – Não, nós fizemos esse negócio de aposta em vários lugares, em Blumenau... (soco na mesa) eu fico triste de ver o Jaguar agora ao lado daquela megera que não deixa ele sair, não deixa ver os amigos. Arnaldo – Nessa época o Jaguar era o seu parceiro... Fausto – Porra! Nessa época eu e o Jaguar viajamos o país inteiro fazendo propaganda do Pasquim. Jaguar é a melhor companhia que alguém pode querer pra viajar. Ele está em todas... Allan – Quem são os jovens que estão fazendo boa literatura hoje em dia? Fausto – Tem três caras: o Jean Charlau, lá de Porto Alegre, tem uma mulher em São Paulo chamada Maria Belmoral e tem o Luís Horácio no Rio. Léo – E você acompanha internet, esses novos espaços? Fausto – Tenho, mas vou falar uma coisa definitiva pra vocês: literatura é sinceridade. Literatura é cojones. Literatura é a capacidade de se olhar no espelho. Só depois vem o estilo. Só depois vem o escrever bem. Aqui de vocês, infelizmente, eu só tenho o exemplo do Allan. Você lembra o que eu escrevi sobre o "Preto no Branco"? Aquilo é absolutamente sincero. Porque você vê que o cara que fez aquele humor levou todas aquelas porradas que ele disse. Porque eu


acho engraçado quando vem uma garotinha e diz "ah, eu fiz um poema, queria que você lesse"... Arnaldo – Naquele seu artigo sobre a sua isquemia você diz que uma das coisas que você mais odeia é receber originais não-solicitados... Fausto – Mas imagina, eu estou preocupado em pagar o meu aluguel, vem um cara e pede pra ler um romance dele? Allan – E você lê? Fausto – Claro que não (risos). Eu já decidi uma coisa: mando de volta dizendo "excelente" (risos). Allan – Mas você lê os livros daquela editora do sul, Livros do Mal? Fausto – Não, não leio nada. Eu já sei quando começa na orelha "é um cara que... fulano de tal é funcionário público, e o pai dele, etc"... Arnaldo – Você elogiou um cara, o Marcelo Benvenutti... Fausto – Esse cara é bom. Isso eu disse logo que recebi o livro. Tem um cara que é bom pra caralho, mas realmente achei um pouco demais até pra mim... que escreveu sobre um cara que o emprego era limpar o esperma... Arnaldo – É o Daniel Pellizzari... Allan - ... das cabines de peep-show... Fausto - ...e que um dia ele foi lá chupar um pau... e aí eu fui ver... a idéia é de uma certa... mas o que o poema quer dizer? Que o grande negócio é chupar pau (risos)? Léo – É o que está dando dinheiro hoje em dia... Arnaldo – O cara que estiver chupando o pau do Tanure deve estar bem de vida. Fausto – Deve ser o Augusto Nunes (risos). Arnaldo – Fausto, você tem um índice de rejeição, algumas pessoas não gostam... Fausto – Eu vi uma coisa na internet, um crônica, que dizia "eu passava batido pelo Fausto Wolff, achava ele arrogante, e aí alguém me fez insistir e eu estou viciado nesse cara". A internet é engraçada,


porque você descobre... um dia eu pesquisei "graveto", e aí descobri que "graveto" em português de Portugal quer dizer viado, além de "paneleiro", aí vem uma lista de sinônimos de viado... porra, nesse sentido internet é do caralho. Não tenho nem que pegar o dicionário. Léo – Você é de Santo Ângelo, a sua cidade, não é? Você ainda tem ligação, você voltou lá? Fausto – Eu voltei lá, me convidaram, me chamaram para um negócio chamado "Diáspora". Esse negócio de diáspora é negócio de judeu... meu pai e minha mãe saíram daqui porque estavam sem grana... então não foram corridos (risos). Tudo bem. Aí eu vou fazer a palestra e tinha que receber uma Comenda do prefeito. Aí eu dei a palestra e eu pergunto "onde está o prefeito"? O prefeito tinha ido embora. Teve um cara que era um santangelense que aparentemente tinha se dado bem na vida, um cara que era microcirurgião. Aí veio o microcirurgião "ah, mas a minha carreira, é difícil, microcirurgião e tal, mas eu também escrevo poesia". Aí ele disse duas ou três poesias. Aí me chamaram no palco, e eu "meu nome é Fausto Wolff, eu escrevo poesia, mas nas horas vagas eu sou microcirurgião (risos). Se vocês não acreditam, se alguém tem algum problema..." (risos). É claro que eu não sou uma pessoa muito bem querida em Santo Ângelo (risos). Arnaldo – "Eu sou um microintelectual"... Fausto – Escuta, vocês viram o quanto eu bebi hoje? Arnaldo – Menos que a gente (n.: querendo dizer "mais", evidentemente) e estamos bem pior que você. Fauso – Menos? Leonardo – Mais! Arnaldo – Somos amadores. Leonardo – Você tem saudades de alguma coisa? Arnaldo – Do Pasquim... Fausto (grande pausa) – Eu tenho saudade do tempo em que eu e o Jaguar editávamos o Pasquim. Leonardo – Isso foi quando?


Fausto – De 78 a 88. Leonardo – Foi na época em que o Reinaldo estava ilustrando, o Reinaldo é um grande cartunista... Fausto – Eu particularmente acho o Reinaldo meio filho da puta. Eu acho ele meio filho da puta porque todo mundo acaba na Globo para fazer crítica a favor, porra?! Arnaldo – A Globo acabou com o Henfil, por exemplo? Fasuto – Não! Rapaz, eu fui diretor da TV Globo! Leonardo – Isso que eu queria perguntar, como foi sua saída de lá? Fausto – Foi quando eu percebi que... Allan -... a Globo era uma merda? Fausto – Não! Foi quando eu percebi que era verdade a porra do negócio lá da Time-Life! Que eles estavam se preparando para tomar conta do Brasil. Isso foi em 65. Leonardo – No início da Globo. Fausto – Eu era o assistente do diretor, o Mauro Sales. O Walter Clark só veio depois. Eu fui demitido por razões óbvias, porque eu vi que certos programas não davam pé. Basicamente eu saí quando eles contrataram o Chacrinha. Arnaldo – Ele era um filho da puta? Fausto – Não, era só um idiota. Fazia aquele negócio dele lá... eu sempre falei, o programa do Chacrinha era um negócio bobo. O Gláuber Rocha achava do caralho. Aí eu digo, por que é que eu acho bobo? Eu acho bobo pelo seguinte: as pessoas sabiam que elas... (toca o telefone, Allan atende, é um sujeito do banco querendo falar com o "sr. Faustino". Allan pede para o cara voltar a ligar no próximo sábado, 8 da manhã. Depois de desligar, Allan derruba o telefone no chão) Fausto – Aqui tem essa vantagem, pediu para falar com Faustino, eu não estou. Do que a gente estava falando?


Arnaldo – A gente estava no Chacrinha. Fausto – Ah, bom. Então eu digo: "porra, eles..." (toca a campainha, é o sujeito da videolocadora - e não vamos nunca mais saber tudo o que Fausto Wolff pensa sobre o Chacrinha) Leonardo – O negócio da sua candidatura. Fausto Wolff presidente. Primeiro de janeiro de 2007. Discurso de posse. Fausto – Minhas senhoras e meus senhores, terei que dizer coisas que certamente machucarão algumas pessoas. Essas pessoas eu sugiro que comecem a ir rapidamente porque o meu secretário, o Jonhonho (risos) já está ligando para todos os aeroportos do país. Fechando (risos). De modo que esse meu governo vai ser um governo que eu tenho certeza que agradará a todos. Esse meu governo será pai e mãe. Quem não tiver uma casa, terá. Quem não tiver um emprego, terá. Quem não tiver hospital, terá. Quem não tiver uma terra para plantar, terá. E em termos de terra, acabei de dizer ao meu ministro da agricultura o seguinte: que compre todas as terras que não estiverem sendo usadas. E nós vamos pagar o que os proprietários delas declararam pro Imposto de Renda. De modo que a Reforma Agrária já está resolvida. A Reforma Educacional: o Estado é responsável pela educação de todas as crianças. Aquele que depois da educação secundária quiser se especializar em uma universidade, será pago pelo governo, e devolverá ao governo assim que cursar. A partir de hoje, todos somos responsáveis por todos. A partir de hoje todos os pais são pais de todas as crianças. A partir de hoje todos poderão se queixar ao Estado. Poderão se queixar no bairro, no município, no estado ou em escala federal. A partir de hoje não há mais propaganda eleitoral. Enfim, a partir de hoje todos os presídios serão examinados. E quem não tiver que estar no presídio será livre. Coisas absolutamente simples. Allan – Fausto presidente! Eles não vão deixar, Fausto, eles não vão deixar. Fausto – Não... a idéia que eu fixava só seria engraçada pela mídia que eu ganharia, aqui e no exterior. Um jornalista maldito diante de tudo que está acontecendo decidiu... ele diz que é bêbado, ele diz que é isso... o Times publicaria isso, você está entendendo? Leonardo – Será que publicaria, não ia ter um boicote... Fausto – Mas claro que ia ter um boicote, claro que eu não seria eleito, mas todo mundo ia falar, no mundo inteiro, sobre esse cara. Cadê aquele menino que estava aqui?


Arnaldo – O Dahmer chapou... Leonardo – A gente meio que traiu sua candidatura, porque o Arnaldo lançou a candidatura do personagem dele, o Capitão Presença. a presidência... "Preza presidente"... o Presença é um cara que leva maconha para quem não tem... Fausto (cagando) – Mas vocês entenderam o lance da minha candidatura? Leonardo (consertando) – ...mas você tinha dito que seria uma candidatura séria, mostrar que é fundamental a parada... eu votaria! Porque eu vou votar nulo... Fausto – Não é problema de votar, seu babaca! É pra esculhambar essa merda! Leonardo – Mas claro Fausto, mas ia ser perfeito que você tivesse um tempo na televisão, ia ser lindo, imagina você fazendo horário político, aquela merda passa toda noite, se você tivesse um espaço pra falar o que você quisesse... Fausto – Vocês são uns merdas, então... Arnaldo – Exatamente! Fausto - Aquela revista F. que só fala no condicional! "Ah, eu poderia, eu faria...". É, é verdade, vocês são uma revista de merda... ou você começa matando a pau ou não vai matar a pau nunca! Arnaldo (evidentemente arregando) – Concordo! É isso aí! Merdas, nós somos uns merdas! Leonardo – Somos, mas estamos fazendo, ué... Fausto – Não, não, não dá não! Porque numa dessas vai entrar uma propaganda... vocês lembram da última vez que a gente se encontrou o que eu disse pra vocês? Eu disse pra vocês: "não tem limite". Quem é livre não tem limite. Então qualquer coisa que vocês façam pensando em limite, fudeu. Leonardo – Mas a gente não pensa nisso, Fausto. Allan – A gente não pensa (risos)... Leonardo – Agora, a gente é uma mídia impressa, numa época em que não


se dá valor a isso. Fausto – Você pode explicar isso escrevendo. Leonardo – A idéia da F. é justo o impublicável, o que você não veria em nenhum outro lugar... Fausto – Eu não acho que vocês façam grande coisa a mais do que eu faço no JB. Todo dia eu levo o meu limite ao máximo. Leonardo – Mesmo assim não te permitem fazer o máximo que você pode. Fausto – Sim, mas eu sei que eu não tenho nada a ver com isso. Leonardo – A gente faz o máximo que a gente pode. Fausto – Não. Não é verdade, vocês se autocensuram. Leonardo – Não, você está enganado. Não me autocensuro nem no jornal que eu trabalho. Arnaldo – Fausto, a gente está arrumando briga com nossos próprios pares. Não acho que o Miguel Paiva nem o Chico Caruso gostassem da F.... Allan – Miguel Paiva é um bosta. O que você acha dele? Arnaldo – A gente não topa corporativismo, a gente fala mal de gente... o Ziraldo veio reclamar com a gente... Leonardo – Ziraldo é um gênio gráfico, mas discordo de várias coisas dele... a gente não faz média, a gente faz o que a gente acredita. Fausto – Eu acho que vocês estão prontos pra entregar essa revista. Leonardo – Discordo. Arnaldo – Eu acho que não, ninguém gosta da gente... Fausto – Quando alguém puder dizer isso pra mim... Arnaldo – Mas na real por enquanto a gente nem é assunto para esses caras. Leonardo – O problema da gente é que revista é uma coisa arcaica, neguinho não se interessa pelo meio se pode baixar tudo da internet,


nego não se interessa por isso. Fausto – Então vocês tem que pensar um negócio: "onde foi que nós erramos?" Arnaldo – Mas essa geração, a nossa e a mais jovem, também não está interessada em porra nenhuma, não foi só a gente que errou... Leonardo – E essa da gente disputar espaço em banca de jornal... Fausto – Você sabe quantas bancas de jornal tem no Rio de Janeiro? Arnaldo – Quantas? Fausto – Vocês não sabem? Então, vocês são uns merdas. Vocês tinham que saber... Arnaldo (irônico) – Mas a gente é artista, Fausto... Fausto (cagando pra ironia) – Ah, "artista"... artista dá o cu. Tem que saber quantas bancas, quantas famílias... Arnaldo – Tudo da máfia italiana... Allan – Nah, evangélica. Leonardo – Distribuição é um problema, a gente sabe que os caras podem encrencar com capa, e tal... Fausto – Sabe quanto custaria conversar com eles? Nada. Leonardo – Ninguém faz isto, Fausto. A gente só sabe fazer revista. Fausto – Revista até eu faço. Arnaldo – Nosso nome não tem o seu peso. Leonardo – É inclusive uma honra pra gente te entrevistar... Fausto – Cala boca e escuta. Você é um cara que pensa e sabe. Há uma possibilidade da revista F. existir em todas as bancas: (n: pausa GIGANTESCA) a revista tem que transmitir o medo. Leonardo – Mas ela dá medo... Fausto – Não dá, vocês vão se fuder, entrevistam aquele idiota...


Leonardo – Mas essa a idéia, entrevistar um cara totalmente diferente do outro cada número... Fausto – Eu acho que vocês tem que fazer o seguinte, apresentar as coisas como se fosse um grande negócio o cara escrever. Qualquer um, o Rubem Fonseca... vocês tem que ganhar a credibilidade do leitor. Qual foi o primeiro cara que vocês entrevistaram? Leonardo – Cláudio Assis, do "Amarelo Manga"... Fausto – Fraco. Quem foi o outro? Leonardo – Mr. Catra, o rapper. Você é o quarto, o terceiro foi o Diogo Mainardi. Fausto – Pois é! É a partir daí que pega... o Diogo Mainardi, eu já disse em uma entrevista, eu se fosse ele já tinha me suicidado (risos). Ah, ele é só um filhinho de papai. Tanto que ele não se mete a me esculhambar. (Pausa. Suspiro) E agora vamos editar essa entrevista...


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