B O R D A
Edson
F l o r i a n รณ p o l i s
Macalini
S C 2 0
2 0
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP Macalini, Edson. M114b 84p: il.:
Borda/ Edson Macalini. – Juazeiro, Ba: UNIVASF, 2020.
“Esta publicação compõe o conjunto de trabalhos artísticos realizados no programa de Extensão: Deslocamentos Múltiplos – experimentações híbridas em publicações artísticas”. ISBN 978-65-88648-16-2 1. Artes visuais.I. Título. II. CDD 700 Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema Integrado de Biblioteca SIBI/UNIVASF Bibliotecário: Renato Marques Alves, CRB 5 – 1458.
Caminhadas pela borda da ilha de Santa Catarina
Agosto / Dezembro de 2019 Florianรณpolis
Encantamento/Deslocamento O ato de se deslocar, transitar, caminhar pelos lugares, vendo, ouvindo, coletando, como se encantasse...com sedução, envolvimento, atração, captura da natureza que lança feitiço para nos prendermos/apreendermos. Arte e natureza, tem esse poder sedutor e de encantamento, magia, imageria. Essa publicação trás diversos recortes: textos, paisagens, sensações, percepções, lembranças, lampejos e pedaços, de tudo um pouco, encontrados pelos caminhos____________________________________________________________
A história do caminhar é secreta e jamais foi escrita; seus fragmentos podem ser encontrados em milhares de trechos inexpressivos de livros, canções, ruas, e nas aventuras de quase todas a pessoas. A história do caminhar é da evolução física do bipedalismo e da anatomia humana. Na maioria das vezes, caminhar é mera questão prática, o meio de locomoção inconsciente entre dois lugares. Fazer do caminhar uma investigação, um ritual, uma meditação, é um subconjunto especial de atividades, fisiologicamente semelhante e filosoficamente dessemelhante à maneira como o carteiro trás a correspondência e o escriturário chega ao trem. Ou seja, o objeto do caminhar é, em certo sentido, a maneira como investimos atos universais de significados particulares. (SOLNIT, 2016, p. 19)
Caminhar Deslocar Passear Migrar Viajar Seguir Andar Ir !
A Ilha de Santa Catarina, abriga a insular cidade de Florianópolis, capital do Estado, e maior ilha oceânica do litoral Catarinense. A linha que forma o desenho das bordas é repleto de texturas, formas, tipos e cores, nas encostas de seixos, pedras, rochedos, praias de areias claras, outras nem tanto, moles e duras, largas e curtas, mangues e restingas, barros salgados de mar aberto e de baía. Nas bordas da ilha florianopolitana é local de encontro de descartes de objetos, do nascimento de espécies terrestres, aéreas e marinhas, das investigações dinâmicas de seres de vivos e diversos organismos das praias, propício as coletas, proposições poéticas e ressignificações de suas encostas litorâneas. As bordas da ilha é local de início da terra e das investidas desta publicação que se propõem aos deslocamentos como dispositivos poéticos para as artes visuais.
“Como já sabia o homem que amava as ilhas, uma ilha grande não é melhor do que um continente, de modo que o homem atento à extensão não vislumbra que a diferença entre continentes e arquipélagos está nas forças investidas. O movimento inicial do homem que amava ilhas toma a unificação como objetivo, é a fuga do continente para uma ilha em que ele seja o centro – ou seja, cria-se um continente na ilha, pois ela nada é senão o ideal interiorizado”. (GODOY, 2008, p. 160)
A biogeografia, campo de estudos que motivou algumas investidas e reflexões, tem por objetivo o estudo da distribuição dos seres vivos sobre a superfície do globo, atualmente ou no tempo passado, e das condições desta distribuição, contemplando a composição das floras e faunas viventes ou fósseis, o determinismo e as conseqüências desta composição. Este conceito quer dizer geografia da vida ou distribuição geográfica dos seres vivos. Os biogeógrafos são aqueles que tentam compreender os diferentes padrões de distribuição dos animais e plantas. Para tanto buscam reconstruir estes padrões, unindo a história da Terra em diferentes escalas espaciais e temporais à história das formas dos seres vivos, ou seja, entender como se processaram as modificações morfológicas de animais e plantas, quais suas causas e como isso aparece refletido no espaço geográfico. Desde que o homem surgiu, vem se preocupando onde encontrar os animais ou plantas, isto em função da sua curiosidade e também pelo fator alimentação. A Biogeografia é uma ciência; é um ramo da Biologia que se preocupa com a distribuição dos seres vivos, tanto atualmente quanto no passado.
(FONTE: https://www.ambientebrasil.com.br/)
DESLOCAMENTOS A natureza já foi elaborada como paisagens heróicas, sublimes, simbólicas, românticas, fantásticas, utópicas, dentre outras, pelos meios da pintura, desenho, gravuras ou projetos paisagísticos. Recursos como imitação, dramatização, oposição, contraste, organização, enquadramento e composição foram sempre adotados na arte relacionada ao mundo natural. Mas, a abordagem da natureza pela sua plasticidade e visualidade de um ponto de vista fixo, torna-se mais complexa a partir do momento em que, para além da dualidade natureza e cultura ou de imagens grandiosas, tidas até então como únicas possibilidades, novos problemas ambientais e políticos passam a ser incorporados, ampliando, assim, o campo artístico. (GANS, 2015, p. 13) A Ilha de Florianópolis forma um grande maciço costeiro que se alonga numa dorsal central, acompanhando a costa continental, com dimensões aproximadas de 54 km de comprimento por 18 km de largura. Sua área territorial abrange 424,40 km2, dos quais aproximadamente 29 km2 são de rios e lagoas. Florianópolis se distingue de outras cidades brasileiras por vários motivos: característica insular, relevo acidentado e diversidade de ecossistemas. (ALMEIDA & RODRIGUES, 2003)
Para a biogeografia, Ilha é um local no qual os seres vivos encontram-se separados, isolados por montanhas, vales. É preciso entender por insularidade, toda forma de isolamento do globo. Uma ilha pode ser geralmente considerada como um complexo de ecossistemas de pequena extensão espacial cujo fluxo genético ou de colonização com o resto da biosfera é claramente reduzido. As ilhas têm duas origens, continentais e oceânicas. As ilhas continentais são resultantes do fracionamento de um continente (ou de uma parte). E as ilhas oceânicas ocorrem do surgimento dos fundos oceânicos sem contato com nenhum continente. (FONTE: https://www.ambientebrasil.com.br/) Ao observar a imagem aérea de Florianópolis, percebemos uma ilha-cidade ou cidade-ilha, cujo formato geográfico e tecido orgânico de sua ecologia oferece como resultado um desenho singular, específico e único desta cidade. Repletas de morros, praias, lagoas e áreas extensas de vegetação, constitui uma particularidade urbana, que, com os avanços das construções em direção a natureza, surge novas formas irregulares, sinuosidades, vazios e desvios que são reordenados conforme a geografia local. Os vazios, por sua vez, constituem o último lugar em que é possível perder-se dentro da cidade, o último lugar em que se pode sentir fora do controle dos espaços dilatados e estranhos (CARERI, 2013). Os vazios urbanos são espaços públicos dentro da cidade que ainda não se tornaram privados, fazendo da cidade-ilha de Florianópolis, o local de muitos vazios urbanos ainda não ocupados. E esses vazios nos fazem caminhar.
...muitas palavras que até hoje se encontram nos relatos referentes ao território percorrido ao caminhar provém da metáfora do mar e do navegar. [...] dérive, palavra de origem náutica, capaz de expressar a ambigüidade do perder-se conscientemente, procurando dosar o desejo e o acaso, o racional e o irracional, o projeto e o antiprojeto. A deriva, com efeito, é um termo duplo: uma palavra que carrega consigo a ideia surrealista do acaso e do navegar ao sabor das correntezas, como um veleiro que se move sem vento e sem mapa [...] Entretanto, para quem navega, o andar é tão importante quanto o parar. (CARERI, 2017, p. 31)
Seja navegar, caminhar, deambular, transitar, deixar a cidade acontecer pelas experiências dos deslocamentos, pela naturalidade de se mover pelos espaços, tomar forma as investidas na qual se pretende explorar [...] Segundo a urbanista Paola Bernstein Jacques, As errâncias urbanas, as experiências de apreensão e investigação do espaço urbano pelos errantes, interessam aqui quando transmitidas por narrativas errantes. Como a maioria dos errantes não deixou narrativas de suas errâncias, deslocamos a questão das errâncias urbanas, da experiência errática da cidade como possibilidade de experiência da alteridade urbana, para sua forma de transmissão pelos errantes, através das narrativas errantes. Nosso foco passa então dos errantes em geral, das errâncias urbanas, para as narrativas dessas experiências erráticas. Em vez de repetir nostalgicamente qualquer tipo de tradição da transmissão da experiência, os errantes inventam outras possibilidades narrativas, outras formas de compartilhar experiências, em particular a experiência da alteridade urbana nas grandes cidades. Essas narrativas errantes são narrativas menores, são micronarrativas diante das grandes narrativas modernas; elas enfatizam as questões da experiência, do corpo e da alteridade na cidade e, assim, reafirmam a enorme potência da vida coletiva, uma complexidade e multiplicidade de sentidos que confronta qualquer “pensamento único” ou consensual, como o promovido hoje por imagens midiáticas luminosas e espetaculares das cidades. (JACQUES, 2012, p. 20) Independentemente o modo de explorar os lugares - cidades ou campos - o que importa para conhecer a localidade é transitar por ela, se relacionar com cada minúsculo organismo da sua natureza e geografia local para descobrir seus potenciais e suas diversidades de elementos para investigações estéticas. Fazendo nos lembrar do artista coletor Mark Dion.
As expedições de Dion ocorrem sobretudo percorrendo arquivos, documentos, mapas, textos e todo material que possa ser útil ao artista para a construção de uma outra configuração do planeta e que coloque em jogo os territórios fixos do conhecimento e suas fronteiras. Assim, consegue instalar um lugar de conflito que borra contextos, origens, fronteiras, que mistura e reclassifica tudo ao seu modo, levando-nos para uma nova territorialização. Usando modelos tradicionais das ciências, Dion desestabiliza as classificações e categorizações hegemônicas, provocando um estado de suspensão no qual ciência e aleatoriedade se tornam simétricas. (GANS, 2015, pag.20)
Os artistas que caminham são coletores potenciais de materialidades e imaterialidades muitas vezes invisíveis. Os artistas que se deslocam promovem nos trechos percorridos partilhas de conhecimentos e saberes que são potencializados em disseminações nos meios que operam. As profissões ligadas ao mundo da arte vêm, dessa maneira, incorporando a mobilidade como sua característica elementar. Evidentemente, se deslocar para outra cidade, país ou continente a trabalho não é a mesma coisa que realizar uma deriva, mas é evidente que ambas atividades pertencem ao âmbito do movimento. E mais até do que a produção artística, a teoria contemporânea parece ter assimilado esse caráter nômade, que pressupõe a consciência de que o mesmo texto será lido e entendido de maneira distinta em lugares distintos, e que exatamente por isso não pertence a um mais do que a(os) outro(s). Essa condição, poder-se-ia dizer, não é exclusiva da contemporaneidade: ao analisar o termo grego theorein, James Clifford diz que ele define “uma prática de viagem e observação, um homem enviado pela polis para uma outra cidade para testemunhar uma cerimônia religiosa. ‘Teoria’ é o produto do deslocamento, da comparação, de uma certa distância. Para teorizar, é preciso deixar a própria casa. Mas como qualquer viagem, a teoria inicia e termina em algum lugar. No caso dos teóricos gregos o início e o fim eram o mesmo lugar, a polis de onde vinham. Isso não é tão simplesmente verdade para os teóricos do final do século XX”14. Ou seja, se ainda hoje, como na antiga Grécia, “para teorizar, é preciso deixar a própria casa”, ao deixá-la ninguém sabe muito bem para onde voltará, ou se existe em absoluto a possibilidade de um regresso, diferença ontológica que distingue, poder-se-ia dizer, a viagem da deriva. O escritor argentino Tomás Eloy Martínez afirmou algo parecido, ou talvez complementar, ao comentar a sua trajetória pessoal de exilado durante o período de ditadura militar no seu país: “Quando você volta ao lar do qual partiu, pensa que fechou o círculo, mas percebe que sua viagem foi só de ida. Do exílio ninguém regressa”. (VISCONTI, 2012, p. 21)
Quando me perguntam de onde sou, tenho dificuldades de dizer, pois, já transitei por tantos lugares que me sinto um pouco de cada lugar. O lugar da gente é aquele que nos faz voltar ao mesmo, ou nos fazem permanecer neste. As saídas que tive de um lugar para o outro sempre estiveram ligadas as necessidades - sejam oportunidades de trabalho ou estudo. Mas eu sempre voltei aos lugares que já morei. Alguns deles, o retorno é maravilhoso, sentimento de redescoberta e desvelamentos, outros, possuem gosto amargo, de lembranças que nos afetam e contaminam todo o lugar. Tem lugar que meu retorno é sempre uma difícil decisão. Enquanto o exilado caminha por outras terras, a que ele deixou muda, deixa de existir do jeito que ele a conheceu, e se algum dia, por ventura, ele finalmente conseguir voltar, voltará a uma terra que já não lhe pertence. É só enquanto o exilado (o artista, o escritor, o crítico...) está no caminho, então, que ele realmente preserva a memória, no instante que ele para, a memória que o caminho conservava evaporará a contato do mundo. Significativamente, um artista fundamental nesta pesquisa como Richard Long afirmou recentemente que para ele o ato de andar permanece, apesar ou para além de ter-se tornado estratégia artística de uma carreira de várias décadas, ainda muito ligado à infância, e notadamente à lembrança das caminhadas que, a cada ano, fazia com o pai e os alunos da escola onde o pai ensinava: mais um exemplo de um caminho feito para lembrar. [...] mas é sugestivo notar como, ao redor do ato de andar, ou da própria ideia de deslocamento, aglutinam-se memórias e reflexões, não raramente ligadas à produção artística contemporânea, o que torna, talvez, relevantes as circunstâncias em que foi concebida...(VISCONTI, 2012, p. 22)
Já morei em Florianópolis, entre 2011 e 2015, logo após o encerramento da graduação em Curitiba, com o objetivo de fazer mestrado e viver numa ilha repleta de praias. Ao final deste ciclo os ventos me levaram para o norte e depois nordeste, e em 2019, as águas caudalosas, enxurradas da vida me trouxeram novamente para a ilha com o objetivo do doutorado. A ilha que eu desejava, não sei se eu desejo mais, e se a desejo, é um sentimento novo e diferente, de redescoberta, de encontros sutis com sua natureza, espacialidade urbana e natural, das trocas culturais e relacionais com seus moradores. Me sinto óra visitante, óra exilado, morador mesmo, sinto que hoje isto pertence a outro lugar, e lá, no meio de meus deslocamentos entre casa e trabalho, também há uma ilha, não oceânica, fluvial.
• PRAIA DA DANIELA
ALGAS DA PENUMBRA
O caminho é uma serpente
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Trilha da solidão / saquinho
Cacos
Insignificâncias
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Forte de Sant’anna do Estreito
Cracas e Rochedos
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Praia sem nome / Lagoinha do norte
Esta publicação é resultado das leituras, debates e caminhadas realizadas durante e após o encerramento da disciplina : Do caminhar pela natureza e dos processos artísticos contemporâneos. CARACTERIZAÇÃO DA DISCIPLINA A natureza enquanto propulsora de pesquisas em artes visuais. A natureza enquanto objeto de observação e reflexão teórica. O artista e sua construção poética a partir de rastros encontrados na natureza. Experiências e proposições artísticas e poéticas. OBJETIVO GERAL Promover o encontro entre a natureza, o olhar do artista e sua experiência poética. Linha de Pesquisa: Processos artísticos contemporâneos. Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais – PPGAV / UDESC Professora Dra. : Sandra Maria Correia Fávero
REFERÊNCIAS: CARERI, Francesco. Walkscapes : o caminhar como prática estética / I. ed. – São Paulo : Editora G. Gili, 2013. ________________ Caminhar e parar. – São Paulo : Editora G. Gili, 2017. GANZ, Louise Imaginários da terra: ensaios sobre natureza e arte na contemporaneidade / Louise Ganz. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Quartet: FAPERJ, 2015. 184 p.: il.; 23 cm. GODOY, Ana. A menor das Ecologias. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008. JACQUES, Paola Berenstein. Elogio aos errantes / Paola Berenstein Jacques. - Salvador : EDUFBA, 2012. 331 p. SOLNIT, Rebecca. Ahistória do caminhar. – São Paulo : Martins Fontes – selo Martins, 2016. VISCONTI, Jacopo Crivelli. Novas Derivas. Tese de doutorado. – São Paulo, 2012. SITE. https://www.ambientebrasil.com.br/)