Docência na Saúde - Uma proposta didático-pedagógica (E book )

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Docência na Saúde Uma proposta didático-pedagógica

Brasília/DF 2015


UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL MINISTÉRIO DA SAÚDE

Docência na Saúde Uma proposta didático-pedagógica

Brasília/DF 2015


UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL (UFRGS) Núcleo de Educação, Avaliação e Produção Pedagógica em Saúde (EducaSaúde)

Projeto SUS Educador: Docência na Saúde Coordenação Técnica: Ricardo Burg Ceccim, Simone Edi Chaves, Dagmar Estermann Meyer e Eliana Goldfarb Cyrino (UNESP) Endereço: Rua Antônio Carlos Guimarães, 155 - 2º Andar - Bairro Centro Histórico, Porto Alegre/RS, CEP 90050-382 Fone: (51) 3308-4131 | www.educasaude.ufrgs.br MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) Departamento de Gestão da Educação na Saúde (DEGES)

Política Nacional de Educação Permanente em Saúde Termo de Cooperação nº 205/2012

U58d Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Ministério da Saúde Docência na Saúde: uma proposta didático-pedagógica [documento eletrônico] / Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Núcleo de Educação, Avaliação e Produção Pedagógica em Saúde (EducaSaúde), Ministério da Saúde. – Brasília, DF: UFRGS/MS, 2015. 297 p. : il. 1. Educação em Saúde. 2. Docência na Saúde. 3. Formação profissional em Saúde. I. Núcleo de Educação, Avaliação e Produção Pedagógica em Saúde (EducaSaúde). II. Sistema Único de Saúde (SUS). III. Ministério da Saúde. IV. Título. CDU 614:37 Bibliotecária responsável: Aliriane Ferreira Almeida CRB 10/2369

Endereço: Esplanada dos Ministérios Bloco G, Brasília/DF, CEP: 70058-900 Fone: (61) 3315-2425 | www.saude.gov.br

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. EducaSaúde; BRASIL. Ministério da Saúde. Docência na Saúde: uma proposta didático-pedagógica. Brasília, DF: UFRGS/MS, 2015.

Alicia Navarro de Souza Barbara Eleonora Bezerra Cabral Dagmar Elisabeth Estermann Meyer Daniele Noal Gai Ederson Luiz Locatelli Eliana Goldfarb Cyrino Emília Carvalho Leitão Biato Fernando Edi Chaves Geisa do Socorro Cavalcanti Vaz Mendes João Henrique Lara do Amaral José Ivo dos Santos Pedrosa

Larissa Shikasho Lia Scholze Mara Regina Lemes De Sordi Maria do Amparo de Sousa Monalisa da Silva Pinheiro Nildo Alves Batista Ricardo Burg Ceccim Sandra Minardi Mitre Sidney Marcel Domingues Simone Edi Chaves Sylvia Helena Souza da Silva Batista

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14 Bases introdutórias 42 Eixo 1: Gestão e protagonismo participativo no ensino e no trabalho em saúde 74 Eixo 2: Currículo, inovações educacionais e práticas docentes em saúde 126 Eixo 3: Docência e práticas de redes na gestão, atenção e participação em saúde 176 Eixo 4: O protagonismo docente diante dos compromissos da formação em saúde com o SUS 211 Narrativa na formação e práticas clínicas 233 O portfólio reflexivo e a metacognição narrativa 270 Avaliação na docência em saúde 297 Videoteca

Uma proposta pedagógica

6 Apresentação

Docência na Saúde

Sumário


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Uma proposta pedagógica

Docência na Saúde

Apresentação


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Docência na Saúde: didática, formação e currículo na área da saúde

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ensar a docência! É possível? Desde a educação e a saúde? Tratando-se de uma didática para todos? Ou afirmando uma ética desde a didática? A docência é a “ação de ensinar”; requer, em tese, uma didática, a “técnica de ensinar”. Pois que a didática representa os princípios que orientam a atividade educativa de modo a torná-la mais eficiente. Coisas da ciência educativa, mas, dito de outro modo, não seria a didática uma ética da docência? Como a didática observa seus aprendentes, por exemplo? Que “olhar” seria este? O que aqueles que possam ser designados por aprendentes “precisam” aprender? Pois que docência seria a da saúde? Uma docência que se faz com uma didática da afirmação da vida? Possível? Formação na área da saúde! Seria o aprender uma política da docência? Existiria na docência uma forma de ativar corpos? E de acolher corpos que se compõem? Seria tudo razão, saberes formais e transmissão de informação ou haveria composição, ativação alteritária, afecções? A diferença, o desfazimento de mundos, a desestabilização de normas e moralidades antecedentes não requerem

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uma didática? A produção dessa didática não seria uma grande saúde? Qual didática para qual saúde quando em causa uma docência na saúde? Uma docência, ensejamos, se afirma por sua ética e política. Ética da afirmação da vida, política das aprendizagens. Por isso não é uma didática dos métodos, das escolas de métodos. O professor transmite a si mesmo como aprendente, não informações; constrói aprendizagens, não consciências. Consciência é já a posse de uma razão, aprendizagem é potência de singularizar (melhor: ressingularizar!). Ensinar é talvez contribuir a que se aprenda com outros sentidos. São alunos aqueles que querem aprender. Todos querem? O bom professor é aquele que faz com que todos queiram? O bom professor seria aquele que ativa o querer – forte, desejante, poderoso ante as capturas do desejo e das potências? A docência aporta coisas de aprender, inscrevem-se aqueles que querem aprender, aqueles que descobriram um querer-aprender, permitiram um querer-aprender. As coisas de aprender vêm por textos, narrações, exercícios, imagens. Textos, narrações, exercícios, imagens para serem ou não

aceitos; para serem ou não compreendidos: melhor compartilhar, compor coletivos de aprendizagem, comunidades de práticas, círculos de cultura, redes de conversação, circuitos-dobra, linhas de força. Coisas de aprender trazem consigo cenários (visuais, expressivos, operativos), engendramentos, relações de tempo e espaços. Não só “cenários”. Cenários, engendramentos, relações de tempo e espaços outros? Sempre os mesmos? Ainda se pode fazer ou retomar outra pergunta, tão velha quanto o nascimento da didática, e tão mais impregnada quando o aprendizado é na universidade: não se aprende somente com a palavra? A palavra do livro, a palavra do professor, a palavra da ciência, Palavra = Verdade. A palavra não pode presidir a aula. As aulas (qualquer aula) requerem a companhia necessária da palavra, mas palavra, agora, seria (é) a introdução de problema. Palavra = Verdade, Verdade = Falso. O saber está ali, a palavra não é aquela que o reinstaura, ela o retira, promove o desabrigo do conhecimento. O conhecimento ou é construído ou é desencadeado! A palavra não é a verdade. Faz ver. Como nas expo8


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sições de obras de arte, quando buscamos a tarjeta com pistas à aprendizagem sobre sua informação (ou o folder sobre o artista...). Buscamos ou precisamos a palavra. Como na ópera, articulada com o libreto que a apresenta, retrata, ilustra, requeremos a palavra. Tantas vezes relemos as sinopses dos filmes que vemos porque queremos aprender mais sobre o que vimos, tantas vezes buscamos comentaristas para aprender mais sobre o que sabemos que aprendemos, mas não sabemos o que era. Um desafio falar de docência. São docências, são diversificadas. Avaliações também. Avaliação dos aprendizados é possível? E das aulas dadas? E dos cursos estruturados? Servir de potência para mobilizar outros aprendizados, outro planejamento, um planejamento de outras novas estratégias e outras novas aulas e outros novos procedimentos? Não há como remediar o que não aconteceu. Fazer acontecer, então? Aula prolongamento, aula proliferação, aula ramificação? Aula efeitos colaterais saudáveis. Aula efeitos de saúde. Aulas com curiosidade sobre o próximo aprendizado. Aulas despertam desejo? Cursos despertam desejo? De quê?

A construção do conhecimento ou o seu desencadeamento se associa às experiências das pessoas em cena. Pedagogia do que podemos inventar juntos. Pedagogia do exercício das mãos, do corpo, do desejo. Comunidades reunidas em horas (momentos) (por horas?) de compartilhamento, construção, produção. Educação com didáticas do compartilhamento? Uma família ali: uma experiência de si com ela? Uma comunidade ali: uma experiência alteritária? Um mundo se fazendo: corpos vivem ou sobrevivem ali? Estão ali todos aqueles que se submetem a encontros, a amizade, a vizinhança, a junção na esquina, a paquera, a luz, a escuridão, a vida? O que sabemos? O que podemos saber com os recursos cognitivos (e afetivos) que temos? De todo modo há, no cotidiano das possíveis interações, as descobertas, os fazeres, os afetos, os encontros, as rusgas, o rigor, a pontualidade, a espera. Isto tudo in loco, na aula, na comunidade, na comunhão, na mesa. Pode-se perguntar: quem trata quem? Quem educa quem? Estudar, em alguma medida, é arremessar-se. Ir dois ou três passos para o lado, algum a frente, dois para frente e um para 9


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trás. Hipóteses, erros, equívocos, conectividades e precariedades. Não necessariamente se fala daquele que vive o local, o personagem, o sujeito, o amante, a senhora da rua do lado; não, mas deve dizer-se, isso sim, daquilo que coloca os corpos todos a pulsar. Tratar, cuidar, escutar: matérias de estudo em currículos de saúde. Vidas possíveis na saúde. E quanto à produção de saúde? Cuidado-escuta-tratamento aliado às coisas da vida? Escuta-tratamento-cuidado aliado da ação inventiva e de práticas laboriosas de ensinar. Currículo prestes a ser artesanalmente planejado, pelos professores, que o vivem e o produzem em seus cotidianos de aula. Que estudam no fervor das poucas horas para planejamento e criação. Que estudam em suas formações homogeneizadoras de trabalhadores da saúde. Quem dali se faz evaporar-se? Desvanecer-se, ressurgir? Por meio do planejamento e, principalmente, pela qualificação do que se lista como principais experiências a oferecer aos estudantes vem a didática. Pois que o planejamento é uma lista de empatias, de aproximações com o que está perto, pelo menos perto da curiosidade. Exige uma delicadeza, um cuidado, uma dedicação

a cada conceito que se inclui no planejamento e que se reconstitui em experiências diversificadas. Movimento leve, sincronia das criações, invenção de mundos, contação de histórias, cinema mudo, reprodução de aprendizagens que não se materializam em provas ou avaliações clássicas. As grandes intenções, aquelas políticas, são postas em evidência nas arenas de estudo da aula, de planejamentos de aula, de um currículo. Como verdadeiramente embrenhar-se na ética que faz de um projeto de aula um projeto de currículo? Uma ética da aula, da coisa toda, e, sobretudo, uma ética que vingará na vida de docentes e discentes como em qualquer outra? Um currículo composto por núcleos de formação compartilhados e abertos. Que se faz em meio a experimentações nômades, generalistas, evasivas, eletivas, por vias científicas, artísticas e filosóficas (ou, ou, ou; e, e, e). Que faça os professores em formação pensarem aulas e currículos “abrasadores” de aprendizagem? Em geral, os professores, individualmente, constroem as entradas de seus alunos no currículo. Cada professor inventa formas de inserir conteúdos 10


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e formas de expressão no currículo. O professor se faz em sua didática. Um modo de fazer aulas, de imprimir ideias e sensações, de ensinar e contaminar, faz outros aprenderem pela alteridade e pelo que se ensina. Provocar aprender é se misturar pela contaminação, pela alteridade, pela multiplicidade. Provamos (saboreamos? atestamos?) – conceitos, conteúdos, informações, dados, gráficos, jogos, lógicas, genes, fórmulas, epidemiologia, cálculo – pela boca que fofoca, cochicha, conta causo, sorri daquilo que ensina, lê a literatura indicada, lê poesia, vai ao museu, deambula pelas ruas. Não se pode afirmar que o currículo é cópia ou reprodução de outros currículos. Deambular nos põe no tempo (saboreamos? atestamos?). O SUS é um grande sistema de conversações! É pedagógico o que o SUS propõe como acolhida, encontro, presença? Deve ser pedagógico o encontro em saúde. Uma didática nos encontros da saúde. Uma didática a ser desenvolvida ao escutar-tratar-cuidar. Também uma didática ao orientar os coletivos, os grupos, os procedimentos, a vacinação etc. Uma didática que conversa sobre os procedimentos que se

deve seguir para ficar com mais saúde, com grande saúde. Didática explicação da receita. Didática explicação das doses das medicações. Didática alerta sobre os cuidados caseiros que podem expandir a saúde. Não se trata de formulário. Não se trata de folder. Não se trata de cartilha. Não se trata de programa de televisão explicando como se curar, melhorar, se embelezar. Na democracia do encontro, conceder, perseverar, afirmar a potência do encontro alegre para a grande saúde. Saúde voltada para a vida. Até que o outro diga: sinto que ganhei vida. Qual a relação existente entre educação em saúde e didática experimental? Qual a relação existente entre uma educação em saúde e uma didática experimental nas formações em graduação? Quais os modos de fazer saúde que requerem, para além de técnica, intervenção alegre e planejamento didático? Daquele que dedica um atendimento singular, se requer a proximidade com o humano, não com o prevenível, pois que exatamente, com o não prevenível. Aquele que recebe o atendimento singular quer aquilo que é da ordem do humano, quer viver junto (habitar um tempo com outros), mesmo que 11


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a dois em descaídas. Quer a intensidade, o desafio. O que se quer alertar é que uma didática requer cuidados e atualizações. Intensidade e extensividade nas formas mofadas. Didática prestes a ser artesanalmente troçada. Didática como um troço artesanal, resultante de uma ética da docência e de uma política do aprender. O que se precisa saber para uma grande saúde? Uma didática não existe pronta, a copiar os passos, ela precisa de operadores. Porque falamos que a universidade pode mudar? Por que os cursos da área da saúde precisam mudar? É uma necessidade a ser atualizada com proposições. Listemos as proposições! 1) Quais as dimensões da integração ensino-saúde? 2) Como destacar as conexões ensino-pesquisa-extensão como um lugar de produzir autonomia produtiva e produtora? Como quem molda bolha de sabão, moldar a didática. Sim, moldá-la plasticamente. Isso requer entender de generalizações, como das minúcias e miudezas (uma atuação pedagógica). Colocar relevo no currículo, que pode ser moldado como quem molda bolhas de sabão. Tem um estouro, um colorido, um pequeno arco-íris ali. Tem uma vida, um

sangue, um testemunho, um incômodo, um perigo. Aula como atelier pedagógico. Aula como máquina experimental. Mas o quê da aula sem a didática? O quê da aula sem a preparação, a preparação do romance, o caos das tintas, as coleções de livros? Seria esta uma ética que quer afirmar: professor prepare-se, desordenadamente e diversificadamente. Seria uma política que quer afirmar: a aula será para cada um aprender. Lista de empatias para a docência na saúde: Afirmação do SUS, Conceito ampliado de saúde, Aproximação com o comum e o comunitário, Didática experimental, Docência compartilhada com os estudantes e os serviços, Expandir a integração em redes na saúde, Expandir o tratar ao escutar e ao cuidar, Experimentação de si e do outro, Intercambiar, Inter/trans-disciplinaridade, Multi/Inter-profissionalidade, Pedagogias de saúde, Potência, Indissociabilidade ensino - pesquisa - extensão, Produzir uma Grande saúde. Tematizar a docência na saúde foi o objeto de um curso para professores em exercício de formação em saúde. Contudo, um curso voltado para a pro12


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dução de uma docência que interfira na formação de estudantes disponíveis aos encontros no SUS e do SUS. A docência mobiliza eventos comuns, eventos vitais e comunitários, patrimônio cultural, patrimônio locorregional. Interferência locorregional só pode ser mobilizada como parâmetro na saúde enquanto os estudantes estão em suas aulas, em seus cursos, aprendentes e observadores de mundos. A docência vem entendida como aquela que exige além da formação em saúde, uma posição pedagógica em saúde, uma inscrição que passa pela didática. Didática entendida como aquela que planeja e faz a vida dos dias de estudos e intervenções dos estudantes da saúde. Pensar os modos de fazer aulas que interfiram na pesquisa e na extensão e, por isso, interfiram nos currículos adequados a contemporaneidade da saúde? Possível? Convite!

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Bases introdutórias

Uma proposta pedagógica

Docência na Saúde

1. Bases e contexto do curso

2. Do debate atual sobre a formação de profissionais de saúde: indicando premissas

3. Por uma docência possível: construindo/ elegendo pressupostos para a formação

4. Matriz curricular do curso Referências Conteúdo multimídia


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Curso de Especialização em Docência na Saúde é destinado aos professores do ensino superior inseridos na docência em saúde e afins, conforme rol de profissões constantes dos Indicadores de Gestão do Trabalho em Saúde, coletânea de estatísticas sobre emprego e renda no setor da saúde, elaborado como material de apoio pelo Departamento de Gestão e Regulação do Trabalho em Saúde, da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, do Ministério da Saúde, para o Programa de Qualificação e Estruturação da Gestão do Trabalho no Sistema Único de Saúde (ProgeSUS). Direcionado para esse público, em conformidade com as atuais políticas do Ministério da Saúde e as recentes aproximações deste com o Ministério da Educação, e com a pretensão de envolver um total (estimado) de 700 ensinantes-aprendentes-gestores, o curso assume como objetivo geral qualificar docentes da área da saúde para ativar processos pedagógicos inovadores e criativos no ensino dessa área, reconhecendo a necessidade de se ampliar o pensamento crítico e a ação estratégica, com

Bases e contexto do curso

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vistas a produzir, difundir e dinamizar processos de mudança na educação superior de profissionais de saúde no país, articulados com o Sistema Único de Saúde (SUS). Nesse sentido, o curso assume uma perspectiva que opera de forma radical com a indissociabilidade entre teoria e prática. Com essa direcionalidade, e para potencializar e multiplicar sua repercussão no sistema de formação de profissionais de saúde, optou-se por investir em um processo de qualificação docente e de preceptores dos serviços que se desenvolve fundamentalmente “no” e “por meio do” trabalho, inspirando-se na educação permanente em saúde como um modo pedagógico-político de colocar processos de trabalho docente e cotidianos reais de serviços de saúde na cena educativa universitária. Por essas razões, o curso também é oferecido com parte substantiva de sua carga horária sob a modalidade EAD e atividades sob tutoria a serem realizadas nas bases de intervenção de cada “aluno”, ou seja, onde o mesmo se encontra com seus parceiros de Educação na Saúde. É importante destacar que este curso é gestado como um projeto que se efetiva em redes,

envolvendo os ministérios, núcleos de pesquisa e universidades. Esse processo coletivo vincula-se à afirmação de que as transformações ocorrem institucional e coletivamente. Assim, a singularidade do projeto deste curso está, exatamente, nesse entendimento de que a formação de profissionais de saúde em nosso país não pode ocorrer de modo desconectado da realidade das instituições formadoras, dos contextos sociais e culturais nos quais estas estão inseridas e, sobretudo, do sistema e dos serviços de saúde aos quais estes profissionais se destinam. Como decorrência, tal singularidade manifesta-se no entendimento de que é no trabalho e pelo trabalho implicado com a transformação das práticas do cuidado inseridas nas redes de atenção à saúde que os egressos dos cursos poderão assumir algum protagonismo nesse cenário e atuar como garantidores de uma assistência humanizada aos usuários do SUS. Pautadas por esses entendimentos, as propostas de formação docente têm encontrado na aprendizagem centrada nas práticas docentes e de saúde um veio fecundo para delineamentos formativos que privilegiam o diálogo, as trajetórias 16


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pessoais, as articulações entre as concepções e as metodologias de ensino, a troca de experiências. Ou seja, assume-se

zados de modo coletivo e colaborativo integrando profissionais e abordagens, não podem continuar a ser ensinados de modo individual, automatizado e centrado no modelo hospitalocêntrico. E para tornar isto possível, é necessário subsidiar, de modo concreto, a atuação de coordenadores e professores reunidos nos chamados NDE ou outras instâncias colegiadas existentes para que, juntos, os mesmos deliberem sobre os caminhos que podem ser percorridos e os esforços que podem ser investidos para recompor a integração ensino-serviço, de modo a assegurar maior organicidade das ações que envolvem os profissionais da saúde na construção de redes de atenção que respondam aos interesses e às necessidades de saúde da população. Orientada pelo princípio educativo do trabalho, a formação de profissionais da saúde envolve desafios na forma de compreender o fazer docente em saúde, demandando, por exemplo, abertura ao novo, ao diálogo com o outro e à disposição para novas aprendizagens. Implica, também, outro olhar para a rede de atenção, outra postura docente frente aos

a prática como eixo estruturante de propostas de desenvolvimento docente configura-se como significativa, comprometida com os desafios contemporâneos de saúde para todos e coadunada com os movimentos de conjugar a integralidade, a ética e o humanismo na formação em saúde. (BATISTA; BATISTA, 2014).

Desses entendimentos emerge, pois, um instigante caminho a ser trilhado nas práticas de formação na e para a educação superior. Um caminho que convoca os cursos de formação em saúde a repensar seus projetos educativos e a reorientar, concretamente e com a implementação de projetos inovadores, o sentido das práticas pedagógicas vigentes. Nessa direção, espera-se que estes rompam com a artificialidade de situações de ensino que se afastam dos processos reais de trabalho que, reali17


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profissionais dos serviços, reconhecendo sua importância nos processos de formação dos estudantes e na produção de contratos organizativos capazes de assegurar os avanços que se fazem necessários para dar maior organicidade ao trabalho das IES no SUS. Além disso, ela exige, sobretudo, a ousadia de não enquadrar as demandas em velhos modelos de aprendizagem e a lucidez de encontrar, nas situações concretas do ensino e do trabalho, suas potencialidades. A formação profissional e, também, a formação docente envolvem, a partir desse entendimento, os planos epistemológico e prático (experiencial) de aprendizagem, dentre outros, e supõem que aprender trata-se da articula cognição, afeto e cultura em uma perspectiva histórico-social, o que nos coloca a questão da mediação e da intersubjetividade. O caráter colaborativo e interativo (entre atores e entre instituições) dessa formação torna-se fundamental e se estende aos processos de avaliação que se colocam a serviço do desenvolvimento das muitas competências que embasam o trabalho dos profissionais da saúde e que transcendem sua dimensão técnica. A incorporação dos valores do trabalho coletivo em

saúde e o sentido da interprofissionalidade1 , dentre outros aspectos, são intensificados pelas escolhas avaliativas que foram feitas em nome dos pressupostos que orientam este projeto. Para atingir, então, objetivos de tamanha relevância social é preciso comprometimento dos docentes e, sobretudo, comprometimento institucional para assegurar a eles condições para que, juntos, possam exercitar estas (e/ou outras) formas de ensinar e aprender saúde. No caso deste curso, é necessário oferecer suporte aos docentes/especializandos (e também aos profissionais/preceptores dos serviços) para que possam participar solidamente da travessia que o curso requer, para evitar que as aprendizagens requeridas aconteçam de modo solitário e nem sempre reflexivo. O delineamento dessas bases e contexto, aqui brevemente pautados, conferem a esta proposta de formação uma determinada configuração, cir1 O debate contemporâneo que articula educação e saúde tem se movimentado entre os conceitos de interdisciplinaridade, multidisciplinaridade, multiprofissionalidade, interprofissionalidade e entre-disciplinaridade. Considerando a multiplicidade de vozes que ecoam na proposta deste curso, este texto transita entre esses diferentes conceitos.

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cunscrevendo um determinado campo de ação pedagógica possível e inscrevendo-a em um determinado contexto teórico, metodológico, político e ético. Circunscrição2 e inscrição constantemente tensionadas e redimen-sionadas pelo inevitável conflito que se estabelece entre o que se deseja, se pode e se impõe fazer. É isso que nos leva a apresentar, na sequência, o debate mais amplo no qual a proposta política deste curso emerge e, sobretudo, a explicitar e delimitar as premissas e pressupostos3 gerais com que se pretende sustentar e orientar o percurso formativo proposto. 2 Quando falamos em “contextos teóricos, metodológicos, políticos e éticos específicos” estamos referindo que algumas perspectivas estão, aqui, explicitamente incluídas em detrimento de outras possíveis. Isso, entretanto, não significa dizer que tais perspectivas sejam monolíticas e/ou sempre convergentes. Ao contrário, assumimos a conflitualidade, a disputa e a negociação/coalizão como condições e estratégias políticas constitutivas – e necessárias – do processo formativo aqui proposto. 3 Falamos em premissas porque que não se trata de enunciar de maneira prévia todo o raciocínio que dá base às argumentações desenvolvidas, mas assumir que um conjunto de posições intelectuais são enunciadas em cada escrita e em cada prática pelo vocabulário utilizado, pelo “tom” dos textos, por aquilo que se diz e também por aquilo que se silencia. Os pressupostos, ainda que não resultantes do esgotamento das ponderações possíveis, representam aquilo que pretendemos que deva orientar, efetivamente, o processo formativo proposto.

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argumento de que os cursos de formação de profissionais de saúde precisam garantir a concretização do direto à saúde da população, em conformidade com o que estabelece a Constituição Federal (1988), está diretamente conectado com a implementação do Sistema Único de Saúde, especialmente no que diz respeito: 1) ao cumprimento de seus princípios (universalização, descentralização da gestão, regionalização da atenção e participação da população); 2) ao atendimento de seus objetivos (a equidade no acesso e a integralidade da atenção); e 3) à implementação de instâncias de interação com a sociedade, seja pela participação em conselhos e conferências para o debate, avaliação e tomada de decisões em conjunto com a população, seja na construção permanente das políticas públicas de saúde junto com os usuários, por meio dos movimentos popular e sindical e das entidades de representação dos interesses particulares à equidade e à integralidade da atenção (segmentos das lutas de mulheres, movimentos étnico-raciais e diversidade sexual, portadores de patologias, pessoas com deficiência etc.).

Do debate atual sobre a formação de profissionais de saúde: indicando premissas

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Essas realidades exigem dos trabalhadores em saúde a aprendizagem de uma escuta que complexifica e ultrapassa a clínica e a saúde coletiva. Não são mais suficientes os recursos de diagnóstico e prescrição; há necessidade de trabalhar em equipe de maneira interdisciplinar, de trabalhar mais próximo das culturas populares, de constituir redes cuidadoras entre os serviços de saúde, de estabelecer relações orgânicas entre estruturas de serviço e estruturas de ensino/formação, entre outras condutas políticas e estratégias técnicas. Deriva daí um conjunto de ações estratégicas deflagradas pelo DEGES, SGTES (Pró Saúde, Pet, Pró-Pet, Residências Médicas e Residências Multiprofissionais, entre outras) que visam a apoiar, concretamente, as mudanças requeridas em conformidade com o SUS. A estas se acresce o curso de especialização que ora apresentamos cuja vocação é reconhecidamente indutora das transformações desejadas pelas políticas do MS, por meio da sensibilização e implicação dos NDEs e outros colegiados dos cursos de graduação em uma proposta que fundamenta a ação docente necessária

ao paradigma da formação em saúde aderente aos princípios do SUS e das DCNs. Pensar a gestão do ensino em saúde frente a todas as necessidades do setor coloca-se, pois, como requisito indispensável para a análise daquilo que tem sido proposto no cenário acadêmico e, também, daquilo que se tem podido efetivar quanto ao trabalho e à participação social. Quando se trata, especificamente, do processo de cuidado em saúde espera-se que o profissional em formação aprenda a levar em conta o outro e que o saber científico sirva, principalmente, para dar conta da singularidade que o momento do encontro cuidador pressupõe (reconhecendo-se que o ato clínico em saúde reflete uma terapêutica que se efetiva no encontro de, no mínimo, dois indivíduos). Para dar conta disso, tal formação precisaria assumir, dentre outros aspectos, a construção dessa dimensão cuidadora no trabalho dos profissionais para que estes se tornem mais responsáveis pelos resultados das práticas de atenção, mais capazes de acolhimento e de “conectividade” com os usuários das ações e serviços de saúde e, também, mais sensíveis àquelas dimensões do 21


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processo saúde-doença não inscritas nos âmbitos tradicionais da epidemiologia ou da terapêutica. Nessa direção é que pensar a formação em saúde sob o prisma da noção de integralidade demanda investir no preparo para o exercício profissional responsável pela cura/cuidado/escuta e, ainda, na construção e avaliação de um sistema sanitário que diga respeito à proteção da saúde, com adequado perfil de prevenção, atendimento e reabilitação, em articulação com as necessidades da população. O reconhecimento dessas dimensões e características do trabalho em saúde tem intensificado o debate, de há muito existente, em torno da necessidade de propostas pedagógicas que estejam em consonância com as demandas efetivas do campo da saúde. Frente ao presente momento de atualização das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e a necessidade de direcionar o ensino pelas exigências do SUS, o debate segue colocando em questão as propostas de um ensino centrado na técnica e num fazer centrado no médico ou em procedimentos; tem-se dado visibilidade e/ou priorizado propostas pedagógicas que fomentem

a mudança das práticas profissionais, a interprofissionalidade e sua capacidade de resposta ou interação intersetorial com as necessidades sociais em saúde, assim como se tem estimulado, fortemente, a busca por estratégias que potecializem a promoção de capacidades inventivas e a produção de inovações na formação profissional. Um ensino de graduação em saúde pautado por movimentos que garantam essas apropriações tem como exigência, pois, um projeto que se faça singular. Para que o mesmo se concretize, o debate pode e precisa ser contínuo, mutante e desperto. Para que tudo isso ocorra, precisamos ampliar a formação de formadores de trabalhadores com essas direcionalidades. Desse ponto de vista, torna-se necessário, pois, investir e ampliar capacidades docentes que estejam implicadas com a inovação, com práticas de ensino participativas, com metodologias de aprendizagem colaborativa, com uma supervisão de estágio desafiadora da invenção e recomposição de cotidianos, com a alimentação de perspectivas de matriciamento interprofissional e articulação de linhas de cuidado, além da renovação 22


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criativa das interações entre “ensino” e “sistemas e serviços de saúde”. Trata-se, então, de proporcionar processos permanentes de formação pedagógica que fomentem o debate entre os professores, o entrelaçamento das áreas e o planejamento compartilhado que são necessários para que se possa garantir uma proposta pedagógica que tenha eixos formativos, em torno dos quais as disciplinas/áreas/componentes curriculares possam organizar-se e desdobrar-se, potencializando sua flexibilização de tal forma que a disposição desses fios condutores, com diretrizes e proposições, possa convocar intenções, práticas pedagógicas e avaliações compartilhadas. A proposição do Curso de Especialização em Docência na saúde inscreve-se e emana, pois, desse contexto de debates e demandas. O mesmo está inscrito na política do Ministério da Saúde em conjunto com o Ministério da Educação, com diversas ações e proposições que têm investido na formação de profissionais no e para o SUS, e que objetiva, assim, contribuir para a superação de modelos prescritivos de práticas docentes, estimulando a

abertura a possibilidades de articular pensamento e invenção na tradução de novas (outras) práticas de ensino e de aprendizagem em saúde.

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omo já foi enfatizado, a formação de profissionais para atender demandas e desafios que o cotidiano do trabalho em saúde impõe tem sido uma questão central para esse setor das políticas públicas, que tem ecoado também, e fortemente, nas manifestações populares. Praticamente todos os dias novas políticas e programas que incluem ou demandam processos educativos com determinadas especificidades são pensados, planejados e executados em nosso país; tais processos são, também, reproduzidos, repetidos e multiplicados. Para além dos processos formativos estruturados e formalizados em cursos diversos, existem todos aqueles, menos formais e por vezes não intencionais, que ocorrem nas relações entre profissionais, gestores/ as e usuários/as; nas relações entre as pessoas que vivem, convivem e circulam nos espaços de gestão e cuidado em saúde. Há também aquilo que se aprende e aquilo que se ensina em silêncio e/ou sem intencionalidade, pela organização dos espaços físicos ou pelos modos como as pessoas se comportam e se relacionam dentro dos mesmos.

Por uma docência possível: construindo/ elegendo pressupostos para a formação

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A noção de educação que nos permite desdobrar dessa maneira os processos educativos em saúde é, portanto, bem mais ampla do que a de educação escolar e/ou educação profissional, usualmente utilizadas. Por esse viés, argumentamos que, como indivíduos corporificados, somos educados por um conjunto de processos que nos transformam e pelos quais somos transformados em sujeitos de múltiplas culturas; por exemplo, em sujeitos de uma cultura de saúde e, de forma ainda mais específica, de culturas profissionais e institucionais de saúde, que se inscrevem de diferentes maneiras no âmbito do sistema de saúde, no Brasil. Tornar-se sujeito dessas culturas envolve processos de ensino e de aprendizagem que permeiam muitas instâncias e dimensões de nossas vidas e incluem o que outras abordagens separam como educação e socialização. Esses processos também atravessam e dão forma às práticas educativas em que nos envolvemos como mulheres e homens, estudantes, preceptores, docentes e gestores. Nessa perspectiva, a educação desdobra-se, então, em processos de ensino e

processos de aprendizagem: o que, quem e como nos ensinam, e o que, quem e como se aprende. Ambos os processos – ensinar e aprender – compõem nossa educação como integrantes de diferentes culturas, nossa apreensão e nosso manejo das linguagens e dos códigos constitutivos das culturas que habitamos. Assim, ambos os processos – ensinar e aprender – estão estreitamente imbricados com o fazer docente em saúde, no contexto das culturas políticas, epistemológicas, docentes e assistenciais em que nos constituímos sujeitos profissionais/ formadores de profissionais na saúde, fortemente interpelados pela necessidade de ver e de fazer de outro modo quando se trata do ensinar e do aprender nessas posições. Ensinar e aprender supõem, então, entrar em determinados domínios de significação, e isso demanda tanto ensinar a ver quanto (re/des)aprender a ver, com e a partir de determinados sistemas de significação e colocando esses mesmos sistemas à prova – desnaturalizando-os, entendendo-os como constelações de sentidos produzidos num determinado tempo e num determinado espaço. Nessa direção, 25


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é possível dizer que tudo aquilo que ensinamos, apre(e)ndemos e fazemos, nesse amplo campo da saúde, está ancorado em saberes e práticas parciais e provisórias, que resultam de disputas travadas em diversos âmbitos do social e da cultura. Tais práticas, justamente por isso, podem ser (re)vistas, questionadas e modificadas. Admitir isso não é simples, pois traz consigo a necessidade de mudar a lógica do nosso pensamento em vários aspectos daquilo que aprendemos quando se trata de educar, no amplo campo da saúde. Com esse propósito e nessa perspectiva – o de fomentar processos de ensino e de (des)aprendizagem, de recriação e de invenção de fazeres docentes em saúde –, investe-se, aqui, em um recorte dessa noção ampla de educação, circunscrevendo-a à noção de educação permanente em saúde. Ricardo Ceccim (2005a; 2005b) argumenta que o propósito da educação permanente é o de formar profissionais comprometidos com um certo objeto e com sua transformação, o que demandaria dois deslocamentos importantes nas práticas pedagógicas usualmente implementadas sob as denominações

de “capacitação” ou de “educação em serviço”: o da ênfase na transmissão e desenvolvimento, para atualização de determinados conhecimentos e habilidades técnicas que pretendem reafirmar e reforçar a expertise e o domínio dos/as profissionais sobre um campo de saber/fazer, e o da elaboração e disseminação de prescrições e generalizações que permitiriam “dar conta” de problemas/objetos cujos contornos deixam de considerar as especificidades dos contextos que os constituem. Dessa noção de educação permanente em saúde, destacamos três dimensões porque elas são importantes para o projeto formativo que se está propondo aqui, quais sejam: 1) a necessária introdução da experiência da problematização1 como condição para o desenvolvimento de capacidades 1 “Problematização”, nos termos de Michel Foucault (2004) e Martin Packer (2011), seria o exercício por meio do qual damos um passo atrás para nos separar da docência que usualmente fazemos, seu estabelecimento como um objeto de interrogação, ao mesmo tempo em que pensamos esse objeto-docência como um problema de pensamento. Trata-se de um exercício que, no seu processo mesmo, pode nos abrir possibilidades de acesso a outras formas de vida e a outras versões de nossas próprias formas de vida, para que entendamos que essa não é a única, não é necessariamente a melhor e nem é inevitável.

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de autorreflexividade e de autocrítica, de escuta, de desenvolvimento de ações de atenção e de cuidado que considerem as potencialidades existentes em cada relação terapêutica e contexto e como pré-requisito para a produção de “conhecimentos engajados” e permeáveis às experiência e às condições de vida dos usuários (individuais e coletivos); 2) a necessária interação entre instâncias de formação, de gestão, de atenção e de participação para potencializar características locais, capacidades instaladas, aprendizagens produtoras de sentido, bem como capacidades de crítica e autoanálise que possam ampliar possibilidades de formação profissional “contexto-informadas”; 3) a necessidade de conhecer, explorar e movimentar-se pelos “territórios” que habitamos como atores sociais, para torná-los “nossos”, para que possamos tornar-nos sensíveis às suas questões e para que possamos investir no seu enfrentamento, empregando não apenas nossas capacidades cognitivas, racionais e políticas, mas também as comunicacionais, afetivas e interativas que, em conjunto, materializam e conformam (nos formam) nossas ações de intervenção social.

Tais maneiras de conceber/apreender o educativo permitem, desde o nosso ponto de vista, pensar o exercício da docência no contexto de encontros de ensino e de aprendizagem que deveriam estar implicados com a formação de sujeitos sensíveis às dores e sofrimentos humanos de todos os tipos e que deveriam ser também, ao mesmo tempo, inventivos e prazerosos. Pensar a docência como instauradora de encontros em que “um (que já é muitos) encontrase com outro (que é muitos outros), e nos quais se abrem possibilidades de que cada um veja e acolha os muitos outros do outro” (DALLEGRAVE, 2013, p.54). É nesse sentido que o curso em pauta propõe-se a operar com determinadas lógicas de pensamento para, com e a partir delas, delimitar pressupostos que funcionem como balizas de práticas pedagógicas inventivas, problematizadoras, desafiadoras e, por que não, desobedientes. Apropriar-nos e operar radicalmente com tais lógicas de pensamento nas diferentes docências que exercitamos é, a nosso ver, o nosso grande desafio e, ao mesmo tempo, a nossa potência; mas assumi-las não é simples, pois elas trazem consigo a 27


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necessidade de mudar profundamente nossas formas de pensar sobre vários aspectos daquilo que já aprendemos quando se trata de “formar em saúde”, no sentido amplo do termo. Exatamente porque no campo da saúde (mas não só nele), temos continuamente sido confrontados com o impensável, com a incômoda e persistente sensação de que as coisas precisam mudar e de que nossas formas de ensinar e aprender precisam ser reinventadas quando, ao mesmo tempo, nos sentimos como se não saíssemos do lugar, é que faz sentido perguntar-nos por um outro registro (prática de pensamento, não de reflexão). Diante do desafio de aprender a pensar o impensável, de continuar a lidar com o persistente incômodo e com as necessidades prementes que assolam a área da saúde de modo geral, e de modo específico, da relevância de sensibilizar-nos com as urgências acopladas a esse complexo e múltiplo tema do exercício da docência no ensino superior, na área da saúde, a pergunta com novo (inédito) registro é: o que estamos/podemos nos propor a fazer? Concretamente, processos de ensino e de aprendizagem dinâmicos, interativos, questionadores, com-

prometidos e inventivos estão diretamente ligados ao exercício das práticas de crítica, de tomada de consciência e de profundidade reflexiva. Entretanto, “práticas de pensamento” ainda vão além, elas colocam perguntas sobre conceitos, percepções e sensações. Por que estão ali, o que fazem ali, que mundo constitui cada operação de saber? Tomam-se como fundamentos dessa modalidade pedagógica as proposições contidas nas diretrizes curriculares nacionais para os cursos da área da saúde, de forma a escapar da “captura da forma” que constrange movimentos e debates, aprisionando-os em uma perspectiva prescritiva comum aos documentos normativos. Para que se concretize como prática de pensamento, o curso precisa possibilitar a tessitura de redes e de conversações, permitir rupturas e quebras, paralelamente ao “povoamento” de ideias, conceitos e práticas novos. Deseja-se, nele, garantir a abertura aos espaços de criação do inusitado, a partir do manejo participativo dos temas levantados. Atribui-se valor à produção do conhecimento como vivência singular, que ocorre a partir do exercício 28


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de questionamentos coletivos. Num exercício de desmonte do pensamento conformado ao instituído, são propostas práticas docentes que se utilizam de dispositivos a serviço da gestão da produção do inusitado, da abertura de relações com outros saberes e de conexões imprevistas. Com essas características, a proposta do curso abrange o campo da “gestão da educação e do ensino na saúde”, em suas dimensões curriculares, éticas, epistemológicas, estéticas e políticas. Assume, como referência, as práticas de saúde que absorverão os trabalhadores, tendo em vista uma formação mobilizadora do desenvolvimento das potências de criação e proposição diante das demandas de saúde, das políticas e do funcionamento do sistema. Nessa direção, as temáticas e abordagens propostas no Curso buscam responder aos desafios de pensar e intervir na docência universitária em Saúde como prática social historicamente constituída, rompendo com as ideias de mero treinamento didático-pedagógico. Para isso, propõe-se a constituição de um espaço de articulação entre as intencionalidades dos docentes em saúde com suas

opções pedagógicas e didáticas, levando-os a refletir sobre suas escolhas nos campos do planejamento, do currículo, das estratégias de ensino e da avaliação da aprendizagem. Tal proposição materializa-se sob a forma de eixos que dialogam intensamente com as políticas que ordenam a formação em saúde e que reforçam a impropriedade de pensar os saberes pedagógicos que ancoram a formação em saúde como mero detalhe do problema. Delimitamos, então, alguns pressupostos teóricometodológicos que podem, efetivamente, funcionar como ferramentas em nosso fazer pedagógico, e para criar mecanismos de reflexão/avaliação sobre ele. Ao explicitar tais pressupostos, não estamos supondo que eles possam ser igualmente úteis para todos e que possam ser operados em todos os contextos e situações da mesma maneira. Estamos, sim, argumentando que o exercício de refletir sobre o nosso fazer docente, para sistematizar os princípios e pressupostos que, concretamente, nos mobilizam nesse âmbito, pode ser tomado como uma forma indispensável e necessária de problematização, reconstruindo os nexos entre princípios 29


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e estratégias didático-pedagógicas bem como entre os valores e as práticas em que eles se desdobram. Pensar sobre como repercutem e funcionam nas nossas salas de aula e na interação pedagógica os nossos princípios e valores, as nossas estratégias e práticas produz conhecimento sobre a docência em saúde que fazemos. São pressupostos dessa docência à configuração deste curso em particular:

que neles fazemos. Delimitamos, assim, o reconhecimento de que há um território (impreciso, provisório, movente, mas ainda assim território) em que uma formação, qualquer que seja, se instaura. Esse anúncio implica considerar que, ao assinalarmos e assumirmos esse lugar, estamos também fazendo opções que inscrevem marcas visíveis em todas as ações constitutivas desse processo que nomeamos por ensinar: marcas teórico-metodológicas e marcas ético-políticas;

1. os lugares em que nos inserimos e posicionamos delineiam-se pela tessitura entre referenciais teóricos com posições e interesses éticos e políticos, exigências acadêmicas e emoções que precisamos reconhecer, nomear e explicitar;

3. somos sujeitos “de” e “em” determinadas culturas, o que significa dizer que assumimos a cultura como o conjunto dos processos com e por meio dos quais se produz um certo consenso acerca do mundo em que se vive. É o compartilhamento desse consenso que permite aos diferentes indivíduos se reconhecerem como membros de determinados grupos e não de outros. A cultura não se reduz, pois, ao conjunto

2. o fazer docente conecta-se com determinadas escolhas, com algumas possibilidades de elaborar perguntas, planos de ensino e projetos de ação, com possibilidades de se movimentar no processo de sua implementação e de analisar e avaliar o 30


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de significados entre pares, mas envolve, também, os sistemas de significação que os seres humanos (diferencialmente situados em redes de poder) utilizam para definir o que significam as coisas e para codificar, organizar e regular sua conduta uns em relação aos outros. O que supõe, também, entender a cultura como um processo arbitrário, uma vez que cada grupo pode vivê-la de forma diferente, ou atribuir a ela um significado diferente, a um mesmo fenômeno ou objeto (MEYER, 2012);

currículos dos cursos de formação nos quais atuamos; 5. os conhecimentos científicos são conhecimentos intencionalmente produzidos em certas condições históricas, culturais, econômicas e políticas, dentro de determinadas matrizes disciplinares, obedecendo a certos conjuntos de regras metodológicas, operando com conceitos que precisamos admitir e assumir para falar desses objetos, submetendo-os a determinados critérios de validação, e que permitem definir o que é que conta como verdade, em um determinado tempo e contexto (MEYER, 2006);

4. todo conhecimento – termo aqui usado em sentido bem amplo – é histórico, parcial e interessado; sua produção está conectada a determinadas condições de possibilidade que o tornam possível e necessário. Isso inclui os conhecimentos científicos, tanto os que produzimos nas pesquisas que fazemos, quanto aqueles que selecionamos para sustentar, majoritariamente, os processos de ensino e aprendizagem nos

6. os conhecimentos são parciais, históricos e interessados (BRITZMAN, 1995) e, exatamente por isso, importa admitir, também, que cada conhecimento contém, em si, determinadas formas de ignorância: ou seja, seria necessário perguntar-se que temas/objetos/prática um determinado 31


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conhecimento não permite conhecer e não permite sequer pensar;

cados, acolhedores e efetivos na atenção à saúde?

7. nos processos de conhecer e de educar, precisamos fazer algumas escolhas, abrir mão de outras, mudar de lugar, experimentar modos outros de fazer, construir argumentos para defendê-los e/ou justificá-los, e precisamos nos capacitar para isso. De forma muito concreta, precisamos aprender a explorar a historicidade, a parcialidade, a instabilidade e a dimensão interessada dos conhecimentos em foco e aprender, sobretudo, a usá-los a nosso favor.

b) Reconhecemos as marcas teórico-metodológicas e ético-políticas nos currículos dos cursos que estamos construindo ou naqueles dos quais temos sido docentes, delimitando o que se quer e o que se pode/ deseja fazer com e nas disciplinas/módulos/ áreas/temas que nos tocam gerir, ministrar, compartilhar?

Assumindo, portanto, os pressupostos apresentados como balizas podemos, inicialmente, colocar-nos algumas perguntas:

d) Operamos com esse plano, renegociando-o sempre que necessário?

c) Explicitamos essas posições no plano de ensino e as negociamos na sala de aula?

e) Temos clareza sobre o modelo de atenção à saúde que defendemos e sabemos ensinar a partir das intencionalidades que ele propõe?

a) O que seria possível fazer com essas balizas, quando estamos implicados/as com uma formação com a qual se pretende investir no desenvolvimento de profissionais dedi32


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f) O curso no qual estou inserido elege como sua prioridade investir em uma docência em saúde que dê conta de engajar propositivamente os futuros profissionais nesta luta em prol dos direitos a saúde que devem ser assegurados a todos os brasileiros, de forma igualitária e humanizada?

tem com o desafio de formar novas gerações de profissionais aptos a se aproximar das exigências históricas de construção de um sistema de saúde capaz de responder aos anseios legítimos de nossa sociedade. Práticas formativas inovadoras pautadas pelos pressupostos anteriormente explicitados buscariam construir, com o grupo de especializandos, interações pautadas no diálogo, na troca de saberes, na sistematização dos conhecimentos historicamente acumulados e na proposição de movimentos investigativos, que se debrucem sobre as questões que atravessam e constituem o cotidiano da educação e do trabalho na saúde. Em consonância com eles, um caráter integrado e interdisciplinar do curso emerge como essencial.

g) Que aportes pedagógicos respondem melhor aos desafios que pretendemos assumir em resposta aos desafios de um SUS ainda em construção? Como afastar-se da abstração de perspectivas idealizadas sobre o “dever ser” do SUS para assumir o protagonismo em uma ação formadora capaz de empoderar teórica, política e eticamente os estudantes para uma inserção resolutiva e comprometida no sistema de saúde vigente? Essas indagações podem nos ajudar a pensar o nosso fazer como profissionais de saúde que assumem a docência universitária e que se comprome33


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curso apresenta uma estrutura curricular composta por quatro eixos temáticos que atravessam todo o percurso formativo, com a pretensão de firmar o caráter interdisciplinar da prática pedagógica adotada. Por eixos temáticos, entendem-se caminhos a serem percorridos pelos especializandos, organizados em tópicos condizentes com o objetivo final de formação. Os quatro eixos devem convergir para o alcance do perfil delineado para o egresso do curso. Desse modo, os eixos propostos não constituem uma ordem cronológica e nem demarcam conteúdos encerrados em si mesmos, mas se caracterizam como “portas de entrada” e servem de referência para a abordagem de tópicos relevantes à formação, com garantia de sua transversalidade. Torna-se fundamental que os docentes – alunos do curso – mobilizem um modo ampliado e próprio de pensar o processo educacional na saúde, tendo em vista a pretensão de poderem manejar diferentes saberes e a criar movimentos inéditos (“inovadores”) para a sua docência e inventivos de suas “salas de aula”.

Matriz curricular do curso

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São quatro os eixos estruturantes do curso: a) Gestão educacional e protagonismo participativo no ensino e no trabalho em saúde; b) Currículo, inovações educacionais e prática docente em saúde; c) Docência e práticas de redes na gestão, atenção e participação em saúde; d) O protagonismo docente diante dos compromissos da formação com o SUS. Importante enfatizar a necessidade de dinamismo

e integração entre os eixos curriculares, convergindo para o objetivo final do Curso, ou seja, o perfil delineado para o seu egresso, no caso, a formação de docentes da saúde implicados com o desenvolvimento dos estudantes dos diferentes cursos para um trabalho comprometido com os princípios do SUS. Na figura a seguir, observamos a disposição dos eixos, delimitando um percurso de ensino-aprendizagem que deve orientar as escolhas metodológicas ao longo do processo de formação:

FIGURA 1 - PERCURSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

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Na medida em que o curso apoia-se nos pressupostos da educação permanente em saúde, privilegia-se uma metodologia que coloca os processos de trabalho docente e dos cotidianos reais de serviços de saúde na cena educativa universitária, sendo isso feito na modalidade bimodal, com atividades distribuídas entre os momentos presenciais e a distância. Propõem-se, assim, possibilidades de pensar e exercitar formas alternativas de docência em saúde que implicam mudanças radicais nos moldes tradicionais de ensino em saúde instigando práticas de ensino-aprendizagem que favoreçam a interprofissionalidade, a educação no e pelo trabalho e práticas de rede no ensino, na gestão e no cuidado em saúde, entre outras. Com essa finalidade, propõem-se também o uso de recursos como a fotografia, o desenho, a escultura, o vídeo, a dramatização, a literatura, a poesia, a música e outras formas de expressão artística como estratégias pedagógicas, bem como o trabalho com a narrativa escrita, marcada pela captura de histórias de vida, de percursos e experiências profissionais, com a proposta de qualificar a formação.

Os momentos presenciais e à distância foram concebidos como ambientes de reflexão e de aprendizado da capacidade crítica, favorecendo a troca de experiências e a construção coletiva, de modo a instigar processos de mudança nas formas de exercício da docência as quais, por sua vez, provoquem mudanças nos cursos de graduação da área da saúde. As aulas a distância serão desenvolvidas na Plataforma Moodle (<http://moodle.ufrgs.br>) com a utilização dos recursos e ferramentas para estudo e interação, possibilitados por esse ambiente virtual de aprendizagem. Além do Moodle, serão utilizadas tecnologias da web 2.0, as quais são abertas e proporcionam interações diversas, e de webconferência. Enquanto a base da web 1.0 alicerçava-se nos navegadores que permitiam acesso a conteúdos e produtos fechados e pré-organizados e a EaD “materializava”-se pelos cursos ofertados no contexto de Ambientes Virtuais de Aprendizagem – AVAs, a base da Web 2.0, atualmente, propicia o crescimento e o desenvolvimento da comunicação. Os softwares deixam de ser especializados e passam a se constituir como serviços e espaços nos quais 36


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o sujeito pode construir o conteúdo, ser autor, co-autor, produtor e não somente consumidor de um conteúdo pronto. A grande diferença é que os conteúdos na atualidade são disponibilizados em lugares como Youtube, Facebook, Blogs, wikis, entre outros. Nesse sentido, afirma-se que o princípio da Web 2.0 é a colaboração e a cooperação em redes. Por isso, o curso contará com algumas tecnologias da Web 2.0 como: Prezi, Blog e PBworks. Além do Moodle e da Web 2.0, o curso ainda irá contar com a webconferência como tecnologia para o desenvolvimento das atividades. Essa é uma ferramenta de comunicação síncrona, que permite a realização de palestras, aulas a distância, entre outras possibilidades. Tem como principais características a interação por meio de áudio, vídeo e chat (bate-papo). Também é possível compartilhar textos, apresentações, imagens, quadro de notas e telas do computador. Além disso, todas essas atividades podem ser gravadas para serem reproduzidas posteriormente. Num curso com essas características e pretensões, entende-se a avaliação como parte constitutiva do

processo ensino-aprendizagem. Propõe-se, assim, um processo de avaliação contínuo, que identifique o desenvolvimento de cada especializando e do grupo de especializandos, buscando-se trabalhar a partir das questões concretas trazidas de sua realidade. Essa avaliação desdobra-se em dois movimentos contínuos e interligados: a) avaliação do processo ensino-aprendizagem com foco no especializando e no grupo de intervenção e b) avaliação do curso. Para fins de elaboração dos planos de ensino, essa avaliação do processo ensino-aprendizagem fundamenta-se numa noção de reflexividade, traduzida na produção de textos de diferentes tipos que resultarão na composição de um portfólio individual (com 3 partes), um Trabalho de Conclusão de Curso individual, que resulta da implementação de um projeto de intervenção coletivo (grupo de 3 especializandos), e uma compilação de registros que compõe o que chamamos de metacognição narrativa. Ao construir narrativas, ampliam-se espaços para compreender o sofrimento, o significado do processo saúde-doença, a necessidade de se ampliarem a autonomia dos sujeitos frente ao cuidado 37


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e a reflexão sobre estratégias de produção de saúde que considerem a realidade do outro e sua relação com serviços de saúde. As premissas e pressupostos aqui delineados serão retomados, aprofundados e desdobrados nos textos que chamamos de “âncora”, em cada um dos eixos temáticos.

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BATISTA, N. A.; BATISTA, S. H. (Org.). Docência em Saúde: temas e experiências. 2. ed. São Paulo: SENAC-SP, 2014. BRITZMAN, D. Is there a queer pedagogy?: or, stop reading straight. Educational Theory, Champaign, v. 45, n. 2, p.151-165, 1995.

Referências

CECCIM, R. B. Educação permanente em saúde: desafio ambicioso e necessário. Interface (Botucatu), Botucatu, v.9, n.16, p.161-168, fev. 2005a. CECCIM, R. B. Educação permanente em saúde: descentralização e disseminação de capacidade pedagógica em saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.10, n. 4, p.975-986, out./dez. 2005b. DALLEGRAVE, D. Encontros de Aprendizagem e governamentalidade no trabalho em saúde: as residências no país das maravilhas. 2013. 161 p. Tese (Doutorado em Educação) – Programa 39


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de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013. FOUCAULT, M. A hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2004. MEYER, D. E. E. Abordagens pós-estruturalistas de pesquisa na interface educação, saúde e gênero: perspectiva metodológica. In: MEYER, D. E. E; PARAÍSO, M. A. (Org.). Metodologias de pesquisas pós-críticas em Educação. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2012. MEYER, D. E. E. Processos coletivos de produção de conhecimento em saúde: um olhar sobre o exercício de enfermagem no hospital. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, DF, v. 59, p.95-99, 2006. PACKER, M. A historical ontology of ourselves. In: PACKER, M. The science of qualitative research. New York: Cambridge University Press, 2011. 40


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ENTREVISTAS Profa. Dra. Dagmar Estermann Meyer

Conteúdo multimídia

Profa. Dra. Simone Edi Chaves

Prof. Dr. Sidney Marcel Domingues

Clique nas imagens para assistir aos vídeos no YouTube.

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Eixo 1

Gestão e protagonismo participativo no ensino e no trabalho em saúde Artigo

Uma proposta pedagógica

Docência na Saúde

Exercícios sugeridos Conteúdo multimídia


Artigo 1. Apresentação 2. Configuração do conhecimento 3. Configuração da formação 4. Considerações finais Referências

Uma proposta pedagógica

EIXO 1 – GESTÃO E PROTAGONISMO PARTICIPATIVO NO ENSINO E NO TRABALHO EM SAÚDE

Docência na Saúde

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O

texto-âncora do eixo Gestão e protagonismo participativo no ensino e no trabalho da saúde levanta discussão sobre o protagonismo e a participação no processo pedagógico formativo do profissional da saúde e nas interações da Universidade com a Sociedade, a partir da história dos movimentos de mudança na graduação e da compreensão de desafios éticos e políticos em sistemas de saúde que digam respeito a toda a população (considerando o sistema de saúde como único e de acesso universal). As políticas de formação em saúde no Brasil vêm passando por profundas transformações, resultado da reforma sanitária e do rompimento com a racionalidade higienista e medicalizadora que informava a educação dos profissionais de saúde (biorreducionista e hipertecnificada). Essa racionalidade, ainda presente nos modelos de assistência e de gestão setorial em saúde, inspira-se nos domínios de saber das ciências biológicas. Embora legítima na descrição dos fatores fisiopatológicos, tal racionalidade mostra-se incapaz de elucidação dos fatores

Apresentação

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singulares do adoecimento, da resposta terapêutica ou da adesão aos tratamentos. Esses elementos, sem os recursos interpretativos das ciências sociais e humanas, permaneceriam desconhecidos e sem possibilidade de abordagem restabelecedora da saúde individual ou coletiva. A mudança introduzida pela reforma sanitária, com o acréscimo desses campos de saber, foi a da constituição do conceito de atenção integral à saúde, noção que continua em construção, ensejando conceitos sucedâneos como os de linha de cuidado, apoio matricial, educação permanente, escuta pedagógica, projeto terapêutico singular, rede de conversação, tecnologias leves, residência integrada em saúde, entre outros. A reforma sanitária consolidou-se a partir das duas últimas décadas do século XX, período no qual foram incluídos na constituição nacional os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). A partir do SUS, a organização do setor sanitário passou a reger-se pela universalidade do acesso, integralidade da atenção, descentralização da gestão e participação da população com poder decisório.

O SUS, entretanto, tem experimentado dificuldades em sua estruturação, dificuldades que vão de um financiamento insuficiente à manutenção de um imaginário de descrédito no setor público. A rede assistencial ainda é vista de maneira fragmentada e escalonada em níveis de proteção ou atendimento que protelam a conquista da integralidade como direito de todos e dever do Estado. A formação participa do SUS pela preparação de quadros profissionais e pelo desenvolvimento da pesquisa e produção científica, podendo contribuir tanto pela inovação como pela ampliação do conhecimento que qualifique práticas de serviço ou de gestão e, ainda, pela melhoria da formulação e avaliação de políticas pelos instrumentos da análise sistemática, da comparabilidade e da crítica reflexiva. As Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação da saúde (DCN/Saúde), aprovadas a partir de 2001, afirmaram que a formação do profissional de saúde deveria contemplar o sistema de saúde vigente no país, o trabalho em equipe e a atenção integral em saúde. Essas Diretrizes levantaram diversos pontos a serem trabalhados na 45


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direção da mudança na educação dos profissionais de saúde. Quer dizer, colocou-se a necessidade de que os cursos e universidades revissem suas posturas pedagógicas e seus currículos de formação. Não se trata de uma mudança na grade curricular e na disposição das disciplinas, embora isso faça parte da mudança, mas da transformação nas concepções sobre o que seja a saúde e a assistência às doenças (atenção ao processo saúde-doença, por exemplo). Trata-se de conhecer realmente as pessoas as quais se vai atender, suas vidas, suas casas, seu ambiente familiar, seus desejos, sonhos e decepções (desde um ponto de vista de sistema de saúde e de formação para o trabalho em saúde): a experiência singular do adoecimento, e não apenas a doença (a delimitação de uma doença) precisa ser conhecida. Toda doença é inscrição e, por isso, a narrativa de um processo experimentado (narrativa da aflição). O método clínico na atenção à saúde é um método de escuta da narrativa. É pela escuta e valorização da narrativa que tornamos possível a discussão dos aspectos éticos, epistemológicos e políticos do método clínico.

Trata-se de possibilitar vivências relativas ao trabalho em equipe, aos diversos cenários de práticas da saúde e ao se colocar na posição do outro (em alteridade) para melhor apreendê-lo e compreendê-lo, embora não se trate de pressupor a experiência do outro e nem mesmo de tomá-lo em afeto compassivo. Trata-se, também, de conhecer o sistema de saúde vigente no país, saber de sua história e se comprometer com ele, pois esse é um sistema que dá conta e orienta a construção de práticas cuidadoras à saúde da população. O atendimento individual não pode substituir a perspectiva da saúde coletiva ou saúde das populações, sob pena de tomarmos a proteção à saúde como equivalente de número de consultas e retornos ou de exercício da vigilância sanitária sobre os corpos singulares. A integração ensino-serviço é tomada aqui de modo ampliado, como interseção entre ensino, sistema de saúde e cidadania em saúde: atravessamentos de um para o outro, com potência formativa. Destarte, é proposta como construção de materialidade aos conceitos sucedâneos ao da integralidade, para 46


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a viabilização dos compromissos da formação para com o SUS e para com o adequado desdobramento das DCN/Saúde. A integração ensino-serviço e a integralidade reúnem método clínico, alteridade, sistema de saúde e saúde coletiva. O Conselho Nacional de Saúde, uma singularidade brasileira no que diz respeito ao protagonismo de usuários e da população na tomada de decisões sobre saúde, em 2003, aprovou a Política Nacional de Educação e Desenvolvimento de Profissionais para o SUS, colocando o conceito de educação permanente em saúde como um caminho de denso ajustamento entre política de atuação em saúde e política de formação para o trabalho e a ação na saúde. A proposta pedagógica da educação permanente em saúde, em tal Política, fundamenta-se na construção do conhecimento por meio da aprendizagem significativa, que reconhece o aluno como agente ativo de seu desenvolvimento e do desenvolvimento de relações, construindo significados e gerando sentidos de acordo com a problematização das práticas e dos saberes, mas também por suas experiências e vivências em ato.

Quanto à integração ensino-sistema de saúde, a Lei Orgânica da Saúde já propunha em seu artigo 14 que instituições de ensino e instituições de serviço deveriam guardar interação permanente sob o estatuto de comissões de integração ensinoserviço, e é por isso que a construção de práticas pedagógicas de integração entre ensino e serviço podem aperfeiçoar formação e trabalho em coerência com as necessidades da população e do sistema de saúde. A produção intelectual mais recente no campo (CECCIM, 2004, 2005, 2007; CECCIM; FERLA, 2009; CECCIM; FEUERWERKER, 2004) assinala a integração ensino-serviço como Quadrilátero da Formação, não apenas ensino e serviço, mas ensino, serviços de saúde (práticas de atenção), gestão do sistema de saúde (condução política e instrumentos de gestão) e controle social (participação popular, integração aos movimentos sociais, reconhecimento das instâncias participativas e deliberativas do SUS).

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O

SUS, resultado de uma avançada conquista social, colocou o setor da saúde para além da área de prestação de serviços de prevenção e tratamento de doenças, estabelecendo um campo de intervenções profissionais designado por Atenção Integral à Saúde. Esse campo passa a circunscrever, ao trabalho em saúde, ações de promoção da qualidade de vida, prevenção de doenças; ações de vigilância epidemiológica, sanitária e ambiental; projetos terapêuticos de proteção, tratamento e reabilitação da saúde; ações de análise, organização e condução de planos, redes e sistemas, além de ações intersetoriais e políticas no âmbito da preservação da saúde. Todo esse referencial exige uma formação de profissionais “reorientada” pela Integralidade, motivo pelo qual a Constituição Federal, em 1988, atribuiu ao SUS o “ordenamento da formação de recursos humanos em saúde”. A Integralidade assegura maior protagonismo das pessoas e da população na tomada de decisões em saúde, na construção das políticas de preservação da saúde individual e coletiva e na participação nos seus projetos terapêuticos.

Configuração do conhecimento

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Compete ao SUS, de acordo com a Constituição Federal, ordenar a formação dos profissionais dessa área e incrementar o desenvolvimento científico e tecnológico do setor (Art. 200, incisos III e V).

propor prioridades, métodos e estratégias tanto para a formação e educação permanente dos trabalhadores, como para a pesquisa e a cooperação técnica entre tais instituições (Art. 14, Parágrafo Único). Uma “política de recursos humanos na área da saúde” deve ser formalizada e executada, articuladamente, pelas diferentes esferas de governo, tendo em vista um “sistema de formação em todos os níveis de ensino, inclusive de pós-graduação, além da elaboração de programas de permanente aperfeiçoamento de pessoal”. Para a Lei, os serviços públicos que integram o SUS constituem uma rede SUS-Escola, principal campo de prática tanto para o ensino como para a pesquisa e a extensão (Art. 27). A Lei 8.080/90 foi regulamentada, em 2011, pelo Decreto Federal nº 7.5081 , assinalando-se especialmente a “articulação interfederativa” para a consecução do SUS, despontando os conceitos

Art. 200 – Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: [...] III – ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde; [...] V – incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico; [...] (BRASIL, 1988)

A Lei Orgânica da Saúde (LOS) incluiu – como campo de atuação do SUS – a ordenação da formação de profissionais da saúde e o incremento, em sua área de atuação, do desenvolvimento científico e tecnológico (Art. 6º, incisos III e X) (BRASIL, 1990). Essa Lei determina que sejam criadas comissões permanentes de integração entre as instituições de serviço da saúde e as instituições de ensino (Art. 14), atribuindo a essas comissões a finalidade de

1 BRASIL. Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, 29 jun. 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/D7508.htm>. Acesso em: 10 jul. 2014.

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de “Região de Saúde”, onde se mesclam realidades geográficas, culturais, econômicas, sociais e de redes de comunicação e infraestrutura compartilhadas e os “Contratos Organizativos da Ação Pública da Saúde”, acordos de colaboração firmados entre entes federativos com a finalidade de organizar e integrar as ações e serviços de saúde na rede regionalizada”. Para a regionalização e sua contratualização, fica necessário instituir Portas de Entrada, como serviços de atendimento inicial à saúde do usuário no SUS; Comissões Intergestores, como instâncias de pactuação consensual entre os entes federativos para definição das regras da gestão compartilhada do SUS; o Mapa da Saúde, como descrição geográfica da distribuição de trabalhadores de saúde, das ações e serviços ofertados pelo SUS e pela iniciativa privada, dos investimentos previstos e realizados, e a análise do desempenho segundo indicadores de saúde; uma Rede de Atenção à Saúde, como conjunto de ações e serviços de saúde articulados e que envolvem Unidades Básicas de Saúde, Centros de Especialidade, Centros de Atenção Psicossocial, atendimento domiciliar, rede de urgência e emer-

gência, redes estratégicas, academia da saúde, centros de convivência, serviços de vigilância em saúde e múltiplas linhas de cuidado entre todas estas ações; Serviços Especiais de Acesso Aberto, como serviços específicos em atendimento e vigilância à saúde do trabalhador; e, ainda, Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas, como documentos que estabelecem critérios para o diagnóstico de doença ou agravo à saúde, o tratamento preconizado, os mecanismos de controle clínico e o acompanhamento dos resultados terapêuticos a serem seguidos pelos gestores do SUS. A formação de profissionais de saúde não somente implica conhecimento desses elementos, mas seu efetivo envolvimento para dar consequência em saberes de apoio; desenvolvimento de saberes sólidos e correspondentes à sua melhor execução; engajamento na implementação e aperfeiçoamento de ações, planos e redes de sustentação; reconfiguração das práticas profissionais; interação com os movimentos participativos populares ou de segmentos expressivos das necessidades sociais em saúde; realização de pesquisas participativas, de intervenção 50


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ou de estudo-ação em integração ensino-serviço e implementação de ações de extensão de caráter regular conforme interesses da rede, dos usuários e das localidades.

Art. 14-A. As Comissões Intergestores Bipartite e Tripartite são reconhecidas como foros de negociação e pactuação entre gestores, quanto aos aspectos operacionais do Sistema Único de Saúde (SUS). Parágrafo único. A atuação das Comissões Intergestores Bipartite e Tripartite terá por objetivo: II – definir diretrizes, de âmbito nacional, regional e intermunicipal, a respeito da organização das redes de ações e serviços de saúde, principalmente no tocante à sua governança institucional e à integração das ações e serviços dos entes federados; III – fixar diretrizes sobre as regiões de saúde, distrito sanitário, integração de territórios, referência e contrarreferência e demais aspectos vinculados à integração das ações e serviços de saúde entre os entes federados. Art. 14-B. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) são reconhecidos como entidades representativas dos entes estaduais e municipais para tratar de

Art. 14. Deverão ser criadas Comissões Permanentes de integração entre os serviços de saúde e as instituições de ensino profissional e superior. Parágrafo único. Cada uma dessas comissões terá por finalidade propor prioridades, métodos e estratégias para a formação e a educação continuada dos recursos humanos do Sistema Único de Saúde (SUS), na esfera correspondente, assim como em relação à pesquisa e à cooperação técnica entre essas instituições. (BRASIL, 1990).

Introduções pela Lei Federal nº 12.466, de 24 de agosto de 20112 (Art. 14-A e 14-B) na Lei 8.080/90: 2 BRASIL. Lei n. 12.466 de 24 de agosto de 2011. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 25 ago. 2011. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12466.htm>. Acesso em: 10 jul. 2014.

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matérias referentes à saúde e declarados de utilidade pública e de relevante função social, na forma do regulamento. § 1 O Conass e o Conasems receberão recursos do orçamento geral da União por meio do Fundo Nacional de Saúde, para auxiliar no custeio de suas despesas institucionais, podendo ainda celebrar convênios com a União.

Parágrafo único. Os serviços públicos que integram o Sistema Único de Saúde (SUS) constituem campo de prática para ensino e pesquisa, mediante normas específicas, elaboradas conjuntamente com o sistema educacional. Art. 30. As especializações na forma de treinamento em serviço sob supervisão serão regulamentadas por Comissão Nacional, instituída de acordo com o art. 12 desta Lei, garantida a participação das entidades profissionais correspondentes. (BRASIL, 1990).

Diante desse compromisso assumido pelas diferentes esferas do governo em torno dos trabalhadores para a atuação no SUS, parece fundamental que se abra a discussão a respeito dos processos formativos. Art. 27. A política de recursos humanos na área da saúde será formalizada e executada, articuladamente, pelas diferentes esferas de governo, em cumprimento dos seguintes objetivos: I – organização de um sistema de formação de recursos humanos em todos os níveis de ensino, inclusive de pós-graduação, além da elaboração de programas de permanente aperfeiçoamento de pessoal;

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A

s Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação da saúde (BRASIL, 2014), aprovadas a partir de 2001 e em movimento de reformulações em 2014, afirmaram que a formação do profissional de saúde deveria contemplar o sistema de saúde vigente no país, o trabalho em equipe e a atenção integral em saúde. Essas Diretrizes levantam diversos pontos a serem trabalhados na direção da mudança na formação dos profissionais de saúde. Colocou-se a necessidade de os cursos e as universidades reverem suas práticas formativas e avaliativas e as próprias oportunidades de aprendizagem. Trata-se de uma mudança na composição conteúdo-curricular, nas modalidades de ensino, na formação de professores e na interação ensino-serviços-sistema-cidadania. Na vigência do SUS, a qualidade da atenção à saúde exige a formação de pessoal com domínio de tecnologias que qualifiquem a atenção individual e coletiva, mas é imprescindível e obrigatório o comprometimento das instituições de ensino com

Configuração da formação

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o modelo assistencial definido nas Leis nº 8.080/90 e nº 8.142/901 . A implementação das diretrizes curriculares deve contemplar as prioridades expressas pelo perfil epidemiológico, demográfico e cultural (local e regional); deve, ainda, contemplar a implementação de uma política de formação docente (formação de formadores) orientada para o SUS; e a formação de gestores capazes de romper com os atuais paradigmas de gestão, além de adequada garantia de recursos para o desenvolvimento do ensino, da pesquisa e da extensão. Na implementação das atuais Diretrizes Curriculares Nacionais, esse movimento de mudança inclui dedicação e estímulo ao desenvolvimento da cooperação, bem como possíveis intercâmbios interinstitucionais, inclusive por meio de redes nacionais e internacionais que prevêem a mobilidade acadêmica e docente que tem em vista a potencialização da formação em todos os níveis.

Pode-se interrogar em que momentos da formação atual o estudante está exposto ao contato com grupos sociais e processos coletivos, diferentemente do contato com usuários em situação de assistência preventiva e/ou terapêutica. Pode-se perguntar em que momentos o estudante é colocado como membro de uma equipe de saúde, não como membro da equipe médica, da equipe de enfermagem, da equipe de psicologia etc.. E pode-se inquirir sobre quais os momentos em que analisa situações de saúde com vistas a avaliar e propor políticas. Pode-se, também, entretanto, questionar quando o estudante testemunha a atuação de profissionais de saúde que, ao assistirem pessoas comunicando seu sofrimento, experimentam uma “relação de encontro”, escutam narrativas do sofrimento, respeitam diversidades e compartilham seus saberes, valores e necessidades, possibilitando o desenvolvimento conjunto de um plano terapêutico, a tomada de decisões compartilhadas e a singularização das intervenções. Diante dessas perguntas, emerge o questionamento sobre as reais capacidades docentes e educativo-institucionais para que tais práticas sejam eixo de formação

1 BRASIL. Lei Federal n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 31 dez. 1990.

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e não conteúdos ou disciplinas isoladas, pontuais, “alternativas”, “complementares” ou por imposição de ações-programa de indução. Acrescenta-se a esse posicionamento a crítica a uma formação cada vez mais subespecializada em detrimento da formação de competências generalistas; a formação orientada pelas capacidades instaladas nas instituições de serviço em detrimento das necessidades do sistema de saúde e da construção de redes de atenção; a formação com características procedimento-centradas em detrimento das abordagens em equipe ou de atenção integral à saúde; a formação orientada pelo domínio de habilidades em detrimento do desenvolvimento de capacidades pedagógicas para a interação com usuários, para o trabalho em equipe e em rede, para o desenvolvimento institucional e para o “aprender a aprender” permanente, o que quer dizer interrogar e interrogar-se, abrir questões de pensamento coletivo e construir instâncias de conversa e rede todo o tempo. A Educação Permanente em Saúde, tal como a fazemos no SUS, representa a continuidade da luta

pela reforma sanitária, a ruptura dos monopólios do saber e a interface da universidade e do serviço com os atores do controle social que podem apontar as necessidades de saúde da população e do sistema nacional de saúde. As universidades públicas e comunitárias cumprem compromissos públicos, seja por sua inserção regional, seja por seu acesso ampliado de alunos. Quanto à integração ensino-serviço, pode-se argumentar, entretanto, que as universidades ainda não apresentam um projeto consolidado e com forte identificação com as políticas públicas de saúde. De alguma maneira, a Lei Federal nº 12.871, a Lei do Mais Médicos (BRASIL, 2013), embora relativa à urgência nacional de provimento e fixação de médicos por toda a geografia nacional, introduziu mecanismos a serem pensados na integração ensino-serviço e que poderão ser transpostos em concepção organizativa para variados processos de regulação pública das relações universidadesociedade. Pode-se citar já uma primeira tradução dos artigos 14-A e 14-B na Lei 8.080 (BRASIL, 1990), transcritos anteriormente. 55


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A Lei introduz o Programa Mais Médicos, assinalando a necessidade de “diminuir a carência de médicos nas regiões prioritárias para o SUS, a fim de reduzir as desigualdades regionais na área da saúde”, texto que reproduz a linguagem da Lei Federal 11.129, que criou as residências em área profissional da saúde, destinadas à equipe multiprofissional em atuação no setor da saúde (BRASIL, 2005). A Lei do Mais Médicos refere sua introdução a fim de fortalecer a prestação de serviços de atenção básica em saúde no País; proporcionar maior experiência no campo de prática durante o processo de formação; ampliar a inserção do estudante nas unidades de atendimento do SUS, desenvolvendo seu conhecimento sobre a realidade da saúde da população brasileira; fortalecer a política de educação permanente com a integração ensino-serviço, por meio da atuação das instituições de educação superior na supervisão acadêmica das atividades desempenhadas pelos estudantes ou profissionais em formação (residentes, por exemplo); promover a troca de conhecimentos e experiências entre profissionais formados no Brasil e profissionais

formados em instituições estrangeiras; aperfeiçoar estudantes e profissionais em formação para a atuação nas políticas públicas de saúde do País e na organização e no funcionamento do SUS; e estimular a realização de pesquisas aplicadas ao SUS. Podese perceber que todo o texto legal sumariza o que já vinha assinalado em diretrizes, normativas e leis para o conjunto dos trabalhadores da saúde, pelo menos desde a VIII Conferência Nacional de Saúde e nossas universidades e programas de residência insistiam em distanciar-se. [...] Capítulo III – Seção Única: do Contrato Organizativo da Ação Pública Ensino-Saúde Art. 12. As instituições de educação superior responsáveis pela oferta dos cursos de Medicina e dos Programas de Residência Médica poderão firmar Contrato Organizativo da Ação Pública Ensino-Saúde com os Secretários Municipais e Estaduais de Saúde, na qualidade de gestores, com a finalidade de viabilizar a reordenação da oferta de cursos de Medicina e de vagas de Residência Médica e a estrutura de serviços de saúde em

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condições de ofertar campo de prática suficiente e de qualidade, além de permitir a integração ensino-serviço na área da Atenção Básica. § 1º. O Contrato Organizativo poderá estabelecer: I – garantia de acesso a todos os estabelecimentos assistenciais sob a responsabilidade do gestor da área de saúde como cenário de práticas para a formação no âmbito da graduação e da residência médica; e II – outras obrigações mútuas entre as partes relacionadas ao funcionamento da integração ensino-serviço, cujos termos serão levados à deliberação das Comissões Intergestores Regionais, Comissões Intergestores Bipartite e Comissão Intergestores Tripartite, ouvidas as Comissões de Integração Ensino-Serviço. § 2º. No âmbito do Contrato Organizativo, caberão às autoridades mencionadas no caput, em acordo com a instituição de educação superior e os Programas de Residência Médica, designar médicos preceptores da rede de serviços de saúde e regulamentar a sua relação com a

instituição responsável pelo curso de Medicina ou pelo Programa de Residência Médica. § 3º. Os Ministérios da Educação e da Saúde coordenarão as ações necessárias para assegurar a pactuação de Contratos Organizativos da Ação Pública Ensino-Saúde.(BRASIL, 2013).

O Artigo 15 da Lei Orgânica da Saúde (BRASIL, 1990) propõe que a formulação e execução da política de formação e desenvolvimento de profissionais da saúde e a realização de pesquisas e de estudos nessa área sejam resultado do estabelecimento de relações permanentes entre instituição de ensino e instituições de serviço de saúde. Ao conceber os campos da formação e da ação investigativa como sendo de participação do SUS na qualificação de profissionais para o trabalho, a lei previu que as instituições de ensino deveriam estruturar mecanismos de atuação educacional em interface com as políticas públicas de saúde. As noções de “fortalecimento da inovação” e “ampliação da saúde coletiva como campo de conhecimento e área transversal à educação médica e 57


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dos demais profissionais de saúde”, antes referidas, ficam, agora, ressignificadas. Há necessidade de a Universidade investir em uma reorientação do modelo assistencial que sustenta as iniciativas públicas de mudança da formação profissional em saúde, ou seja: alcançar, além de nova e mais apropriada perspectiva pedagógica, a reorientação das teorias em saúde e dos cenários de práticas. Os três eixos utilizados em programas do governo federal para a indução de processos de mudança na formação profissional – como o Programa de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (PróSaúde) –, assinalam: Orientação Teórica, Cenários de Prática e Orientação Pedagógica. Todos esses pontos partindo-se do princípio de que a Universidade possui liderança na construção e condução de projetos de mudança de orientação pedagógica, possuindo Comissão de Graduação ou Colegiado de Curso e Núcleo Docente Estruturante, que têm a função de repensar as práticas de ensino-aprendizagem na educação superior, conduzindo-as no sentido da exploração dos eixos da formação no cotidiano de gestão educacional em saúde.

Segundo essa referência, a orientação teórica da formação docente deve envolver os aspectos relativos à compreensão e uso dos determinantes de saúde; dos determinantes biológico-sociais da doença; das evidências clínico-epidemiológicas capazes de possibilitar a avaliação crítica do processo saúde-doença e de redirecionar protocolos e intervenções; e dos componentes gerenciais do SUS, no estabelecimento de práticas apropriadas de gestão, visando a alimentar processos de tomada de decisão e estimular a conformação de redes de cooperação técnica.

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A

formação docente para os cenários de práticas da integração ensino-serviço deve considerar a progressiva desinstitucionalização dos ambientes sofisticados e de mais cara utilização para diversificados cenários de aprendizado prático, agregando ao processo, além dos equipamentos de saúde, equipamentos educacionais e comunitários. Deve considerar também a interação ativa do aluno com a população e com os profissionais de saúde desde o início do processo de formação, proporcionando ao estudante trabalhar sobre problemas reais, assumindo responsabilidades crescentes, como agente prestador de cuidados, compatíveis com seu grau de autonomia, mais distante das simulações de prática e mais íntimo da Integralidade em saúde. Diante das necessidades de reorientação formativa para o fortalecimento dos elos entre ensino e serviço, justifica-se a qualificação de professores na atuação nesse espaço híbrido. Nesse sentido, considera-se prioritário envolver os membros das Comissões de Graduação, Colegiados de Curso, Núcleos Docentes Estruturantes e professores orientadores

Considerações finais

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dos Trabalhos de Conclusão de Curso na área da saúde, tendo-se em vista a gestão da reorientação da formação profissional em saúde e a criação de uma área transversal aos cursos de graduação afetos ao campo da saúde que os torne mais interdisciplinares, complementares, integrados, reciprocamente ressingularizados. Os currículos de formação, entretanto, deverão contemplar as especificidades assistenciais do SUS, como as atuações na área de Urgência e Emergência, Atenção Domiciliar, Saúde Mental, Redes de Atenção à Saúde, Redes de Atenção Psicossocial, Educação Popular em Saúde, Promoção da Saúde e Clínica Geral Integral em todos os ciclos de vida. Sob quaisquer dos ângulos, portanto, falamos da necessidade de mudança na graduação e integração da formação com o sistema de saúde.

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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 1988. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 10 jul. 2014. ______. Lei Federal n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Lei Orgânica da Saúde. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 19 set. 1990.

Referências

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______. Lei n. 12.871, de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis no 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e no 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 23 out. 2013.

______. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Princípios e diretrizes para NOB-RH/ SUS. 2 ed., rev. e atual. Brasília, DF: MS, 2003. ______. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde – Pró-Saúde: objetivos, implementação e desenvolvimento potencial. Brasília: MS, 2007.

______. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Diretrizes Curriculares para os cursos da Saúde. 2014. Disponível em: <http://portal.mec.gov. br/index.php?option=com_content&view=article&id=12991:diretrizes-curriculares-cursos-de-graduacao-&catid=323:orgaos-vinculados>. Acesso em: 09 jul. 2014.

CECCIM, Ricardo Burg. Equipe de saúde: a perspectiva entre-disciplinar na produção dos atos terapêuticos. In: MATTOS, Ruben Araujo; PINHEIRO, Roseni. Cuidado: as fronteiras da integralidade. Rio de Janeiro: Abrasco, 2004. p.259-278.

______. Ministério da Saúde. Portaria n. 1.996, de 20 de agosto de 2007. Dispõe sobre as diretrizes para a implementação da política nacional de educação permanente em saúde. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 22 ago. 2007.

______. Educação permanente em saúde: desafio ambicioso e necessário. Interface (Botucatu), Botucatu, v. 9, n. 16, p.161-168, set./fev., 2005.

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______. Invenção da saúde coletiva e do controle social em saúde no Brasil: nova educação na saúde e novos contornos e potencialidades à cidadania. Revista de Estudos Universitários, Sorocaba, v. 33, n. 1, p.29-48, jun. 2007. CECCIM, Ricardo Burg; FERLA, Alcindo Antônio. Educação e saúde: ensino e cidadania como travessia de fronteiras. Trab. Educ. Saúde, v. 6 n. 3, p.443-456, nov.2008/fev.2009. CECCIM. Ricardo Burg; FEUERWERKER, Laura. O quadrilátero da formação para a área da saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis: revista de saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p.41-65, 2004.

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Exercícios sugeridos

Uma proposta pedagógica

EIXO 1 – GESTÃO E PROTAGONISMO PARTICIPATIVO NO ENSINO E NO TRABALHO EM SAÚDE

Docência na Saúde

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EXERCÍCIO 1.1

Eixo 1: Gestão e protagonismo participativo no ensino e no trabalho em saúde

A integração ensino-serviço compreende “dobras” existentes a partir da intersecção ensino, sistema de saúde e cidadania… (Fragmento Narrativo retirado de Fórum do “Docência em Saúde” na Plataforma Moodle)

No texto-base do curso, considera-se que precisamos reinventar nossos modos de ensinar e aprender. O texto-âncora do Eixo 1 (Gestão e Protagonismo participativo no ensino e no trabalho em saúde) destaca a importância de os estudantes terem experiências junto a profissionais de saúde, tendo em vista a escuta de narrativas da dor, o compartilhamento de necessidades/saberes e o estabelecimento de “relações de encontro”, tanto na equipe quanto com os usuários do serviço de saúde. a. Como você compreende a relevância de tais experiências para a “reinvenção” de nossos modos de ensinar e aprender? 65


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b. Exemplifique como você poderia incorporar e desenvolver uma dessas reinvenções na sua prática docente e descreva os argumentos com os quais você justificaria a sua importância entre seus pares.

A partir da discussão levantada pelo trecho acima, reflita: a. Em sua perspectiva, de quais maneiras a Universidade participa da produção social e, em particular, da produção sobre saúde?

Objetivos e dimensões trabalhadas: Com a questão acima, pretende-se ampliar o debate a respeito da aproximação ensino-serviço, um dos pontos desenvolvidos no texto-âncora do Eixo 1 e no texto-base.

b. O que você sabe sobre a história da universidade no Brasil e sobre a construção do ensino superior em saúde? c. Que momento vive hoje a Universidade com relação à regulação de cursos em saúde, expansão de cursos e mudanças curriculares?

EXERCÍCIO 1.2

Objetivos e dimensões que podem ser trabalhadas: Este exercício se propõe a provocar um alargamento das possibilidades de apropriação e aprofundamento do texto-âncora do eixo 1, sedimentando a compreensão do papel da Universidade e do valor das práticas de cada um no processo das mudanças desejadas neste contexto.

Há a necessidade de a Universidade investir em uma reordenação do modelo assistencial que sustenta as iniciativas públicas de mudança da formação profissional em saúde… (Trecho do texto-âncora do eixo 1).

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EXERCÍCIO 1.3

acerca de que mudanças se desejam para a formação em saúde, bem como os modos como essas inovações podem ser conduzidas.

a. Podemos pensar, com Roland Barthes (2003), que a inovação se justifica em muitas circunstâncias na nossa sociedade. Porém, não que o novo fosse inteiramente a novidade. Falamos que a Universidade precisa mudar e que os cursos da área da saúde precisam mudar. Por que?

Dimensões que podem ser trabalhadas: A questão direciona-se, especificamente, para as mudanças que favorecem a integração ensino-serviço, por compreendermos ser este o elemento fundamental no contexto da formação para o trabalho em saúde.

b. Como a universidade pode se aproximar da sociedade e do sistema de saúde, neste processo de mudança? Como o sistema de saúde pode se aproximar da universidade e da realidade formativa dos estudantes?

EXERCÍCIO 1.4 Reflita sobre as dimensões da integração ensinoserviço, conforme roteiro a seguir:

Referência: BARTHES, Roland. Roland Barthes por Roland Barthes. Trad. Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Estação Liberdade, 2003.

a. Quais as dimensões possíveis para a compreensão do eixo “serviço”?

Objetivos: Com este exercício, pretende-se trazer a reflexão

- quais desafios aos docentes? - quais desafios aos estudantes?

b. Quem são os atores do eixo “ensino”?

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EXERCÍCIO 1.5

- quais desafios aos dirigentes? - quais as instâncias de gestão da educação e dos cursos?

“…a formação como uma política do SUS poderia se inscrever como uma “micropotência” inovadora do pensar a formação…”

Objetivos: Sedimentar uma compreensão acerca do processo de integração ensino-serviço.

(CECCIM; FEUERWERKER, 2004, p. 45).

Dimensões que podem ser trabalhadas: • Reflexões sobre a própria prática docente, as relações estabelecidas com os estudantes e os profissionais da saúde; • Tomada de posição e protagonismo diante dos desafios que são constatados (articulação com o eixo 4); • Reflexões sobre cenários de práticas e campo de estágio, serviço como sistema de saúde, serviço como cenários do trabalho (redes de atenção e redes de gestão), serviço como agregado conceitual para todas as práticas extra-muros.

A Letra A A letra A do seu nome Abre essa porta e entra Na mesma casa onde eu moro Na mesa que me alimenta A telha esquenta e cobre Quando de noite ela deita A gente pensa que escolhe Se a gente não sabe inventa A gente só não inventa a dor A gente que enfrenta o mal Quando a gente fica em frente ao mar A gente se sente melhor A abelha nasce e more E a cera que ela engendra

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b. Com o pressuposto de que a formação em saúde se configura como uma política do SUS, por que pensar em Quadrilátero da Formação? Que elementos são relevantes ao seu funcionamento?

Acende a luz quando escorre Da vela que me orienta Apenas os automóveis Centenas se movem e ventam Certeza é o chão de um imóvel Prefiro as pernas que me movimentam A gente movimenta o amor A gente que enfrenta o mal Quando a gente fica em frente ao mar A gente se sente melhor

Referências: CECCIM, Ricardo; FEUERWERKER, Laura C.M. O quadrilátero da formação para aérea da saú-de: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 41-65, 2004. REIS, Nando. A letra A. In: REIS, Nando. A letra A. [s.l]: Universal, 2003. Faixa 1.

(Nando Reis)

a. Fazer escolha pelas “pernas que me movimentam” em relação à “certeza, chão de um imóvel”, nos coloca em posição de fazer frente a pensamentos dogmáticos e herméticos. O que você pode dizer sobre a formação em saúde, ainda que este pensamento resulte de alguma sensação de instabilidade?

Objetivos: Este exercício pretende fazer a afirmação da formação em saúde como política do SUS, bem como proporcionar abertura para o pensamento inaugural a este respeito.

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Dimensões que podem ser trabalhadas: • Experimentação do que é instável e dos deslocamentos, como potência de criação do novo; • Reflexão e aplicação do conceito de quadrilátero da formação; • Compreensão, a partir do exercício, de que o pensamento pode ser tomado como prática de criação; • Articulação de sensações e conceitos relevantes ao estudo proposto no eixo 1.

c. Quem precisa apoiar a mudança e por que? d. Quais interesses são contrariados numa proposta de mudança na graduação? Objetivos e dimensões trabalhadas: Pretende-se aprofundar os questionamentos anteriores, tendo em vista a chegada na dimensão política das mudanças que se propõem. EXERCÍCIO 1.7

EXERCÍCIO 1.6

“A união e o apoio que as meninas (no caso, a médica e a psicóloga) nos davam. Elas estavam dispostas a escutar…

O texto-âncora do eixo 1 aborda os desafios da universidade e do serviço em relação à formação em saúde. A partir do seu estudo, reflita e responda:

(Entrevistada do Grupo Conviver da FCM/UERJ. In: FAVORETO; CABRAL, 2009)

a. Quais são os desafios políticos da mudança na graduação?

Com base na leitura dos textos-âncora dos eixos 1 e 3, e diante do exemplo de narrativa de uma usuária de um serviço de saúde, discuta:

b. A quem interessa ou desinteressa a mudança? 70


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a. Como universidade e SUS se aproximam da população e de suas necessidades?

ticulação e ao compromisso da Universidade e do Sistema de Saúde com as necessidades da população, de modo singular e coletivo simultaneamente.

b. Como e quando se pode falar de real compromisso com a população?

EXERCÍCIO 1.8

c. Como se podem compreender interesses e relações com indivíduos e interesses e relações com coletividades?

O mais importante do curso: desenvolver a criatividade docente. Proporcionar o encontro de vozes divergentes…

d. Como essas questões estão inseridas em sua prática docente na saúde?

(Fragmento Narrativo retirado de Fórum do “Docência em Saúde” na Plataforma Moodle)

Referência: FAVORETO, Cesar Augusto Orazem; CABRAL, Cristiane Coelho. Narrativas sobre o processo saúdedoença: experiências em grupos operativos de educação em saúde. Interface. Comunicação, Saúde, Educação. v. 13, p. 7-18, jan./mar. 2009.

Escrever no prazer me assegura a mim, escritor o prazer de meu leitor? De modo algum. Esse leitor, é mister que eu o procure… sem saber onde ele está. Um espaço de fruição fica então criado… uma imprevisão do desfrute: que os dados não estejam lançados, que haja um jogo.

Objetivos e dimensões trabalhadas: A intenção aqui é a de mobilizar conceitos em pauta nos eixos 1 e 3, especialmente no que tange à ar-

(BARTHES, 1987)

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a. Em um primeiro movimento, busque perceber as sensações que estes dois trechos provocam em você.

e que, para tanto, precisaria estar pautada pelo conceito de inovações educacionais. Neste sentido, pretende-se que você, na prática da escrita articule sensações, afectos e ferramentas conceituais, em um movimento de abertura ao jogo, ao surgimento de provocações e ideias imprevisíveis.

b. Com e a partir dessas sensações, descreva alguns limites e possibilidades do desenvolvimento da criatividade e do jogo na prática docente que você desenvolve.

Referência Bibliográfica: BARTHES, Roland. O prazer do texto. Trad. J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 1987.

c. Experimente propor maneiras de lidar com a multiplicidade de saberes, experiências e expectativas dos estudantes da saúde, tendo em vista o alcance das competências e habilidades previstas nas ementas das disciplinas/seminários/eixos temáticos e na matriz curricular do curso em que você se insere e, mais amplamente, nas DCN/Saúde. Objetivos e Dimensões Trabalhadas: Esse exercício pretende articular noções trabalhadas nos Eixos 1 e 2, tomando a premissa de que a formação na saúde precisa ocorrer como processo interdisciplinar, coletivo, baseado nas DCN/Saúde 72


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WEBCONFERÊNCIA Prof. Dr. José Ivo dos Santos Pedrosa

Conteúdo multimídia Clique na imagem para assistir ao vídeo no YouTube.

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Eixo 2

Currículo, inovações educacionais e práticas docentes em saúde Artigo

Uma proposta pedagógica

Docência na Saúde

Exercícios sugeridos Conteúdo multimídia


Artigo 1. Introdução 2. Formar, aprender, ensinar e avaliar: pontos de partida 3. Currículo: itinerários de aprendizagem e os compromissos com o SUS 4. Desafios para uma formação em saúde comprometida com o SUS 5. Dilemas, desafios e perspectivas na integração ensino-serviço 6. Construindo percursos formativos inovadores 7. Em busca de uma síntese, ainda que provisória Referências

Uma proposta pedagógica

EIXO 2 – CURRÍCULO, INOVAÇÕES EDUCACIONAIS E PRÁTICAS DOCENTES EM SAÚDE

Docência na Saúde

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Introdução

E

Se, na verdade, não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas para transformá-lo; se não é possível mudá-lo sem um certo sonho ou projeto de mundo, devo usar toda possibilidade que tenha para não apenas falar de minha utopia, mas participar de práticas com ela coerentes. (FREIRE, 2009, p.33).

m consonância com os princípios assumidos no Curso, as perspectivas de integração e interdisciplinaridade emergem como essenciais na condução do processo pedagógico. Nesse sentido, a opção por organizá-lo a partir de eixos formativos ancora-se na compreensão de que estes constituem uma estratégia curricular para induzir momentos e movimentos interdisciplinares. Os eixos formativos constituem-se como caminhos a serem percorridos pelos especializandos, sendo organizados em tópicos sintonizados e implicados com os objetivos de aprendizagem a serem alcançados. Além disso, temáticas transversais compõem o design curricular final.

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A figura a seguir esquematiza uma das maneiras de se visualizar o desenho curricular proposto para essa nossa experiência formativa.

a inovação das ações educativas para o aprimoramento de uma docência mais comprometida com a consolidação do SUS. Na materialização da tríade aprender, ensinar e formar, desvelar as relações que constituem e são constituídas na prática docente em saúde emerge como um caminho singular para se compreender o cotidiano acadêmico. Nesse contexto, tutores e especializandos encontrarão no diálogo uma via de comunicação e de troca. Autoria, diálogo, compartilhamento de ideias e experiências, reflexões críticas e inventivas, avaliação formativa, produção de conhecimento assumindo o cotidiano docente como objeto legítimo de investigação e intervenção: esses são pressupostos orientadores desta nossa proposta de formação. Mais do que uma declaração de intenções, investe-se na efetiva possibilidade de criação coletiva e avaliação permanente da docência na saúde. O eixo Currículo, Inovações Educacionais e Prática Docente em Saúde inscreve-se como um dos espaços privilegiados no Curso de Especialização para a formação profissional de docentes universitários que possam atuar no sentido de fortalecimento do SUS e de uma efetiva integração ensino-serviço-comunidade.

FIGURA 2 - DESENHO CURRICULAR

No contexto desse desenho curricular, o eixo Currículo, Inovações Educacionais e Prática Docente em Saúde abrange a reflexão, diálogo e análise do processo da formação profissional em/na Saúde abordando a prática docente e suas imbricações com o currículo, bem como 77


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Formar, aprender, ensinar e avaliar: pontos de partida

[...] Hoje desaprendo o que tinha aprendido até ontem e que amanhã recomeçarei a aprender. Todos os dias desfaleço e desfaço-me em cinza efêmera: todos os dias reconstruo minhas edificações, em sonho eternas.[...] (MEIRELES, 2001)

P

ensar as práticas docentes em saúde em tempos de tão profundas transformações exige a ousadia de não enquadrar as demandas em velhos modelos de aprendizagem, assim como a lucidez de encontrar, nas situações concretas, suas potencialidades. Assume-se o desafio de delinear as práticas docentes a partir de perspectivas inovadoras, rompendo com uma cultura de transmissão de informações e investindo na problematização da realidade dos estudantes, o que configura processos nos quais se compreende a aprendizagem como prática social, histórica e condicionada pelas trajetórias, saberes e experiências. (FREIRE, 2009)

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É importante explicitar como entendemos prática docente em saúde: pensamos que a mesma constitui práxis, no sentido adotado por Vázquez (1977), construída na dialética teoria e prática na qual os sujeitos partilham significados e propõem intervenções na realidade. Nesse sentido, as temáticas e abordagens propostas neste Eixo buscam responder aos desafios de pensar e intervir na docência universitária em saúde como prática social historicamente construida, rompendo com as ideias de mero treinamento didático-pedagógico. A intencionalidade do professor, articulada com suas opções pedagógicas e didáticas, refletindo sobre as escolhas nos campos do planejamento, do currículo, das estratégias de ensino e da avaliação da aprendizagem, situa-se como um dos aspectos fundantes da proposta de formação ora apresentada. A formação configura-se como um processo que se movimenta em direções múltiplas, conhecendo a contradição, os conflitos, mas também produzindo as possibilidades de negociação, de atribuição de significados, procurando configurar espaços de aprendizagem que estejam coadunados com as

necessidades e demandas do cotidiano da docência em saúde, no contexto do SUS, como uma prática social contextualizada (BATISTA; BATISTA, 2014). A perspectiva dialógica deve valorizar as relações entre professor-tutor e professor-aluno, os saberes construídos por eles, a prática como objeto de estudos e a análise destes sob a luz de teorias educacionais. O professor tutor deve situar-se como mediador nos encontros e experiências formativas, investindo em interações que privilegiem a troca de ideias, as vivências, a discussão coletiva sobre as práticas, o saber já acumulado pelo grupo e os movimentos de teorização das ações docentes. (TARDIF, 2002). Freire (2009) afirma que a prática educativa deve estar revestida de um saber fazer e um saber-ser exercitados, nos quais “[...] a reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação teoria/prática, sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática, ativismo” (FREIRE, 2009, p.24). Defende que, no desenvolvimento docente, “[...] o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente sobre a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática” (FREIRE, 2009, p.43). 79


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As propostas de formação docente podem e devem encontrar na aprendizagem da docência, a partir da própria prática, um veio fecundo para delineamentos formativos que privilegiem o diálogo, as trajetórias pessoais, as articulações entre as concepções e as metodologias de ensino, a troca de experiências. Tomar a própria prática docente – num movimento de ação-reflexão-ação – como ponto de partida para empreender mudanças no cotidiano do ensinar e aprender emerge como instigante caminho a ser trilhado nas práticas de formação na e para a educação superior (CUNHA, 2013; BATISTA; BATISTA, 2014; GARCIA, 1999; MEDEIROS; CABRAL, 2006). Os processos de aprender e ensinar são ressignificados: não se trata de transmitir informações para que o outro as absorva, e sim implicá-lo num processo de significação, de autoria, de contextualização histórica. Smolka (2007) nos situa em uma compreensão da aprendizagem como movimentos de diversidade tanto no que se refere às características particulares dos sujeitos, quanto nos padrões culturais que marcam as diferentes sociedades e comunidades .

Batista e Rossit (2014) afirmam que a complexidade do processo de aprendizagem remete ao reconhecimento da diversidade que caracteriza o aprender, seja no terreno das individualidades (motivações, estilos, comportamentos), seja na seara das opções político-educativas (conteúdos, metodologias, tipos de escolarização). Aprender é muito mais do que a absorção de um novo conceito científico, mas compreende todo um processo de transformações das concepções espontâneas para explicação da realidade, (re)construindo teorias e práticas em níveis mais complexos de pensar, conhecer e intervir no mundo (VYGOTSKY, 1988). Colinvaux (2007, p.32) afirma que [...] a aprendizagem está associada a processos de compreensão do mundo material e simbólico, que pressupõem geração, apropriação, transformação e reorganizações de significações. Por isso, postulamos que aprender é um processo de significação, isto é, um processo que mobiliza significações, criando e recriando-as.

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A aprendizagem é produzida e produz interações a partir das quais os sujeitos vão se estruturando como pessoas, recriando as experiências e saberes, em uma dialética entre a cultura, as intersubjetividades e as singularidades (VYGOTSKY, 1988). Com essa compreensão sobre o aprender, o ensino imbrica-se ao processo de aprendizagem: quando o docente estrutura sua prática precisa pensar no outro que aprende, estabelecendo parâmetros e objetivos que considerem não somente a natureza dos conteúdos, mas, fundamentalmente, as dinâmicas de acessar, apropriar e produzir conhecimento. Assim, projeta-se uma docência mediadora, na qual o professor possa comprometer-se com o conhecimento da área, o planejamento das aulas, a diversificação de atividades e cenários de aprendizagem, a abertura para discutir com os alunos temas emergentes. Como afirma Kastrup (2005, p.1287), ensinar é, em grande parte, compartilhar experiências de problematização. Compartilhar, experienciar, problematizar: verbos que traduzem e são traduzidos no que, contemporaneamente, temos chamado de metodologias

ativas: na participação crítica do estudante, na incorporação dos olhares e fazeres dos profissionais de saúde, na consideração da percepção do usuário, nos múltiplos movimentos docentes de construir situações de aprendizagens dialógicas, nas experiências interprofissionais. Feuerwerker (2014, p.160) afirma que Dependendo das estratégias pedagógicas adotadas, dos arranjos e da problematização que se faça do vivido, há maiores ou menores possibilidades de o estudante desenvolver a iniciativa, o espírito crítico, a criatividade, o conhecimento da realidade, o compromisso social. Sair do lugar de consumidor e fabricar seu lugar de protagonista na construção de seu processo de formação.

A docência mediadora constrói-se no cotidiano do processo ensino-aprendizagem, implicando que o professor reflita sobre o que fiz, o que estou fazendo, por que estou fazendo e o que posso fazer no campo do trabalho formativo junto aos estudantes, 81


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aos profissionais dos serviços, aos usuários, aos movimentos sociais (BATISTA; ROSSIT, 2014). Essas questões remetem ao processo de avaliação: rompendo com a mensuração e classificação, avaliar exige uma postura docente que considere e valorize as negociações, a amplitude das aprendizagens (suas dimensões técnicas, cognitivas, afetivas, éticas, políticas), a rede de conhecimentos, informações e vivências, privilegiando expressões criativas, inventivas, transformadoras. (BATISTA; RUIZ-MORENO; BATISTA, 2010) Nesse sentido, Luckesi (1995, p.180) afirma que

nhamento, monitoramento, feedback, reconstrução, pactuação de objetivos e compartilhamento de resultados. Não é uma amorosidade vazia, mas prenhe de sentido pois implica-se e compromete-se com o desenvolvimento do outro, percebendo-se, também, em formação. (BERBEL, 2001). Discutir e analisar as complexas interações que presidem o aprender, o ensinar e o avaliar como constituintes fundamentais de processos formativos, reconhecendo as relações tecidas entre atitudes, conhecimento e competências presentes na formação em saúde, demandam inserir historicamente a prática docente, desvelando suas imbricações com as opções político-educacionais e suas traduções curriculares.

O ato de avaliar por sua constituição mesmo, não se destina a julgamento “definitivo” sobre uma coisa, pessoa ou situação, pois que não é um ato seletivo. A avaliação se destina ao diagnóstico e, por isso mesmo, à inclusão, destina-se à melhoria do ciclo de vida. Deste modo, por si só, é um ato amoroso.

Freire (2009) e Luckesi (1995) encontram-se na amorosidade: tradução de compromisso, acompa82


3

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Currículo: itinerários de aprendizagem e os compromissos com o SUS

A Reforma Sanitária não é um projeto técnicogerencial, administrativo e técnico-científico; o Projeto da Reforma Sanitária é também o da civilização humana, é um projeto civilizatório, que, para se organizar, precisa ter dentro dele valores que nunca devemos perder, pois o que queremos para a Saúde, queremos para a sociedade brasileira. (AROUCA, 19881 apud VASCONCELLOS, 2007, p.183).

U

m importante desafio no processo de transformação dos cursos da área da saúde refere-se à incorporação da concepção ampliada de saúde com ênfase na integralidade e no cuidado no processo de formação profissional, bem como na aprendizagem para o trabalho em equipe interprofissional. Nessa direção, resgata-se a dimensão política da saúde, explicitada na 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, como “[...] resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, 1 Trecho do discurso de Sérgio Arouca, proferido na Assembléia Nacional Constituinte em 1988

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meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde” (BRASIL, 1986, p.4). A partir desta concepção ampliada, têm sido produzidas propostas de formação que buscam, em diferentes níveis, articular ensino-serviço-comunidade, formação-controle social, ensino-realidade, ensino-pesquisa-extensão. Essas propostas trazem expectativas de gerar impactos no modo de concretizar as propostas formativas em saúde, alterando as “rotas” do ensino e da aprendizagem tradicionais, centradas nos conteúdos biológicos e na intervenção curativa. Desta forma, emerge a discussão do aprender como um processo que integra cognição-afeto-cultura e possibilitando o desenvolvimento de uma competência profissional vinculada a uma prática de integralidade na assistência ao indivíduo e à comunidade. Denúncias sobre a fragmentação do ensino, distanciamento dos conteúdos curriculares em relação ao perfil de uma formação geral do profissional e às necessidades de saúde da população, desvalorização de abordagens no que se refere à ética, à

humanização e ao cuidado, deslocamento do aluno para a posição do sujeito que recebe passivamente a informação são recorrentes e intensificam-se frente aos processos de consolidação e implementação das reformulações curriculares dos cursos de graduação da área da saúde. Essas denúncias encontram a centralidade do processo pedagógico no professor como fonte única de saber. Batista et al. (2005), Feuerwerker (2003) e Almeida (2011) têm discutido como áreas de dificuldades para o ensino em saúde: as dicotomias (teoria e prática; saúde e doença; promoção e cura; básico e profissional; ensino e pesquisa) na formação de novos profissionais; o biologicismo e o hospitalocentrismo na formação em saúde, que reduzem as práticas a seus aparatos técnicos e tecnológicos; as dimensões ética e humanista consideradas em segundo plano; a formação docente frente às mudanças políticas e educacionais, incluindo uma significativa fragilidade no processo de profissionalização docente; a desvinculação dos currículos em relação às necessidades da comunidade e o distanciamento entre os cenários de aprendizagem e assistência. 84


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Propostas curriculares na formação do profissional da saúde que sinalizem novos lugares para professor, aluno e conhecimento, apontando para relações de proximidade e troca com o cotidiano dos serviços numa perspectiva do trabalho como algo que transcende os fazeres individualizados de cada profissão, têm sido assumidas como potencialmente importantes para a construção de caminhos formativos que lidem com as ciências como elaborações humanas historicamente condicionadas. Morin (2002, p.24-25) afirma

O trabalho interdisciplinar questiona a produção e socialização do conhecimento científico, uma vez que se interroga a respeito da (im)possibilidade de uma única perspectiva que é a de responder à tarefa de desvendamento, explicação e intervenção na realidade. O modelo de ciência que tem como referencial a compartimentalização do conhecimento em disciplinas, fragmentando o saber e estabelecendo dicotomias em torno das relações entre teoria/ prática, razão/emoção, pensar/fazer, parece estar sendo abandonado por não atender mais às demandas sociais e das próprias comunidades científicas. Esse abandono implica a construção de um novo sistema de referência que, superando o anterior, amplia as possibilidades humanas de conhecer, interrogar, duvidar, atuar no mundo. Instaura-se, assim, um período de transição em que o velho modelo luta para manter sua força e hegemonia, ao passo que o novo, ainda não plenamente constituído, enfrenta críticas e resistências agudas. No momento contemporâneo, pensar currículo implica construir reflexões críticas e propositivas sobre os itinerários que têm sido implementados no

Todo conhecimento constitui, ao mesmo tempo, uma tradução e uma reconstrução, a partir dos sinais, símbolos, sob a forma de representações, idéias, teorias, discursos. [...] Trata-se de procurar sempre as relações e inter-retro-ações entre cada fenômeno e seu contexto, as relações de reciprocidade todo/partes:como uma modificação local repercute sobre o todo e como uma modificação do todo repercute sobre as partes.

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campo da formação na saúde, tendo como orientador o Sistema Único de Saúde. A palavra curriculum abrange múltiplas concepções, traduz e explicita posições teóricas diversas, com diferentes perspectivas de mundo e distintos compromissos ético-políticos. Como afirma Souza (2008, p.7) “[...] o mais importante [...] é compreender o campo de abrangência e de problematização do termo que se constitui em modo conceitual de acercar-se dos problemas educativos.”. Configura-se que o currículo é um elemento central do projeto educativo, no qual se cruzam teoria e prática, conhecimentos, habilidades e atitudes. Os fundamentos de organizações curriculares fundadas em disciplinas, com rígida separação entre os momentos de aprendizagem teórica e momentos de aprendizagem prática, valorizando a transmissão e a retenção de informações, destacando estratégias centradas no professor e processos avaliativos como mensuração e classificação, inscrevem-se nas Teorias Tradicionais do Currículo. As mencionadas teorias têm como centralidade a estrutura e organização das atividades educativas,

enfatizando as dimensões técnicas, desvinculando-as de seus princípios e pressupostos epistemológicos – currículo como processo e produto prescrito e conteúdista (GARCIA; MOREIRA, 2006; MOREIRA; CANDAU, 2006). As dimensões da prescrição e do conteudismo encontram na organização disciplinar uma tradução exemplar: instrumento de compartimentalização de saberes, criação de novas disciplinas frente às demandas do especialização científica, sequenciação de informações com clara dicotomia teoria e prática, distanciamento da realidade e das necessidades sociais (MAIA, 2014). Como contraponto, as Teorias Críticas e PósCríticas focalizam as consequências do currículo, assumindo que não há ideia neutra e priorizando as relações entre conhecimento, poder, cultura – currículo como processo e produto político, significativo e indutor de mudanças (SILVA, 2000). As diversas e múltiplas proposições de currículos para a formação em saúde, implementadas, discutidas e analisadas no final do século XX e nos anos 2000, expressam movimentos de mudança que 86


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buscam espaços formativos técnico-ético-científicos rigorosos, críticos, problematizadores, propositivos e comprometidos com as demandas sociais. Nas perspectivas críticas, o princípio da complexidade situa-se como nuclear, compreendendo-se que na formação é constitutivo trazer o cotidiano, com suas contradições e tensões, para o interior da universidade, configurando espaços de aprendizagem ampliados, com movimentos em redes de saberes e informações científicas (MAIA, 2014). Freire (2009) afirma que conhecer não é um ato individual, e sim constitui-se nas relações intersubjetivas nas quais o educador e os educandos criam, dialogicamente, um conhecimento do mundo. Nesse sentido, toda concepção de currículo implica necessariamente uma determinada proposta pedagógica, guiada por questões sociológicas, políticas, epistemológicas, sociais e culturais. Essa é a concepção de currículo com que trabalhamos neste Curso de Especialização, representando um dos pressupostos deste eixo: currículo como prática social e, assim, campo de disputa de interesses, valores e pactos éticos, e currículo como

proposta de formação acadêmica em intrínseca relação com a realidade e as demandas sociais, projetando arranjos de atividades e ações que buscam a aprendizagem significativa em cenários de prática, no diálogo com as teorias e com o compromisso de intervir na realidade. No caso brasileiro, a promulgação da Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação e, particularmente, para a área da saúde (BRASIL, c2013), inscreve-se como um marco conceitual e político para pensar o currículo: a reafirmação do princípio constitucional do SUS como ordenador da formação e a assunção das competências comuns para todas as profissões da saúde criam cenários educacionais e institucionais favoráveis à ruptura e superação de modelos curriculares disciplinares. Os processos de implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos Cursos de Graduação, que buscaram mudar o foco da retenção/acúmulo de informações para os movimentos de contextualização, integração, compreensão, aplicação e produção de conhecimentos, representaram, nos últimos 12 anos, importantes movimentos de mudança curricular no país. 87


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Identifica-se que as propostas curriculares para a formação em saúde cruzam com as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), mostrando maior ou menor sensibilidade e poder de indução frente às demandas de formação profissional. E assim, inscreve-se a questão: como itinerários de aprendizagem podem favorecer uma formação que se paute pela integralidade do cuidado, pela equidade e pela compreensão da saúde como processo social e histórico, superando a dicotomia com a doença?

88


4

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Desafios para uma formação em saúde comprometida com o SUS

I

Porque a vida, a vida, a vida,a vida só é possível reinventada. (MEIRELES, 2001)

mpõe-se a discussão sobre as concepções de inovação educacional assumidas nas propostas curriculares: o que se entende por inovação educacional? Inovar não se resume à introdução de novidades, mas compreende um processo complexo, multireferenciado e multideterminado, incidindo em alterações ou mudanças na mediação pedagógica, na inserção de novos materiais, recursos, atividades e, até mesmo, novas técnicas no âmbito da ação/prática pedagógica, visando a alcançar novos objetivos (MESSINA, 2001; VEIGA-NETO, 2008). Esse é um processo de reinvenção! Messina (2001, p.232) afirma: Nesse marco, mais do que nos interessarmos pela identificação de critérios para reconhecer inovações, poderíamos criar espaços que promovessem a possibilidade do pensar e do fazer reflexivos, em que as inovações teriam a oportunidade de apresentar-se, contradizer e transformar.

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Béchard (2001), Béchard e Pelletier (2001) trazem elementos importantes para a compreensão de inovação educacional.

zalez e Almeida (2008), Masseto (2004, 2009, 2013), Pedroso e Cunha (2008), Cunha e Zanchet (2007). As inovações educacionais abrangem diferentes planos (curriculares, pedagógicos e metodológicos) e traduzem, produzem e são produzidas por concepções diversas (BATISTA et al., 2005). Reconhece-se que as inovações curriculares em saúde constituem um campo temático importante na atual configuração do ensino superior em saúde no país, evidenciando o grande impacto trazido pelo desafio de aproximar e articular a universidade e os serviços de saúde, além da complexidade que reveste a concretização dos novos cenários de aprendizagem, privilegiando os espaços da atenção básica. (BATISTA et al., 2009) Os estudos de Souto, Batista e Batista (2014), Braid, Machado e Aranha (2012), Keller-Franco, Kuntze e Costa (2012) Garanhani eValle (2010), Signorelli et al. (2010), Pedroso e Cunha (2008), Trenche, Barzagui e Pupo (2008), Silva et al. (2007), Melo (2007), Batista e Batista (2007), Massoni et al. (2006), Batista et al. (2005), Lima, Komatsu e Padilha (2003), abordam diferentes experiências de inovações curriculares em cursos da área da saúde,

Uma atividade deliberada que procura introduzir a novidade num determinado contexto, sendo ela pedagógica porque objetiva ampliar e melhorar substancialmente as aprendizagens dos profissionais, em situação de interação e de interatividade. (BÉCHARD, 2001, p.258). Em um contexto universitário, as inovações são muitas vezes descritas como tudo que não faz parte do ensino magistral, metodologia ainda bastante utilizada pela grande maioria dos professores. (BÉCHARD; PELLETIER, 2001, p.133).

Os autores sublinham as dimensões da intencionalidade, da ancoragem epistemológica e pedagógica, bem como o projeto de ruptura com a cultura conteúdista e transmissora, ainda presente no cotidiano universitário. Essas dimensões também são destacadas nos estudos de Almeida (2011), Gon90


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configurando evidências e vivências concretas de que é possível inovar, bem como explicitando os desafios para a sustentabilidade das inovações educacionais. Conhecer e problematizar os projetos inovadores na formação em saúde no âmbito das instituições de ensino brasileiras, mapeando fundamentos teóricos, opções metodológicas e modalidades de avaliação, emergem como ações fundamentais para uma reflexão crítica sobre as próprias práticas docentes. É também importante colocar em questão esses projetos inovadores em suas relações com as políticas públicas indutoras, dimensionando potências, desafios e perspectivas. Pensar e fazer a formação em saúde, na lógica do SUS, representa assumir, dentre outras diretrizes, a diversificação de cenários de aprendizagem, privilegiando uma formação baseada nas redes de atenção à saúde. Nesse contexto social, político e educacional, inserem-se as políticas indutoras para a formação em saúde, tendo como princípio fundante o processo de integração entre ensino e serviço nos espaços da educação e do trabalho em saúde.

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Dilemas, desafios e perspectivas na integração ensinoserviço

Nós fizemos a reforma sanitária que criou o SUS, mas o núcleo dele, desumanizado, medicalizado, está errado. Temos de entrar no coração desse modelo e mudar. Qual o fundamento? Primeiro é a promoção da saúde e não da doença. O SUS tem de, em primeiro lugar, perguntar o que está acontecendo no cotidiano e na vida das pessoas e como eu posso interferir para torná-la mais saudável. (AROUCA, 20021 apud BRASIL, 2009a, não paginado)

D

iante das significativas transformações e consolidação do SUS, torna-se evidente e fundamental a necessidade de coadunar a formação dos profissionais de saúde aos princípios e diretrizes do sistema, na perspectiva de contribuir para melhoria das condições de saúde da população. Essa compreensão é assumida pelo Ministério da Saúde quando afirma que “[...] identifica-se há longo tempo a necessidade 1 AROUCA, Sérgio. Doutor Democracia. O Pasquim 21, Rio de Janeiro, ano 21, n. 28, 27 ago. 2002.

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de promover mudanças na formação profissional de modo a aproximá-la dos conceitos e princípios que possibilitarão atenção integral e humanizada à população brasileira” (BRASIL, 2004, p.3). Nesse contexto “[...] a transformação das práticas de saúde e a transformação da formação profissional em saúde têm de ser produzidas de conjunto” (CARVALHO; CECCIM, 2006, p.10). Nessa trajetória, são lançadas políticas com o objetivo de contribuir para a qualidade da assistência em saúde e o fortalecimento da formação no âmbito do sistema de saúde vigente no Brasil. Com a criação da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde – SGTES, em 2003, concretizam-se as condições para a produção conjunta saúde e educação, de forma sistemática e com envolvimento gestor em diferentes esferas, para a implantação e implementação de ações que abrangem os profissionais de saúde, estudantes, docentes, gestores e a sociedade, contribuindo, de maneira significativa, para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2009b). A perspectiva da integração entre ensino e serviço pode ser observada em diversos momentos minis-

teriais, destacando-se, em 1981, o lançamento do Programa de Integração Docente Assistencial (IDA), pelo Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Superior e Coordenação de Ciências da Saúde. O referido programa continha a proposta de formação de profissionais de saúde com inserção na prática do cuidado, a de centralidade na Atenção Primária, sendo também fundamentada na necessidade de estabelecer compromisso entre instituições e comunidade no processo de interação entre o ensino e os serviços de saúde. Torres (2005) destaca que, em 1992, foi lançado o Projeto Uma Nova Iniciativa (UNI): universidade/ comunidade/serviços no intuito de elaborar novas propostas de redimensionamento do IDA, apresentando as vertentes para se compreender a formação em saúde na perspectiva da multiprofissionalidade e se assumir critérios mais específicos no tocante aos componentes curriculares, com efetiva inserção nos serviços e comunidade. É importante destacar, nesses percursos de mudanças, a criação da Rede Unida-Rede de projetos de Integração Docente-Assistencial (REDE IDA – Brasil), em 93


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conjunto com as experiências desenvolvidas no âmbito dos Projetos UNI. Gonzalez e Almeida (2010) referem que a Rede assumiu o objetivo de articular iniciativas que antes eram desencadeadas de maneira isolada, potencializando as mudanças e gerando práticas inovadoras no campo da formação profissional em saúde. Outro movimento central nos processos de reformulação e ruptura com uma formação médica afastada da realidade da sociedade abrange a criação da Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico – Cinaem em 1991, que reuniu diversas entidades relacionadas com o ensino e a medicina. Em suas três fases, o Projeto possibilitou a construção de um diagnóstico do ensino médico nacional na virada do século XX bem como apontou as necessidades de mudanças com vistas ao atendimento das necessidades de saúde da população brasileira. Além disso, toda a construção do Projeto CINAEM em uma década de trabalhos foi essencial para a discussão das Diretrizes Curriculares homologadas em 2001 (CRUZ, 2004). A elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para os primeiros Cursos da Área da Saúde, em

2001, constituiu-se em outro marco fundamental, delineando o perfil do formando egresso/profissional por meio de abordagens comuns aos cursos da área da saúde e sinalizando para a importância de um novo profissional. Em 2002, é criado o Programa de Incentivos às Mudanças Curriculares dos Cursos de Medicina – Promed, lançado pelo Ministério da Saúde em parceria com o Ministério da Educação e a Organização Pan-americana de Saúde – OPAS. O objetivo principal do mesmo foi o de incentivar as escolas médicas do país a adequarem seus currículos, sua produção de conhecimento e os programas de educação permanente à realidade social e de saúde de nosso país, corroborando o fortalecimento e sustentabilidade do Sistema Único de Saúde, com ênfase na Atenção Básica. Assim, esse Programa marca um momento histórico no campo da saúde: a relação de aproximação entre Ministério da Saúde e Ministério da Educação no tocante à políticas de formação para profissionais da saúde (ALVES et al, 2013; OLIVEIRA et al., 2008; PUCCINI; SAMPAIO; BATISTA, 2008). 94


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Em 2004, foi proposto o Projeto Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde – o VER-SUS/Brasil, cujo público alvo contemplava estudantes de graduação em saúde. Propunha-se que fosse desenvolvido a partir do reconhecimento do sistema de saúde como espaço de ensino e aprendizagem. Além das propostas advindas de integração e parcerias, foi lançado, também em 2004, o AprenderSUS, trazendo proposições no eixo de ensino e aprendizagem, o aprender e compreender o SUS nas Instituições de ensino, com delineamento dos papéis dos atores envolvidos – alunos, docentes, comunidade e gestão, abordando a colaboração efetiva entre Instituições de Ensino Superior e o Sistema de Saúde (BRASIL, 2004). Em 2005, ocorreu o lançamento do Programa de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde), por meio da Portaria nº 2.101 de 03 de Novembro , instituído pelo Ministério da Saúde/Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde e Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Superior (SESU) e Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP (BRASIL, 2007).

Inicialmente destinado aos cursos de Medicina, Odontologia e Enfermagem, em uma segunda etapa amplia sua abrangência para todas as profissões da área da saúde. O Pró-Saúde surge, portanto, objetivando o fomento e a integração ensino-serviço, à reorientação da formação profissional sustentada em uma abordagem integral do processo saúde-doença e enfatizando a Atenção Básica no intuito de promover transformações na prestação de serviços à população. Nesse sentido, nas palavras de Almeida-Filho (2011, p.7-8) [...] o SUS tem provocado uma forte pressão política em favor da substituição do padrão reducionista, orientado para a doença, centrado no hospital e orientado para a especialização vigente na educação profissional, por outro modelo que seja mais humanista, orientado para a saúde, com foco nos cuidados de saúde primários e socialmente comprometido. Nesse contexto, o Estado, pressionado pelos movimentos sociais, assumiu a liderança até então

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tendo como pilares as parcerias interministeriais, as Diretrizes Curriculares Nacionais e as políticas indutoras (FERREIRA, 2014). Para tanto, há de se recorrer ao destacado por Jaeger e Ceccim (2004) no que se refere à concepção de que a transformação da formação e da gestão do trabalho em saúde não implica somente uma questão técnica, uma vez que requer mudanças nas relações, nos processos de trabalho, nos atos realizados em saúde e, sobretudo, nas pessoas. Nesse sentido, discutir, problematizar, analisar e propor no âmbito das propostas curriculares inovadoras em saúde, reconhecendo em experiências os sentidos da interdisciplinaridade e da interprofissionalidade, mostram-se como movimentos fundamentais para e na formação docente.

pertencente às universidades, com iniciativas como … o Pró-Saúde – um programa baseado no SUS que objetiva reformar o ensino superior para a força de trabalho da saúde.

Outra importante política indutora foi o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PETSaúde), instituído pela Portaria Interministerial n. 1.802, de 26 de agosto de 2008 (BRASIL, 2008) e regulamentado, entre outras normatizações, pela Portaria Interministerial n. 421, de 3 de março de 2010 (BRASIL, 2010). O PET Saúde foi idealizado como uma das ações intersetoriais potencializadoras do Pró-Saúde, assumindo o pressuposto da integração ensino-serviço-comunidade e apresentando, entre outros objetivos, o fomento à iniciação ao trabalho e às vivências, dirigidos aos estudantes em saúde de acordo com as necessidades do SUS (CONSELHO..., 2011). Os movimentos vigentes que colaboram para os atuais e futuros processos de integração entre ensino e serviço em nosso país sinalizam, de forma promissora, para o binômio saúde e educação, 96


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Construindo percursos formativos inovadores

No mistério do Sem Fim, equilibra-se um planeta. E, no planeta, um jardim, e, no jardim, um canteiro, no canteiro, uma violeta, e, sobre ela, o dia inteiro, entre o planeta e o Sem Fim, a asa de uma borboleta. (MEIRELES, 2001).

N

a diversidade que marca as conceituações e práticas interdisciplinares, é possível identificar pontos comuns: o sentido de relação, a valorização da história dos diferentes sujeitos/disciplinas envolvidas, o movimento de questionamento e dúvida, a busca por caminhos novos na superação de problemas colocados no cotidiano, a ênfase no trabalho coletivo, na parceria e no respeito pelas diferenças. É possível assim, pensar que a interdisciplinaridade constitui-se em um dos caminhos para que áreas científicas delimitadas e separadas encontrem-se e produzam novas possibilidades formativas.

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Assume-se que a ênfase interdisciplinar favorece o redimensionamento das relações entre diferentes conteúdos, contribuindo para que a fragmentação dos conhecimentos possa ser superada. Integrar, também, implica pensar em novas interações no trabalho em equipe interprofissional, configurando trocas de experiências e saberes numa postura de respeito à diversidade, cooperação para efetivar práticas transformadoras, parcerias na construção de projetos e exercício permanente do diálogo (ROSSIT et al., 2012). Nessa reconstrução, importante frisar o lugar fundamental das disciplinas: o espaço “inter” exige a existência de campos específicos que, em movimentos de troca, possam estabelecer novos conhecimentos. Assim, a ênfase interdisciplinar demanda o reconhecimento da interdependência entre áreas rigorosas e cientificamente relevantes, e não a diluição das disciplinas (FURLANETTO, 2011; FOUREZ, 2001; LENOIR; SAUVÉ, 1998). Rossit el al. (2012) afirmam que as práticas interdisciplinares mostram-se potentes na for-

mação de profissionais com uma visão ampliada e crítica da sociedade, preparados para articular, religar, contextualizar, trocar com outros, favorecendo a ressignificação das próprias áreas de conhecimento, bem como ampliando as possibilidades de ação-reflexão-ação. A demanda por uma prática de trabalho em saúde que considere sua complexidade, abrangência e perspectiva interdisciplinar realça a relevância da formação de equipes no cuidado à população. Nesse contexto, a questão da formação em saúde ganha centralidade: em 1988, foi apresentado o documento “Learning together to work together for health” (Aprender junto para trabalhar junto em/para a saúde), que deu início a uma série de iniciativas e articulações voltadas para essa problemática (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1988). McNair et al. (2005) recomenda, como ponto de partida, que para fazer junto no cotidiano do cuidado em saúde é preciso aprender junto sobre o trabalho em saúde. Assim, a Educação Interprofissional pode ser compreendida como 98


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especialmente nos Estados Unidos e na Europa, com o intuito de estimular o aprimoramento do cuidado em saúde por meio do trabalho em equipe. Os princípios da educação interprofissional aplicam-se tanto para a graduação das diferentes profissões de saúde como para a educação permanente dos profissionais componentes de uma equipe de trabalho (BARR, 2005). Gyamarti (1986), Casto e Julia (1994), Carpenter (1995) e Freeth (2007) ressaltam que o interprofissionalismo abrange comunicação entre as diferentes profissões, bem como a integração do cuidado especializado com cuidado holístico, opondo-se ao reducionismo e à fragmentação da visão de uma profissão isolada. Barr (1998) afirma a necessidade do desenvolvimento da competência colaborativa para que o trabalho em equipe possa se efetivar e situa que a educação interprofissional contribui para reforçar essas competências. Wilcock e Headrick (2000) ponderam que o referido reforço encontra-se não somente na graduação, mas também na implementação de mudanças e melhoria nos serviços.

[...] proposta onde 2 ou mais profissões aprendem juntas sobre o trabalho conjunto e sobre as especificidades de cada uma, na melhoria da qualidade no cuidado ao paciente.” (McNAIR, 2005, p.3) [...] estilo de educação que prioriza o trabalho em equipe, a interdisciplinaridade e o compromisso com a integralidade das ações que deve ser alcançado com um amplo reconhecimento e respeito às especificidades de cada profissão” (BARR, 2002, p.7)

Essas concepções permitem reconhecer a possibilidade de se inverter a lógica mais usual de pensar a formação em saúde – cada profissão pensada e discutida em si – descortinando espaços e cenários para a incorporação da perspectiva do interprofissionalismo, percebendo que as diferentes áreas profissionais podem constituir um campo mais integrador de práticas de atenção à saúde. Como proposta de formação, a educação interprofissional vem sendo discutida nos últimos 30 anos, 99


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As propostas de educação interprofissional parecem ter como potências nucleares: a indução de novas organizações curriculares que priorizam as discussões e as vivências conjuntas das diferentes profissões envolvidas no cuidado em saúde; o favorecimento de uma cultura de ensino-aprendizagem, caracterizada pelas trocas e saberes partilhados, estabelecendo espaços formativos mais significativos e comprometidos com a prática do trabalho em equipe; a valorização da intersetorialidade; o desenvolvimento de legislações e políticas destinadas aos processos de aprendizado e educação em saúde; o dispositivo que favoreça a elaboração e implementação de políticas públicas voltadas para a formação e educação nas universidades e nos serviços de saúde; a proposta formativa que articule metodologias ativas de ensino – aprendizagem na formação de profissionais de saúde (integração de diversos modelos de educação, com base na comunidade e no trabalho, nas diferentes profissões); e fomento à construção de parcerias entre universidade/comunidade/serviços/ instituições/usuários (ROSSIT; BATISTA; BATISTA, 2014; BATISTA; ROSSIT; BATISTA, 2012). 100


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Em busca de uma síntese, ainda que provisória

I

mplementar práticas docentes inovadoras que tenham como eixos nucleares a participação do estudante, sua inserção em cenários concretos da produção da vida e do cuidado, a produção contextualizada de saberes, não perdendo de vista a análise dos condicionantes políticos e culturais que influenciam e conformam os modos de viver, aprender e trabalhar, inscrevem-se como possibilidades históricas de contribuir para que se formem profissionais mais abertos para a integralidade do cuidado na perspectiva da interprofissionalidade, da intersetorialidade e da integração ensino-serviços em seus processos de trabalho. Manoel de Barros (1996, p.75) em um poema nos diz, [...] A expressão reta não sonha. Não use o traço acostumado. O olho vê, a lembrança revê, a imaginação transvê. É preciso transver o mundo. Isto seja: Deus deu a forma. Os artistas desformam.

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É preciso desformar o mundo: Tirar da natureza as naturalidades. Fazer cavalo verde, por exemplo. Agora é só puxar o alarme do silêncio que eu saio por aí a desformar […].

A nossa utopia é que esta proposta formativa possa trazer ideias, fomentar ações e inspirar projetos inovadores e, assim, nos colocar frente à perspectiva de fazermos “cavalos verdes” na formação na saúde. E no itinerário projetado, que este texto âncora possa, por um lado, situar balizas e orientadores fundantes de nossas perspectivas político-educacional-pedagógicas e por outro, ser um dispositivo, lacunar e incompleto, de se lançar, se arriscar e se implicar na construção de uma docência em saúde viva e pulsante, pois educar é impregnar de sentido o que fazemos a cada instante (FREIRE, 2009).

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Exercícios sugeridos

Uma proposta pedagógica

EIXO 2 – CURRÍCULO, INOVAÇÕES EDUCACIONAIS E PRÁTICAS DOCENTES EM SAÚDE

Docência na Saúde

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EXERCÍCIO 2.1

Eixo 2: Currículo, inovações educacionais e prática docente em saúde

Leia atentamente o poema abaixo. Na sequência, procure fazer uma reflexão que leve em conta as questões-provocações sugeridas. I Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber: a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca b) 0 modo como as violetas preparam o dia para morrer c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre 2 lagartos f) Como pegar na voz de um peixe g) Qual o lado da noite que umedece primeiro. etc. etc. etc.

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ciadas com e a partir do poema?

Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.

d. Que relações se pode fazer entre tais concepções e a proposta de práticas docentes inovadoras?

II Desinventar objetos. O pente, por exemplo. Dar ao pente funções de não pentear. Até que ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha.

e. Experimente, então, escrever livremente sobre alguns efeitos que o poema e essas questões provocaram em você, tomando como referência tanto o seu processo formativo nesse curso quanto as práticas pedagógicas predominantes no curso em que você exerce a docência.

Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma.” (Fragmento de “Uma didática da invenção”, poema de Manoel de Barros)

Objetivos: Despertar outras sensibilidades e compreensões em relação ao processo de ensino-aprendizagem. Valorizar a dimensão da invenção/criatividade bem como da experiência no contato com as coisas da vida para compreendê-las como vias fundamentais para uma aprendizagem com sentido e para a própria produção do cuidado em saúde.

a. Como se sentiu ao ler o fragmento poético? b. Você considera que alguns aspectos discutidos no texto-âncora do Eixo 2 poderiam ser relacionados a esse poema? Quais? c. De forma mais específica, que concepções de ensino-aprendizagem podem ser enun116


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Dimensões que podem ser trabalhadas: • Inovação e dimensão criativa das ações educativas; metodologias ativas; crítica à primazia do tecnicismo (texto-âncora do Eixo 2) • Valorização da experiência como mote para o processo de ensino-aprendizagem (princípio transversal a todos os textos) • Complexidade dos processos educativos; aprendizagem significativa; invenção e recomposição do cotidiano nos processos formativos; crítica à reificação dos conceitos e sua relação enrijecida com as coisas representadas (texto-base)

“(...) Como itinerários de aprendizagem podem favorecer uma formação que se paute pela integralidade do cuidado, pela equidade e pela compreensão da saúde como processo social e histórico, superando a dicotomia com a doença?” (p. 10/11)

Procure, ainda, recuperar e descrever exemplos próximos de você, em que itinerários como esses tenham sido desenvolvidos. Dados do filme: “Escritores da liberdade”: Filme de 2007, dirigido por Richard LaGravenese, estrelado por Hilary Swank, Patrick Dempsey, Ricardo Molina, EUA.

EXERCÍCIO 2.2

Sinopse: Uma jovem e idealista professora chega a uma escola de um bairro pobre, que está corrompida pela agressividade e violência. Os alunos se mostram rebeldes e sem vontade de aprender, e há entre eles uma constante tensão racial. Assim, para fazer com que os alunos aprendam e também falem mais de

Tomando como referência a questão norteadora apresentada no texto-âncora do Eixo 2, transcrita abaixo, assista o filme “Escritores da Liberdade” e tente respondê-la considerando as repercussões do filme em você. 117


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suas complicadas vidas, a professora Gruwell (Hilary Swank) lança mão de métodos diferentes de ensino. Aos poucos, os alunos vão retomando a confiança em si mesmos, aceitando mais o conhecimento, e reconhecendo valores como a tolerância e o respeito ao próximo.

conhecimento/informação; processo de ensino-aprendizagem implicado com a vida; currículo como prática social; aprendizagem significativa em cenários de práticas diversos; compromisso de intervir na ‘realidade’; ação-reflexão-ação como método; perspectiva dialógica do ensino-aprendizagem (Texto-âncora do Eixo 2) • Valorização da experiência como mote para o processo de ensino-aprendizagem; dimensão política do processo educativo; articulação saúde-educação (principio transversal a todos os Eixos) • Complexidade dos processos educativos; aprendizagem significativa (em articulação com o texto-base)

(Informações retiradas do site http://www.adorocinema.com/filmes/filme-60975/, acessado em 29.07.2014). Objetivos do exercício: Estimular a reflexão em torno da necessidade de práticas educativas e de produção de cuidado em saúde pautadas pelo reconhecimento da alteridade e sintonizadas com o cotidiano existencial e sociocultural das pessoas que, nelas, se relacionam. Dimensões que podem ser trabalhadas: • Inovação e dimensão criativa das ações educativas; metodologias ativas; ruptura com a cultura conteudista e com a noção de ensinar/aprender como transmissão de

EXERCÍCIO 2.3 Tomando como referência o texto-âncora do Eixo 2 (Currículo, inovações educacionais e prática docente em saúde), alimente a tabela abaixo, es118


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EXERCÍCIO 2.4

quematizando os principais marcos históricos que produziram mudanças no cenário da formação em saúde no país, complementando também com informações disponibilizadas nos textos dos eixos 1, 3 e 4, bem como no texto base do curso. EVENTO

DATA/ CONTEXTO

PRINCIPAIS MUDANÇAS PROPOSTAS

Retomando aspectos de seu próprio processo formativo, siga as orientações abaixo: a. Indique e descreva três características que marcaram o currículo de sua formação em saúde.

COMO ESTÃO MATERIALIZADAS NA PROPOSTA DO CURSO QUE VOCÊ INTEGRA

b. Partilhe com mais dois colegas do curso estas características, convidando-os a elaborar uma síntese escrita coletiva.

Objetivos e dimensões trabalhadas: Sistematizar os eventos relacionados ao processo histórico de transformação da formação em saúde, especialmente no âmbito das políticas indutoras, sendo esta a principal dimensão trabalhada. Além disso, o cursista é levado a refletir sobre as condições da instituição em que trabalha no tocante a esse processo.

c. Na discussão com todo o grupo, busquem construir um panorama das características mais marcantes e das menos presentes nos currículos e experiências de formação, produzindo uma síntese do grupo como fruto de uma construção coletiva. d. Reflitam coletivamente sobre a importância da introdução de inovações educacionais, tendo em vista a síntese produzida pelo grupo. 119


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(Obs.: O tutor deverá definir alguma ferramenta do AVA para a realização dessa atividade, estimulando a formação dos trios.)

sua compreensão acerca do conceito de “inovações educacionais”, seguindo as orientações abaixo: a. Reflita sobre o conceito de “inovações educacionais” discutido no texto e recorte alguns fragmentos que o caracterizem.

Objetivos e dimensões que podem ser trabalhadas: Promover uma reflexão sobre o próprio processo formativo de cada cursista bem como o compartilhamento das várias experiências singulares no contexto da formação em saúde no coletivo, levando à construção em grupo das características desejáveis das inovações educacionais, com base nas indicações do texto-âncora. A principal dimensão a ser trabalhada é a noção de inovação educacional, alinhando-se à perspectiva das DCNs.

b. Elabore, por escrito, a sua própria compreensão construída acerca do conceito a partir do estudo do texto. c. Exemplifique com algumas possibilidades de inovação educacional que poderiam ser incorporadas (ou já são) em sua prática docente em saúde.

EXERCÍCIO 2.5

d. Descreva como argumentaria em prol da importância das “inovações educacionais” no contexto de uma formação em saúde comprometida com o SUS.

Após a leitura do texto-âncora do Eixo 2, escute atentamente as músicas Cotidiano (Chico Buarque) e Valsinha (Vinícius de Morais/Chico Buarque) e, a partir das provocações ao pensamento e à experiência estética que tais obras promovem, aprofunde 120


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Objetivos e dimensões que podem ser trabalhadas: Estimular o estudo aprofundado do conceito de inovações educacionais no contexto da formação em saúde, em articulação com a realidade institucional em que o cursista está inserido.

Objetivos e dimensões que podem ser trabalhadas: Estimular o estudo aprofundado do conceito de inovações educacionais no contexto da formação em saúde comprometida com o SUS, em articulação com a realidade institucional em que o cursista está inserido.

EXERCÍCIO 2.6

EXERCÍCIO 2.7

Conforme indicado no texto-âncora do Eixo 2, existem diferentes concepções de inovações educacionais, que respaldam projetos inovadores na formação em saúde, os quais precisariam ser mapeados quanto aos fundamentos teóricos, opções metodológicas e modalidades de avaliação para uma reflexão crítica sobre as práticas docentes, com atenção às suas relações com as políticas públicas indutoras. Elabore um pequeno texto que expresse a sua compreensão sobre este tema e partilhe com os colegas de curso e seu tutor para um debate coletivo. De que modos imagina que esse debate pode ser levado à sua realidade institucional?

Se a experiência é o que nos acontece e se o saber da experiência tem a ver com a elaboração do sentido ou do sem-sentido do que nos acontece, trata-se de um saber finito, ligado à existência de um indivíduo ou de uma comunidade humana particular; ou, de um modo ainda mais explícito, trata-se de um saber que revela ao homem concreto e singular, entendido individual ou coletivamente, o sentido ou o semsentido de sua própria existência, de sua própria finitude. Por isso, o saber da experiência é um saber particular, subjetivo, relativo, contingente, pessoal. Se a experiência não é o que acontece,

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Reflita sobre a perspectiva de experiência apresentada neste trecho extraído do artigo Notas sobre a experiência e o saber da experiência (LARROSA, 2002) e, compreendendo a docência como um processo reflexivo e coletivo, responda às questões abaixo:

mas o que nos acontece, duas pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não fazem a mesma experiência. O acontecimento é comum, mas a experiência é para cada qual sua, singular e de alguma maneira impossível de ser repetida. O saber da experiência é um saber que não pode separar-se do indivíduo concreto em quem encarna. Não está, como o conhecimento científico, fora de nós, mas somente tem sentido no modo como configura uma personalidade, um caráter, uma sensibilidade ou, em definitivo, uma forma humana singular de estar no mundo, que é por sua vez uma ética (um modo de conduzir-se) e uma estética (um estilo). Por isso, também o saber da experiência não pode beneficiar-se de qualquer alforria, quer dizer, ninguém pode aprender da experiência de outro, a menos que essa experiência seja de algum modo revivida e tornada própria.

a. Como esta perspectiva de experiência apresentada pode contribuir para o processo de formação em saúde? b. Que movimentos originais e criadores você pensa que esta perspectiva de experiência poderiam promover na prática docente em saúde no contexto na instituição que você integra? Objetivos do exercício e dimensões que podem ser trabalhadas: Aprofundar a compreensão da prática docente em sua dimensão reflexiva e coletiva, tematizando dimensões como a valorização da experiência como mote para o processo de ensino-aprendizagem, a complexidade dos processos educativos e aprendiza-

(LARROSA, 2002, p. 27)

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gem significativa (em articulação com o texto-base). Pode ser feita uma articulação com o texto-âncora do Eixo 4, em que esses aspectos também são trabalhados.

A partir da afirmação acima e dos elementos discutidos no texto-âncora do Eixo 2, produza um pequeno texto com reflexões em torno dos desafios da formação em saúde para o trabalho em equipe, destacando aspectos inovadores dos percursos formativos que podem apoiar no seu enfrentamento e a realidade da instituição que você integra referente a esse aspecto.

Referência Bibliográfica: LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Tradução de João Vanderlei Geraldi. Revista Brasileira de Educação, jan/ fev/mar/abril, nº 19, 2002.

Objetivos e dimensões que podem ser trabalhadas: Provocar reflexões acerca dos desafios da formação em saúde no que se refere ao trabalho em equipe, aprofundando conceitos como interdisciplinaridade, interprofissionalidade e Educação Interprofissional.

EXERCÍCIO 2.8 “Não está em negociação impor ou não a condição multiprofissional. Devemos reconhecer a imposição social da multiprofissionalidade. Resta-nos partir da admissão dessa condição, já de antemão, para negociar em cada realidade os modos, meios, processos e dinâmicas para sua efetivação.”

Referência Bibliográfica: CECCIM, Ricardo B. Equipe de Saúde: a perspectivas entre-disciplinar na produção dos atos terapêuticos. In: Pinheiro, Roseni e Ruben Araújo de Mattos (Org.) Cuidado: as fronteiras da integralidade. 4 ed. Rio de Janeiro: IMS/UERJCEPESC-ABRASCO, 2008. p. 261-280.

(CECCIM, 2008, p. 262).

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EXERCÍCIO 2.9

experimentado uma inovação em sua prática docente? Quais foram os efeitos?

Heráclito (540aC-470aC), filósofo pré-socrático, defendia um ponto de vista bem particular quanto à compreensão da existência e do mundo: em sua observação do devir, considerava que a mudança é real e a permanência ilusória, conforme destaca Chauí (2010). A partir dessa provocação, reflita:

Referência Bibliográfica: CHAUÍ, M. Convite à filosofia. Ática: São Paulo, 2010. Objetivos e dimensões que podem ser trabalhadas: Estimular reflexões sobre a importância das transformações na prática da docência em saúde.

a. Como é sua experiência pessoal com processos de mudança em seu cotidiano de trabalho? b. Você considera que a instituição que você integra precisa experimentar mudanças na lógica da formação em saúde? Quais seriam? c. Que mudanças você considera importante experimentar em sua prática docente? d. Você poderia descrever alguma cena do seu cotidiano de trabalho em que tenha 124


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VIDEOAULAS Profissional de Saúde ao Professor na Área da Saúde Profa. Dra. Sylvia Helena Souza da Silva Batista Prof. Dr. Nildo Alves Batista

Conteúdo multimídia Mudança curricular na perspectiva da formação na prática do SUS e para o trabalho qualificado no SUS Profa. Dra. Eliana Goldfarb Cyrino

Clique nas imagens para assistir aos vídeos no YouTube.

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Eixo 3

Docência e práticas de redes na gestão, atenção e participação na saúde Artigo

Uma proposta pedagógica

Docência na Saúde

Exercícios sugeridos Conteúdo multimídia


Artigo 1. Introdução 2. Necessidades de saúde 3. Breves considerações finais Referências

Uma proposta pedagógica

EIXO 3 – DOCÊNCIA E PRÁTICAS DE REDES NA GESTÃO, ATENÇÃO E PARTICIPAÇÃO EM SAÚDE

Docência na Saúde

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A

s atividades de atenção à saúde no Brasil estruturam-se via redes, com base nos fundamentos propostos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), normalizados pela Portaria GM/MS nº 4.279, de 31/12/2010 (BRASIL, 2010). A constituição dessas redes tem sido apontada como desafio central para o processo de consolidação de um sistema público de saúde universal, equânime e integral. Compreende-se nesse contexto que, de modo semelhante, a formação profissional em saúde e o fazer docente aíimplicado entrelaçam-se na produção do conhecimento e do aprendizado quando se tem em vista profissionais com esta perspectiva. A implicação nas redes constitui um chamamento à busca pelo cuidado integral na atenção à saúde diante da necessidade de se renovar o conhecimento científico sobre saúde-doença à luz das epistemologias do outro – sujeitos e comunidades. O Eixo 3 pretende abordar tais articulações. Entrelaçar redes de atenção envolve alguns desafios importantes; dentre os mesmos, podemos destacar: a criação de um repertório de posiciona-

Introdução

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mentos flexíveis que seja gerador de contextos em que circulem e se interliguem saberes acadêmicos e populares, em um processo singular de aprendizagem e de produção do conhecimento, favorecido por um estilo de sociabilidade promotor da emancipação de si, do outro e da sociedade (SOUSA; CAIXETA; FRANÇA, 2011); a operacionalização da produção da saúde por parte das instituições e organizações responsáveis, na medida em que as práticas costumam assentar-se em normas e protocolos cristalizados, em geral impermeáveis à dinâmica da relação entre necessidades e demandas; e, por fim, tematizar na formação desafios relativos à efetivação da justiça social, ambiental, cultural e histórica em nosso país, que cotidianamente interpelam o profissional e, às vezes, produzem um sentimento de exaustão intelectual e política, gerando desânimo e comprometendo a capacidade de realizar a gestão e prática do cuidado integral de modo inovador. Enfrentar esses desafios requer disponibilidade para o conhecimento recíproco e a busca de convergências políticas e ideológicas, respeitando as identidades e celebrando a diversidade (relativa

a questões étnico-raciais, religiosas, culturais, socioeconômicas, de gênero, de orientação sexual e tantas outras). Poder-se-ia referir que estes desafios compõem a travessia de uma aprendizagem em movimento, que caracteriza o cuidado integral como um permanente devir. Usamos a pintura de Larissa Silva-Freire Spinelli (FIGURA 3) como metáfora para nos aproximar da compreensão de rede como rizoma, em que as necessidades de saúde se emaranhariam à cultura, às condições sociais e aos afetos e impulsos que envolvem o campo epistemológico e prático. A metáfora tece continuidade, também, com os diferentes modelos assistenciais relativos às equipes de trabalhadores, linhas de cuidado e territorialização em aberto, apontando para a necessária ampliação da clínica, em articulação com o fortalecimento do controle social pela população.

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FIGURA 3 – METÁFORA DE APROXIMAÇÃO DA COMPREENSÃO DE REDE COMO RIZOMA

Diversas questões poderiam ser postas a partir dos pontos anteriormente apresentados, dentre as quais: a) Há influências das diversas perspectivas sobre o processo saúde-doença, com que nos deparamos na formação, nas práticas de pensamento e atuação do trabalhador da saúde junto aos usuários?; b) É possível incluir no conceito ampliado de saúde as necessidades da população? c) De que necessidades estamos falando?; d) É possível a produção do cuidado integral em saúde, considerando os modos pelos quais as políticas de saúde têm se estruturado para responder às demandas da população?; e) É possível a produção do cuidado integral em saúde nas redes de atenção e gestão que organizam e operam o SUS?

Fonte: (SPINELLI, s/d)

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Essas indagações acerca do funcionamento/ movimento/dinâmica das redes de gestão e atenção à saúde são potencialmente relevantes para a prática docente no campo da saúde, tendo em vista o fomento ao exercício profissional apoiado nos princípios da integralidade e do trabalho interdisciplinar e interprofissional vigente no SUS. São, ainda, favoráveis à provocação do pensamento, no sentido da inovação e da criatividade. Tal exercício reflexivo possibilita a formação de cidadãos/profissionais capazes de modificar sua atuação com base em novas informações e desenvolver perspectivas, a fim de progredirem por si mesmos, de modo consistente, num estilo singular de aprendizagem, estimulando a mudança e proporcionando oportunidades para transferir e aplicar o conhecimento às situações da realidade (NOVAES, 1972). Nessa direção, as reflexões sobre as questões propostas neste eixo estão estruturadas em quatro tópicos, quais sejam:

b) Aspectos culturais e subjetivos das necessidades de saúde; c) Necessidades de saúde e demandas: o desafio da tradução; d) Cuidado em ato nas redes de atenção à saúde. Em cada um deles, são tecidas considerações gerais, com o intuito de fomentar leituras e provocar debates, tendo em vista o aprofundamento do assunto. 1.1 Redes de atenção à saúde: conceitos, práticas e formação Na concepção normativa do SUS, as redes de atenção à saúde são entendidas como um sistema hierárquico, classificadas segundo as complexidades relativas de cada nível de atenção: atenção básica, média e de alta complexidade (BRASIL, 2012). Esse modelo hierarquizado de atenção à saúde, com a

a) Redes de atenção à saúde: conceitos, práticas e formação;

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atenção básica definida como porta de entrada a priori, associa-se à figura clássica de uma pirâmide, que representa o modelo assistencial que se gostaria de construir com a implantação plena do SUS (CECÍLIO, 1997). Mendes (2011), todavia, nos leva à reavaliação desse modelo, assinalando que a Atenção Primária (APS ou Atenção Básica) não é um nível de atenção menos complexo se comparado aos serviços ditos de média e alta complexidade. Ele argumenta que:

secundários e terciários de atenção à saúde e, por consequência, a uma banalização da APS. (MENDES, 2011, p.83).

De acordo com Cecílio (1997), um novo olhar sobre as redes de atenção em saúde coloca em questionamento a ideia do senso comum de que alta complexidade estaria no topo, configurando-se em um modelo de assistência ancorado numa pirâmide. Mendes (2011) defende que essa concepção hierárquica e piramidal deve ser substituída por uma rede horizontal de pontos de atenção à saúde de distintas densidades tecnológicas, sem ordem e sem grau de importância entre si. Deve-se, então, romper com as relações verticalizadas, dado que todos os pontos de atenção à saúde são igualmente importantes para que se cumpram os objetivos das redes de atenção, diferenciando-se apenas pela diversidade que os caracteriza em termos de densidades tecnológicas (MENDES, 2011). Nesse sentido, define-se Redes de Atenção à Saúde como:

A APS deve atender mais de 85% dos problemas de saúde; é aí que se situa a clínica mais ampliada e onde se ofertam, preferencialmente, tecnologias de alta complexidade [...] Os níveis de atenção secundários e terciários constituem-se de tecnologias de maior densidade tecnológica, mas não de maiores complexidades. Tal visão distorcida de complexidade leva, consciente ou inconscientemente, os políticos, os gestores, os profissionais de saúde e a população, a uma sobrevalorização, seja material, seja simbólica, das práticas que são realizadas nos níveis

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Com base nessa concepção, as redes precisam ser flexíveis à criação de novos nós e às nervuras da gestão da integralidade. Isso implica que o campo de práticas deve integrar uma rede para além de serviços específicos e fixos, encontrando espaços de trocas, que ampliem os processos colaborativos em direção à integralidade da atenção à saúde. Para tanto, valorizamos a ideia da rede como um sistema, aspirando ao rizoma, cujo significado tem relevância na formação do estudante da área de saúde e, portanto, também para o exercício da docência em saúde, pelo estilo de relações que tal conceito sugere no nível interpessoal, grupal e sistêmico. Deleuze e Guattari (2004, p.14) apostam na ideia de que “[...] um rizoma como haste subterrânea distingue-se das raízes e radículas. Os bulbos, os tubérculos, são rizomas”. O conceito de rizoma – e sua aplicação à noção de redes – remete à compreensão de que os sujeitos operam em fluxos de conexão entre si nas cenas do trabalho, nas quais a ação de alguns pode/deve complementar a ação de outros e vice-versa. Abrese, assim, a possibilidade da articulação de diversas

Organizações poliárquicas de conjuntos de serviços de saúde, vinculados entre si por uma missão única, por objetivos comuns e por uma ação cooperativa e interdependente, que permitem ofertar uma atenção contínua e integral a determinada população, coordenada pela atenção primária à saúde – prestada no tempo certo, no lugar certo, com o custo certo, com a qualidade certa, de forma humanizada e com equidade – e com responsabilidades sanitária e econômica e gerando valor para a população. (MENDES, 2011, p. 82).

Redes de atenção à saúde são sistemas complexos, envolvendo inúmeros elementos interdependentes, além dos conhecimentos teóricos, metodológicos e tecnológicos implicados na promoção da saúde. Desse modo, redes de atenção à saúde seriam mais adequadamente pensadas como um círculo, com múltiplas “portas de entrada”, localizadas em vários pontos do sistema – e não mais em uma suposta base – , considerando-se o alto grau de interdependência entre os serviços e os diferentes fluxos que ali ocorrem (CECÍLIO, 1997). 133


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unidades e equipes, bem como de saberes, fazeres, subjetividades e singularidades (FRANCO, 2006). Nessa perspectiva, podemos notar que as “redes” que nos interessam referem-se a um processo marcadamente relacional. Nesse contexto, defendemos que as redes de trabalho em saúde passem a ser concebidas como grandes redes de conversações, compostas “[...] por várias e distintas regiões de conversas interligadas” (TEIXEIRA, 2003, p.99). Por essa via, entendemos que qualquer ponto da rede pode ser conectado a outro, pois a lógica da rede não está centrada na lógica burocrática que define a hierarquia das conexões ou a direção dos fluxos, mas acontece pela ação dos trabalhadores no cotidiano, quando operam na alteridade. Reconhecemos, então, que as redes formam-se a partir das necessidades dos usuários, em uma suposta linha de cuidado, que expressa projetos terapêuticos singulares, isto é, o conjunto de atos assistenciais pensados para resolver determinado problema de saúde. Portanto, as redes rizomáticas correspondem à ideia de um serviço de saúde centrado na ética do cuidado (FRANCO, 2006).

Ainda que possamos intuitivamente definir o que é cuidado no campo da saúde, cabe apresentar a definição de Ceccim e Pinheiro (2006), sustentada na indissociabilidade do mesmo com o princípio da integralidade: A noção de cuidado não reporta um nível ou âmbito de atenção do sistema de saúde, nem algum procedimento técnico específico ou uma conduta assistencial mais simples, mas uma prática orientada pela integralidade no exercício da atenção àsaúde, uma prática cuidadora. (CECCIM; PINHEIRO, 2006, p.24-25)

Franco (2006) indica que a compreensão da integralidade nos serviços de saúde pressupõe processos em redes para sua efetivação. Nesse sentido, Cecílio e Merhy (2003) e Feuerwerker e Cecílio (2007) nos sugerem compreender a integralidade em duas dimensões: no contexto do próprio serviço de saúde, tomando como referência o atendimento e produção do cuidado nesse ambiente; e tomando como referência a articulação desse serviço específico ao sistema de saúde. 134


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Essas dimensões podem ser relacionadas aos conceitos de integralidade focalizada e de integralidade ampliada, trabalhados por Cecílio (2001), bem como às concepções de Pinheiro (2001), que compreende a integralidade no plano individual e no plano sistêmico. Em seu conjunto, tais definições defendem que a integralidade opera tanto no espaço concreto dos serviços de saúde como também na rede que integra os serviços ao sistema de saúde, sendo ambas as dimensões complementares para se atingir a produção do cuidado integral. Podemos dizer, portanto, que o cuidado se produz sempre em rede, tendo como eixo norteador a integralidade da atenção. Cabe, no entanto, prestar atenção para que a concepção de cuidado tecido em rede se diferencie efetivamente daquela noção rígida e fechada da diretriz normativa. Nessa direção, Franco (2006) sinaliza que algumas pessoas seguem trabalhando nessas redes capturadas por sistemas normativos de significação da realidade, serializando as práticas de cuidado e, então, reproduzindo modos instituídos no trabalho em saúde, a partir de velhos valores da

gestão do cuidado, ao passo que outras se organizam em conexões e fluxos contínuos de cuidado com suas equipes, outras unidades e, principalmente, com os usuários, abrindo linhas de fuga à ordem e à norma, sendo produto e ao mesmo tempo produtoras da ação dos sujeitos singulares, que se colocam como protagonistas em um determinado serviço de saúde. Destacamos que é esse último modo de organização que nos interessa, pois o mesmo se sintoniza com a perspectiva das redes rizomáticas, que se alicerçam na potência de constituição do novo, de um devir para os serviços de saúde (FRANCO, 2006). Com essa perspectiva de rede, o docente da área de saúde deveria assumir a tarefa de formar o cidadão/profissional como sujeito produtor do cuidado integral, que envolve e engendra relações éticas, afetivas, solidárias, criativas e colaborativas; relações essas que são constitutivas dos rizomas que retroalimentam redes de atenção à saúde centradas nas necessidades dos usuários e na perspectiva da integralidade. Estamos nos referindo, pois, a redes que articulam conhecimentos e tecnologias, mediadas pela 135


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cultura, para produzir atos e relações que devem responder às necessidades da população e que, por isso, são sempre abertas e dinâmicas, uma vez que nelas, qualquer ponto pode ser conectado a qualquer outro – e, mais que isso, deve sê-lo. Nessas conexões, o docente atua na formação dos profissionais de saúde, privilegiando a interação com vários “outros”: o usuário/paciente, os trabalhadores da mesma profissão, aqueles de profissões diferentes, trabalhadores de diversos níveis de hierarquia na organização, professores e preceptores. Os integrantes desse dinâmico universo ligam-se, interagem e, como sujeitos em seu agir, comprometem-se eticamente a desenvolver processos de trabalho abertos a todos os fluxos e conexões possíveis na produção do cuidado integral – fluxos e conexões que emanam das relações, das sensações e das condições contextuais. O ofício docente torna-se, então, um processo permanente de ressignificação do fazer em saúde, que ocorre na travessia que se faz da rede ao rizoma, ou seja: caminhando-se da dimensão dos fazeres presumidos e visíveis – porque instituídos nas es-

truturas, no imaginário coletivo, no que foi normatizado e regulado – para compreender a dimensão do que não é explícito e objetivado – onde nem tudo é quantificado e consensuado, porém sentido e vivenciado. Tomar tal direção implica relativizar verdades consideradas imutáveis e construir novas premissas sobre os problemas que se apresentam à formação em saúde; e, como ponto de partida, demanda deslocar-se da situação de conforto que está respaldada em uma visão reducionista do conceito de saúde e presa a relações de causa e efeito, cientificamente reconhecidas. Mesmo que essa via possa gerar, algumas vezes, uma sensação de impotência diante do inusitado e do que difere do idealizado, essa impotência pode ser superada, na medida em que os processos de aprendizagem puderem promover a identificação dos alunos como sujeitos que compartilham a tecelagem dessa rede com outros sujeitos (alunos, professores, profissionais e usuários), numa trama interminável de fazeres e saberes, provocando uma cultura diferenciada na produção do cuidado integral.

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1.2 Aspectos culturais e subjetivos das necessidades de saúde

que se expressam no corpo, em articulação com o conceito ampliado de saúde. Isso permite discutir as compreensões de saúde e doença, valorizando as experiências singulares nesses processos, com destaque aos aspectos subjetivos, culturais e sociais,; e indicando, de início, as necessidades de saúde da população brasileira, que se constituem a partir de determinantes biológicos e sociais, efetivados em maneiras de viver, adoecer e morrer, conforme as nuanças dos contextos históricos, culturais e geográficos em que os indivíduos se inserem. Cabe, ainda, estabelecer a distinção entre demanda e necessidade que orienta a reflexão proposta aqui, respaldando-se nas ideias de Cecílio (2001). As necessidades de saúde podem remeter a diferentes dimensões: a busca de resposta para más condições de vida (como o desemprego), a busca de vínculo afetivo/efetivo com algum profissional de saúde, a necessidade de maior autonomia no trato com a vida ou, ainda, a procura de tecnologias que possam melhorar e/ou prolongar a vida. Necessidades são, portanto, sempre complexas. Demandas, por sua vez, referem-se a pedidos explícitos de ajuda,

Considerar os aspectos culturais e subjetivos das necessidades de saúde, tomando a prática no SUS como referência, requer a discussão de processos que reproduzem uma visão reducionista de saúde e uma compreensão dos atos de saúde como atos prescritivos, normatizadores, autoritários e mecânicos. Assim, parece relevante identificar possibilidades de superação introduzidas pelo conceito ampliado de saúde e por espaços/momentos de encontros e participação social nas redes, a exemplo das Conferências de Saúde, Conselhos, Fóruns etc, além do reconhecimento e escuta ativa de modos singulares de existência . A busca por esse aprofundamento teórico pode ser acompanhada da aproximação das manifestações culturais e populares atualmente vocalizadas, que ganham visibilidade no plano das políticas e das práticas de saúde. Nessa direção, torna-se importante valorizar também o acompanhamento, a experimentação e a vivência dos processos saúde-doença 137


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caracterizando-se, em significativa proporção, como uma modelagem das necessidades de saúde a partir da oferta feita pelos serviços. Elas são sempre a “tradução” de necessidades mais complexas. Para Max-Neef (1998, p.42), [...] las necesidades humanas fundamentales son finitas, pocas y clasificables…Las necesidades humanas fundamentales son las mismas em todas las culturas y en todos los períodos históricos. Lo que cambia, a través del tiempo y de las culturas, es la manera o los medios utilizados para la satisfacción de las necesidades. Lo que estáculturalmente determinado no son las necesidades humanas fundamentales, sino los satisfactores de esas necesidades.

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Necessidades de saúde

2.1 Necessidades de saúde: entre o singular e o coletivo

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onstantemente medimos o mundo e tudo o que nele acontece a partir de nossos sentidos, deliberando acerca do que consideramos perto, longe, macio, duro, pequeno, grande, inútil e instigante. Em um exercício de estabelecimento de médias, em função de nossas vivências e emoções, o nosso pensamento opera sempre de um modo, entre tantos outros. O processo saúde-doença carrega interpretações diversificadas, que servem às maneiras de lidar com ele. Seja a doença minha ou do outro, seja eu profissional de saúde ou não, o pensamento e as sensações de saúde e doença atravessam as nossas práticas. Os conceitos de saúde-doença são socialmente construídos e, portanto, variáveis no tempo e espaço, o que justifica a necessidade de uma perspectiva transcultural na produção de conhecimentos e práticas de cuidados de saúde. No processo de construção de conhecimentos e práticas de saúde, é necessário atentar aos paradigmas

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que as permeiam e que, sem nos darmos conta, continuam, em grande medida, orientando nossas escolhas, mesmo quando já foram estabelecidos seus limites, como é o caso da abordagem biomédica. A doença, tomada como variação quantitativa do normal, é um dos pilares da medicina do século XIX, conforme expresso por Bernard (1865). Canguilhem (2009) avança nessa discussão, apontando a necessidade de se compreender a doença como variação qualitativa em relação ao normal. Para ele, não se pode equalizar saúde e normalidade, tampouco, doença e anormalidade. Saúde corresponde à capacidade normativa, isto é, de instituir novas regras, novas normas, novos modos na relação com a vida. Em estados patológicos, também existem normas (e, então, alguma dimensão de normalidade); entretanto, a capacidade normativa, aí, está significativamente restrita. Já desde o final do século XX e início século XXI, verifica-se um esforço, especialmente no campo das Ciências Sociais e Humanas na Saúde, no sentido de se firmar a compreensão de saúde e de doença como movimento que tem sua ocorrência no plano

social (NUNES, 2000). De acordo com Everardo Nunes (2000), a saúde e a doença têm caráter histórico e, portanto, devem ter suas características estudadas na ocorrência da coletividade. “A natureza social da doença não se verifica no caso clínico, mas no modo característico de adoecer e morrer nos grupos humanos” (LAURELL, apud NUNES, 2000, p.221). Neste sentido, destaca-se que o caráter social da doença resulta de questões estruturais, a exemplo das condições socioeconômicas. Assim, na esfera pública, saúde e doença aparecem como tema político: há a preocupação pública com o bem-estar social, com as epidemias e a saúde dos grupos. A doença pode ser considerada, ainda, como geradora de um papel social, sendo seus sentidos social e culturalmente constituídos. Entretanto, as compreensões de saúde e de doença têm, também, uma dimensão simbólica, mediada especialmente pela linguagem. Os sentidos atribuídos ao corpo, à saúde, à doença e à morte constroem-se no contexto da vida diária, dependem das experiências pessoais e dos outros, prévias e atuais, formando-se nas relações sociais 140


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estabelecidas. Assim, “[...] em relação à experiência com a doença, as pessoas podem ter a mesma doença, mas experienciá-la de forma totalmente diversa.” (NUNES, 2000, p.221). A experiência do adoecimento é tomada, então, como a mais social e a mais individual de todas as coisas (AUGÉ, apud HERLICH, 2004). O corpo é tomado como objeto de interação com o meio social (FERREIRA, 2008) ao mesmo tempo em que este mesmo corpo ainda “pertence ao domínio privado” (HERLICH, 2004, p.384). As sensações do corpo são de domínio individual, envolvendo até mesmo sigilo de cada um em relação aos rituais cotidianos, tratando-se, assim, de algo bastante íntimo e pessoal. Segundo Arendt (1991, p.60-61),

à exposição pública; na verdade, ela nos priva de nossa percepção da realidade (...) não parece haver uma ponte que ligue a subjetividade mais radical, na qual eu já não sou “identificável”, ao mundo exterior da vida. Em outras palavras, a dor, que éa experiência limítrofe entre a vida, no sentido de “estar na companhia dos homens”e a morte, é tão subjetiva e alheia ao mundo das coisas e dos homens que não pode assumir qualquer tipo de aparência.

Ferreira (1994) destaca as sensações e caracterizações da doença, conforme descritas pelo paciente. Enfoca a dor como experiência do campo individual. Apresenta relatos de diferentes pessoas em relação à sua dor, como “pontada no peito”, “ferroada que dá de um lado para o outro”, “parece que corre uma água gelada” (FERREIRA, 1994, p.109-110). Essas narrativas ilustram o caráter íntimo da dor, ao mesmo tempo em que remetem à sua origem e a seus impactos no meio sociocultural. Canguilhem (2009) critica a afirmação de Blondel (apud CANGUILHEM, 2009) de que é impossível para

[...] o sentimento mais intenso que conhecemos – intenso ao ponto de eclipsar todas as outras experiências, ou seja, a experiência de grande dor física – é, ao mesmo tempo, o mais privado e menos comunicável de todos. Não apenas por ser, talvez, a única experiência àqual somos incapazes de dar forma adequada

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o médico compreender a experiência vivida pelo doente a partir dos relatos dos doentes, dado que o que os “doentes” exprimem por conceitos usuais não é sua experiência direta, mas sua interpretação de uma experiência, para a qual não dispõem de conceitos adequados. Sendo assim, a interpretação feita pelo “doente” comprometeria a fidelidade da informação acerca da doença. Presume-se, dessa afirmação, que a doença é tomada como entidade que, com vida própria, apodera-se do indivíduo, configurando-se como objeto do conhecimento do médico. Ela invalida, ainda, o discurso da pessoa que experimenta a dor, por sua suposta incapacidade de descrevê-la com a precisão e os elementos requeridos. Em contraponto, o autor argumenta que “[...] são os doentes que geralmente julgam – de pontos de vista bem variados –se não são mais normais ou se voltaram a sê-lo.” (CANGUILHEM, 2009, p.81), valorizando a atenção à experiência da pessoa adoecida. As sensações do adoecimento, mesmo quando encerradas na singularidade do doente, constituem-se em um “mundo dos objetos a conhecer”

pelo médico, de acordo com Foucault (2006, p.7) que, ao tratar do percurso da Medicina e das mudanças que conduziram o espaço de comunicação profissional-paciente para a região dos “sintomas subjetivos”, indica esta região como a principal na relação médico-paciente. Desse modo, é fundamental reconhecer e valorizar a palavra do paciente/ usuário, considerando que os sintomas por ele relatados contribuem significativamente para o diagnóstico e o tratamento. Porém, para isso, é preciso permitir efetivamente que o singular possa sobressair, reduzindo as submissões aos rigores sociais e científicos na elaboração de narrativas de si, em meio à hegemonia do paradigma biomédico e de determinados padrões sociais. 2.2 A diversidade e a experiência do corpo A importância da coletivização da experiência de saúde e doença é enfatizada em trabalhos do campo da Saúde Coletiva, a exemplo do trabalho de Favoreto e Cabral (2009), que apresenta narrativas sobre o processo saúde-doença de participantes 142


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de um grupo de pessoas com condições crônicas. Nessa direção, há um incentivo de que os temas em discussão sejam trazidos pelos participantes, contemplando os aspectos que envolvem sua experiência de saúde-doença, uma vez que se considera que as narrativas expressam ligações entre a identidade da pessoa, sua experiência do adoecimento e a cultura em que se insere. Buscando observar se as pessoas, nessa vivência dialógica, ampliavam os significados do processo saúde-doença para além da visão biomédica, os autores observaram que os processos dialógicos no grupo permitiam a construção de saberes e significados mais amplos do que o oferecido pela relação médico-paciente na clínica. Observaram, além disso, que eles contribuíam para a autonomia do paciente e produziam novas formas de compreender e de se comportar em relação ao seu corpo. Assis et al. (2009), por sua vez, discutem o tema da avaliação em promoção da saúde do idoso, com foco em um núcleo de atenção ao idoso da Universidade Aberta da Terceira Idade da UERJ. Nesse contexto, os participantes inserem-se em grupos e passam

por avaliações de saúde individuais. Tendo como objetivo a promoção do envelhecimento saudável, os trabalhos educativos ali realizados estimulam “[...] processos participativos e reflexão-ação sobre a relação corpo-saúde-vida, buscando integrar o fazer individual e coletivo na busca pelo bem-estar” (ASSIS et.al., 2009, p.368). Analisando as influências do programa sobre o desenvolvimento do autocuidado e de bem-estar dos participantes, os autores apontaram bons resultados, tanto nas narrativas quanto nas avaliações individuais. Em outro trabalho, Uchôa (2009) discute os sentidos da integralidade no trabalho desenvolvido no Programa Saúde da Família (PSF), especialmente em dinâmicas que contam com criatividade e sensibilidade dos profissionais. Destaca o necessário diálogo entre o saber biomédico e outros saberes, tendo em vista a compreensão da complexidade do outro, a quem se oferece o cuidado. O estudo apresenta práticas que apontam para o rompimento com o modelo biomédico da atenção e para práticas alternativas, como arte, teatro, atividades físicas, entre outras. Estas atividades colocam-se como 143


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possibilidade de mudança de viés e ampliação da atuação da equipe junto ao usuário do PSF. Nesse estudo, a análise de experiências inovadoras do cuidado em diferentes programas demonstrou que, nas concepções sobre integralidade, destacam-se seu caráter pedagógico emancipatório e a ampliação do cuidado em termos de escuta, acolhimento e vínculo. Referindo-se ao movimento de Educação Popular em Saúde, a autora apresenta uma teoria do conhecimento que alude à educação em saúde como espaço dialógico (o conhecer dá-se a partir da interlocução) e solidário. Esta concepção destaca a necessidade de se criarem contextos dialógicos entre os atores envolvidos, tendo-se em vista a necessidade de incentivar a construção e a difusão de novos conhecimentos (UCHÔA, 2009). Nos estudos citados, percebe-se algo em comum: um empenho para que cada participante dos grupos educativos identifique-se com o outro e que o grupo ofereça suporte para a construção de atitudes necessárias à produção de saúde. Os preceitos ensinados definem normas para o bem-viver, caracterizando-se

apenas ligeiramente como um caminho criativo e escolhido por cada um. Entretanto, existe uma distância entre o prescrito e o vivenciado que revela as diferentes culturas que se apresentam no encontro entre profissionais de saúde e usuários (MERHY, 1997). Na maioria das vezes, essa distância transforma-se em enfrentamentos e em relações de poder desiguais, em que um comparece portando um recurso de poder simbólico – a dor e o sofrer – e o outro com o conhecimento e as normas da burocracia que sustentam o sistema. Nesta situação, não existe comunicação e muito menos diálogo, em decorrência da impossibilidade de diálogo que os signos utilizados para ambos envolvidos suscita. Trata-se de uma relação reducionista, pois o usuário tende a dimensionar seu problema a partir dapossibilidade de resolvê-lo, ao passo que o profissional tende a enquadrar a vivência da doença do usuário nos modelos apreendidos. E o diálogo, por sua vez, somente é possível quando existe a vontade da escuta do outro e a intencionalidade de construir com esse outro uma nova visão de mundo, numa perspectiva crítica e reflexiva. 144


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Entre os serviços de saúde e usuários, costuma ocorrer um encontro entre processos contínuos e dinâmicos: o processo de sofrimento e adoecimento por um lado e o processo de trabalho em saúde por outro; aparentemente, esses correm em paralelo, mas, a um olhar mais atento, revelam-se suas conexões. Em tais conexões, o processo de trabalho encontra-se com os determinantes da doença, sendo possível, em ato, estabelecer o diálogo para construir uma “boa prática” de saúde. Nisso, a comunicação significativa é fundamental como possibilidade de construir algo novo para os envolvidos (profissionais e usuários), sem deter os fluxos singulares, mas, pelo contrário, potencializando-os. Os estudos referenciados trazem à tona, então, um problema presente no campo da Saúde e, especificamente, da Saúde Coletiva: o trabalhador da saúde é formado para fomentar a promoção da saúde; no entanto, ao fazê-lo, arrisca-se a tornar-se imperativo, na medida em que estabelece um dever-ser para quem deseja ter saúde e, mais ainda, um conjunto de leis para aqueles que devem desejar ter saúde. Nessa direção, as narrativas prescritivas de médicos,

a definição de projetos terapêuticos sem a participação do paciente, a ênfase nos danos resultantes da não adesão à prescrição e a não escuta, entre outras características, fazem a atenção à saúde se tornar um imperativo (ALVES; NUNES, 2006). No que concerne ao campo da Saúde Coletiva, esse imperativo mostra-se ineficiente e problemático, pois tende a situar os indivíduos em condição de desvio e irregularidade quando são aprisionados em uma patologia ou em uma situação especial. A atenção na saúde tem sido orientada por um modelo que reforça esta forma de atuação profissional, fazendo calar os sujeitos do processo educativo e reduzindo as possibilidades de transformação social (VASCONCELOS, 2004). Nessse contexto, a coletivização das experiências de vida pode cair num reforço ao instinto gregário, que se materializa no acolhimento pelos grupos. Inclusive, o grupo tem a função de ser solidário em relação ao sentimento de desvio. Os indivíduos identificam-se uns com os outros num sentido que deve ser olhado com cautela: por exemplo, um hipertenso vê sua vida na vida do outro hipertenso, tem a sensação de que aquela é 145


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igual à sua. A identificação dá força e ânimo para seguir as regras de como ter saúde e conviver com a condição crônica. A questão que se coloca, nessa perspectiva, é a do apagamento da diferença. A identificação no grupo, que por um lado dá força e amplia possibilidades de vida e saúde, por outro, generaliza a experiência individual, deixando pouco espaço às criações singulares. Diante disso, uma pergunta fundamental apresenta-se em relação ao ensino na saúde, qual seja: seria possível engendrar a formação de profissionais de saúde que, antes de pensarem nas pessoas como campo de enfrentamento das várias armadilhas da doença, comecem por percebê-las como quem se prepara para fortalecer a vida? Parece especialmente desafiador para o docente contribuir para a formação de um profissional da saúde que perceba e se posicione nos entrelaçamentos das redes de atenção e cuidado à saúde, atento a encontrar vias diversas aos modelos impositivos. Entretanto, para isso, é preciso compreender que o próprio processo de conhecer ocorre pela via instável das várias linhas que se cruzam: informações,

saberes, políticas, necessidades de saúde, cultura, subjetividade, funcionamentos do sistema. Deleuze e Guattari (2004) defendem a noção de um corpo que pré-existe que também é, ao mesmo tempo, um corpo que a pessoa faz e experimenta. Nessa composição, esse corpo tem mais do que é feito dele do que da sua pré-existência. Caracteriza-se, assim, como o corpo sem órgãos, que é um devir, na medida em que está sempre sendo feito, e nunca terminado. Em consonância com essa noção, tanto a prática docente quanto a prática de saúde podem, à luz da experiência do corpo sem órgãos, ser desenvolvidas como atividades predominantemente criadoras, inaugurando maneiras de produzir conhecimento na perspectiva da integralidade da atenção à saúde e da interprofissionalidade. Ceccim e Merhy (2009), apresentando uma leitura diferenciada em relação à Política Nacional de Humanização do SUS e ao trabalho educativo em saúde envolvido em sua efetivação, questionam as condutas do tipo “diagnóstico-prescrição e condutas coletivas” e avançam para a valorização da clínica como espaço de encontro com o outro. Propõem 146


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um movimento que vai da serialização à singularização, ou seja, um movimento no qual, sem perder a dimensão coletiva, valoriza-se o saber do individual, da diferença. Baseando-se na ideia do “corpo sem órgãos”, os autores propõem que os trabalhadores da saúde participem da produção da vida, “[...] ali onde cada um pode gerar um cuidar de si, não para criar um jeito protocolar de viver, mas para construir seu modo original de viver” (CECCIM; MERHY, 2009, p.540). Todas as experiências possíveis do corpo remetem ao que está fora do ordinário. Tanto a saúde quanto a doença proporcionam a experiência de corpo que nos constitui. Como base, estão os órgãos, vasos e tecidos e, para além do apanhado orgânico e organizado, há a possibilidade de criação individual e de rompimento com a tentativa de um controle total e centralizado. Nessa direção, estamos propondo, então, a reflexão sobre a experimentação do corpo, para além de sua interpretação, e o esquecimento, no lugar da anamnese. Em vez da busca por causas passadas dos efeitos presentes, fica a possibilidade de elaboração das práticas do corpo sem órgãos daqui para frente

(já que é devir). Propomos, também, o rompimento com os imperativos no fazer docente e no fazer em saúde –“um jeito protocolar de viver” –, e, em seu lugar, a abertura à criação de um modo original de produzir conhecimento em saúde. Tanto nos espaços de clínica, quanto nos espaços coletivos, estabelece-se o encontro entre trabalhadores e usuários dos serviços de saúde e corre-se o risco de se desprezar a diferença. É grande o desafio de se oferecer atenção à saúde para todos, sem que esta seja tomada pela generalização e pelo fortalecimento do espírito de rebanho, de acordo com a discussão apresentada anteriormente. Coloca-se, portanto, a questão de como fazer para que as necessidades dos usuários sejam reconhecidas em sua riqueza poética, conforme o valor da diferença e da singularidade. Dussel (2000) chama atenção para o reconhecimento da diferença a partir de um olhar possibilitador de uma abertura compreensiva em que pessoas se interpelam, que pode resultar no entendimento e no acolhimento do outro, e não em atitudes de aniquilamento, sejam raciais, religiosas, políticas, 147


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econômicas, culturais, ideológicas. Em consequência, constroem-se novos interlocutores, pessoas autônomas para pensarem novas possibilidades humanas, nas quais a solidariedade pode se efetivar, por meio de um novo pacto social, que requer uma nova ordem e consiste em um processo de futuro, com etapas diferenciadas pelos momentos de maturação.

beres e ações políticas; as racionalidades e lógicas profissionais direcionadas ao cuidado e os aspectos culturais e de participação/controle dos usuários em relação aos sistemas em funcionamento. Pretendemos, assim, resgatar os afetos, os processos e dispositivos que atuam na transformação da atenção à saúde focalizada e minimalista, promovendo discussões críticas e avaliativas a respeito das inovações e experiências pedagógicas que atualmente se processam em torno da integralidade na formação para produzir integralidade no cuidado. Para um conceito ampliado de saúde, preconizado por um Sistema que tem por princípios a universalidade, a equidade, a integralidade e a intersetorialidade nas políticas, é basilar que se pensem as ações de saúde em seus diversos entrecruzamentos. Os modos de atenção às necessidades de saúde efetivam-se na organização da rede de serviços, em relação às normas e diretrizes do SUS, e se vinculam às características da formação técnica e ética dos diversos profissionais da saúde. Atemo-nos, a seguir, aos aspectos da formação técnica e ética.

2.3 Necessidades de saúde e demandas: o desafio da tradução Este tópico está fundamentado nos conceitos apresentados nos tópicos anteriores e tem como ponto de partida a pergunta: O Sistema Único de Saúde constitui-se, efetivamente, como espaço que articula, institucionaliza e regulamenta saberes, tecnologias, trabalho na produção de ações para responder às necessidades de saúde da população por meio de políticas públicas? A intenção é, portanto, propor a aproximação com políticas de saúde, suas estruturas e processos: os modelos assistenciais, em suas tecnologias, sa148


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Ética implica o engajamento em um processo de reflexão com vistas a tomar a melhor decisão, considerando-se todos os elementos envolvidos na situação e todas as pessoas, próximas e distantes no tempo e no espaço, passíveis de serem afetadas pela ação. Ela demanda informação e critérios tais como solidariedade, justiça e responsabilidade. Portanto, ética implica, também, criatividade, isto é, a exploração de novas possibilidades humanas e novas formas de vontade (SOUSA, 2011). Nesse sentido, a liberdade implicada na ética é um instrumento direcionado para o futuro e não apenas uma escolha entre alternativas já disponíveis (DAY; GODDARD, 2010). Nessa perspectiva, a criatividade se expressa por respostas adequadas a situações novas e respostas mais adequadas e construtivas para situações antigas, em que o sujeito é capaz de modificar sua atuação com base em novas informações, como indicado anteriormente, a partir de Novaes (1972). Essa reflexão ética, assentada na informação e critérios de solidariedade, justiça e responsabilidade, potencializa a superação de preconceitos diversos, dos paradigmas ocultos e

das armadilhas das emoções, constituindo-se como elemento de base para a concretização do sistema de saúde integral para toda a sociedade. Desse ponto de vista, discutir os processos de formulação de políticas de saúde e de formação implica ter como referência o conceito de democracia e de participação social no processo de formulação e gestão de políticas públicas; isso para enfatizar que a gestão participativa e a constituição de arranjos institucionais permitem a interlocução entre Governo e Sociedade, na direção de desconstruir o viés reducionista presente nos modos pelos quais as necessidades de saúde têm sido, usualmente, incorporadas nas políticas. Em relação às condições para o diálogo no cenário político atual de consolidação da democracia no Brasil, pode-se dizer que, nas últimas décadas, vozes de determinados grupos sociais puderam ser produzidas e escutadas, canais de comunicação entre governo e sociedade civil foram alargados e espaços de interlocução foram constituídos. Entretanto, e apesar disso, ainda vigora um modelo de desenvolvimento que reproduz a exclusão e as 149


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desigualdades, além de aumentar o antagonismo entre capital e trabalho. Ao mesmo tempo, a emergência desses grupos – novos movimentos sociais, constituindo-se como sujeitos políticos em torno de questões que ultrapassam temas corporativos e/ou trabalhistas – trouxe novas temáticas, que se agregam em torno da diversidade de gênero, etnia, naturalidade, religião, entre outras. Além dos direitos sociais já conquistados, tais movimentos sinalizam a importância de “direitos culturais”, que precisavam ser compreendidos pela sociedade para serem aceitos como direitos. Trata-se de movimentos autônomos de formação política, conscientização e mobilização que, inclusive, instrumentalizaram novos atores políticos para participarem ativamente desses espaços de formulação e pactuação de políticas públicas. Um exemplo contundente disso foi a mobilização dos movimentos LGBTT que impactou profundamente as políticas de atenção à saúde no contexto da epidemia do HIV/aids. Isso resultou uma grande capilaridade de espaços e processos participativos na vida social, abrindo possibilidades para o exercício

da ação comunicativa entre necessidades de saúde e possibilidades de resolvê-las em prol da coletividade, nos âmbitos macrossocial (relação governo/ sociedade civil), organizacional (instituições e seus atores envolvidos), grupal e individual. Aqui, compreende-se que ação comunicativa, tal como discutida por Habermas (1989), remete a práticas dialógicas e autônomas, realizadas no espaço público, descoladas das imposições do Estado e do Mercado, nas quais os indivíduos, a partir de suas ações, constroem o que deve ser a sociedade e qual deve ser a relação entre os cidadãos. Isso envolve tanto a formação da vontade política dos sujeitos e atores sociais que circulam e participam das arenas no campo da saúde quanto práticas que visam a subordinar os valores de mercado, de produção e consumo de serviços de saúde aos valores de autonomia, integralidade e dignidade que representam a vida (PEDROSA, 1997). Para Feuerwerker (1998), a instituição do SUS propôs a introdução do paradigma da saúde ao valorizar a integralidade e a promoção da saúde, em contraposição ao paradigma da doença, centrado 150


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na lógica individual, curativa, hospitalocêntrica e especializada (FEUERWERKER, 1998). A integralidade se estabelece, portanto, como uma imagem-objetivo que promove novos patamares para a abordagem das questões de saúde (GONZALEZ; ALMEIDA, 2010) ao pressupor a organização dos processos de trabalho em equipes mais integradas, horizontalizadas e humanizadas, priorizando a produção do cuidado centrado nas necessidades de saúde do usuário. Assim, a imagem-objetivo da integralidade do cuidado, que se caracteriza como devir, atribui às políticas de saúde o sentido de dispositivo, na medida em que possibilita transformar as necessidades (desejos) em demandas que possam ser respondidas pelas redes de atenção à saúde, em um movimento contínuo entre os fluxos produzidos e emanados na ação dos determinantes da saúde e da doença de indivíduos e grupos sociais. A formulação de políticas em sociedades democráticas compreende, então, um ciclo desencadeado pela construção da vontade política, que preside a formalização de normas jurídicas necessárias para garantir legalmente a concretização da vontade

política coletivamente construída, além de orientar arranjos institucionais e organizacionais capazes de produzir as ações necessárias e o controle da sociedade, avaliando e trazendo novas temáticas que irão compor novos elementos para a participação social. Sendo assim, a vontade da sociedade em apontar determinada política como necessária à resolução de seus problemas remete a questões concernentes à construção dessa vontade: quais os discursos, práticas e conhecimentos que fundamentam o problema? Quais argumentos explicam a situação? Quais as justificativas? Quais movimentos são desencadeados no sentido de transformar a vontade de determinado grupo em vontade geral? É no plano das práticas que se dá a construção da integralidade, seja na formulação e gestão das políticas de saúde, seja nas relações que se estabelecem entre usuário e profissional e entre estes e os serviços (PINHEIRO; MATTOS, 2007). Assim, a integralidade existe em ato, sendo reconhecida nas práticas que valorizam o cuidado (PINHEIRO, 2001). Nesse sentido, a justiça na promoção da saúde está em andamento quando os profissionais envolvidos 151


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desafiam, com uma prática diferenciada, aquilo que faz com que uma dada linha de ação pareça, na cultura vigente, impossível, impensável, excluída. Um de seus indicadores é a incerteza relacionada à dúvida quanto a se tudo o que deveria ter sido feito foi de fato feito, se o foi de modo justo, e o que ainda poderá ser feito. Incerteza relacionada também à sutileza dos limites entre disponibilidade e invasão, tolerância e indiferença, cuidado e dominação. Dessa forma, dimensionar e refletir sobre o distanciamento entre os objetivos e as estratégias de formação de profissionais e o que se considera necessário para que os atos produzidos por esses profissionais expressem os princípios do sistema implica, pois, em uma prática docente comprometida com a identificação e a exploração das possibilidades existentes nas Políticas que integram Educação e Saúde, fortalecendo as oportunidades de experimentação de inovações e mudanças das recentes políticas, que apontam as redes de atenção do SUS como espaços de aprendizagem e de produção de conhecimento, tais como o Pró-Saúde e o PET-Saúde. Ou seja, considerar as Políticas de Saúde como

dispositivos instituintes do devir do cuidado integral, desde o processo de formação profissional. Bonetti, Pedrosa e Siqueira (2011), analisando a Política Nacional de Educação Popular em Saúde, destacam que é o princípio da integralidade que, no cotidiano de insegurança e incerteza em que vivemos, orienta o pressuposto de uma política cujo eixo estruturante é o modo de vida dos sujeitos, em suas múltiplas dimensões: a integralidade da dimensão física e espiritual de homens e mulheres; a integralidade de saberes, de práticas, de espaços de atuação e dos sujeitos destas práticas. Este sentido de integralidade torna-se, portanto, no plano da política, um pressuposto e uma diretriz também para a formação. E esse pressuposto sustenta-se na consideração de que toda ação pedagógica (educativa) ocorre entre sujeitos e que as práticas de saúde são, por sua natureza, práticas “humanas”, que não se concretizam sem a presença/ reconhecimento da alteridade. Assim, a reconstrução da integralidade do sujeito e, nesse processo, a construção de um mundo possível, no qual a saúde seja considerada em sua amplitude e como direito de cidadania, é a diretriz 152


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necessária que compreende relações entre sujeitos sociais em sua singularidade e diversidade e entre atores institucionais e políticos; essas relações, por sua vez, justificam-se diante da afirmação da educação popular como estratégia que promove o diálogo entre gestores, trabalhadores e usuários do SUS. Nessa perspectiva, a construção da integralidade do cuidado em saúde incorpora o sentido de responsabilidade, proposto por Lévinas (1997), nas relações entre todas as pessoas implicadas na rede: eu sou responsável pelo outro, sem esperar reciprocidade; ou seja, o “eu” sempre tem uma responsabilidade a mais que todos os outros. O nó da subjetividade consiste em ir para o outro sem que eu me importe com seu movimento para mim. Consiste em uma tal aproximação que, acima e além de todas as relações recíprocas, seja sempre um passo a mais em direção ao outro.

processos em constante movimento: os movimentos autônomos da população diante dos processos de sofrimento e adoecimento, o processo de trabalho em saúde e os processos de gestão. O cuidado integral pode acontecer justamente nos “instantes, momentos” intercessores desses cruzamentos. Ao destacar essa perspectiva do cuidado em saúde, qualificando-o como integral, procuramos evidenciar a importância das práticas se pautarem na promoção da saúde, associando-a à prevenção, ao tratamento e à reabilitação. Isso reporta à importância de se enfatizar, na formação do profissional de saúde, o cuidado como uma rede de práticas que constituem sistemas fundamentados no princípio da integralidade. A abordagem integral do cuidado traz, pois, profundas implicações para o campo das práticas em saúde uma vez que, tradicionalmente, a ideia do cuidado sempre esteve atrelada ao combate às doenças dos indivíduos. As abordagens mais associadas à racionalidade científica moderna ou à racionalidade médica (LUZ, 2004) – racionalidade de um saber que parece conformar tanto o trabalho

2.4 Cuidado em ato nas redes de atenção à saúde Este tópico sustenta-se no pressuposto de que na produção do cuidado na saúde entrecruzam-se três 153


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como a formação dos profissionais da saúde – são caracterizadas pela ênfase na técnica, no procedimento e no medicamento, constituindo os meios para se detectar a doença e “gerir” o cuidado. Essa redução do sujeito à sua doença reflete uma lógica de organização do trabalho marcada pela biomedicina, medicalização, fragmentação da atenção e por relações assimétricas de poder entre as especialidades (CECÍLIO; MERHY, 2003; FEUERWERKER; CECÍLIO, 2007), além da assimetria informacional entre cuidador e paciente, que se opõe às ideias agregadas sob o rótulo do cuidado e da integralidade. E, ao mesmo tempo, esses fatores contribuem para a fragmentação das ações na rede assistencial, por dificultar a complementaridade entre a rede básica e o sistema de referência, tendo em vista o predomínio do aspecto curativo no cotidiano dos serviços. É claro que é preciso reconhecer que, especificamente no caso da clínica, uma dimensão técnica do trabalho sempre estará envolvida. Contudo, o uso da técnica é apenas parte do cuidado e, às vezes, sequer é a parte mais importante, pois a saúde como objeto do cuidado, conforme vem sendo discutido,

é um processo complexo e dinâmico, que envolve diversas dimensões (biológica, social, cultural, ética e política). Sendo assim, a resposta adequada aos problemas de saúde, quase sempre de origens multicausais ou multissetoriais, não pode prescindir dessa perspectiva abrangente que o termo saúde implica. Para além disso, nessa perspectiva, o usuário não é uma vítima passiva, ao contrário; em certa medida, ele é também responsável pelo seu tratamento, já que seu comportamento influencia no seu estado de saúde ou de doença. Daí a importância de se considerarem os usuários como sujeitos ativos e protagonistas das ações de saúde, além dos gestores e trabalhadores. Nesse contexto, torna-se fundamental que o docente trabalhe no sentido da co-construção de perspectivas ampliadas sobre a complexidade do campo da saúde, que exige um modo de organização mais centrado nos sujeitos que sofrem, mais centrado no usuário e não somente na técnica e no procedimento. Essa é, sem dúvida, uma questão premente e importante no contexto de consumo desenfreado de insumos e equipamentos que a lógica 154


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do mercado das indústrias da saúde tem produzido. Merhy (1997) contrapõe-se a essa lógica ao considerar como fundamental no processo de produção do cuidado não somente os instrumentos e conhecimentos técnicos, mas também as relações entre as pessoas, amplia o conceito de “tecnologia” no trabalho em saúde e introduz os conceitos de Trabalho Morto e Trabalho Vivo. Nesse sentido, assinala que o núcleo dos modos como se produz saúde deve ser composto por uma hegemonia do trabalho vivo sobre o morto. Define que o trabalho morto reflete um processo de trabalho voltado à produção de procedimentos, ou seja, no predomínio do uso de instrumentos, normas, estruturas organizacionais, denominadas de tecnologias duras. Já o trabalho vivo, ainda segundo Merhy, estaria representado pelo momento do trabalho em si, caracterizando-se como trabalho vivo em ato. Este faz parte do trabalho instituinte, que estabelece, que cria, pois, na dimensão do trabalho vivo, são operacionalizadas as noções de autonomia e autogoverno dos indivíduos. Assim, quando houver predominância do trabalho vivo em ato, haverá uma

produção do cuidado centrado nas tecnologias leves ou relacionais, que são as relações no trabalho em saúde, que se desdobram na produção de vínculo, acolhimento e responsabilização, como uma forma de organizar processos de trabalhos. Finalmente, os conhecimentos técnicos bem estruturados que operam no processo de trabalho em saúde, denomina-se tecnologia leve-dura (MERHY, 1997). Dessa forma, ao considerar o complexo e emaranhado arranjo das práticas de saúde e a potência instituinte no trabalho em saúde, a partir do trabalho vivo em ato, entendemos que a racionalidade médica pode ser reproduzida ou modificada cotidianamente, a cada uso que dela se faz em situações concretas na realidade dos serviços de saúde. Nas palavras de Mattos (2008, p. 347), “[...] os profissionais de saúde são ao mesmo tempo agentes da reprodução dessas práticas e de sua eventual transformação”. Consequentemente, para a construção ativa do cuidado integral, o embasamento da formação dos profissionais de saúde, sob a perspectiva da integralidade, passa a ser fundamental no processo de mudança das práticas e gestão em saúde. Formar profissionais 155


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sob esta perspectiva significa instrumentalizá-los para que conduzam a análise crítica dos processos de trabalho, de forma a possibilitar outras formas de relação entre os sujeitos envolvidos, como por exemplo: a da produção do cuidado em saúde, a partir de uma postura ética e política. E, sob este olhar, o cuidado integral se expressa em atos cuja materialidade, no contexto do SUS, é possibilitada pelas Redes de Atenção e Redes de Gestão. No que diz respeito às redes de atenção, a integralidade das práticas adquire um sentido horizontal, alinhando-se às chamadas “tecnologias leves” (MERHY, 1997) bem como aos aspectos relativos ao trabalho em equipe e às linhas do cuidado. Essas correspondem à imagem pensada para indicar trajetos por inúmeros itinerários terapêuticos, no sentido de atender às necessidades de saúde (FRANCO, 2006). O cuidado, desse modo, valoriza os encontros, a subjetividade, a comunicação, a construção conjunta de significados, as relações de alteridade e integração de trabalhos, sedimentando a humanização da atenção à saúde e a ampliação da satisfação das necessidades de saúde dos usuários.

Esse processo essencialmente relacional das redes de atenção é impulsionado pela liberdade imanente ao “trabalho vivo” (MERHY, 1997) que possibilita aos profissionais exercerem seu trabalho com um razoável autogoverno sobre sua atividade produtiva, assim como operarem relações em fluxos de alta intensidade no interior do processo de trabalho. Além disso, tais fluxos fazem com que haja conexão entre os muitos trabalhadores, usuários, pessoas e coisas, que se colocam no plano do processo de produção do cuidado, formando redes rizomáticas, que não têm começo nem fim, conectando-se em qualquer ponto. Assim, o trabalho vivo, com sua capacidade rizomática, abre linhas de fugas e opera com lógicas muito próprias, capazes de encontrar novos territórios de significações (MERHY; FRANCO, 2011). Nas redes de gestão, atualmente caracterizadas como gestão participativa, constituída de colegiados e fóruns, a integralidade é vista sob a perspectiva da verticalidade entre os níveis de atenção, segmentados em primário, secundário e terciário, definidos classicamente por complexidade, mas apresen156


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tando, para além disso, lógicas de organização do processo de trabalho distintas, portas de entrada no sistema diferenciadas, assim como mecanismos de financiamento e acesso. Nesse âmbito da gestão participativa, cabe destacar a importância da incorporação e valorização do usuário no cotidiano dos serviços, bem como sua atuação nas instâncias de controle social do SUS. Do mesmo modo, é necessária a valorização do trabalhador, devido ao alto grau de autonomia que o mesmo exerce sobre seu próprio trabalho, o que lhe confere a capacidade de autogestão e desenvolvimento da criatividade. Segundo Franco (2006), é justamente devido ao grau de liberdade e autogestão no processo de trabalho que qualquer membro de uma equipe pode fazer conexões com outros trabalhadores e disparar “linhas de cuidados” em diferentes direções, promovendo um autocontrole da rede de cuidados que se esboçam a partir dos encontros e conexões estabelecidas. Nesse sentido, o que se evidencia é a necessidade de redes de gestão solidárias, interativas e participativas, nas quais se reconheçam os gestores, trabalhadores e usuários

como protagonistas das ações de saúde (BRASIL, 2004). Esse encontro entre mundos diferentes e as conexões possíveis a partir desses encontros (com o usuário, o profissional e o gestor) é o motor para a constituição de redes que operam enquanto rizomas, possibilitando a produção de saúde e de vida.

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expectativa deste eixo foi a de produzir sínteses entre diversas dimensões implicadas nas redes em saúde – cuidado integral, linhas do cuidado, cultura, subjetividade e ética – enfatizando uma concepção de integralidade que transversalize as práticas de atenção, gestão, formação e participação nesses cenários. De forma mais importante, o objetivo deste eixo é o de enfatizar que, para que isso se torne possível, essa concepção de integralidade precisa, pois, transversalizar a formação profissional em saúde, e que isso demanda uma docência comprometida e articulada com essa perspectiva. Nesse sentido, as Políticas de Humanização, as Práticas Integrativas e Complementares e a Educação Popular em Saúde representam elementos a serem explorados, pois permitem apreender a integralidade não apenas como um conceito, mas como um dispositivo instituinte das práticas de saúde na rede, na direção de uma clínica ampliada (CAMPOS, 2007). No âmbito das questões aqui explicitadas, revelam-se diversos entrecruzamentos – inclusive entre as lógicas do público e do privado –, apontando-se modos de produzir, organizar e gerenciar o cuidado em saúde nas redes de atenção no SUS.

Breves considerações finais

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TEIXEIRA, R.R. O acolhimento num serviço de saúde entendido como uma rede de conversações. In: PINHEIRO, R.; MATTOS, R. A. (Orgs.). Construção da Integralidade: cotidiano, saberes e práticas em saúde. Rio de Janeiro: IMS-UERJ/ ABRASCO, 2003, p.89-111. UCHÔA, A. C. Experiências inovadoras de cuidado no Programa saúde da Família: potencialidades e limites. Interface (Botucatu), Botucatu, v.13, n. 29, p.299-311, 2009.

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Exercícios sugeridos

Uma proposta pedagógica

EIXO 3 – DOCÊNCIA E PRÁTICAS DE REDES NA GESTÃO, ATENÇÃO E PARTICIPAÇÃO EM SAÚDE

Docência na Saúde

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EXERCÍCIO 3.1.

Eixo 3: Docência e práticas de redes na gestão, atenção e participação em saúde

…a ideia não é o elemento do saber, mas de um “aprender” infinito… (DELEUZE; GUATTARI, 2006, p. 182)

O texto-âncora do Eixo 3 (Docência e práticas de redes na gestão, atenção e participação em saúde) nos provoca a pensar sobre a atenção à saúde não em sua organização piramidal, mas a partir de entrelaçamentos horizontais que constituem redes. De modo análogo, vemos que “ambos os processos – ensinar e aprender – estão imbricados com o fazer docente em saúde, no contexto das culturas políticas, epistemológicas, docentes e assistenciais …” (Texto-base, p. 10) Com base no texto, a. Relacione o valor das redes de atenção à saúde com a importância de exercitarmos o ensinar e o aprender também em redes.

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b. Procure elencar possibilidades de incorporação desse exercício na sua prática docente.

sobre o que seria um ensinar e um aprender que aponta para o “infinito”.

c. Descreva argumentos fundamentados que você usaria para justificar sua importância diante de seus pares.

Referência Bibliográfica: DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Diferença e repetição. Trad. Luiz Orlandi e Roberto Machado. 2ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 2006.

Objetivos e Dimensões Trabalhadas: A questão serve de exemplo à abordagem de um conceito fundamental trabalhado no Eixo 3: a prática em redes. Não se espera a busca de respostas no próprio texto, mas o movimento de rompimento com o conhecimento de senso comum e com compreensões que circulam predominantemente no campo científico da Saúde. Do mesmo modo, não se requer o desvelamento de supostas verdades subjacentes a esses saberes. O que se deseja é estimular a prática de pensar junto (com os autores do texto-âncora e de outros textos relacionados), tendo em vista a reflexão sobre a própria prática, articulada à produção escrita com os autores e com o conceito clássico. Esta produção singular pode potencializar a reflexão

EXERCÍCIO 3.2 Observe os trechos abaixo: Tenho uma alimentação certa até o fim de semana. Domingo saio da dieta. Tomo minha cerveja, como salgadinhos, etc. (Participante do Projeto de Promoção da Saúde do Núcleo de Atenção ao Idoso da UERJ. In: ASSIS, M. et al., 2009)

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É importante dizer que o exercício da criatividade docente não é fácil, mas traz resultados… Isso gera necessidade de estimular e desenvolver novos valores.

c. Reflita sobre os “novos valores” que precisamos desenvolver quando ocupamos o lugar de docentes formadores da saúde.

(Fragmento Narrativo retirado de Fórum do “Docência em Saúde” na Plataforma Moodle)

Objetivos e Dimensões que podem ser trabalhadas: Esta questão pretende promover a articulação dos eixos 1 e 3, tendo em vista o debate sobre conceitos que envolvem o processo de ser saudável e adoecer, com ênfase em seu acontecimento singular e coletivo, apontando não para as origens desses conceitos e concepções, mas para seus valores e sua efetividade, tanto na vida dos usuários do SUS quanto no percurso formativo do profissional da saúde. Em uma leitura acerca do pensamento nietzschiano, Deleuze (2001) propõe a superação da pergunta típica do pensamento metafísico - “o que é?” – para promover o questionamento acerca das forças que se apoderam dos acontecimentos, como “o que quer?”

Partindo do pressuposto de que as noções que envolvem o “ser saudável-adoecer e curar-se” têm caráter sociocultural, discuta os valores que permeiam as ações (e a narrativa) do usuário, da equipe de saúde e do processo formativo do profissional da saúde, a partir das perguntas provocadoras abaixo: a. Que valores permeiam a noção “assumir uma alimentação certa” como via para se ter saúde? b. Tendo em vista as concepções dos usuários, do profissional desejado pelo SUS e dos docentes formadores na saúde, discuta as indagações: Quem quer? O que quer? Como quer?

Indicações de leitura: ASSIS, M.; HARTZ, Z.M.A. PACHECO, L.C.; VALLA, V.V. Avaliação do projeto de promoção do Núcleo 168


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de Atenção ao Idoso: um estudo exploratório. Interface: comunicação, saúde e educação. V.13, N. 29, p. 367-382, 2009. Disponível em: http:// www.scielo.br. Acesso em: 4 de junho de 2010.

b. O você pensa que deveria ser considerado para este fim? c. Por onde começar? Em sua prática docente, já houve algum movimento nesse sentido?

DELEUZE, G. Nietzsche e a filosofia. Porto, Portugal: Rés Editora, 2001.

Objetivos e Dimensões trabalhadas: Esta questão propõe um debate acerca do valor do encontro, mesmo que seja de “mundos” diversos, que tem em vista a garantia do cuidado tomado como rede de práticas fundamentadas na integralidade. A reflexão e a discussão devem conduzir à proposição de práticas que respondam às indagações lançadas.

EXERCÍCIO 3.3 “A vida é arte do encontro. Embora haja tanto desencontro pela vida”. Vinícius de Moraes/Baden Powel.

EXERCÍCIO 3.4

Com base na frase acima e no conceito de cuidado estudado, reflita sobre os encontros e desencontros de interesses e desejos entre profissionais e profissional/usuário nos serviços de saúde.

Cada instante da vida faz crescer em nós alguns tentáculos e secar alguns outros, conforme a nutrição que este instinto recebe ou não (…) O que são pois as nossas vivências? Muito mais o que aí foi posto do que o que aí se encontra!

a. O que seria importante para superar “os desencontros” no trabalho em saúde?

(NIETZSCHE, 2004)

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A partir das reflexões e debates sobre a produção do cuidado na realidade dos serviços de saúde de seu município/região, discuta a respeito das vivências de ensino e de aprendizagem frente à necessidade de formar profissionais éticos, competentes, críticos, comprometidos e que sejam protagonistas da construção e aprimoramento do cuidado, observando:

c. Quais estratégias pedagógicas/metodológicas você pensa que poderiam ser desenvolvidas para que o ensino na saúde seja uma movimentação de vivências que nutrem o processo formativo em redes de saberes e de cuidado à saúde? Em sua prática docente, já houve alguma experimentação nesse sentido?

a. Como deve ser organizado esse processo de formação, considerando a interdisciplinaridade necessária aos problemas atuais e o desenvolvimento técnico científico que tem ocorrido na saúde?

Referência bibliográfica: NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Aurora. Reflexões sobre os preconceitos morais. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das letras, 2004.

b. Qual o perfil desejado do docente para atuar como orientador e provocador nos processos de ensino e aprendizagem, cujos resultados são os conhecimentos, competências, habilidades e atitudes esperadas, e como dispositivo na produção de novas subjetividades, tais como humanização, escuta, etc?

Objetivos e Dimensões que podem ser trabalhadas: Este exercício é uma possibilidade de mobilização de saberes constituídos a partir do estudo de temáticas dos eixos 2, 3 e 4. Pretende provocar a reflexão acerca do “viver e inventar”, título da sessão nietzschiana citada, como possibilidade do docente assumir seu papel criativo e criador na formação em redes, que 170


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tem em vista o profissional de que o SUS precisa para oferecer o cuidado integral.

a. “…flexíveis às criações de novos nós” (p.5) / “Qualquer ponto pode ser conectado a outro…” (p. 6)

EXERCÍCIO 3.5

b. “Os sujeitos operam em fluxos de conexão entre si nas cenas do trabalho…” (p.6)

“Há linhas que não se reduzem ao trajeto de um ponto, e escapam da estrutura, linhas de fuga, devires…”

c. “… as redes de trabalho em saúde como redes de conversações…” (p.6) Referência: DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos. Trad. Eloísa Araújo Ribeiro. São Paulo: Escuta, 1998.

(Deleuze; Parnet, 1998, p. 22)

Com a inspiração no trecho que trata da noção deleuziana de rizoma, comente cada uma das afirmações sobre redes destacadas do texto-âncora do eixo 3. É importante que, neste exercício de comentar, você exponha sua percepção acerca do conceito e que materialize esta compreensão através de um exemplo (ocorrido e/ou inventado) de sua prática docente que possa se relacionar à perspectiva apresentada.

Objetivos e dimensões que podem ser trabalhadas: Este exercício se coloca como uma prática de pensamento acerca do conceito de redes, de modo a vincular os saberes mobilizados no eixo 3, mas também abordados no eixo 1, tendo em vista a sua ampliação, com vínculo às experiências docentes.

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EXERCÍCIO 3.6

EXERCÍCIO 3.7

Podemos tecer elos entre a formação de redes a partir das necessidades de usuários dos serviços de saúde e a tradução destas em demandas para a operacionalização de políticas públicas. Destaca-se, ainda, o entrelaçamento – possível e necessário – com o processo formativo em saúde. Aponte fluxos e conexões possíveis entre esses elos, tomando, como meta, o processo de ressignificação do fazer em saúde.

Sugerimos que você assista ao filme O homem elefante e produza um pequeno texto sobre um dos tópicos a seguir: • As generalizações e o apagamento da diferença na atenção à saúde / projetos terapêuticos; • A moralização da saúde / preconceitos e compaixão / linhas de cuidado

Objetivos e dimensões trabalhadas: • Provocar a materialização do conceito de rede, em seu funcionamento no sistema e no percurso dinâmico de ensino e aprendizagem; • Deixar clara, de outra perspectiva, a importância da integração ensino-serviço (em articulação com o eixo 1); • Apontar para o valor do docente no movimento de estabelecer elos e ressignificar as práticas em saúde (em articulação com o texto-base e com o eixo 4).

Referência: Dados do filme: “O homem elefante”. Dirigido por David Lynch. Drama/Biografia, Estados Unidos, 1980. Sinopse: A história de John Merrick (John Hurt), um desafortunado cidadão da Inglaterra vitoriana portador do caso mais grave de neurofibromatose múltipla registrado até então, tendo 90% do corpo deformado. Exibido como monstro em circos e considerado débil mental pela sua dificuldade de falar, é salvo por um médico, Frederick Treves (Anthony Hopkins). 172


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EXERCÍCIO 3.8

No hospital Merrick se libera emocionalmente e intelectualmente, além de mostrar ser uma pessoa sensível ao extremo. Sra. Kendal (Anne Bancroft), uma grande atriz, torna-se sua amiga e até a coroa britânica sensibiliza-se com o caso.

Discuta as questões: a. O que podemos considerar fundamental ao professor para formar o profissional que atuará nas redes de promoção da saúde integral?

Fonte: adorocinema.com Objetivos: Esta questão pretende incitar a discussão a respeito do singular e do coletivo em relação às formas de lidar com as necessidades de saúde da população nas redes de atenção do SUS. Possibilidades de trabalho: • Debate ético, moral e político acerca da posição ocupada pelo profissional da saúde frente às necessidades dos usuários; • Reflexão acerca da perspectiva catalográfica e prescritiva que pode permear a atenção à saúde; • Compreensão das relações de cultura e subjetividade envolvidas nos processos de vida, saúde e adoecimento.

b. Como se dá a produção do cuidado na realidade dos serviços de saúde de seu município/região? c. Como você costuma lidar com o desafio do ensino frente às percepções colocadas? d. Como isso é enfrentado no curso que você integra? e. Descreva possibilidades das tecnologias de informação e comunicação servirem como redes que entrelaçam territórios universitários e culturais de produção coletiva de saberes. 173


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Objetivos e dimensões trabalhadas: Este exercício se coloca como provocador do desenvolvimento da docência pautada no funcionamento em redes de interdisciplinaridade e interprofissionalidade.

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WEBCONFERÊNCIA Prof. Dr. José Ivo dos Santos Pedrosa

Conteúdo multimídia AULA Profa. Dra. Emília Carvalho Leitão Biato

Clique nas imagens para assistir aos vídeos no YouTube.

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Eixo 4

O protagonismo docente diante dos compromissos da formação em saúde com o SUS Uma proposta pedagógica

Docência na Saúde

Artigo Exercícios sugeridos Conteúdo multimídia


Artigo 1. Introdução 2. Os desafios da formação em saúde 3. A prática docente e os compromissos da formação com o SUS

Referências

Uma proposta pedagógica

EIXO 4 – O PROTAGONISMO DOCENTE DIANTE DOS COMPROMISSOS DA FORMAÇÃO EM SAÚDE COM O SUS

Docência na Saúde

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Introdução

N

o Brasil, a formação dos profissionais da saúde avança, em certa medida, no sentido de atender as orientações políticas do setor da saúde, sobretudo se pensarmos as necessidades impostas pela implementação do Sistema Único de Saúde (SUS). Entretanto, a imposição política, mesmo que advinda de movimentos sociais que marcaram fortemente o campo das políticas públicas na saúde, não garantem o movimento de mudança na formação. Assim sendo, quando propomos um curso de graduação que julgamos transformador na sua concepção, supomos que isso, por si só, garantiria a formação de profissionais para atuarem frente às necessidades do setor. Porém, nos esquecemos que muitos fatores interferem na implantação e desenvolvimento dos cursos, entre eles, a concepção de saúde dos atores envolvidos, o entendimento sobre as relações entre educação e trabalho e um modelo pedagógico ainda hegemônico na grande maioria das instituições de ensino do país. Neste curso, o Eixo Compromissos da Formação com o SUS tem como tema central o entrelaçamento

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1.1 Os marcos históricos e conceituais das Políticas de Saúde e Educação

entre as políticas públicas da saúde e da educação, contextualizando os marcos teóricos destes campos e assumindo pressupostos conceituais que apontam para um cuidado de saúde integral de forma que sejam atendidas as necessidades de saúde das pessoas que estejam de algum modo incorporados aos Projetos Político Pedagógicos (PPP) dos cursos de graduação. Para dar início a esta reflexão, partimos de três tópicos:

Tomamos como ponto de partida a contextualização sobre as políticas da saúde e da educação no Brasil. No campo das políticas públicas de saúde, o movimento da Reforma Sanitária, que, em 1986, realizou a VIII Conferência Nacional de Saúde, demarcou um importante momento político no setor, pois conjugou o rompimento com o pensamento de que a saúde das pessoas afetava-se pelas relações políticas e sociais e a urgência de entrarmos num outro momento político (democrático) que inaugurasse uma fase participativa e de escuta social. Se, de um lado, a luta pela Reforma Sanitária trazia um componente de mobilização social na ordem estrutural e na economia de Estado, de outro lado, trazia o componente de participação da população nos serviços de saúde e a mudança na lógica de prestação do cuidado. Os movimentos populares e sociais assumiram um protagonismo no campo da saúde que trazia para o centro do debate as situações do cotidiano

a) os marcos históricos e conceituais das Políticas de Saúde e Educação; b) os desafios da formação em saúde; c) a prática docente e os compromissos da formação com o SUS.

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da vida; mas o cotidiano como algo imanente e singular, nunca antes considerado na proposição das políticas públicas na área da saúde. A Constituição Federal de 1988 viria determinar em seu Art. 200 que compete ao Sistema Único de Saúde ordenar a formação dos recursos humanos da saúde, o que permitiu colocar a agenda trabalho e formação no campo que se refere à “ordem da vida” (BRASIL, 1988). Com a constituição do SUS, o conjunto das políticas públicas do setor passou a exigir a adequação da formação para o trabalho na saúde, considerando as necessidades sociais em saúde e os problemas gerenciais do sistema. Nesse sentido, ampliou-se a integração ensino-serviço e as instituições de formação acadêmica, sobretudo as universidades públicas, que implementaram pesquisas na área e elaboraram conceitos sobre as práticas de cuidado na saúde. Em resposta a críticas à formação profissional, que circulam há vários anos, dentre as iniciativas para a mudança na formação dos profissionais, merecem destaque: a proposta de Integração Docente Assis-

tencial (IDA), a implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais para as profissões na área da saúde (DCN), a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS) e as ações da Diretoria Executiva de Gestão do Ensino Superior (DEGES). Os projetos IDA caracterizavam-se pela aproximação entre as instituições de ensino e os serviços de saúde. Mesmo pontual e restrita na potência para promover mudanças na formação, a integração docente assistencial fortaleceu o questionamento que se fazia em relação à formação profissional em saúde baseada no modelo biologicista. Outra iniciativa foi a criação do Programa Uma Nova Iniciativa na Educação dos Profissionais de Saúde: união com a comunidade (Programa UNI). O ideário UNI propunha mudanças nos métodos de ensino, nos conteúdos da formação, ampliação dos cenários de ensino e a articulação entre ensino, serviço e comunidade. Implantadas entre os anos de 2001 e 2004, as DCN contêm em sua formulação os princípios que norteiam a atenção à saúde no Brasil, tais como a abertura para os avanços pedagógicos na área e a sensibilidade às demandas de setores organizados 180


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que, em alguma medida, representam as aspirações de parcela significativa da sociedade. Se, por um lado, é possível identificar esses pontos positivos, por outro, a pouca experiência com processos participativos certamente determinou uma presença menor de atores na construção das DCN. De acordo com as orientações das diretrizes, os cursos têm, sob sua responsabilidade, a orientação do ensino, a composição da carga horária e os conteúdos curriculares. Espera-se a construção coletiva dos projetos pedagógicos, na qual se abre espaço para o diálogo entre as áreas do conhecimento e a sociedade. No caso específico das DCN na área da saúde, está claro que o diálogo com os serviços de saúde também é necessário. No campo da avaliação do ensino, a flexibilidade das diretrizes abre caminho para a prática avaliativa de caráter formativo, o que certamente elevará a outro patamar a qualidade da formação. As DCN defendem a integralidade no cuidado à saúde e nas relações humanas, a valorização da autonomia, a aprendizagem ao longo da vida e o trabalho em equipe. Também foi reconhecido como condição para o trabalho multidisciplinar e

em equipe o desenvolvimento de um conjunto de competências gerais, comuns a todos os profissionais da saúde, que incluem a atenção à saúde, a tomada de decisão, a comunicação, a liderança, a administração e gerenciamento e a educação permanente. De acordo com as DCN, os processos de formação deveriam centrar-se nas realidades locorregionais, considerando as diversidades culturais, políticas e sociais (perfis demográfico, epidemiológico e socioeconômico). Por isso, foram garantidos três eixos orientadores: trabalho em equipe, apropriação do sistema de saúde vigente e integralidade no cuidado à saúde. Outros aspectos devem ser considerados, tais como: a possibilidade de autonomia e a flexibilização acadêmica, em todos os sentidos e não apenas na organização curricula e a possibilidade de pensar o ensino de graduação para além do currículo planejado pelos cursos, ou seja, que as propostas pedagógicas estejam abertas e que os percursos de formação possam gerar singularidades, desde que professores e estudantes estejam efetivamente implicados na complexidade do ensinar e do aprender. Para Ceccim, Pinheiro e Mattos (2005, p.145), as DCN 181


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na área da saúde foram “[...] importante passo para que produzissem mudanças no processo de formação [...]”. Ainda segundo os autores, as mudanças no campo das políticas de educação contribuíram para o (re)desenho nas práticas em saúde, indicando um caminho “flexibilizando regras” e, mais, “[...] favorecendo a construção de maiores compromissos das instituições de educação superior como o SUS” (CECCIM; PINHEIRO; MATTOS, 2005, p.22). Quanto à Educação Permanente, já existia durante o desenvolvimento dos projetos IDA e UNI a percepção de que a formação dos profissionais da saúde deveria alcançar não só o período da graduação, mas toda a prática profissional ao longo da vida. Essa convicção ganhou força no processo de formulação das DCN. Na sua concepção, os princípios da EP em saúde devem ser atendidos desde o início da educação formal dos profissionais considerando que a relação serviço/trabalho/instituições de ensino é eixo estruturante da formação profissional. No desenvolvimento desse campo, incorpora-se também como elemento fundante a articulação com o controle social. Na EP, o objeto do processo

formativo desloca-se da reprodução do conhecimento pré-estabelecido para os problemas que surgem do cotidiano do trabalho. O processo de trabalho, enquanto espaço de aprendizagem, tem a potência de revelar o conflito entre o cotidiano da prática profissional e o conhecimento formal. Dessa forma, a Educação Permanente dos Profissionais de Saúde conquistou status de uma política com a criação da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES). Nesse contexto, também a educação popular fomenta debates e constrói potência para a ação social de lutas por saúde e confronta aqueles que, de certa maneira, tinham nas mãos a formulação sobre o cuidado integral à saúde. Ou seja, a agenda política, a educação popular e o movimento social foram importantes dispositivos para a mudança na orientação da formação e do trabalho na saúde. Nesse sentido, o Movimento da Reforma Sanitária e seus desdobramentos impuseram outro modo de pensar a saúde e, consequentemente, de pensar a formação. A garantia de saúde para toda a população, estabelecida na Constituição Federal, está direta182


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mente relacionada à implementação do SUS e ao cumprimento de seus princípios e objetivos, o que demanda profissionais com essa apropriação e formadores de trabalhadores com essa direcionalidade. O desenvolvimento do SUS e a manutenção do direito à saúde para todas e todos os cidadãos implica um compromisso dos trabalhadores em saúde com a integralidade no cuidado1. Não são mais suficientes os recursos de diagnóstico e prescrição, há necessidade de trabalhar em equipe de maneira interdisciplinar, de trabalhar mais próximo das culturas populares, de constituir redes cuidadoras entre os serviços de saúde, de estabelecer relações orgânicas entre estruturas de serviço e estruturas de ensino/formação, entre outras condutas políticas e estratégias técnicas. Corrobora,

nesse sentido, Foucault (2000)2, quando afirma que a medicina no século XIX passa a ser incorporada ao modo como a sociedade se organiza, ou seja, as doenças são concebidas como problemas políticos e econômicos que devem ser pensados e resolvidos em conjunto. Dos ensinamentos de Foucault, além dos de outros pensadores, podemos destacar que os atos de saúde não apenas previnem ou tratam, mas influenciam os processos de adoecimento das pessoas e das populações. A saúde compreendida dessa forma nos impõe considerar que, por meio da formação dos profissionais de saúde, é possível assumir novos modos de cuidar. Nesse sentido, o caminho de cuidado dos profissionais de saúde deve buscar a humanização da atenção, a construção de vínculos, o acolhimento, a formação de redes de cuidado, a garantia de acesso,

1 O conceito da Integralidade ganha destaque por inserir no âmbito do cuidado em saúde não apenas o entendimento do indivíduo inteiro – sem fragmentos, mas também a dimensão de corpo integral, a dimensão afetiva e o saber relacional. Para Ceccim e Feurwerker (2004), resta-nos desenvolver tecnologias de tratamento que respondam a isso por meio da condição da integralidade, da resolutividade das práticas assistenciais e dos problemas de saúde, tal como experimentados em situações de vida.

2 Ao consultar Foucault e seus estudos sobre o nascimento da medicina social, numa rápida reflexão, percebemos que a estruturação da medicina ganhou na Europa do século XVIII certa posição por ser gerida como sistema de pensamento. O início da institucionalização da medicina considerou o corpo como instrumento político e social. Foucault (2000, p.80) demonstra que “[...] foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista”.

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a integralidade com resolutividade. Pensar em acolhimento em saúde é sair da dimensão meramente clínica e técnica e incluir a dimensão humana nas relações profissionais. É desenvolver a capacidade de tolerância às diversidades, assim como da escuta comprometida com a necessidade do outro e com a construção de sua autonomia. Significa, antes de tudo, a capacidade de se colocar no lugar do outro (HOFFMAN; KOIFMAN, 2013, p.578). Sem dúvida, o SUS inaugurou um modo singular de pensar os processos e atos que garante a possibilidade de atendimento às necessidades impostas pelo momento. Uma demarcação importante e urgente para a saúde da população emerge dos conceitos e debates científicos que revelam significativamente esse momento: passamos a falar de integralidade, coletivos organizados, equipes de saúde, rede de cuidados e linha de cuidados, entre outros conceitos. Para os profissionais da saúde, o SUS, com as suas complexas interfaces, exige um modo de ser contra hegemônico frente às situações de adoecimento e de cuidado em saúde. Entretanto, a implantação de políticas não gera necessariamente mudança

micropolítica3 Podemos nos apropriar dos discursos liberadores e disruptores, adotar novas palavras, “discursar” acerca das novas práticas sem que, com isto, efetivamente, tenhamos que provocar, tocar ou remeter à produção de uma nova prática no cuidado à saúde. Portanto, as demarcações políticas no campo da saúde e da educação representam movimentos fundamentais para a vida e, de forma mais ampla, para a garantia dos direitos inalienáveis dos seres humanos. Nesse sentido, ao pensarmos uma proposta de ensino em saúde, não podemos deixar de refletir sobre o quanto os movimentos macropolíticos têm atuado no campo da formação, e, com atenção semelhante, devemos investir na micropolítica na qual ampliamos as referências para ler a realidade. Perceber, por exemplo, que na esfera do cuidado em saúde, é mais importante pensarmos em um plano terapêutico considerando aquilo que podemos oferecer ao outro, pois pouco adianta a proximidade ou construção de vínculo se, 3 A palavra “micropolítica”, conforme Guattari e Rolnik (1999), refere-se ao modo como (re)produzimos a subjetividade. Para os autores, a micropolítica não se situa no nível da representação, mas no nível da produção de subjetividade.

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na realidade, as limitações do campo da saúde não vão atender àquilo que as pessoas necessitam. Para isso, é preciso fragilizar a “identidade profissional” e abrir-se aos devires: devir4 enfermeiro, psicólogo, porteiro, carteiro, professor, enfim, de alguma forma atuar em si mesmo o processo de cuidado. O campo da saúde normatizado e regulado pelas políticas públicas vem avançando no sentido de garantir processos coletivos e integrais; entretanto, compete ao setor acadêmico compreender essas imposições regulatórias e traduzir essas políticas em processos pedagógicos que permitam novas práticas cuidadoras. Por sua vez, o ensino de graduação em saúde tem passado por inúmeras “crises”. Inicialmente, para romper com a ênfase essencialmente tecnicista do modelo biomédico5, tem-se, por exemplo, apostado na multiprofissionalidade

e na constituição de equipes que pensem e atuem na construção de planos de cuidado ou de planos terapêuticos comuns. Um movimento político da educação superior propôs uma autonomia ainda não experimentada no âmbito do ensino de graduação em saúde (via passagem à singularização), mas não veio acompanhado das ações demandadas por um processo de mudança cultural, como o ensejado. Se um movimento de ruptura com as orientações anteriores foi dado, pode surgir, dessa forma, uma mudança micropolítica, que aposte no movimento de implicação – desejo e singularização. Assim, levando-se em conta os avanços que temos tido nesse campo, temos de refletir sobre esses processos para efetivamente garantirmos uma mudança no perfil profissional para atender às novas exigências do mundo do trabalho, pois, se por um lado, foram alcançados alguns avanços, por outro, ainda estamos presos a um modo de pensar o ensino universitário, no qual segue vigente o ensino com base nas técnicas, na corporação e no hospital. Cabe salientar que a ideia de romper com a perspectiva medicalizante,

4 O devir é potência para aquilo que não está em nós como forma, mas é apenas apelo às sensações. Para Guattari e Deleuze, devir é produção de subjetividade – o que nos permite transgredir, romper: a potência dos processos maquínicos (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p.170). 5 O modelo biomédico pressupõe que o corpo, visto como uma máquina complexa, precise constantemente de inspeção por parte de um especialista. Presume-se, assim, de modo implícito, que alguma coisa, inevitavelmente, não estará bem dentro dessa complexa máquina (KOIFMAN, 2001).

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biologicista, tecnicista e hospitalocêntrica não está superada quando as próprias DCN, ao enumerarem “competências e habilidades”6 comuns à área da saúde pouco inovam. Não há indicação para o desenvolvimento de competências e habilidades que exijam conhecimentos aprofundados no campo da antropologia, filosofia, literatura e arte – ciências humanas e sociais. A proposição da formação generalista indica para a constituição de um “superprofissional”, competente e habilidoso, sem indicação de uma formação consistente no campo da integralidade, rede de cuidados progressivos, linhas de cuidado e escuta sensível. Outras áreas necessárias à formação devem ser valorizadas como o desenvolvimento de modos de gerir o setor da saúde (atenção, gestão, forma-

ção e participação) decorrentes do contato vivo e criativo com as culturas locais. Quando pensamos, portanto, um curso de graduação em saúde, resgatamos esses marcos teóricos, históricos e conceituais. São elementos importantes, do ponto de vista político, que nos colocam, sem dúvida, em um novo cenário no campo da formação em saúde, mas que não nos garantem a solução para os inúmeros problemas que ainda temos nas práticas educativas. A inserção de outros modos novamente exige uma disposição e abertura para um “ainda-não-saber”, uma proposta de ensino de graduação disposta ao ineditismo.

6 Observamos nas DCN, em especial na área da saúde, a indicação de competências e habilidades comuns à formação em saúde e competências e habilidades específicas do núcleo profissional que estão centradas no saber técnico de cada profissão. Caberia inverter essa lógica ou apostar apenas nas “macro”competências e habilidades (gerais para a área da saúde), dando, dessa forma, possibilidade efetiva às instituições de flexibilizarem suas propostas de ensino a partir do perfil profissional do egresso que desejam formar, inseridas no contexto regional em que os cursos se instalam ou “acontecem”.

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Os desafios da formação em saúde

M

esmo com o avanço significativo das DCN nos processos educativos em saúde, não podemos esquecer que o debate didático-pedagógico ainda é preliminar e precisa ser mobilizado de forma intensa pelas instâncias reguladoras da educação. Na reflexão sobre o pedagógico, o papel do docente é fundamental na medida em que é no cotidiano da sala de aula que se expressa um modo de ensinar comprometido com o SUS por meio de práticas pedagógicas que fogem da rotina e da repetição. Seria pensarmos numa prática docente que está na dimensão do sensível se assumirmos que a experiência é algo que nos passa, ou nos acontece, ou nos toca, como afirma Larrosa Bondía (2004). O autor propõe-nos pensar que os atos pedagógicos devem ativar a possibilidade de sentir o que não é visto. Diz o autor que “[...] aquilo que apenas passa, ou o que apenas acontece, ou que apenas toca não gera movimento de singularidade, a singularização é vivência de experiência, experiência de si pelo que acontece, passa ou toca em nós [...]” (LARROSA BONDÍA, 2004, p.154).

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O exercício do pensamento proposto na articulação entre currículo e práticas pedagógicas do currículo trata de atiçar aquilo que não é visto e que está no campo dos sentidos. Tentativa de perceber a educação e, neste caso, o ato pedagógico, numa outra dimensão, que privilegia o que não é formal, regulado e visível. Com os pensamentos e conceitos de Larrosa, cabe interrogar o que a sociedade espera da escola, neste caso da universidade: uma proposta pedagógica com intencionalidades, que despeje informações a todo instante, como se a possibilidade da aprendizagem se desse por esta ferramenta tecnológica ou um ciclo integrado de informação-experiência-cognição-aprendizagem? Problematiza Larrosa que

podemos dizer também que nada nos passou, que nada nos tocou. Com tudo o que aprendemos, nada nos sucedeu ou nos aconteceu. (LARROSA BONDÍA, 2004, p.154)

Justamente a contraposição que esse autor nos indica é do quanto o processo educativo precisa reconhecer que aprender é muito mais do que processar informação. Mais ainda: que o aprender, que ele nos indica como sendo a possibilidade da experiência, está naquilo que efetivamente nos toca, nos passa, nos acontece, ou seja, há algo não visto, não enquadrado, não regulado que perpassa a proposta de formação acadêmica, que tem a potência de produzir uma aprendizagem que transforma os saberes instituídos. A intenção neste momento é a de apresentar o contraponto entre o que está explicitamente escrito/proposto e o que não está escrito, mas é apenas sentido nos processos acadêmicos. Pretende-se, também, retomar o que está presente no mecanismo regulador da educação superior, neste caso as DCN, fazendo uma reflexão sobre o que

[...] depois de assistir a uma aula ou a uma conferência, depois de ter lido um livro ou uma informação, depois de ter feito uma viagem ou de ter visitado uma escola, podemos dizer que sabemos coisas que antes não sabíamos, que temos mais informação do que tínhamos antes sobre alguma coisa, mas, ao mesmo tempo,

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muitas vezes não está presente de modo visível, mas revela de modo muito especial qual proposta educativa assumimos. Quais são efetivamente os aspectos que precisamos considerar? O fato é que não temos “respostas” ou “receitas” ou “modelos”. Quando pensamos os desafios do ensino da saúde, precisamos ativar em nós o que sentimos e como entendemos o processo saúde-doença. Como nós, professores-universitários, compreendemos a saúde e o adoecimento das pessoas e como expressamos isso no dia-a-dia do ensinar e do aprender. Como mediamos uma proposta de ensino – o currículo – com nossos entendimentos, concepções, valores e cultura. É inegável que os marcos históricos e os debates conceituais demarcaram importantes movimentos de mudança. Nessa direção, temos a maneira como, de algum modo, ações decorrentes de políticas públicas podem ter “atiçado” mudanças em nós citamos, como, por exemplo, o curso de Atividadores de Mudança na Graduação, inicialmente proposto pelo Ministério da Saúde em 2005, Pet e Pró-saúde e VerSUS (ações que são exploradas em outro eixo).

Com as indicações de mudança que acompanhamos nos últimos tempos e que estamos debatendo neste texto, transformamos a “transmissão de conhecimentos” em uma prática pedagógica que produz sentidos. Uma proposta que interroga o próprio conhecimento: para quê serve, de onde vem, que convicções arrasta, que práticas se põem em movimento? Colocar à disposição do outro o nosso saber, nossas experiências, nossas trajetórias e ainda ter a disposição para transitar em vários cenários mesmo que isto cause desconforto pelo desconhecido, é sem dúvida, uma permissão à vulnerabilidade. Ficamos vulneráveis uns aos outros e aos aprendizados que vão nos atravessar, independentemente de essa relação se dar entre alunos e professores ou entre professores e professores. Essa reflexão precisa ser feita pelas instituições de ensino acadêmico na área da saúde. A vulnerabilidade requer a disposição para a afecção, e é nesse sentido que o ensino na saúde permitirá algum movimento de mudança. Será nas linhas de fuga, nos aprendizados, no invisível que a potência pedagógica se expressará. 189


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Ceccim, Pinheiro e Mattos (2005, p.164) nos dizem que “[...] tematizar a formação em saúde implica colocar em questão as características do ensino, as expectativas do exercício profissional e as políticas do trabalho em saúde”. Nesse sentido, a pedagogia da vulnerabilidade é garantia de maior legitimidade ao ensino em saúde e reconhecimento da construção da integralidade da atenção. A potência se dá na possibilidade de formar profissionais para a área da saúde que compreendam a dimensão micropolítica e pensem o cuidado a partir deste “encontro”. Ressingularizar as práticas é o que a vulnerabilidade permite quando passamos a nos proporcionar outros experimentos, segundo as afecções que vivemos. Quando dizemos que pode haver criatividade nas rotinas acadêmicas, sinalizamos que é preciso inventar alternativas ao ensino rompendo com formalismos acadêmicos para investir numa relação que se dê de forma aberta, múltipla, em que seja possível colocarmo-nos em devir. Ressingularizar as práticas significa permitir que um movimento constante, múltiplo e diverso nos questione sobre aquilo que somos e fazemos – nosso

desafio como docente. Significa que estamos em constante movimento de mudança, em constante mutação. Recolocar a prática em outras esferas depende de novos experimentos, de novas provocações, de um constante recomeço, sob outras referências, com outras atualizações. Os níveis de prática não só não têm de ser homogeneizados, ajustados uns aos outros sob uma tutela transcendente, mas, ao contrário, convém engajá-los em processos de heterogênese (GUATTARI; ROLNIK, 1999). A vulnerabilidade implica que pensemos em modos que fujam às normatizações e/ou às padronizações políticas, que pensemos por quaisquer possibilidades criativas abertas no cotidiano. A fuga ao que está pré-definido e às determinações gerenciais ocorre como traição, não como descumprimento ou trapaça. Quando nos referimos à criatividade acadêmica, não estamos nos referindo a um pressuposto pedagógico ou a uma metodologia definida por inovadora. A criatividade acadêmica está na vulnerabilidade de estarmos em sala de aula com mais de sessenta alunos e conseguirmos fomentar o debate, não prescrever conteúdos. Mobilizar a 190


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diversidade cultural e social existente numa sala de aula para com isto repensar o modo de cuidado em saúde e criar outras possibilidades às rotinas acadêmicas. Guattari e Rolnik (1999) indicam em sua produção que não devemos ser “ingênuos” e “utopistas” para acharmos que existiria uma “metodologia analítica segura que erradicasse em profundidade todos os fantasmas que conduzem a reificar a mulher, o imigrado ou o louco e eliminasse as instituições penitenciárias e psiquiátricas”, ou seja, não sejamos ingênuos da maquinaria política que nos cerca. Para os autores, haverá uma possibilidade se pensarmos em uma generalização das experiências de análise institucional (no hospital, na escola, no meio urbano) que poderiam modificar profundamente os dados desse problema, “Uma imensa reconstrução das engrenagens sociais é necessária para fazer face aos destroços do Capitalismo Mundial Integrado” (GUATTARI, ROLNIK, 1999, p.44). Com os autores, ainda, aprendemos que as engrenagens políticas estão e estarão presentes, operando e, quem sabe, serializando intensamente. Cabe,

nesse acelerado movimento, inventar possibilidades de fazer com que as engrenagens movimentem-se e amoleçam-se, vulnerabilizem-se. Quem sabe, assim, forças produtivas façam-se presentes.

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Na topografia irregular da prática profissional, há um terreno alto e firme, de onde se pode ver um pântano. No plano elevado, problemas possíveis de serem administrados prestam-se a soluções através da aplicação de teorias e técnicas baseadas em pesquisa. Na parte mais baixa, pantanosa, problemas caóticos e confusos desafiam soluções técnicas. A ironia dessa situação é o fato de que os problemas do plano elevado tendem a ser relativamente pouco importantes para os indivíduos ou o conjunto da sociedade, ainda que seu interesse técnico possa ser muito grande, enquanto no pântano estão os problemas de interesse humano. O profissional deve fazer suas escolhas. Ele permanecerá no alto, onde pode resolver problemas relativamente pouco importantes, de acordo com os padrões do rigor estabelecido, ou descerá ao pântano dos problemas importantes e da investigação não-rigorosa? (SCHÖN, 2000, p.15).

A prática docente e os compromissos da formação com o SUS

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A

sociedade reconhece como profissionais os indivíduos que equacionam os problemas de sua área utilizando, entre as alternativas técnicas disponíveis, aquelas que melhor se aplicam a cada situação. Para cada problema, o profissional “rigoroso” busca as soluções técnicas propostas pelo conhecimento sistemático. Entretanto, também existe uma região na qual se apresentam problemas cujas soluções não são possíveis de ser alcançadas pelos cânones do conhecimento já produzido (SCHÖN, 2000). O autor faz um alerta: a incerteza, os conflitos de valor e a singularidade das situações reais do cuidado à saúde muitas vezes escapam de soluções técnicas pré-definidas. Na cartografia daqueles implicados com a formação profissional, o professor ocupa papel central considerando que, ainda hoje, o ensino está centrado na figura do docente. Espera-se dele a determinação de explorar o território onde se encontram os problemas de interesse humano. Esse não é um campo de trânsito fácil. É necessário rever a formação do professor e suas práticas sob outra perspectiva.

Segundo Cunha (2000), a ideia de que a formação do docente universitário deve acontecer sobre as bases da atividade de pesquisa, nem sempre foi hegemônica na universidade. Esse é um fenômeno das últimas décadas. Nas décadas de 60 e 70, a universidade foi vista como espaço privilegiado para a produção do conhecimento necessário com vistas ao fortalecimento do país. Esse fato reforçou o imaginário prevalente até hoje, que concebe a docência como uma atividade científica, na qual “[...] basta o domínio do conhecimento específico e [do conhecimento] instrumental para a produção de novas informações [...]” (CUNHA, 2000, p.45). Consequentemente, o domínio desses conhecimentos seria suficiente para que os objetivos da docência fossem alcançados. Sem diminuir a importância da pesquisa na formação docente, a mesma concepção de fortalecimento do Estado nacional pela produção de conhecimento, via universidade, se não anulou, diminuiu a ideia “[...] clássica da universidade, onde o pensamento crítico e universal era a tônica, possibilitando a liberdade e a contestação.” (CUNHA, 2000, p.45). 193


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Outra limitação, que tem origem na concepção de ciência no mundo ocidental, reforça a necessidade da formação docente em profundidade no saber “especializado e fracionado”, que muitas vezes implica na perda de uma dimensão mais ampla da sociedade. Além disso, do professor da área de saúde, não se exige um aprofundamento nas ciências humanas e sociais “[...] que lhe poderiam fornecer os instrumentos para a compreensão de sua tarefa como educador” (CUNHA, 2000, p.46). Há também um descompasso entre as concepções de ensino/ prática docente e o caminhar da sociedade. Enquanto assistimos a um extraordinário avanço da tecnologia da informação e o aumento do acesso aos meios de comunicação, o professor ainda permanece preso “[...] à lógica da transmissão do conhecimento, em que o passado – no sentido do saber acumulado – tem mais importância do que o presente e o futuro” (CUNHA, 2000, p.46-47). Segundo Perrenoud (1999), não se pode confundir as atividades de pesquisa com a formação de professores para uma prática reflexiva. Embora essas duas atividades tenham algo em comum, apresentam

também diferenças. Elas diferenciam-se quanto ao objeto, a função e os critérios de validade. Além disso, continua Perrenoud, a universidade também não se ocupa com a formação de pesquisadores reflexivos porque prioriza o “[...] mundo das ideias puras, sem contingências materiais, nem paixões humanas” (PERRENOUD, 1999, p.15). Também na mesma direção, Gimeno Sacristan refere-se às experiências vividas pelos docentes, enquanto condição para o melhor desenvolvimento das atividades de formação dos estudantes: [...] um professor que tem recurso de ação é aquele que tem experiências variadas, vivências ricas, não o que tem muita experiência sobre uns poucos tipos de ação; importa mais ter esquemas diversos ou conglomerados complexos dos mesmos que possuir esquemas demasiadamente trilhados como consequência de realizar as mesmas ações constantemente. (GIMENO SACRISTAN, 1998 apud CUNHA, 2000, p.47).

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Ou seja, o valor da prática docente não reside na quantidade, mas na diversidade das experiências, enquanto objeto e oportunidade para a reflexão. Na relação teoria versus prática, a primeira não pode ser entendida como “[...] fonte direta da prática, como queria a perspectiva positivista, mas sim como possibilidade de iluminar o leitor, desde que este tenha possibilidade de fazer um jogo com a sua própria luz” (CUNHA, 2000, p.47). Os professores universitários da área de saúde, em diversos casos, aprenderam a sê-lo mediante um processo de socialização, em parte, intuitiva, autodidata, ou seguindo o modelo daqueles que foram considerados bons professores. Por outro lado, existe pouca valorização dada pelas instituições à formação pedagógica do professor. Isso pode ser atribuído ao desmerecimento da atividade de ensino nas universidades, onde os estímulos para a atuação e os critérios de progressão na carreira têm se fundamentado mais na produção científica que no exercício da docência (SAIPPA-OLIVEIRA; KOIFMAN, 2013). Valorizar a complexidade das apropriações realizadas pelos docentes no interior do campo edu-

cacional e as movimentações dialógicas que nele subsistem parece-nos um potente dispositivo para revelar as possíveis implicações entre os desejos presentes na agenda reformista (SUS e Formação de Profissionais de Saúde ligados aos seus atributos ético-políticos) e a maneira como cada agente, a partir de sua trajetória de vida, apropria-se de tais desejos e os transforma no cotidiano de seus fazeres pedagógicos (SAIPPA-OLIVEIRA; KOIFMAN, 2004, p.146). No campo da educação e saúde no Brasil, outros elementos precisam ser considerados no fazer docente. Trata-se de outro campo de lutas no qual existe uma forte influência do mercado na formação profissional. No ensino, o ideal da prática perseguida pelos estudantes e fortemente valorizada pelos docentes reduz-se ao fim primário do ato terapêutico que é a eliminação dos sintomas e a cura do corpo físico. O preceito constitucional do direito à saúde, e o que isso implica no campo político, parece não fazer parte do horizonte da maioria de nossos cursos e quando muito limita-se ao discurso cujo alcance não ultrapassa o limite do cuidado individual. 195


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Abordar o compromisso da formação com o SUS é de imediato entender que o fundamento da ação docente não está restrito à eliminação das causas e sintomas físicos dos corpos, mas na origem e determinação do problema. Também a identificação dessa determinação por si só não transforma a realidade ou recoloca o processo formativo, a não ser que seja facilitado ao estudante entender-se comprometido e corresponsável com a não saúde de um seu semelhante. Nesse sentido, a ação docente é uma prática social. Entendê-la dessa forma implica orientá-la desde a primeira hora pelo preceito constitucional do direito à saúde. Existe uma corresponsabilidade de cada docente com essa conquista e uma exigência de fazê-la cumprir porque ela não está aprisionada na esfera da existência individual. Nesse movimento, espera-se que a compreensão das relações entre o ensino, o trabalho, controle social e a gestão permitam novos desenhos formativos e compartilhados que alcancem a transformação das práticas profissionais. Conforme Ceccim e Feuerwerker (2004), tanto o SUS como as DCN colocam a perspectiva da relevância social às instituições de educação superior.

Para os autores, há necessidade de que as escolas sejam capazes de formar para a integralidade, formar de acordo com as necessidades de saúde; que as escolas estejam comprometidas com a construção do SUS, capazes de produzir conhecimento relevante para a realidade da saúde em suas diferentes áreas, constituindo-se ativas participantes dos processos de educação permanente (CECCIM; FEUERWERKER, 2004, p.46, apud CHAVES, 2014, p.330).

Nesse movimento, o professor é convocado a ser um ator efetivo e comprometido com a vocação docente e com o desenvolvimento integral do ser humano que passa necessariamente pelos campos da educação e da saúde.

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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. CECCIM, R. B.; FEUERWERKER, L. M. Mudança na graduação das profissões de saúde sob o eixo da integralidade. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 5, 2004, set./out. p.1400-1410.

Referências

CECCIM, R. B.; PINHEIRO, R.; MATTOS, R. A. (Orgs). Ensinar saúde: a integralidade e o SUS nos cursos de graduação na área da saúde. Rio de Janeiro: Abrasco, 2005. CHAVES, Simone Edi. Os movimentos macropolíticos e micropolíticos: no ensino de graduação em Enfermagem. Interface (Botucatu), Botucatu, v. 18, n. 49, p. 325-336, jun. 2014. Disponível em: <http://www. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832014000200325&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 14 jul. 2014. 197


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LARROSA BONDÍA, J. Linguagem e educação depois de babel. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

CUNHA, M. I. Ensino como mediação da formação do professor universitário. In: MOROSINI, M. C. (Org.). Professor do ensino superior: identidade, docência e formação. Brasília: Ministério da Educação/INEP, 2000.

PERRENOUD, P. Formar professores em contextos sociais em mudança. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 12, p.6-21, set./dez. 1999.

DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: 34, 1995.

SAIPPA-OLIVEIRA, G.; KOIFMAN, L. Integralidade do currículo de medicina: inovar/transformar, um desafio para o processo de formação. In: MARINS, J. J. N. et al. (Orgs.). Educação médica em transformação: instrumentos para a construção de novas realidades. Rio de Janeiro: Abem/Hucitec, 2004. p.143-164.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 15. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2000. GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do desejo. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. HOFFMAN, L. M. A.; KOIFMAN, L. O olhar supervisivo na perspectiva da ativação de processos de mudança. Physis, Rio de Janeiro, v. 23 , n. 2, p.573-587, 2013.

SAIPPA-OLIVEIRA, G.; KOIFMAN, L. Uma reflexão sobre os múltiplos sentidos da docência em saúde. Interface (Botucatu), Botucatu, v. 17, p.211-218, 2013.

KOIFMAN, L. O modelo biomédico e a reformulação do currículo médico da Universidade Federal Fluminense. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 8, n. 1, p.49-69, mar./jun. 2001.

SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2000. 198


Exercícios sugeridos

Uma proposta pedagógica

EIXO 4 – O PROTAGONISMO DOCENTE DIANTE DOS COMPROMISSOS DA FORMAÇÃO EM SAÚDE COM O SUS

Docência na Saúde

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EXERCÍCIO 4.1

Eixo 4: O protagonismo docente diante dos compromissos da formação com o SUS

Dentre as várias temáticas discutidas no contexto dos compromissos da formação com o SUS, o texto-âncora do Eixo 4 destaca a perspectiva de uma atuação em saúde sintonizada com as necessidades do outro, com o reconhecimento/respeito da diversidade e com ênfase na construção de protagonismo, aspectos também intensamente trabalhados no Eixo 3. Sugere-se assistir ao filme “A excêntrica Família de Antônia”, para então produzir um texto a partir das afecções produzidas, com destaque para as correlações possíveis entre a história contada no filme e sua prática docente, quando se trata desses aspectos da atuação em saúde. Dados do filme: “A Excêntrica Família de Antônia”: filme de 1996 (1h45m), dirigido por Marleen Gorris, estrelado por Willeke Van Ammelrooy, Els Dottermans, Veerle van Overloop, Holanda/Reino Unido/Bélgica.

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EXERCÍCIO 4.2:

Sinopse: Em uma pequena vila holandesa, uma matriarca relembra momentos marcantes de sua vida e os curiosos personagens com quem conviveu. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, a independente Antonia voltou à cidade natal acompanhada da filha. Assim teve início uma saga familiar que atravessou gerações.

Segundo o filósofo Michel Serres, “(...) não há aprendizado sem exposição, às vezes perigosa, ao outro”. Considerando sua experiência docente, o projeto do curso no qual você está inserido e o processo formativo que você vem realizando nesta especialização, como desenvolveria essa afirmação? Que implicações um posicionamento como esse poderia trazer à prática docente?

Informações retiradas do site <http://www.adorocinema. com/filmes/filme-29758>. Acesso em 01 ago. 2014.

Objetivos e Dimensões Trabalhadas: Despertar outras sensibilidades e compreensões acerca da importância de uma formação que defenda uma prática em saúde centrada nas singularidades dos usuários, implicando o reconhecimento das necessidades do outro, o respeito à diversidade e a ênfase na construção de protagonismo.

Objetivos e Dimensões Trabalhadas: Estimular a reflexão em torno da pedagogia da vulnerabilidade, que implica a disposição para afecções, no contexto dos encontros, dimensão discutida no texto-âncora do Eixo 4. Indicação de leitura: SERRES, Michel. Filosofia Mestiça. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.

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EXERCÍCIO 4.3

Indicação de leitura: LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Tradução de João Vanderlei Geraldi. Revista Brasileira de Educação, jan/ fev/mar/abril, nº 19, 2002.

Ao discutir os desafios da formação em saúde, o texto-âncora do Eixo 4 enfatiza o conceito de experiência, remetendo ao texto de Larrosa (2004). Antes de consultar essa fonte indicada, reflita um pouco sobre como você compreende experiência e tente elaborar uma representação que reflita essa compreensão (do modo e com os recursos que achar pertinente). Parta, então, para a leitura do texto de Larrosa, buscando elementos para o aprofundamento de sua compreensão acerca dessa dimensão fundamental à prática docente, na perspectiva defendida nesse curso.

EXERCÍCIO 4.4 A discussão em torno da “técnica” tem lugar garantido quando se trata da formação em saúde, e esta é, em geral, respaldada pela perspectiva biomédica. O texto-âncora do Eixo 4 provocou alguma reflexão em você sobre o sentido e o valor da técnica no âmbito da atuação em saúde? Tendo esse tema em perspectiva, assista ao filme “Instinto” e descreva as reflexões sobre o valor da técnica que o filme lhe permitiu fazer. Com essas reflexões, desenvolva pelo menos uma problematização acerca dos modos pelos quais a técnica tem sido incorporada no contexto da docência desenvolvida no curso que você integra.

Objetivo e dimensões trabalhadas: Provocar aproximações com a dimensão experiencial – para além da perspectiva conceitual, mas passando por ela – fundamental à compreensão da docência e da formação como uma prática social, que ocorre no contexto do encontro, onde emergem múltiplas vozes, perspectivas, saberes, dizeres, compreensões, visões de mundo. 202


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Objetivos e dimensões trabalhadas: Despertar reflexões em torno do valor da técnica, em geral compreendida somente a partir do seu sentido “duro” ou “leve-duro”, tendo como referência a classificação proposta por Mehry (2002). Reposicionar e relativizar a discussão sobre a técnica, inclusive resgatando seu sentido originário como “criação, produção, arte”, remetendo ao fazer do artesão, parece ser fundamental quando se valoriza a dimensão do encontro entre seres na produção do cuidado em saúde.

Dados do filme: Instinto (Instinct). Filme dirigido por Jon Turteltab, estrelado por Anthony Hopkins, Cuba Gooding Jr., Donald Sutherland Sinopse: Em uma de suas viagens o Dr. Ethan Powell (Anthony Hopkins), um famoso antropologista, desaparece. Ele é encontrado em Ruanda dois anos depois, mas antes de ser detido ele mata três homens e fere dois. Após algum tempo o governo americano consegue sua custódia e ele passa a ser analisado pelo Dr. Theo Calder (Cuba Gooding Jr.), um psiquiatra que considera este caso uma oportunidade rara. Mas por algum motivo o Dr. Powell não fala uma única palavra, mas aos poucos esta barreira é quebrada e o médico aprende muito da vida com o antropólogo, que muitos consideram louco.

Indicação de leitura: MERHY, Emerson Elias. Saúde: a cartografia do trabalho vivo. São Paulo: HUCITEC, 2002. EXERCÍCIO 4.5

(Informações retiradas de http://www.adorocinema. com/filmes/filme-20199/, acessado em 01.08.2014)

Inicialmente, leia o poema abaixo atentamente, deixando-se tocar pelos versos de Ademar Ferreira dos Santos, do modo mais “integral” que puder.

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“Não cobiço nem disputo os teus olhos não estou sequer à espera que me deixes ver através dos teus olhos nem sei tampouco se quero ver o que veem e do modo como veem os teus olhos Nada do que possas ver me levará a ver e a pensar contigo se eu não for capaz de aprender a ver pelos meus olhos e a pensar comigo Não me digas como se caminha e por onde é o caminho deixa-me simplesmente acompanhar-te quando eu quiser Se o caminho dos teus passos estiver iluminado pela mais cintilante das estrelas que espreitam as noites e os dias mesmo que tu me percas e eu te perca algures na caminhada certamente nos reencontraremos Não me expliques como deverei ser quando um dia as circunstâncias quiserem que eu me encontre no espaço e no tempo de condições que tu

entendes e dominas Semeia-te como és e oferece-te simplesmente à colheita de todas as horas Não me prendas as mãos não faças delas instrumento dócil de inspirações que ainda não vivi Deixa-me arriscar o molde talvez incerto deixa-me arriscar o barro talvez impróprio na oficina onde ganham forma e paixão todos os sonhos que antecipam o futuro E não me obrigues a ler os livros que eu ainda não adivinhei nem queiras que eu saiba o que ainda não sou capaz de interrogar Protege-me das incursões obrigatórias que sufocam o prazer da descoberta e com o silêncio (intimamente sábio) das tuas palavras e dos teus gestos ajuda-ame serenamente a ler e a escrever a minha própria vida”

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a. Que interrogações o poema de Ademar Ferreira dos Santos pode trazer ao texto âncora do Eixo 4?

dos no texto-âncora do Eixo 4, você considera que é possível pensar em um método para ser experimentado e assumido como atitude e não um método para ser aplicado?

b. Reflita sobre a docência em saúde, problematizando-a como prática social e tomando como referência os compromissos com o SUS.

Objetivos e dimensões que podem ser trabalhadas: Estimular reflexões sobre a importância da experimentação de modos diversos no processo de transformação da lógica da formação em saúde, para além de normatizações. Dentre as dimensões que podem ser trabalhadas, destacam-se: dimensão política da prática docente e processo de trabalho em saúde.

Objetivos e dimensões que podem ser trabalhadas: Estimular reflexões acerca do caráter social e político da prática docente, que deve extrapolar a lógica transmissiva de conhecimento e promover o desenvolvimento de protagonismo nos discentes tendo em vista os compromissos da formação com o SUS.

EXERCÍCIO 4.7

EXERCÍCIO 4.6

Em que medida suas experiências de ensino na área da saúde se permitem entrelaçar pelas políticas públicas da área da saúde e da educação? Que experiências no campo da antropologia, da filosofia, da literatura e da arte você considera que poderiam facilitar esse entrelaçamento?

Frequentemente argumentamos que o exercício do protagonismo da prática docente diante dos compromissos da formação para o SUS exige um método. Tomando como base os conceitos discuti205


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Objetivos e dimensões que podem ser trabalhadas: Estimular reflexões acerca da importância de práticas docentes comprometidas com uma formação profissional em saúde que se sintonize com as necessidades de saúde da população, com os princípios e diretrizes do SUS e as DCNs, além do exercício intersetorial e interdisciplinar.

para longe de todo o céu, Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar, E tornam-nos pobres porque a única riqueza é ver.” Alberto Caeiro, em “O Guardador de Rebanhos”.

EXERCÍCIO 4.8 “Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo... Por isso a minha aldeia é grande como outra qualquer Porque eu sou do tamanho do que vejo E não do tamanho da minha altura... Nas cidades a vida é mais pequena Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro. Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave, Escondem o horizonte, empurram nosso olhar

Salvador Dalí – Menina à janela

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EXERCÍCIO 4.9

Inspirando-se nas provocações do poema de Alberto Caeiro e na experiência sensorial promovida pela obra de Sali, tomando como referência o contexto onde exerce sua prática docente, reflita e descreva:

“Na topografia irregular da prática profissional, há um terreno alto e firme, de onde se pode ver um pântano. No plano elevado, problemas possíveis de serem administrados prestam-se a soluções através da aplicação de teorias e técnicas baseadas em pesquisa. Na parte mais baixa, pantanosa, problemas caóticos e confusos desafiam soluções técnicas. A ironia dessa situação é o fato de que os problemas do plano elevado tendem a ser relativamente pouco importantes para os indivíduos ou o conjunto da sociedade, ainda que seu interesse técnico possa ser muito grande, enquanto no pântano estão os problemas de interesse humano. O profissional deve fazer suas escolhas. Ele permanecerá no alto, onde pode resolver problemas relativamente pouco importantes, de acordo com os padrões do rigor estabelecido, ou descerá ao pântano dos problemas importantes e da investigação não-rigorosa?”

a. Quais experiências dos cursos de graduação que você integra lhe fazem se sentir “pequeno”? b. Quais são potencialmente transformadoras? c. A partir dessas reflexões, o que você pensa que pode fazer em relação a esses dois campos de experiências que possa impactar o seu trabalho cotidiano? Objetivos e dimensões que podem ser trabalhadas: Provocar aproximações do cursista com a dimensão experiencial da sua prática docente em saúde, refletindo sobre as possiblidades de mudança no contexto institucional em que se insere.

(SCHÖN, 2000, p. 15).

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Objetivos e dimensões que podem ser trabalhadas: Estimular reflexões acerca do caráter social e político da prática docente, que deve extrapolar a lógica transmissiva de conhecimento e se respaldar no desenvolvimento de protagonismo do próprio docente, tendo em vista os compromissos da formação com o SUS.

A partir do fragmento acima, reflita: a. Quais são as regiões pantanosas das práticas e experiências da educação e do trabalho na saúde que se mostram mais exigentes no que tange ao protagonismo docente? b. Como ser protagonista na resolução dos problemas importantes que se apresentam nessas áreas?

EXERCÍCIO 4.10

c. Exemplifique como você poderia incorporar uma atitude protagonista na sua prática docente e descreva os argumentos com os quais você justificaria a sua importância entre seus pares.

Assista a fala de Chimamanda Adichie, uma escritora e contadora de histórias, no vídeo “O perigo da história única” (https://www.youtube. com/watch?v=EC-bh1YARsc – 18m49s). Então, reflita: a. Que contribuições as experiências narradas pela autora em sua defesa do perigo de uma história única pode trazer à leitura do texto-âncora do Eixo 4?

Referência Bibliográfica: SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e aprendizagem. Porto alegre: Artmed, 2000, p. 256.

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b. Você considera que a perspectiva trazida pela contadora de histórias pode contribuir para a nossa prática docente? c. Que articulações você pôde fazer entre as ideias apresentadas com a sua prática docente na instituição que você integra? Objetivos e dimensões que podem ser trabalhadas: Estimular a reflexão em torno do protagonismo docente (inclusive na própria prática docente e no modo como trata do conteúdo pelo qual é responsável), com destaque à importância do reconhecimento da alteridade e do perigo dos estereótipos, aspectos cruciais para a atuação em saúde.

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CONFERÊNCIA Prof. Dr. Ricardo Rodrigues Teixeira

Conteúdo multimídia AULA Prof. Dr. João Henrique Lara do Amaral

Clique nas imagens para assistir aos vídeos no YouTube.

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Narrativa na formação e práticas clínicas Uma proposta pedagógica

Docência na Saúde

Artigo

Referências


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o vivido, a valorizar como cada um se percebe num dado acontecimento quer no contexto do ensino quer do exercício profissional. Não fazem parte de um mundo pronto, também, os desconfortos, as incertezas, os saberes locais compartilhados e produzidos no cotidiano do mundo do trabalho. “A vivência e/ou a reflexão sobre as práticas vividas é que podem produzir o contato com o desconforto e, depois, a disposição para produzir alternativas de práticas e de conceitos, para enfrentar o desafio de produzir transformações” (CECCIM, 2005). É preciso poder ir além de uma posição etnocêntrica e “medicocêntrica” para poder reconhecer questões que tem sido sistematicamente ignoradas, como já nos diziam Kleinman, Eisenberg e Good (1978) ao introduzirem conceitualmente a diferença entre illness e disease. Esta distinção, hoje clássica, refere-se às diferentes perspectivas na experiência e compreensão do fenômeno do adoecimento: “médicos modernos diagnosticam e tratam doenças (diseases) - anormalidades na estrutura e função dos órgãos e sistemas corporais

Some of medicine works extremely well precisely because it treats people as being all the same; and some of medicine works very well because it treats people as all being different.

A

Howard Brody1

proposta deste texto é aproximá-los do uso da narrativa na formação e práticas profissionais em saúde como expressão de implicação, engajamento, reflexão do sujeito social que se quer formar neste curso de especialização sobre a docência em saúde. Como nos dizem Ricardo Ceccim e Mara Sordi no vídeo inicial sobre avaliação, este não é um curso que trata “de um mundo dado, de um mundo administrado”, que vocês provavelmente conheceram nas suas formações profissionais. Nesta nova proposta, a narrativa tem um lugar de destaque, na medida em que todos estão convocados a narrar 1 BRODY, Howard. Foreword In: GREENHALGH, Trisha & HURWITZ, Brian. Narrative based medicine. London: BMJ Publishing Group, 1998, p.xiii.

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- enquanto pacientes sofrem a experiência humana de adoecimento (illnesses) - experiência de desvalorização por mudanças tanto no modo de se sentir quanto na sua função social” (p.251). Nem a experiência de adoecimento narrada pelo paciente (illness) nem a doença (disease) descrita pelo conhecimento biomédico devem ser consideradas entidades, mas sim modelos explicativos. Estes diferentes modelos explicativos estão presentes nos encontros clínicos e a possibilidade dos profissionais de compreendê-los promoverá o acolhimento da diversidade e a co-construção do cuidado. Não raro, os modelos explicativos dos pacientes incluem uma ou mais das cinco dimensões dos modelos explicativos dos profissionais, quais sejam (1) etiologia; (2) sintomatologia; (3) fisiopatologia; (4) curso da enfermidade; e (5) tratamento (p.256). Eles podem ser inconsistentes, ter contradições, podem não ser totalmente articulados, mas são tentativas de explicação da vivência subjetivamente experimentada pelos indivíduos que adoecem, que podem ser silenciadas, mas estarão sempre presentes na clínica. Ao pontuarem a construção social da

realidade clínica, os autores se propõem, a partir de conceitos das ciências sociais, a desenvolver estratégias clínicas que se pretendem úteis no ensino e na prática profissionais. Neste sentido, vocês encontrarão ao final deste texto, o EXERCÍCIO 2 que, ao traduzir esta proposta, compartilha uma possibilidade de coconstrução narrativa entre vocês e seus pacientes a ser, posteriormente, discutida e apreciada entre os pares. E o que seria uma narrativa? A narrativa é uma forma lingüística, na qual os eventos se desenvolvem em uma seqüência temporal definida, ou seja, há um início, um encadeamento de eventos temporalmente situados e, pelo menos, a expectativa de um final. Uma segunda característica é a existência de um narrador e de um ouvinte para quem a narrativa está sendo dirigida, cujas diferentes perspectivas influem no modo como a narrativa é desenvolvida. A narrativa é sempre uma co-construção, função da intersubjetividade. Ela sempre reúne uma certa seleção de aspectos que são importantes para a versão que está sendo narrada. Como terceira 213


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característica, as narrativas versam sobre as pessoas, e não tanto para relatar sobre o que elas fazem ou sobre o que aconteceu a elas, mas sobretudo como elas se sentem e o que os outros sentem em relação a elas. E, ainda, uma narrativa promove o engajamento e convida o ouvinte a interpretá-la (GREENHALGH; HURWITZ, 1999, p.48) O uso da narrativa na formação e prática médicas vem se fazendo presente na literatura médica há cerca de 30 anos. Desde a década de 80, periódicos médicos renomados, como The Journal of the American Medical Association e Annals of Internal Medicine iniciaram a publicação de narrativas de médicos, nas sessões A Piece of My Mind desde 1980, e On Being a Doctor desde 1991, respectivamente. Posteriormente, também pacientes e familiares passaram a ter suas narrativas publicadas no Annals of Internal Medicine - On Being a Patient (1996). Atualmente, estas narrativas tem sido reunidas em livros. Na década de 80, também surgiram livros escritos por médicos, em especial psiquiatras, cujas narrativas sobre seus pacientes em nada se pareciam a clássica anamnese

- Oliver Sacks, Arthur Kleinman e Howard Brody, por exemplo. Posteriormente, começaram então a ser publicadas as narrativas de adoecimento vividas por seus autores. Não que narrativas sobre adoecimento nunca houvessem sido escritas. Na verdade, nas últimas décadas, tem-se valorizado e considerado mais seriamente as narrativas de adoecimento e cuidado. Atualmente, é possível até mesmo encontrar uma extensa coletânea de narrativas, registradas em texto ou vídeo, fruto de pesquisa, disponíveis ao público de língua inglesa http://healthtalkonline.org - cujo projeto teve início em 2000 (Herxheimer et al, 2000). Nos ultimos anos, começaram a surgir também os primeiros livros com ênfase nas narrativas de estudantes de medicina. Pensamos que seria interessante a todos experimentar e compartilhar a produção de narrativas sobre sofrimento e cuidado, vivências que aproximam todos nós, profissionais de saúde. Neste sentido, o EXERCÍCIO 1 é uma sugestão de uma primeira atividade, cuja dinâmica pode ser criativamente adaptada ao funcionamento dos grupos com os recursos do EAD. 214


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Não nos seria difícil concordar que se não ouvirmos as pessoas que buscam nosso cuidado profissional, não poderemos saber o que significa para essas pessoas estar vivendo seu problema de saúde no seu contexto de vida. O que talvez seja mais difícil admitir, é que muitas vezes a pessoa nos faz um relato inicial e nós completamos esta estória, atribuindo sentidos, entendimentos e desenvolvimentos à situação, que ela não nos relatou e, conforme nossas impressões, produzimos nossas ações de cuidado. Não raro, deixamos de dar atenção a medos, dúvidas e esperanças que, com a continuidade do cuidado, poderemos vir a depreender, quando tivermos a possibilidade instituída pela longitudinalidade do cuidado. Algumas vezes, poderemos perceber que o que imaginamos era diferente do que a pessoa de fato sentia, e nossas ações poderiam ter sido mais efetivas e compartilhadas. Precisamos ter clareza que durante a formação profissional, como bem documentou Byron e MaryJo Good (2000) com relação a formação médica, os alunos são sistematicamente treinados, socializados a “limpar e padronizar a narrativa do paciente”

e, desta forma, eles se tornam cada vez menos interessados pela experiência de adoecimento, considerada irrelevante no modelo biomédico. As atividades de apresentação oral e escrita sobre pacientes realizadas pelos alunos são “práticas formativas”, que não descrevem meramente a realidade, mas constituem formas de construí-la. A construção do paciente como caso clínico, como um projeto médico, define as informações apreciadas como relevantes para a elaboração do diagnóstico e das decisões terapêuticas. A discussão de casos clínicos coloca, portanto, uma questão central na formação profissional. A complexidade da experiência de adoecimento recebeu a contribuição de estudos que identificaram dois outros modos menos reflexivos presentes nas narrativas de adoecimento. Para além do modelo explicativo descrito por Kleinman e colaboradores (1978), a presença de protótipos e a associação de eventos significativos relacionados temporalmente ao adoecimento foram incorporados ao roteiro teoricamente construído da entrevista McGill MINI Narrativa de Adoecimento (Groleau et al., 2006). 215


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Esta entrevista é um roteiro semi-estruturado, qualitativo, que possibilita a produção de narrativas sobre a experiência de adoecimento ligadas a qualquer problema ou evento relacionado a saúde, incluindo sintomas, síndromes, diagnósticos médicos ou rótulos populares, e a expressão dos sentidos associados a estas experiências. Esta entrevista é estruturada em cinco sessões, e objetiva que o paciente, quem de fato detém a expertise sobre sua experiência de adoecimento, nos relate:

c) narrativas sob forma de modelos explicativos do sintoma ou da doença, incluindo rótulos, atribuições causais, expectativas de tratamento, curso e resultado; d) narrativas sobre a procura de ajuda, relatos sobre caminhos para chegar ao cuidado e relatos sobre a experiência de tratamento e adesão; e) narrativas do impacto da doença sobre a identidade, a auto-percepção e as relações com os outros.

a) narrativa inicial e temporal da experiência de adoecimento, organizada em termos da sequência de eventos;

Realizar esta entrevista requer tempo e maior disponibilidade. Se isto pode inicialmente representar uma dificuldade, por outro lado é uma facilidade, pois ela é menos passível de uma redução simplista ou de uma assimilação pela “cultura da biomedicina”, como o próprio Kleinman nos adverte acerca da compreensão estereotipada das diferentes culturas que convivem na América do Norte, onde a “competência cultural” é exigida aos profissionais de saúde (KLEINMAN;

b) narrativa sobre outras experiências prévias do entrevistado, de membros de sua família, de amigos, encontradas na mídia, e outras representações populares que importaram na significação da experiência do adoecimento do entrevistado. Estas experiências constituem protótipos relacionados ao problema de saúde do entrevistado; 216


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BENSON, 2006). Além da Entrevista McGill Narrativa de Adoecimento nos propiciar mais oportunidade para o conhecimento da experiência de adoecimento, seus significados e comportamentos decorrentes, valorizando não só o raciocínio causal como também os raciocínios analógico e metonímico potencialmente presentes na narrativa de adoecimento, ela propõe, de forma mais radical, o desafio de dar a expertise ao paciente. No início da entrevista é necessário que o entrevistador não só se apresente, mas procure demonstrar ao paciente quão interessado ele está, de fato, em conhecer o que pensa e sente o paciente sobre seu problema de saúde. É um início potente, onde a relação de saber/poder instituída deve estar em questão, e deverá permanecer em questão, para investigar o problema de saúde nomeado pelo paciente, em função do que ele considera mais preocupante ou importante para ele. Esta entrevista tem sido utilizada em pesquisa e, mais recentemente, como um recurso clínico. Em nossa experiência, estudantes do 1º e do 6º ano do curso médico a tem utilizado no contexto da Atenção Básica, assim como alunos do 3º ano, quando integram pela

primeira vez uma equipe de saúde, em enfermarias de Medicina Interna. Acreditamos que a utilização desta entrevista na formação de profissionais de saúde enriquece as “práticas formativas” na construção da realidade clínica. Nossos alunos receberam um treinamento, que consistiu na apresentação do roteiro de perguntas acompanhado de algumas orientações sobre sua utilização (ver Groleau et al, 2006), para, em seguida, realizar a entrevista, quando solicitamos a uma dupla que permitisse a gravação em vídeo com a finalidade de registro para discussão, visando a aprendizagem do grupo. Quando realizamos o treinamento no contexto da Atenção Básica, sempre o fizemos para alunos, preceptores e membros da equipe da Estratégia Saúde da Família em geral. Destacamos que houve claro interesse de alguns profissionais e dos agentes comunitários de saúde em utilizar o roteiro em visitas domiciliares. Convidamos a todos a discutir, entre pares, qual seria o melhor cenário para a realização desta entrevista no seu contexto de ensino e práticas profissionais. No EXERCÍCIO 3, a Entrevista McGill Narrativa de Adoecimento será realizada consoante 217


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o acordado nesta discussão prévia, e a reflexão posterior da experiência poderá contemplar também uma comparação com o EXERCÍCIO 2. Alguma forma de registro deverá ser escolhida de forma a dar possibilidade a uma narrativa que será discutida posteriormente pelo grupo de especializandos, de forma a permitir uma reflexão entre pares acerca desta experiência e deste recurso utilizado. A importância da narrativa na literatura médica faz-se possível em função da tensão estruturante doente/doença inerente à prática clínica. Desta forma, a narrativa vem sendo valorizada na discussão de aspectos éticos e epistemológicos do método clínico e sua transmissão na formação médica (SOUZA, 2001). Destacamos da literatura contribuições importantes, sobretudo de médicos e professores de literatura nos campos por eles cunhados de medicina baseada na narrativa (GREENHALGH, 1999) e literatura e medicina, este último passando a ser referido por medicina narrativa, desde 2001, por Rita Charon, sua principal idealizadora. Apresentaremos as principais idéias destas contribuições que, de forma consistente, buscam

tambem o ensino e o exercício da narrativa na prática clínica. MEDICINA BASEADA NA NARRATIVA A partir de um caso clínico, Dra. Greenhalgh (1998) aborda a questão da narrativa de uma forma original ao usar o “paradigma narrativo interpretativo”. Ela nos relata a seguinte vinheta clínica: Dr. Jenkins recebeu um telefonema de uma mãe que disse que sua filha pequena tinha tido uma diarréia e estava se comportando de modo estranho. Dr. Jenkins conhecia bem a família e ficou tão preocupado que decidiu interromper seu consultório, em plena manhã de 2ª feira, para visitar a paciente imediatamente (p.253).

A partir desta ação, Dr. Jenkins confirmou sua hipótese diagnóstica de meningite meningocóccica tendo esta decisão consequências definitivas para sua jovem paciente. 218


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Greenhalgh destaca que a hipótese diagnóstica foi baseada em dois sintomas muito inespecíficos (diarréia e comportamento estranho) e, ainda, por um clínico geral que havia feito apenas uma vez este diagnóstico em 96.000 consultas. Greenhalgh apresenta sua “interpretação” sobre o processo decisório ou o possível desenvolvimento do julgamento clínico realizado por Dr. Jenkins. A autora supõe que Dr. Jenkins tenha integrado criteriosamente evidências bem selecionadas (por exemplo, a diferença no prognóstico em função da administração urgente ou não de penicilina quando do diagnóstico precoce de meningite menincogóccica) com o significado potencial da expressão “de modo estranho” utilizada pela mãe da paciente ao qualificar o comportamento da filha (esta não é inclusive uma expressão freqüentemente utilizada por pais ao descrever manifestações de doenças inespecíficas em seus filhos) e, ainda, com seu conhecimento da família, que o informava não se tratar de pessoas de estilo queixoso assim como o comportamento da criança, até então, nada tinha de extraordinário. Com este exemplo, Greenhalgh argumenta sua

principal tese, qual seja, de que a medicina baseada na narrativa deve complementar a medicina baseada em evidência pois, no caso particular, as evidências são sempre parte de um história construída, portanto, uma interpretação, a partir de diversos elementos, inclusive elementos contextuais. Como nos diz a autora, se o Dr. Jenkins tivesse abandonado seu julgamento clínico em prol de uma simples adesão ao protocolo de diagnóstico precoce e tratamento de meningite, ou seja, tivesse abandonado o trabalho interpretativo em favor da orientação sugerida pela evidência descontextualizada, possivelmente a paciente não teria sido salva e o trabalho médico teria resultado frustrante, como freqüentemente tem sido registrado em estudos sobre a aplicação pelos profissionais dos resultados da pesquisa baseada em evidências. Enfatiza Greenhalgh (1998): “as ‘verdades’ estabelecidas pela observação empírica de populações em ensaios controlados randomizados e estudos de cohorte não podem ser mecanicamente aplicados a pacientes individuais cujo comportamento é irremediavelmente contextual e idiossincrático” (p.251). 219


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Podemos considerar que ter a disponibilidade subjetiva de ouvir atentamente a narrativa do paciente é uma possibilidade de dar sentido ao conhecimento biomédico tanto para a pessoa que se sente doente quanto para o profissional. E, ainda, o engajamento com a narrativa do paciente é uma decisão que contém uma dimensão ética, pois expressa o compromisso do profissional com os interesses do paciente. John Launer (2002) em seu livro sobre a abordagem narrativa na atenção primaria destaca que os profissionais da atenção primaria são “facilitadores de estórias” e, de fato, considera que “a principal função do cuidado na atenção primaria é ajudar as pessoas a desenvolverem novas narrativas para si próprias” (p. IX).

ou como módulo eletivo, em geral, integrando o ensino das humanidades médicas, que contempla estudos em filosofia, história, direito, religião, etc. (Charon, 2000) Com o estudo da literatura pretende-se desenvolver a “competência narrativa”, aumentar a tolerância à incerteza da prática clínica e propiciar a atenção empática a pacientes. Por competência narrativa os autores enfatizam a capacidade de adotar outras perspectivas, de seguir o encadeamento de histórias complexas, por vezes caóticas, tolerar ambigüidade e reconhecer os múltiplos, freqüentemente contraditórios, significados dos acontecimentos vivenciados pelas pessoas. A partir da experiência no ensino de literatura e medicina, em 2006, Rita Charon propõe uma metodologia de ensino através do qual o aluno de medicina deve desenvolver três capacidades: atenção, representação e afiliação. Além da escrita a ser desenvolvida e registrada no prontuário paralelo, a aquisição da competência narrativa inclui atividades de leitura. Através do método de leitura atenta (close reading), os alunos buscarão ter sua atenção focada

LITERATURA E MEDICINA - MEDICINA NARRATIVA Em 1998, o ensino de literatura e medicina já havia se expandido para 74% das escolas médicas norte-americanas, a maioria sendo oferecida nos anos pré-clínicos, como parte do currículo obrigatório 220


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nos aspectos textuais de: enquadramento, forma, tempo, enredo e desejo. Charon desenvolve um programa de ensino em Medicina Narrativa na Columbia University, que compreende dois módulos, um obrigatório e outro eletivo, no 2º e 4º anos do curso médico, respectivamente. Ao longo do desenvolvimento deste programa, espera-se que o aluno adquira a competência de analisar as narrativas de adoecimento dos pacientes e, mais abrangentemente, o que Charon nomeia características narrativas da medicina: temporalidade, singularidade, causalidade, intersubjetividade e ética.

situada numa área pobre de Londres, os autores pretendem inspirar novas experiências voltadas para as necessidades de profissionais envolvidos no aprimoramento do cuidado de qualquer condição clínica complexa que cause impacto na saúde de pessoas, famílias e comunidades.

Como toda narrativa e um convite a interpretação, quando ela é narrada em grupo, promove o diálogo entre as diversas interpretações dos ouvintes. No EXERCÍCIO 4, novamente, convidamos a todos para discutir entre pares qual seria o melhor cenário, no seu contexto de ensino e práticas profissionais, para o aproveitamento do roteiro na realização da discussão entre profissionais que compartilham um mesmo serviço. A experiência deverá ser registrada sob forma de áudio, vídeo ou mesmo notas de um observador participante com ênfase nos consensos e dissensos do grupo. O registro dará possibilidade a uma narrativa que será discutida posteriormente pelo grupo de especializandos, de forma a permitir uma reflexão entre pares a cerca desta experiência e deste recurso utilizado. Para viver a aposta deste curso, concordamos com Ceccim (2005):

A narração de estórias de adoecimento foi utilizada de forma criativa por Greenhalgh & Collard (2003) na identificação de necessidades de aprendizagem de uma equipe multiprofissional que buscava desenvolver ou modificar o funcionamento de um serviço local. Através da narrativa de uma experiência contextualizada que envolveu a comunidade Bangladesh com alta prevalência de diabetes

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Precisamos [...] trabalhar no deslocamento dos padrões de subjetividade hegemônicos: deixar de ser os sujeitos que vimos sendo, por exemplo, que se encaixam em modelos prévios de ser profissional, de ser estudante, de ser paciente (confortáveis nas cenas clássicas e duras da clínica tradicional, mecanicista, biologicista, procedimento-centrada e medicalizadora). Se somos atores ativos das cenas de formação e trabalho (produtos e produtores das cenas, em ato), os eventos em cena nos produzem diferença, nos afetam, nos modificam, produzindo abalos em nosso “ser sujeito”, colocando-nos em permanente produção. O permanente é o aqui-e-agora, diante de problemas reais, pessoas reais e equipes reais (p. 167).

gestão dos serviços através do compartilhamento de narrativas de seus profissionais.

Finalizamos apresentando a seguir os roteiros relativos aos EXERCÍCIOS propostos para estimular a produção, o ensino e a pesquisa de narrativas do adoecimento e do cuidado, inclusive visando a

2. Quem contou a história, escreve sobre a experiência de ter contado a história para o outro.

EXERCÍCIO 1: Este exercício foi aprendido e ricamente vivenciado com Eliana Goldfarb Cyrino na aula “Narrativas na Educação, na Prática Profissional e na Pesquisa em Saúde”. Exercício em grupo: Narrar uma história importante para você, que envolve o cuidado e/ou o sofrimento humano... Em duplas, cada um pensará em uma história em 5 minutos, contará sua história em 5 minutos, e após contar a história: 1. Quem ouve, escreve sobre a história que lhe foi contada.

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Trocam-se os papéis e repete-se a mesma dinâmica. Todos devem ler o que escreveram. Discussão em grupo: O que perceberam? O que lhes foi significativo desta atividade? Discussão em grupo: Possibilidades de trabalho na graduação com narrativas.

1. O que você pensa que causou seu problema? 2. Por que você pensa que este problema começou naquele momento? 3. O que você pensa sobre o que este adoecimento faz em você? Como e que isto acontece?

EXERCÍCIO 2:

4. Quão grave você pensa que seu problema de saúde é? Ele terá uma duração curta ou longa?

A escolha das palavras e a formulação das perguntas podem variar conforme características do paciente, do problema, e do contexto. Kleinman, Eisenberg e Good (1978) formulam as seguintes perguntas, a titulo de sugestão, para possibilitar que o paciente fale sobre seu modelo explicativo de adoecimento. O profissional precisa ser persistente, conseguir transmitir ao paciente, de fato, interesse sobre suas idéias, as quais seriam importantes para o manejo clinico do seu problema de saúde. (p. 256) Observe que na formulação das perguntas há a valorização do que pensa e sente a pessoa que vive seu adoecimento, de forma explicita (grifado em itálico).

5. Que tipo de tratamento você pensa que você deveria receber? 6. Quais os resultados mais importantes que você espera ter com este tratamento? 7. Quais são os principais problemas que seu adoecimento tem causado para você? 8. O que você mais tem medo em relação a este problema de saúde? 223


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EXERCÍCIO 3:

3. Você pode nos dizer o que estava acontecendo quando você teve seu (PS)?

Entrevista McGill MINI Narrativa de Adoecimento Versão genérica para Doença, Adoecimento ou Sintoma. (GROLEAU; YOUNG; KIRMAYER, 2006)

4. Estava acontecendo alguma coisa a mais?

Seção I. NARRATIVA SOBRE A EXPERIÊNCIA INICIAL DO ADOECIMENTO

5. Você procurou algum tipo de ajuda, tratamento espiritual, tratamento alternativo ou tratamento de qualquer outro tipo? Nos fale sobre como foi e o que aconteceu depois.

1. Fale sobre a primeira vez que você sentiu que estava com o seu problema de saúde ou dificuldade (PS).

[Repita quando for necessário para obter experiências e acontecimentos contíguos]

[Deixe a narrativa ir o mais longe possível, apenas motivando com perguntas: Então, o aconteceu? E então? Substitua os termos do entrevistado por ‘PS’ nesta e nas perguntas subsequentes]

6. Se você procurou um médico, conte-nos sobre sua ida ao médico / hospitalização e sobre o que aconteceu depois.

2. Nós gostaríamos de saber um pouco mais sobre como foi que você se sentiu. Você pode nos dizer quando você se deu conta que tinha esse problema (PS)?

6.1 Você fez exames ou tratamentos após seu (PS)?

224

[A relevância desta questão depende o tipo do problema de saúde]


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Seção II. NARRATIVA DE PROTÓTIPO

[se a resposta à questão 9 for sim então pergunte a questão 10]

7. No passado você já teve algum problema de saúde que você considera semelhante ao seu atual (PS)?

10. Em que o seu (PS) é semelhante ou diferente do problema de saúde da outra pessoa?

[se a resposta à questão 7 for sim, então pergunte a questão 8]

[Em caso de ser um problema crônico, comparar a presença da experiência no presente com a experiência da mesma doença no passado. Atentar para as particularidades da percepção da temporalidade em portadores de determinados transtornos mentais.]

11. Você conhece alguém, que não seja da sua família, que teve um problema de saúde semelhante ao seu?

[se a resposta à questão 11 é sim então pergunte a questão 12]

12. Em que o seu (PS) é semelhante ou diferente do problema de saúde da outra pessoa?

8. Em que o seu problema de saúde passado é semelhante ou diferente do atual (PS)?

[listar as semelhanças e as diferenças]

[listar as semelhanças e as diferenças]

[listar as semelhanças e as diferenças]

13. Alguma vez você ouviu no rádio, leu numa revista ou livro, ou viu na televisão ou na Internet uma pessoa que tivesse o mesmo (PS) que você?

9. Alguma pessoa da sua família teve um problema de saúde semelhante ao seu? 225


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[se a resposta à questão 13 é sim então pergunte a questão 14]

18. Aconteceu alguma coisa dentro do seu corpo que poderia explicar o seu (PS)?

14. Em que o problema de saúde dessa pessoa é semelhante ou diferente do seu?

19. Na sua família, no seu trabalho e na sua vida em geral estava acontecendo alguma coisa que pudesse explicar o seu (PS)?

[listar as semelhanças e as diferenças]

20. Você pode me dizer como isso explica o seu (PS)?

Seção III. NARRATIVA DE MODELO EXPLICATIVO 15. Você tem um outro termo ou expressão que descreva seu (PS)?

21. Você pensou que você poderia ter um <INTRODUZA A PALAVRA QUE DESCREVE O SINTOMA OU O MAL-ESTAR NA LINGUAGEM POPULAR>?

16. Na sua opinião, o que causou seu (PS)? [Listar causas primárias]

22. O que <NOME POPULAR> significa para você?

16.1 Tem alguma outra causa que você acha que contribuiu para isso? [Listar causas secundárias]

23. O que geralmente acontece com pessoas que tem <NOME POPULAR>?

17. A seu ver, por que o seu (PS) se iniciou naquele momento?

24. Qual é o melhor tratamento para pessoas que tem <NOME POPULAR>? 226


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25. Como as outras pessoas reagem diante das pessoas que tem um <NOME POPULAR>?

30.1 A outra pessoa que você procurou para o seu (PS), o que essa pessoa falou que era o seu problema?

26. Quem você conhece que já teve este <NOME POPULAR>?

31. O seu médico passou algum tratamento, remédio ou recomendações para você seguir? [listar todos]

27. De que forma o seu (PS) é semelhante ou diferente do PS daquela pessoa?

31.1 A pessoa que você procurou passou algum tratamento, remédio ou recomendações para você seguir? [listar todos]

28. Você considera que o seu (PS) está relacionado a coisas que aconteceram na sua vida?

32. Como você está lidando com cada uma dessas recomendações? [Repita a questão 33 a 36 para cada recomendação, remédio e tratamento listado]

29. Você pode nos contar um pouco mais sobre esses acontecimentos e de que modo estão ligados ao seu (PS)? Seção IV. SERVIÇOS & RESPOSTA AO TRATAMENTO

33. Você está conseguindo seguir este tratamento (recomendação ou medicação)?

30. Durante a sua ida ao seu médico para o seu (PS), o que o seu médico falou que era o seu problema?

34. Você acha que este tratamento funcionou bem? Por quê?

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35. Você acha que este tratamento foi difícil de seguir ou não funcionou bem? Por quê?

42. Como o seu (PS) mudou o modo das pessoas te olharem?

36. Que tratamentos você esperava receber para seu (PS) que você não recebeu?

43. O que te ajudou a passar por este período da sua vida?

37. Que outra terapia, tratamento, ajuda ou cuidado você buscou?

38. Que outra terapia, tratamento, ajuda ou cuidado você gostaria de receber? Seção V. IMPACTO SOBRE A VIDA

[Em caso de ser um problema crônico, comparar a presença da experiência no presente com a experiência da mesma doença no passado. Atentar para as particularidades da percepção da temporalidade em portadores de determinados transtornos mentais.]

44. Como a sua família ou amigos te ajudaram a passar por este período difícil da sua vida?

39. Como o seu problema de saúde modificou a sua vida?

40. Como o seu (PS) mudou o modo como você se sente ou pensa sobre você mesma? 41. Como o seu (PS) mudou o modo como você vê a vida em geral?

228

[Em caso de ser um problema crônico, comparar a presença da experiência no presente com a experiência da mesma doença no passado. Atentar para as particularidades da percepção da temporalidade em portadores de determinados transtornos mentais.]


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45. Como a sua fé, sua vida espiritual ou alguma prática religiosa ajudou você a atravessar este período difícil da sua vida?

1. Sobre quem é esta estória?

3. O que aconteceu nesta estória?

2. Por que você escolheu esta estória?

[Em caso de ser um problema crônico, comparar a presença da experiência no presente com a experiência da mesma doença no passado. Atentar para as particularidades da percepção da temporalidade em portadores de determinados transtornos mentais.]

4. Como a(s) pessoa(s) desta estória se sentiram ou reagiram? 5. Qual foi o desfecho? 6. Alguma coisa deveria ter sido feita de forma diferente? Se sim, o quê e como?

46. Tem alguma coisa mais que você queira falar?

7. Que questões esta estória levanta?

EXERCÍCIO 4:

8. Quais são os aspectos aprendidos por você e pelas outras pessoas? Quais são os aspectos aprendidos para o desenho e desenvolvimento de serviços nesta área?

Sem nenhuma pretensão de formular o modo “correto” de compartilhar uma estória ou de obter a partir dela um aprendizado, Greenhalgh & Collard (2003) sugerem um conjunto de questões visando a discussão de profissionais que compartilham de um mesmo serviço:

9. Algum outro comentário?

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CECCIM, Ricardo B. Educação permanente em saúde: desafio ambicioso e necessário. Interface, Botucatu, v. 9, n. 16, p. 161-168, set.2004/ fev.2005. CHARON, Rita. Literature and medicine: origins and destinies. Academic Medicine, v. 75, n. 1, p. 23-27, 2000.

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O portfólio reflexivo e a metacognição narrativa Uma proposta pedagógica

Docência na Saúde

1. Introdução

2. O portfólio reflexivo

3. A metacognição narrativa

4. Narrativas: reflexividade, subjetividades, intersubjetividades e humanidades

5. Algumas considerações finais Referências


1

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Introdução

U

ma questão palpitante, pertinente a qualquer proposta de formação, é a avaliação. Que a avaliação deve ocorrer é algo implícito em todo processo de ensino que envolve certificação. Ainda assim, pode-se perguntar: certificação daquilo que foi aprendido ou certificação de cumprimento de requisitos? Requisitos provenientes daquele que ensina ou de pactos coletivos dos atores do ensino-aprendizagem? Quais são os atores do processo de ensino-aprendizagem? Apenas docentes e alunos ou “ensinantes” e “aprendentes”, que podem ser diversos e ocupar diversos lugares, constituindo “territórios” ao aprender/ensinar e mesmo constituindo-se como ensinantes e/ou aprendentes ora uns, ora outros, entre tantos personagens ou acontecimentos, em cena ou presentificadosmediante variados acessos? As expressões “ensinante” e “aprendente” foram usadas aqui unicamente para dizer que aprendemos e ensinamos em contextos, de maneira consciente ou tácita, por meio do uso da razão ou da sensação. Uma avaliação envolve aprendizados em um percurso programado quando se trata de um curso e, ao

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longo da vida, quando se trata de saberes sobre si ou a partir de si. Nem sempre podemos dizer “se” ou “o que” aprendemos, mas podemos relatar o que fizemos, como nos envolvemos, que situações nos despertaram maior interesse, dificuldade, prazer... Podemos relatar e podemos fazê-lo de maneira “reflexiva”, de modo a compartilhar com aquele que se ocupa de nos ensinar quais percursos e processos sua proposta ou seu “agenciamento” despertou-nos, como nós vemos o que fizemos ou o que passamos a pensar. Também podemos fazê-lo de maneira “fabulatória”, narrando por ritmos, vibrações e velocidades, não por fatos: narrativa de si, sem uma “história” (linearidade/sequencialidade), mas plena de “estados” (estória ou “nossas histórias”). A primeira responde por certo periodismo, relacionada a tarefas, etapas e/ou fases que se sucedem, decorrendo da presença dos fatos. A segunda é reversível, inusitada, passados que se tornam presentes (retorno ativo), presentes que se tornam passados (esquecimento, silenciamento), sem periodismo, sem a presença dos fatos, decorrente dos devires: presença de imagens (“qual a sua/quais as suas

batida/s”?), história das vibrações “agora” (pressões do futuro sobre o antes e o agora). Nas teorias da aprendizagem, dá-se ênfase aos processos de aquisição do conhecimento; nas teorias cognitivas, o objeto de estudo é a aquisição dos processos cognitivos. Para a pedagogia, trata-se de compreender e explorar como acontecem o processo de ensino e aprendizagem ou as relações de aprendizagem. A aprendizagem ocorre por descoberta, pela exploração de alternativas, pela disciplina de estudo, pela inferência de relações entre ideias, pela liberdade em contextos desafiadores, pela “invenção” de problemas (a convocação diante do vazio/enxergar o vazio, desejo irreprimível/vontade de potência). A educação, considerada como direito humano e social por excelência, necessita buscar um horizonte mais amplo para a inclusão de concepções pedagógicas que produzam protagonismo participativo. Para despertar, redescobrir, incrementar ou ativar práticas docentes que respondam aos desafios da aprendizagem e às exigências sociais contemporâneas, deve-se ter em perspectiva que as aprendizagens profissionais não são apenas intelectivas, mas são também sobre a susten235


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tabilidade planetária e o acolhimento da pluralidade e da diversidade humana, precisando aceitar ativamente a heterogênese (rever valores, “transvalorar” valores, diferir de si mesmo no seu próprio desenvolvimento). Qualquer mudança social ou nos atores implicados em sua busca passa pelos processos formativos. Na formação em saúde, um processo de mudança vem sendo ensejado desde os anos 1970, mas é recente o debate para que processos de mudança incidam precisamente sobre os processos formativos. A mudança nos processos formativos orientava-se sobre as necessidades de mudança naquilo que é preciso saber (ou naquilo que é preciso ensinar), isto é, sobre os objetos de aprendizagem, não sobre os processos cognitivos ou sobre a pedagogia universitária. Observase a falta de densidade de análise e de pesquisa-ação sobre a prática docente na universidade, assim como sobre seus reflexos no desenvolvimento intelectualcognitivo do estudante. Uma formação “inovadora”, em todos os seus componentes de interesse e relevância social, pode auxiliar na redefinição das práticas cognitivas, assim como incidir em mudança nas práticas de atenção à saúde,

além de repercutir nas práticas de gestão do setor e na ampliação “da” e “com respeito à” participação popular. A “inovação” implica conhecer a si mesmo, sua própria prática cognitiva e o que em si mesmo requer movimento de mundo e de abertura à heterogênese (ao “outramento”, ao contato ativo com a alteridade). A formação em saúde deve dialogar com o sistema de saúde vigente no País, o Sistema Único de Saúde – SUS, e seus princípios, com uma gestão do ensino e da atenção que reconheça o outro, implicando-o na produção do ensino e da atenção1, assim como na investigação, na construção diagnóstica e do projeto terapêutico2, na elaboração dos mapas de vulnerabilidade e risco3, e no controle social (CECCIM; 1 A compreensão dessa noção pode ser aprofundada em Feuerwerker (2004), Ceccim e Pinheiro (2006), Ceccim e Ferla (2011). 2 Pode-se sugerir a leitura de Ceccim e Capozzolo (2004). 3 O conceito de vulnerabilidade deve ser valorizado na discussão, pois possibilita uma leitura mais singular da situação de cada indivíduo ou coletivo, assim como busca enfrentar as insuficiências da generalização do conceito de risco (e grupos de risco). É preciso compreender como um sujeito singular emerge em meio à vida e à situação de adoecimento, e como operam desejos e interesses, assim como trabalho, cultura, família e rede social, voltando-se, portanto, às potências de vida e saúde daquele que sofre (BRASIL, 2010).

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FEUERWERKER, 2004). As novas realidades exigem dos trabalhadores em saúde a aprendizagem de escuta, que complexifique e ultrapasse a clínica e a saúde coletiva por meio da problematização do processo de formação em saúde, que seja capaz de dar acolhimento e produzir cuidado às várias dimensões e necessidades do outro (CECCIM, 2005, 2006). A racionalidade técnica precisa dar lugar à singularidade do encontro pela escuta ampliada, por novos olhares e pela potencialização da voz do outro no exercício da integralidade, interdisciplinaridade e intersetorialidade, também para a construção de ações orientadas pela maior resolubilidade dos problemas de saúde das pessoas e coletividades. Schön (2007) discute o conceito de racionalidade técnica como sendo uma epistemologia da prática, nesse caso, derivada da filosofia positivista, construída na fundação da universidade moderna, dedicada à pesquisa e que diz que os “[...] profissionais são aqueles que solucionam problemas instrumentais, selecionando os meios técnicos mais apropriados para propósitos específicos.” (SCHÖN, 2007, p.16-17). A questão que se coloca é que na

vida real os problemas práticos do mundo não se apresentam aos profissionais com estruturas perfeitamente definidas, assim, o aprofundamento complexo e o debate tornam-se questão para a melhor aprendizagem. Na formação e na atenção em saúde, espera-se que um “aprendente” aprenda a levar em conta o outro, e que o saber científico sirva principalmente para dar conta da particularização que o momento do contato da atenção pressupõe, reconhecendo que o ato clínico em saúde só se resolve na solução do problema e satisfação do usuário. No campo coletivo, espera-se que a formação em saúde opere de maneira sensível e respeitosa com a identificação dos múltiplos problemas e histórias trazidos pelos usuários, integrando interpretações, temores, valores, desejos, afetos e crenças que precisam ser adequadamente mobilizados diante das iniquidades e dos contextos da vida. Isso implica uma formação para a alteridade4 que seja capaz de congregar a noção plural das experimentações e, portanto, de projetos terapêuticos, reconhecendo que todos têm 4 Sobre conceito de alteridade, ver Abbagnano (2003).

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poder na definição das finalidades e dos meios do trabalho em saúde. As metodologias participativas no ensino5 devem servir para ampliar a capacidade de problematização, com práticas de ensino pautadas no fomento colaborativo, ético e crítico, ultrapassando os limites do treinamento puramente técnico, para o intercâmbio coletivo de conhecimentos, experiências, sentimentos e vivências. No campo da formação em serviço, espera-se que a supervisão de estágio seja desafiadora para a invenção e recomposição de cotidianos, com a introdução da perspectiva do matriciamento interprofissional6, das redes inte-

gradas de saúde, da interface com outros setores das políticas públicas e da articulação de linhas de cuidado, além da renovação criativa das interações entre ensino, pesquisa e sistemas e serviços de saúde com o propósito de adensar a formação do profissional para o SUS. Em um curso, a maturação de ideias, de conceitos e de desafios intelectuais depende do pensamento ou daquilo que é posto em reverberação, mas cabe ao proponente organizar chances objetivas de maturação, de integração entre pares para o compartilhamento coletivo e de conversação sobre processos e acordos de aprendizagem. Nesse sentido, a organização de informação sobre percursos, compromissos e aprendizados nos aponta quais interações e integrações estão se sucedendo, “se” e “de que modo” as informações estão ampliando os saberes docentes, permitindo o refinamento de conhecimentos prévios ou seu abandono e recompondo as representações do mundo, mediante a capacidade de ultrapassar o momentâneo e desenvolvendo estratégias “ensinantes”, assim como desenhos atuais ao passado-presente-futuro. Como

5 As metodologias participativas são aquelas que fomentam as interações, o diálogo e a troca de saberes para a sistematização do conhecimento e a proposição de movimentos investigativos e de intervenção que tomem as questões que atravessam e constituem o cotidiano da saúde como questões de educação. Para tal, colocam os processos de trabalho docente e os cotidianos reais dos serviços de saúde na cena educativa, com possibilidades de pensar e exercitar práticas de ensino-aprendizagem que favoreçam a interprofissionalidade, a educação “no” e “pelo” trabalho e práticas de rede no ensino, na gestão e no cuidado em saúde, entre outras. 6 O matriciamento é uma estratégia para promover a interlocução entre profissionais e distintos equipamentos da rede de serviços de saúde, com o objetivo de organizar o processo de trabalho e aumentar a resolubilidade do sistema de saúde (ALMEIDA; FAUSTO; GIOVANELLA, 2011).

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saber se “circulam” entre os alunos a descoberta, situações problema que os fazem pensar e analisar ou a compreensão e assimilação de conhecimentos e práticas (aprendizagem)? Essa “consciência” envolve a avaliação do observador mediador das aprendizagens, a auto-avaliação do aprendente, a organização da informação sobre percursos e a narrativa de si sobre o singular que é a vida, na qual se criam e se recriam, o tempo todo, pontes metafóricas entre realidade e ficção (BARTHES, 1984)7. Se consideramos a necessidade da avaliação como parte de um fazer-nos pensar e, ao mesmo tempo, oportunidade para um exame dos aprendizados, podemos perceber ou tomar ciência dos nossos próprios processos de pensamento e de como a reflexão pode fazer parte do ensino-aprendizagem. O instrumento do portfólio reflexivo em educação, nesse caso, nos aporta uma metodologia. Se, por outro lado, reconhecemos que o passado condiciona a passagem do presente por sua condição de coexistência virtual das diversas e heterogêneas dimensões

do presente, aquilo que convoca o presente, então aquilo que o força a passar, é o futuro, é quando um abalo no nosso presente ocorre. Pimentel (2010, p.111) coloca assim: “[...] aqui, a questão contemplativa torna-se ‘o quê vai se passar?’”. Convocação que não tem nada de conciliadora: tempo que ameaça o presente e, por isso mesmo, ameaça também a identidade do sujeito que o afirma. Para esta última construção, o instrumento de uma fabulação (narrativa de si) foi pensado para o curso em adição ao portfólio reflexivo em educação: o instrumento de metacognição narrativa. Portfólio reflexivo e Metacognição narrativa serão dois instrumentos apoiadores da avaliação de um curso-percurso, apoiadores do próprio curso e do percurso. Compete a um a estratégia “reflexiva” (acervo, comentários e opinião crítica), ao outro a estratégia “poiética” (ensaio, biografia, narrativa de si). O primeiro é documental, o segundo é fabulatório. O portfólio é como um memorial, a metacognição é a sua “falsificação”, o portfólio contempla um percurso localizável em tudo porquanto é visível (ou desocultável), a metacognição ainda não passou,

7 Barthes não fala da pedagogia escolar ou universitária, mas de nossas biografias, uma pedagogia, nesse caso, de nossa existência.

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está em passagem, seria, talvez, o memoriazável, mas não um memorial, pois projeta “imagens” para afastar do presente os passados que não deixam o futuro passar, mostram como um docente vai se fazendo, não porque tem uma memória para contar, mas porque tem futuros para deixar passar (poiesis). No portfólio está um eu, na metacognição está um eu-outro.

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2

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O portfólio reflexivo

O

Portfólio, como um método de apoio à formação docente e avaliação inovadora, foi implementado nos meados da década de 1980, nos Estados Unidos, na Universidade de Stanford, a partir dos trabalhos de Lee Shuman (Stanford Teacher Assessment Project), evidenciando-se como um instrumento de reflexão e de melhora na qualidade docente (CAMPOS, 2012; GARCÍA; MARTÍNEZ, 2013). Desde então, vem sendo vislumbrado como uma forma genuína de formação, capaz de promover o interesse e a participação dos atores do ensino-aprendizagem, além de oferecer retroalimentação formativa e processos reflexivos sobre a prática. Se o indivíduo não frequenta simplesmente um curso, mas um processo formativo, o Portfólio irá permitir o acompanhamento e o autogerenciamento desse processo (COTTA; MENDONÇA; COSTA, 2011; COTTA et al., 2012; GOODYEAR; BINDAL; WALL, 2013; KLENOWSKI, 2007; ROSS; MACLACHLAN; CLELAND, 2009; SERDA-FERRER; CUNILL-OLIVAS; ALSINA, 2011; SILVA; FRANCISCO, 2009). No Portfólio, o estudante pode contar sua história, os esforços, as atividades realizadas, suas dúvidas,

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fragilidades, fortalezas e os seus progressos ao longo de uma formação. Ao mesmo tempo, permite informar os avanços, as resistências ou dificuldades e buscar providências para a revisão e os ajustes no processo ensino-aprendizagem. Insere-se no contexto das metodologias participativas, alicerçadas numa formação que leva em consideração o estudante como ser que constrói a história e se constrói. As metodologias participativas têm sido reconhecidas como importantes instrumentos de mudança por romperem com processos massificadores e se pautarem no princípio da autonomia. As metodologias participativas buscam no estudante a capacidade de autogovernar seu processo de formação e de reconhecer que o processo ensino-aprendizagem não acontece por transferência de conhecimentos, mas pela problematização de uma realidade complexa, o que implica o estabelecimento de relações horizontalizadas, comprometidas e produtoras de novidades ao pensamento e à ação (CYRINO; TORALLES-PEREIRA, 2004; FEUERWERKER; SENA, 2002; GOMES et al., 2010; LOPES, 2007; MITRE et al., 2008; RODRIGUES et al., 2013), assim como “invenção” de

problemas. A problematização não visa à “solução de problemas”, como quando se diz que aprender é alcançar a solução de problemas (“aprender é resolver problemas”), pois aprender pode ser a “invenção de problemas”, quer dizer, aprender não é apenas aprender a resolver problemas, mas “topar com o vazio” que exige a formulação de interesses e desequilíbrio nas respostas “esclarecedoras”, como o artista e “sua” obrigação de obra de arte, produção desde o contato intensivo com algo que não tem forma; ela devém de sua invenção diante de um não poder permanecer no conhecido (KASTRUP, 2005). Na aprendizagem ativa (“inventiva”) não há um sujeito que aprende, são as práticas cognitivas que fazem emergir sujeitos e objetos, sendo dotada de imprevisibilidade (CECCIM et al., 2007). O “aprendizado” (o aprender) não tem “finalmente”, não se fecha ou conclui em uma solução, não alcança a totalidade, nem mesmo em face da permanente “atualização”. Por isso, ocorre-nos, muitas vezes, de pensarmos “aprendi tudo errado, não é assim”; mas isso só acontece na experiência da problematização, quando um arcabouço se 242


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quebra e então começamos a aprender de novo. O aprendizado precisa, “por isso, ser sempre reativado” (KASTRUP, 2005). Cabe lembrar que ao se discutirem metodologias participativas, os processos avaliativos precisam ser revistos. Tradicionalmente, a avaliação está associada à criação de hierarquias de excelência, nas quais os indivíduos são comparados, classificados e certificados em um sistema vertical e regulatório de poder que pode, por vezes, estigmatizá-los. Ao contrário, uma perspectiva participativa de avaliação deve refletir sobre as concepções inerentes aos processos pedagógicos, seus limites e potencialidades, e sobre a heterogeneidade do corpo discente, levando em consideração sua diversidade e subjetividade para permitir qualquer transformação (MITRE et al.,2008); porém, é necessário observarmos a ocorrência da “aprendizagem”, não apenas as qualidades recognitivas. Assim, conforme Álvarez Méndez (2007, p.77), a avaliação deve ser convertida, em uma “[...] oportunidade na qual o aluno pode contrastar suas aquisições, sem temor de ser sancionado [...] por seus erros [...]”. Para o autor “[...] a sua importância reside no fato de que

nesse momento, quem ensina e quem aprende se encontra [...]” (ÁLVAREZ MÉNDEZ, 2007, p.77), nessa condição, confrontam-se racionalmente os efeitos de suas ações. O Portfólio, ao possibilitar a avaliação formativa e contínua, coloca em evidência o processo de formação, suas especificidades, diversidades e particularidades individuais. O diálogo interativo entre os companheiros da mesma jornada e o mediador (tutor, facilitador, formador), diante das incertezas e descobertas, ajuda no desenvolvimento do processo reflexivo sobre a própria formação, reconhecendo-a como multidimensional e não sequencial. Os feedbacks que vão sendo construídos nesse processo podem produzir mudança, responsabilidade e compromisso (DRIESSEN et al., 2007; LONKA et al., 2001). De acordo com Freire (1986, 2006), a educação começa com a problematização (a dúvida ou incerteza, o incômodo com uma resposta não pronta, o desconforto intelectual), sinaliza uma atitude dialógica, de roda de conversa, de círculo de cultura, sem lugar para uma atitude de dominação e segregação do saber. Por intermédio de um de243


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bate crítico, o conhecimento é compartilhado em suas múltiplas faces, sempre revisado e ampliado, e nossas convicções são reorganizadas, tomando-se posse do saber e consciência de seu poder. Dessa maneira, aposta-se na produção de um intenso diálogo, embasado no profundo respeito ao outro, nos encontros e desencontros de ideias e opiniões, no intercâmbio para a construção do conhecimento e numa produção dialógica na qual os participantes ativamente aportam suas experiências e esforços para o desenvolvimento de ações colaborativas. Para Lopes (2007, p.81), “[...] a educaçãoé um processo contínuo e respeitoso de diálogo, no qual o conflito gera diferença e aprendizado, e educador e educando devem indistintamente ser tomados a sério”. As interações coletivas, propiciadas ao longo da formação, nos encontros presenciais e a distância, possibilitam que os atores do ensino-aprendizagem interajam em muitas dimensões no desenvolvimento de valores e habilidades para o trabalho interdisciplinar, interprofissional e intersetorial, devendo reportá-las no Portfólio. Como espaço privilegiado para a produção de novos sentidos

e afetos, por sua dimensão temporal, retroativa, interativa e proativa, o Portfólio refletirá o esforço colaborativo para o trabalho coletivo, ao longo da formação. Com a problematização de situações vividas e narrativas do cotidiano nos espaços e encontros de formação em saúde, em especial por meio das escritas, mas também pela utilização de outros recursos instigantes, como a literatura, notícias, obras de arte, poemas, músicas, filmes, fotografias e charges, dentre outros que podem ser incorporados, almeja-se a observação atenta sobre produções e sobre a introdução de perguntas no conhecimento e nas práticas docentes, um efeito de reverberação nos saberes docentes e a ativação de processos aprendentes “novos” (CECCIM; FERLA, 2006; FERREIRA, 2014; FEUERWERKER, 2011; NÓVOA, 1995; SCHOLZE, 2008). No Curso de Especialização em Docência da Saúde, para fins organizativos e de acompanhamento do processo ensino-aprendizagem, optou-se por trabalhar com o Portfólio Reflexivo em Educação mediante três dimensões. Alerta-se, todavia, que não se trata de uma cisão entre trabalho coletivo 244


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e o individual, ou entre trabalho teórico e o prático, ou entre aquilo que parece mais objetivo e o mais subjetivo, ou ainda o que se contempla como mais ou o menos valioso. Considera-se o Portfólio um instrumento dinâmico, colaborativo, sensível e crítico, no qual é possível a aproximação, o diálogo e o entrelaçamento das partes que devem alimentar-se mutuamente na construção de um processo formativo integrado e integrador. O Portfólio será composto por:

ao seu início e implementado ao longo do mesmo, cujo desfecho acontecerá no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) com defesa pública e subtematização individual, conforme legislação vigente, como parte da implementação de uma ação coletiva e institucional junto à Instituição de origem; c) Análise do percurso – composto por escritas autonarrativas, que são as vivências dentro do curso, sobre a trajetória de estudos, vivências, experimentações, conversas, surpresas, descobertas, sustos, estranhamentos epistemológicos, reflexões-na-ação sobre visão de mundo e da realidade profissional etc., que repercutem no seu projeto de intervenção e que apostam na mudança institucional.

a) Relatos reflexivos – construídos pelo trabalho coletivo e individual, desenvolvidos a partir das tarefas, dos eixos e das transversalidades proporcionadas pelo curso, demandados pelo trabalho com os conteúdos, exercícios ou ações práticas na realidade, mobilizados pelo mediador, pares ou coordenação e que devem estar postados na Plataforma, ao longo do curso;

O estudante construirá o Portfólio transversalmente ao curso/percurso em diferentes momentos e movimentos de sua formação:

b) Relato do Projeto de Intervenção – construído para a seleção ao curso, recomposto 245


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a) Quando inicia o curso, no formato de um Memorial de Abertura – como chegou ao curso, sua trajetória docente, suas expectativas, o porquê de sua escolha de estar no curso, as contribuições que pensa poder dar ao processo, entre outras. O Memorial de Abertura conterá um pouco da História de vida (experiências pessoais no campo da saúde e docência, formação e vivências singulares, resumidamente, aquilo que me constitui como ser humano/profissional/docente/estudante e aquele/a que sou hoje?); Experiências profissionais na atenção, gestão, participação e ensino da saúde (experiências de trabalho docente, assistencial, gerencial e participativo no âmbito da saúde e suas interfaces, que impactaram, fizeram refletir e transformar a prática relativamente ao olhar/escutar o outro); Vivências docentes (experiências vividas que me constituem academicamente no uso de teorias, currículos e práticas pedagógicas, casos particulares de aprendizado sobre ensinar, aprender e

avaliar); Vivências de gestão no ambiente universitário (atuação em colegiados, instâncias de gestão, grupos e/ou equipes curriculares, interdisciplinares, intersetoriais e outros); Vivências de extensão e pesquisa (pertencimento a grupos de investigação e de extensão, representatividade da produção científica e contatos com a pós-graduação). b) Durante seu processo de formação, Percurso – mediante as tarefas do curso em cada eixo, à medida que avança no curso, relacionando os conhecimentos que está adquirindo às suas experiências. c) Ao final do processo de formação, Memorial de Encerramento – balanço conclusivo, auto-avaliação, avaliação do curso, avaliação da experiência, avaliação da intervenção. Essas produções serão como diferentes possibilidades de reflexão de si e das vivências formativas, devendo incluir pensamentos, valores, sentidos e 246


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afetos mobilizados durante o percurso formativo. Têm o papel de auxiliar o estudante a desenvolver a capacidade analítica e comunicativa, a qual poderá resgatar, revisitar e ressignificar, quantas vezes se fizerem importantes. Nessa direção, as escritas narrativas como rememorações de experiências vivenciadas são individuais e devem possibilitar ao estudante rever, ressignificar, retomar, (re)organizar objetos de conversa ou ação (KIEREPKA; GÜLLICH, 2013; ROCHA; REIS, 2013; SCHOLZE, 2007). Com efeito, o desenvolvimento textual contempla um movimento de tessitura, que implica refletir sobre o próprio percurso e compromisso, as próprias emoções81, a própria aprendizagem e sobre as mudanças que se deseja (KLENOWSKI, 2007).

8 De acordo com Claxton (1999), existe uma forte necessidade de se compreender o lugar que ocupa a emoção na aprendizagem, assim como de se desenvolver a capacidade de conhecê-la, gestioná-la e tolerá-la.

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narrativa, assim como o canto, o drama, a ficção e o teatro, entre outras linguagens artísticas, contempla nossa experiência segundo as sensações daquilo que nos acontece(u). Estruturada no mesmo formato de história, é também uma história de ficção, não se desenvolve pela narrativa dos fatos, mas pela narrativa singular de si, desde sua constituição ou consistência subjetiva. A Metacognição Narrativa atravessará o curso todo como um único texto que não termina de ser escrito até a sua conclusão no término do curso, tendo uma única versão a cada vez que é consultado, mesmo que sempre “em obra”/“in progress”. Esse instrumento deve ser compreendido como um elemento integrador entre o aprendizado (acontecimento) e o ensino (oportunidades). Foi pensado como uma ação que ocorre durante todo o processo educacional e não apenas em momentos específicos, caracterizado como “envio ao mediador” em períodos demarcados de tempo(a cada 5 semanas). A metacognição narrativa é uma oportunidade de ver a emergência do eu-outro do processo de en-

A metacognição narrativa

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sino-aprendizagem, sem compromisso com fatos, sequências, fidelidades de processo. A metacognição narrativa pode ser situada como espaço “entre”, tempo não sequencial entre as “aprendizagens” e as “metas e seu itinerário”, entre as “aprendizagens” e as “avaliações e auto-avaliações”, entre a aprendizagem e o portfólio. Como uma espécie de autobiografia, aproxima-se do que Barthes designou por Biografema, neologismo que passou a fazer parte da teoria literária, dos fatos da vida civil para signos da produção de existência. Diz Barthes (1994, p.51, grifo do autor), “[...] gosto de certos traços biográficos que, na vida de um escritor, me encantam tanto quanto certas fotografias; chamei esses traços de biografemas; a Fotografia tem com a História a mesma relação que o biografema com a biografia”. Trata-se dos fragmentos ou detalhes ou pormenores que imprimem novas significações, são “biografias”, mas também são “criações”. Nessa medida, orientadas mais para o futuro, para o vir a ser, do que para o passado, mais par o registro das experimentações, e não das ações. Menos o registro das experiências e mais o registro das ex-

perimentações, menos as reações e mais os efeitos. É a fabulação de um percurso, não a memória ou síntese de um percurso. A Metacognição Narrativa é a fabulação do professor que éramos, que somos, que estamos em via de nos tornar. É o professor que pede passagem em nós, que pressiona nossos passados e presentes, que não nos deixa mais desenhados no professor que temos sido ou somos. Não há forma para essa fabulação, é preciso deixar falar, escrever, narrarse. Que docência “vê”, vem vendo, começa a ver, deseja. Se o portfólio tem uma origem no passado, a fabulação tem origem no futuro, é como a ficção científica, mas um futuro não imaginário, a pressão por um futuro a existir, por vazar no presente, rompendo o passado. Importante dizer que não se trata de uma ruptura com o passado, como se ele não nos constituísse, mas a apropriação dos passados que virtualmente estavam em cena, ainda que não conquistassem história em nós (mas histórias em nós). É por isso que não se refere a uma docência “que agora faremos”, mas a uma docência “por fazer”, trata-se do alcance político de uma renovação, não 249


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da imposição de uma nova forma, outra verdade, melhor e da qual eu talvez me afaste, pois não sou eu na cena ideal. O Portfólio Reflexivo e a Metacognição Narrativa andam juntos, mas de maneira aparalela, ou com uma “evolução aparalela”, uma vez que um documenta e o outro é aquilo que vaza, um é paralelo ao ensino, o outro é dos aprendizados aparalelos, um conjuga-se com o percurso-itinerário, outro é o que excede o itinerário (faz rizoma com o itinerário, mas não é o itinerário). À metacognição não compete localizar e reconhecer, como no Portfólio, ela é o que cada um encontra, falseia; rizoma com quaisquer coisas. Conforme Pimentel (2010, p.39), “[...] fabular é, então, narrar a própria vida enquanto potência do vir a ser: instante disjuntivo, paradoxal onde se é ao mesmo tempo aquilo que se foi e o que será.” Dallegrave (2013) fala em olhar para o tão familiar e sofrer diferenças, produzir ciência e pensar diferente, juntar os dados, das fontes e dos contatos, mas também as vivências e os afetos, recolher todos os cacarecos e poder pensar. Segue ela: escrever sobre o que está em estudo e, ao mesmo tempo, escre-

ver-se. Concluindo que o diferente não é o novo, o diferente é a possibilidade de inventar o mundo e a si mesmo, porque diante de um constrangimento (o impossível de restar impassível), uma surpresa, um estranhamento, um vazio. Sugere a imagem de Alice: imaginar, como Alice inventando o País das Maravilhas, pesquisar assim (tecer a escritura), inventando o que se produz. A Metacognição Narrativa é um texto inteiro, é um documentário, tem memória, tem base total na realidade, mas não está preso ao visível, ao ordenamento sequencial e lógico de passado, presente e futuro. Nem repete ou simplifica ou resume o Portfólio. É original, é ensaístico, biografemático, narrativo, constituído pelas apreensões páticas (a dimensão pática dos encontros e não relações de identidade ou representações). Entre o coletado e o inventado, entre a pesquisa científica e a narrativa poética, entre os fatos e a fabulação, a alteridade põe em relação eventos-conforme-vividos (CECCIM, 1998). A experiência autonarrativa é um exercício de transformação de nós mesmos que possibilita a 250


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organização do pensamento, sentidos e afetos na transformação de concepções. Entende-se que a linguagem oferece a possibilidade de transformar o sujeito na sua relação consigo mesmo e com o outro. A escrita de si é construída pelos discursos que nos constroem. Leva-se em consideração o embate permanente entre o eu subjetivo e as vozes que circulam socialmente (SCHOLZE, 2008). Vale destacar que nesse tipo de texto produzido, conforme Scholze (2008), o protagonista autorreferencia-se e tece uma reflexão cultural e social do seu meio, estabelecendo em geral uma relação entre o privado e o público, partindo quase sempre do universo doméstico, no qual a memória tem papel fundamental. Essa memória, entretanto, contempla lembranças e esquecimentos, bem como silenciamentos. As narrativas não devem ser entendidas como escritas fiéis dos eventos. De mesmo modo, “[...] deve-se levar em conta os elementos sociais da memória, carregada das múltiplas vozes que nos cercam, dos significados construídos e da memória coletiva” (SCHOLZE, 2008, p.95), além das apreensões páticas.

A narrativa91 seria, então, uma “[...] operação mediadora entre a experiência viva e o discurso” (RICOEUR, 1997 apud ONOCKO; FURTADO, 2008, p.1091), a estrutura dos eventos, o individual e o coletivo, a memória e a ação política. Subjetividade e intersubjetividade entendidas como o encontro com o outro, que se dá também por meio dos textos escritos. A linguagem, para Larrosa (1998, p.31), “[...] dá ao sujeito possibilidade de constante reinvenção de si”. Assim, a escrita narrativa se apresentará de modo transversal no Curso e, como tal, será uma importante estratégia do processo de formação, escrita de si, extravasamento de movimentos singulares do pensamento.

9 As origens da narrativa incluem a Poética de Aristóteles e as aporias do Ser-e-Não-Ser do tempo de Santo Agostinho, para quem, na interpretação de Ricouer (2000) ligaria a explicação à compreensão, ultrapassando a distância verificada entre compreender e explicar.

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Narrativas: reflexividade, subjetividades, intersubjetividades e humanidades

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esde a década de 1980, tem sido crescente o interesse de diversas profissões por investigar a prática profissional. Interesse crescente, em especial após as contribuições de Donald Schön sobre a natureza da prática profissional, compreendida como conhecimento produzido pelo profissional com base em situações de incerteza, singularidade, complexidade e de conflito, o que somente pode ser vislumbrado pela reflexão-na-ação e não simplesmente pela aplicação de teorias ou técnicas (MARCOLINO; MIZUKAMI, 2008). Para Schön (2007, p.33), [...] a reflexão-na-ação permite ao profissional a descoberta da coerência entre o que está sendo realizado e suas crenças e compreensões pessoais, pensar criticamente o pensamento e, nesse processo, reestruturar as estratégias de ação, as compreensões sobre os fenômenos ou as formas de conceber os problemas, redefinindo os seus significados e produzindo novos sentidos e conhecimentos.

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A abordagem metodológica apoiada em narrativas (o retorno ao mediador, o portfólio e a metacognição, por exemplo) deverá perpassar o Curso num permanente movimento de “reflexão-na-ação” (consciência ético-política do trabalho e da prática profissional) e “pensamento por diferença” (heterogênese de si e invenção do trabalho e do mundo), visando a qualificar a compreensão do docente diante de si mesmo, no contato com o conhecimento e na relação com seus pares na perspectiva de transformar de forma propositiva as estratégias de ensino-aprendizagem. Nessa direção, estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho reflexivo e, também, um trabalho criativo sobre o percurso formativo, os valores profissionais e o projeto de docência, com vistas à ressignificação dos supostos de identidade na profissão e na docência (NÓVOA, 1995)101. Uma formação não é construída pela acumulação (de

cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas pelo trabalho de crítica sobre as práticas, pela reconstrução permanente dos fazeres profissionais e pelo contato com a alteridade na ressingularização permanente da subjetividade. As interações entre as dimensões pessoal e profissional permitem a apropriação dos processos de formação para lhes dar um sentido, no contexto das histórias de vida e trabalho, possibilitando aos profissionais e aos docentes a reconstrução dos sentidos de suas práticas e das relações que as mesmas práticas envolvem. As histórias de vida, para fins de formação e investigação, têm sido utilizadas desde a década de 1980 para iluminar experiências subjetivas de diferentes profissões, especialmente na formação docente. Podem permitir genuinamente a compreensão, de modo profundo e amplo, das relações entre as pessoas, assim como ouvir a própria voz pode se constituir em um mecanismo potente para o desenvolvimento de uma consciência individual e coletiva (GOODSON; 1994; GOODSON; SHOI, 2008). Schraiber (1995) utilizou as narrativas e o registro da história vivida dos profissionais médicos sobre seu

10 Para Nóvoa (1995, p.20), “[...] é impossível separar as dimensões pessoais e profissionais, pois se ensina aquilo que se é; e naquilo que somos, encontra-se muito daquilo que ensinamos”. O autor enfatiza a importância de os professores prepararem-se para um trabalho sobre si próprios, fazendo-se necessário elaborar um conhecimento pessoal (um autoconhecimento) no interior do conhecimento profissional e captar o sentido da profissão em sua tarefa ético-politica, o que não cabe apenas numa matriz técnica ou científica.

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cotidiano de trabalho para compreender a história da passagem da medicina liberal para a medicina especializada. A partir do discurso desses profissionais, vislumbrou a dialética entre o valorizado e o desqualificado, o problemático e o natural, as percepções singulares e as coletivas, possibilitando, assim, uma compreensão da cultura dessa profissão, as imagens idealizadas da prática e como os médicos a concebem, na história da sociedade, situando-os como atores sociais. Para Larrosa (2002), é a tessitura da experiência que contém tudo aquilo que “nos passa” ou “nos toca”, tudo aquilo que “nos acontece”. É justamente o que “nos passa” que nos forma e transforma. Para o autor, “somente o sujeito da experiência está aberto à sua própria transformação”, que é singular e produz diferença, heterogeneidade e pluralidade. As narrativas relatam as experiências, contêm emoções, subjetivação e intersubjetividade, participando da afirmação de ações ou de seu desafio de transformação (LARROSA, 2004). Na perspectiva da formação em saúde, a narrativa contribui para o movimento de se ver em processo

de formação, narrativa como um modo de se ver, de apreender as práticas e os diversos espaços dos encontros, estimular a reflexão sobre si, o trabalho, a condução do sistema de saúde e a abertura aos processos participativos com usuários, a reflexãona-ação e o pensamento na diferença. As narrativas de textos dedicados a descortinar as relações professor-aluno e profissional-paciente, encontradas no estudo de Rios e Schraiber (2011), buscaram compreender o encontro intersubjetivo entre professores e alunos na construção da identidade e atitude médica. Foram observados modos polares de interatividade, ora relações de vínculo e confiança, ora de desqualificação e onipotência. Em alguns dos espaços, predominou o discurso autoritário do médico e professor numa relação verticalizada, muitas vezes fria e distante para com os pacientes e para com os alunos que passivamente silenciam diante do medo da retaliação, humilhação e constrangimentos públicos. Esse assujeitamento muita vezes é tolerado pelo aluno como uma necessidade para a “[...] ‘passagem’ ao ser médico.” (RIOS; SCHRAIBER, 2011, p.49). De acordo com 254


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Birman (2001), uma cultura médica sustenta traços peculiares, com origem na tradição: aprendizado pela pressão por saber e estar a postos, pelo acúmulo de conhecimentos e informações atualizadas e pelo sofrimento pessoal em busca da prontidão para o trabalho, o que caracteriza a passagem e aquisição ritualística da profissão. Estudantes de medicina e de tantas outras profissões da saúde encontram-se numa etapa de desenvolvimento entre a adolescência e a maturidade jovem, uma importante fase de individuação. Estão, portanto, sensíveis à aquisição de uma identidade pessoal e profissional; deste modo, há que se romper com esse tipo de cultura e de se atentar para a dimensão cuidadora na formação destes profissionais (SILVA; AYRES, 2010). Num esforço em qualificar as relações e sensibilizar os profissionais de saúde, nos últimos anos tem sido proposta a inserção de textos literários no currículo de profissionais de saúde com as denominadas Ciências Sociais e Humanas na Saúde ou as Humanidades Médicas (história da medicina/ história da saúde, antropologia e sociologia médica

ou socioantropologia da saúde etc.), com suas diferentes especificidades. A literatura, por exemplo, redimensiona o espectro do olhar dos profissionais, situando a doença (o adoecimento) no contexto maior da existência (subjetiva) e dos valores humanos (FERREIRA, 2014). A literatura revelaria, de forma privilegiada, esclarecedora e emocionante, os bastidores da doença, permitindo a aproximação entre cultura científica e cultura literária, mas especialmente tornando olhos, ouvidos e mãos mais sensíveis à compreensão das aflições presentes no adoecimento ou daquilo que pede atenção, tratamento, acompanhamento. Aprender a narrar também é aprender sobre e apreender essa sensibilidade, esse tornar-se. Aprende-se a clínica e torna-se um clínico pelo contato com a literatura, com a capacidade narrativa, descritiva e fabulatória, documental e inventiva, comunicativa e auto(psico)analítica. Na década de 1990, quando nas escolas médicas norte-americanas ocorreu a inclusão do ensino da literatura, pretendia-se “[...] desenvolver a competência narrativa, aumentar a tolerância à incerteza da prática clínica e propiciar 255


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atenção empática aos pacientes” (SOUZA, 2001, p.6). A adoção de novas perspectivas que reconheçam os significados dos acontecimentos relatados pelas pessoas identifica as narrativas na prática do profissional de saúde como um valor de humanização no cuidado diante da impessoalidade, da especializaçãoe do racionalismo biotecnológico de modelo hegemônico. Vale lembrar que a Medicina Narrativa, que teve como pioneira Rita Charon, professora da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, surgiu para responder a um sistema de saúde que suplantava as necessidades do paciente por meio de conceitos e interesses corporativistas e burocráticos, gerando no usuário já fragilizado das ações e serviços de saúde um sentimento de desamparo, solidão e abandono, incompatível com os resultados práticos que os recursos científicos atualmente disponíveis são capazes de proporcionar em termos de cura ou de alívio para os males do corpo (CHARON, 2006). A “medicina embasada na narrativa”, como uma atividade destinada à formação de profissionais de saúde mais competentes para o reconhecimento, interpretação e atuação com empatia ante as nar-

rativas dos doentes, utiliza, para isso, recursos da teoria da literatura na compreensão da complexidade temporal dos eventos clínicos e no estabelecimento de conexões textuais, contando com a metáfora e a linguagem figurada, “[...] acreditando que o incentivo à construção de uma genuína relação médico-paciente pode conduzir a uma prática clínica, além de eficiente, mais ética e humanizada” (FERREIRA, 2014, p.17). De acordo com Almeida et al. (2005), uma medicina narrativa112 pode instrumentalizar o profissional na compreensão de como os eventos da vida influenciam o processo saúde-doença e, ao mesmo tempo, contribuem para a construção e fortalecimento do vínculo terapêutico. O desenvolvimento de habilidades narrativas, a escrita reflexiva, o uso da literatura e do discurso autêntico com os pacientes durante a formação e prática profissional podem melhorar a relação com o paciente e conduzir a uma prática humanizada e ética (ALMEIDA et al, 2005; AYRES, 2004; CHARON, 2001; FERREIRA, 2014; SILVA; AYRES, 2010). 11 A Medina Narrativa passou à cultura da saúde como Medicina Embasada na Narrativa, “rivalizando” com a Medicina Embasa em Evidência.

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Cabe ressaltar que a formação profissional em saúde no contemporâneo, representada por “agentes de humanização” trabalha não somente pela inclusão da literatura, poesia e romance, mas também do teatro, do cinema e das artes visuais no currículo médico e de tantos outros profissionais de saúde, por sua potencialidade em mobilizar a sensibilidade e as emoções (FERREIRA, 2014). Para Schollhammer (2012, p.145), “[...] o desafio literário coloca-se em termos de uma estética do afeto, entendido o afeto como o surgimento de um estímulo imaginativo que liga a ética diretamente à estética”. A humanização ganhou, no Brasil, a forma de uma Política Nacional de Humanização (PNH) em 2003, deixando de enfocar programas e/ou serviços, mas abrangendo a Humanização da Atenção e da Gestão no Sistema Único de Saúde – HumanizaSUS, com um conjunto de valores e princípios humanísticos; além disso, propõe que se ouçam múltiplas vozes no processo de produção do cuidado e na reorganização dos serviços, além de ampliar os espaços democráticos de discussão, de escuta e de decisões coletivas, reconhecendo, portanto, os aspectos subjetivos nas

relações interpessoais no cuidado, no processo de trabalho e na gestão (MITRE; ANDRADE; COTTA, 2012; RIOS; SCHRAIBER, 2012). Ayres (2004) pondera que as propostas de humanização e integralidade no cuidado em saúde têm se configurado em poderosas e difundidas estratégias para o enfrentamento criativo e da organização das práticas para a formação em saúde no país. Para o autor, na perspectiva hermenêutica, alguns desafios filosóficos e práticos para a humanização das ações em saúde como projeto de vida, construção de identidade, confiança, responsabilidade nas interações entre os profissionais de saúde e pacientes são essenciais para a “reconstrução ética, política e técnica do cuidado em saúde”. Na narrativa literal da história de vida e do cuidado de Dona Violeta, por exemplo, usuária de um serviço de saúde em situação de busca de cuidado, a mesma relata a recuperação do projeto de existência, o que “[...] permitiu estabelecer um vínculo terapêutico efetivo e acenar para um trabalho de manejo da saúde que passou a fazer sentido – e dar sentido –diante de preocupações anteriores” e que, por conseguinte, 257


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orientou todo o processo da assistência (AYRES, 2004, p.20-22). Ceccim e Merhy (2009) abordam os desafios de uma política de humanização em melhorar a qualidade da resposta assistencial e gerencial da saúde. Confrontam as reificações do corpo e dos sintomas na clínica, substituindo sensações por diagnósticos e suprimindo a narrativa como relevante à compreensão do que se passa (ou o que passa e o que não passa) e à terapêutica, tal como presentes na soberania dos sistemas profissionais sobre as práticas, “[...] disciplinarização que legitima as condutas do tipo diagnóstico-prescrição ou na disseminação de mecanismos que, em nome da longevidade dos indivíduos, estancam a produção de singularidade da vida”(CECCIM; MERHY, 2009, p.531). Os autores chegam a brincar com as palavras, sugerindo as noções de “corpo de órgãos”, “corpo ex-órgãos” e “corpo sem órgãos”, usadas para problematizar a clínica (atenção) e a noção de laços e perspectivas, para discutir as transformações das realidades e sua indissociabilidade dos processos formativos, de participação e de gestão.

A experiência da narrativa, tanto na formação como na atenção em saúde, permite a compreensão de experiências vividas esua reformulação. De modo geral, os profissionais de saúde desenvolvem práticas de escuta orientadas pelo modelo hegemônico, pautado em uma relação assimétrica, vertical, prescritiva e autoritária com os usuários dos serviços e comunidades. Tais práticas configuram a escuta com ações impermeáveis às dimensões psicossociais e culturais da saúde, doença e cuidado, submetendo o usuário, individual ou coletivo, à autoridade dos profissionais de saúde, detentores do poder sobre a clínica. Conforme alerta Souza (2001, p. 1), “[...] do poder das palavras às palavras do poder”.

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prática da narrativa é pouco comum nos grupos profissionais, nos diversos cenários e contextos de formação em saúde e nos diversos cenários e contextos da atenção. As informações, no geral, vão sendo apresentadas como verdades a serem assimiladas sem que haja espaço para perguntas e questionamentos sobre o impacto das mesmas em relação às experiências atuais e anteriores; mas quais são as transformações que novos conhecimentos produzem na prática profissional e na vida dos indivíduos e o quanto que novos conhecimentos podem ser provenientes de si mesmos? Ao narrar, e não ao apreender os saberes e informações exteriores, temos acesso ao poder das palavras. As narrativas produzidas nos diferentes cenários e espaços da formação e da atenção possibilitam a percepção, a compreensão e a troca de experiências, permitindo que sejam realizadas reavaliações, reorientações e reformulação de estratégias. Na formação, é necessário aprender a escuta mais sensível, tendo-se em vista a história de interdição da fala e das narrativas de si que a população vi-

Algumas considerações finais

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vencia nas relações desiguais entre profissionais e usuários. Porém, também é necessário aprender a narrar como exercício de aprendizagem de si, o que nos permite aprender a aprendizagem. O inacabamento do processo de aprendizagem, sua condição de processo contínuo ou ao longo de toda a vida, entretanto, admite uma condição também de desaprendizagem, não apenas o reensejamento dos mesmos esquemas cognitivos ou de recognição, mas a emergência mesma do aprendente, que reordena valores, concepções e práticas (de si e de mundo). A expectativa do trabalho com as narrativas “sistemáticas” do portfólio e “abertas” da metacognição é a de conceber estratégias que viabilizem o processo de problematização e criação, isto é, que não se esgotem no saber mais, mas ensejem um saber diferentemente; não encontrar solução ou profissionalização, mas o contato com a pressão por pensar ou mover-se na docência. Uma boa dica é o filme A vida secreta das palavras, de Isabel Coixet, lançado ao final de 2005. Experiências passadas trocam de lugar, perdendo

vigência inúmeras dessas vivências e aparecendo outras tantas como se nunca tivessem tido pronúncia. Inversões e outras narrativas, convocadas por outro ordenamento das palavras, por uma fabulação que ganha prestígio, informando outra duração às coisas do mundo e da vida. Uma outra fabulação não anuncia outro final, porque se retornará sempre ao ponto em que tudo começa ou recomeça. Não um retorno ao antes, mas ao ponto em que se tem de saber outras coisas. Quando as regras do saber anterior perdem seu poder de verdade, não resta seu abandono, mas a desaprendizagem, a perda da vigência de seu poder de verdade, de preexistência ao que se vai saber.

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Avaliação na docência em saúde 1. Introdução

2. Avaliação do curso

3. Avaliação das aprendizagens

Referências

Uma proposta pedagógica

Docência na Saúde

Conteúdo multimídia


1

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A

avaliação entendida como processo envolve monitorar o quanto se tem realizado durante o desenvolvimento de um programa/projeto. Permite que sejam identificadas potências e superadas barreiras que interferem no desenvolvimento da tomada de decisões referentes a novas ações. Contudo, é necessário um corpo sistemático de procedimentos a serem implementados ao longo do projeto com intencionalidades claras e que subsidiem o acesso a determinadas dimensões que buscam retratar aspectos nem sempre visiveis à primeira vista, sobretudo quando se vinculam uma concepção de qualidade com pertinência social. Uma avaliação inovadora no campo da saúde caracteriza-se como ato de comunicação entre atores igualmente interessados na apropriação de saberes e valores capazes de transformar qualitativamente os serviços de saúde nos quais pretendem atuar ou em que já atuam. Assim, para que essa avaliação cumpra a função educativa que dela se espera é preciso que suas bases teóricas e metodológicas sejam revistas dada a cultura de avaliação ainda

Introdução

271


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dominante. Sobretudo, é necessário admitir que essas bases estão carregadas de interesses políticos, o que faz da avaliação uma prática social na qual a pretensa neutralidade é no mínimo questionável, pois a avaliação não existe e não opera por si mesma: ela está sempre a serviço de um projeto ou de uma concepção teórica (SORDI; MALAVASI, 2004; SORDI, 2010; DEPRESBITERES, 2005; FRANCO, 2005). Além disso, ela é determinada pelas concepções que fundamentam a proposta de ensino, não ocorre num vazio conceitual, está “dimensionada por um modelo teórico de sociedade, de homem, de educação e, consequentemente, de ensino e de aprendizagem, expresso na teoria e na prática pedagógica” (CALDEIRA, 2000, p. 122). Como a avaliação envolve juízos de valor, ela requer diálogos constantes entre atores, com devolução qualificada dos achados e impressões, momento em que ocorre troca de perspectivas plurais e complementares. Os protagonismos entrecruzam-se e ajudam, pelo diálogo, a afirmar ou denegar valores caros à formação do profissional em saúde. A avaliação constitui-se como um espaço de mediação

entre o que existe e o que está sendo construído, é um momento de fortalecimento das potencialidades, de exercício de autonomia e de proposições para a superação de fragilidades. Trata-se de uma categoria propulsora de ação rumo à qualificação da formação profissional que se dá de forma processual. Entretanto, cabe lembrar que a qualificação da formação dos profissionais da saúde não se reduz ao âmbito do êxito individual e nem se esgota no domínio cognitivo de saberes compartimentalizados. Avaliar de modo inovador no campo da saúde requer práticas avaliativas voltadas para espaços e situações de aprendizagem vividos no coletivo e no interior dos serviços nos quais ocorre o processo de trabalho. Trata-se de valorizar a educação pelo trabalho e no trabalho, assim como a avaliação, reconhecendo-se que essa categoria exerce força indutora naquilo que deve ser considerado relevante à formação em saúde. Nesse contexto, a avaliação do curso e dos especializandos tem como centralidade a avaliação formativa no processo de mudança do pensar, sentir e agir na docência em saúde, o que significa não 272


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ser unilateral, nem estar reduzida a uma visão de produto final. Reafirmamos a compreensão de que a avaliação não é uma ação neutra, reflete a concepção de mundo, indivíduo e sociedade, condicionando a tomada de decisão no plano das políticas educacionais e orientando as práticas pedagógicas nos ambientes educativos (DIAS SOBRINHO, 2003). Neste sentido, está diretamente vinculada à expressão da concepção teórico-metodológica do curso, seus objetivos formativos e sua intenção de desenvolver estratégias pedagógicas para o ensino da saúde na perspectiva da integralidade da atenção, da humanização do cuidado e da educação interprofissional. Esses valores devem referenciar o trabalho pedagógico desenvolvido de maneira bimodal (a distância/ presencial), com destaque ao ambiente virtual de aprendizagem (AVA), no qual as mediações tutoriais precisam estar sintonizadas com esse ideário e se revelarem igualmente críticas e reflexivas. Isso posto, assumimos, nesta proposta, a avaliação formativa como aquela que ocorre durante todo o processo, com vistas a dar informações para melhoria do projeto, levando (ou podendo levar) a decisões

sobre o seu desenvolvimento (inclusive modificação, revisão e coisas do gênero). Nessa ótica, ela permite o melhor entendimento dos resultados ou efeitos do projeto para oferecer aos responsáveis pela tomada de decisões critérios de julgamento sobre o valor ou mérito do projeto devidamente contextualizados. Situado esse panorama, deve-se agregar os valores de uma avaliação fundada na participação e na negociação com os atores do curso com vistas à produção de sentidos que ajudem o projeto a cumprir as finalidades ético-políticas e técnicas que motivaram sua oferta e a adesão de grupos demandantes de formação. Inicialmente, é apresentada a avaliação do curso; na sequência, a avaliação das aprendizagens; finalmente, os indicadores gerais do projeto pedagógico de curso que servirão de norte tanto para estruturar a matriz avaliativa como para referenciar o trabalho pedagógico a ser desenvolvido pelos diferentes eixos temáticos.

273


2

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A

valiar um curso cuja vocação é a transformação das bases da formação dos profissionais de saúde por meio do fortalecimento ético-epistemológico dos integrantes de Núcleos Docentes Estruturantes (NDE), colegiados de curso ou comissões de graduação, coordenadores de projetos de integração ensino-serviço-gestão-participação, supervisores de práticas de gestão e formativas em serviço, preceptores ou docentes, ora em condição de especializandos, requer se admita o desafio da dupla implicação do olhar, posto que, simultaneamente, esses são estudantes e professores. Aprendem e ensinam tanto em um papel como no outro. Ao apre(en)derem os sentidos da reorientação da formação em saúde, presente nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), reafirmada pelas políticas públicas nacionais de saúde, os interessados tenderão a refletir sobre determinadas decisões pedagógicas e gestionárias que tomam e sobre as repercussões destas na forma de inserção dos egressos nos serviços de saúde. Deriva daí a possibilidade de exercitarem formas alternativas de pensar a docência

Avaliação do curso

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em saúde que implicam mudanças radicais (na raiz dos problemas) nos moldes tradicionais de ensino em saúde, instigando práticas que favoreçam a interprofissionalidade, a educação pelo trabalho e integralidade da atenção entre outras. O design avaliativo deste curso é construído segundo a escuta de diferentes vozes (especializandos, tutores e coordenadores do curso), que se manifestarão sobre distintas categorias, entendidas como recursos propulsores das mudanças requeridas, tais como: projeto pedagógico; processos de gestão acadêmica; recursos logísticos e condições materiais; corpo social; mediação virtual; inovações pedagógicas. Cabe destacar que boas intenções de mudança paradigmática, ao ocorrerem sem o concurso da avaliação despotencializam o processo decisório e a intervenção dos gestores no sentido de orquestrar as forças progressistas na direção desejada, fazem com que vulnerabilidades não sejam reconhecidas/tratadas em tempo. Igualmente, as potências da proposta não ganham visibilidade e deixam de cumprir importante papel no campo das mudanças sociais. A busca de evidências faz-se

importante para dar concretude à inovação; nesse sentido, a proposição de um plano de avaliação é de vital importância desde a fase inicial do projeto, gerando implicação e compromisso sem que se perca o distanciamento necessário para a leitura das contradições do processo. Como se trata de projeto inovador de formação, em primeira edição, pretendeu-se formular uma matriz avaliativa capaz de fomentar aproximações formativas e propositivas que subsidiem a reflexão e atuação dos integrantes das IES envolvidas tanto no momento de curso, como a posteriori, constituindo-se, assim, a matriz em esforço de sistematização, ordenadora do processo que transcenderá a temporalidade do curso de especialização. Para tal, elegemos como objetivos: a) identificar os fatores que favorecem e/ou constrangem avanços da dinâmica curricular proposta que reorienta os eixos da formação dos profissionais de saúde de nível superior;

275


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b) avaliar a presença dos pressupostos de qualidade social, competência coletiva, interprofissionalidade, educação no e pelo trabalho como marcas desejadas em cursos de formação em saúde em suas distintas dimensões, com destaque ao planejamento e avaliação do trabalho pedagógico;

Tomaremos os seguintes princípios caros à ação avaliativa para que perpasse o projeto pedagógico em tela:

c) construir uma matriz avaliativa capaz de explicitar os indicadores de êxito da proposta, contribuindo para que os integrantes se tornem capazes de orquestrar o trabalho pedagógico necessário para dar consequência às politicas de saúde e de educação vigentes;

b) a compreensão da cultura de avaliação vigente e o desafio da superação do viés classificatório e da ênfase no produto inscritos nos sujeitos envolvidos;

a) o reconhecimento da natureza multifacetada dos fenômenos bem como sua historicidade;

c) a valorização dos processos, dos contextos e dos atores envolvidos e os múltiplos e contraditórios interesses em jogo;

d) analisar as formas de mediação pedagógica (AVA, tutoria, material didático, acompanhamento pedagógico dos tutores, avaliação das aprendizagens dos especializandos) postas em ação pelo curso de modo a alavancar o projeto pedagógico de/em curso.

d) o compromisso com a legitimidade técnica e política da proposta; e) a transparência valorativa na condução do processo de avaliação em suas distintas fases; 276


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f) a utilidade social das ações de avaliação constituindo-se como um recurso formativo para os sujeitos participantes do processo;

devem se manifestar para além do discurso. Enfim, implica viver, simultaneamente, o espírito do projeto e manter o estranhamento para ler as contradições que o atravessam, cabendo à avaliação torná-las visíveis para os diferentes atores que participam do curso, a quem, por sua vez, compete a tarefa da superação de forma processual. O formato avaliativo que apresentamos assenta-se, portanto, na visão da avaliação como prática social, historicamente marcada. Como processo, a concepção de avaliação que se propõe permite a captura e retomada das evidências que fragilizam as intenções educativas implicadas na proposta de mudança, qualificando a intervenção dos atores sociais no ato e a posteriori. Desse modo, a gestão da proposta pedagógica precisa se beneficiar das informações obtidas pelo uso diversificado de fontes que passam a compor uma base de dados que permite o monitoramento do movimento de tal projeto. O formato avaliativo assumirá a perspectiva “em produção” para a interpretação dos achados e tomará as contradições evidenciadas como inerentes

g) a continuidade como possibilidade de expressão dos avanços e vulnerabilidades de um projeto de inovação curricular; h) a participação como direito e dever dos sujeitos implicados no projeto inovador, o que implica o acesso às informações geradas pela avaliação e aos encaminhamentos delas derivados. A arquitetura deste projeto busca levar em conta esses princípios, o que empresta à proposta uma complexidade maior, pois implica conjugar olhares internos e externos, os aspectos quantitativos e qualitativos, a formatividade do processo e um olhar preciso e rigoroso para o produto dele decorrente, a sensibilidade para leitura da intencionalidade presente no projeto do curso e a captura rigorosa das ênfases que pretende firmar como valor e que 277


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a todo processo de inovação curricular contra-hegemônico. A rápida devolutiva dos dados brutos e/ou provisoriamente trabalhados ao conjunto de atores do curso, por meio de ações de socialização permanente, constitui-se como uma estratégia de ressignificação da avaliação, ampliando a produção de sentidos que desta se espera.

2.1.2 Fase 2: Criação da matriz de referência do curso • a partir dos eixos estruturantes do curso, elencar os indicadores de avaliação, elaborar a matriz avaliativa para, em seguida, submeter à validação pelos formuladores e proponentes do curso. Essa matriz subsidiará os seguintes instrumentos: roteiro de entrevista semiestruturada para ser realizada com os demandantes e propositores do curso e questionário a ser aplicado aos tutores e especializandos.

2.1 Metodologia de avaliação do curso A seguir, seguem as fases do processo avaliativo. 2.1.1 Fase 1: Construção do formato avaliativo

2.1.3 Fase 3: Coleta de dados

• apresentação preliminar da proposta de avaliação e validação junto da equipe formuladora;

• análise documental que envolve a proposta do curso, explorando as bases teóricas e políticas; caracterização do perfil dos tutores e dos alunos docentes, e análise dos documentos oficiais do curso;

• negociação das fontes e das fases de coleta e dos recursos para o projeto de avaliação determinante para a extensão do trabalho.

• aplicação de instrumento avaliativo (questionário) aos tutores, devidamente referenciado pela matriz de avaliação; 278


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• monitoramento quanti-qualitativo das sessões de fórum no AVA (amostra aleatória – por região geográfica) – identificando as marcas discursivas dos atores na discussão para validar a apropriação dos conceitos chave do curso (coleta por amostragem);

• realização de entrevistas semiestruturadas com os demandantes e propositores da proposta; • levantamento dos números do projeto (volume de alunos atingidos, taxas de evasão entre outros, custo aluno).

• avaliação dos planos de intervenção produzidos pelos especializandos (amostra aleatória – por região geográfica);

Por meio desses instrumentos avaliativos, busca-se a exploração das categorias: organização didático-pedagógica, interprofissionalidade, relação ensino/serviços, educação pelo trabalho, redes de aprendizagem e gestão colaborativas; coletivos organizados para a ação, contratos organizativos, condições objetivas e sustentabilidade da proposta, redes de atenção ao cuidado. Cabe esclarecer que a opção de se realizar a pesquisa por amostragem justifica-se pela abrangência do curso e quantidade de alunos matriculados (600 alunos), bem como a abrangência territorial do curso. Para tanto, recorreremos a procedimentos estatísticos que permitem compor uma amostra representativa da população como um todo. Além

• aplicação on-line de instrumento (questionário) ao conjunto dos alunos para avaliação do curso (potencialidades, vulnerabilidades e sugestões de aperfeiçoamento), e da percepção dos significados da experiência de formação de um docente comprometido com os desdobramentos de suas decisões pedagógicas em relação aos estudantes, por eles formados, para sustentação do compromisso com a transformação do modelo de atenção a saúde;

279


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disso, buscar-se-á garantir que todos os participantes tenham a mesma chance de participar da amostra. O objetivo principal desse procedimento é o de agilizar o trabalho, reduzir custos e garantir a qualidade da informação, pois, segundo Downing e Clark (2002, p. 168-169, apud RIPPEL, 2007, p. 148)1, “é dispendioso, difícil e por vezes impraticável ter acesso a toda uma população, desta forma, costuma-se escolher uma amostra e estudá-la”. Segundo os autores, “para evitar predições imprecisas, é essencial que a amostra represente efetivamente a população da qual foi extraída”. Essa opção não permite fazer inferências, pois apenas explora o terreno a partir de manifestações de um conjunto de atores típicos do curso, subsidiando aprofundamentos qualitativos.

utilizarão o recurso de triangulação dos dados, ainda que de forma provisória, permanecendo abertos para a incorporação de novos significados a partir do olhar dos atores envolvidos. 2.1.5 Fase 5: Avaliação final O relatório final, síntese das sucessivas descobertas/aprendizagens do processo, resultará em texto mais rigoroso e sustentado teoricamente, assim como privilegiará a avaliação da potência educativa da proposta do curso em relação aos seus objetivos micro e macrossociais. Além disso, a incorporação de subsídios para o aperfeiçoamento da proposta do curso está igualmente prevista. 2.2 Pressupostos básicos para a formação docente que constituirão os elementos a serem considerados na coleta de dados (matriz de referência)

2.1.4 Fase 4: Interpretação dos dados e socialização dos resultados com produção de sentidos Tanto quanto possível, os relatórios avaliativos

Os pressupostos elencados a seguir serão tomados como referência, para constituição da matriz de avaliação.

1DOWNING, D.; CLARK, J.. Estatística aplicada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

280


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2.2.1 Metas formativas esperadas nos eixos do curso

• promover o acolhimento ao usuário, vínculo e resolutividade dos níveis de atenção, integralidade da rede de cuidado e interprofissionalidade como categorias ordenadoras do processo de trabalho no SUS, norteadoras do modelo formativo dos cursos de graduação da área da saúde.

• desenvolver a visão sistêmica dos professores/gestores para orquestrar as ações de planejamento didático-pedagógico dos cursos em que atuam, em sintonia com a reconfiguração dos processos de trabalho em saúde requeridas pelas DCN e políticas públicas nacionais de saúde;

2.2.2 Valores transversais do curso Docência em saúde

• favorecer a constituição da categoria “coletivos organizados”, contribuindo para a implicação dos diferentes atores no processo de formação profissional em saúde de forma a fortalecer a interprofissionalidade;

• instigar a competência dialógica dos atores; • revelar implicação com o SUS; • promover a capacidade de auto-organização;

• propiciar a educação pelo trabalho e no trabalho, valorizando novos cenários de aprendizagens para os profissionais da saúde e envolver hibridismo na ação educativa com inclusão de outros agentes (preceptores, usuários, professores);

• estimular a atuação como coletivos organizados de produção; • propiciar a incorporação de metodologias ativas no processo de ensino e aprendizagem; 281


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• fortalecer processos reflexivos sobre o vivido como docente e as repercussões no agir do profissional da saúde;

• capacidade de pactuação/negociação/deliberação no âmbito de um projeto pedagógico SUS-centrado;

• promover a capacidade de pactuação.

• capacidade de análise situacional e de intervenção propositiva na direção de práticas docentes comprometidas com uma formação em saúde inovadora, problematizadora e transformadora.

2.2.3 Projeto Pedagógico do Curso – PPC a) Ideias-força presentes no PPC

b) Dimensão formativa do PPC

• aprendizagem do trabalho coletivo e da interprofissionalidade na perspectiva dos princípios e compromissos do SUS e para com o SUS;

• recuperar o protagonismo do docente na implementação de projetos inovadores em saúde;

• transposição do sentido “coletivos organizados de produção” para o cotidiano do trabalho da formação docente;

• situar a formação dos profissionais da saúde no contexto das políticas públicas de Saúde e Educação (MS e MEC);

• práticas de docência e de gestão concebidas a serviço de um projeto de saúde situado historicamente;

• explorar a categoria da interprofissionalidade;

282


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• defender a articulação escola de educação superior e serviços de saúde;

cia com as ideias força do projeto (foca a docência em saúde em uma perspectiva de transformação segundo linhas de cuidado);

• utilizar o trabalho com princípio educativo e exercitar a educação no e pelo trabalho;

• faz uso de linguagem clara, instigante, problematizadora e com potencial reflexivo;

• estimular práticas de problematização sobre o vivido;

• revela rigor teórico.

• fundamentar-se no trabalho coletivo e reflexivo.

2.2.5 Acurácia dos proponentes e demandantes do curso a) Proponentes

2.2.4 Material didático do curso – potencialidades • evidencia coerência interna e externa dos referenciais teóricos de cada eixo em relação aos objetivos do curso;

• expressam clareza sobre princípios, valores e ideias-forças do projeto; • demonstram sensibilidade às expectativas do demandante na concepção, implementação e avaliação do projeto do curso;

• mostra adequação quanti-qualitativa das escolhas metodológicas face ao foco do curso e sua temporalidade;

• revelam capacidade de monitoramento do projeto do curso e proatividade.

• preserva nas atividades avaliativas coerên283


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b) Demandantes – clareza sobre a intencionalidade do curso

• conhece as ideias força do projeto e as explora em cada eixo;

• revelam apropriação das políticas nacionais enfrentando as dificuldades derivadas das descontinuidades dos atores ministeriais;

• realiza mediações coerentes com os valores/ saberes do projeto; • monitora o trabalho dos especializandos, procedendo devolutivas dos trabalhos ancoradas no princípio da avaliação processual formativa;

• expressam suas percepções sobre as potências e fragilidades da proposta do curso em relação ao conjunto de políticas sustentadoras do SUS;

• planeja ações de recuperação das aprendizagens.

• explicitam as expectativas de impacto do curso na realidade dos cursos e serviços participantes. 2.2.6. Trabalho tutorial – características • valoriza práticas de acolhimento aos estudantes/professores; • revela capacidade de problematização na gestão dos fóruns; 284


3

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A

avaliação da aprendizagem em cursos cujos projetos pedagógicos pretendem ser inovadores nas bases ético-epistemológicas em que se ancoram precisa ser igualmente inovadora e ultrapassar os limites da avaliação como controle, classificatória e punitiva. É necessário recriar os sentidos da avaliação, tornando-a capaz de subsidiar aprendizagens densas, colaborativas, dialogantes. Como mencionado nesta proposta, a concepção avaliativa apresentada compromete-se com a dimensão formativa, colocando-se como alternativa pedagógica e política a serviço de aprendizagens que enfrentem e superem o viés utilitarista estampado no tecnicismo e no domínio de conteúdos sem a devida problematização das consequências que acarretam no perfil dos egressos de cursos da saúde. A reconfiguração do lugar que a avaliação das aprendizagens ocupa, nas formas de organização do trabalho pedagógico, pode mostrar-se altamente impactante na reorientação do eixo da formação em saúde, ajudando a afirmar novos valores e novas posturas profissionais.

Avaliação das aprendizagens

285


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A formação dos profissionais da saúde beneficia-se de processos avaliativos que se constroem apostando nos diálogos entre os atores, na horizontalização das relações intersubjetivas, na escuta sensível dos argumentos plurais que são examinados de forma interessada. Admitindo que a formação dos profissionais da saúde ocorra em cenários diversificados que extrapolam com vantagens o uso exclusivo da sala de aula como espaço convencional de aprendizagens, as atividades e eventos avaliativos ganham outra dimensão quando incluem outros atores, rechaçando a centralidade da visão do professor como único avaliador e agente formador. A avaliação das aprendizagens e para produzir aprendizagens socialmente relevantes no campo da saúde deve possibilitar o debate e o confronto de ideias e de visões de mundo, de Saúde e de Educação, entre os atores envolvidos no processo (professores, preceptores, estudantes, usuários). Importa que a avaliação constitua-se como espaço que comporte o continuar aprendendo/ensinando, rompendo com a visão maniqueísta de momentos estanques nos quais ou se ensina, ou se aprende, ou se avalia.

Formas inovadoras de agir em Saúde são dependentes dos processos de ensino que acionamos e que precisam fomentar nos estudantes a apropriação de competências mais amplas, que ultrapassem o simples domínio de conteúdos e/ou procedimentos desgarrados das responsabilidades e consequências destes na vida das pessoas. Além disso, o compromisso com os princípios do SUS deve referenciar as avaliações que ajudem a solidificar as aprendizagens inegociáveis quando se fala em formação de profissionais em saúde. A capacidade de participar de processos coletivos de trabalho, exercitando a interprofissionalidade, a capacidade de ouvir, negociar e demandar coerência dos pares na direção de assegurar direitos dos usuários inscreve-se nessa perspectiva. Esse valores não se exercitam quando a avaliação mantém-se presa à mensuração de acertos e/ou erros evidenciados nas provas que apenas exploram o domínio cognitivo, deixando de lado outros aspectos importantes que marcam as atitudes e posturas dos profissionais de saúde em formação e que os convoca a exercer protagonismo nos espaços em que atuam (escola 286


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e serviços), ajudando a construir redes de atenção à saúde, nas quais os princípios do SUS se façam presentes. Para tanto, a avaliação da aprendizagem ocorrerá como descrito a seguir.

Considerando-se a predominância da dimensão formativa e processual deste modelo avaliativo, busca-se promover a reflexão dos especializandos/professores/gestores sobre as microdecisões pedagógicas e ou gestionárias que tomam e as consequências que acarretam no perfil dos egressos. Assim, são estabelecidas condições para que os atores compreendam e problematizem que a ação docente que realizam guarda relação direta com os compromissos que o profissional da saúde precisa assumir. A avaliação somativa refere-se aos “resultados” e aos “efeitos” que a formação em curso foi capaz de produzir nos estudantes, ou seja, até que ponto os objetivos do curso e dos eixos foram alcançados e em que medida possibilitam algum tipo de transformação na realidade da prática docente em saúde. Em que pesem as exigências institucionais para a certificação, buscar-se-á trabalhar com a lógica do compromisso profissional e social, o que implicará os especializandos com a proposta do curso ao invés de meramente estimulá-los a obtenção de notas para a aprovação formal.

3.1 Avaliação do percurso e a emissão de notas e pareceres O processo avaliativo dos especializandos deste curso guarda especial singularidade uma vez que se trata de um curso voltado aos interesses das políticas públicas nacionais, no sentido de fortalecer a ação de professores e gestores para a concepção, implementação e avaliação dos Projetos Pedagógicos de seus Cursos (PPC), de modo sintonizado e aderente às Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e aos princípios e diretroizes do SUS, compreendidos como ordenadores do modelo de formação em saúde. Trata-se de subsidiar a ação docente que exercem, acrescentando aos saberes específicos que já dominam os componentes pedagógicos que ainda precisam dominar para que estes cumpram a função de reorientar o eixo da formação do profissional da saúde. 287


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Cabe pensar a avaliação neste curso assumindo como valor:

d) a capacidade de intervenção na realidade a partir dos saberes e valores trabalhados no curso, de modo interprofissional e interdisciplinar, gerando mudanças substantivamente inovadoras.

a) as aprendizagens colaborativas contestando ênfases individualistas que acirram competição entre “atores sociais” que precisam aprender em conjunto e de forma complementar;

Para tanto, a avaliação deverá ocorrer de forma processual, dialogada, embasada no debate entre os atores envolvidos, de cunho reflexivo e orientada pelo desejo de reforçar aprendizagens que auxiliem a formação dos profissionais da saúde norteada pelos princípios e diretrizes do SUS.

b) a capacidade inquiridora expressa na formulação de perguntas e posicionamentos problematizadores da realidade que desafiam a produção do conhecimento novo, toda vez em que o que estiver instituído não responder aos interesses nem às necessidades de saúde da população;

3.2 Atividades objeto de avaliação Elegeu-se como atividades de cunho avaliativo (ainda que se constituam como estratégias sustentadoras de aprendizagens significativas aos profissionais da saúde) as que se seguem. Cabe destacar que todas convergem para a sustentação do projeto de intervenção na realidade local, que se revela como elemento articulador das demais expressões de aprendizagens.

c) a reflexão sobre os processos vividos, intensificando a produção de novos sentidos e significados que reorientem o processo decisório coletivamente produzido e devidamente referenciado ao SUS;

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3.2.1 Projeto de intervenção na realidade

poder de autoria, de modo coletivo e produtor de subjetivação”. O projeto de intervenção será realizado em grupos de até três especializandos, acompanhado pari passu ao longo do curso, por intermédio dos fóruns, da postagem das atividades nos portfólios e da devolutiva dos tutores. Sua entrega final será em formato de um relatório em prazo pré-estabelecido, e ocorrerá uma defesa pública do mesmo, em encontro presencial conforme legislação vigente. O relatório final que cumpre função de TCC será individual e derivado do projeto de intervenção pactuado no grupo referido que se desdobrará em abordagens complementares.

O Projeto de intervenção na realidade é uma atividade pactuada pelos grupos demandantes que participam do curso de especialização e assim se apresentaram à adesão ao curso, condição de seu acesso. Esse projeto tem o propósito de intervir na realidade das práticas docentes em saúde, ensejando ações quer no cotidiano do ensino, da pesquisa, da extensão ou da gestão acadêmica. O pressuposto é que ele possa transformar as práticas docentes e ressignificá-las à luz dos desafios que se colocam aos novos cursos da saúde (fase de expansão), esperando que esses avancem nas decisões de cunho didático-pedagógico e político que se afastam do paradigma hospitalocêntrico, lembrando, como nos diz Fagundes (2006, p. 218), que para haver transformação nos atores sociais das práticas, “são necessárias experiências cotidianas de trabalho que promovam gestão dos processos de mudança de si e dos entornos”, que orquestradas acabam “por produzir conhecimentos e práticas e

3.2.2 Portfólio reflexivo O Portfólio reflexivo compila as atividades que demarcam as aprendizagens individuais e coletivas que vão sendo tecidas; devem ser consentâneas às ideias-força trabalhadas ao longo do curso, e constituem a espinha dorsal do percurso, assim como, pano de fundo do projeto de intervenção. Ele reunirá todo 289


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tipo de atividades previamente indicadas pelos autores dos eixos e terão por objetivo envolver o estudante na regulação de sua própria aprendizagem individual e coletiva. Esse envolvimento proposto pelas reflexões produzidas a partir das leituras, da interação com o tutor e com o grupo tem a intenção de produzir sentidos e afetos nas suas práticas docentes e de saúde, permitindo assim que o mesmo mobilize e articule seu conhecimento de mundo com o suporte teórico sobre educação e saúde as quais provoquem mudanças em seu trabalho como docente (ações de planejamento didático-pedagógico e gestão do Projeto Pedagógico). Para tanto, o portfólio foi composto por três dimensões:

pares ou coordenação e que devem estar postados na Plataforma, ao longo do curso. b) Relato do Projeto de Intervenção: construído para a seleção ao curso, recomposto ao seu início e implementado ao longo do mesmo, cujo desfecho se dará no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) com defesa pública e subtematização individual, conforme legislação vigente, como parte da implementação de uma ação coletiva e institucional junto à Instituição de origem. c) Análise do percurso: composto por escritas autonarrativas, que são as vivências dentro do curso, sobre a trajetória de estudos, vivências, experimentações, conversas, surpresas, descobertas, sustos, estranhamentos epistemológicos, reflexões-na-ação sobre visão de mundo e da realidade profissional etc., que repercutem no seu projeto de intervenção e que apostam na mudança institucional.

a) Relatos reflexivos: construídos pelo trabalho coletivo e individual, desenvolvidos a partir das tarefas, dos eixos e das transversalidades proporcionadas pelo curso, demandados pelo trabalho com os conteúdos, exercícios ou ações práticas na realidade, mobilizados pelo mediador, 290


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A análise do portfólio levará em conta a constância das postagens pelo especializando e a relação estabelecida com as ideias-força do curso. A capacidade reflexiva deverá expressar as apropriações que vão se fazendo ao longo do processo, indicando possiblidades de ação transformadora a serem construídas individual e coletivamente na indissociabilidade escola/serviços de saúde.

processo de problematização do conhecimento, sentidos e afetos, e de como este processo impactou na sua prática. Espera-se que esse exercício passe a ser constante, como uma nova postura diante do conhecimento e dos sentidos, e de como ele intervém na sua prática, provocado pela experiência vivida no curso, e que irá impactar no Projeto de Intervenção. Na Metacognição Narrativa, o formando fará uma fabulação do processo formativo vivido, que inclui: conversar com o curso e sobre seus acontecimentos subjetivos ou invisíveis; as vivências mais delicadas e sutis da formação e como elas problematizaram conhecimentos, valores, crenças e afetos na sua prática docente, como formador de profissionais de saúde e nos compromissos com o SUS. Se o portfólio permite um caminho retrospectivo, a metacognição narrativa é o oposto, é como um prospectivo do caminho, como narrativa das compreensões em relação à saúde, à formação dos profissionais, às possibilidades de intervenção nos currículos, nas práticas de formação e nas práticas de gestão.

3.2.3 Metacognição Narrativa Envolve uma metacognição de todo o processo (fabulação narrativa) – o “autor” narrando uma ficção narrativa para si mesmo – valendo-se do processo reflexivo que o curso gerou, resultado da reflexão-na-ação, extrapolar para uma narração autoral que contempla o confronto entre as concepções anteriores ao curso e novas concepções, fruto das teorias, dos debates, dos encontros, das reflexões, do pensamento livre e incontido. É o “narrar sobre os impensados e pensados”, como uma forma de fabular como vivenciou o processo, ou seja, o ator social das práticas torna-se um narrador sobre seu 291


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3.2.4 Participação ativa nos fóruns de discussão

amplo ou parcial das ideias-força do curso, necessidades de retomada conceitual ou valorativa. Desse modo, pautar-se-á em linhas gerais pelos conceitos listados a seguir.

A participação nas discussões no fórum, mediadas pelo tutor, serão pautadas para adensar as aprendizagens teóricas requeridas para compreender, problematizar e atuar coletivamente no âmbito dos cursos e dos serviços de saúde à semelhança de uma rede colaborativa, na qual os coletivos organizados ajudam-se mutuamente. A participação qualificada nesse espaço expressará a adesão do especializando ao curso, por meio da frequência de entradas no AVA, com postagens problematizadoras que permitam identificar o compromisso com o tema em debate, capacidade inquiridora e reflexiva do especializando em relação aos desdobramentos em sua realidade local. Essa participação, associada aos encontros presenciais, deverá garantir 75% de frequência, exigência para aprovação formal. Por fim, esse conjunto de atividades, de cunho avaliativo, será traduzido pelo tutor em um Parecer descritivo, ao final de cada eixo, que expressará os avanços do especializando na forma de “suficiente” e “insuficiente”. Os critérios expressarão domínio

a) Conceito A – Suficiente – Demonstra suficiente domínio dos saberes com apropriação das ideias-força do curso. Interage de forma ética, colaborativa nos espaços de aprendizagem. Evidencia capacidade crítico-reflexiva no trato dos temas expressando nexos e compromissos com a realidade local. Reconhece e assume as responsabilidades docentes que possui na formação de novos profissionais da saúde, sob a forma de microdecisões didático-pedagógicas que planeja desenvolver. b) Conceito B – Suficiente com recuperação – Revela não suficiência em parte dos quesitos anteriores, requer a realização de um plano de recuperação das aprendizagens para superação das lacunas identificadas durante o processo. 292


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c) Conceito C – Insuficiente com reprovação – Revela não participação nos fóruns, postagem episódica de atividades, descumprimento de pactos realizados e/ou dificuldade de desenvolver práticas colaborativas, bem como não realização do plano de recuperação proposto para conduzir às aprendizagens. Reprovação. d) Conceito D – Insuficiente – Evasão – O cursista evadiu do curso.

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CALDEIRA, A. M. S. Ressignificando a avaliação escolar. In: Comissão Permanente de Avaliação Institucional. UFMG-PAIUB. Belo Horizonte: PROGRAD/UFMG, 2000, p. 122-129. (Cadernos de Avaliação, 3). DEPRESBITERIS, L. Avaliação da aprendizagem: revendo conceitos e posições. In: SOUSA, C. P. de. Avaliação do rendimento escolar. 13 ed. Campinas: Papirus, 2005, p. 51-79

Referências

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FRANCO, M. L. P. B. Pressupostos epistemológicos da avaliação educacional. In: SOUSA, C. P. de. Avaliação do rendimento escolar. 13 ed. Campinas: Papirus, 2005, p. 13-26. RIPPEL, V. C. L. Avaliação de política pública: o itinerário dos egressos do projeto correção de fluxo em Toledo (PR). Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Estadual de Campinas. Campinas: Unicamp, 2005. 665 f. SORDI, M. R. L de. Por uma aprendizagem “maiúscula” da avaliação da aprendizagem. In: DALBEN, Â. I. (Org.) Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2010, p. 22-35. (Coleção Didática e prática de ensino). SORDI, M. R. L. de; MALAVAZI, M. M. S. As duas faces da avaliação: da realidade à utopia. Revista de Educação PUCCamp, n. 17, 2004, p. 105-115.

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VIDEOAULA Avaliação por meio de narrativas Prof. Dr. Ricardo Burg Ceccim Profa. Dra. Mara Regina Lemes De Sordi

Conteúdo multimídia

Clique na imagem para assistir ao vídeo no portal do Núcleo de Apoio Pedagógico à Educação a Distância (NAPEAD/UFRGS).

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Videoteca Clique nas imagens para assistir aos vídeos na internet

Dagmar Estermann Meyer

Simone Edi Chaves

Sylvia Helena Souza da Silva Batista Nildo Alves Batista

Emília Carvalho Leitão Biato

Sidney Marcel Domingues

Eliana Goldfarb Cyrino

Ricardo Rodrigues Teixeira

José Ivo dos Santos Pedrosa

José Ivo dos Santos Pedrosa

João Henrique Lara do Amaral

Ricardo Burg Ceccim Mara Regina Lemes De Sordi


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