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Silvia de Oliveira Pereira,Aryelle Miranda de Oliveira, Ayla Falcão Brito Machado, Bruna Santos Amorim, Camila Vieira da Silva de Assis, Emanuely B. Macário dos Santos, Eva Cristian S.S. Barbosa,Juliana Tosta de Oliveira, Nadirjane Nogueira Conceição de Oliveira, Najara Gomes do Amaral, Rogeson dos Santos de Jesus
Pessoa com deficiência em Cachoeira e São Félix: eu estou aqui?
Silvia de Oliveira Pereira Aryelle Miranda de Oliveira Ayla Falcão Brito Machado Bruna Santos Amorim Camila Vieira da Silva de Assis Emanuely B. Macário dos Santos Eva Cristian S.S. Barbosa Juliana Tosta de Oliveira Nadirjane Nogueira Conceição de Oliveira Najara Gomes do Amaral Rogeson dos Santos de Jesus
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Introdução
Este capítulo apresenta dados parciais da pesquisa “‘Eu estou aqui, o que é que há?’ Pessoa com Deficiência e Políticas Sociais fase 1” realizada pelo Observatório de Políticas Sociais e Serviço Social (OPSS) 40 a partir de 2017. O trecho do samba “Alguém me avisou”, de autoria de Dona Ivone Lara e Caetano Veloso, inspirou a construção de uma pesquisa que pergunta onde estão as pessoas com deficiência e o que existe no campo da política social e de acesso a serviços para este segmento populacional. O samba também remete a uma das mais importantes expressões culturais do Recôncavo da Bahia que constitui o nível local da pesquisa, especificamente os municípios de Cachoeira e São Félix selecionados para o estudo. Destaca-se que os municípios têm importância histórica e cultural para o país, são semelhantes à
40 O grupo de pesquisa OPSS foi denominado entre 2015 a 2018 como Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Trajetórias Participativas e Políticas Sociais (TRAPPOS).
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maioria dos municípios brasileiros em termos populacionais (menos de 50 mil habitantes) e apresentam, ao lado do legado de resistência política e diversidade cultural e étnica, desigualdades sociais que podem afetar sobremaneira as Pessoas com Deficiência (PcD), além da invisibilidade dessas pessoas na sua dinâmica cotidiana. Pretende-se contribuir para ampliar o debate e produção de conhecimento sobre políticas sociais e Pessoa com Deficiência, explicitando a partir de indicadores sociais as suas condições concretas de vida de modo a superar a sua invisibilidade, donde emerge a pergunta provocativa no título: eu estou aqui? Compreende-se a deficiência a partir do modelo social que a considera como uma relação estabelecida historicamente a partir da construção de saberes e práticas opressoras a corpos considerados dissidentes e distintos em estruturas e funções. Uma vez que tal opressão historicamente construída afeta os direitos sociais, optouse por verificar indicadores sociodemográficos para apresentar um perfil da população de pessoas com deficiência nos municípios de Cachoeira e São Félix. É adotado o pressuposto, advindo da cartografia simbólica do direito (SANTOS, 2002), de que existem distorções entre os níveis global, nacional e local no que se refere à conquista e materialização de direitos através das políticas sociais. O estudo teve caráter exploratório e descritivo e utilizou, além de revisão bibliográfica sobre o tema, observação participante da equipe de pesquisa, acesso a bancos de dados oficiais nacionais públicos, especificamente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Tabulador de Informação do Cadastro Único (TAB CAD)41 , e do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS)42 para levantar informações demográficas relativas
41 Tabulador do Cad Único disponível em https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/ cecad20/tab_cad.php. 42 DATASUS Tabnet disponível em http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index. php?area=02
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às pessoas com deficiência, nos recortes de gênero, raça, renda, condições de moradia, serviços de saúde e acesso à educação. Na primeira parte do capítulo são apresentados elementos conceituais que articulam política social e deficiência na perspectiva dos direitos sociais. Na segunda, estão presentes os resultados do levantamento e a discussão. À guisa de conclusão verifica-se que a invisibilidade das pessoas com deficiência nos municípios estudados é um desafio a ser enfrentado na via da garantia dos direitos deste segmento da população. Aponta-se para a relevância e urgência da realização de novos estudos na direção de verificar como as limitações e barreiras socialmente impostas, inclusive no âmbito da implementação de políticas (ou da sua ausência), afetam as pessoas com deficiência.
Deficiência e direitos
O debate sobre deficiência envolve elementos biológicos, sociais, culturais, históricos, econômicos e políticos, espelhando as condições objetivas da existência e os determinantes da saúde (PAIM, 1986; CONTANDRIOPOULOS, 2000; CNDSS, 2008). A perspectiva teórica do modelo social da deficiência (HUNT, 1966; ABBERLEY, 1997), a compreende como uma relação socialmente construída que implica em desigualdade e opressão, exigindo um olhar para indicadores sociodemográficos e para a implementação de políticas. A condição de deficiência foi construída historicamente por modelos explicativos que a polarizaram com um ideal de normalidade e, assim, postularam a diferença como pressuposto da subalternidade (PEREIRA, 2018). O modelo explicativo social da deficiência constitui uma construção teórica e política que refuta a explicação meramente biológica e anatômica da deficiência e a apresenta também como resultado de interações das pessoas com deficiência com as
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barreiras historicamente construídas, que implicam em condições de opressão e não participação de espaços comuns na vida cotidiana e de instâncias de decisão política. Vive-se, desde a segunda metade do século XX, o redimensionamento do conceito de deficiência articulado às reconfigurações das práticas sociais relacionadas às pessoas com deficiência. Tais práticas adquirem expressão em diferentes espaços da vida social, incluindo-se a produção científica sobre o tema, os avanços e desafios das políticas sociais, as ações governamentais tais como legislação, normas e prestação de serviços públicos, além do protagonismo e participação política das pessoas que tem algum tipo de deficiência. As lutas do segmento das pessoas com deficiência, cuja síntese está expressa na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (BRASIL, 2006), contribuem para “encarar a deficiência como uma questão de direitos humanos” (OMS, 2011, p. 27) exigindo a incorporação dos seus direitos nas políticas públicas de caráter social e redistributivo e a sua materialização na vida cotidiana. A condição de deficiência passa a ser considerada como responsabilidade social compartilhada e não mais um atributo individual, portanto campo de atuação do Estado mediante políticas públicas de cunho social na direção da equidade e dos direitos humanos (DHANDA, 2008). Contudo, as pessoas com deficiência ainda estão distantes da vivência da sua cidadania plena, seja pelo precário acesso a serviços, seja pelo frágil processo de implementação de políticas que pode ser demonstrado pela permanência deste segmento populacional entre as pessoas mais empobrecidas em todo o mundo (BARNES; SHELDON, 2010). A proteção social mediante ação estatal se torna um imperativo na direção da garantia dos direitos das pessoas com deficiência, mas a sua materialidade na vida cotidiana está entrelaçada em diversas
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contradições. O pleno exercício dos direitos envolve um conjunto de fatores que remetem à capilaridade da mobilização política das pessoas com deficiência nos espaços decisórios, ao tempo em que se deve considerar que “conflitos de interesse, disputas orçamentárias, manobras políticas e preconceitos afetam o desenho final das políticas voltadas às pessoas com deficiência” (MEDEIROS; DINIZ; BARBOSA, 2010, p.12). Assim, a formalização dos direitos das pessoas com deficiência, bem como a sua histórica exclusão de diversas esferas da vida social, pode ser compreendida a partir dos marcos da Seguridade Social. Segundo Boschetti (2006; 2009), o que se conhece hoje como Seguridade Social envolve a estrutura do Estado na sociedade capitalista e a sua intervenção nas particularidades da exploração do trabalho pelo capital, consolidando formatos de proteção limitados aos interesses e disponibilidades da classe capitalista e incorporando contraditoriamente demandas da classe trabalhadora. Nos modelos de Seguro Social, matrizes da Seguridade e da Proteção Social, a intervenção do Estado ocorre a partir da gestão das contribuições prévias dos/as trabalhadores/as e é materializada primordialmente por transferências de renda em situações de impedimentos para o trabalho dos/as contribuintes. Neste formato, a condição de deficiência é incorporada pela configuração de incapacidade para o trabalho e excluiu, ao longo de muitos anos, além de trabalhadores não contribuintes, pessoas cuja deficiência não fosse adquirida durante períodos de contribuição ao Seguro Social. No Brasil, a perspectiva de uma Proteção Social ampliada é formalizada a partir de 1988 com a primeira Constituição Federal que consolidou conquistas advindas de lutas populares. O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é emblemático da lógica não contributiva que incorpora pessoas com deficiência para transferência de renda. Embora seja representativo de uma grande conquista no campo
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dos direitos das pessoas com deficiência, a lógica da incapacidade é central nos critérios de inclusão no BPC e o ponto de corte de rendimentos abarca apenas condições de pobreza extrema. Revelase que o tensionamento capacidade e incapacidade é fundante da relação entre deficiência e políticas sociais, reproduzindo aspectos conceituais ancorados em modelos teóricos ainda distantes do modelo social. Os principais indicadores sociais podem ser reveladores de condições de privação de direitos às quais as pessoas com deficiência podem estar submetidas tanto como expressão das estruturas e práticas sociais potencialmente excludentes quanto da violação dos direitos já conquistados formalmente a partir das lutas históricas deste segmento populacional.
PcDs: onde estão?
O Brasil registrou através do último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) um expressivo aumento da população de pessoas com deficiência. Enquanto no ano 2000 as pessoas com deficiência correspondiam a 14,48% da população, em 2010 identificou-se que 23,92% da população tem pelo menos um tipo de deficiência (IBGE, 2000; 2010). Os municípios Cachoeira e São Félix apresentam percentuais de população de pessoas com deficiência que se equiparam à tendência nacional. O levantamento de dados do censo do IBGE de 2010 informa que São Félix tem 14.098 e Cachoeira tem 32.026 habitantes. Em relação às pessoas com deficiência, verifica-se que em São Félix 20,6% da população tem pelo menos um tipo de deficiência, 2.904 pessoas, em números absolutos. Em Cachoeira as pessoas com pelo menos um tipo de deficiência são 26,05% da população, 8.342 pessoas em números absolutos. A distribuição dessa população quanto a gênero e raça é apresentada na Figura 1 a seguir.
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Figura 1. Distribuição da população com pelo menos um tipo de deficiência conforme gênero e raça cor em Cachoeira e São Félix no Censo de 2010.
Fonte: IBGE (2020).
Observa-se que o número de mulheres com deficiência é superior ao de homens nos dois municípios, sendo 4.969 em Cachoeira, 59% das pessoas com pelo menos uma deficiência. Em São Félix são 1.651 mulheres, 56,8% das pessoas com pelo menos uma deficiência. A população com pelo menos um tipo de deficiência autodeclarada como não branca é a mais expressiva, sendo relevante destacar que em Cachoeira 35% das pessoas com deficiência se auto declaram pretas (2.987 pessoas) e 49% se declararam pardas (4.091 pessoas). Em São Félix, o cenário é semelhante, com 30% das pessoas com deficiência com auto declaração de pretas (877 pessoas) e 57%, pardas (1.665 pessoas). A condição de deficiência é, portanto, transversalizada por marcadores de raça, gênero e sexualidade, o que aponta a relevância de estudos futuros capazes de aprofundar tais categorias. Contudo, de imediato, é possível inferir que tal transversalidade, ao demonstrar números maiores de pessoas com deficiência entres as pessoas não brancas e mulheres, implica maiores possibilidades em vulnerabilidade dessa população, justificando o já demonstrado por Barnes e Sheldon (2010), quando afirmam que as pessoas com deficiência são as mais pobres entre as pobres também por acumularem os marcadores históricos de exclusão estrutural.
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A pesquisa do Censo do IBGE de 2010 seguiu o padrão classificatório da Organização Mundial da Saúde no qual a condição de deficiência considera a funcionalidade, é registrada por auto declaração e classificada por grau de dificuldade para cada modalidade de deficiência. Assim, as categorias de classificação conforme o grau e função são: “não consegue de modo algum”, “muita dificuldade” e “alguma dificuldade” para cada modalidade de deficiência. Dessa forma, a categoria “pelo menos um tipo de deficiência”, embora possibilite dimensionar a amplitude da presença de pessoas com deficiência na população, é capaz de produzir dados superestimados.
Considerando que a categoria “alguma dificuldade” pode não representar objetivamente uma deficiência, este estudo realizou o levantamento nos dados do Censo do IBGE de 2010 por modalidade de deficiência, retirando a referida categoria. Na tabela 1, a seguir, apresenta-se a distribuição populacional por modalidade de deficiência dispostos com os respectivos percentuais na população e no interior da categoria em Cachoeira e São Félix.
Tabela 1 - Pessoas com deficiência em Cachoeira e São Félix conforme modalidade de deficiência no Censo de 2010, excetuando-se a categoria alguma dificuldade
Deficiência Cachoeira (32.026 hab.) São Félix (14.098 hab)
Número
% na categoria*
% na população Número
% na categoria*
% na população
Deficiência visual 1470 46,2 4,6 522 35,7 3,7 Deficiência auditiva 383 12,1 1,2 221 15,1 1,6 Deficiência motora 782 24,6 2,4 380 26,0 2,7
Deficiência mental/ intelectual
544 17,1 1,7 340 23,2 2,4
TOTAL 3179 100 9,9 1463 100 10,4
*aproximações estatísticas realizadas Fonte: IBGE (2010)
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Considerando as modalidades de deficiência, evidencia-se que as pessoas com deficiência nos dois municípios representam cerca de 10% da população. A deficiência visual tem a maior prevalência entre todas as deficiências pesquisadas com 46,2% em Cachoeira e 35,7 % em São Félix. Segue-se a essa prevalência, a deficiência motora, que representa 24,6% entre as deficiências pesquisadas em Cachoeira e 26% em São Félix. A deficiência intelectual em Cachoeira é de 17,1% entre as deficiências pesquisadas e 23,2% em São Félix. A deficiência auditiva corresponde a 12,1% em Cachoeira e 15,1% em São Félix, entre as pesquisadas. Apesar dos limites de informações sobre pessoas com deficiência a partir dos dados do IBGE, é possível afirmar que os números estimados de pessoas com deficiência são muito semelhantes aos que se apresentam no Relatório Mundial sobre Deficiência da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2011), que informa a ocorrência de um aumento de 5% na estimativa do número de pessoas com deficiência em cada país do mundo, passando de 10% em 2000 para 15% em 2010. As doenças crônicas e o envelhecimento da população, em nível mundial, são apontados como fatores importantes para a ocorrência de agravos que determinam novas deficiências. As causas externas, além das doenças infecciosas e do agravamento da pobreza, também estão na base do importante aumento da população de pessoas com deficiência no Brasil e no mundo, a exemplo do recente e assustador crescimento dos casos de crianças nascidas com microcefalia no nordeste brasileiro desde 2015 associados ao Zika Vírus. Considerando os dados de pelo menos um tipo deficiência ou o somatório dos dados por tipo de deficiência, a população de pessoas com deficiência representa entre 20 ou 10 por cento dos habitantes tanto de Cachoeira quanto de São Félix. Contudo, estão quase
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invisíveis no cotidiano das duas cidades e os indicadores sociais revelam precárias condições de vida dessas pessoas. Segundo as informações de Cadastro Único (Cad Único)43, em março de 2020, estavam cadastradas 949 pessoas com deficiência em Cachoeira, e 285 em São Félix. Observa-se, na Figura 2, abaixo, que nas faixas de menores rendas está presente o maior número de pessoas com deficiência nos dois municípios.
Figura 2 - Faixa de Renda de Pessoas com Deficiência em Cachoeira e São Félix, segundo o Cad Único em março de 2020.
Fonte: Cad Único (2020).
Em Cachoeira, das 949 pessoas com deficiência, 790 recebem até 1 salário-mínimo; 131 entre 1 e 2 salários-mínimos; 21 entre 2 e 3 salários-mínimos; 7 acima de 3 salários-mínimos. Já em São Félix, das 285 pessoas com deficiência, 229 recebem até 1 salário-mínimo; 47 entre 1 e 2 salários-mínimos; 7 entre 2 e 3 salários-mínimos, 2 acima de 3 salários-mínimos.
43 Dados obtidos a partir do tabulador do Cad Único disponível em https:// aplicacoes.mds.gov.br/sagi/cecad20/tab_cad.php. Acesso em 14 de maio de 2020.
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Conforme a mesma fonte, Cad Único de março de 2020, em São Felix das 285 pessoas com deficiência, 86 pessoas não têm água canalizada, 28 não têm banheiro e 69 não têm ligação com a rede coletora de esgoto. 33 pessoas usam energia sem medidor e 6 usam outra forma de iluminação. Em referência ao material predominante no piso das casas, verifica-se 93 casas com cimento e 188 com cerâmica, lajota ou até mesmo pedra. Com relação à espécie do domicílio, 285 são particulares permanentes. Em relação ao material predominante das paredes das residências em São Félix, temos: 258 utilizam tijolo com revestimento, 3 utilizam taipa não revestida. No que se refere à forma de coleta de lixo nos domicílios, 203 domicílios têm coleta de lixo diretamente; em 3 o lixo é coletado indiretamente, em 71 é queimado ou enterrado na propriedade, em 2 é jogado em terreno baldio ou logradouro e em 1 tem outro destino. Em Cachoeira, identificou-se que das 949 pessoas com deficiência no Cad único em março de 2020, 208 vivem em domicílios sem água canalizada. Com relação à existência de banheiros em Cachoeira, 13 vivem em residências sem banheiro; 383 não têm ligação com a rede coletora de esgoto. 52 pessoas usam energia sem medidor e 75 usam outra “outra forma” de iluminação. Quanto ao material predominante no piso das casas, temos 358 casas com cimento e 554 com cerâmica, lajota ou até mesmo pedra. Quanto ao material predominante das paredes dos domicílios temos: 790 utilizam tijolo com revestimento; em contrapartida 19 têm como material das paredes taipa não revestida. Desses 949 domicílios, 944 são particulares permanentes; 2 particulares improvisados e 3 são coletivos. Em Cachoeira, a coleta de lixo, nesses domicílios, se apresenta da seguinte forma: em 595 o lixo é coletado diretamente; em 51 é coletado indiretamente, em 274 é queimado ou enterrado na
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propriedade; em 19 é jogado em terreno baldio ou logradouro e em 5 tem outro destino. As condições de privação a que estão submetidas pessoas com deficiência em Cachoeira e São Félix desafia assustadoramente os avanços científicos e tecnológicos a exemplo da genética, da clínica, da reabilitação e das estratégias de cuidado, educação e tecnologia da informação, bem como as ações e políticas voltadas para a inclusão de pessoas com deficiência na educação, saúde, trabalho e assistência social estabelecidas formalmente na legislação que são a base da longevidade, visibilidade e conquistas políticas das pessoas com deficiência (OMS, 2011; PEREIRA, 2018). Ao tempo em que o número de pessoas com deficiência em precárias condições de vida é pequeno em números absolutos ou relativos, cabe questionar o porquê das situações, sendo tão poucas, não terem sido solucionadas e se manterem em patamares semelhantes mês após mês nos registros do Cad Único. Destaca-se que nos dois municípios pesquisados não foram identificados nem a partir dos dados do Sistema Único de Saúde44 , nem na observação local realizada pelos pesquisadores, serviços especializados em reabilitação ou outras modalidades de cuidado para atendimento às singularidades em saúde relacionadas à condição de deficiência. Em relação ao acesso à educação entre as pessoas com deficiência com mais de 5 anos de idade em São Félix, 85,96% nunca frequentaram creche ou escola; e a cidade de Cachoeira registra, nesse mesmo quesito, o percentual de 84,35%. Verificou-se a partir dos dados do Censo do IBGE de 2010 que, em Cachoeira, 6.151 pessoas com pelo menos um tipo de deficiência são alfabetizadas, equivalente a 74,17%, 2.141 não são alfabetizadas, o equivalente a
44 Informações do DATASUS Tabnet disponível em http://www2.datasus.gov.br/ DATASUS/index.php?area=02 acesso em 15 de maio de 2020.
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25,8%. Em São Félix, na mesma categoria, são 2.045 alfabetizadas (70,8%) e 843 não alfabetizadas (29,1%). Verifica-se que as cidades de São Félix e Cachoeira apresentam, respectivamente, 9 e 20 escolas (públicas e particulares) que atendem crianças entre 05 e 09 anos de idade. Das crianças com alguma deficiência entre 5 e 9 anos de idade, 12,55% residentes em Cachoeira não frequentavam creche ou escola. No município de São Félix contabilizam-se 8,40% dessas crianças sem acesso ao ensino regular, segundo os dados do Censo do IBGE de 2010. A não frequência à escola, ainda que por um percentual pequeno da população, revela uma questão de grande magnitude, uma vez que se trata de violação de direitos da criança e descumprimento da legislação, denotando precariedade de acesso da criança com deficiência. O primeiro aspecto da Educação Inclusiva, o acesso, não vem sendo cumprido, cabendo questionar a atuação do Estado na direção da prioridade para a atenção à criança e à pessoa com deficiência.
Considerações finais
Os municípios de Cachoeira e São Félix, separados por um rio, unidos por uma ponte e por semelhanças culturais, têm em comum indicadores que apontam para a pobreza e exclusão das pessoas com deficiência. Em torno de 10 a 20 por cento das suas populações, as pessoas com deficiência são invisibilizadas no cotidiano das duas cidades que expressam, num mosaico local, a condição de opressão global a que este segmento populacional ainda é submetido. Além disso, os municípios apresentam condições precárias de mobilidade, seja pela arquitetura, seja pelos morros que compõem a sua topografia, o que possivelmente contribui para justificar o fato da não identificação das pessoas com deficiência durante a observação da equipe de pesquisa em Cachoeira e São Félix.
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Situações de privação e violação de direitos vivenciadas por pessoas com deficiência estabelecem condição de iniquidade, configurando também uma relação entre deficiência e pobreza compreendida não apenas como ausência ou privação de recursos materiais, mas a negação de acesso a direitos, comprometendo a emancipação da pessoa com deficiência. Os municípios estudados expressam a relação entre pobreza, deficiência e saúde nas condições precárias de moradia que aumentam o risco de adoecimento físico e de mortalidade. Os serviços de saúde mais complexos, incluindo a reabilitação, estão entre 23 e 110 km, de modo que não se cumpre a recomendação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência sobre acesso a serviços de saúde próximos à residência, configurando violação do direito à saúde. Também não foi identificada a existência de Conselhos de Direitos das Pessoas com Deficiência nos municípios, o que demonstra que o protagonismo das pessoas com deficiência não alcança espaços de participação política. A pesquisa revela que se faz necessário alinhar ao debate sobre deficiência na perspectiva do modelo social da deficiência, os marcos do estudo sobre Políticas Sociais bem como a Análise de Políticas Públicas, que é capaz de perguntar não só por indicadores e características da política, mas pela relação entre os diferentes agentes, as ideias e interesses em jogo, a configuração da intervenção e a “diferença” que faz (DEUBEL, 2002; SOUZA, 2007; CAPELLA, 2007).
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