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1 POÉTICAS RECÍPROCAS, SIMULTÂNEAS
1 POÉTICAS RECÍPROCAS, SIMULTÂNEAS
O crítico uruguaio Emír Rodríguez Monegal adotou várias chaves de interpretação da obra de Jorge Luis Borges, dentre elas duas são especialmente instigantes: a poética da narrativa e a poética da leitura (Monegal, 1980, 1987). A poética da narrativa diz respeito diretamente à noção de causalidade mágica que Borges desenvolve no ensaio El arte narrativo y la magia. Essa causalidade move-se por analogias; atraindo elementos estranhos e distantes ela coordena a narrativa, conduzindo-a para determinado fim. A poética da leitura, por sua vez, relaciona-se à emergência do leitor como cocriador do texto literário. Nas palavras de Monegal (1980, p.91): “[...] Borges postula que reler, traduzir, são parte da invenção literária. E talvez que reler e traduzir são a invenção literária. Daí a necessidade implícita de uma poética da leitura”. As poéticas focalizadas por Monegal são indissociáveis, como um texto é indissociável de seu leitor, e não há privilégio de uma em detrimento de outra. As reflexões metalinguísticas presentes na obra borgeana resenham ambas poéticas. Mas não é demais alertar que tais poéticas vão sendo construídas pela obra, configurando o que podemos chamar de “poética borgeana”. O modo como o texto literário é construído, as histórias que conta, os desdobramentos que sugere, enfim, tudo o que participa da matéria e da forma dos textos, e não apenas as reflexões metalinguísticas, agem mutuamente e configuram a existência da poética borgeana. A dimensão prática jamais deve ser negligenciada, porque até seu próprio universalismo está emaranhado aos adjetivos; temas; procedimentos; narrador; leitor; espaço; tempo; às metáforas; reflexões, imagens; personagem; de modo específico à dinâmica de cada texto, de forma delimitada pelo objetivo de cada texto, circunscrito à precisão das palavras e frases sucessivas. Essa simultaneidade entre reflexão e fazer literário não é de todo familiar ao leitor. Mas podemos, aos poucos, dela nos aproximarmos.
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