Histórias Medonhas de um Recife Assombrado - Contos e Causos

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Histรณrias Medonhas de um Recife Assombrado Contos e Causos Eddie Souza


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Histรณrias Medonhas de um Recife Assombrado por Eddie Souza

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Histórias Medonhas de um Recife Assombrado por Eddie Souza

Crônicas d’o Recife Assombrado Vou contar agora sobre um lugar legal. Na verdade, uma cidade inteira, a mais assombrada do Brasil. Essa é Recife, a capital de Pernambuco, que em seus 483 - completados em março (2020) - já guardou inúmeros relatos de casos no mínimo inquietantes. Os casos que aparecem beiram entre o folclore e o real, são diferentes entre si, vão desde pernas se movimentando sem corpo com vontade própria aos clássicos como lobisomens, fantasmas, damas que guardam algo de sobrenatural. Algumas histórias não são simples crendice e se baseiam em fatos reais. Por exemplo, a lenda da perna cabeluda começou quando foi encontrada uma perna decepada boiando pelo rio Capibaribe, a polícia não soube explicar o acontecimento na época. E não é apenas esse. São encontrados muitos relatos de testemunhos de terem se visto fantasmas, em bibliotecas e lugares famosos. Até hoje esses enigmas intrigam muita gente. Recife é uma cidade macabra. Também tem o seu lado irreverente de Capital do Frevo no carnaval, mas depois que o sol se põe, a magia que envolve a cidade se levanta. Concluindo que muitas dessas lendas vem do próprio folclore local, como é o caso do conto de Comadre Florzinha. A capital pernambucana é a cidade mais assombrada do Brasil, e disso ninguém duvida. Quem é que não gosta de ouvir uma boa história de fantasmas, daquelas de deixar os cabelos em pé? Quantos de nós, quando crianças, já não nos reunimos à luz de velas, nas noites em que faltava energia elétrica no bairro, para contar lendas e casos sobrenaturais, antecipando um boa noite de insônia?

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Esta coletânea traz diversos textos. Depoimentos enviados por leitores e contos de vários autores, lendas e boatos que provocam calafrios nos recifenses - uma seleção assustadora do que já foi publicado no site O Recife Assombrado. Nesses “causos” estão personagens tradicionais do folclore nordestino como o Papa-figo e legítimas lendas urbanas como a Mulher do Algodão e a famigerada Perna Cabeluda, além de fantasmas e assombrações de todo o tipo.

Boa leitura!

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Histórias do bairro mais assombrado do Recife

A capital pernambucana é a cidade mais assombrada do Brasil, e disso ninguém duvida. E muita gente me pergunta qual o bairro desse município repleto de estranhezas e mistérios teria mais visagens e almas-penadas. Seguindo as indicações do livro Assombrações do Recife Velho, de Gilberto Freyre, constatei que o bairro do Centro conhecido pelo comércio popular, e por ser o berço de tradicionais de agremiações carnavalescas, também é campeão em malassombramentos. As ruas de São José não são só território do vuco-vuco e do Galo da Madrugada. Nos antigos casarões daquela vizinhança habitam diversos fantasmas. E aqui vou contar algumas dessas histórias medonhas.

Casa da esquina do Beco do Marisco Era uma construção com térreo e dois andares, sem requintes arquitetônicos, erguida em meados do XIX. No prédio, os fantasmas faziam a maior algazarra à noite: vultos saindo e entrando dos quartos, som de quedas tremendas na sala de visita, correntes arrastadas pelo assoalho, portas se abrindo e fechando sozinhas. Devido a essas perturbações, a casa ficou muito tempo sem morador até que foi alugada por um português conhecido com Belarmino Mouco. Sendo quase surdo, era menos afetado pelos ruídos misteriosos. Mesmo assim, vez por outra, Belarmino era acordado pelas manifestações das almas-penadas. Até que um empregado do português se enforcou no segundo andar da casa.

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Chamava-se João Teixeira e tinha vinte e poucos anos. Ninguém nunca soube o motivo do suicídio e, por isso, muitos passaram a considerá-lo uma vítima dos espíritos malignos. Poucos dias depois dessa ocorrência trágica, o mouco mudou-se. A partir de então, os vizinhos passaram a ver um vulto nas janelas do segundo andar sempre que caía a noite. As pessoas chegavam a se aglomerar na rua em frente à casa para tentar vislumbrar o espectro. Nesse momento uma areia vinda não se sabe de onde era jogada sobre a multidão. O alvoroço foi tanto numa dessas situações que a polícia foi chamada. Os soldados arrombaram a porta, mas, quando subiam as escadarias, levaram tanta areia nos olhos que partiram em retirada. Ficou comprovada a assombração. A casa ficou fechada por muito tempo até ser reformada para se transformar em cinema. Após alguns anos, a sala de exibição passou a ser usada como igreja evangélica.

Imóveis assombrados na Rua de São José O primeiro era uma construção requintada, quase um palácio, com dois pavimentos além o térreo, que, no início do século XX, permaneceu anos sem moradores por causa da fama de assombrada. Segundo Gilberto Freyre, um repórter policial conseguiu alugar o imóvel "por 50 mil-réis" - na época, uma bagatela. O jornalista fora avisado sobre o que acontecia de estranho no casarão, mas não teve medo. Na primeira noite em que dormiu lá, ele ouviu estranhos assovios e baques. Também balançaram-lhe a rede e também apagaram o candeeiro que iluminava o ambiente. Na noite seguinte jogaram areia na rede e ainda puxaram o lençol e os pés do repórter. Na terceira noite, cortaram as cordas da rede fazendo o rapaz cair no

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chão enquanto dormia. Desta vez o valentão desistiu: enxotado pelos fantasmas, mudou-se ao amanhecer. O segundo era moradia simples, de porta e janela, onde, no começo do século XX, morava a família de um funcionário público. Esse homem pacato e amistoso com os vizinhos um matou-se com um tiro na cabeça - um suicídio inesperado, visto que parecia ser uma pessoa de bem com a vida, como se diz. Depois disso, a família mudou-se e a casa virou cenário de macabras aparições. Diziam os moradores da área que, sempre depois das onze da noite, aparecia na janela um vulto embuçado, ou seja, com o rosto escondido por um manto ou capa que só lhe deixava os olhos à mostra. E todos que passavam em frente à residência àquela hora viam essa estranha figura na janela. De outras ruas vinham pessoas incrédulas para testemunhar o fenômeno. Até um homem que se dizia ateu teria desmaiado ao ficar diante da tal visagem. A polícia chegou a entrar e dar buscas na casa assombrada para saber se era brincadeira de algum engraçadinho, mas não encontrou ninguém. A vizinhança tomou a providência: missas em intenção da alma do suicida foram encomendadas aos religiosos da Basílica da Penha. A partir daí, cessaram as aparições do misterioso embuçado.

O sobrado das Três Mortes Prédio de apenas um andar na Rua da Concórdia. Conta-se que nele três pessoas foram assassinadas. Depois desse evento odioso, fenômenos sobrenaturais passaram a ocorrer no local. As famílias que ali moraram testemunharam o aparecimento de vultos negros, ouviram sons estrondoso em ambiente onde não havia ninguém. Alguns moradores chegaram desmaiar diante de tais manifestações. Poucos tinham coragem de passar muito habitando o prédio. A fantasmagoria só diminuiu quando, no começo do século XX, um

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militar se mudou com sua família para o sobrado. Ele era espírita e promovia sessões mediúnicas para apaziguar os espíritos atormentados que vagavam na velha casa.

A casa da Rua Imperial Com térreo e primeiro andar, a construção ficava ao lado de um jardim onde havia uma frondosa mangueira. Dizia-se que, próximo a esta árvore, vultos de um homem e de uma mulher eram vistos alternadamente, sempre ao cair da tarde. Quando apareciam, as duas figuram apontavam para o chão, possivelmente indicando o ponto exato onde estaria enterrada uma botija. No começo do século XX, moradores da casa teriam, de fato, encontrado naquele local um caixão com um tesouro.

O sobrado da antiga Rua Augusta Construção sem requintes localizada na via que, em meados do século XX, desapareceu para dar lugar à Avenida Dantas Barreto. No fim do século XIX, no Sobrado eram vistos vultos medonhos e ouvidos ruídos misteriosos. Durante a noite, os fantasmas costumavam puxar os pés das pessoas adormecidas. Um morador chamado Manuel Silvano de Souza chegou a ver no local o espectro do irmão falecido poucas horas antes na Paraíba.

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O sobrado da Rua de Santa Rita Diziam que nesse prédio as assombrações provocavam estanhos ruídos depois das sete da noite: assovios, portas batendo, louças se partindo - embora ninguém visse quem produzia todos esses sons. O sobrado era considerado maldito e muitos vizinhos chegavam a evitar passar pela calçada em frente a ele. Certa noite, uma moradora casa sonhou com um homem pálido, todo vestido de preto, que indicava a existência de uma botija no sótão do edifício. Ela comunicou o sonho ao primo dela, que era o dono da casa, e este resolveu que a família deveria se mudar imediatamente - não queria conversa como o "dinheiro das almas". Sabendo disso, um sapateiro pobre, tido como cabra-macho e chamado de Juca "Corage", aceitou o desafio: passou a dormir todas as noites no sobrado na tentativa de também sonhar com a localização do tesouro. Conta-se que dias depois o sujeito mudou-se de São José e nunca mais deu notícia. Teria encontrado a dinherama.

O sobrado do Pátio do Terço Tinha três andares e foi cenário de uma morte violenta. Acreditava-se que o edifício se tornou amaldiçoado: visagens faziam suas aparições em todos os cômodos a qualquer hora do dia. À noite, barulhos assustadores tomavam conta do ambiente: sons de louças sendo quebradas e cadeiras sendo arrastadas. Um menino de onze anos que morou no sobrado viu, certa vez, o fantasma de uma mulher que, com uma voz fanhosa que pediu rezas para salvar alma. A família atendeu à solicitação e assombração acabou.

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A procissão dos defuntos Uma lenda conhecida em outras cidades do Brasil também é contada pelos moradores de São José. Há quem garanta que numa noite do período de Quaresma, ou mesmo na Semana Santa, almas penadas saem procissão pelas ruas estreitas do bairro, suplicando o perdão dos pecados os prendem ao Purgatório – um lugar sombrio, acima do Inferno, talvez a própria Terra, onde os finados recentes que, em vida, cometeram faltas mais leves esperam a purificação necessária os permitirá subir ao Céu. Quando algum desavisado encontra esse triste cortejo pode não perceber de cara que os fiéis são mortos. Mas certamente vai entender tudo depois que recebe de um deles uma vela que, no dia seguinte, se transforma num osso humano - um osso comprido e velho, vindo de uma catacumba esquecida.

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Histórias de outros lugares assombrados do Recife O índio do bairro do Recife Dizem que um prédio onde funcionava como bar no Bairro do Recife era habitado pelo um espírito de um índio que botava as pessoas para correr. O espectro surgia principalmente no último andar do casarão, um edifício de dois andares. Algumas pessoas que trabalhavam lá chegaram a testemunhar o estranho fenômeno. E uma garçonete teve a comprovação. Certa madrugada, quando o bar estava vazio e sem movimento, ela saiu para ver se, pelo menos, havia alguém na rua. Do lado de fora, verificou que a janela do último andar do prédio - que era feito de depósito - estava aberta. Corajosamente, mesmo sabendo do que se contava sobre o tal índio, resolveu ir fechar a janela e verificar se não havia mais nada aberto lá por cima. Quando deixou tudo fechado, organizado, foi descer as escadas para ir embora. Depois de vencer uns poucos degraus, sentiu alguém dando passadas bem fortes atrás dela, na escada. Foram unas três ou quatro pisadas. Quando olhou para trás, viu o que não desejava: a figura do misterioso índio, caboclo sem camisa, pele trigueira e cabelos revoltos. Na cabeça, um cocar de penas longas. Dizia palavras incompreensíveis e apontava para a moça. Ela desceu em disparada, gritando. Os colegas do bar ainda correram para ajudar. Mas ninguém encontrou nada no local. E até hoje não há quem explique de qual tribo saiu a assombração indígena.

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A Emparedada da Rua Nova Recife, tempo antigo. Era noite de carnaval e as ruas estavam repletas de alegria. As camélias, debruçavam-se na janela como mulheres vistosas que dão de ombros e sorriem nos dando as costas. Da calçada, do lado oposto da rua, podia-se ver a sacada da casa branca e a sombra de uma moça com um véu de noiva na cabeça entre as cortinas. Era quase madrugada, a escuridão na rua nova era fantasmagórica, mas ao longe ouviam-se cantorias. As casas adormeciam com um peso grave e um vento úmido de mar soprava naquelas cortinas e traziam do porto os murmúrios dos bêbados. O vento soprava também os negros cabelos da moça, e a moça cantarolava uma musiquinha tão triste que era de acalentar os fantasmas. Mais uma vez se repetira aquela data: 14 de fevereiro. Foi quando morreu Clara, sua irmã. Sua repentina partida cortara ao meio o coração do pai e bruscamente levou a lucidez da mãe. Eles haviam sonhado para a morta, um arsenal de felicidade de tanta beleza e formosura... mas tudo virou um perfume de saudade. Pairava no ar durante anos, um cheiro de coisas dormidas e cansadas. O velho lamentava tanto tudo aquilo e vivia resmungando sozinho os lamentos. Ao lado da mesa, na cadeira de balanço, Rosa, a mãe, olhava de jeito perdido os ponteiros do relógio que caminhavam à deriva. Dona Maria Rosa perdera o foco do olhar, seu peito era porto final, nada a reanimava. Eugênia, nome de sinhá, nome de camélia triste, nome de mulher antiga, forte, era a filha mais velha. Sua presença estava mais despercebida do que já era antes de partir Clara. A moça era mais um fantasma entre fantasmas e andava sorrateira pelos cantos da casa a murmurar músicas de igreja. Dentro de si, expandia-se com rumores de escuridão uma semente, ela tinha no mais profundo segredo um

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ato impensado encoberto que a flor do amor inconstante lhe dera: uma chance para rir da vida, alguém seu, profundamente seu crescia em seu ventre, em silêncio. Tinha também um antigo noivado que era coisa partida em suas costas, ela era desde então algo partido ao meio. Sentada diante do espelho, encarava o próprio olhar numa esperança certeira, acariciava com o véu seu rosto pequenino e preparava-se no momento mais premonitório de sua vida: iria fugir. Vestida de noiva, iria fugir. Numa noite de carnaval ninguém a levaria a sério, se a vissem daquele jeito na certa iriam rir. Aprontou uma pequena mala e esperou alta noite cair. Quando alta noite caiu trazendo a madrugada, ela vestiu-se lentamente com cuidados de gueixa e desceu as escadas igual gato matreiro, igual mulher que vai escondida brincar o carnaval, toda de branco, suave, uma mão repousava no ventre, a outra segurava a mala, os olhos iam pra todo lado, os ouvidos também, a respiração ofegava de medo, se o pai descobrisse era morte certa. Mas a felicidade tocou levemente seu coração quando ouviu ao longe vozes que cantavam: “Quando se vai um amor... desses que a gente quer bem, a gente espera seu moço, até que um dia ele vem.” Num átimo de segundo, porém, a felicidade se foi na fragilidade da brisa. O vento de mar trouxe também maus presságios e a fez tropeçar nas escadas. Foi ali que em um segundo o destino fez morada. O pai desceu enfurecido pensando estar sendo invadida a casa por vândalos, e vendo a filha naquele estado ridículo e a mala pronta nas mãos desmanchou-se a espancá-la sem termos. Foi quando de repente ela soltou o grito de morte: Papai não! Eu estou grávida!

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Ao ouvir tamanha desgraça, o coronel Mariano foi tomado por uma força gélida que paralisou por instantes suas mãos e seu olhar, foi quando sua expressão ferina se tornou selvagem de vez e veio-lhe pela garganta um asco de fera. Subiu-lhe à cabeça uma sensação de vergonha repleta de imagens furtivas com grandes rostos rindo dele que bailavam com ironia diante de sua mente num lapso de segundos. Não havia diante daquilo mais nada para ele, glória alguma, e seu passado de severas conquistas era tudo que tinha de ser preservado. Sua honra. Seus grilhões. Foi assim que num último golpe, acertou a filha em cheio na cabeça e ela desmaiou. Infeliz! Desta casa você não sai! Quer ver? Pois você vai ver. Agora você vai ver. Dos fundos podia-se ouvir murmúrios de mãe que pareciam rezar um terço: Não. Não faça José... não faça. Não faça José, não faça não. Saiu como um touro em busca de um machado e o encravou contra a parede do porão diversas vezes. A escuridão reinava de madrugada. Uma vizinha ouvira tudo mas assustada não interviu. A cada machadada sua ira aumentava, estava decidido a acabar com todas as suas desgraças. Preparou os tijolos, o cimento, preparou tudo. Com força de bicho carregou Eugênia e encravou ela na parede, estava ali, era uma lua de madrugada muito branca, era uma pintura delicada, era um quadro vivo. O buraco era menos fundo que um túmulo, parecia mais uma moldura. José Mariano postou-se determinado a levantar os tijolos e a jogar com força o cimento. Dos fundos ouviam-se murmúrios de mãe:

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Não José...faça não, faça não. E iam subindo os tijolos como sobe a maré no meio da noite, uma maré silenciosa de oceano profundo e cheiro forte de sargaço. Uma maré que se levanta pelas mãos de um Deus impiedoso a apagar aos poucos uma visão de lua cheia. Foram aos poucos sumindo os pezinhos, o ventre ainda vivo, umas mãos de veludo tão cuidadosas de fiar e tecer tantas esperas. Iam também os cabelos de escuridão, um rosto que virado de lado parecia o de uma virgem que dormia e no pescoço um relicário com a foto de um homem moreno e desconhecido dentro. Tinha uma dedicatória atrás: “com amor eterno”. Sua forma sumia na renda, sumia na pedra e no cetim, sumia nos bordados e folhas secas de jasmins, mergulhada pela ascensão de uma maré de pedras, ela sumia inconsciente, a lua, ia-se com o amanhecer do dia, a emparedada. Quando acordasse já estaria mergulhada naquele mar para morrer afogada. Ninguém a salvaria. Quando veio a manhã, os blocos posicionados cantavam marchinhas de amor e tinham estandartes coloridos. Passavam na Rua Nova com grande festança, mas foi o Bloco das Flores que baixou sem perceber o estandarte diante da casa branca, e ali assentou-se por horas a cantar.

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Recife e sua Várzea Assombrada A Várzea, um dos bairros mais antigos da cidade, também guarda suas histórias fantasmagóricas... Famoso pelo seu conteúdo histórico (foi o primeiro a ter suas terras repartidas entre os colonos portugueses na 1ª metade do século XVI) e pela arte colossal do mestre Brennand, o bucólico bairro da Várzea também tem seu lado digamos que... Assombroso. Uma prova disso são os inúmeros relatos sobre vovós do além, escravos andarilhos e sinhás de tez delicada que caminham por varandas de casarios antigos. Segundo maior em extensão territorial do Recife, com 2.264,0 hectares de área, a “Valzea”, carinhosamente chamada pelos seus adoradores e frequentadores como eu, também guarda seus mistérios. Habitada primeiramente por engenhos-de-cana-de-açúcar, e atualmente por charmosas casinhas de ruelas tranquilas, o local até hoje, exibe seus fantasmas. Entre os mais conhecidos está o da “Velhinha da Sacola”. Esse espectro costuma aparecer para os mais afoitos que teimam em caminhar pelas ruas desertas do bairro a altas horas. A simpática velhota surge, como quem não quer nada, carregando uma sacola grande e aparentemente pesada. Quem se aproxima e se oferece para levar a bolsa depara-se com seu súbito desaparecimento e o surgimento de uma inusitada situação: a sacola abandonada e... Cheia de ossos humanos. Outra estripulia de nossos fantasmas varzeanos é o aparecimento de mais uma velhinha que, segundo informações dadas ao nosso site, costuma apanhar quem, também, perambula por aí voltando da faculdade ou de algum outro lugar. A singular e carente aparição vem de braços abertos louca para dar um daqueles abraços apertados que as avós nos dão quando nos encontram depois de um longo período

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de ausência. Seria a pavorosa encanecida um espectro “morto” de saudade dos netinhos? Quem quiser que faça as suas apostas. Uma outra historieta é sobre um antigo e abandonado casarão na Praça da Várzea, conhecido por seus barulhos ensurdecedores de móveis caindo no meio da noite e de uma aparição nada desagradável: quem tem sorte, presencia uma adorável sinhazinha a desfilar pelo terreno da residência em trajes antigos e suntuosos. Há quem diga que, ao som de gracejos, a jovem sorri e desaparece, deixando um aroma de flores à sua volta. Chegou aos nossos ouvidos uma ocasião em que um atrevido mancebo das bandas da Brasilit estava a passear pelos arredores da casa para sondar o local e ver se conseguia ver a adorável moçoila. Qual não foi seu desespero quando, do nada, as portas abriram-se e uma terrível ventania saiu de dentro da residência alcançando o nobre rapaz. Ele, claro, não ficou para ver quem soprava... Um colégio local é outra fonte inesgotável de aparições. Existe quem já ter visto, caminhando em suas dependências, uma freirinha com ares pensativos. Será que estava a calcular qual seria o próximo aluno a levar umas belas bordoadas da palmatória? Bom. Não sabemos. Enquanto deixamos nossos leitores a pensar no assunto apresentamos mais um testemunho: o aparecimento de negros quase desnudos e ainda presos a correntes caminhando pelas ruas desertas do bairro de forma arrastada e triste. Manifestações de um passado doloroso impregnado no ar ou uma desesperada tentativa de avisar ao mundo dos vivos que o outro lado existe e não esqueceu o que sofreu nos pelourinhos dos grandes engenhos? Quem o sabe? Encurtando nosso relato, mais uma: quem mora nas imediações da Igreja do Rosário, datada do século XVII, já deve ter ouvido o caso em

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que escavações recentes desenvolvidas sob a orientação do Departamento de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco, encontraram o cemitério das vítimas das duas batalhas dos Montes Guararapes (1648 e 1649). Entre eles, o de uma donzela ainda em vestes de casamento. E, quem passava por perto da parede onde jaziam os corpos, jurou que ouviu um choro de mulher, muito triste e sentido, igual ao de moça abandonada no altar... Bem, quem foram ou o que querem os fantasmas varzeanos, nem sempre legitimamente pernambucanos, não sabemos. O que realmente nos interessa é poder continuar a contar as histórias que povoam não só o imaginário popular recifense, mas, também, as ruas e bairros da considerada Escócia brasileira. Isso, graças aos seus inúmeros e incansáveis fantasmas que deixam nossos dias mais instigantes e nossas noites apavorantes.

A mulher sinistra do Pátio de São Pedro Dizem que num sobrado de quatro andares que existe ao lado da Igreja de São Pedro, reside uma figura que provoca calafrios em quem a encontra. É uma mulher bonita, de longos cabelos negros e roupas provocantes que é vista a caminhar lentamente pelos corredores e escadarias do antigo edifício. Os que se deparam com ela logo percebem, trata-se uma visagem, alma de outro mundo: depois de alguns passos, a moça misteriosa de semblante tristonho desaparece no ar, como por encanto.

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Uns poucos cômodos do sobrado são moradias para algumas famílias. Em outras dependências trabalham costureiras e prestadores de serviços, como pintores de placas. Muitas dessas pessoas já testemunharam a aparição. A decoradora Rosângela Silva, que morou no lugar, contou o que ouviu sobre a origem da fantasmagoria. Seria o espetro de uma mulher que alugou um dos quartos do velho prédio na década de 50. Era jovem e atraente, mas vivia só e carregava a dor de uma desilusão: havia sido abandonada pelo amante. Comenta-se que, para sobreviver, trabalhava como prostituta. Certo dia matou-se ateando fogo ao corpo. Morte lenta e dolorida de quem tenta queimar a dor de uma constante amargura. E desde então virou malassombro, alma-penada, eternamente presa a este plano de existência por causa do terrível pecado que cometeu. As pessoas que convivem no sobrado já tentaram pôr fim ao sofrimento desse espírito encomendado missas e requisitando bênçãos dos padres no próprio edifício. Logo depois dessas medidas as aparições deixam de ocorrer, mas não por muito tempo - não demora e alguém se depara novamente com a sinistra mulher a caminhar pelos corredores.

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Zona Sul Assombrada J. L. Munguba Por mais que os céticos duvidem, não há como negar que o Recife é mesmo uma cidade assombrada. Acontecimentos estranhos, assustadores, bizarros até, são registrados em diversos pontos do município. Ao que parece, os fantasmas não fazem distinção entre bairros mais tradicionais ou mais modernos. Contrariando a crença geral de que as almas penadas só habitam velhos casarões e cemitérios, elas também atormentam os moradores dos espigões de aço, concreto e vidro da Zona Sul. E os exemplos são muitos. Leiam esta curiosa mensagem envidada pela leitora Izaura Dias, residente no bairro de Boa Viagem: "Eu moro num edifício na Avenida Navegantes que é assombrado. Não sabemos ao certo o motivo dele ser assombrado, pois não conhecemos nenhuma história sobre o terreno. O fato é que na área de lazer do prédio acontecem coisas que não têm explicação. Elevadores que sobem e descem sem ter ninguém, vultos, barulhos inexplicáveis. Os cachorros agem de forma estranha quando estão na área de lazer e até mesmo quando estão dentro dos apartamentos." Lembrei-me de um outro misterioso caso ocorrido num luxuoso edifício de Boa Viagem. Foi nos anos 70. Era um prédio recém construído, provido de elevadores, ampla garagem, playground, etc. Mas, quando as famílias começaram a se mudar, descobriram que tais confortos não eram garantia de tranquilidade. Os primeiros sintomas da fantasmagoria foram toques anônimos nas campainhas: a sineta soava, mas, quando a dona da casa ia atender, não havia ninguém na porta. Isso inúmeras vezes ao dia, em todos os apartamentos, deixando todos os condôminos irritados e alarmados.

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Depois foram baques estrondosos sem causa aparente durante a noite. Os vizinhos culpavam uns aos outros pela barulheira, mas o responsável nunca era descoberto. Por fim vieram as constantes paradas no elevador social, que não deveria falhar, pois era novinho em folha. Moradores e visitantes ficavam presos no cubículo, embora não houvesse falta de energia. A interrupção no funcionamento da máquina durava alguns minutos e, logo em seguida, ela voltava a trabalhar normalmente. Uma investigação minuciosa dos técnicos da empresa de manutenção nada pôde revelar sobre o misterioso defeito. O síndico já estava desesperado por causa desses problemas quando resolveu fazer um levantamento completo sobre a história do prédio. Descobriu-se que, durante a construção, um desafortunado operário teve uma morte trágica ao cair por descuido no poço do elevador social. Os moradores mandaram rezar uma missa no hall de entrada do edifício. O fato é que, desse dia em diante, as sinistras manifestações sobrenaturais pararam. Portanto, desavisado leitor, se você quer distância de fantasmas e similares, não se fie no fato de morar num prédio novo, concluído há poucos meses. Enquanto você lê este blog, um "habitante invisível" do seu belo apartamento pode estar aí, bem ao seu lado, perto do computador.

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As casas do Rosarinho Relatos enviados por Jaqueline Couto Minha tia, moradora antiga do bairro do Rosarinho, Zona Norte do Recife, sempre me contou histórias arrepiantes sobre as casas em que sempre viveu nessa localidade. Entre os fatos acontecidos, destaco três que narrarei aqui por terem me deixado de cabelo em pé e por ter participado de alguns episódios. A primeira casa, muito grande, era conhecida pelos vizinhos por dois motivos: o primeiro era que ela era imensa. O segundo era que ninguém nunca, eu disse nunca; morava lá mais do que três meses. Minha tia, contrariando as regras, foi uma exceção, passando mais de três anos. Ela só se mudou porque conseguiu uma casa maior, já que estava esperando seu terceiro filho. Era comum ouvir barulhos de passos, risadas e pancadas nas paredes, como se alguém as tivesse esmurrando com muita raiva. Durou muito tempo esse processo todo e, creio que até hoje ainda existam rumores sobre a casa. A segunda residência, também bastante grande, era palco de fenômenos parecidos, mas com uma exceção: os fantasmas nos acompanhavam nas atividades diárias nos seguindo pela casa. Era bem corriqueiro ouvir passos nos corredores quando passávamos e termos nossos banhos interrompidos graças às inconvenientes batidas na porta. Outra coisa bem desagradável que acontecia era ouvirmos uns barulhos esquisitos como se fossem passos no forro da casa. Era pavoroso imaginar quem caminhava lá por cima e o que queria... Este último relato finaliza com a terceira e última casa; em que ela e a família moram até hoje. Meus primos sempre acordam com luzes nos quartos e como se alguém os tivesse segurando nas pernas e nos braços, imobilizando-os de forma a não oferecerem perigo de sequer,

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se mexerem. A sensação, segundo eles, é horrível. Passos, risadas, vozes e a sensação eterna de que tem alguém a observar também é comum. Um exemplo é o basculante que fica entre a sala de estar e a salinha dos computadores, que sempre parece ter alguém à espreita. Quando olhamos, não há ninguém. Às vezes, fica apenas a réstia de alguém que acabou de se abaixar e se esconder para não ser flagrado observando seus inquilinos.

Afogados: nome trágico de um lugar misterioso Por Roberto Beltrão O bairro é um dos mais tradicionais do Recife. Lugar de intenso comércio e muitas residências, tem um amigável clima suburbano, com moradores que se conhecem e se cumprimentam todos os dias. Lá os altos prédios não substituíram as casas com quintais amplos. À primeira vista, ninguém é capaz dizer que, à noite, Afogados é visitado por estranhos espíritos e espantosas assombrações. O nome do local já tem uma origem macabra. Segundo o pesquisador pernambucano Leonardo Dantas Silva - no livro Arruando Pelo Recife - ali existia um afluente do Capibaribe chamado Rio dos Afogados onde, em 17 de fevereiro de 1531, sete marinheiros da expedição de Martin Afonso de Souza vieram a perecer”. A via mais importante do bairro é a Estrada dos Remédios, que tem 2.423 metros e foi aberta em 1850. Na metade do século XX, a maior parte dos habitantes de Afogados se concentrava na Vila dos Remédios, um conjunto residencial às margens daquela estrada, que na época era cercada de árvores sombrias. Nessas sombras se escondiam vultos misteriosos que provocavam tremendos sustos nos passantes, principalmente os que seguiam de madrugada para a feira livre realizada semanalmente

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na área. Eles ouviam apavorantes sussurros e chegavam a ser perseguidos difusas aparições. No começo da década de 60, uma assombração em particular trouxe medo à vida dos moradores de Afogados. Era uma bela mulher, de cabelos escuros, vestida com roupas decotadas e chamativas que caminhava sozinha pelas ruas do bairro nas horas mortas. Sem pudor, se insinuava para todo tipo de homem que cruzasse o seu caminho jovem ou velho, solteiro ou casado, pobre ou rico. Quando o desavisado caia em seus encantos, era levado para um beco escuro. Ao se entregar às cariciais da moça, a vítima descobria que estava abraçado a uma caveira! Os corajosos ainda saíam correndo em pânico. Os covardes só eram encontrados pela manhã, desacordados. A mulher fantasma perpetrou tantos ataques que os homens começaram a evitar andar à noite pelas calçadas do bairro. Mas alguns, lamentavelmente, não podiam evitar correr esse risco. Ficou famoso o caso de um senhor de seus cinquenta e poucos anos que teve um encontro nada agradável com a fêmea espectral. Ele era civil, mas trabalhava como motorista numa instalação militar. As horas extras eram frequentes e, depois dessas jornadas de trabalho esticadas, voltava para casa com passos apressados. Numa dessas noites, quando Afogados estava coberto por um manto de silêncio e trevas, o motorista seguia seu trajeto costumeiro e percebeu que a tal mulher o espreitava numa esquina. Ele fingiu que não viu e procurou andar mais rápido. Mas a assombração foi em seu encalço e, por mais que o sujeito acelerasse, ela se aproximava com passadas leves e ligeiras que só uma alma penada pode dar. O pobre homem chegou esbaforido ao portão de casa, mas aliviado por achar que estava em segurança.

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Puro engano. Ele tinha atravessado o jardim e tentava, com as mãos trêmulas, achar a chave para abrir a porta da frente, quando percebeu que a mulher também tinha chegado ao portão. Ela o atravessou sem precisar abri-lo e veio rebolando em direção ao apavorado motorista que, a essa altura, já tinha deixado o chaveiro cair no chão. Ficou a poucos centímetros do coitado e revelou uma face de caveira. A transformação veio acompanhada de um nauseante odor de cadáver. O motorista soltou um grito e desmaiou. Foi socorrido pela esposa que logo suspeitou de um ataque cardíaco. O problema dele era outro: pavor inominável. O homem não foi o mesmo depois desse episódio. Tornou-se meio acabrunhado, desconfiado de tudo e sempre temeroso de sair de casa à noite. Na Década de 60, os moradores de Afogados atribuíam as constantes aparições de fantasmas a uma suposta profanação cometida no local. Corria um boato de que o mercado público do bairro, um dos mais movimentados do Recife, tinha sido construído sobre um antigo cemitério (talvez aquele onde foram enterrados os tripulantes mortos na expedição de Martin Afonso de Souza). A hipótese nunca foi comprovada, mas também não foi desmentida. O fato é que quem passava por perto do mercado sentia um cheiro de coisa podre que nem o mais poderoso detergente conseguia eliminar do prédio. Ainda segundo alguns habitantes do lugar, esse desrespeito aos mortos facilitava o aparecimento de espíritos zombeteiros como o “Zé Pilintra”, entidade identificada nas rodas de magia africana. Os rapazes que voltavam de festas à noite costumavam se deparar com essa figura: chapéu na cabeça, roupa branca, jeito de malandro. Quando se aproximava do grupo, soltava uma estridente gargalhada. Não ficava um sujeito de coragem para contar o resto da história.

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Contos A Patroa Severina era uma arrumadeira de "mão cheia". Trabalhava como diarista em várias casas de família e conseguia os contratos por meio de uma agência de empregos. Um dia recebeu um recado urgente para fazer um serviço numa residência no Cordeiro, um tradicional bairro do Recife. Como estava sem nenhuma visita programada (a data era 31 de outubro de 1988), atendeu prontamente ao chamado. O contrato continha uma instrução curiosa: a patroa, chamada Dona Carminha, não estaria lá para recebê-la. Mas a empregada poderia entrar usado uma chave escondida sob o capacho da porta da frente. O endereço que lhe foi indicado era de uma casa pequena numa das ruas mais tranquilas do lugar. Aliás, a casa estava tranquila demais; parecia mesmo abandonada. A grama do jardim se tornara um verdadeiro matagal. As folhas caídas das árvores formavam um tapete com vários centímetros de espessura. O muro e as paredes não recebiam uma camada de tinta há vários anos e o estava uma lástima. Conforme o combinado, Severina entrou na casa usando a chave, mas com certa dificuldade. A fechadura estava emperrada e foi preciso fazer força para abrir. Por dentro a situação era ainda pior. Sobre os móveis antiquados, havia uma grossa camada de poeira. As teias de aranha eram tantas - e tão grandes - que já se assemelhavam a cortinas. Ela suspirou fundo e pensou no trabalho que iria enfrentar. Pegou o material de limpeza que encontrou dispensa - vassouras e produtos higiênicos que não eram usados há muito tempo - e começou o serviço.

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Passaram-se algumas horas para que tudo estivesse limpo. Severina lustrou até os porta-retratos que estavam na mesa central da sala. Eles continham fotos bem esquisitas: imagens de uma senhora de seus 60 e poucos anos, provavelmente a dona da casa, usando turbante e roupas brancas. Em algumas fotografias ela estava de olhos fechados e fazendo gestos largos com as mãos. Mesmo intrigada com tudo que encontrou, a arrumadeira cumpriu o seu dever, trocou de roupa e ficou na pequena varanda da casa à espera de que a patroa chegasse para fazer o pagamento. Passaram-se outras tantas horas, anoiteceu e nada da tal Dona Carminha aparecer. Severina já estava injuriada e tomou uma atitude. Voltou à sala, pegou uma das fotos e foi até a casa ao lado tentar conseguir alguma informação sobre a mulher. A vizinha, que regava o jardim, fez uma cara de espanto: - Essa é Dona Carminha sim! Mas ela morreu há uns dois anos. Como é que ele pode ter contratado a senhora? Severina nem conseguiu responder à pergunta. Sentiu calafrios por todo o corpo e perdeu os sentidos ali mesmo, na calçada. Foi socorrida pela vizinha que a trouxe para dentro de casa e lhe ofereceu um copo de água com açúcar. Em prantos, a arrumadeira só fazia chorar e repetir: - Agora só pego serviço depois de ver a cara da patroa!

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Encontro com o adversário Esse conto é baseado em uma antiga lenda do Recife, onde se dizia que certo “barão” se encontrava de tempos em tempos com o próprio demônio como forma de pagar uma dívida. A história faria parte do livro “Malassombramentos: Os Arquivos Secretos d’O Recife Assombrado”, mas ficou de fora por falta de espaço. Naquela noite de sexta-feira, o barão estava dando uma festa em seu casarão do centro do Recife para comemorar o noivado do filho. A noiva era a filha de um renomado médico da capital pernambucana, por esse motivo havia tantas pessoas ricas e importantes presentes na ocasião. Como bom anfitrião, o barão cumprimentava as pessoas e circulava por todas as rodas de conversa. O sorriso farto em seu rosto era algo aparentemente impossível de se apagar. Parecia que sua alegria iria durar para sempre. Mas quando o futuro sogro do seu filho, o convidou para fumar um charuto na varanda sua sorte mudou. Assim que riscou o fósforo, ele viu a mensagem embutida na labareda. Uma ordem criptografada em fogo. Um chamado que vinha direto do inferno não podia ser impresso em outra coisa. Através da chama, o velho barão soube que era chamado para cumprir sua sina. E enfim, o sorriso farto desapareceu de seu rosto. Despediu-se do amigo, desculpando-se por estar um pouco indisposto e que pediria para alguma das criadas lhe servir um chá. Tentando não chamar a atenção, principalmente da sua esposa e de seu filho, caminhou discretamente até os fundos da casa. Assim que abriu a porta que dava acesso ao vasto quintal, ele viu, ainda de longe, um grande cavalo negro parado ao lado de um pé de

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manga. Seus ossos tremeram e um suor frio começou a escorreu da sua testa. Nunca em sua vida, aquele homem havia sentido uma angústia tão grande quanto aquela. Nem no dia em que o pacto foi firmado. No quintal também ficava o pequeno casebre onde vivia o vigia do casarão. O barão caminhou devagar para não fazer barulho, pois ele presumiu que a mulher do seu empregado estava acordada, afinal estava ouvindo o choro do filho recém-nascido do casal. Ao chegar perto do cavalo ele notou que além de seu pelo ser totalmente preto, o bicho também estava completamente coberto de uma gosma da mesma cor, inclusive sua crina e seu rabo. Seus olhos eram duas bolas amarelas. O animal também soprava fumaça quando respirava. As cinzas saiam pela sua boca e narinas como se fosse uma lareira. De repente ele relinchou, e além de emitir um som estridente e pavoroso, deixou a mostra dentes afiados como o de um cachorro. Assim que o bicho se curvou um pouco, o barão entendeu que estava na hora de subir naquela maldita montaria. Então ele montou e segurou em sua crina. Nesse instante, o cavalo partiu em disparada, pulou a cerca do quintal e se embrenhou pela mata que ficava atrás do casarão. Durante todo o tempo em que seguia mata adentro, o barão ficou de olhos fechados. Segurando nos pelos cobertos daquela gosma preta que fediam como alguma coisa morta. Seu medo era tanto que se lhe perguntassem quanto tempo durou aquela cavalgada ele não saberia dizer se foi um minuto ou uma hora. Quando o cavalo parou e ele desceu, ainda estava de olhos fechado e rezando. – Aqui não. Sabe que eu não gosto de ouvir isso – disse uma voz rouca e áspera.

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Só então o barão abriu os olhos. Ele estava à beira de um pequeno riacho e o homem que lhe falava estava sentando em um pedaço de tronco. O sujeito se levantou e foi em sua direção bem devagar. Era um homem alto e forte de longos cabelos pretos, usando apenas uma calça de pano. Nada de camisa ou terno, e nem mesmo sapato. Ele caminhava descalço por cima de pedras e pedaços de madeira, mas parecia que não os sentia. – Fale um daqueles nomes pelo qual vocês me chamam – pediu ele, sorrindo. Ainda apavorado, o barão não conseguiu abrir a boca. – Ande homem, diga. Eu conheço todos, mas gosto de ouvir vocês falando. O barão tentou falar, mas só balbuciou alguma coisa de tão seca que estava sua boca. O homem insistiu para que ele repetisse, e então o velho pegou o fôlego e disse: – Satanás. – Eu adoro esse. Adoro – admitiu o demônio gargalhando. Não se ouvia nada além da voz dele. Nenhum som de inseto e nem mesmo o barulho do riacho correndo. Enquanto o diabo fala tudo se fazia silêncio. – Chegou a hora, barão. Vim cobrar o que me é de direito – disse ele, enfim. – Meu filho se casará. Deixe-me viver mais – pediu o velho. – Pedes mais do que eu já lhe dei. Mas tu tens algo mais a oferecerme? Proferi a ti fortuna e luxúria por cinco anos, em troca de tua alma.

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Acho que não tens mais nada para me oferecer, já que a coisa mais importante em ti agora me pertence. – Só mais alguns meses, eu imploro. Só até o casamento. – Em troca de que, velho? O que tens para negociar? – indagou o diabo. – Posso lhe dar outra alma. Uma pura. Uma alma sem pecado, como oferenda – falou o barão, e em seguida se ajoelhou aos pés do demônio. O diabo deu um passo para trás, para evitar que o velho lhe tocasse, e então riu. O barão começou a chorar e rastejar pelo chão. – Fale-me sobre essa alma que trará para mim. E então eu verei se aceito a proposta – sentenciou o demônio. No casarão, todos os convidados já haviam ido embora. Restaram apenas o filho e a mulher do barão. Acompanhados dos empregados, eles percorreram toda a residência e o quintal à procura dele. Já perto do amanhecer, uma das mucamas começou a gritar chamando todos que estavam na casa. O barão surgiu nos fundos da casa, caminhando lentamente como se estivesse exausto. E assim que seus empregados chegaram perto dele, ele desmaiou. Levado para seu quarto, foi lhe dado um banho quente e esfregaram alecrim em seu corpo. O velho não dizia uma palavra, apenas gemia como se algo lhe machucasse o corpo. Mas não havia feridas em sua pele, era como se algo lhe atacasse de dentro para fora. Após alguns dias o barão voltou ao normal. Nunca disse nenhuma palavra sobre o acontecido no dia do noivado do filho, como também proibiu que sua família e seus servos tocassem no assunto. Mas entre

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a criadagem, os comentários aconteciam. Alguns empregados foram embora, com medo. Quem também demonstrou interesse em ir embora, foi o seu vigia, mas o barão lhe implorou que ficasse. Inclusive, dobrou o valor do seu salário para que ele permanecesse em seu cargo. Apesar das queixas da esposa, o vigia decidiu ficar, pois o dinheiro que iria ganhar era uma quantia muito satisfatória. Seis meses se passaram e o filho do barão se casou. Após a cerimônia religiosa, o casarão abrigou uma grande festa com todos os convidados. E então em meio ao banquete, o barão novamente recebeu o chamado que tanto temia. É claro que aquele estranho fenômeno só foi visto pelos olhos daquele homem amaldiçoado, pois o recado era exclusivo para ele. De repente a parede branca da sala de jantar foi atacada por uma tinta vermelha e, como se fora pintada por um pincel invisível, a palavra “inferno” surgiu escrita. Era assim, que mais uma vez, o príncipe das trevas o convocava para um encontro em particular. Após aquela visão aterradora, o barão entendeu que era chegada a hora de uma nova conversa e saiu sem ser notado. A festa prosseguiu, mesmo com a ausência do dono da casa. A alegria do casal recém-casado era imensa e todos os convidados compartilhavam daquele momento agradável. Ainda mais quando a comida e a bebida eram fartas como naquela noite. Mas de uma hora para a outra, a harmonia daquela celebração foi posta a baixo por um grito de desespero. A esposa do vigia invadiu a sala de jantar aos berros. Sua histeria era tanta que ela arrancava tufos de seus próprios cabelos com as mãos. Apesar dos apelos dos homens que correram em seu socorro, ela não conseguia falar nada. Apenas gritava e chorava desesperadamente.

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O filho do barão resolveu correr até o quintal e olhar o casebre onde a mulher morava. Assim que chegou, deu de cara com uma cena grotesca. O vigia jazia na cama do casal com um enorme punhal enfiado no peito. O sangue que escorria era tanto que chegou a ensopar todo o lençol. Ao lado da cama, havia um berço vazio. Nauseado o jovem saiu do casebre a procura de ar puro. E foi justamente nessa hora que ele teve uma visão que ficaria na sua cabeça por muito tempo. Seu pai cruzava o quintal montado em um enorme cavalo negro que corria em uma velocidade tão absurda que parecia mais uma enorme ave fazendo um vôo rasante. E após pular a cera, o animal desapareceu noite adentro. Logo em seguida chegaram dois empregados da casa. As ordens do jovem foram explícitas. Que levassem a mulher para um lugar onde ninguém pudesse vê-la e que fechassem a porta do casebre com correntes. Na beira do mesmo riacho de antes, o demônio esperava pelo velho. O barão desceu do cavalo trazendo nos braços a criança, que chorava sem parar. O diabo se aproximou com um sorriso no rosto. Um sorriso que parecia mais uma ferida aberta. – Uma alma pura por mais seis meses de vida. Acho que valeu a pena – disse ele. – Que Deus me perdoe – balbuciou o barão, já em lágrimas. – É tarde, velho. É comigo que tratas, agora – replicou o diabo. E então tomou a criança em seus braços e saiu caminhando rumo ao riacho. – Aguarde. Vou chamar-lhe de novo. E espero um novo presente – sentenciou ele, antes de desaparecer nas águas.

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A Irmã Lambretinha Testemunho de Luciano Conde Raposo Eu passei praticamente toda a minha vida estudando num tradicional colégio religioso no centro da cidade. Lá existia uma freira que os alunos chamavam carinhosamente de "Irmã Lambretinha", porque a danada saía virada atrás dos meninos que aprontavam dentro da escola (inclusive este que vos fala). Mas, para todos os alunos de uma escola, chega o dia da saída. Passaram-se aproximadamente onze anos para que eu pudesse retornar àquele colégio. Era dia do ex-aluno. O que eu vou contar agora pode ter sido duas coisas: ou uma alucinação de quem já tinha tomado umas ou vi de novo àquela que eu julgava estar morta. Depois de tomar algumas cervejas, eu e um amigo fomos pegar o carro que ainda estava no estacionamento do colégio. Quando lá chegamos, decidimos ir ao banheiro, afinal de contas se uma coisa que a cerveja certamente faz é aumentar a diurese da pessoa. Entramos cada um em um banheiro. Quando eu estava saindo, ouvi aquela voz de 11 anos atrás dizendo: -Isso é hora de ainda estarem aqui? -Irmã Lambretinha! - eu disse, alegre por ver aquela figura caricata de onze anos atrás -Cadê a senhora na festa do ex-aluno? - Estava ocupada demais para ficar atrás de meninos desobedientes como vocês – exclamou. Nesse momento, o meu colega saía do banheiro. Quando ela o viu saindo, se virou e disse: - Espero ver vocês bem longe daqui, porque meninos desobedientes sempre foram um problema nesse colégio.

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E meu amigo falou: - Quem era aquela? - Vai dizer que você não se lembra da Irmã Lambretinha? - Vai brincar com outro! Irmã Lambretinha morreu na clausura da escola há pelo menos três anos. Já velha, com uma série de problemas, não aguentou e o coração terminou parando. Deve ter sido outra freira. Já tomado pelo álcool, achei realmente que poderia ter sido outra freira. Quando saímos para pegar o carro, ele olhou pra mim com cara de espanto. - Cara, vamos embora logo! Você viu mesmo Irmã Lambretinha! murmurou, enquanto sua face foi ficando branca como cera. - Nada, cara! Devia ser outra mesmo - respondi, já pra lá de Bagdá. - Há, é? E quem é aquela que está ali gritando pra gente ir embora? Era ela! E estava correndo atrás de dois meninos que, tenho quase certeza, também morreram nos corredores do colégio!

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Horror na Casa do Estudante A história que vou narrar infelizmente é verdadeira e ainda permanece bem viva na minha mente. Quando eu fazia o meu segundo grau, hoje o chamado ensino médio em Serra Talhada - no Sertão - para estudar no Recife, indo morar na casa do estudante de Pernambuco, situada no bairro do Derby. A vida lá nunca foi fácil. A comida era ruim, a moradia não oferecia o mínimo conforto. A força de vontade tinha que ser muito grande para podermos vencer, passar no vestibular e fazer com que todo o esforço valesse a pena. Eu queria fazer vestibular para medicina, aliás, como a maioria dos estudantes que saem do interior para estudar na capital. Pois bem, vamos então ao episódio fantástico que aconteceu comigo. Todos os estudantes que realmente queriam passar tinham que estudar até altas horas da madrugada, até uma, duas horas da manhã. Eu nunca havia ficado até mais tarde, pois precisava acordar cedo para ir ao colégio. Apenas nos finais de semana era que eu puxava um pouco mais. Tinha o fato também de colegas afirmarem que após a meia-noite escutarem barulhos estranhos dentro da biblioteca, tipo cadeiras sendo arrastadas e como se alguém estivesse varrendo o ambiente. Numa certa sexta-feira, eu e um colega meu, também de Serra, resolvemos que só iríamos descer quando tivéssemos resolvido todas as questões de um simulado de física passado pelo professor. Pouco a pouco, a biblioteca foi se esvaziando, até que já eram duas horas da manhã quando resolvemos parar um pouco e começamos a conversar besteira, das nossas saudades de nossa terra. Foi então o que esse meu colega se lembrou do tal fantasma da biblioteca e começou u a fazer brincadeiras com o assunto.

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De uma hora para outra um frio estranho começou a invadir a sala de estudos. Eu me lembro que um arrepio correu a minha espinha. E, de repente, as luzes se apagaram. Um pavor enorme tomou conta de mim e do meu colega. A gente não conseguia enxergar pra que lado ficava a saída. Então eu vi um claro do lado oposto da enorme sala; meu colega havia encontrado a porta. Segui então rumo ao local da pequena luz que entrava por um vidro que havia nesta porta. Ao chegar, olhei pelo vidro e vi que o meu colega me esperava na escadaria que dava para o segundo andar, onde a gente morava. A fisionomia do seu rosto mudou repentinamente e ele correu gritando frases que no momento não consegui entender. Eu então tentei abrir a porta, mas a maçaneta não obedecia. Foi então que ouvi um barulho de respiração perto de mim; obviamente fiquei em pânico e puxei a porta com toda a força que eu tinha, mas não adiantava nada. Já sem esperança, sem saber o que fazer, comecei a rezar. Uma voz grave disse a seguinte frase que até hoje não esqueço: - Não brinquem com o que vocês não conhecem! Então a luz acendeu e a porta abriu normalmente. Saí correndo e quando cheguei ao quarto, meu colega já contava o episódio a outros amigos, que riam pra valer, não acreditando no que tinha acontecido. Eu perguntei a meu amigo porque ele tinha corrido daquela forma e a resposta dele foi que havia visto a sombra de um rosto de um velho no vidro. Obviamente ninguém acreditou em nossa história. Porém, depois de outros relatos parecidos com o nosso, foi feita uma pesquisa com antigos moradores da casa e descobriu-se que havia um antigo funcionário que cuidava da biblioteca com um cuidado especial, pois

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ele era analfabeto e admirava quem sabia ler e escrever. Esse funcionário foi abandonado pela mulher e ficou sem ter onde morar. O diretor da época, com pena, ofereceu-lhe moradia em um pequeno quarto perto da biblioteca. Certo dia, ele foi encontrado morto, sem que ninguém soubesse o real motivo. Muitos acreditam que por desgosto pela vida. Sabendo disso, ficou estabelecido que todo ano, no aniversário da Casa do Estudante, seria celebrada uma missa por todos aqueles, vivos ou mortos, que já haviam passado por lá O fato realmente aconteceu. Quem quiser visitar a biblioteca Gervásio Fioravanti da Casa do Estudante de Pernambuco fique à vontade. Ela fica no terceiro andar, em frente à escada. Porém, os atuais estudantes que lá frequentam contam que vez por outra ouvem o barulho de uma vassoura sendo arrastada e uma pessoa chorando. Hoje estou formado em medicina e o meu colega, morreu afogado misteriosamente em um açude perto de nossa cidade natal, visto que ele era excelente nadador e conhecia muito bem o açude.

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A mulher em chamas no mangue Contado por um leitor que se identifica como Lindeberg O fato é verídico e aconteceu na Ilha de Deus, localizado no bairro da Imbiribeira, no Recife. Mais precisamente no manguezal protegido pela Marinha que existe no lugar. Um amigo meu, conhecido como “Morcego”, foi ao mangue pegar caranguejo como fazia todos os dias. Dessa vez, ele passou mais de três horas lá e só conseguiu pegar três míseros caranguejos. Morcego ficou enfurecido e começou a falar vários palavrões. E, do nada, apareceu outro catador de caranguejos que o avisou que é proibido falar palavrões no mangue. Morcego nem se quer deu ouvidos e continuou andando pelo local. Foi quando, de repente, apareceu uma “mulher de vermelho”. De acordo com o meu amigo, “o vestido dela queimava igual a uma fogueira”. Quando ele a viu, começou a correr. E a tal mulher correu atrás dele. Quando o apanhou, deu-lhe uma grande surra que o fez perder os sentidos! Quando acordou, estava todo machucado. Os familiares dele não acreditaram na história e foram ao mangue conferir quem tinha feito aquilo. Não viram nada, mas ouvira várias gargalhadas macabras que os fizeram correr dali na hora! Ninguém sabe ao certo quem – ou o quê - seria tal mulher. Mas os pescadores da vizinhança dizem que, de vez em quando, veem chamas correndo no mangue. De acordo com eles, um calor enorme bate no corpo da pessoa que estiver por perto!

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O sobrado da Estrela Já não se sabe o endereço do antigo prédio de dois andares. Gilberto Freyre diz apenas que ficava "à esquina de uma velha travessa" do Bairro de São José. No século XIX, lá eram vistas aparições a todo instante. A assombração era tanta que o sobrado ficou desocupado por vinte anos, até que uma certa família Luna veio a habitá-lo em 1873. Não tiveram uma noite de paz: viam vultos pelos corredores; na cozinha, ouviam o som de louça sendo quebrada e fogo sendo abanado mesmo quando não havia ninguém no recinto; quando estavam na sala de jantar, areia era jogada por mãos invisíveis nos pratos em que comiam. A suspeita era de que as ocorrências sobrenaturais estariam ligadas à existência de uma botija escondida entre as paredes. Quando os Luna se mudaram, depois de aguentar muitos tormentos fantasmagóricos, a vizinhança foi bisbilhotar o casarão e encontrou um grande buraco no socavão da escada do primeiro andar. Daí correu o boato que a família achou mesmo o tesouro composto de moedas de ouro e prata.

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O Velhinho da Bengala Quando eu tinha por volta de dezessete anos, em minha rua havia um casal de velhinhos. Eles viviam sozinhos e não tinham filhos. Muito amistosos, sempre falavam comigo e com meu amigo Alexandre quando chegavam à casa deles. O senhor era conhecido como seu Chico e tinha uma bengala na qual se apoiava. Tinha também um chapéu velho, que usava sempre que ia a um bar da esquina para beber. O médico já o havia proibido de beber e avisou que ele morreria se continuasse com o vício. Certo dia, eu passava por este bar, quando o vi Seu Chico bebendo, encostado em sua bengala. Ele me cumprimentou com o chapéu, sem dizer uma palavra. Então fui para casa e, no caminho, encontrei meu amigo Alexandre, que estava em frente ao portão de casa. Comentei com ele que o Seu Chico estava bebendo no bar, e o meu amigo ficou assustado: - Você está louco? Seu Chico morreu faz uma semana! Fiquei gelado e repeti que acabara de ver o velho. Descemos até o bar e não havia em sinal dele. Fomos correndo à casa de Seu Chico, onde contei tudo para esposa – ou melhor, para a viúva. Qual não foi minha surpresa com a reposta da velha senhora: - Eu sei, meu filho: às vezes ele vem me ver também.

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A Moça da Madrugada O testemunho é do leitor que se assina apenas como Rafael Todos os dias eu permanecia conectado à Internet até a madrugada. Certa vez, nesse horário, sai de meu quarto para ir à cozinha. Na casa onde moro, os quartos ficam no primeiro andar e a cozinha, embaixo. Quando estava subindo a escada para voltar ao quarto, tive uma impressão muito forte de que alguém me observava. E essa pessoa estaria justamente no pé da escada, embora eu conseguisse ver ninguém. Arrepiado, segui correndo para o quarto e tranquei a porta. Alguns dias se passaram e outra vez, no mesmo horário, senti aquela sensação estranha quando passava pela escada. No topo pude ver quem me observava: uma moça vestida com roupas brancas, de cabelos pretos e enormes olhos também pretos. A aparição logo sumiu naquele momento. Mas o fantasma passou a vagar por nossa casa daí em diante. Ela surgia na sala, subia a escada, entrava no quarto de meus pais, depois no quarto de minha irmã e parava na porta do meu quarto e ali ficava, olhando pra mim com seus enormes olhos. Contei a meus pais sobre a tal moça e eles não acreditaram. Até que um dia, às três da madrugada, ouvi um grito, emitido por meu pai. No dia seguinte, ele revelou também ter visto a mesma moça. Foi quando descobrimos que sempre às três horas ela aparecia. Esta rotina permaneceu por muitos dias, por meses, até que me aconselharam a rezar pela alma da moça. Quando rezei, ela nunca mais apareceu. Mas ainda me lembro daqueles olhos!

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O Fantasma do Padre João Paulo Martins Suassuna nos enviou este caso: Desde pequeno, nunca acreditei em histórias de assombração. Sempre as escutava, mas nunca acreditava nelas. Quando o assunto era esse, pensava logo em "brincadeira". Mas este caso que relato a partir de agora merece ser registrado. Conta-se que na casa da fazenda Carnaúba, no município de Taperoá, na Paraíba, era a princípio uma capela, e que depois reformaram e transformaram em uma casa. Diz-se que, em meados do século XIX, morava na capela o Padre Paulino. Um dia ele faleceu durante o sono. Pois segundo os moradores da região, ainda hoje, dá para escutar os passos do Padre Paulino, andando pela casa à noite. E sempre que eu e minha família vamos a Taperoá, dormimos nesta casa. Toda vez que escutava a história, eu ria. Nunca acreditava. Até que um dia, na semana santa de 1998, eu, meus pais, meu irmão e minha irmã, estávamos nos preparando para dormir na tal casa. Era aproximadamente onze horas quando faltou energia. Minha mãe ligou a lanterna, para terminarmos de nos ajeitar. Quando tudo estava certo, ela desligou a lanterna, e fomos tentar dormir. Nós cinco dormimos no mesmo quarto; eu e minha irmã sempre ficamos nas últimas camas do quarto. Quando estava quase pegando no sono, notei que havia alguém passando por nós! Na mesma hora, minha irmã, que estava acordada falou: "Mãe?”. E minha mãe, na última cama do outro lado respondeu "O que é, minha filha?". Minha irmã começou a chorar, senti um frio na espinha. Minha mãe, sem entender nada, ligou a lanterna, e não havia ninguém além de nós no quarto. Poderia ter sido uma impressão minha ter notado alguém no quarto, porque todos nós cometemos

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enganos, mas na mesma hora minha irmã também escutou. Coincidência ou não, hoje tenho mais respeito a histórias de assombração.

A aparição em Aldeia Por Jaqueline Couto Com um clima agradável e coberto de verde, o bairro de Aldeia é um dos mais requisitados e visitados, nos fins de semana, pelos pernambucanos que desejam paz e tranquilidade. Porém, nem só de calmaria vive o local. Quem mora em um certo condomínio das redondezas, bastante conhecido pelos frequentadores, sabe que lá habita uma estranha criatura que se apresenta em forma de um pequeno garotinho. E quem narra a resenha é uma amiga minha, Duda, que conta os seguintes fatos: "Nesse condomínio já aconteceram altas coisas, e a mais comentada é a desse menininho. Uma vez, R. que você sabe que mora por lá, saiu com os meninos para comprar cerveja, pois havia acabado as que tinham comprado para uma festa. Ao todo, foram quatro rapazes que saíram em busca da adorada cevada gelada. Foram a pé mesmo, já que era pertinho de onde comprar. No meio do caminho, viram um garotinho sem camisa e de, aparentemente, oito anos de idade, dado ao tamanho do pequenino. Todos se entreolharam e comentaram entre si o que estaria fazendo um molequinho daquele tamanho, sozinho e sem camisa, só de calção, no meio do caminho. Quando acabaram de comentar, o guri vira-se e todos gelam... O garoto tinha apenas um olho, enorme, no centro da testa. Esbaforidos, correram até chegarem à casa, esquecendo-se da tão desejada cerveja.

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Os meninos foram motivo de pilhéria, pois acreditaram que eles estavam bêbados ou inventando para chamar a atenção e assustar os demais. A dúvida passou quando souberam que casos semelhantes aos dos rapazes havia acontecido anteriormente com outras pessoas. Um tempo depois, outro amigo nosso, E. que passava o fim de semana por lá, em casa de parentes, saiu para dar uma volta pelo condomínio. Como já era meio tarde, só ele e uns poucos gatos pingados passeavam. Um tempo depois, eis que surge o miudinho, novamente, de shortinho e sem camisa. E. logo se sentiu incomodado com a presença, uma vez que não havia de onde ter saído o guri sem que ele o tivesse visto, e tratou de se afastar o mais rápido possível. Como se estivesse a ler seus pensamentos, o menino voltou-se olhou para ele com cara de poucos amigos. E mal teve tempo de se mover quando notou a criaturinha quase a encostar o nariz no seu e a falar sem sair som algum de sua boca. Sem pensar duas vezes, saiu correndo em disparada em direção à casa onde estava hospedado. Lá chegando, contou o que presenciou. Desta vez todos acreditaram, inclusive algumas pessoas que estavam na ocasião anterior. Ninguém sabe quem é ou o que quer, muito menos de onde veio esse inusitado visitante. O que se sabe é que ele causa um bocado de alvoroço e muito medo em quem anda por aquelas bandas, particularmente naquele condomínio...".

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Desterrado Por Jaqueline Couto - Acuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuudam!! Acudaaaaaaaaaaaaaaaaam!!! Dona Miriam, mulher de conceito e dona de casa exemplar, estava aos berros correndo pela rua como se estivesse fugindo do próprio capeta. O ano era de 1824. A hora: 19h. Naquele tempo, onde imperava os lampiões a gás e a luz elétrica era apenas uma utopia, esse horário era considerado impróprio para que alguém perambulasse pelas ruas e cercanias do Recife. Apesar de ser um bairro calmo, a Várzea, um dos locais mais antigos arrabaldes da capital pernambucana, tinha seus mistérios e... Sustos. Como esse que continuaremos a contar... Os olhos pareciam querer saltar das órbitas da matriarca e respeitável Dona Miriam. O suor, aos borbotões, escorria de seu rosto e empapava os cabelos já embranquecidos pelos quase 50 anos. O susto havia sido grande. Tudo aconteceu porque havia se demorado demais na casa de suas irmãs, Dona Marta e Dona Raquel, onde ia, semanalmente, colocar os assuntos em dia e deliciar-se com os quitutes de Dalva, a faz tudo da casa e doceira de mão cheia. Entreteu-se tanto na conversa que nem viu os ponteiros do relógio passarem e avisar que já era hora de ir para casa. Como era perto, e decidida a não se demorar, dispensou a carruagem e suas escravas acompanhantes. Também não queria que essas ouvissem seus cochichos com as irmãs e fossem correndo fofocar com as outras mucamas da casa grande. O cocheiro de suas irmãs não estava em casa, não podendo, assim, levá-la para sua residência. Teve que voltar a pé. Até que não se importou, estava além do peso e uma caminhadinha, apesar do escuro e do peso do candeeiro, cairia bem.

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Munindo-se de toda a coragem possível e imaginável, pegou a estrada e começou o seu retorno. O barulho dos matos a sua volta e o uivo do vento nas árvores, faziam sua imaginação alavancar medos inexplicáveis. Já fazia um tempo que vinha ouvindo histórias sobre uma criatura que vinha apavorando os moradores e escravos locais. Se pelo menos Doutor Rodrigo, seu marido, estivesse em casa; poderia ir buscá-la. Mas que diabos esse homem ter que viver viajando nas horas mais impróprias! Também, quem mandou ter tantas terras? Bem não havia mais o que fazer. O jeito era continuar andando. E assim o fez. Na metade do caminho, já com o coração aos pulos, sua mente começou a lhe pregar peças. Pelo menos, era nisso que queria acreditar. Passos, como que se fossem feitos por cascos, começaram a ficar mais próximos de seus ouvidos. Um leve farfalhar de pernas ia se aproximando e ficando mais alto de acordo com que acelerava seus passos. Foi quando sentiu algo rápido e de pelos compridos passando rapidamente ao seu lado. Arrepiou-se da cabeça aos pés. Medo. Sabia agora o significado dessa palavra. Na escuridão que a cercava, algo a atacou. Garras afiadas tentaram rasgar seus braços no mesmo instante que puxavam seu xale vermelho, herança de sua bisavó quando veio da França. Apavorada, correu como nunca. Jogando longe o pequeno candeeiro, descambou ruas adentro gritando como se tivesse visto o demônio em pessoa. Ou quase ele. Esbaforida e colocando quase que o coração pela boca afora, gritou como uma desgraçada. Foi acudida pela vizinhança que, despertada pela gritaria, veio ver o que estava acontecendo. Dona Miriam desmaiou nos braços de sua comadre, Dona Lourdes, e, foi com ajuda dessa, que foi voltando ao normal. Contou o que havia acontecido para a plateia de curiosos que a cercava. Todos, sem exceção, tinham

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uma suposição a fazer. Mas, também, todos, tinham uma certeza: era um lobisomem que a tinha atacado. Disso, não restavam dúvidas. O problema era apenas capturar a fera que andava atemorizando o povo do bairro. Infelizmente, por ele ter escapado, não seria dessa vez que o pegariam. Dona Miriam foi sedada pelo médico vizinho, Doutor Evangelista, que, graças ao acaso, se é que esse existe, estava em casa nessa noite fatídica. Enfim, ela dormiu. Quando seu marido chegasse, iria resolver com ele o que fariam. Mudariam de casa ou fariam uma expedição de caça ao bicho? Isso resolveria depois... Estava com sono... Muito sono... Dona Miriam acordou de manhã, com o dia amanhecendo. Notou, apesar do pensamento atordoando pela noite anterior, que Rodrigo havia voltado de viagem. Ia acordá-lo quando, de repente notou algo que fez seus ossos gelarem. Sentiu as pernas esmorecerem. Suas mãos ficaram trêmulas. Os olhos, cheios de lágrimas. Pontadas de pânico invadiam seu coração que batia como cavalo chucro. Os dedos, brancos e trêmulos tocaram os lábios de seu marido que estavam cheios de... Fiapos vermelhos ... Como seu xale. Seu xale arrancado de seus ombros na noite anterior pela besta desgraçada que havia lhe atacado e, por pouco lhe devorado. Com a garganta fechada pelo bolo de medo que a destruía naquele momento, Dona Miriam correu loucamente porta afora, procurando pelos criados e escravos da casa. Encontrou sua fiel escudeira, Renata, que a acompanhava desde sempre e havia sido sua ama de leite. Com todo cuidado do mundo, chamaram uns criados de confiança, pegaram Doutor Rodrigo que entorpecido não acordava de maneira alguma, e o colocaram no coche da família. Apesar de seu marido ser um monstro que tirava vidas, ela não poderia matá-lo ou entregá-lo à polícia ou nas mãos dos populares. Acabaria viúva e com a vergonha

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de ter um bicho do inferno, um amaldiçoado cobrindo a biografia de seus descendentes. Levaram-no para uma cidade longe, onde ficava uma de suas fazendas, nos cafundós de um interior brabo de Pernambuco. Dona Miriam inventou uma história sobre uma suposta morte de seu marido em uma distante cidade de São Paulo. Assassinado por bandidos, ele teve o rosto desfigurado, por isso não poderem abrir o ataúde para as últimas despedidas dos parentes e amigos. Todos se deram por satisfeitos diante da explicação da respeitável viúva. Nada mais perguntaram. Um caixão com pedras foi colocado no cemitério e mais nada foi questionado. Apenas algo infernizava a mente de Dona Miriam: as notícias que chegavam por intermédio de seus escravos, de uma distante cidadezinha do interior, de um bicho que corria nas noites de lua e aterrorizava quem se atrevia a caminhar pela noite adentro dos canaviais.

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A Casa da Rua 13 Testemunho de Carlos Diego Rodrigues Morei em uma casa na rua 13 de Maio, na Cidade Alta de Olinda. Não posso dizer o número, pois tem gente morando lá atualmente. Nessa casa aconteciam coisas estranhas. Por exemplo: antes de morarmos lá, quando estávamos preparando a casa para nos mudarmos, minha avó foi nos visitar; quando estava de saída em frente à porta leva à rua, vovó de sofreu uma queda repentina e quebrou o braço. Um dia minha mãe estava na escada que dava acesso ao quintal e, de repente, sentiu uma "coisa" a pegando pelos ombros e empurrando-a. Ela caiu da escada sem mais nem menos, arranhou os ombros e o queixo. Depois de algum tempo, mamãe começou a parecer doente. Ela via, na casa, móveis antigos e muito diferentes dos nossos. Comigo foi outra história: estava tomando banho e, quando sai do banheiro e direção ao quarto que ficava ao lado, vi uma coisa terrível! Em frente à porta do cômodo, um vulto branco veio pra cima de mim tapando minha visão completamente. Assustado, corri para a sala onde estava minha mãe e contei o que tinha acontecido. Já minha irmã mais velha escutava com frequência uma zuada de correntes arrastadas pelo chão. Passamos apenas dois meses morando nesse lugar e depois voltamos para casa onde morávamos antes. Minha mãe não aguentou ficar muito tempo na nova residência que era mesmo apavorante.

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A Dívida Relato enviado por R.V.S Este caso aconteceu na cidade de São José do Egito, no Sertão de Pernambuco. E minha mãe estava presente quando tudo ocorreu. A cidade em que ela morava quando menina, Itapetim, era muito pequena. Meus avós a mandaram para viver com os tios que moravam de favor numa casa que pertencia à paróquia de São José do Egito. Em um município mais desenvolvido, minha mãe poderia estudar numa escola melhor. A sala de jantar da tal casa dava para uma escada que levava ao sótão, onde eram guardados antigos objetos e móveis, inclusive as antigas cadeiras onde os frequentadores das missas se sentavam. Antes das Igrejas adquirirem bancos, cada uma das cadeiras tinha o nome de seu proprietário gravado. Certo dia, todos estavam reunidos na mesa, jantando. O tio de minha mãe olhou para cima da escada e exclamou: - Era só o que faltava! Agora pronto! Todos estranharam, se entreolharam e ficaram cismados. Depois de algum tempo, ele repetiu o gesto e as palavras, o que fez com que todos se levantassem assustados. Mas o tio não disse do que se tratava, embora soubesse que estava tendo um estranho pressentimento. Chegou a hora de dormir, e a tia de mamãe pediu que o marido fosse fechar a janela do sótão, pois de lá descia um vento frio em cima do berço de seu filho mais jovem, que ainda era um bebê, e ele poderia adoecer. O marido, assustado, disse que não iria, aumentando ainda mais o medo em todos. Mas a mulher insistiu, dizendo ele era

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corajoso, que não poderia estar com medo. E ele foi. Depois, desceu muito pálido. No outro dia, ele acordou muito cedo e foi a uma antiga movelaria da cidade. Ninguém entendeu o motivo, mas ele depois explicou: disse que, quando foi ao sótão, não viu a quantidade real de móveis que havia naquele lugar. Ele enxergou apenas uma cadeira, com uma senhora de branco sentada de costas. Leu o nome nas costas da cadeira e reconheceu que antiga proprietária do móvel já havia morrido. A mulher, à medida que ele ia se aproximando, escondia o rosto para não ser reconhecida. Ele desceu meio assustado e, depois de um tempo, foi dormir. Quando estava quase pegando no sono, a mulher reapareceu na porta de seu quarto e pediu que ele fosse ao armazém, pagar uma dívida referente a um colchão que ela havia comprado, antes de morrer. Esse débito a estava perturbando. O tio de mamãe à referida loja, bem cedo. O vendedor disse que aquilo era muito antigo, achou estranho, mas foi verificar nos cadernos de devedores - antigamente as pessoas deixavam as coisas no "pendura" e tudo era anotado em cadernetas. Depois de muito procurar, encontrou. Estava lá o nome da senhora, a data da dívida, o valor e a mercadoria - o colchão! Nesse momento, até o vendedor se assustou, mas fez um "X" na página e disse: -Está perdoada a dívida! Desse dia em diante a senhora nunca mais apareceu.

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A Tocha A leitora Maria Aureliana da Silva anotou este testemunho pela tia dela, Maria Elias da Anunciação Nasci no interior das Guaribas, distrito de Caruaru. E por lá, nos anos 30, era comum se ouvir relatos de pessoas que falavam de aparições de tochas à noite a vagarem de um lado para o outro no topo das árvores. Por duas vezes eu fui testemunha ocular dessas estranhas bolas de fogo. Uma foi em minha residência e a outra numa casa de farinha. Apareciam em todos os lugares e, às vezes, elas se chocavam. Quando isso acontecia levantava-se enormes faíscas que se espalhavam por todos os lados, deixando a pessoa que presenciava o estranho fenômeno com muito assombro, pois pensava que eram almas penadas, vindas do purgatório, brigando. Quando criança, eu tinha duas amigas: Edneuza e Conceição. Edneuza era a mais nova e muito divertida e sempre estava nos surpreendendo com suas ideias. Uma vez eu a ouvi dizer para Conceição - Se eu morrer primeiro que você, juro que lhe venho dar um abraço. Não gostamos da brincadeira, mas ela insistiu. Crescemos juntas e quando ficamos adolescentes. A nossa festividade preferida era a época junina por causa dos folguedos de São. João. Tempo em que a vizinhança se reunia no imenso quintal da casa de Conceição. Sob a luz da imensa fogueira comíamos, bebíamos, ouvíamos cantorias, depois, catávamos e dançávamos ao som das zabumbas batidas pelos rapazes. E foi no final de uma noite festiva como esta que Edneuza, assim que o dia amanheceu, correu com algumas moças para tomar banho num

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açude, e lá se afogou. Com os gritos das moças os adultos correram para tentar reanimá-la, mas foi tudo em vão. Um ano depois da morte de Edneuza, eu me casei e vim para o Recife. Tempos depois, Conceição foi para São Paulo, lá se casou e ficamos sem notícias por mais de quarenta anos. Em 1987, recebi a notícia de que Conceição estava de volta a Guaribas e fui até lá para revê-la. Fiquei hospedada na casa quase em ruínas de Conceição. Tudo havia mudado. Não havia mais aquelas festas, o açude havia secado há muitos anos, não existiam aquelas pessoas, pois muitos faleceram, e os mais novos mudaram-se para outros Estados. Cinco dias depois de minha chegada, sentadas no velho alpendre do terraço, eu e Conceição - já viúvas -, conversávamos sobre nossos filhos enfim, sobre nossas vidas de casadas. Quando escureceu, eu resolvi entrar. Ela não, pois havia se tornado asmática e era preciso respirar mais um pouco de ar. Depois de orar, quando me dirigia ao quarto para dormir ouvi um grito de pavor de Conceição que logo entrou assombrada. Agarrou-se em mim e o candeeiro que estava em minha mão caiu, ficou tudo no escuro. Depois de muito tempo consegui achar o fósforo e tivemos a claridade de volta, mas Conceição não me disse nada. Só quando o dia amanheceu ela me contou que tinha visto naquela noite. Uma tocha que circulava vagarosamente à distância sobre uma banana ali perto, onde antes existia aquele açude. Enquanto contemplava a aparição, lhe veio a memória a lembrança de Edneuza e, de súbito, levantou-se. A tocha veio em sua direção e ela teve a certeza que viu os olhos claros de Edneuza dizendo que queria lhe dar-lhe um abraço.

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Isso aconteceu em abril de 1987 e Conceição veio a falecer em setembro daquele mesmo ano com complicações respiratórias num hospital no Recife.

Vulto no Quarto Depoimento de Sergio Paulo de Mello Feitosa Chegamos à casa no ano de 1972. O bairro, na zona sul do Recife, era o Pina e tinha extensão bem maior do que tem hoje (agora, por causa da valorização imobiliária, quase toda a área pertence ao bairro de Boa Viagem). A casa de veraneio não estava bem conservada e lembro bem dos meus 10 anos, quando acompanhei o processo de limpeza e lavagem dos cômodos com olhar de criança. Restos de objetos de antigos moradores, um álbum de figurinhas, Alice no País das Maravilhas (um amigo, também criança na época e hoje já falecido, aventou a possibilidade de o álbum ter pertencido a uma criança morta...humor negro). Mas tudo era novo e a expectativa de uma casa nova, muito excitante. Até então, nada de anormal. Ninguém havia morrido na casa e nenhum vizinho lembrava que algo insólito que pudesse ter acontecido lá. Mas contavam que, sob uma avenida próxima e recém asfaltada, a Conselheiro Aguiar, haveria o cemitério dos pacientes de um leprosário do século XIX. Contavam também a história de um padre sem cabeça percorrendo os becos que desembocavam no mangue do Pina - hoje substituídos pela avenida Domingos Ferreira. Eram mitos que faziam a meninada delirar de medo. Bons argumentos para os pais, que nos queriam cedo em casa. Mas coisas realmente estranhas ocorreram no ano de 1979. Num Domingo à noite, estando eu e minha mãe assistindo uma programação normal de televisão, vimos numa cortina uma coisa que

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ficava caindo (ou descendo) por trás do pano. Mas não havia nada lá: nem um rato, nem um gato, nada. Entreolhamo-nos silencioso. Continuamos como se nada houvesse acontecido. Em um outro momento, minha mãe, estando de saída e maquiando-se num pequeno espelho, viu uma figura surgir no lugar de seu reflexo: uma bela e jovem mulher mirando-se. Aquilo a deixou traumatizada durante muitos anos. Já minha irmã foi surpreendida pela figura de um índio, com longas tranças grisalhas, num quarto que servia de depósito de tralhas. Eu, como gostava de ficar até a madrugada vendo filmes (uma de minhas paixões), era premiado com uma sucessão de pancadas e movimentos de talheres na cozinha, o que me fazia assistir, aos filmes coberto, com o lençol até o nariz - como se de fato pudesse encontrar efetiva proteção. Algumas vezes, conseguia vencer o medo e ir até a dependência, para encontrar tudo na mais absoluta normalidade. Até que chegou aquela noite inesquecível. Seria uma noite em que dormiria sozinho no quarto e não havia nada de anormal no acontecido. Havia crescido em volta de histórias de trancoso, que faziam parte da infância de qualquer garoto suburbano. O medo quase indelével era nosso companheiro. Não havia outros assombros. O Recife era bem menos violento. A casa foi ficando naturalmente silenciosa e logo todos foram dormir. Estávamos os três: meus pais em seu quarto, e eu num quarto espaçoso todo meu. E, após a sonolência natural, dormi profundamente. Àquela época, sempre dormia deitado de bruços e o que aconteceu durante aquela madrugada alterou definitivamente minha forma de dormir mesmo decorridos mais de vinte anos. Acordei lentamente. Era a sensação de que meu colchão estava afundado próximo à que minha cabeça, como quando alguém senta

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ao nosso lado. Fui abrindo lentamente os olhos, fui divisando bem próximo à minha cabeça uma pessoa sentada ao meu lado. O quarto não estava absolutamente escuro. Havia uma janela que permitia que as luzes das avenidas entrassem. No entanto, com essa claridade não foi possível observar nenhum detalhe daquela pessoa sentada à minha cabeça. Era uma figura completamente escura e diferente de algumas aparições descritas por seus observadores com detalhes como abas, chapéus, estamparias, etc. Mas uma coisa me marcou. Uma comunicação telepática. Ódio. Sentia uma emanação de ódio que entrava pelos meus ossos. Imediatamente, junto com a sensação de acordar, percebi que estava completamente paralisado. O único movimento que conseguia fazer era abrir e fechar os olhos. Eu estava sozinho num quarto, com uma figura fantasmagórica, sentindo que havia nela um ódio mortal, e ainda por cima imóvel. Logo gotas de suor me encharcaram o corpo. Senti um pânico descomunal, pois aquela esfinge negra continuava ali! Não era dado a rezas àquela época, mas foi o que me veio à memória. Durante uma hora, creio eu, tirei do baú trechos de salmos, músicas religiosas e orações. Houve um momento, naquela luta noturna, que, ao abrir os olhos, a sombra não estava mais ao lado. O lençol estava úmido de suor. Levantei meio incrédulo de que tudo poderia ter acabado. De fato, encontraria o fantasma novamente depois... Por isso, até hoje, durante o dia consigo dormir de bruços. Durante a noite, deito de costas num inconsciente e pouco provável receio de ser flagrado outra vez por aquele visitante opaco, como ocorreu no ano de 1979.

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Visão no Escritório Depoimento de P.C. Araújo Sou funcionário de um banco que presta serviços a algumas empresas de grande porte (e seus correntistas). Numa dessas empresas, eu ficava em uma salinha no térreo, enquanto os funcionários ficavam nos andares acima. Quase todo dia, quando estava sozinho na sala, tinha a sensação de que havia chegado alguém. No começo, quando olhava não via ninguém. Após algum tempo, podia até ver a pessoa. Um homem branco, alto, de traços nobres e sempre com roupa social. Nunca tive medo dessas coisas, e ficava na minha. Até que um dia, uma funcionária dessa empresa veio falar comigo acompanhada do tal fantasma! Ela parecia não ver o espectro. Demorei alguns segundos para reconhece-lo. Nem pensei em falar com a moça sobre o fantasma, que se demorou um pouco no ambiente, deu meia volta e sumiu da sala andando. Contudo, não pude disfarçar o meu espanto ao ver alguém ao lado da garota. Minha expressão nervosa foi inevitável e a funcionária notou. Ela perguntou o que eu tinha visto. Nunca fui de mentir e falei tudo. Expliquei ainda que tinha a impressão que o homem vinha da sala ao lado, que era como um laboratório cheio de equipamentos. E quando comentei sobre as características e a fisionomia do fantasma, a moça começou a chorar. Falou que podia ser um funcionário que se suicidou na empresa, jogando-se pela janela do quinto andar. Antes de morrer, ele teria ficado por um bom tempo nessa sala ao lado da minha, como se estivesse elaborando o suicídio. Depois dessa, pedi transferência daquele lugar.

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É o Vigia? Contado por Léo Meira Lins Meu pai tinha uma empresa de representações e uma equipe de vendas que viajava muito pelo interior do estado de Pernambuco. Dentre esses vendedores, um deles ficou marcado na minha memória depois de escutar a história, que meu pai não cansava de contar. Seu Amaro trabalhava para meu pai há vários anos e era chamado de medroso pelos outros vendedores. Certa vez foi fazer algumas visitas a clientes na cidade de Pesqueira e, para economizar, resolveu se hospedar em uma casa que oferecia abrigo para viajantes. Chegando lá, foi logo para o quarto dormir, pois a viagem até a cidade é bastante cansativa e já era tarde da noite. No quarto notou que o banheiro era do lado de fora e teria que dividilo com outros hóspedes. Pegou sua toalha, sua escova de dente, calçou suas sandálias e saiu em direção ao banheiro. Da janela do corredor viu um homem negro de olhos esbugalhados, que estava sentado em um galho de árvore do lado de fora. Perguntou Seu Amaro: - Boa noite, chefe! Tá frio hoje, né? E a estranha figura nem respondeu. Amaro entrou no banheiro, fez o que tinha pra fazer e saiu enrolado na toalha. No caminho de volta percebeu que o " homem negro" havia mudado de lugar e agora se encontrava-se na janela próxima à porta do seu quarto. Tentou mais uma vez o educado vendedor: - Boa noite! E a resposta, mais uma vez, foi nenhuma.

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Seu Amaro entrou, bateu a porta e falou baixinho: - Que vigia mal-educado da "cibola"! No outro dia, logo de manhã, desceu para sair para as visitas e encontrou o dono da hospedaria. Não perdeu tempo em dizer: - Qual é o problema daquele vigia? O sujeito é mudo, é? - Que vigia? - Ôxe! Tinha um negão na janela do corredor ontem, por sinal muito mal-educado - retrucou Seu Amaro. O dono começou a rir e falou em meio a gargalhadas. - Parabéns! É a primeira vez que vejo alguém que teve coragem de falar com aquela assombração. Aquele era possivelmente um escravo da senzala que tinha aqui perto. Ele sempre aparece por aqui. Não teve outra: Seu Amaro caiu de joelhos e começou a chorar, para espanto dos outros vendedores e do dono da hospedaria. Não teve coragem nem de subir para arrumar a malas. Pediu umas desculpas para os clientes e deu no pé daquela cidade assombrada.

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As Promessas dos Defuntos Não são poucos os casos semelhantes a este que passo a descrever: dois amigos muito próximos prometem um ao outro voltar depois da morte para contar como é a vida no Além. Quando chega o momento fatídico, o que ficou toma o maior susto ao receber a visita do companheiro que partiu! E não poderia ser diferente, não é prezado leitor? Imagine reencontrar aquele seu colega que passou a morar na Cidade-dos-pés-juntos e ouvir algo como: “ah, lá é muito bom! Muita paz, camas macias, televisão, chuveiro elétrico...” Isso se o cidadão for para o Céu. Se ele pegar o elevador para o “andar de baixo”, a conversa vai ser bem diferente. Brincadeira, claro. Mas verdade é que essa mania de voltar depois da morte é bem antiga. Vem da Idade Média. Os monges que permaneciam enclausurados costumavam fazer esse tipo de promessa aos companheiros de retiro. Era uma forma de reafirmar a fé na vida após a morte. E funcionava: nos registros daquela época encontrados nos monastérios falam sobre inúmeras aparições de frades já falecidos que voltaram para contar com era o dia-a-dia no Paraíso, ou mesmo no Inferno. Sim, aqueles homens santos às vezes também cometiam seus pecados – principalmente em pensamento. De lá para cá, essa história virou moda entre os leigos. No livro “Fenomenologia das Aparições”, o pesquisador Valter da Rosa Borges classifica episódios com tais características de “aparições de compromisso”. Ou seja, quando entre assombração e assombrado existe um contrato – às vezes uma aposta – previamente firmado. Rosa Borges reproduz um famoso caso, ocorrido com um lorde inglês. No tempo de colégio, ele teria firmado um pacto com um colega de classe com quem costumava discutir a sobrevivência da alma. O que morresse primeiro se materializaria para o outro. O acordo foi escrito

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e assinado com sangue. Anos depois, quando o lorde já não se lembrava da promessa, teve uma surpresa terrível: “Estava eu, pois, mergulhado no meu banho (...) quando, olhando para a cadeira onde tinha posto minha roupa, com grande espanto, vi nela sentado meu amigo a olhar para mim, tranquilamente! Não posso dizer como saí do banho, porque, ao recuperar os sentidos me vi estendido no assoalho (...) meu amigo não estava mais.” E o amigo dele, como se soube depois, havia morrido naquele dia. No Recife, terra de tantos assombros, um relato desse tipo também foi muito comentado. Enquanto descansava no terraço de casa, o cidadão recebeu a visita de um amigo recém desencarnado. Ficou espantado, claro, mas se controlou para ouvir o que o defunto tinha a dizer: “O Além é uma beleza, companheiro! Tem até um time de futebol. Vai treinando: você está escalado para jogar amanhã.”

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O Segredo do Saco Rosinha é o apelido da leitora que me manda este relato: O fato que retratarei não aconteceu comigo, mas foi contado por um dos meus irmãos que costuma trabalhar à noite tocando em bares. Contou-me que, após o trabalho, saiu com seu violão encoberto por uma capa escura. Já era de madrugada, o local estava deserto (pelas proximidades da Universidade Federal) e ficou aguardando a passagem de um táxi. Quando passou um, fez sinal e o mesmo parou a cerca de cem metros adiante. Ele pode perceber que o taxista ficou parado olhado para trás e, depois de alguns minutos deu ré. Meu irmão entrou no táxi, e foi quando o motorista começou a explicar o motivo de seu comportamento. Falou que estava passando por uma situação muito difícil e inexplicável. Começou a relatar que, certa vez, trabalhando à noite ao passar por um local ermo, viu um passageiro dar-lhe um sinal e parou. O rapaz levava um saco e pediu para que ele o ajudasse a colocar na mala do carro. Ao colocar o saco (que, por sinal, era muito pesado) no carro, o taxista percebeu que o rapaz fazia corpo mole para ajudá-lo. Entraram no carro e foram conversando naturalmente, até que ao chegar em um local determinado. O passageiro pediu que parasse em frente de uma casa e que o aguardasse, pois estava sem dinheiro e ia buscar. Ficou observando o rapaz e achou estranho que pulasse o muro para entrar em casa ao invés de entrar pelo portão. O motorista ficou aguardando por cerca de trinta minutos, até que resolveu bater na casa. De lá saiu uma senhora e ele perguntou pelo rapaz. A senhora respondendo-lhe disse que ali não morava nenhum rapaz e que também não tinha entrado ninguém. O taxista continuou

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insistindo que ele tinha entrado ali, inclusive que tinha deixado um saco que se encontrava na mala de seu carro. Ele resolveu pedir à senhora que o acompanhasse para testemunhar a existência do saco e de seu conteúdo. Ao abri-lo percebeu que se tratava de um cadáver e constatou que o corpo era do próprio passageiro que acabará de sair de seu carro!

O menino dos olhos azuis Depoimento de Yoichiro Susaki Eu tinha apenas 13 anos quando vi a tal aparição. Tinha acabado de fazer uma faxina em minha casa e, naquele tempo, ainda se encerava o assoalho que era de madeira. Como havia terminado a limpeza da sala, que era o cômodo de entrada da casa, fui em direção a um corredor que dava para a cozinha. Foi então que ouvi alguém bater com muita força na porta da sala. Certa que eram meus irmãos ainda pequenos que chegavam de um jogo de bola na rua, comecei a gritar para que eles dessem volta pelo quintal e entrassem pelos fundos, pois havia limpado tudo e não queria que ninguém pisasse com sapatos sujos no assoalho. Mas de nada adiantou: continuaram batendo e cada vez com mais força, acho que para me chamar a atenção. Então, me dirigi à sala e fui abrir a porta. Quando abri, encontrei um menino louro de olhos azuis que me sorriu. Sem que eu dissesse qualquer palavra, ele caminhou até o portão e ficou olhando para traz até que eu saísse em direção à rua. Eu fiquei sem entender e ao mesmo tempo tive a certeza de que era uma aparição, pois as roupas que usava eram antigas: meias soquetes com botinhas pretas e um calção preso por suspensórios bem vistosos sobre uma camisa branca. Hoje tenho a convicção de que realmente

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Histórias Medonhas de um Recife Assombrado por Eddie Souza

não era alguém daqui da Terra e sim alguém do Além me fazendo uma visita, pois desapareceu entre nuvens de fumaça branca.

Dinheiro das Almas Por Roberto Beltrão Nesta primeira sexta-feira 13 de 2012, quero falar tesouros lendários conhecidos como "botijas" que, de acordo com o imaginário popular nordestino, tanto pode significar sorte quanto azar para quem os descobre. O costume teve início na Europa da idade média e ainda era praticado no Brasil de meados do século XIX: um sujeito rico escondia parte do seu tesouro - na maioria das vezes moedas, mas, em alguns casos, cédulas ou até joias - em um compartimento secreto numa das paredes da casa onde morava. Uns preferiram mesmo enterrar a dinheirama no quintal. Porém, quando não eram distribuídas em vida com os legítimos herdeiros, essas riquezas se tornavam uma maldição para o proprietário depois de falecido. O sujeito se transformava num fantasma, assustando todos os que se aproximavam da botija, infernizando os moradores da casa onde ela estava guardada. O único antídoto para esse tormento era encontrar o tesouro. Descoberta a botija, cessavam as aparições nebulosas e as luzes misteriosas. Paravam os ruídos sobrenaturais, como as pancadas nas portas de cômodos vazios e os sussurros emitidos por seres invisíveis. Muitas vezes as próprias almas penadas entravam nos sonhos dos vivos para indicar o local onde tinha sido disfarçada a botija. Muitos ficaram ricos depois de seguirem essas pistas. Para outros tantos, o desejo de revelar uma botija virou motivo de decepção e discórdia, como neste caso publicado pelo Jornal do Commercio em outubro de 1994:

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Sonho de achar Botija acabou na delegacia O sonho da costureira Neuma Maria de Souza, 50 anos, com um holandês que teria lhe revelado onde achar uma botija de ouro, terminou em confusão na delegacia do Cabo. No lugar do metal, ela e o ex-genro Isaque Cândido Ferreira, 32, encontraram dentro de um vaso de barro quebrado muitas pedras. “Tenho certeza de que ele chegou no lugar antes de mim, pegou o ouro e vendeu”, acusa. A queixa foi registrada pelo delegado Alberes Félix de Souza que, mesmo incrédulo, iniciou as investigações. A costureira diz ser médium e começou a ter visões com o holandês enquanto dormia, pouco tempo depois de Isaque também ter sonhado, em setembro passado, com um homem vestido de branco. “O homem me disse que tinha algo a me dar, só isso”, afirma. O pedreiro Isaque resolveu contar o sonho à então sogra, que teve a complementação através do holandês. “O estrangeiro me garantiu várias vezes que havia uma botija cheia de ouro na casa de uma professora, em Prazeres”, jura Neuma. Coincidentemente, Isaque estava na época trabalhando na reforma da residência, localizada próxima ao terminal do ônibus Prazeres - Barra de Jangada. Desentendimentos - Ainda em setembro, Neuma e Isaque combinaram de desenterrar o pote dentro da casa e tiveram uma grande decepção: em vez de ouro, havia muitas pedras; entre elas, quartzo branco. A partir daí, os desentendimentos entre os dois passaram a ser frequentes e chegaram ao ponto de interferir no namoro que o pedreiro mantinha com a filha de Neuma. O casal terminou o relacionamento em fevereiro. Isaque nega o furto do ouro e pede provas. “O meu marido, Amaro, é testemunha de que ele admitiu que encontrou uma barra de ouro com

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20 quilos e disse que iria vender”, esbraveja a mulher. Na tentativa de acalmá-la, o delegado Alberes prometeu investigar, mas admite necessitar de evidências.

A galega assombrada de Caruaru Colaboração de Carolina Miranda No centro de Caruaru - a maior cidade do Agreste pernambucano existia uma concessionária de caminhões chamada Cadisa. Nas madrugadas frias, contam os taxistas antigos, uma estranha mulher loira e muito bonita aparecia em frente à loja de veículos para seduzir os taxistas. Ela pedia aos taxistas para levá-la em casa e, no outro dia, eles já apaixonados, iam procurá-la naquele endereço. Ao chegar, tinham uma surpresa: eram informados pelas pessoas que morava na casa que a mulher loira que estivera com eles na noite anterior já havia morrido há muito tempo. Para serem convencidos, eram levados ao túmulo dela no cemitério! Muitos homens corajosos ficaram brancos e arrepiados de medo ao saber a verdade Essa história tem o nome de "Galega da Cadisa". E é a assombração mais popular de Caruaru. Virou até bloco de carnaval. A concessionária fechou e, no lugar, hoje funciona um colégio particular.

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A Menina no Jardim Relato de Liliane Batista de Moura Esse é um fato real. Ocorreu há anos e, até hoje, o poder de me aterrorizar. Em 1985, depois de uma promoção no trabalho, aluguei uma pequena casa na Encruzilhada, bairro da Zona Norte do Recife - que já conheceu dias melhores -, onde fui morar sozinha. Trabalhando durante o dia e estudando à noite, tinha pouco tempo para me dedicar às conversas de portão; assim só conhecia a vizinhança de "bom dia, boa tarde e boa noite"! Lembro-me de raras vezes ter-me detido numa conversa mais prolongada, geralmente com a vizinha da frente, quando, aos domingos, eu cuidava do pequeno jardim. Assim muito pouco sabia da vida da comunidade em que morava. Nesta época, apenas uma pessoa me chamava a atenção. Morava na casa vizinha e deveria ter entre quatro e cinco anos. Sua beleza era irradiante. Loirinha, cabelos lisos e lindos olhos azuis. Ao sorrir, apareciam duas barroquinhas nas bochechas dela. Era realmente uma linda garotinha, sendo-me impossível passar por ela sem sorrir ou acenar, gestos sempre correspondidos. Nunca cheguei a falar com ela, mas, durante todo o tempo em que morou ao meu lado, permaneci encantada. Às vezes, preocupava-me vê-la brincando sempre sozinha, porém a violência daquela época não era a de hoje e nunca cheguei a comentar com ninguém minha preocupação. Já morava tranquilamente nessa casa há uns três anos, quando num domingo, em julho de 1988, fui acordada por uma intensa

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movimentação na casa vizinha. Eram vozes, gritos e muito choro. Levantei-me rapidamente para trocar-me e ver se precisavam de alguma coisa. Ao chegar ao portão da casa ao lado, uma senhora que morava próximo deu-me a notícia: a dona da casa tinha morrido. Fiquei chocada, pois ela ainda era nova, em torno de quarenta anos. E, embora a visse a raramente, não aparentava estar doente. Logo me lembrei da garotinha, era doloroso pensar que agora aquela criaturinha tão linda ficaria sem mãe. Parada no portão, em dúvida se entrava ou não, pois eu não tinha muita intimidade com as pessoas da casa e o choro vindo lá de dentro era intenso, pensava no que poderia falar para trazer algum conforto, principalmente à minha amiguinha, quando Ana apareceu. Ana morava do outro lado da rua e eu já conversara algumas vezes com ela, assim tinha um pouco mais de intimidade. Procurei então saber do ocorrido. O que acontecera era realmente uma tragédia. Na véspera, a família tinha saído para fazer um pic-nic numa represa para as bandas de São Lourenço, uma cidade da região metropolitana do Recife. Tudo correu bem até depois do almoço. O pai cochilava sob uma árvore, enquanto o casal de filhos adolescentes jogava dominó. Repentinamente, a mãe levantou-se, deixando de lado as coisas que estava arrumando, andou resolutamente em direção à represa e nela se atirou. A filha, vendo o que aconteceu, gritou desesperada pelo pai. Este, acordando atordoado, não entendeu de pronto o que acontecera, até porque seria inadmissível pensar que sua mulher pudesse ter pulado na represa sem saber nadar. O som do seu filho pulando na água tirou-o do marasmo, fazendo-o também se atirar atrás de sua esposa.

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Infelizmente, eles só a acharam depois de alguns minutos, já desacordada. Com muito esforço conseguiram reanimá-la e quando ansiosos perguntaram-lhe o que tinha acontecido. Ela pediu desculpas e disse que tinha que salvar Regina. Pouco depois desfaleceu novamente, chegando ao hospital já sem vida. Comovi-me sinceramente com o relato e lágrimas vieram-me aos olhos, então lembrei-me da menininha e perguntei por ela. Ana fez uma cara de interrogação e me disse que não havia filha pequena, só os dois adolescentes. Aquilo me deixou intrigada e Ana notou, então lhe contei que sempre via uma garotinha se balançando no jardim da casa vizinha. Ao descrevê-la, Ana empalideceu e me disse que eu devia estar enganada. Insisti na certeza do que estava falando, pois desde que me mudara sempre a via - talvez fosse uma sobrinha que passasse tempos com a família. Ana nada disse, porém com lágrimas nos olhos chamou-me para acompanhá-la até sua casa. Sentamos no terraço e após bebermos um copo de água, ouvi o relato completo. A minha vizinha realmente tivera três filhos, porém em 1975 quando o Recife foi assolado por uma cheia de tamanho descomunal, destruindo e desabrigando muita gente, a minha rua tinha ficado praticamente submersa. O nível das águas chegou a mais de dois metros na rua e ninguém se preparara para uma cheia de tal intensidade. Ana contou-me que, no dia da cheia, o marido da minha vizinha estava viajando a trabalho e ela se encontrava sozinha em casa com as três crianças, quando durante a madrugada o nível das águas começou a subir rapidamente, ela desesperou-se, pois não sabia nadar, e resolveu sair de casa levando-as. Nesta época tinham dois, quatro e seis anos.

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Colocando a mais nova encarapitada no pescoço e segurando as outras, uma em cada mão, saiu tentando chegar à Estrada de Belém que ficava num nível mais alto. Ana disse que ao vê-la sair ainda gritou para que não fosse, porém ela respondeu-lhe que não aguentaria ficar ali. Ana só teve notícias de meus vizinhos duas semanas depois, quando pode voltar para sua casa, pois havia perdido todos os móveis e eletrodomésticos e passara esse tempo na casa de parentes. Foi aí que soube da tragédia. Minha vizinha tinha andado com as crianças até a Avenida Beberibe, porém ao chegar lá a correnteza já era enorme e ela não tinha como retornar. Já sem forças e arrastando as crianças, lutava desesperada para chegar a um lugar seguro. Foi quando a menininha de quatro anos escorregou de sua mão, sendo rapidamente engolida pelas águas. Ela ainda tentou pegá-la, porém ao fazê-lo quase solta o outro filho. Então juntando toda a coragem e pela sobrevivência dos outros dois filhos ela seguiu em frente, chegando depois de muito sacrifício à Estrada de Belém. Foi uma época terrível para essa família, pois a mãe nunca se perdoou pela morte da filha e, após muitos anos, ela ainda se sentia culpada. Dois meses se passaram depois dessa minha conversa. Meus vizinhos haviam mudado para outro lugar, onde as lembranças fossem amenizadas. Num domingo, estava cuidando do jardim, num raro momento de folga, quando Ana me vendo do seu terraço acenou, chamando-me. Cumprimentei-a e, após falarmos algumas amenidades, entramos no assunto da tragédia que acometera meus agora ex-vizinhos. Ela me inteirou dos fatos recentes: A família, quando estava arrumando as coisas para a mudança, tinha encontrado um diário que a mãe mantinha escondido. Após ler algumas páginas, a filha, em pranto, mostrara-o ao pai. Este, após ler

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o diário, entrara numa crise de depressão, pois passou a se culpar por não perceber o quanto sua esposa estava doente. No diário ela falava que várias vezes vira Regina e que ela não se cansava de perguntar: Por que você não me salvou mamãe? O que eu fiz de errado? Por quê você não gostava de mim, só dos meus irmãos? Não me contive e comecei a chorar, Ana chorou também e entrou para buscar mais água. Na volta trouxe também uma fotografia. Ao mostrar-me disse que uma pessoa precisava de minha ajuda. A foto era de duas menininhas num balanço. Uma era a filha de Ana quando pequena e a outra. Olhei para Ana sem entender, pois, estava vendo minha princesinha do jardim. Ela comovida disse-me: - Sim, esta é Regina. É ela que precisa de sua ajuda, reze muito por ela, para que sua alma enfim tenha paz.

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No salão de jogos Enviado por um leitor que não quer se identificar Esta história se passou no início dos anos 90, quando eu era aluno do curso de Medicina da Universidade de Pernambuco. Tinha uma turma de amigos muito animada, e sempre marcávamos de sair no fim de semana. Certa vez, nas férias, combinamos de fazer um churrasco na fazenda dos pais de Paulo, colega de curso. Era um pouco longe – São Vicente Férrer, interior do estado – mas era diversão garantida. Levei Cláudia, minha então namorada, e que hoje é a minha esposa. A fazenda era em um terreno plano com um vasto capinzal onde pastavam algumas cabeças de gado. A casa principal era num estilo rústico com tijolo aparente. Havia alguns cavalos, piscina, campo de vôlei e um salão de jogos, onde existia uma mesa de pingue-pongue e outra de sinuca. O salão era um pouco mais afastado da casa e tinha dois quartos para hóspedes, já mobiliados. Como éramos cinco casais e a casa tinha apenas três quartos, decidimos que dois casais ficariam nos quartos do salão. Paulo foi contra a ideia. Disse que não era preciso, que todos poderiam dormir na casa. Ficaria mais apertado, mas seria divertido. Mesmo assim decidimos ir para os quartos do salão, afinal teríamos mais privacidade. Na hora decidimos quem iria para o salão: eu, Cláudia, Miguel e Alice, casal que também estudava comigo na Universidade. À noite, na hora de nos recolhermos, Paulo ainda tentou nos convencer a mudar de ideia, dizendo que deveríamos dormir na sala da casa. Fomos para o salão de jogos assim mesmo. Na hora de dormir, fui ao banheiro que ficava ao lado do quarto. Ouvi então Cláudia dar um grito de pavor. Corri para o quarto e ela apontava para a janela enquanto tremia de medo.

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- Tinha uma mulher do lado de fora. Ela estava olhando pra mim pela janela e falando alguma coisa. Mas agora não está mais lá! Fui olhar do lado de fora da casa, cheguei a dar uma volta completa ao redor, só que não vi ninguém. Fui então falar com Paulo, para saber que mulher era aquela. Ele ficou desconcertado, e disse que deveria ser a mulher do caseiro. Achei estranho a mulher estar àquela hora da noite acordada, e ainda mais nos olhando pela janela. Na manhã seguinte, eu e minha namorada fomos dar uma volta pela fazenda. Miguel estava andando a cavalo, quando ele veio em nossa direção. Ao se aproximar, seu cavalo – que trotava calmamente – passou a relinchar, ameaçando empinar. Mas Miguel sabia montar bem e controlou o animal. Ele estava com uma cara de espanto. - Quem é aquela mulher que estava andando com vocês? Respondi que não havia nenhuma mulher loira, estávamos só eu e Cláudia. Ele insistiu, afirmando que havia visto de longe a gente andando ao lado de uma mulher loira de vestido azul. Na hora, Cláudia me abraçou assustada. - Deve ser a mulher que eu vi ontem! Novamente falamos da mulher para Paulo, mas o mesmo desconversou. Fiquei achando que ele sabia mais do que havia nos dito. O restante do dia transcorreu calmo. À noite, fizemos fondue e depois fomos jogar sinuca. Rodrigo, um outro amigo que lá estava hospedado, sentiu um puxão no taco no momento em que ia jogar. - Vocês viram?

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Rimos na hora, mas pude perceber que todos estávamos nervosos. Decidimos ir dormir. Eu e Cláudia seguimos para o nosso quarto no salão de jogos e Miguel e Alice fizeram o mesmo, enquanto os demais foram para a casa. Quando já estava deitado, ouvi o barulho das bolas de sinuca batendo umas nas outras. Perguntei a Miguel se havia voltado a jogar. O barulho parou. Corri para a mesa, e não havia ninguém por perto. Mas uma bola ainda estava girando. Eu e Cláudia quase não dormimos naquela noite. Na manhã seguinte, fui falar com Paulo. Contei a ele o caso das bolas de sinuca. Ele não demonstrou surpresa. Então pediu para nos reunirmos porque gostaria de falar algo importante. - Gente, desculpe não ter falado a vocês antes. Eu e meus pais já moramos nesta fazenda por alguns meses, logo que meu pai a comprou. Mas diariamente eu via a alma de uma mulher. Ela era loira e usava um vestido azul. Ficava tentando falar conosco com um jeito desesperado, como se estivesse pedindo ajuda. Por isto que nos mudamos para Recife, não aguentamos mais ficar vendo esta mulher. Depois do que ele falou, achamos melhor ir embora para o Recife imediatamente. E nunca mais fizemos nenhum outro passeio àquela fazenda.

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Carinhoso? Depoimento de K. L. Eu não sou pernambucana, mas vivo aqui há muitos anos. Vim de outro estado do Nordeste para estudar e, depois de formada, acabei conseguindo um emprego e ficando. Recentemente, aluguei um apartamento muito confortável no bairro de Casa Forte. Achei que estava fazendo um ótimo negócio. Agora já não tenho certeza disso. Nas primeiras semanas, nada de anormal aconteceu. Até que, numa certa noite, começou a ocorrer um estranho fenômeno. Eu estava sem sono, mas deitei na cama assim mesmo para tentar relaxar. Quando apaguei a luz, tive uma estranha sensação. Senti como se alguma coisa tocasse a minha pele de maneira muito suave e afagassem o meu cabelo. Pulei da cama assustada e acendi a luz. Pensei que fosse uma barata ou outro bicho nojento. Procurei por todo canto e nada. Apaguei a luz e voltei para a debaixo do lençol. Notei que o quarto tinha ficado mais frio - uma coisa bem estranha nas noites quentes do Recife - e eu nem tenho ar-condicionado. Quando já estava pegando no sono, senti novamente aqueles toques sutis, principalmente nos cabelos. Fiquei ainda mais espantada e voltei a acender a luz e a constatar que não havia nada nem ninguém no quarto. Na terceira vez em que o fato se repetiu, tive a convicção de que era algo sobrenatural. Rezei por alguns minutos pedindo uma trégua e consegui dormir. Porém, de luz acesa! Nas noites seguintes, as mãos invisíveis tornaram a me tocar. Aquilo estava me deixando desesperada. E a situação ficou ainda mais esquisita. Uns quinze dias depois de que tudo começou, fui acordada de madrugada por um grito aterrador vindo da sala do apartamento. Corri até lá, mas - é claro - não encontrei ninguém. Estava ficando

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muito estressada com aquela coisa. Não sabia mais o que fazer, pois não ia poder me mudar, e cheguei mesmo a achar que ia ficar maluca. Nisso, recebi a visita de minha irmã mais nova, que veio da nossa cidade natal para passar umas férias. Ela percebeu que eu estava abatida, mas não contei nada sobre o que estava acontecendo. Não foi preciso. Na primeira noite, fui dormir no sofá da sala e dei a ela a minha cama. Não demorou muito e a mana me acordou fazendo cara de choro. “Tem uma coisa alisando o meu cabelo", ela dizia. Não tive como esconder toda a história. No dia seguinte, resolvemos investigar o caso. O dono do apartamento nos garantiu que ninguém havia morrido lá. Até porque, o prédio tinha no máximo uns cinco anos. Os vizinhos com quem conversamos, porém, garantiram que nos apartamentos deles também ocorriam coisas inexplicáveis. Ouviam gemidos, gritos, batidas nas portas e até o arrastar de correntes. O curioso é que as "carícias fantasmagóricas" só aconteciam no meu apartamento. A explicação poderia estar no terreno. Hoje Casa Forte é um bairro cheio espigões e avenidas. Mas, antigamente, no lugar existiam engenhos de cana-de-açúcar. O nosso prédio pode ter sido construído sobre onde existia antes uma casa grande, uma capela ou mesmo uma senzala. Isso não dá para saber. E, com o passar do tempo, eu até fui me acostumando com o tal fantasma que pode ser de uma sinhazinha ou de uma mucama, quem sabe. Fizemos preces para tentar apaziguálo. Os carinhos diminuíram, contudo não cessaram até que o dia mudei do apartamento. E sabe que eu até fiquei com um pouco de saudade daqueles dengos noturnos?

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A noiva na casa antiga Nos idos dos anos 1950, a família Costa mudou-se para o bairro de Apipucos, no Recife. Apesar de um pouco distante de tudo, o local era tranquilo e de vizinhança segura. Manuel, o pai, passava metade do mês viajando pelo interior e estados vizinhos deixando a esposa Lara, os dois filhos pequenos e o pastor alemão. Nos primeiros momentos, o trabalho de casa e a adaptação não deixavam aos moradores tempo para descansar, mas mesmo assim travaram conhecimento com os vizinhos, e a única coisa estranha que eles diziam é que a casa tinha tido vários moradores nos últimos anos. Passado um mês, eles estavam jantando exatamente às seis horas da noite e chamaram o cão que descansava na sala da frente. Ao vir pelo corredor o cachorro de repente se encolheu, ganiu baixinho e acelerou o passo, exatamente ao passar pelo primeiro quarto que eles usavam para guardar alguns móveis. Na cozinha, notaram que o animal tremia e estava arrepiado. A princípio, Manuel pensou que era uma cobra ou algum bicho perigoso. Mas não justificaria tal pavor: um exame cuidadoso no quarto não revelou nada, sequer um buraco que servisse de esconderijo. O comportamento amedrontado do cão se repetiu, mas, com o tempo, ninguém prestava tanta atenção. Um dia, porém, houve outra ocorrência estranha. O casal estava na sala da frente quando, às seis da noite pontualmente, Lara olhou casualmente para o corredor e, apavorada, chamou a atenção de Manuel: um vulto transparente com o aspecto de uma noiva dirigia-se para o quarto como se saísse da parede. Felizmente as crianças dormiam e não viram nem o vulto nem a reação dos pais. Eles conversaram com os vizinhos e ficaram sabendo que, duas décadas antes, um casal de noivos havia comprado aquela casa. Os jovens não chegaram, porém, a se instalar. Após o casamento, a noiva

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foi acometida de uma doença que a mataria em pouco tempo. Diziam alguns que ela era tísica - ou seja, tinha tuberculose -, mas isso nunca se confirmou. O certo é que o noivo não quis pisar lá nunca mais. Para o bem dos filhos, a família Costa foi embora. Mas logo uma outra família mudou-se para a casa em Apipucos: em quanto tempo eles conheceriam a Noiva?

Horror no internato Colaboração de Vinícius Neves Numa época não muito distante, duas moças foram estudar num internato feminino de curso superior, cuja localização é melhor não revelar. Lá, tudo era feliz, sem nenhum problema: elas tinham muitas amigas e eram conhecidas em toda a escola por serem gentis e bonitas. Mas, como a comida do internato não era das melhores, as duas amigas trouxeram escondido um mini fogão para poderem cozinhar no quarto delas. Certa vez, quando estavam fazendo comida de madrugada, a dona do internato resolveu fiscalizar todos os quartos para ver se não havia nada de errado. Quando as garotas ouviram passos, logo perceberam que eram da diretora. Na pressa de guardar o objeto proibido que funcionava com álcool, uma delas esbarrou no fogão e ficou molhada pelo combustível. O fogo se espalhar por todo o seu corpo e, sem saber o que fazer, a jovem saiu correndo pelos corredores gritando por socorro. Mas logo os gritos acabaram.

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Depois da tragédia, o internato tornou-se assombrado. No ano de 2000, algumas adolescentes passaram uma noite no local. Leia os depoimentos delas: "Quando andava pelo corredor à noite vi a garota fazendo gesto com o dedo como se estivesse me chamando." "Quando eu estava no corredor, ela apareceu correndo, toda em chamas. E depois caiu no chão e desapareceu." Estes depoimentos são dos funcionários: "Lá existe uma porta de madeira envernizada. Nela, os traços naturais da madeira formaram o rosto da tal menina com uma expressão de horror e com a face pegando fogo. Já mudamos de porta várias vezes, mas o rosto da menina sempre aparece mais cedo ou mais tarde..." Algumas testemunhas não tiveram vontade de dar entrevista com medo do que poderia acontecer. Mas elas garantem: até hoje a menina corre pelos corredores do internato à procura de ajuda.

A mulher da saia verde Colaboração de Daniel Beltrão Desde menino moro num pequeno prédio em Casa Forte, um bairro de classe média do Recife. Um prédio comum, igual a tantos outros do lugar. O condomínio tem uma ampla área de lazer onde eu e todas as crianças dos outros apartamentos podíamos brincar à vontade. Tempos de uma infância feliz. Era futebol, esconde-esconde, bola de gude; nada nos perturbava na nossa diversão. Quer dizer, quase nada. O prédio é assombrado por um fantasma no mínimo pitoresco: a Mulher da Saia Verde.

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Todos nós vimos essa assombração. Era uma mulher morena, de cabelos escuros e escorridos, nua da cintura pra cima e vestindo apenas a tal saia verde. Ela sempre aparecia no mesmo lugar, próximo a uma casinha na área externa do prédio onde ficavam as vassouras e o material de limpeza usados pelo zelador. O detalhe curioso é que cada vez que a mulher se deparava com uma de suas vítimas repetia sempre o mesmo gesto: levantava a saia de forma desavergonhada. O medo era tão grande que ninguém nunca viu o que tinha por baixo da saia. Interessante também é que o espectro tinha hora certa para aparecer. Sempre ao entardecer, sob a luz amarelada do sol se pondo. Quantas vezes eu voltei para o meu apartamento correndo depois de apenas ver de relance a Mulher da Saia Verde. Difícil era dormir naquelas noites. Sempre sonhava que ela iria invadir o meu quatro e cobrir meu rosto, me sufocar com a sua saia. Os adultos do prédio também eram surpreendidos pela visagem. Respeitavam, porém, uma espécie de lei do silêncio para não assustar as crianças. Mas nós sabíamos que eles sabiam. E ninguém nunca explicou a aparição. Certa vez ocorreu um fato inusitado que poderia ter relação com mulher misteriosa. Um dos moradores tirou uma foto de seu bebê deitado no berço. Na chapa, além da criança, apareceram estranhas figuras espectrais. Névoas semelhantes a rostos humanos. E esses rostos pareciam ser de índios. Seria a Mulher da Saia Verde uma índia que uma antiga tribo que viveu naquele lugar antes da colonização? E por que tinha que levantar a saia? Um enigma insolúvel. A assombração tem aparecido menos nos últimos tempos. Mesmo assim os corretores de imóveis que eventualmente vendem apartamentos no prédio fazem questão de omitir a existência dessa moradora bizarra.

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O silêncio do passageiro Este fato ocorreu com Tobias, taxista com vários anos de experiência, numa noite de agosto de 1976. As ruas estavam tranquilas, largas. Avenida quase sem movimento. Tobias até pensava em passar um tempo em algum bar, onde se reuniam os colegas, e depois recolher o carro. Perto da meia-noite, nos arredores da Avenida João de Barros, no Bairro do Espinheiro, viu um senhor pedindo parada. Encostou o carro e o homem entrou, solicitando que o levasse até próximo do Cemitério de Santo Amaro. Tobias tentou puxar conversa, mas o passageiro parecia aflito e não soltou mais nenhuma palavra. Perto do Parque Treze de Maio, viram os destroços de um grave acidente envolvendo dois carros e um ônibus, que tinha acontecido a algumas horas. O passageiro quebrou o silêncio. - Foi terrível, falhou o freio do ônibus e os dois carros foram apanhados. Aquele Fusca sofreu menos, mas o Corcel pegou todo o impacto. Reze pelo motorista: ele morreu na hora. Mesmo estranhando o sujeito saber tantos detalhes, Tobias não comentou nada naquele momento. Estavam perto do destino combinado. Ao passar em frente ao Instituto de Medicina Legal, próximo ao cemitério, Tobias reduziu a velocidade. Ia perguntar onde deveria deixar o passageiro. Mas, antes de abrir a boca, sentiu o sangue gelar. Não havia mais ninguém no banco de trás. O taxista ficou tonto, abriu a porta do carro e, cambaleando, foi até o prédio do IML onde viu uma luz acesa. Na porta, solicitou a ajuda dos vigias que tomavam conta do local. Pediu para tomar um gole de água e contou o tudo que acontecera. Um dos

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vigias franziu a testa e falou que a vítima do acidente ocorrido perto do parque estava lá. - O defunto chegou agorinha, o senhor tem coragem de ver? Na pedra estava o corpo do mesmo homem que estava no táxi poucos minutos antes. Tobias tremia, estava com as pernas bambas, e só gaguejava quando tentava articular uma frase. Só se recompôs amanhecer, quando foi direto para uma igreja, encomendar uma missa pela alma do passageiro fantasma.

O vizinho Colaboração de Zanoni Vasconcelos Com a gente acontecem coisas que é mesmo difícil de explicar. Quando eu era adolescente, passei por uma dessas situações que só podem ser obra do sobrenatural. Nos anos 80, eu morava no bairro do Barro, local de convivência de muitas famílias. Num comecinho de noite, eu voltava para casa depois do colégio como fazia todos os dias. Desci do ônibus e fui caminhando uns poucos metros em direção à minha residência. No curto percurso passei pela frente da casa de um nosso vizinho e amigo que, nesse relato, vou chamar de "Seu Antônio". Como sempre acontecia naquela hora, Seu Antônio estava em pé junto ao portão vestindo o seu pijama: quase um fardamento da sua condição de aposentado. Ele me cumprimentou com um amistoso “boa noite”, ao qual respondi prontamente com o mesmo espírito fraterno. Quando cheguei em casa, percebi minha mãe com cara de choro. Perguntei o que havia ocorrido: - Seu Antônio, coitado: teve um ataque do coração e morreu!

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- Mas não é possível, mãe! Eu o vi agorinha no portão de casa. Ele até me deu boa noite. Mamãe insistiu e, para domar a minha teimosia, chamou a filha do Seu Antônio que confirmou o falecimento do pai. A moça disse até que ele já tinha sido enterrado. Na mesma hora senti um calafrio percorrer o meu corpo. Fiquei todo arrepiado. E, naquela noite, foi muito difícil pegar no sono. Daquela data em diante, quando eu voltava do colégio, passava correndo pela frente da casa de Seu Antônio.

Um vulto no escuro Este episódio medonho ocorreu com um morador do Recife cujo o nome eu preferi não revelar. Aqui vamos chamá-lo de Artur. Ele é desenhista industrial, na faixa dos quarenta anos, casado. Mora com a mulher e dois filhos adolescentes num condomínio do bairro de Casa Forte. Antes de continuar com a narrativa, é bom lembrar que local é hoje um dos bairros mais nobres da cidade, cheio de belas casas, prédios de luxo, supermercados e shoppings. Mas, no século XVII (época em que os holandeses invadiram, dominaram e foram expulsos de Pernambuco), a área fazia parte de um rico engenho chamado Casa Forte que pertencia a uma poderosa dama Pernambucana, Ana Paes. Esse detalhe é importante para a compreensão do que vem a seguir. Artur, como dissemos, é desenhista e trabalha em casa na maior parte do tempo. O condomínio onde mora é composto de dois pequenos prédios e muito espaço livre. Como gosta fazer o seu serviço à noite,

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quando o silêncio ajuda à inspiração, nos intervalos ele sempre costuma passear na quadra de vôlei ou entre as árvores do parque infantil, enquanto fuma um cigarro. Numa dessas noites, Artur caminhava num dos locais mais escuros do condomínio quando, entre uma baforada e outra, enxergou a sua frente uma figura que lhe pareceu familiar. Um homem negro, alto, forte, se aproximava a passos lentos, quase se arrastando. "É Severino, o vigia, fazendo a ronda", pensou o desenhista, que foi logo falando: - Tá com preguiça, Severino? Mas o homem não respondeu. Porque não era o vigia. Quando ele chegou mais perto, Artur pôde ver que o sujeito não usava camisa e vestia apenas uma calça branca de algodão. Tinha uma expressão desesperada, um olhar vidrado de quem está com medo. Os pés estavam descalços e, no tornozelo direito, ele carregava uma corrente grossa que fazia barulho ao ser puxada. Artur percebeu que era uma aparição, um "caboclo", e ficou paralisado. Mas não foi notado pela visagem. O negro passou por ele lentamente e continuou no caminho até desaparecer na escuridão. O desenhista correu de volta ao apartamento, tomou um copo d’água e se enfiou na cama ao lado da esposa, desistiu do trabalho naquela noite. De manhã, parecia um doido falando sozinho pelos corredores do prédio. - Eu vi um escravo do engenho de Ana Paes.

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Dona Chiquinha Colaboração Antônio Eduardo da Silva Melo: O ano era 1956. O bairro, o da Bomba do Hemetério, na zona norte do Recife. A pequena M.N., então com quatro anos, observava o seu pai um pedreiro - trabalhar na casa de uma vizinha. Ele estava fazendo o rodapé num quarto dos fundos e, ao entrar na sala da residência, a menina fixou sua atenção em uma palmeira plantada numa lata de tinta. Em segundos, ela notou que os galhos da planta se transformaram em cabelos e o tronco, em um corpo: o rosto de uma mulher surgiu em meio daquela metamorfose. Era uma senhora que aparentava 60 anos e usava um laço de fita na cabeça. A garota gritou e logo a visão desapareceu. M.N. contou sua visão à sua mãe, tias e vizinhos com todos os detalhes. Eles deduziram que o fantasma se tratava da falecida moradora da casa, conhecida como Dona Chiquinha, que havia morrido muito anos antes do nascimento da menina. A testemunha do estranho episódio, que se tornou uma pedagoga, não tem dúvidas do que aconteceu. E até hoje a aparição que viu na mais tenra idade é uma memória clara em sua mente.

Visita para o Dr. Alencar Por Sérgio Barza No início dos anos 70, o casario da rua do Futuro, perto da avenida Malaquias, era muito diferente do que é hoje. Onde temos um grande edifício residencial funcionava então uma repartição pública que tinha a função de planejar e construir estradas e açudes por todo o estado. Nesse local trabalhava Djalma Preto. Esforçado por natureza, ele começou ainda rapaz como zelador e logo passou a contínuo, motorista e até fotógrafo nas horas vagas. E ainda fazia um turno

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extra como vigia. E foi exatamente numa dessas ocasiões que aconteceu o fato que relataremos aqui. As brumas do final da tarde já tomavam conta do prédio e quase todos os funcionários já tinham ido embora, restando alguns poucos que só sairiam por volta das sete da noite. Djalma Preto assumiu seu lugar, ao lado de seu banquinho, de seu fiel rádio de pilha, garantido por um revólver na cintura. Na "hora do Angelus", às seis horas, quando a emissora começava a tocar a Ave Maria, ele viu se aproximar uma freira acompanhada de uma menina de cabelos negros na flor dos seus dez anos. Não estranhou nada, já que existiam dois colégios religiosos perto dali. A freira o interpelou pedindo para ver o "Dr. Alencar", que estaria esperando por ela. Apesar de não conhecer nenhum Alencar por ali, o vigia permitiu a entrada da religiosa. Afinal, que problema uma senhora dedicada à fé poderia causar? Passaram-se os minutos, saíram todos os funcionários, mas Djalma Preto não viu a freira sair com eles. Bem, poderia ser que, num momento de ausência dele, ela tivesse saído com o tal Dr. Alencar. Uma ronda nada revelou. No dia seguinte, o mesmo fato, a mesma freira, a mesma criança, o mesmo dr. Alencar. Djalma Preto não perguntou nada a ela, mas continuou intrigado. Alguns dias depois chegou a hora do pagamento da empresa, data em que se reuniam todos os funcionários. Djalma Preto encontrou um colega que também trabalhava como vigia e perguntou: - Você conhece um Dr. Alencar? - Não seria um que uma freira vem procurar todos os dias, acompanhada por uma criança?

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- É esse mesmo. Quem é? O colega respirou fundo, pôs a mão ombro do amigo. - Olhe, sente aqui, não se assuste, mas nem esse Alencar, nem a freira, nem a criança são gente viva. O Alencar deve ter sido um antigo morador, da época em que aqui era uma residência, quem sabe. Já a freira e menina não faço nem ideia. O vigia Djalma ficou cinza. Suava frio e precisou de um gole de garapa para se recompor. Daí por diante aceitou qualquer serviço na repartição, menos o de vigia: qualquer coisa que o liberasse até as cinco da tarde. Qualquer coisa que o livrasse de encontrar a freira, a criança e, quem sabe, o Dr. Alencar.

O Sítio do Môco Conta-se uma história no mínimo estranha no Bairro do Poço da Panela, um recanto bucólico na Zona Norte do Recife. Lá existe um sítio cujo zelador era surdo-mudo, conhecido nas redondezas por Môco1. O rapaz morava na propriedade, numa casinha, e não só vigiava como fazia limpeza e coleta de frutos. A vida do Môco não era, porém, apática. Não se envolvia em jogo, brincadeiras, festas, mas exercitava as artes da conquista com as moças que trabalhavam como domésticas nas casas próximas. Suas limitações não eram empecilhos na hora se comunicar com a garotas e o isolamento do sítio ajudava: um local adequado para encontros sigilosos. 1

Môco = Surdo

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Mas a carreira do sedutor pouco durou. Numa noite muito chuvosa, a calma do Poço foi quebrada por gritos, tiros e uma correria. Ninguém soube do que se tratava, mas também ninguém quis se arriscar a entrar no sítio para investigar. No dia seguinte, na propriedade encontrou-se o Môco, estendido, ensanguentado, morto. Nunca se soube quem teria cometido o crime. Um rival? Uma amante abandonada? O pai de uma moçoila enganada? Nenhuma pista, só rumores. A propriedade ficou fechada, até que fosse contratado outro zelador. Mas nenhum candidato aceitou o serviço. É que coisas estranhas começaram a acontecer no lugar desde a noite do misterioso assassinato. Ruídos como os murmúrios que o Môco produzia eram ouvidos pelos vizinhos, principalmente ao cair da tarde. De dentro da casa vinham passos e gemidos. Às vezes ventava repentinamente balançando a copa das árvores do terreno. Ficou cada vez mais difícil encontrar quem cuidasse do local, e com o tempo o mais viável para os donos foi cercar a propriedade com muros altos e esperar que os fatos fossem esquecidos. Eles percebem que o Môco continuava a fazer o seu serviço: não deixar ninguém se aproximar do sítio.

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A reunião na Faculdade Colaboração de Eugênia Nilsen: Este fato se passou na vetusta Faculdade de Direito do Recife. Alguns departamentos funcionam nos porões do prédio e numa sexta-feira chuvosa, no fim da noite, um zeloso funcionário estava arrumando os papéis, adiantando o serviço da segunda seguinte. A sala era dividida em dois ambientes, separados por uma divisória de fórmica. Dado o adiantado da hora, não haviam muitas pessoas na faculdade, muito menos na parte de baixo. O funcionário, ao entrar na sala, acendera apenas a luz do lado em que ia ficar. A única janela, quase um postigo, ficara fechada. Ao começar a separar os memorandos, ele notou um barulho de cadeiras arrastando. O ambiente ao lado era geralmente usado como sala de reuniões, e o ruído viera, com certeza de lá. Este é um daqueles momentos em que você procura se obriga a ser cético, lógico e incrédulo. Tudo talvez ficasse na mesma, se as luzes não piscassem duas vezes, e novos ruídos soassem. De repente, o funcionário ouviu vozes masculinas. Não conseguiu distinguir o que se falava, mas, arrepiado, viu três pessoas. Duas das figuras eram semelhantes: senhores magros, altos, usando um terno branco. O outro era um senhor gordo, que não estava totalmente visível. O funcionário reconheceu, arrepiado, dois falecidos chefes do mesmo departamento em que ele se encontrava. Antes que seus serviços fossem solicitados, saiu ele às pressas da sala, só tomando o cuidado de jogar os papéis na gaveta. Quando chegou na parte de cima do prédio, inventou uma desculpa e mandou o vigia apagar e fechar a sala. E que ele guardasse a chave na secretaria. Recebeu um olhar irônico do vigia, olhar de quem muito tinha visto

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em noites e noites de trabalho e convivência tranquila com sombras e vultos de outros tempos.

O vovô do porão Relato enviado por uma leitora que se assina apenas como Cintia... A história que eu vou contar aconteceu com a minha mãe. Quando tinha uns cinco ou seis anos, morava numa velha casa que tinha um porão. Toda vez que ela descia lá, encontrava um velhinho sentado num caixote e não se assustava. Cabelos brancos, rosto marcado por rugas, bigode vasto decorando um sorriso largo, óculos de aros redondos. Ele a pegava no colo e os dois conversavam por horas. Dizia a ela me chame de vovô, princesa. A mãe ouvia só a voz da filha, achava que ela estava falando sozinha, brincadeira de menina pequena mesmo. Numa tarde chuvosa, a menina pediu para ir à casa da vizinha, brincar com filha dela. Como chovia muito, minha avó não deixou. A pequena então disse que iria ao porão, ver o vovô. Minha avó perguntou quem era ele, ouviu toda a história, não acreditou em nada, ameaçou um castigo, porque papai do céu não gosta de mentira. À noite, quando meu avô chegou em casa, a mulher contou o que havia acontecido. Ele ficou com medo de que fosse algum tarado invasor - o que era impossível, pois o porão era fechado. O pai então chamou a filha, que quis logo ir mostrar o vovô do porão, nunca ia fazer essa coisa feia de mentir. Foram até cômodo, e a menina não viu mais o tal velhinho. Começou a chorar pois, sempre que descia as escadas, o vovô estava lá, oras! Ela foi até o caixote no qual ele ficava sentado e encontrou um par de óculos que meu avô guarda até hoje.

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A colega de turma Colaboração de Cibele G.: Este fato aconteceu com um amigo meu, Jânio, em fins dos anos 70. Nessa época cursávamos Direito na Universidade Católica de Pernambuco, turno da noite. Embora tivéssemos entrado juntos na vida acadêmica, por questões de horário e trabalho, logo nos separamos e apenas cumpríamos algumas matérias juntos. Jânio era um cara simples, que fazia amigos facilmente, e me falava sempre de sua turma. Fazia menção especial a uma amiga, Cristiane, muito comunicativa, alegre e festiva. Aproximaram-se as provas e não tive mais contato com Jânio. Quase de um mês depois, precisei de um livro e lembrei de pedir emprestado a ele. Fui ao seu trabalho após o almoço e conversamos um pouco, colocando os assuntos em dia. Quando lhe pedi o livro, ele disse que o tinha emprestado à sua amiga Cristiane. Como já haviam passado as provas, ela não devia estar mais precisando dele, mas existiam dois problemas: ela não aparecia nas aulas há duas semanas e ele não sabia onde ela morava. Talvez tivesse acontecido algo com a moça, mas ela nem havia mandado avisar aos professores. Aí eu lembrei que na universidade deveria existir um registro do endereço dela. Fomos lá e obtivemos a informação. Era relativamente perto, no bairro de Santo Amaro. Para lá nos dirigimos e, ao chegarmos à casa, fomos atendidos por uma senhora gentil que nos perguntou o que queríamos. Jânio se apresentou e disse que era amigo de Cristiane e que havia emprestado um livro a ela, livro este que precisava agora. A senhora estranhou e perguntou porque não viéramos antes. - Por que antes? Jânio perguntou.

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- Ela morreu há três anos e um mês, num acidente de automóvel. - Mas isso é impossível, eu estudo com ela, nos vimos há cerca de três semanas. - Então você não está falando da minha neta, ela morreu três anos atrás, no mesmo acidente que matou meu filho. Ambos estão enterrados no cemitério de Santo Amaro. - Mas a Universidade nos deu seu endereço. A senhora pensou um pouco e suspirou: - Pode haver um engano, mas venham ver as fotos que guardo da minha neta. Ao ver as fotos, Jânio ficou pálido. Era a Cristiane que ele conhecia das salas de aula. Ele perguntou então onde exatamente ela estava enterrada. A senhora descreveu a localização do túmulo e nos despedimos. Voltamos em silêncio e, ao passar no portão do cemitério, Jânio fez uma proposta de tirarmos a prova do que aconteceu, entrar no cemitério. Não foi difícil encontrar o jazigo onde descansavam Cristiane e o pai e, em cima dele, o livro que Jânio emprestara a ela.

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Visitas? Colaboração de Marcelo Ramos: Esta história se passou em 1973 e seus protagonistas pediram que suas identidades fossem preservadas. Adoniran e Dalva (nomes fictícios) tinham se casado há pouco tempo e mudaram-se para a Rua do Sossego, no bairro da Boa Vista. Se hoje o movimento no local não é intenso, na época a rua justificava realmente seu nome. Poucos vizinhos, muito discretos, pouquíssima atividade comercial, muito mais dos ambulantes que passavam pela manhã. Durante o dia o sol era filtrado pelas frondosas árvores, e, à noite, a pouca iluminação acentuava o isolamento e a calma. Cerca de três dias após o casal se mudar, às dez da noite pontualmente, ouviram-se batidas na porta. Adoniran estranhou: não só não esperavam visitas como aquela não era hora para visitas. Mesmo assim foi ver, e não encontrou ninguém. Podia ser uma piada, brincadeira de crianças, mas onde estavam as crianças? Isso passou a acontecer dia sim dia não. O casal passou a se acostumar, já virara um fato corriqueiro. Um dia, porém, algo diferente ocorreu. Adoniran voltava do trabalho excepcionalmente tarde, e caminhava em direção à sua casa quando ouviu passos seguindo-o. Olhou para trás, mas não viu ninguém. Acelerou seus passos, mas continuou ouvindo alguém atrás de si. Ao chegar em casa, entrou e, logo depois, ouviu alguém bater na porta. Desta vez foi precavido: perguntou quem era. Mas, como outras vezes, não ouviu resposta. Mais uma vez não era ninguém. No dia seguinte ele foi averiguar se algum vizinho ouvira algo na noite anterior. Numa casa que ele perguntou, lhe esclareceram que

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aquilo acontecia sempre naquela casa. Anos antes o dono tinha sido emboscado por pessoas que queriam matá-lo. Foram vários tiros e ele ainda conseguiu cambalear até a casa e bater para chamar atenção da família. Crime político, acreditava-se: e ex-dono era candidato a deputado. O casal encontrou uma saída para os problemas: encomendaram uma missa pela alma do ex-dono e pouco tempo depois, nada mais se ouviu.

O prédio do Espinheiro O depoimento é de André Balaio: Ainda lembro o dia em que nos mudamos para aquele apartamento. Fevereiro de 1988. O prédio era bonito, muito antigo, mas bem conservado, pintado de branco, com um quintal cheio de árvores na parte de trás. Eram apenas seis apartamentos. Nós éramos os únicos jovens a morar ali. De resto havia pessoas idosas, casais de meia-idade ou recém-casados. Minhas irmãs, mais comunicativas do que eu, logo fizeram amizade com um casal de velhinhos que moravam ao lado. O Espinheiro é um bairro tradicional do Recife, onde se concentram velhas casas e sobrados, e prédios de várias épocas em ruas arborizadas – que chegam às vezes a impedir a passagem do sol, deixando as ruas escuras mesmo com o sol a pino.

O prédio tinha um aspecto um tanto quanto lúgubre, e um amigo meu logo o apelidou de mini-Dakota. Para quem não sabe, o Dakota é um velho e tradicional edifício em Nova Iorque onde John Lennon

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morava quando foi assassinado. Mas cerca de quinze anos antes foi o cenário de um genial filme de terror: "O bebê de Rosemary". Quem conhece o filme vai achar engraçada a coincidência de meus vizinhos serem também um casal de velhinhos. Um arrepio agora percorre meu corpo: Será que eles também tinham pacto com o demônio? Bem, vamos deixar isso de lado, porque o prédio por si só já iria me dar muito medo mesmo sem esse "tempero". Após alguns meses de pura normalidade, aconteceu o primeiro fato estranho: ao entrar em casa vindo da faculdade, me deparei com minhas duas irmãs e uma amiga rezando na sala, abraçadas e tremendo de medo. Segundo elas me contaram, estavam vendo TV quando a amiga percebeu que havia mais uma pessoa na sala. Uma mulher jovem em pé perto do espelho de parede nada falava e observava as três garotas com ar solene e levemente risonho. A amiga das minhas irmãs tentou avisá-las e ficou apontando para o canto da sala onde estava o mal-assombro, mas simplesmente as palavras não saíam. Depois de alguns minutos, a tal mulher desapareceu. Minhas irmãs não perceberam a inesperada visita. Elas lembram, porém, que sentiram algo diferente na hora, como um vento frio que faz prender a respiração. Comentamos esse fato com os vizinhos. Os velhinhos não pareceram se assustar. Pelo contrário, sorriram e comentaram que de fato coisas estranhas aconteciam naquele edifício. Alguns anos antes, uma mulher que morava no andar térreo havia morrido num acidente de automóvel numa rua próxima, e seu fantasma às vezes era visto no prédio. Seria ela a nossa visitante? Outra noite, minha irmã do meio chegou chorando em casa. Ofegante, ela mal conseguiu falar. Disse que havia visto um homem enforcado na garagem. Mas que a imagem desvanecera em segundos. Descemos correndo, eu e minha outra irmã, para ver se havia algum vestígio. Nada. Tudo aparentava a mais profunda normalidade. Fui ao

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apartamento dos simpáticos velhinhos, para contar o fato e saber se eles tinham alguma informação a respeito. O marido me contou que cerca de dez anos antes, um zelador havia se suicidado pendurandose por um cinto na viga metálica da garagem. Exatamente como minha irmã havia visto! O prédio tinha um vigia que passava a noite acordado, sentado na parte de trás próxima à garagem. Uma vez, noite alta, ele viu uma mulher de cabelos lisos e negros trajando um vestido branco e vagando pelo quintal. Depois o coitado me contou que pensara que fosse minha irmã! Mas achou estranho um morador por ali àquela hora. Por isso, chamou pelo nome dela, e se levantou para ir ao seu encontro. A mulher começou a andar em direção à entrada de serviço. O vigia percebeu então que não se tratava da minha irmã, apressou o passo, entrando também por aquela porta. Subiu as escadas, vasculhou toda a área e nada. Nem sinal, nem pegadas. Nada. Uma vez de madrugada, quando minhas irmãs voltavam de uma festa, elas viram um homem saindo do prédio. A princípio, tiveram medo que fosse um ladrão. Mas os trajes antigos e a bengala que o cidadão usava indicaram que a figura podia não ser deste mundo. Elas ficaram observando-o sair pela calçada, até que, poucos metros adiante, o homem desapareceu. O que me deixou ainda mais interessado nesta estranha particularidade do edifício, foi que pessoas que não sabiam desta "carga" também percebiam coisas estranhas. O irmão da nossa empregada foi visitá-la pela primeira vez, e viu uma mulher saindo do seu quarto. Perguntou: "Aqui mora gente morta, não é?" O assunto já me interessava na época, e marquei uma "reunião" com meus amigos no prédio. Ficamos acordados a noite inteira. Ouvimos ruídos, que podiam ser fruto da nossa excitadíssima imaginação, e só.

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Parece que as almas penadas escolhem as pessoas para quem vão aparecer. E por um motivo que eu não sei, não nos escolheram. Morei por cinco anos ali e nunca vi nada, é bom que se diga. Mas agora fico pensando naquele inocente casal de velhinhos. Seriam tão inocentes assim? O que aconteceu com eles depois? Será que, de uma forma ou de outra, eles ainda continuam a morar naquele prédio malassombrado?

Carona na estrada A leitora Elisângela Dias me mandou um caso intrigante que se passou uma das muitas estradas sinistras que existem no Nordeste: Um amigo contou uma história que me deixou muito arrepiada. Meu amigo chama-se Aaron ele morou por alguns anos no Ceará, mais precisamente na Cidade de Milagres, onde ocorreu essa história. Ele me contou que estava uma noite em um posto de gasolina com o padrasto dele, quando presenciou um acontecimento medonho. Dizem que próximo a esse posto existe uma curva muito perigosa, chamada de “Curva da Malhada”, lugar onde aconteciam muitos acidentes. Aaron me falou que perto do local existem muitos crucifixos, mostrando onde os caminhoneiros apressados ou desavisados cumpriam seu destino. Foi lá que aconteceu o que vou relatar agora. Como disse, meu amigo estava com o padrasto no posto quando chegou um caminhoneiro desesperado. Aaron me disse que nunca tinha visto um homem em tal estado, muito tão nervoso e trêmulo, tanto que as pessoas que estavam no posto tiveram que segurar o copo com água e açúcar que deram ao pobre homem, pois ele não tinha a mínima condição de segurá-lo.

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Quando se acalmou, o homem contou que tinha passado por uma experiência horrível. Ele vinha nas imediações da curva, quando viu uma moça na estrada pedindo carona, coisa que não era muito rara naquele local, já que passavam muitas pessoas por lá. O motorista só estranhou o fato de ser uma mulher, mas parou e deu carona a ela. Quando ia chegando à curva, o caminhoneiro queria acelerar um pouco, mas a mulher ficou assustada pediu e insistentemente que ele não corresse. Ameaçou até sair do caminhão! Ele obedeceu ao pedido daquela desconhecida e diminuiu a marcha. Ao passar pela curva, o motorista perguntou onde a mulher iria descer, então ela respondeu: - Em qualquer lugar, pois só vim aqui para te salvar da morte. E desapareceu! Ninguém sabe como o motorista conseguiu chegar até o posto de gasolina onde se reuniam os caminhoneiros. Acho que daquele dia em diante, ele passou a tomar mais cuidado ao passar pela tal curva.

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Maria do Forró Relato enviado por Rodrigo Caldas Era noite de quinta-feira em Nossa Senhora do Ó, praia do município de Paulista, em Pernambuco. Antônio tinha saído tarde da oficina, mas ainda assim tinha fôlego para uma boa noite de farra. Foi sozinho a um forró perto ali da entrada da vila. A casa estava cheia, muita música, muita bebida, muita dança. Tomou umas cervejas e dançou com umas conhecidas suas, quando avistou uma moça muito bonita, bem branca, até um pouco pálida, de cabelos castanhos longos. Aparentava ser tímida; de vestido branco, encostada sozinha numa pilastra, num canto escuro da festa. Chamou-a pra dançar. Ela resistiu um pouco; parecia assustada, surpresa mesmo com aquele convite, mas ele insistiu e ela acabou por ceder. Dançaram e conversaram bastante. Maria parecia uma moça de família, morava ali perto, um pouco antes da entrada do Ó, quase na rua do cemitério. No meio da conversa, lá pela terceira música, a moça deu um pulo e disse: - Êita; tenho que ir por causa da hora! - É cedo, disse o rapaz, um pouco decepcionado. Afinal, gostara da menina. Ela tinha algo estranho, às vezes era como se estivesse distante, mas ainda assim, tinha um jeito especial. Ela insistiu que deveria ir, porque tinha que chegar em casa antes da meia noite, de todo jeito. Para convencê-la a ficar mais, Antônio propôs o seguinte: -Tome aqui o meu relógio. Fique com ele no braço. Você controla a hora de ir. Ela aceitou. Também gostara de Antônio; bom moço, bem-apessoado, trabalhador ali no Ó. Dançaram mais, conversaram mais, até que

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chegou a hora de ir, perto de meia noite. Antônio ainda insistiu um pouco, mas Maria disse que não havia jeito, que tinha que ir e ia mesmo. Tentou beijá-la, mas ela não deixou. Ele pediu para levá-la em casa. A pé mesmo, ali pertinho. Ela recusou. Ele insistiu, ela continuou negando. O rapaz acabou desistindo, porque começou a sentir algo estranho na moça. Não era uma irritação, mas uma certa angústia, quase agressiva. Parecia que ela estava fazendo algo errado, e que tinha realmente que ir embora. Na saída, chovia bastante. Antônio ofereceu a Maria uma capa de chuva. Na despedida, de propósito, ele deixou que ela levasse o seu relógio, como se tivesse esquecido. Era um motivo pra que ele voltasse a vê-la. Antes de ir, ela tirou do bolso do vestido uma pequena foto três por quatro, e deu a ele. O rapaz achou aquele gesto muito bonito, gostou ainda mais da moça e a vontade de revê-la cresceu. Despediram-se. Ela logo sumiu na chuva, coberta com a capa. Na manhã seguinte, apesar de um certo aperto no coração, que acreditava ser saudade, Antônio resolveu ir à casa de Maria. Sabia onde era porque ela lhe dissera na noite anterior. Chegando a casa, bateu e esperou alguns minutos. Apareceu uma senhora com um aspecto muito triste, abatida, sofrida mesmo. - Bom dia, senhora. Vim aqui pra falar com Maria, sua filha. A velha fitou Antônio com um misto de surpresa e repúdio. - Que é isso, moço! Que brincadeira é essa. Isso não se faz com uma mãe. Ele não entendeu, mas se explicou. Disse-lhe que conhecera Maria na noite anterior, num forró, que ela lhe dissera onde morava e até tinha trazido seu relógio e sua capa de chuva. - O senhor está enganado. Não conheceu a minha filha.

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Antes que ele falasse novamente, ela arrematou: - Minha filha morreu no ano passado. Atropelada por um caminhão. Ontem fez um ano da morte dela. O senhor não conheceu a minha filha. Perturbado, Antônio gaguejou um pouco, dizendo que não era possível, que dançara com Maria na noite anterior e tudo mais. A senhora ficou nervosa, ralhou com Antônio e disse que se não acreditava nela, que fosse ao cemitério, ali mesmo no fim da rua, e procurasse por Maria. Transtornada e chorando, entrou em casa e bateu a porta com força, fazendo o sinal da cruz. Antônio ficou perplexo. Não sabia o que fazer. Só podia ser um engano. Fora na casa errada. Tratava-se de outra Maria, que deveria morar ali perto. E para mostrar isso a si próprio, resolveu ir ao cemitério. Era perto e nada lhe custava. Em menos de dez minutos, procurava entre jazigos, covas, tumbas, algo com o nome da moça. Passaram-se vinte minutos e nada. Convenceu-se, então, de que havia um engano. De repente, um vento muito frio chegou em suas costas, do nada. Virou-se em direção ao vento e se deparou com algo aterrorizante. Numa lápide, pálida e triste, estava uma foto da moça, igual à foto que ele trazia na mão. Em cima do túmulo, jogados, seu relógio e sua capa de chuva. O nome da morta: Maria. Essa é uma história verídica. Foi contada a mim há cerca de vinte anos, por uma senhora hoje falecida.

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Um assobia, outro varre rua Relato de Rogério Gomes: Um amigo de trabalho me contou que em sua família existe algumas histórias sobrenaturais que, ele próprio não sabe se são verdades ou mentiras. Porém uma em especial me chamou a atenção. Esse meu amigo, que chamarei de Paulo, contava-me que sua bisavó se relacionou com um único homem (o seu bisavô) em toda sua vida. Com ele namorou, noivou, casou, teve sete filhos, vários netos, bisnetos. Viveram juntos por 64 anos em plena harmonia. Apesar de idosos, ambos gozavam de boa saúde, é claro, com todos os cuidados que aquela idade exigia. Certo dia o bisavô do Paulo cai doente e, de forma rápida, morre no dia seguinte. Profunda tristeza para aquela família, porém, ninguém sofria mais que a viúva. No dia do enterro, ainda no velório, a bisavó de Paulo dizia estar ouvindo o assobio do marido já falecido. Todos achavam que a senhora ficara senil com a perda. O senhor foi enterrado, mas a bisavó do meu amigo continuava a afirmar que ouvia o assobio do marido assobio que ouvira durante 64 anos de convivência. Coisa do Além ou não, o fato é que esta senhora faleceu pouco menos de 48 horas depois do sepultamento do esposo. Será que ele, em espírito, ficou em casa aguardando o reencontro? Entre os filhos do casal comenta-se que eram almas gêmeas, por isso foram para o outro plano juntos. Esta outra história foi escrita por Maria Aureliana da Silva: Foi contada pelo meu amigo Demétrio no tempo em que fazíamos o curso científico, nos anos 80. Já era conhecida pelos moradores do Bairro de Beberibe, no Recife, a visão de uma mulher que varria a rua Florestópolis em Beberibe, sempre por volta da meia-noite. Incrédulo, Demétrio sempre sorria ao ouvir tal conversa. No entanto, ele passou a acreditar quando numa madrugada de sábado voltava do trabalho.

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Era cobrador de ônibus da CTU - a antiga empresa pública de transporte da capital pernambucana. Assim que ele entrou na rua Florestópolis, de longe avistou a figura de uma mulher varrendo a rua apressadamente. Foi se aproximando e percebendo que ela deveria ter uns 70 anos. Era baixa, morena, cabelos grisalhos presos por duas tranças. Usava uma longa saia de prega envelhecida e uma blusa branca de mangas compridas um pouco coberta por um velho chalé. Aquela senhora curvava-se e, enquanto uma das mãos sustentava a vassoura, a outra, ela fincava no chão como se tivesse arrancando mato. Depois levantava-se e varria o chão impetuosamente. Naqueles movimentos contínuos ela foi descendo até chegar na esquina da rua Florânia onde Demétrio residia. Sem se lembrar de nada do que escutava sobre a tal visão, o rapaz pensou: "afinal, quem é esta desconhecida que varre a rua a estas horas da noite?". Ele Quase a interpelou, porém ouviu que ela resmungava com raiva e soltava muxoxos. Então, Demétrio se conteve. Quando começou a dobrar a esquina, arrepiou-se por completo! Sentiu a língua engrossar e imediatamente olhei em direção à mulher: ela desaparecido! Tão logo recordou-se de tudo que escutava a respeito da tal visão e correu para casa. Quando amanheceu, ainda assombrado, Demétrio foi com o seu tio Manuel ao local onde tudo acontecera. Mas não viram nenhum mato ou capim arrancado e muito menos vestígio de ter sido aquele chão varrido por vassoura.

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O Patrulheiro Sem Rosto Numa noite escura e chuvosa, um patrulheiro estava de plantão num posto de uma das rodovias brasileiras (as chamadas BRs) a fim de parar os carros e fazer as abordagens comuns à profissão de Policial Rodoviário. Ao avistar os faróis de um carro, fez sinal com sua lanterna vermelha, indicando o acostamento, para que o automóvel parasse, entretanto os jovens ocupantes - aparentemente bêbados com o som ligado num alto volume, ignoraram completamente a ordem do patrulheiro e seguiram em frente. Ele, então, subiu em sua moto e iniciou uma perseguição àquele veículo, sendo seguido por mais dois colegas em uma viatura para dar-lhe apoio. Depois de alguns minutos tentando alcançar o carro, ao entrar numa curva muita fechada, reconhecidamente perigosa - e ainda mais devido à chuva que deixou a pista muito escorregadia -, a moto do patrulheiro derrapou e ele, diante dos olhos dos seus companheiros, caiu. Seu corpo chocou-se com o chão, com tamanha velocidade e força, que o seu capacete se desprendeu, fazendo com que sua cabeça batesse violentamente contra o asfalto, por vários metros, deixando-o completamente desfigurado e bastante ferido. Os dois patrulheiros, logicamente, desistiram da perseguição e imediatamente, socorreram o colega, mesmo sob o pavor daquela visão horrenda. Mas, infelizmente, o pobre homem não resistiu e faleceu a caminho do hospital. Hoje, contam os motoristas e principalmente os caminhoneiros - esses circulam naquela rodovia com maior frequência - que, naquela curva, especialmente nas noites mais chuvosas e sombrias, os viajantes desavisados são surpreendidos pela visão de um patrulheiro rodoviário tendo ao lado sua moto. Ele sinaliza com uma lanterna vermelha para que diminuam a velocidade e, quando obedecem à

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ordem, e se aproximam do policial, testemunha - com horror indescritível - o rosto do policial se esvair em sangue...

O baú guardado na garagem No começo dos anos 80, um contador mudou-se com a família para uma casa antiga e confortável no bairro do Arruda, no Recife. O imóvel de três quatros pertencia a parentes dele e estava fechado há muito tempo. Nos primeiros dias na nova residência, a esposa e as duas filhas não notaram nada de estranho no lugar. Mas logo coisas inesperadas começaram a acontecer. Quando chegava à noite, os adultos ouviam ruídos esquisitos como batidas secas nas portas dos cômodos vazios, sussurros nos cantos escuros e, às vezes, baques estrondosos sem que nenhum objeto ou móvel pesado houvesse caído. O casal estava assustado, mas fingia que tudo estava normal para que as crianças não ficassem impressionadas. Não adiantou. As garotas passaram a perceber os fenômenos. A menor, de oito anos, disse à mãe que havia uma mulher de cabelo branco morando no quarto dela. A mais velha, de onze, quase nada falava de tão amedrontada. E toda a noite chorava para dormir na cama dos pais. Sem saber o que fazer, o pai resolveu mandar a família passar uns dias na casa da sogra, mas teve que ficar. Não tinha um bom relacionamento com a mãe da esposa. Era melhor dormir com o fantasma que enfrentar a velha implicante. A sogra tinha feito de tudo para que a filha e as netas não se mudassem para aquela casa velha e úmida. Na primeira noite que passou sem companhia, o contador pensou em mudar de ideia. Ele me disse que ouviu todo tipo de ruído

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inexplicável e, quando apagou as luzes, viu de relance vultos que passavam entre os cômodos. Para dormir, apelou para alguns copos de uísque. Só fechou os olhos quando já estava com a caveira cheia. Foi um sono desconfortável, angustiado. De madrugada, acordou suado, como se estivesse febril, e notou que a casa estava silenciosa. O silêncio só foi rompido por um gemido abafado. Parecia vir da garagem que estava sendo usada como depósito de tralhas velhas. Ele foi até lá com uma lanterna e percebeu que o som lúgubre vinha de um baú esquecido num canto desde o tempo dos antigos moradores. Quando meu pobre amigo chegou mais perto, o baú abriu-se de repente. Dele pulou um esqueleto coberto por roupas rasgadas. O coitado deu um berro e descobriu que aquela cena terrível fazia parte de um pesadelo. Na verdade, ele estava na cama e já era dia. Que alívio. Mesmo assim, foi até à garagem para investigar. Achou o baú e usou uma chave-de-fenda para quebrar o cadeado que o lacrava. Dentro ele encontrou ossos humanos. Passado o espanto inicial, o contador descobriu - dando alguns telefonemas - que, provavelmente, os restos mortais pertenciam a uma tia-avó solteirona. Morreu de velhice e foi sepultada numa das gavetas do cemitério de Santo Amaro. Como é de costume, depois de dois anos os ossos foram retirados da gaveta e deviam ser colocados num ossuário para toda a eternidade. Mas isso não foi feito pelos parentes, que acabaram esquecendo a velha senhora no baú. O contador tratou de corrigir o erro e, no mesmo dia, levou-a para ser enterrada no cemitério de uma cidade do interior, onde tinha alguns conhecimentos políticos que lhe facilitaram o serviço. Na semana seguinte, mandou rezar uma missa em intenção da tia-avó.

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As manifestações estranhas desapareceram, é claro. Mas ele resolveu deixar a casa e alugá-la a outra família, que nada percebeu de anormal. Já o baú, conserva até hoje. Pode servir para guardar alguma coisa - "como minha sogra, por exemplo".

Desafio de Coragem O causo foi enviado por Rodolfo Lira. Numa pequena cidade do interior pernambucano, quatro homens estavam num bar conversando sobre amenidades, política e futebol, quando um deles começou a falar em assombrações. Contou lendas e causos, e - em tom desafiador - disse aos demais: - Eu quero ver qual de vocês tem coragem de entrar no cemitério à noite e ficar lá por pelo menos dez minutos. E um dos valentões, já levado pelo efeito das cervejas, disse: - Eu tenho. Desde que eu fique perto do portão... E desatou a rir. Um terceiro completou: - Mas só vale se quem entra provar que o fez! E o quarto homem: - Deus me livre: aquele cemitério é assombrado. Nem pra provar que sou macho, faço isso!

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Foi quando a dona do bar, conhecida por Maria João – tinha um jeito não muito feminino ou delicado de ser, embora usasse saia - gritou de trás do balcão: - Vocês não honram nem as calças que vestem e nem as mulheres com quem dormem! Eu, de saia e tudo, sou mais corajosa que todos vocês juntos. Se eu ganhar algum dinheiro vou até lá, na última tumba, e volto. Andando! Os amigos, desafiados na sua própria masculinidade, toparam. Mas propuseram uma condição: ela teria que provar que foi até o fim do cemitério: - Vamos fazer o seguinte: você, Maria João, vai até o muro dos fundos do cemitério e bate três pregos no chão em frente ao último túmulo e no outro dia pela manhã a gente vai lá. Se os pregos tiverem no chão, a gente te dá o dinheiro. Na noite seguinte, acertada a quantia, muito boa por sinal, lá se foi Maria e sua saia florida entrado no “Condomínio da última morada”. Levava o martelo e os três pregos, enquanto que os quatro frouxos ficaram no portão esperando. Menos de quinze minutos depois, ela retornou correndo, vestindo apenas blusa e calcinha e gritando: - Valha-me Minha Nossa Senhora! Esse lugar é assombrado! E os amigos, mais assustados ainda, quiseram saber o que houve e porque ela estava quase nua. Maria, quase sem voz, explicou: - Eu fui até os fundos do cemitério, como a gente combinou. Estava um breu desgraçado e eu me ajoelhei no chão para bater os três pregos. Depois de terminado o serviço, tentei me levantar, mas alguma coisa ou algum malassombro segurou minha saia e eu não

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tive dúvida: saí correndo e a saia ficou com a desgraçada da assombração. Na manhã seguinte, os amigos - tremendo de medo, embora o sol estive a pino -, foram ao local indicado para tentar encontrar os pregos e fazer o pagamento combinado. Encontraram, de fato, a saia de Maria no chão, com três pregos cravados nela.

Acende uma velinha pra mim? Enviado por Lynn Glommy Baseado nas histórias de minha avó... Na década de 70, as noites caruaruenses costumavam ser sombrias e aterradoras. E foi numa dessas noites que Dona Rita conheceu o mundo sobrenatural. Era um domingo, Dona Rita dormia após a visita semanal ao bar da esquina. Quando a senhora estava no melhor do sono, pensou ter ouvido voz de menino pequeno chamando-a. Achou logo que era sonho ou devaneio de sua mente, talvez causado pelo excesso de álcool ingerido na noite. Mas a vozinha fina e arteira continuava soltando uma frase curta e ensaiada: - Acende uma velinha pra mim. Dessa vez Dona Rita teve certeza. Não era sonho nem devaneio, era mesmo um moleque pequeno perturbando sua ressaca. Irritada com a situação - e valente que era - tratou de mandar o menino embora, pois queria dormir. Logo, o sono falou mais alto e ela dormiu, ignorando a presença da criança do além. Uma semana depois, a situação se repetiu. O bar, os cigarros, a ressaca, o sono incontrolável e o moleque com a mesma ideia fixa:

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- Acende uma velinha pra mim. Dona Rita quase não acreditou quando percebeu que a assombração voltara depois de sete dias para perturbar seu descanso. Ficou ainda mais irritada. - Vai embora, moleque! Me deixe dormir Mas o insistente menino não parava de pedir e, como toda criança debochada, começou a imitar a fala de Dona Rita até tirar-lhe a paciência. Vencida pelo cansaço, a senhora esperou a voz repetir o pedido. - Acende uma velinha pra mim. - Tá bem, mas onde? - No mato... A senhora pediu emprestada uma das velinhas postas aos pés da imagem de Frei Damião e seguiu para o mato, escutando com atenção as indicações do menino. Após uma pequena caminhada, o moleque disse: - Aqui! Aqui! Agora cave um pouco antes de acender a minha velinha. - É fogo, né?! Além de acender vela pra assombração eu vou ter que cavar? Sem ouvir a resposta, resolveu cavar logo para voltar para a sua dormida. Após poucos centímetros de profundidade, Dona Rita sentiu algo sólido. Era uma lata velha com uns poucos e pequenos brinquedos de menino. - Agora pode acender a minha velinha?

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A voz que parecia estar mais branda agora. Dona Rita acendeu a vela e voltou para casa com a botija de criança, o espanto do acontecimento e a certeza de que a alminha agora descansaria em paz.

A Menina do Cemitério A leitora Elisângela Dias me enviou outro caso espantoso. O cenário é o campo santo mais tradicional da Zona Norte do Recife. Há algum tempo, uma das minhas tias (de consideração, pois a mesma é casada com um dos meus tios paternos) foi até o cemitério de Casa Amarela, visitar e levar flores ao túmulo do pai dela. Era uma tarde tranquila no bairro e, ao chegar no túmulo, como de costume ela pegou o jarrinho que mantinha sempre com flores naturais, retirou as flores secas para lavar e colocar as novas flores. Quando ela estava se encaminhando para uma torneira próxima ao túmulo do pai, notou uma menina, estava ao seu lado. Achou estranho o fato de uma criança estar num cemitério sozinha. Mesmo assim riu para a menina que pediu a ela aquelas flores murchas que seriam jogadas fora. Minha tia perguntou o que ela queria com aquelas flores já velhas e secas. A menininha disse que iriam ser colocadas num túmulo e apontou a direção. Porém, minha tia disse que ela aguardasse um pouco que ela iria separar um pouco das flores novas para que ela colocasse no local, pois as murchas - claro - já não estavam boas. Quando terminou de lavar o jarro e foi dar as flores para a menina, não encontrou mais ninguém no cemitério. Minha tia então terminou as orações e teve a curiosidade de ir até o túmulo apontado pela garotinha para ver a quem a ela iria dar a flores. Descobriu que a foto que tinha no mármore estava riscada, como se alguém tivesse passado

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algum objeto de ponta a fim de apagar o rosto da foto. Ela achou esse fato estranho e foi embora. Numa outra ocasião, quando minha tia foi cumprir seu ritual de troca das flores, ao passar próximo ao túmulo misterioso, ela de novo olhou a foto, que tinha sido recuperada. Ficou espantada aos constatar que quem repousava para sempre lá era a pobre menina que havia lhe pedido flores dias antes.

O Bode e A Botija Aterrador e misterioso o relato enviado pela leitora Giselle: Quando eu era criança, minha avó, que é do interior do Ceará, costumava me contar histórias cheias de mistério. Eram os “causos de assombração”, que toda criança gosta de escutar e depois fica morrendo de medo de dormir à noite, relembrando a narrativa macabra. Este caso aconteceu há mais ou menos 50 anos, na cidade de Itaiçaba, localizada a 165 km de Fortaleza. Minha avó, que morava lá por perto, conta que uma moça foi visitada por uma alma de “outro mundo”. A aparição informou à jovem sobre uma botija que estava enterrada na região. A jovem deveria seguir as instruções do fantasma e ir até um terreno baldio. Lá, ela deveria cavar até encontrar uma antiga cacimba, onde estaria escondida uma botija cheia de moedas de ouro. A moça, muito assustada, chamou o namorado para ir com ela ao local. Os dois foram juntos ao terreno abandonado e começaram a cavar. De repente, a jovem começou a ter uma terrível visão. Um bode com

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olhos de fogo começou a pular de um lado para o outro no buraco que o casal cavava. - Você está vendo isso? – gritava a moça desesperada. Mas, o namorado dela nada via. Ela continuou aterrorizada e eles decidiram parar de cavar e voltaram para casa. Quinze dias depois do episódio, a moça faleceu misteriosamente. Ninguém se atreveu a desenterrar a botija, até porque as pessoas desconheciam o local exato onde o “tesouro” estava escondido. Depois de um certo tempo, um casal do Rio Grande do Sul chegou à cidade e alugou uma casa na região. Eles só passaram uma manhã no município. Por que viriam de tão longe para o interior do Ceará? Eles haviam sonhado com a tal alma penada e foram desenterrar a botija! Saíram às escondidas, na calada da noite. Na manhã seguinte, o casal já havia deixado a cidade. Só restou um grande buraco no terreno baldio, no mesmo local onde o namorado e a moça haviam cavado.

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A Mulher do Canavial Uma leitora - que se assina apenas como Bianca - me enviou este relato intrigante: Numas férias de verão, eu e minhas amigas fomos passar um tempo engenho que meu pai tinha acabado de comprar. A propriedade era perfeita, com uma bela casa de cinco quartos e um terraço enorme. Mas havia ainda não tinha eletricidade na área, e por isso usávamos velas à noite. Da janela do nosso quarto, dava para ver os canaviais e as casas dos funcionários. Numa dessas casas morava uma senhora de 72 anos que nasceu naquele lugar e nos contava histórias realmente assustadoras sobre fatos acontecidos por lá. Nós achávamos que a velha estava caduca e não acreditávamos em suas histórias. Porém, resolvemos tirar a prova. Ficamos uma noite inteira acordadas, esperando algo estranho acontecer. Passou-se muito tempo, nada acorreu, e decidimos ir para a cama. Quando chegamos ao nosso quarto, um vento muito frio abriu a janela e invadiu o ambiente, apagando todas as velas. No escuro, vimos que uma mulher vinha correndo do canavial, que estava em chamas, em direção à casa. Imediatamente, corremos até o canavial para ajudar aquela moça, que gritava desesperadamente por socorro. Quando chegamos lá, não havia nenhuma mulher e o canavial estava intacto! Voltamos aterrorizadas para o nosso quarto e ficamos lá trancadas, sem conseguir dormir. Ninguém tinha coragem de comentar o fato. No dia seguinte, fomos procurar a velha. Ela nos contou que, há muitos anos, a neta da primeira dona do engenho saiu para brincar e demorou a voltar. No fim do dia, a criança ainda não tinha retornado e a mãe, desesperada, entrou no meio da plantação de cana em busca da menina. Por coincidência, na hora em que a mulher entrou no

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canavial, os empregados botaram fogo nas canas para poder limpar o terreno. Ao amanhecer, encontraram o corpo carbonizado da mãe. Até hoje, o fantasma dela vaga no local à procura de sua filha.

O Bicho na Estrada O relato extraordinário foi enviado por Leonardo Coelho: Esta é, talvez, uma história que seja, de longe, a mais sinistra que já ouvi. Tenho uma transportadora e gosto de, às vezes, conversar com alguns dos motoristas para saber de novidades da estrada e detalhes de algumas entregas. Bem, conversando com João e Cláudio, companheiros de viagem, fiquei sabendo que eles já viveram algumas aventuras juntos. Certa vez receberam a missão de seguir do Recife a Petrolina. Decidiram fazer a jornada à noite, pois enfrentariam menos tráfego e menos calor na estrada. Ao chegar a Bezerros, entrada do Agreste pernambucano, o relógio já marcava quase meia-noite e os dois avistaram um animal, ao logo da BR-232. Pensando ser um jumento – animal muito visto em beira de estrada e que pode provocar acidentes - e diminuíram a velocidade. Ao passar pelo bicho, notaram que não era nada daquilo que imaginavam; aliás, não parecia com nada que pudessem reconhecer! João pisou fundo no acelerador e tentou de toda forma não olhar no retrovisor. Mas bastou uma olhadela para notar que algo os alcançara. Percebeu que o bicho os acompanhava e, sem nenhum esforço, emparelhou com o caminhão. Cláudio ficou mais fascinado que assustado.

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- Que bicho é esse Seu João, que coisa linda é o seu pelo! - Não sei, mas não é coisa boa não; estamos a noventa por hora e ele nem parece cansado. Cláudio conferiu o velocímetro do caminhão. - Minha Nossa Senhora! Isso só pode ser coisa do inferno! De repente, o bicho apertou o passo e ficou alguns metros à frente do veículo. Eles chegaram a pensar que a criatura preparava um bote. O João foi pisando devagar no freio e monstrengo também reduziu a velocidade. De repente, ele fitou os dois com olhos vermelhos, começou a se transformar em homem e entrou, sorrindo, na mata. João arrancou com caminhão e seguiu desesperado. Fez o caminho até Petrolina na metade do tempo previsto. Não sei se é verdade, mas nem ele nem Cláudio viajam mais à noite; fazem de tudo para não ter que passar por aquela pista quando está escuro. E você, caro leitor, sabe o que seria esse misterioso bicho?

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A Garota da Janela Um relato impressionante enviado pelo leitor de Marcondes F. Numa tarde chuvosa, eu estava passando por uma rua da Boa Vista no Recife - quando, de repente, vi uma garota de cabelos claros em uma das janelas de um casarão. Ela me chamou como se me conhecesse e fui até aquele prédio. Já dentro, onde pude verificar que havia várias portas dos dois lados do corredor, como se fosse um hotel. Os móveis bem alinhados e o chão bastante limpo, mas não havia ninguém no interior. Então, ouvi uma voz que dizia assim: - Pode entrar; venha que quero te mostrar algo; pode vir... No fim do corredor havia uma luz branca, uma claridade, e as portas dos quartos estavam fechadas. Fui, então. Quando cheguei ao quintal do casarão, estava ela de costas para mim, linda com um vestido branco e rindo. Foi, então, que me aproximei e toquei o seu ombro. Ela se virou e enfiou uma faca na altura do meu estômago! Quando acordei, estava ainda no quintal daquele casarão. Passei a mão pela barriga e constatei que não estava sangrando. Mas ainda estava no casarão. Levantei-me e, enquanto caminhava pelo corredor, verifiquei que há muitos anos ninguém entrava ali. Não havia mais aqueles móveis tão bonitos e alinhados. Quando cheguei à frente do sobrado encontrei o senhor que me disse que ninguém entrava ali há muito tempo. Nem mesmo o casal dono do lugar. Isso porque tinham perdido lá a sua filha mais nova. A garota foi morta a facadas dentro do casarão por um bandido. Depois desse dia passei a acreditar em fantasmas e coisas do gênero. Não passo mais por aquela rua - próxima à Praça Chora menino. Aquele senhor me disse que já viu a loirinha numa das janelas e a descreveu como eu também a vi: ela era linda! É uma pena.

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Brincando com os mortos Este conto assustador é do músico e DJ André Balaio. Mariana e Eduarda tinham quinze anos e eram amigas desde a infância. Eduarda gostava de passar os finais de semana na casa da amiga em Boa Viagem, onde tomavam banho de piscina, ouviam músicas barulhentas e assistiam a filmes de terror. Os pais de Mariana eram realmente legais e gostavam que a filha única enchesse a casa de amigos. Morava também uma tia solteirona, chamada Leonor. Não raro, os pais e a tia saíam à noite nos sábados e deixavam as meninas fazerem pequenas reuniões com os amigos do colégio onde estudavam. Foi numa dessas noites que tudo aconteceu. Além das amigas, estavam lá Luísa e Marcela. Alguns meninos tinham sido convidados também, mas não tinham dado as caras. Tudo bem, assim elas podiam fofocar a vontade. Viram um filme no vídeo e depois ficaram conversando sobre a vida do povo. Foi aí que Marcela perguntou: -Vocês já fizeram a brincadeira do copo? Como as amigas responderam negativamente, ela explicou que era uma brincadeira que aprendera com uma prima, em que se colocavam as letras do alfabeto num pedaço de cartolina, pegava-se um copo de vidro que nunca tivesse sido usado e após rezar uma ave-maria, um Credo e uma salve-rainha se entrava em contato com uma alma penada que estivesse na casa. As amigas ficaram bastante excitadas com a ideia, exceto Eduarda, que confessou ter medo daquele tipo de brincadeira. Como já era cerca de uma da madrugada, ela disse que subiria para o quarto. As meninas fizeram pouco caso da amiga e Mariana foi correndo pegar o material necessário para a brincadeira, inclusive o copo virgem.

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Após escreverem as letras do alfabeto, as palavras "sim" e "não" e os números de 0 a 9, as amigas rezaram as orações necessárias. Marcela orientou Mariana e Luísa a encostaram os dedos indicadores no copo e em seguida fez a pergunta: -Tem mais alguém aqui? O copo se moveu: "SIM". E começou aquele estranho diálogo, com as meninas perguntando quem era a pessoa, o que fazia, quando havia morrido, etc. Disse ser Rodolfo, um rapaz de 31 anos, médico, e que havia morrido em acidente automobilístico na Avenida Mascarenhas de Morais cerca de vinte anos antes. As garotas ficaram muito impressionadas. O medo era enorme, mas também a excitação com o inusitado. Elas ainda fizeram mais algumas perguntas, que foram prontamente respondidas. Algumas dúvidas eram sobre o futuro, se todas elas iriam se casar, ter filhos, viajar, etc. Num tom de brincadeira, Mariana perguntou se a tia Leonor ainda iria se casar. Rodolfo respondeu que sim. As meninas começaram a rir, e perguntaram quem seria o noivo. Rodolfo respondeu: "E-U". As expressões foram de um misto de descrédito e escárnio. Súbito, Mariana parou de rir. Lembrou que sua tia Leonor havia falado de um noivo que falecera num acidente de carro, quando já estavam com o casamento marcado. Desconfiada, ela foi ao quarto da tia, e procurou velhas fotos que ela guardava numa gaveta. Lá estava uma foto dela de braço dado com um rapaz, e uma dedicatória: "Para Leonor, com todo o meu amor, Rodolfo, Recife, 12 de outubro de 1980." Mariana pensou em perguntar se o rapaz achava que ainda estava vivo ou se aguardava Leonor morrer para com ela casar no Além, mas achou por bem não continuar com o assunto. Embora as meninas tenham ficado impressionadas com o fato de estarem conversando com alguém "conhecido", decidiram continuar a

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brincadeira. Alguns minutos depois, Rodolfo disse que iria sair dali, mas não sem antes dar um recado: "P-A-R-E-M D-E B-R-I-N-C-A-R CO-M O-S-E-S-P-I-R-I-T-O-S V-O-C-E-S V-A-O S-E A-R-R-E-P-E-N-DE-R" Luísa ficou visivelmente assustada com a ameaça, mas Mariana e Marcela não pareceram muito preocupadas. Decidiram continuar. Rezaram de novo. E mais uma vez a pergunta foi feita: -Tem mais alguém aqui? E tiveram a resposta: "SIM". As amigas iam começar a série de perguntas, mas o copo andou antes disso: "C-A-T-I-T-A S-O-U E-U". Marcela arregalou os olhos. Era assim que ela era chamada pelas amigas do colégio, por ser pequena e magrinha. -Eu quem? O copo moveu-se de novo: "D-U-D-A". Duda? Que Duda? Não havia ninguém morto que as meninas conhecessem com este nome. A única pessoa que as amigas conheciam por Duda era. Mariana soltou um grito curto de assombro levando a mão à boca semiaberta. Subiu correndo as escadas em direção ao quarto em que dormia sua grande amiga Eduarda. Marcela e Luísa se entreolharam com cara de espanto, e ouviram o grito seguido pelo choro da amiga. A menina estava morta na cama.

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O Sítio da Velha O leitor George Santiago nos fala sobre as fantasmagorias na Marim dos Caetés. A velha Olinda sempre foi fonte de histórias incríveis. Por ser uma cidade antiga, é casa de diversos fantasmas. Uns conhecidos, e outros nem tanto. Os corredores do Mosteiro de São Bento, apesar de sacros, são palco à noite do passeio de muitos fantasmas que não chegam a aparecer, mas fazem muito barulho. Passos, gritos, ecos choros, são sinais comuns da presença das assombrações. Entre esses frequentadores do mosteiro temos um famoso que lá circulou por quase quarenta anos. Na área limítrofe ao monastério, onde hoje é um colégio pertencente também a congregação beneditina, existiam, na primeira metade do século XX, ruas, casas e até sítios. Num destes sítios dizia-se morava uma velha senhora. Com a construção da escola, as ruas, casas e sítios, que existiam foram anexados e se transformaram em salas de aulas. Nessa época começaram a ocorrer aparições desta velha senhora, que já havia morrido. Elas ocorriam numa área específica do colégio onde durante anos nada foi construído. Além do fantasma da velha senhora - que ora aparecia com olhar perdido, ora era vista sacrificando galinhas em uma bacia de porcelana - muitos ouviram choros baixos de crianças. Alguns mais sensíveis chegaram a sentir sangue pingando de buracos do antigo muro que separava a área do mosteiro da área da propriedade da senhora. Uns diziam que era das galinhas. Outros, que era as almas das crianças que a senhora teria sacrificado em rituais de magia negra. Dizem ainda que a velha seria responsável pelo desaparecimento de diversos instrumentos de trabalho (quando se tentava construir alguma coisa no local) e até pela ocorrência de surtos psicóticos que vitimavam alunos, professores e funcionários do colégio.

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Devido aos rituais de exorcismo praticados pelos monges, as ocorrências destes malassombros começaram a rarear no fim dos anos 70. E acabaram definitivamente quando toda área foi completamente destruída para a construção do novo colégio que aconteceu em 1989. Até hoje, com algumas variações da história são contadas por velhos funcionários, antigos monges e ex-alunos que frequentaram as áreas naqueles anos.

A visita da Perna Cabeluda Você, prezado leitor que tem até trinta anos, não deve lembrar-se dela. No máximo, só ouviu falar. Mas quem é do Recife e tem seus trinta e tantos vai sentir um frio na espinha quando pôr os olhos neste nome: Perna Cabeluda. Sim, a capital pernambucana foi, por algum tempo, aterrorizada pela macabra criatura. Eram os anos 70 e a tal a assombração pilosa pintava e bordava com os desavisados que passavam pelos becos escuros da cidade. Era o tempo também em Biu do Olho Verde fazia sexo com seu alicate, como dizia Chico Science. Só no Recife mesmo para surgir um boato assim. E teve muita gente que foi testemunha da bizarra aparição. Esta história me foi contada pela própria protagonista, há quase dez anos. Estou falando de Dona Zefa, que durante muitos anos viveu no bairro de Dois Irmãos. Ela diz que esteve com a Perna Cabeluda em pessoa – se é que se pode falar assim. É difícil não acreditar em Dona Zefa, visto que é uma senhora muito sisuda e religiosa. Católica fervorosa, não acreditava em assombrações até passar por aquela situação. Na época, Dona Zefa já era viúva e morava com o filho mais novo – o caçula de nove irmãos - numa casa de porta e janela na rua mais

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acanhada rua do bairro. No local não havia calçamento e a iluminação era precária: um poste aqui outro acolá com luzes que mais pareciam velas de tão fracas. Dona Zefa até gostava desse cenário. Tinha sido criada no interior e tudo em Dois Irmãos a fazia lembrar sua infância. O único incômodo era a dificuldade de transporte. A parada de ônibus ficava longe e sair do lá significava muito esforço. Naquela tarde de sábado, ela precisava ir ao centro da cidade para comprar tecidos. O fim do ano estava se aproximando e era tempo de fazer roupa nova. Zefa era uma costureira - ganhava alguns trocados prestando serviço à vizinhança, enquanto o filho trabalhava como vigia. Voltando à história: ela saiu de casa às duas da tarde, comprou tudo o queria, mas esperou muito tempo pelo ônibus de volta. Só conseguiu retornar às nove da noite, quando as ruas de Dois Irmãos estavam desertas e silenciosas. Pensou, com uma ponta de temor, que o filho estava de serviço e não havia ninguém para esperá-la. Saltou do ônibus com pressa, pensando em chegar logo à segurança do lar. No caminho escuro, só o barulho dos sapatos sobre as pedrinhas da rua sem calçamento. Dona Zefa começou então a achar que estava sendo seguida, embora não visse ninguém ao seu redor. Quando chegou à porta, estava ofegante, assoprando de tanta carreira. Nervosa, trancou-se dentro da casinha, fechando bem a porta e a janela. E quando pensou que estava segura, ouviu que alguém (ou alguma coisa) estava batendo na porta com força. Ela chegou a perguntar quem era, embora soubesse que não era uma pessoa conhecida pedindo amigavelmente para entrar. Não houve resposta à sua pergunta e Dona Zefa decidiu ficar calada e rezar para “aquilo” desistisse de bater. Só que os golpes foram ficando mais fortes e ela temeu que a frágil porta acabasse no chão.

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Sozinha, Dona Zefa só podia contar com a proteção dos santos. Tomou então coragem para acabar com aquela bagunça. Pegou um crucifixo que estava pendurado na parede e fez dele um escudo. Foi até à janela, abriu-a com toda a força e gritou a plenos pulmões: - Sai daqui coisa do Cão, que essa casa é de Deus! Dona Zefa ficou sem fala quando um viu uma perna pulando sozinha, fugindo em disparada até desaparecer nas trevas. O coração da pobre mulher quase saiu pela boca do susto. Mas pelo menos malassombro tinha ido embora. Naquela noite tomou a decisão de se mudar daquele lugar ermo. Juntado as economias dela e do filho ela conseguiu comprar uma casinha da Cohab, bem longe dali. E mandou logo instalar uma cigarra, para ninguém precisasse mais bater na sua porta.

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O Holandês e botija de Biu Preá Este testemunho foi enviado pelo leitor Carlos Alberto Cordeiro: Muita gente não acredita nesta história que eu vou contar. Mas eu garanto que é bem verdadeiro o fato fantástico do qual fui testemunha no ano de 1979. Eu tinha dez anos e recebi o convite de um colega de classe para passar uma semana no engenho do avô dele durante as férias de julho. Não fazia ideia do ia acontecer. O engenho de cana-de-açúcar, típico da Zona da Mata de Pernambuco, era uma ótima propriedade. E tinha tudo que um garoto pode querer: espaço para correr, cavalos para passear, frutas colhidas nas árvores e até uma bica de água corrente para tomar banho. A coisa ia bem, até que, na quinta noite em que estávamos lá, um trabalhador do engenho interrompeu o nosso jantar aos berros. Era conhecido como Biu Preá e estava apavorado. A cozinheira deu ao coitado um copo com garapa e, quando ele se acalmou, contou o que tinha ocorrido ao avô do meu amigo. Biu Preá disse que estava sentado na escada que dava acesso ao terraço da casa grande do engenho, "picando fumo para fazer um cigarrinho", quando olhou para baixo e viu os pés de um sujeito muito estranho. Calçava sapatos pretos com fivelas. Ele foi "subindo a vista" para ver quem era aquele: tinha "uma roupa do tempo antigo, com uma gola cheia de renda". No rosto ostentava uma "barbicha". Surpreso, Biu Preá tentou encarar aquela figura esquisita, mas o homem simplesmente desapareceu no ar. Era um fantasma, "um malassombro". O senhor do engenho deu uma risada e disse que Biu tinha visto um fidalgo Holandês do século XVII. Naquela época, os flamengos dominavam Pernambuco e muitos possuíam terras naquela região. O agricultor coçou a cabeça, sem entender muito bem a explicação do

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patrão. Mas não se furtou de tirar sua própria conclusão sobre o caso: "essa alma deve estar penando por causa de uma botija. Vai ver ele quer me mostrar onde estão os cobres". E pediu ao dono a permissão para procurar o tesouro na área do engenho, no que foi prontamente atendido. O trabalhador parecia mais um tatu fazendo dezenas de buracos por toda a propriedade. Mas sua precária arqueologia em nada resultou a princípio. O resultado mais interessante da sua pesquisa foi a descoberta do esqueleto de uma vaca, que não era tesouro muito menos do período holandês. Biu Preá ficou desanimado e até quis desistir da busca. Mas um sonho revelador deu uma nova esperança ao camarada. Durante o sono, o fidalgo voltou a entrar em contato com ele. O misterioso europeu apareceu no meio do terreno; falava uma língua estranha e, com a mão, apontava para uma pedra grande que existia na propriedade. Biu começou a escavar em torno da tal pedra naquela madrugada, antes mesmo do sol nascer. Encontrou coisas valiosas, em nada perecidas com a botija que sonhava: pedaços de louças e cachimbos feitos de barro que realmente eram do tempo dos holandeses. O sitiante ficou decepcionado, mas pelo menos ganhou uma boa recompensa em dinheiro, dada pelo patrão por causa da descoberta. O detalhe mais curioso: o fantasma do fidalgo holandês passou a ser visto com frequência por várias pessoas que moravam no engenho. Será que ainda existe um tesouro de verdade escondido no lugar?

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A difícil convivência diária com os defuntos Na tradição do dois de novembro, Dia de Finados, as famílias presentes nos cemitérios para homenagear as pessoas queridas que seguiram para o outro lado - nem notam a movimentação dos profissionais dedicados a acomodar os hóspedes perpétuos dos campos-santos. Os coveiros se ocupam desse labor pouco reconhecido, mas digno e de grande importância para a sociedade. Enquanto a maioria apenas passa alguns minutos entre as catacumbas, para acender umas velas, fazer uma prece, derramar lágrimas, eles convivem com os defuntos, fazem destes colegas de trabalho – ou seriam clientes? Às vezes os coveiros se sentem tão à vontade nas necrópoles que se comportam como proprietários do lugar, governantes do espaço tristonho, quase reis no pequeno país de súditos silenciosos. Conta meu pai que existia um coveiro assim numa cidade da Zona da Mata de Pernambuco. Do seu diminuto império, cuidava com todo zelo e organização. Agendava os sepultamentos e não admitia atrasos, nem antecipações. O defunto tinha que ser levado no horário certo, com precisão britânica, e o fato de uma viúva emotiva demorar mais do que o previsto nas despedidas ao marido falecido não era desculpa para descumprir o combinado. - Fecha a tampa do caixão, que tá na hora. Depois a senhora vai ter muito tempo para fazer unas visitinhas, pois daqui ele não sai. O sujeito mandava e desmandava no cemitério, a ponto de quase não reconhecer a autoridade do prefeito, mesmo sendo servidor municipal. Sabia que o chefe do Executivo, de gravata e paletó, sentando num gabinete com ventilador e água gelada servida pela secretária, cumpriria o mandato deixando logo o cargo para outro qualquer escolhido pelos eleitores. Enquanto ele, o coveiro, permaneceria na função que ninguém quer assumir, a lida constante

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com a defuntada. Era uma missão, um sacerdócio. Por isso deixaria o terreno varrido, jazigos pintados, covas alinhadas e bem cobertas. Nas horas de menos serviço, aproveitava para fazer as pequenas cruzes de madeira que impunham uma dignidade cristã às covas mais simples. Certo dia, quando terminou de jogar a última pá de terra sobre um caixão e preparava-se para fincar uma das cruzes que produzia com tanto esmero, ouviu um apelo descabido. - Por favor, amigo, não coloca o crucifixo que meu irmão era ateu e não gostava dessas coisas. Nem argumentou. Apenas coçou a cabeça e apoiou as duas mãos na pá. Ficou calado, vendo os parentes daquele defunto cheio de praque-isso se afastar. Quando parecia que eles já estavam distantes, o coveiro tomou a atitude. - Aqui quem manda sou eu e você leva é cruz! Ocorre que ainda restava um sobrinho do morto entre as árvores frondosas do lugar. Fumava, distraído, e acabou sendo testemunha da arbitrariedade. Houve reclamação e bate-boca. Com a discussão, voltaram os outros parentes e o rebuliço aumentou. O rolo acabou no gabinete do prefeito, que jamais esperava ser obrigado a arbitrar uma questão teológica. Como bom político, determinou que, dali em diante, “a aposição da cruz fosse opcional e de conformidade com as convicções filosóficas e religiosas expressas pelo finado a ser sepultado quando este era lúcido e ainda gozava dos benefícios da vida”. Outra interessante história sobre coveiros. No cemitério de Santo Amaro, no Recife, um amigo meu escutou o diálogo entre uma idosa que visitava o túmulo do marido e um dos funcionários do local. O

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homem, acocorado sob a sombra de uma árvore, aparentava desânimo. A senhora o consolava. - Que é isso, amigo? Deixe a tristeza para quem vem aqui por causa da saudade de alguém que não vai mais voltar. - Triste é ser coveiro, dona. É calor, catinga, moscas. E o salário não ajuda. - O salário pode ser pouco, mas é certo, né? O senhor não fica satisfeito de levar a feira para sua mulher toda semana? - Tenho mulher não, dona. Até consegui uma paquera. Quando ela descobriu meu emprego, acabou o namoro... E encerrou a conversa com um profundo suspiro.

Adeus, Carminha Roberto Beltrão Sentado à mesa da cozinha, fixou o olhar na escuridão do pouco de café que contrastava com o branco da xícara velha. O café que ele fazia não prestava. Ficava com um gosto de meia puída tirada do fundo da gaveta. Carmem sabia fazer. Parece que ela esquentava o pó numa frigideira por um ou dois minutos antes de colocar no coador. Quantas vezes a viu ao lado do fogão pintado de azul clarinho e todo riscado, de tocaia para não deixar quebrar a gema do ovo frito, alerta para tirar o bolo do forno na hora certa. Deitada, serena, imóvel dentro do caixão, já não era Carminha. Melhor que a enterraram logo e não insistiram nessa chatice de velório demorado demais.

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Pensou em tirar o paletó escuro, teve preguiça. Afrouxou o nó gravata. Passou a mão no rosto e sentiu a barba arranhar. Não usou a gilete desde do dia em que a ambulância levou a mulher ao hospital. Foi rápido demais. Como é que um resfriado vence uma pessoa tão forte? Que pneumonia o quê, doutor. Quando a gente espirra e tosse assim, faz um lambedor, toma uma lapada de conhaque com limão. Mas meteram ela na UTI, olha no que deu. Carminha ia mandá-lo tirar a roupa com cheiro de cemitério, tomar um banho. Não tinha coragem pra nada. Quem irá cuidar dele? Levantou-se e caminhou até o quarto dos fundos, há anos transformado em escritório. Era um refúgio desde que aceitara a aposentadoria. Estantes cheias de livros. Sobre a escrivaninha uma máquina de escrever, computador não entrava. No chão, pilhas de jornais amarelados, a vida dele resumida naquelas folhas mofadas. Por quantos anos foi editor do jornal? Trinta e tantos. Jornaleco vespertino, diziam. Jornaleco, mas vendia. O patrão nunca se queixou. E vendia porque divertia as pessoas. Ninguém quer saber se a inflação aumentou, se tem guerra nas arábias. O povo gosta de mulher traindo marido, facada no bucho depois do baile de carnaval, gosta de jogo de bola, de foto de boazuda de biquini. Gosta de folhetim, história mentirosa. Os repórteres de hoje mentem pouco, falava Nelson Rodrigues. Não tinha nada demais numa mentirinha, quase verdade, como a reportagem que o deixou famoso. Estava há dois anos na redação, meio escondido, misturado à equipe da editoria de polícia do jornal. Apreciava o assunto, mas fazer materinha de assalto em loja no Centro e atropelamento de ciclista em rodovia não dava primeira página. Cobrindo o enterro de uma dondoca, dessas de coluna social, que caiu no poço do elevador de um edifício de luxo, viu o coveiro o abrir um sorriso amigável.

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- O moço é repórter, né? Tenho uma história quente pra você. Já soube que uma galega malassombra aqui no Santo Amaro? Não existe silêncio maior do que num cemitério à noite. No Santo Amaro, nem se ouve o roçar das folhas das árvores maiores porque a noite quente e sem vento do Recife não deixa. É nessa hora que a loira aparece. Cheia de curvas, seios quase pulando do decote no vestido encarnado e curto. Os pés muito brancos, de unhas pintadas, enfiados em sandálias de salto alto que fazem aquele barulhinho seco quando batem contra a calçada em frente à necrópole. Quando algum desavisado se aproxima, ela o chama com um psiu, uma piscadela. Os que correspondem ganham carícias, abraços e beijos de lábios gelados. São convidados para um passeio no cemitério coberto de sombras. A sedutora os mostra o jazigo de mármore rachado e enegrecido pelo limo, o lugar onde ela mora. Logo em seguida solta uma gargalhada de bruxa e se transforma em caveira. Quando não desmaia, o candidato a namorado de alma penada urina nas calças. Juntou outras histórias sobre a tal assombração. Depoimentos anônimos de supostas testemunhas apavoradas. Tolos que se deixaram envolver e viram a tétrica face do sobrenatural. Para compor a primeira reportagem, acrescentou uma boa dose de ficção. Entregou o texto ao editor com uma sugestão de manchete: Fantasma de loira causa terror. Foi parar na capa do jornal. Vieram mais reportagens sobre aparições e ela passou a ser conhecida como a Galega de Santo Amaro. A cada semana, surgiam novos casos de marmanjos atordoados pelo encontro com a moça misteriosa. Motoristas e cobradores de ônibus eram o alvo preferido, pois a garagem dos coletivos movidos a energia elétrica ficava bem em frente ao cemitério. A Galega era vista no galpão, a paquerar os condutores que chegavam no fim do expediente a bordo dos bacuraus. Mas outros profissionais se viram em apuros. Vigias noturnos, enfermeiros do Hospital Oswaldo Cruz, policiais que

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faziam rondas em viaturas. As rádios entraram na onda e o espetro sedutor se tornou figuram constante no noticiário policial. Mas só ele, o reporterzinho da editoria de polícia, era capaz de revelar as façanhas macabras da personagem. Com algumas palavras bem arrumadas para fazer o suspense, ele criou um mito. Agora, a cidade tinha medo da Galega de Santo Amaro, que também se fez notar nos cemitérios de Casa Amarela e da Várzea. E ele passou assinar artigos sobre outras criaturas sinistras. Papa-figo sequestra crianças. Lobisomem ataca mulheres. Com o sucesso pôde encarar o patrão. - Faço pro senhor um jornal só desses assuntos escandalosos. Boto ainda sangue, sexo e futebol. Vai chover anunciante. Ganhou o cargo de editor-executivo de um novo tabloide. Com o aumento de salário, comprou uma casa para viver com Carmem, de quem já era noivo. Mas consideravam a redação a sua residência. Só de madrugada chegava para ver Carminha, que sempre estava acordada, na frente do fogão azul, preparando alguma coisa para ele comer. Foram décadas nessa rotina e poucos momentos de verdadeira convivência. Talvez por isso nunca vieram filhos. Era uma tarde cinzenta quando o patrão o chamou para uma conversa. O tabloide já não vendia tanto, as senhoras se chocavam com os seios da chacrete na primeira página, aquela história do nascimento de um menino-demônio fora demais, o interesse do leitor mudou com a abertura política, blá, blá,blá. Recebeu uma gorda indenização, deu entrada na aposentadoria e decidiu viver em paz. No escritório de casa pretendia escrever livros de mistério. Descobriu que não sabia usar a máquina longe do tumulto da redação. Do pijama fez uniforme. De manhã, lia os jornais com os óculos na ponta do nariz. Matérias burocráticas, sem graça. Carminha colocava os comprimidos do dia no console ao lado da cadeira de balanço, para

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ele tomar depois de passar a vista nas páginas. Em seguida ela o obrigava a sair para caminhar, pois era bom para o coração e para desentrevar as pernas. Quando voltava era tomar banho e almoçar. Feijão, arroz, bife à milanesa, salada, simples e gostoso. Um dia Carminha espirrou, tossiu, teve febre. Não sabia como tratála. Não sabia nem fazer uma gemada para ela tomar. Duas semanas depois, chamou a ambulância. O médico do hospital balançou a cabeça quando disse ela deveria ter sido trazida antes. No enterro, as duas cunhadas não deram pêsames a ele. Cabeça dura, não cuidou da esposa, agora vai penar sozinho, castigo. No escritório, debruçado sobre a máquina de escrever, chorou pela primeira vez. Segurou um soluço ao ouvir que alguém abrira a porta da frente bem devagar. E havia deixado a porta destrancada? Ficou sem ar depois do calafrio que arrepiou todos os pêlos do corpo. Quem entrou na casa? Escutou o barulho seco de sandálias de salto alto batendo nos tacos do chão do corredor, passos lentos e compassados. Sentiu o ambiente ficar frio. O coração pulava na caixa do peito. Cheirou no ar um perfume forte e adocicado. Quem estava ali? A mulher de pernas longas, vestido encarnado curto, entrou no cômodo. Os cabelos eram dourados. O sorriso era de maldade ou piedade? - Vim para morar aqui. Alguém precisa cuidar de você.

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Causos

A Emparedada da Rua Nova Entre os fantasmas recifenses, esse, sem sombra de dúvida, é um dos mais conhecidos. Uma prova disso é o romance histórico do escritor Carneiro Vilela, lançado no início do século XX. A narrativa relata o caso de uma jovem da elite pernambucana que engravida do namorado. O pai, um legítimo conservador burguês, a empareda viva, insensível aos apelos da mulher. Resignada diante do poder patriarcal do marido, fica cabisbaixa e acata o martírio da jovem menina, tudo para encobrir uma possível vergonha familiar diante da sociedade. O crime, cometido num sobrado na Rua Nova de número 200 (segundo um neto do autor), hoje abriga uma loja de roupas femininas. Esse caso tornou-se polêmico na época e é, até os dias atuais, envolto em mistérios e especulações. A imaginação do recifense é fértil, principalmente quando se refere ao sobrenatural. Por isso, não é de se estranhar as inúmeras histórias e “causos” que envolvem a jovem gestante assassinada pelo pai e seus gritos durante a madrugada da pacata Rua Nova, que abriga antigos e fantasmagóricos segredos. Isso aconteceu quando eu ainda era estudante de arquitetura. Apesar de muito novo, 25 anos, eu já era formado em engenharia. Mas

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sempre nutri uma grande paixão pela arte de projetar e edificar. Então, resolvi fazer vestibular de novo. Passei na Universidade Federal e estava no quinto período, quando fui chamado para fazer parte de um grupo que iria para uma aula externa nos velhos sobrados do centro do Recife. O local exato? Rua Nova, berço de uma das histórias mais assustadoras que eu costumava ouvir de minha avó quando era um meninote. Eu já havia ouvido falar da Emparedada da Rua Nova. Desde pequeno, fui um aficionado por casos sobrenaturais. Essa era uma das minhas lendas favoritas, e minha avó como narradora oficial dos fatos do além, floreava os detalhes mínimos e fazia minha imaginação fluir, dando rostos e formas às minhas personagens assombradas. Para mim, foi um prato cheio participar da visitação às antiquadas construções. Chegamos por volta de duas da tarde. O sol quente não permitiu que se fizesse esse trabalho antes. Os grupos se dividiram e eu fiquei justamente com a turma que iria à casa da Emparedada. Fiquei eufórico, afinal, não é todo dia que se tem o privilégio de percorrer o lugar onde ocorreu um dos mais famosos assassinatos, e com requintes de crueldade, de todos os tempos. Por muitas vezes fiquei imaginando como era seu rosto. O da Emparedada, sabe? Ela deveria ser muito jovem... Bonita...Aquelas roupas antigas... Escondendo sua pele pálida, tão característicos das sinhás daqueles tempos... Bom, lá fomos nós. Após duas construções, chegamos ao local tão desejado e esperado. Pelo menos por mim. Subimos os vários lances de escada. No térreo, funcionava uma loja e no primeiro andar ficava o estoque. Nada além de caixas e sacos cheios de roupas. O segundo piso era habitado pelo corpo administrativo. Sim. A parte burocrática e chata de toda empresa. Computadores, mesas, gente com semblante

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concentrado e ar condicionado ao máximo. Nada de anormal, até que... Subindo em direção ao último andar, o terceiro, senti que algo estava diferente. E não fui apenas eu a perceber a atmosfera pesada. Alguma coisa apertava o coração, causando a sensação de sufocamento. Uma vontade quase louca de chorar bateu no pequeno grupo de quatro pessoas. Vi que um certo mal-estar pairava no ar e o semblante de cada um estava carregado. Triste. Cinza. Não demoramos. Nada havia para se ver, a não ser um vão enorme, vazio e cheio de poeira. Em um dos cantos dava para ver que uma marca de uma parede que havia sido erguida e em seguida derrubada. Percebia-se que era um espaço muito apertado, cabendo apenas uma pessoa em pé. Olhamos um para a cara do outro. Sabíamos que ali, ela havia sido enterrada. Emparedada com um filho na barriga. Dois inocentes. Uma criança e uma mãe. Nessa hora, todos, eu disse todos, ouviram um leve choro... Parecia a anunciação de um pranto convulsivo, sofrido. Em seguida, escutamos outro barulho. De criança. Um bebê chorando. Um frio fora do comum tomou conta do ambiente, e cada um se arrepiou até o dedo dos pés: Alexandre, Daniel, Jorge e eu. Quatro caras morrendo de medo de sons que vinham do... Do inferno. Minhas pernas mal me obedeciam, e, se não fosse a escada íngreme e o nosso tamanho, teríamos corrido feito loucos, atropelando uns aos outros. Chegamos ao térreo esbaforidos. Já tinha anoitecido, o que aumentou nosso pavor. A noite desperta o que há de pior na nossa imaginação. Pois encontra brechas no nosso medo... Assim que o resto da turma chegou, todos resolveram ir embora. Claro que comentários não faltaram, por causa da cara que estávamos. O susto não tinha sido pequeno, e o terror ainda estava estampado no rosto de cada um. Não contamos o que tinha acontecido. Afinal, quem iria acreditar na

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gente? Principalmente um bando de universitários que tiravam onda de qualquer coisa. Enrolamos com qualquer conversa e ficou por isso mesmo. Todos se mandaram, menos eu. Dei uma desculpa qualquer. Algo me prendia àquela construção. Fiquei parado. Olhando para cima, no meio da rua, na esperança de ver quem eram os autores daquelas lamúrias. Foi quando um homem se aproximou de mim. Pelas roupas, digo farda, parecia ser um vigia. Olhou-me e começou a puxar conversa. Notei que era ele quem estava na porta do prédio quando chegamos. Alguma coisa me impulsionou a contar para ele o que havia acontecido comigo e meus companheiros de faculdade. Olhando-me de maneira pesarosa, começou a narrar a história mais impressionante da minha vida. Com o olhar perdido, como quem lembra algo doloroso e distante, seu Antônio começou a narrativa: “Meu nome é Antônio da Cunha. Sou um homem sério e respeitador. Não brinco com as coisas do outro mundo. Tenho 65 anos e trabalho como vigia desde os 15, e eu já tinha visto de tudo na minha vida, até esse dia de cão chegar. Foi numa madrugada dessas, moço. Eu estava tirando o turno da noite, para ganhar um extra. O senhor sabe, tem o adicional noturno, que ajuda muito. Então, fui fazer a ronda pelo lugar todo. Sempre tinha ouvido falar da desgraça que aconteceu com aquela família de gente rica que matou a filha e o menino que ela carregava. Dizem que a gravidez já dava pra ser percebida. E seria uma vergonha pra época, povo endinheirado ter filha desonrada. O dono da casa, um comerciante danado de rico descobriu que a menina tinha embuchado do namorado, que se danou pelo mundo, deixando a probrezinha sozinha. Com ódio, e sem nem dar ouvidos aos pedidos da mulher dele, acabou botando a menina e o

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bruguelinho dentro do quarto e construindo uma parede entre eles. Dizem que a moça chorava de dar pena. Cada tijolo erguido era uma lágrima dela. A bichinha implorava, chorava, mas nada do pai perdoar ou desistir da ideia de matar a filha daquele jeito. Então, continuando o que eu estava lhe contando: Nessa noite, da ronda, ouvi um choro. Parecia de mulher. Era tão sentido, moço, que até eu me comovi. Apesar do medo, eu continuei seguindo o barulho. Podia ser alguém, algum cliente ou funcionário da loja que estava preso por lá, né? Tudo pode acontecer. Fui em frente. Quando cheguei nas escadarias que levam até o terceiro andar, lugar que nunca ninguém quis muita conversa, nem usar pra nada, parei. Do teto moço, desciam farrapos. Era uma mulher toda de branco. De vestido de noiva. Ela brilhava e eu pude ver melhor o que era aquela criatura. Apertei o escapulário que trago no pescoço e perguntei em nome de Deus, o que aquela alma penada queria. Ela não respondeu nada, moço. Só fazia chorar. A roupa estava toda esfarrapada, suja. O rosto, sofrido, mas tão sofrido que meu coração doeu. Ela apenas apontava pra barriga. Grande. Ela estava grávida, moço. Era tão bonita! Tão bonita que dava agonia de ver daquele jeito. Tinha a pele muito clara, um cabelão comprido. Os olhos... Eram todos brancos. Moço, eu vi. Não tinha cor. Era todo branco. Foi aí que entendi foi tudo. A moça que estava ali era a emparedada. Comecei a ouvir uma criança. Chorando... Não aguentei... Quando ela parou na minha frente e estendeu os braços na minha direção, arranquei que nem boi brabo e desci as escadas feito um doido. Só parei no meio da rua, resfolegando que nem um porco. E suando mais do tudo nessa vida. Juro, moço. Nunca mais trabalhei de noite. Estou largando agora do trabalho. São seis da noite. E é só escurecer pra o pavor invadir meus pensamentos. Eu lembro dela, moço, da menina-mãe. E até sei porque ela apareceu pra mim. Minha filha mais nova estava esperando menino e eu não aceitava. Naquela noite, eu tinha tomado a decisão,

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de quando chegasse em casa de manhã, ia pegar as trouxas dela e jogá-la no mundo. Ela e o menino que estava no bucho. Vendo aquela imagem na minha frente, me lembrei da história dela, e senti que era um aviso para não deixar minha filha, assim como um dia ela foi deixada. Por incrível que pareça, moço, quando cheguei em casa, peguei minha menina, dei um abraço danado e pedi perdão pelo que ia fazer. Ela, eu e a minha mulher nos abraçamos forte. Naquela hora, consegui ver, mesmo que parecesse na minha imaginação, uma moça vestida de noiva, com um menino nos braços e sorrindo pra mim como que agradecendo por não ter abandonado uma filha.". Assim termina meu causo, amigos. Voltei para casa e falei tudo pra minha avó. Ela sorriu e me disse que sabia que um dia eu ainda veria que os mortos “vivem”, nem que sejam para mostrar que estão mortos. E digo a vocês: a fama de contadora de causos de minha avó passou pra mim. E hoje, sou eu quem, nas noites de sessão malassombro lá em casa, conta a história da Emparedada da Rua Nova e deixa, sem exceção, cada um com a impressão de que acabou de ouvir alguma coisa. .

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A Cabeça do Padre Nascida e criada no Recife, Raquel possuía um sítio, muito bonito, lá para as bandas do sertão. Era abril, e se aproximava o dia de seu aniversário e com este, a ideia de festejarmos, em seu famoso sítio. A data da comemoração seria numa quinta-feira, véspera de sexta-feira da Semana Santa; e assim, lá fui eu. As comemorações rolaram até lá pelas tantas e, cansados, fomos todos dormir já quase de manhã. Um temporal, que já se armava desde o começo da festa, disparou a cair, e uma goteira incessante começou a pingar bem ao lado de minha cama, fazendo assim que eu fosse a última a dormir naquela casa. E algo muito estranho me chamou a atenção naquela noite. Estava eu, lá deitada, esperando o sono chegar, quando ouvi algo bater no telhado e rolar com muita velocidade. “Tudo bem”, pensei, “deve ser uma manga das muitas mangueiras que rodeavam a casa”. Mas, logo em seguida, fui obrigada a me levantar, chegar à janela e pelas frestas espiar que diabos seria um ruído estranho, como se algum animal corresse em volta da casa, mesmo com toda aquela chuva. O barulho cessou, nada vi, e voltei para a cama. Desta vez, e em poucos minutos adormeci, sem me importar mais com o fato. No dia seguinte, estavam todos na cozinha a conversar. Ainda lá do quarto, ouvi um assunto que me chamou a atenção. Perguntava a mãe de Raquel a todos: - E aí, alguém ouviu a cabeça do padre? E começou a contar antiga a lenda que tinha o sítio:

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- É que aqui, há muitos anos, morava um padre muito perverso e que muito maltratava os escravos. Ele foi decapitado e sua cabeça jogada no telhado. Toda véspera de Sexta-Feira Santa, o cão de Satanás corre com ela em volta da casa. Ao escutar isto, levantei-me imediatamente e à cozinha me dirigi. Quase sem pensar, relatei a todos: - Eu ouvi! Juro que ouvi isto na madrugada! Foi uma Gargalhada em coro à minha volta: ninguém acreditou em mim! Na mesma hora, arrumei minhas coisas e sumi dali. E até hoje, quando se fala em festa da Raquel, no Sítio da Cabeça do Padre, eu digo: - Parabéns, querida, e vocês podem ir, eu estou fora, de verdade! Testemunho de Maria das Graças Bastos Vianna

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A Lenda do Padre Morto Numa pequena cidade do Rio Grande do Sul, existe a “Lenda do Padre Morto”. Contam que ele era um homem como qualquer outro: bondoso, calmo, bastante gentil. Mas um dia, quando estava rezando na capela de um seminário, algo terrível ocorreu. Os seminaristas daquele seminário escutaram três tiros vindos da capela onde estava o padre. Ao chegarem lá, encontraram a cena mais medonha que veriam em suas vidas: o padre tinha três buracos de balas nas costas e seu crucifixo estava cravado em sua cabeça! Dizem que, até hoje, naquele seminário - que agora é uma escola para crianças e adolescentes - se vê o espírito do padre carregando o mesmo crucifixo que lhe foi cravado na cabeça. O espectro vaga pelos corredores quando é o aniversário de sua morte, à procura dos descendentes de seu assassino para fazer a mesma coisa que fizeram com ele. Só assim poderia acalmar seu desejo de vingança e finalmente descansar seu espírito. Mas, até lá, ele continuará a vagar pelos corredores daquele colégio. Contado por um leitor que assina Humberto

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O Poço do Padre No século XX, um padre foi assassinado na mata de Dois Unidos, subúrbio do Recife. O corpo foi jogado num poço de propriedade de uma velha fábrica, segundo a confissão dos assassinos. Mas, até hoje, ninguém encontrou o cadáver. Dizem os moradores da área que a alma-penada do padre ficou perdida, vagando pela mata e assombrando os curiosos. Pela mata de dois unidos passam canos grandes da companhia de abastecimento de água. Conta-se que muita gente já viu o fantasma de batina vagando entre eles. Os que já o encontraram revelam que o espectro implora por ajuda, pede para que encontrem o poço onde está o seu corpo. Mas nunca foi achado poço algum. E os boatos de assombração não param. Vez por outra, crianças que entram na mata para brincar, ou para mostrar valentia, são tangidas em bando por algo que não conseguem ver. Contado por Ochyua Andrade

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O Padre Sem Cabeça O fato ocorreu na então pacata cidade de Gravatá, no Agreste de Pernambuco. Na década de 50, lá morava um Padre que foi assassinato em um bairro conhecido hoje por Terreno do Banco. Naquela época, era um lugar de difícil acesso e distante do centro. Foi um crime bárbaro: o padre foi degolado e nunca foi encontrada a sua cabeça. Desde então, por volta da meia noite, a alma do padre era vista vagando pelo lugar, sempre fazendo o mesmo trajeto. E o espectro não tinha cabeça! O padre surgia de baixo de um enorme pé de manga, local da sua morte - hoje Rua Conselheiro José César de Andrade - e caminhava em direção à chamada ponte da fábrica. Atravessava e seguia em direção a uma antiga fábrica de alimentos e desaparecia ali mesmo, entre dois coqueiros que ainda estão lá. O fato foi presenciado por algumas pessoas e logo se tornou assunto em toda a região. Nenhum guarda noturno queria trabalhar na fábrica. Certa noite, o padre apareceu em sonhos a dois cidadãos e lhe ofereceu uma botija, um "pote contendo outro e jóias" que se encontrava entre os dois coqueiros - que era o local onde o padre desaparecia todas às noites. Contudo, que os dois sujeitos deveriam desenterrar a botija juntos e à meia noite. Dizem os antigos que, durante a retirada de uma botija, a pessoa tem várias visões e tentações macabras. Pois bem, por volta da meia noite, lá estavam os dois e começaram a cavar no local indicado no sonho. Vieram as visões e tentações, até que, ao retirar a botija, a ganância tomou conta dos dois. Deu-se naquele momento um duelo bizarro, que tinha como armas enxada e pá. Depois da sangrenta luta, um morreu e o outro ficou bastante ferido, mas escapou. Esse conseguiu,

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a cavalo, chegar em casa, levando consigo o tesouro. Lá, ele foi tratado e medicado. No outro dia, os primeiros funcionários a chegar à fábrica encontraram um corpo todo ensanguentado e um pote de barro junto a uma escavação. A polícia não soube explicar o caso. O sujeito que sobreviveu ficou bastante rico. Mas, há mais ou menos dez anos, ele veio a falecer, depois de perder todo o dinheiro em negócios fracassados. E quanto ao Padre Sem Cabeça? Desde a retirada da botija, nunca mais apareceu. Contado por um leitor anônimo

O Padre Sem Cabeça da Mirureira Neste relato, J. L. Munguba esclarece toda a verdade sobre um pavoroso fantasma que atormenta uma pequena comunidade da Região Metropolitana do Recife. O estudo foi publicado no fanzine que deu origem ao site O Recife Assombrado. De um pequeno povoado na periferia da vizinha cidade de Paulista, chegou ao meu conhecimento histórias sobre um fenômeno deveras assustador. A localidade da Mirueira, onde existe o maior hospital para leprosos da região metropolitana, tem também uma população de pacatas famílias trabalhadoras. Mas, durante décadas a fio, uma estranha aparição tem tirado a tranquilidade dos moradores que, principalmente depois das doze badaladas, estão sujeitos a um encontro com a seguinte figura: pés calçados em sandálias de couro, uma longa batina preta, mãos brancas como cera; mas, sobre os ombros - o mais apavorante - nenhuma cabeça.

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O único meio de chegar no vilarejo é subir uma ladeira íngreme, toscamente pavimentada, margeada pela "Mata do Frio", uma úmida e escura floresta formada por altíssimos eucaliptos. É neste cenário lúgubre que o terrível fantasma costuma aparecer para fazer gelar o sangue dos viventes. Quando o vento uiva sobre Mirueira, fazendo a copa das árvores balançar, os habitantes de lá se encolhem em suas casas temendo a apavorante visão do "PADRE SEM CABEÇA". Um dos episódios mais aterradores envolvendo o fantasma aconteceu com um rapaz de vinte e poucos anos, a quem vamos chamar de João. Morando com seus pais em uma das humildes residências vilarejo, João era pouco dado ao trabalho. Consumia seus dias observado a trajetória do sol de uma rede na varanda. No fim de tarde, criava coragem e caminhava até uma bodega do sopé da referida ladeira. Lá encontrava os amigos e se entregava aos prazeres do álcool, entre uma partida de dominó e uma rodada de sinuca. Naquela noite fatídica, o tal rapaz abusou da bebida numa de suas visitas à bodega. Era quase meia-noite e ninguém o acompanhava mais na sua homenagem ao deus Baco. O bodegueiro, vendo o estado deplorável do mancebo, fechou o estabelecimento e mandou que ele tomasse o caminho de casa. Com o andar trôpego dos alcoolizados, o jovem seguiu seu rumo. O tempo estava frio e uma brisa gélida lambia suas orelhas. As folhas de eucalipto faziam um som discreto, um contínuo farfalhar. No mais, era só o silêncio. Para completar a cena, a lua não estava no céu; as trevas reinavam absolutas. No meio da caminhada por entre as muralhas da escuridão, João sentiu um inexplicável arrepio na espinha. Ainda faltava muito para a segurança dos postes de iluminação e ele, tomado por um instintivo pavor, tentou inutilmente correr. Mas seus membros não obedeciam e os olhos estavam turvos pela aguardente. E quando o desespero toma conta de uma mente diluída no álcool, a razão não tem vez. No

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segundo arranque, João desabou como um tronco podre sobre uma poça de lama. Ali ele ficou alguns segundos, com a face mergulhada na sujeira, sem forças para se levantar. Subitamente, ele percebeu que alguém se aproximava. Teve medo a princípio, mas com dificuldade conseguiu enxergar a roupa do passante. "Uma batina! Estou salvo! Por certo o bom padre vai querer ajudar um cristão", pensou o cínico pinguço. De fato, o monge chegou mais perto e lhe estendeu a mão. - Deus lhe abençoe, reverendo. O senhor veio em boa hora para tirar desse atoleiro uma alma perdida. Dizendo isso, João beijou as mãos do padre, que eram frias como as de um cadáver. Neste instante, o medo começou a consumir-lhe as entranhas. Quando se colocou de pé, viu diante de que entidade macabra estava. O padre não tinha cabeça e do pescoço brotava uma luminosidade azulada! Diante de tão insólita visão, o pobre ébrio ficou imediatamente curado da embriaguez e saiu em disparada, berrando como um recémnascido. Chegou em casa em poucos minutos e nunca mais foi o mesmo. Largou a bebida e o jogo, tornou-se pastor evangélico e, até hoje, cultiva uma curiosa fobia a padres e outros religiosos católicos.

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A Profecia do Padre Por Breno Oliveira É sábado de manhã. Três jovens amigos se preparam para uma aventura que, de tão estranha e absurda para a sociedade, para eles é mais natural e envolvente possível. Claro que seus amigos consideram essas aventuras muito jocosas, dignas de risadas, já que ninguém em sã consciência vai sair da cidade para ir a uma floresta desvendar um mistério de um fantasma que aparece durante a madrugada. Mas os três amigos o farão. Desde pequenos, sempre tiveram atração pelo sobrenatural, apesar de os outros amigos só gostarem de jogar bola e ler revistas de videogames. Mas agora é diferente, já que cresceram e seus amigos intolerantes se tornaram mais condescendentes, apesar de céticos. Avicena recebe um telefonema de seu amigo Balduino. Eles conversam sobre a aventura de hoje. Baldo alerta a Avicena sobre a dificuldade do caminho, dizendo ser muito pedregoso e cheio de arbustos espinhosos. Mas Avicena não liga pra isso. Ele, assim como Balduino, quer ter a chance de tornar suas aptidões da infância pragmáticas. Querem enfrentar essa aventura que consideram emocionante, já que faz parte de uma lenda popular: dizem que, na floresta que fica lá em cima no morro, onde se localiza uma capela abandonada, aparece um fantasma de um padre que morrera há muito tempo. O povo não confirma a veracidade, mas os mais antigos dizem que seus pais já presenciaram esse fantasma que, segundo a lenda, ajuda a desvendar mistérios. Avicena combinou com Balduino que passariam na casa de Antônio Conselheiro lá pela tarde, quando acabava o movimento da feira da praça. Sim, porque eles teriam de levar objetos com os quais a população nunca os vira. Facão, machado e até mesmo

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uma cruz, por ideia do excêntrico Conselheiro, estavam entre esses objetos Apesar de maiores de idade, ambos com 21 anos, não possuíam carros, e por isso teriam de levar no tranco mesmo, ou seja, na mão. Por isso, tinham de ter cautela para não serem chamados de loucos. Cinco da tarde. Como o combinado, passaram na casa de Conselheiro para seguirem caminho. Mas antes, como sentisse que algo estava para acontecer, Conselheiro mandou que fizessem uma reza. Porém, algo estava acontecendo durante a prece: uma força invisível marcou o pulso de Conselheiro com o símbolo “666”. Com um desespero terrível, Conselheiro, sem sentir dor, perguntou aos outros o que estava acontecendo e o que significava aqueles seis. Avicena, que tinha conhecimentos sobre manifestação demoníaca, disse que se tratava do número da besta. Apesar de abalados, foram seguir seu destino. Carregados de todo tipo de objetos, iam seguindo caminho em direção à floresta que ficava a dois quilômetros da cidade. Para espantar o medo daquela manifestação inaudita, conversavam sobre outras coisas; sobre os tempos em que tinham medo do sobrenatural e até sobre o aspecto sombrio daquela capela de pedras e portas de jacarandá que ficava lá em cima do monte. Começaram a subir o morro. A princípio, a subida era de certo modo fácil, pois, apesar das pedras, as árvores lhes davam chance de uma tranquila subida. Mas depois, a subida começou a ficar mais laboriosa, já que as árvores começaram a se fechar e o clima de apreensão tomou conta daqueles jovens que sempre tiveram vontade de ver um fantasma. Como se fosse um mau agouro, um pássaro negro enorme passou voando sobre eles, soltando seu assobio sombrio em meio àquela paisagem desoladora, cujo som predominante era o do vento - parecia que os outros pássaros

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preferiam viver a muitos quilômetros de distância daquele monte amaldiçoado por forças invisíveis. Por fim, chegaram à capela. A princípio, parecia apenas uma pequena igreja de pedras abandonada ali na ponta daquele monte. À frente, viam-se marcas de ceras de velas que pareciam estar ali há muito tempo; manchas verdes de umidade na pequena calçada e nas paredes da capela, mostrando o quanto ela está abandonada. Atrás, havia um pequeno cercado de ferro com o mesmo perímetro da igreja, onde se viam mato, uma cruz de madeira, castiçais enferrujados e uma coisa que lhes chamou atenção: um manuscrito muito velho. Apesar do estado deteriorado do papel, conseguiram ler seu conteúdo e ficaram ao mesmo tempo assustados e fascinados. No manuscrito estava assim escrito com estas letras: “Senhor, que o mal que nos assola se esvaia sobre sua bondade infinita. Rezemos, meu povo; sejamos soldados divinos em combate com mal, sob o reinado e ordens do Senhor. Amém.” Após a leitura do manuscrito, um vento forte e gélido os arrepiou. Ficaram com medo e tentaram abrir a pesada porta de jacarandá da igreja. Conseguiram arrombá-la com facilidade, pois parece que o tempo tornou aquela igreja muito frágil. Quando adentraram na igreja, estava lá, no altar, de costas para as velhas cadeiras da igreja, como se estivesse rezando uma missa para mortos, um padre vestido de branco, com um turbante vermelho. Mas somente Conselheiro via o padre. Perguntou quem era. Quando o padre virou para o rapaz teve um choque tão grande, que quase desmaiou. Balduino e Avicena não estavam entendo o que estava acontecendo com Conselheiro. Mas quando este lhes disse o que ocorria, ficaram apreensivos com a possibilidade desse padre os trancar naquela igreja. Mas o padre apenas falou, e desta vez até Balduino e Avicena

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conseguiram perceber aquele ser do outro mundo. O padre falou todo o conteúdo do manuscrito e depois disse: - Meus jovens, há muito tempo, desde quando era padre desta velha igreja, venho tentando, após a minha morte, anunciar um padre que estaria possuído pelo demônio e que seria padre de sua cidade no século XX. Graças ao Senhor, vocês estão aqui. Vão, corram à sua cidade e denunciem o pároco, pois ele está possuído pelo demônio e está molestando as fiéis. Após falar isso, sua imagem sumiu da vista de Conselheiro. Os três saíram correndo daquela igreja e, quando se distanciaram dela, uma grande explosão a consumiu. Foram para a cidade e denunciaram o padre que foi preso e exorcizado na cadeia mesmo. Porque ficava inconsciente quando atacava suas vítimas, pois estava possuído pelo demônio, acabou sendo libertado. E assim a lenda virou realidade, e a antiga profecia se concretizou.

Morador Invisível Quando eu era criança, meu pai adorava contar histórias de “trancoso” e “malassobros” da cidade de Amaragi, distante alguns quilômetros do Recife. Nasceu e se criou por lá e não esquece das coisas estranhas que aconteceram diversas vezes, numa casa em que a família dele morava. Contava que, certa vez, ele e meu avô estavam no quarto - meu pai sentado na beira da cama, meu avô deitado - e minha avó na sala lendo um livro. Nesta época, as luzes da cidade se apagavam às dez da noite e a única opção era a luz do candeeiro. Num determinado

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momento, na escuridão da noite, papai ouviu os passos arrastados de uma pessoa que veio da sala para o quarto e parou exatamente na sua frente. Ele sentiu a presença de alguém, mas quando levantou os olhos para tentar enxergar quem era, não havia ninguém. Meu avô que estava deitado, também ouviu aqueles passos pesados. Vendo que a luz do candeeiro continuava acesa na sala, meu avô já temendo a resposta, perguntou a minha avó se ela tinha ido no quarto e parado bem ali pertinho de meu pai. Para medo e espanto dos dois, ela disse que não tinha nem levantado da cadeira! Meu pai disse que percebendo que aquela presença não era deste mundo, sentiu um arrepio cruel tomar o seu corpo e, num ato de pavor, pulou para junto do meu avô e se cobriu dos pés à cabeça. Papai também contava que, uma noite, minha avó acordou e viu meu avô na porta que dava pra cozinha, com uma arma na mão, afirmando que um ladrão havia entrado na casa e estava na cozinha, mexendo em tudo. Minha avó também ouviu o barulho de objetos sendo revirados. Nesta hora meu avô preparou a arma e pediu que ela abrisse a porta de vez. Mas, para a surpresa dos dois, quando a porta foi aberta, não havia ninguém e tudo estava na mais perfeita ordem. Depois de outros acontecimentos estranhos, a conclusão que chegaram foi que além da família, a casa tinha mais um morador que eles não podiam ver, mas podiam sentir sua presença e ouvir seus passos durante a noite. Até hoje meu pai se arrepia ao lembrar dessas experiências que passou e tem certeza que aquele morador do outro mundo continua lá naquela casa, pois ninguém conseguiu morar lá por muito tempo. Contado por Erika Gomes

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Quase Afogamento Eu morava em Piedade – em Jaboatão, próximo ao Recife - com meus pais, e deveria ter uns oito anos. Não recordo muito bem, mas meu irmão também era pequeno. Como morávamos bem próximo à praia, íamos sempre que podíamos. Era dia de semana e meu pai estava trabalhando. Minha mãe havia me levado para a praia enquanto meu irmão estava com a moça que trabalhava de doméstica lá em casa. Como o sol estava meio alto a moça ficou cuidando dele. Eu adorava nadar. Sempre ia contra as recomendações de minha mãe de não ir muito fundo, pois aquele trecho tinha correnteza forte. Neste dia, nadei para o fundo onde meus pés já quase não tocavam o chão. Como eu tinha aulas de natação no antigo Boa Viagem Praia clube, me achava imbatível. Ledo engano. A correnteza me puxou bastante, a ponto de não conseguir mais nadar, e afundei. Dava para ver a luz do sol debaixo d'água, e por mais que eu tentasse nadar a correnteza me vencia. Quando finalmente cansei, senti alguém me erguendo para a superfície e facilmente me levando para a margem. Suave como num sonho. Era um rapaz jovem, sem nenhum traço marcante. Nunca esqueci suas palavras ao me salvar: - Tudo bem? Não vá mais para o fundo. Na próxima vez ouça sua mãe! E mergulhou de volta ao mar. Imediatamente corri para minha mãe que calmamente passava bloqueador solar. - Mãe! Quase me afoguei e o moço me salvou!

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- Eu te avisei, não foi? Cadê o rapaz? Deixe-me falar com ele! - Ele entrou na água, mãe! Minha mãe olhou bastante o procurando e nada mais disse. Juntou nossas coisas e fomos embora. Imaginando que fosse algum tipo de punição por minha desobediência, resignei-me em silêncio. Dias depois comentei com ela o fato de termos ido tão cedo sem falar com meu salvador. O que ela me disse me perturba até hoje: - Mas não havia ninguém nadando de onde você veio. Era dia de semana e o trecho onde estávamos era deserto – só a gente estava lá. Não fiquei preocupada com você tomando banho justamente porque você entrou sozinho e saiu sozinho. Foi exatamente assim que aconteceu. Eu mesmo custo a acreditar, às vezes. Testemunho de Lázaro Júnior

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A Mulher do Ferro Eu vivi numa casa onde, há muito tempo, morava uma mulher que teve uma morte horrível. Certo dia, ela foi passar ferro na roupa, mas levou um choque muito grande e o ferro acabou queimando o rosto da coitada – só não sei dizer exatamente como. Várias pessoas moraram lá depois disso, mas todas saíram se queixando de estranhos acontecimentos. Houve uma família que foi viver na casa e o filho mais novo do casal começou a apresentar uma doença que não passava. Ele dormia no quarto no qual a tal mulher morreu. Os pais souberam dessa história e resolveram se mudar: só assim o menino melhorou. Depois a minha família foi morar lá. Meu tio, quando ainda era criança, teve a mesma coisa: ficou doente, muito magro e não queria comer nada. Minha avó quase ficou louca! Mas, depois, ele acabou melhorando. Contudo, esse não foi o único tipo de ocorrência macabra naquela casa. Eu, por exemplo, fui testemunha de uma aparição. Uma vez, uma amiga minha foi passar a noite conosco. Já tarde, fomos pegar um lanche lá na cozinha, quando minha amiga viu alguma coisa e ficou gritando, quase chorando. Quando olhei para trás, vi uma mulher com um rosto todo deformado - como se tivesse sido queimado -, com uma roupa toda rasgada e cabelos arrepiados. O medo foi tanto, que eu só queria entrar dentro da geladeira! E muitos outros sustos ocorreram. Mesmo quando a mulher não aparecia, fazia alguma coisa para nos prejudicar e amedrontar. Por isso nós saímos da casa... Relato de Suzy Evellyn

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A Mendiga Alguns anos atrás, eu e minha esposa tínhamos acabado de sair da casa da minha cunhada que ficava próxima ao Batalhão de Rádio Patrulha - no bairro da Boa vista, no Recife – quando ocorreu uma coisa arrepiante. Era muito cedo, umas seis horas da manhã de um domingo, quando paramos no sinal vermelho do cruzamento da Rua Dom Bosco com a Avenida Conde da Boa Vista. Não havia carros ao nosso redor. E ficamos a conversar quando, subitamente, uma senhora surgiu ao lado da minha janela pedindo uma esmola. Eu observei o rosto dela, o que me deixou bastante agoniado: ela demonstrava tamanha aflição que, sem hesitar, eu e minha esposa procuramos alguma moeda. Ao conseguirmos, o sinal abriu rapidamente coloquei nas mãos dela, dei partida no carro. Ao passar pelo cruzamento, minha esposa olhou para trás e não viu ninguém na esquina! Verifiquei pelo retrovisor e, para meu espanto, ninguém estava no sinal pedindo esmola. O que vimos, deve ter sido um espírito angustiado de uma pedinte extremamente necessitada. Será que alguém também presenciou esta figura fantasmagórica? Relato de Raimundo Godoy

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Ladeira Assombrada

Há uns 15 anos eu, minha ex-namorada e minha ex-cunhada resolvemos passear no Alto da Sé, em Olinda, numa noite do meio da semana. Estávamos de férias e queríamos nos divertir um pouco, embora o tempo estivesse um pouco chuvoso. Deixamos o carro em frente ao Clube Atlântico e caminhamos pela rua Prudente de Morais. Seguimos pelos Quatro Cantos e chegarmos ao final da rua, onde há uma escola de música. Dobramos à direita e passamos em frente ao famoso "Pau-do-índio". Os minutos se arrastavam com a conversa animada e a falta de compromisso. Sem pressa, finalmente chegamos ao Alto da Sé. A chuva, que até então era só chuvisco, começou a engrossar e passou disso para um temporal raro de se ver no Recife ou em Olinda. Muito trovão e relâmpago, além de um vento que não nos deixou muita alternativa senão tentar nos espremermos sob uma das marquises da igreja que existe no topo da Ladeira da Misericórdia. Passado algum tempo, tivemos certeza que a idéia de ir para o Alto da Sé naquela noite tinha sido absolutamente equivocada. Molhados feito pintos, resolvemos nos recolher à nossa insignificância diante daquele fenômeno da natureza e partirmos para a volta. Como o carro estava parado na frente do Clube Atlântico, resolvemos descer pelo lado oposto pelo qual havíamos subido. Então nos dirigimos à Ladeira de São Francisco, mesmo com o céu desabando. Estamos completamente ensopados e apressados, pois não havia absolutamente ninguém nas ruas. Bem, foi ai que, ao olharmos para frente - a cerca de uns 50 metros à nossa direita - vimos uma freira vestida de preto, com um guarda

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chuvas, parada na calçada em frente a um dos antigos casarões da ladeira. Não podíamos acreditar naquela cena surreal. Que diabos aquela freira estava fazendo sozinha, segurando um guarda-chuvas no meio da ladeira, numa noite daquelas? Imaginamos que ela deveria estar pensando o mesmo de nós e, para a nossa surpresa, ao passarmos ela nem sequer nos olhou, continuando de costas. No exato momento que passamos por aquela figura, eu disse para a minha ex-cunhada: - Não olha pra trás que essa freira sumiu! Eu estava tentando bancar o engraçado. Porém, minha cunhada se virou de supetão e exclamou: - Sumiu!!!! Ela sumiu!!!! Quando nos viramos para trás e não vimos a freira, “desabalamos” numa carreira que só terminou dentro do meu querido fusca, na frente do Clube Atlântico. Detalhe: apesar de ter passado na frente do Pau-do-índio, naquela noite eu não havia bebido nada! Relato de Anderson Rocha

Aparição na Praia Existe uma lenda na Praia de Suape, no município do Cabo de Santo Agostinho - em Pernambuco -, de uma noiva que foi morta no dia da lua-de-mel. Segundo contam, o marido matou a mulher usando uma barra de ferro. Ela ainda estava vestida de branco quando sofreu a agressão. Dizem também que o motivo do crime foi a descoberto uma

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traição dela. Desde então, existem relatos sobre a "Mulher de Branco" que aparece em locais inesperados na vila de pescadores do lugar. A história que vou relatar aconteceu há uns dez anos. Numa noite de lua cheia, estávamos todos reunidos na beira da praia. Éramos seis pessoas. Olhávamos o mar e conversávamos quando, de repente, uma forma branca atravessou de um barco para o outro andando por cima da água. A aparição fazia um barulho muito alto, assustador, como um chiado. Poderíamos dizer também que era como algo sendo arrastado, talvez um véu de noiva. Ficamos paralisados, em silêncio. Até hoje ninguém comentou o assunto. Como um pacto de silêncio diante do sobrenatural. Testemunho de Tiago Martins

Bicho no Quintal Um dia, na casa de uma velha amiga, estávamos a falar de “histórias de medo”, quando a mãe dela entrou no quarto, muito agitada, e disse que “não devíamos brincar com aquilo”; e, em lágrimas, nos contou um fato assustador. Quando minha amiga era pequena, naquele mesmo bairro onde morava, as casas eram poucas e muito separadas uma das outras por imensos capinzais. Certa noite, a mãe dela tinha feito uma sopa e minha colega se recusou a tomar. A mãe, muito brava, puxou a menina com força e, abrindo a porta da cozinha, disse:

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- Se você não comer tudo, foi deixá-la lá fora. A única iluminação da casa era a luz da cozinha que estava acesa naquele momento. Quando mãe e filha olharam para fora, viram um bicho enorme, parecido com um lobo, só que muito maior. Tinha olhos vermelhos e a boca espumava, mostrando os dentes! A mãe não pensou duas vezes: puxou a menina de volta e trancou a porta. Ela correu e colocou óleo para esquentar no fogão, imaginando lançar no tal monstro, caso ele tentasse entrar. Botou mesas e cadeiras nas portas e começou a rezar. O bicho uivava muito e a menina chorava sem parar. A criatura andou em volta da casa e, depois de uma hora, foi embora. A mãe de minha amiga acredita que era um lobisomem sim, e agradece por ele não ter entrado na residência. Até hoje, ambas não saem em noite de lua cheia, com medo de rever o tal bicho. Sendo verdade ou não, eu prefiro também não me arriscar. Afinal, moro no mesmo bairro que elas. Contado por uma visitante que identifica como Kelly

Loira da Figueira Nas férias, eu vinha dirigindo na estrada quando começou a escurecer e parei numa vendinha à beira da pista para tomar um café. Enquanto me servia, o dono da venda me disse que era muito perigoso viajar à noite por aquelas bandas por causa da Loira da Figueira.

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Não liguei muito para aquela conversa e segui viagem. Umas duas horas depois, vi, embaixo de uma figueira no acostamento, uma loira toda vestida de branco. Lembrei na mesma hora do que o dono da venda tinha dito, acelerei assustado e olhei pelo retrovisor... ela não estava mais lá! No mesmo instante, senti uma mão gelada na minha perna. Olhei para o banco ao meu lado e lá estava a loira sorrindo para mim! Ela disse: Geraaaaaallldoooooo!!!!! Com o susto, bati o carro no barranco, o vaículo capotou e eu desmaiei. Acordei no hospital, com soro no braço e gesso numa das pernas. Um minuto depois, entrou no meu quarto o médico acompanhado de uma enfermeira. E adivinhem quem era a enfermeira? A Loira da Figueira... ou alguém que se parecia muito com ela! Contado por um visitante que se identifica apenas como Geraldo

O Corte de Pano Este fato ocorreu com minha mãe, quando ela tinha cerca de sete anos. No lugar onde mamãe residia com meus avós, havia um senhor que morava sozinho, numa casa próxima. Esse velho dava muitas coisas, como brinquedos e bonecas, para minha mãe. Uma vez, ele prometeu dar a ela um corte de pano, para ela fazer roupas para as suas bonecas. Mas antes de dar o pano, ele faleceu. Passou-se muito tempo após sua morte e todos já tinham esquecido da promessa que o velho tinha feito. Mas, um dia, minha mãe

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brincava com suas coisas no quarto quando, de repente, apareceu esse velho com um pedaço de pano na mão! A aparição se repetiu muitas vezes e minha mãe nunca aceitava, pois sabia que o velho já tinha morrido. Todos os dias, quando minha ela estava sozinha, o fantasma aparecia com oferecendo o tecido. Até que um dia, minha avó viu a cena e resolveu pedir ajuda a uma benzedeira. Ela aconselhou minha avó a, quando o velho aparecesse, dizer que a menina não queria mais o corte de pano. E foi isso que minha avó fez na hora que ele apareceu novamente. Depois disso, o fantasma nunca mais apareceu novamente. De um leitor que se assina apenas como Carlos

Perdidos na Mata Certa vez, estávamos eu, minhas irmãs e uns amigos seguindo uma trilha num caminho próximo à praia de Suape – no município do Cabo de Santo Agostinho. De repente, percebemos que estávamos dentro de uma pequena mata, mais ou menos fechada. Naquele momento eu fiz o seguinte comentário: - Se a “Cumade Fulozinha” estiver por aqui, vamos nos perder fácil! Todos olharam pra mim com ar de repreensão. Foi aí que comecei a perceber que não sabíamos onde encontrar a saída. Era estranho, porque conhecíamos aquilo tudo muito bem.

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Estava chegando as quatro da tarde e logo o sol iria se pôr. Essa era a preocupação de minhas irmãs, pois já começava a ficar escuro. Continuamos a caminhar, quando notamos uma senhora - saída ninguém soube de onde - andando com passos firmes e meio que apressada. Ela não olhou pra gente. Apenas surgiu em nossa frente, caminhando sem nos direcionar o rosto. Naquele momento, o que queríamos era sair dali. Então resolvemos seguir a tal senhora. Fomos atrás dela por um tempo e, durante a “perseguição”, ela sequer olhava pra trás. Caminhava cada vez mais rápido. Não tinha como olharmos seu rosto. Já se aproximava as cinco da tarde, quando ela entrou num caminho mais estreito. Nós apertamos os passos porque não poderíamos perde-la de vista. Mas ela sumiu quando entrou naquele caminho! Assustados, seguimos a trilha, mesmo sem encontrar mais a senhora. Foi quando demos de cara com um muro. Que alívio. Encontramos uma referência pelo menos... Contudo, quando pulamos o muro, levamos um baita susto! Estávamos no cemitério de uma comunidade próxima à praia, chamada Nazaré. Atravessamos o cemitério e conseguimos achar o caminho. Apesar de não sabermos até hoje quem era aquela senhora, o fato é que ela nos ajudou a encontrar nosso caminho de volta. Temos certeza que era um espírito da mata, que saiu de lá para nos socorrer. Contado por André Agostinho

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A Namorada do Além João Henrique era o nome de um ajudante de obras que residia no bairro de Casa Amarela, no Recife. Todos os dias, ao sair do trabalho, ele avistava uma moça que, nessa hora, sempre ficava na janela de uma casa próxima ao local. Em um desses dias, o ajudante de construção resolveu parar para conversar com a bela moça. A paquera rendeu e os dois marcaram um encontro. Daí em diante, eles saíram juntos durante uma semana. E, quando chegou o sábado, João Henrique também foi buscar a moça. Mas se deparou com a casa onde ela morava aos pedaços, completamente destruída. Desesperado, ele procurou os vizinhos para saber o que havia acontecido. E estes disseram ao rapaz: - A moça de quem você está falando morreu há mais de 30 anos! Moral da história: João Henrique estava se apaixonando e saindo com o espírito da moça que assombrava aquela casa... Contado por Anibal Guimarães

A Figura de Chapéu Vou relatar aqui um fato real que aconteceu com a minha madrinha tempos atrás. Vou chamá-la de Neném! Isto ocorreu quando ela tinha sete anos de idade.

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Certa vez, Neném caminhando pela mata que ficava perto de sua casa, lá na Paraíba. Iam ela e suas irmãs mais novas, Nanci e Biba. As meninas precisavam andar muito pela mata para chegar ao rio onde mãe delas lavava as roupas - pois ainda era aquele tempo em que as roupas eram lavadas em um rio ou lago. Neném e suas pequenas irmãs estavam caminhando por uma estradinha estreita de terra e muito deserta. Andavam com pressa e caladas, a não ser pelo choro da mais novinha, Biba, que estava perturbada desde que entraram naquele caminho. Neném olhava para todos os lados, zelando pela segurança das irmãzinhas, quando foi surpreendida por uma figura de estranha: um velho usando um enorme chapéu de palha na cabeça. Ele cantava, bem baixinho, uma toada antiga e assustadora! Minha madrinha sentiu vontade de rir naquele exato momento, pois, na cabeça de uma criança de sete anos de idade, o tal sujeito só podia ser doido. Porém, quando as meninas passaram do lado da figura, o velho desapareceu, deixando um odor putrefato no ar! Neném desmaiou e demorou a voltar a si. Depois disso, ela perguntou a suas irmãs sobre o acontecido e elas a disseram que não viram absolutamente nada - só se alarmaram quando a mais velha caiu repentinamente no meio da estrada! Daí em diante, todas juraram que nunca passariam de novo pela aquela estrada maldita! Costumo contar essa história a meus amigos, que raras vezes acreditam nela. Mas eles não deviam duvidar, pois, algum dia, podem encontrar a tal “figura de chapéu”. Contado por Camila Muniz

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A Vizinha Numa casa de subúrbio do Recife, morava Neide com a filha e o marido. Ao lado, residia sozinha Dona Alair, senhora já bem idosa e extremamente dependente, que sempre se valia dos favores da vizinhança. Ela tinha muita simpatia e carinho por Neide. Certa manhã, Neide, acordou cedo, fez o almoço e depois, lá pelas onze horas, com as tarefas do lar cumpridas, se deitou um pouquinho para descansar. Estava no quarto ao lado da sala de estar, onde pode ouvir quando alguém bateu à sua porta. A filha dela atendeu. Pela voz, Neide pode reconhecer que se tratava de Dona Alair. A velha dizia que vinha dar adeus, pois faria uma viagem. A moça respondeu que sua mãe estava dormindo e Neide, ainda pensou lá do quarto: - O que ela vai pensar de mim... dormindo até esta hora? Então, a velha senhora despediu-se e se foi. Ao cair a tarde, Neide foi até à padaria e, no caminho, notou alguns comentários isolados pela rua. Intrigada, perguntou ao padeiro do que se tratava. O padeiro respondeu com uma pergunta admirada: - Ué, você não vai ver Dona Alair? - Ver por que? Ela esteve lá em casa hoje às onze horas da manhã. O que aconteceu? O padeiro, com os olhos esbugalhados respondeu: - Como? Ela morreu hoje bem cedo, a caminho da missa das sete da manhã. Contado por Maria das Graças Bastos Vianna

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A Segunda Velhinha Após a morte do meu avô, todos os domingos íamos à missa no cemitério de Santo Amaro, no Recife. Depois da cerimônia, íamos à sepultura de meu avô para que minha tia limpasse tudo e pusesse novas velas. Ao lado da sepultura de vovô, sempre estavam duas senhoras também cuidando do lugar onde algum parente delas estava enterrado. Meu pai costumava conversar com uma das senhoras, enquanto a outra fazia o serviço. A minha lembrança dessa mulher é vaga, pois tinha uns sete ou oito anos naquela época. Mas a velhota sempre me cumprimentava e passava a mão na minha cabeça, enquanto conversava com meu pai. Certo domingo, essa tal mulher não estava no cemitério. Meu pai prontamente se dirigiu à outra senhora e perguntou pela amiga. Então a mulher falou assustada: - Não tem outra pessoa: há mais de dez anos que venho por flores e limpar o túmulo de minha irmã! E mostrou-lhe a foto da finada. Meu pai identificou logo o rosto daquela simpática senhora que sempre conversava com ele... Relato de Júlio Melo

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.Caçada

na Sexta-feira Santa

Sexta-feira Santa é dia sagrado, deve-se respeitar. Mas Toninho Gigante era mesmo descrente de tudo: zombava e fazia pouco caso. E, naquela sexta, decidiu caçar. Todos o advertiram sobre tamanho pecado. Contudo, Toninho nem se importou e lá se foi à caçada. Chegando à mata, percebeu que o silêncio tomava conta do lugar. Nem um passarinho se ouvia, nem um animal aparecia. Não se escutava se quer o vento a bater nos galhos das árvores. De repente, a surpresa! Uma paca saiu alvoroçada de dentro da floresta. O rapaz, no seu entusiasmo, engatilhou a arma e "BUM!": acertou bem na cabeça do animal. Foi quando o bicho se virou para trás e falou: - Não doeu nem um pouquinho! E sumiu mata à dentro, endemoniada. Toninho entrou em pânico! Correu, correu, deixando tudo para trás. Ao chegar à cidade, não se conteve, e ficou a contar o fato, já quase não podendo falar, tamanho o seu desespero e arrependimento. Mas nem todos se dispuseram a acreditar. Dizem que Toninho enlouqueceu, e até hoje, se encontra, no Recife, a contar o caso, sem cessar. Contado por Maria das Graças Bastos Vianna

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A Morte do Compadre Pobre Certa vez, um compadre pobre devia ao seu compadre rico a importância de quatro vinténs. Como o compadre pobre não tinha a menor possibilidade de pagar a dívida ao seu compadre rico, ele combinou com sua esposa que ele iria morrer de mentirinha para que o seu compadre perdoasse o débito. Pediu a sua esposa que, depois morto de mentirinha, o colocasse dentro do cemitério e o deixasse sozinho. O compadre rico, sabendo do “falecimento”, ficou muito irritado. Ao invés esquecer o dinheiro devido, foi para o cemitério para rasgar a mortalha do seu compadre: assim, ficaria quite com o defunto. Para perpetrar sua vingança infame, ele ficou escondido atrás do portão do cemitério. De repente, chegaram ao local três ladrões. Foram aproveitar a luz das velas do morto para repartir o que eles tinham roubado. Quando terminaram a partilha do dinheiro, começaram discutir sobre a como seria a divisão de uma espada que também tinha sido surrupiada pela quadrilha. Um dos ladrões dispensou a sua parte no lucro da espada e o outro propôs um acordo ao companheiro que sobrou: - Te darei a minha parte se você enfiar a espada no traseiro deste defunto. Ouvindo isso, defunto - morto de mentirinha - levantou do caixão e disse: - Em mim vocês não vão enfiar nada!

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Em pânico, os ladrões saíram correndo e deixaram todo o dinheiro junto ao defunto. Vendo a cena, o compadre rico pulou do seu esconderijo e gritou bem alto: - Compadre, paga pelo menos os meus quatro vinténs! Os ladrões escutaram a gritaria e entraram logo em acordo: - Não vamos voltar lá! A briga da “defuntada” é grande e o dinheiro não tá dando pra quem quer... Contado por Aldemi Escobar de Matos

A Cobra Falou Este fato aconteceu com a minha prima, Elaine. Morávamos eu, minha avó e ela. Como a minha avó não podia fazer as coisas só, minha prima a ajudava. Um certo dia, estávamos os três em casa, quando a minha prima avisou para nós que iria fazer o jantar. Foi em direção à cozinha e ficou por lá fazendo a comida. De repente, ela ouviu uma voz - a voz de um homem a chamando: “Elaine, Elaine.” Minha prima, muito medrosa como sempre foi, ficou muito assustada, mas continuou fazendo a comida. Mas a voz insistiu: “Elaine, Elaine”. Quando ela olhou pela porta que dava para quintal – aquele tipo porta que abre em cima e embaixo - Elaine viu uma coisa muito estranha: lá estava uma cobra, na posição de dar um bote. Elaine saiu correndo e chamou uma senhora que morava junto à nossa casa. Era uma aquelas mulheres que benzia o povo. Ela chegou

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lá e a cobra estava do mesmo jeito, pronta para atacar. A “rezadeira” começou a fazer suas preces quando, de repente, a cobra deu um bote nela! Mas a mulher conseguiu se desviar e continuou sua reza. Após muito tempo, a cobra voltou para o mato. Depois a mesma mulher disse que alguns anos antes, na casa onde vivíamos, uma garota com aproximadamente 20 a 21 anos estava fazendo comida na mesma cozinha, quando uma cobra a chamou e deu-lhe um bote. Essa garota morreu. A rezadeira não soube explicar qual a origem daquele diabólico animal. Testemunho de Tiago Matos

Dica do Além Certa noite, eu caminhava pelas margens do rio Capibaribe, na Vila de Santa Luzia, no bairro da Torre - no Recife -, tentando achar um lugar bom para pescar. Foi quando um senhor, que surgiu do nada, me indicou uma área boa para jogar minha tarrafa. Disse que certamente eu teria uma noite bem produtiva. Não deu outra! Nesta noite pesquei em grande abundância. Ao amanhecer, como de costume, fui à praça do Derby tentar vender meus peixes. Entretanto, "a maré não estava pra peixe" e, durante quase todo o dia, eu não tinha vendido nada. Então, me apareceu um cidadão de bigode, com boa cabeleira e aparentando seus 25 anos, onde o mesmo indicava-me uma casa, afirmando que a moradora queria compras peixes.

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Chegando nesta residência, fui atendido por uma senhora que logo afirmou: "Você caiu do céu! Como sabia que eu queria compras peixe?" Então, meio sem jeito, já dentro da casa, respondi: "Bom, senhora, quem me disse que a senhora queria comprar peixes foi este rapaz do quadro, que passava na praça." A senhora, com um certo ar de ironia, começou a rir. Eu já não entendia mais nada, aí perguntei: "Por que a senhora ri? Está zombando de mim?" Ela então me respondeu que não. Pediu-me desculpas e, afirmou que o rapaz do quadro era seu o filho e, que tinha morrido há uns dez anos atrás, num acidente de carro. Confesso que fiquei estupefato e, saí correndo desesperado daquela casa pra bem longe. Testemunho de Alexandre L. de C. Neves

Aviso do Além No mês de fevereiro de 1997, eu e meus amigos combinamos de acampar na cidade de Cerro Azul, Paraná. Nessa cidade eu e meu primo promovíamos festas em um clube e por esse motivo éramos bastante conhecidos pelas pessoas do local. Eu, meu primo e dois amigos resolvemos combinar com quatro meninas da região para acamparmos num lugar chamado prainha, que era às margens de um rio onde os moradores do município costumavam se banhar.

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Para chegar nesse lugar era necessário pegar uma trilha e andar aproximadamente um quilômetro no mato para chegar ao rio. No dia do combinado, pegamos as meninas e fomos para lá. Às seis horas da tarde terminamos de armar as barracas. Quando chegou a noite fizemos uma fogueira e começamos a contar casos e histórias de fantasmas, mas as garotas, já muito assustadas, pediram para nós pararmos. Foi então que o inesperado aconteceu: um vulto branco entre as árvores vinha em nossa direção e já estava aproximadamente a uns dez metros de nós. Eu achei, no primeiro instante, que poderia ser um assaltante. Mas eis a surpresa assustadora: o homem, que aparentava uns trinta e cinco anos, estava flutuando! Todos ficamos estáticos, paralisados com a aparição. Com uma voz irônica ele disse: "Vocês não devem ficar falando essas coisas, pois vocês não estão sós hoje...digo que vocês devem desmanchar as barracas da beira do rio e armar para cima do barranco, pois senão o inesperado ocorrerá.” O espectro sumiu e um choro incontido de desespero das meninas ocupou encheu o ar. Nesse momento procurei manter a calma e fiz o que o espírito pediu. Armei as barracas para cima do barranco e cada casal entrou na sua. Passamos uma noite de horror constante, com urros, passos e todo o tipo de coisas sinistras - foi a noite mais longa da minha vida e também a mais assustadora. Quando o dia finalmente amanheceu, o rio inexplicavelmente havia subido e inundado o local onde anteriormente havíamos montado as barracas. Chamei os outros e todos ficaram admirados e felizes pelo bom aviso do além. Quando eram umas dez horas da manhã, resolvemos levantar acampamento. Quando caminhávamos já pela estrada principal paramos em uma venda, onde contamos o acontecido para o dono do estabelecimento. Ele disse que, há trinta anos, um rapaz havia morrido afogado no local e que nós não éramos os únicos a vê-lo. O comerciante revelou ainda que o local era

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realmente assombrado por maus espíritos e que esse era um espírito bom, mas que não tinha paz. E você? Ainda quer acampar na prainha? Testemunho Alfredo Peracetta Júnior

A Pedra do Bode Sempre gostei de caçadas, de passar a noite dentro da mata fazendo tocaia, e até hoje ainda é meu passa-tempo preferido. Na Região Metropolitana do Recife, há um engenho de nome Caetés, que foi, no passado, um lugar bom para a caça, mas muito temido pelos caçadores por causa de malassombros. Segundo se contava, na época da prosperidade, o senhor de engenho mandou matar muita gente por decapitação ou enterrava vivos todos os que se opunha à sua vontade. O grande erro dele foi ter mandado matar o filho de uma velha negra feiticeira da região. Ela jurou vingança e o amaldiçoou. Nas noites escuras sem luar, o maldito se transformava em um bode preto de olhos de fogo e fazia companhia aos desavisados. Muitos caçadores viram o sujeito. Ele sempre aparecia todo de preto como se fosse outro caçador. Acompanhava o colega, conversando sobre a caçada e ia diminuindo o passo, até ficar para traz. Quando o cara se virava, dava de cara com um enorme bode preto de olhos de fogo que avançava para pegar o caçador. Os mais fracos desmaiavam e só acordavam com o sol na cara.

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Hoje não há mais matas no lugar, mas a assombração continua a aparecer. Só que agora no alto de uma pedra enorme que existe na beira do caminho. Quando alguém passa pela pedra após a meia noite, aparece um bode preto que avisa: “eu vou pular, eu vou pular”. E pula encima da pessoa! O medo é tanto que muitos borram as calças. Quem acode a vítima já pergunta: “foi o bode?” E o olhar do coitado mirando a pedra diz tudo: “sim, foi o bode”. Contado por Roberto Santana

O Canavial Assombrado Numas férias de verão, eu e minhas amigas fomos passar um tempo na fazenda que meu pai tinha acabado de comprar. A propriedade era perfeita, com uma bela casa de cinco quartos e um terraço enorme. Mas havia ainda não tinha eletricidade na área, e por isso usávamos velas à noite. Da janela do nosso quarto, dava para ver os canaviais e as casas dos funcionários da fazenda. Numa dessas casas morava uma senhora de 72 anos que nasceu naquele lugar e nos contava histórias realmente assustadoras sobre fatos acontecidos por lá. Nós achávamos que a velha estava caduca e não acreditávamos em suas histórias. Porém, resolvemos tirar a prova. Ficamos uma noite inteira acordadas, esperando algo estranho acontecer. Passou-se muito tempo, nada acorreu, e decidimos ir para a cama. Quando chegamos ao nosso quarto, um vento muito frio abriu a janela e invadiu o ambiente, apagando todas as velas. No escuro, vimos que uma mulher vinha correndo do canavial, que estava em chamas, em direção à casa. Imediatamente, corremos até o canavial para ajudar

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aquela moça, que gritava desesperadamente por socorro. Quando chegamos lá, não havia nenhuma mulher e o canavial estava intacto! Voltamos aterrorizadas para o nosso quarto e ficamos lá trancadas, sem conseguir dormir. Ninguém tinha coragem de comentar o fato. No dia seguinte, fomos procurar a velha. Ela nos contou que, há muitos anos, a neta da primeira dona da fazenda saiu para brincar e demorou a voltar. No fim do dia, a criança ainda não tinha retornado e a mãe, desesperada, entrou no meio da plantação de cana em busca da menina. Por coincidência, na hora em que a mulher entrou no canavial, os empregados botaram fogo nas canas para poder limpar o terreno. Ao amanhecer, encontraram o corpo carbonizado da mãe. Até hoje, o fantasma dela vaga no local à procura de sua filha. Contado por uma leitora que se identifica como Bianca

O Cruzeiro Esta história que eu vou contar aconteceu quando eu ainda era adolescente e morava em Serra Talhada, no interior do estado de Pernambuco. Na época, eu tinha 17 anos e, como todo adolescente, gostava de com o Ceará e todos tínhamos vontade de passar um final de semana no balneário do Caldas, que fica na cidade de Barbalha, localizada no sul daquele estado. Fizemos então os preparativos para nossa aventura, porém combinamos que não iríamos ficar em hotel, pois assim poderíamos aproveitar bem as noites. Ficaríamos num lugar que chamam de "O Cruzeiro", onde durante o dia muitas pessoas costumam acampar. Dizem que, à noite, o local se torna mal assombrado.

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Tudo correu às mil maravilhas durante o dia. Nos divertimos muito no balneário e, ao entardecer, fomos ao tal Cruzeiro passar a noite. Éramos oito pessoas: quatro homens e quatro mulheres. Levamos apenas uma barraca e vários colchonetes. Fizemos uma fogueira e ficamos conversando besteira. A vista era muito bonita de lá. O céu estava limpo e a lua clareava bastante. Até então havia corrido tudo bem. Porém, o resto de nossa noite iria se transformar num pesadelo dos mais horríveis. Começamos a ouvir um barulho que vinha da mata próximo onde estávamos. Pensamos em algum animal, mas com a fogueira acesa ele não se aproximaria. Tentamos ficar calmos para não assustar as meninas, mas estávamos temerosos, pois nenhum de nós tinha trazido nenhuma espécie de arma. Foi quando minha namorada deu um grito e todos se levantaram assustados. Ela disse ter visto um homem passando na mata. Não tinha mais como manter a calma. Estávamos realmente apavorados. Para voltar ao vilarejo onde ficava o balneário, teríamos que atravessar a mata. Então resolvemos que só voltaríamos quando amanhecesse. Nesse momento começamos a ver vultos aparecerem da mata. Um, depois outro, até formar um total de dez vultos. Apontavam para nós e cochichavam palavras incompreensíveis. De repente, se viraram e voltaram para a mata. Pedimos para as meninas ficarem dentro da barraca enquanto decidíamos o que fazer. Resolvemos que dois de nós ficariam e dois iriam ver o que estava acontecendo. Foi um erro. Não deveríamos nunca ter ido atrás daqueles vultos. Eu e outro colega pegamos um pedaço de pau e seguimos com muito

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medo, mas não podíamos demonstrar. Quando entramos na mata, comecei a sentir uma fadiga nas pernas. Ouvia gritos e gemidos de desespero. Notamos vultos passando rapidamente por entre os arbustos. Perguntei quem estava lá, mas não tive resposta. De repente, vozes vindo de todas as direções nos deixaram confusos. Começamos a correr e nos perdemos uns dos outros. Maior foi minha surpresa quando uma criança de mais ou menos uns dez anos apareceu em minha frente e disse: “Por favor, nos ajude”. A criança pegou na minha mão e me levou a um local próximo onde estávamos. Sua mão era gelada. Lá chegando, vi um caminhão virado e vários corpos no chão. Fiquei sem saber o que fazer. Pedi a criança que aguardasse que eu iria pedir ajuda. Ela então se ofereceu para me levar ao acampamento. Quando cheguei, contei a todos o que eu tinha visto e decidimos pedir ajuda. A criança tinha sumido e imaginamos que ela havia voltado para o local do acidente. Quando chegamos ao vilarejo, procuramos o posto policial e contamos o que tinha acontecido. O policial deu uma risada na nossa cara. Não entendemos nada na hora, mas ele contou que há dez anos atrás um caminhão carregando dez adultos e uma criança havia virado na estrada e que ninguém sobreviveu. Desde então, muitas pessoas têm visto coisas sobrenaturais no lugar. No outro dia, resolvemos ir até o local do acidente. Lá encontramos onze cruzes e muitos restos de vela que foram acesas em memória daquelas infelizes almas. Testemunho de Edilânio Carlos

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Letras de Bronze Antigamente era muito comum se usar bronze para confeccionar os nomes, as datas e as molduras para fotos que eram colocados nas sepulturas e jazigos. Como o bronze passou a ter um valor comercial maior, o roubo dessas peças começou a tornar-se freqüente. O uso de letras em ferro cromado ou gravar as letras direto no mármore foram as soluções mais eficientes. Eu tinha uns 12 ou 13 anos quando meu avô faleceu e o cemitério principal da minha cidade era um local extremamente convidativo para um moleque metido a valente desbravar. No dia do sepultamento do meu avô, eu e um primo saímos para "explorar" o lado velho campo santo, que era bem desolado e abandonado. Sobre uma carneira (onde se guardam os ossos dos defuntos) eu encontrei algumas letras de bronze soltas. Da mão para o bolso bastou apenas um piscar de olhos. O primo me advertiu: - Deixa isso ai! Não presta tirar nada do cemitério! Eu não dei a mínima. Naquela noite, dormi muito mal. Sonhei muita coisa confusa, e entre elas, uma senhora baixa e de cabelos grisalhos, de penteado armado, me disse por mais de uma vez: - Devolve o que não é teu! Daí em diante, a senhora quase sempre aparecia nos meus sonhos, que ficavam cada vez mais estranhos. Decidi convidar o primo para ir devolver as tais letras. O arrepio foi de gelar a espinha ao chegarmos diante da sepultura de onde as peças foram tiradas. Eu vi o rosto daquela senhora estampado numa foto colada no mármore!

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Hoje estou com 32 anos e nunca mais fui até o lado velho do cemitério da cidade. Testemunho de Nerinton Marques

Medo no Quartel O que irei relatar aconteceu em um quartel do Exército no ano 1989 e até hoje toda vez que me lembro, fico arrepiado. Naquele tempo, eu era um aluno do curso de formação de sargentos que funcionava no 23 Batalhão de Caçadores, que fica em Fortaleza, Ceará. Para quem não sabe ou nunca serviu ao Exército, vai aqui uma explicação: existem os serviços de escala e quando o soldado está de serviço, ele fica vinte e quatro horas alternando-se a cada quatro horas com mais dois soldados do posto que está responsável. Pois bem: esse quartel é muito antigo, mais do que centenário, e dizem que muitas coisas já aconteceram por lá. Coisas estranhas, eu diria. Numa quarta-feira que estávamos eu e outros companheiros de serviço na guarda dos paióis, aconteceu algo que deixou todos de cabelo em pé, até quem não acreditava. Um soldado que estava no seu posto isolado, no seu quarto de hora, entre a meia-noite e duas da manhã, percebeu a aproximação de uma pessoa. Pensando se tratar do sargento rondante, mandou que o mesmo fizesse alto e lançasse a senha. Só que a pessoa continuou a aproximar-se sem obedecer à ordem.

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O soldado então carregou seu fuzil e o apontou na direção de onde vinha o elemento. Qual não foi sua surpresa ao ver nitidamente que o indivíduo já estava praticamente ao seu lado. O que ele viu foi um combatente usando fardas antigas e rasgadas, além de perceber que o mesmo vertia um líquido escuro de um ferimento grande no peito, como se tivesse levado uma machadada! O sujeito se aproximou mais do soldado, que percebeu que aquilo ali não era coisa deste mundo. O soldado desmaiou e só foi encontrado depois em estado de choque pelo verdadeiro rondante. Quem via seu aspecto logo depois do ocorrido, percebia que o recruta tinha como que envelhecido uns dez anos. O comportamento dele nunca mais foi o mesmo. O Exército solicitou um tratamento psiquiátrico sério para o rapaz, que pouco tempo depois foi licenciado por não possuir mais condições psicológicas de permanecer na força. Contado por um leitor que assina como Ricardo

Casarão em Escada Quando nos mudamos para a cidade de Escada, na zona da mata pernambucana, tudo foi diferente em nossas vidas. Acostumados que estávamos com a vida de capital, meus pais, minha irmã e eu tivemos que nos adaptar. Mas conseguimos logo fazer bons amigos e isso nos ajudou bastante. Fomos morar numa das casas destinadas aos empregados da fábrica onde meu pai trabalhava. A casa não era nova, mas também não muito velha. No quintal, chegávamos a encontrar coisas antigas, restos de construções e moedas da época do Estado Novo de Getúlio Vargas, que guardei como recordação. Em 1988,

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quando já estávamos há alguns meses morando lá, fatos estranhos começaram a acontecer. Estava eu no meu quarto estudando para uma prova de Matemática que aconteceria no dia seguinte. De tão entretida no estudo, não percebi que o dia foi caindo, foi chegando a noite e somente quando não havia mais como enxergar nada é que fui acender a luz. Pela janela do quarto ainda entrava um restinho de luz do pôr-do-sol, devia ser umas seis horas. Quando me segui para a porta do quarto, que estava aberta, para ligar o interruptor, eis que eu a vejo: Uma garotinha de mais ou menos sete anos flutuando pela frente porta, na sala. Dava para ver o seu vestido, todo cheio de babadinhos, meio balão, o cabelo liso preso e até um terço estava balançando em suas mãos. Com aquelas roupas típicas do século XIX. O seu rosto era branco, de uma consistência meio imaterial. Ai, meu Deus, que susto, era tudo o que eu menos esperava! Fiquei apavorada, comecei a gritar desesperadamente, chamando pela minha irmã. Quando ela apareceu, nem conseguia falar, só deu para pedir para que ela visse se tinha alguém na sala, mas já não tinha ninguém. As pessoas em casa, só pelo estado em que eu estava, acreditaram em mim. Mas tratei de esquecer esse fato. Tempos depois, começou a surgir um vulto estranho a qualquer hora do dia dentro de casa. Era uma sombra escura e baixa que cortava o chão, em alta velocidade. Quando isso aconteceu pela primeira vez achei engraçado, porque nessa época tínhamos adotado uma gatinha preta doente que passou a ser o nosso xodó. Pensei que era a nossa gatinha, lógico! Depois percebi que não podia ser, porque, muitas vezes, ela estava em outro lugar e a “forma” não tinha consistência, além de correr rápido demais. Passei a achar que era ilusão de ótica, de tanto ver a gata e cuidar dela, a visão se acostuma, devia ser normal.

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Depois que o pessoal de casa comentou sobre o mesmo vulto no chão, descobrimos que estava todo mundo com a mesma ilusão de ótica, que bom, não tinha nada errado. Só que um dia todos vimos o vulto de uma só vez. Ficamos bem assustados. Todo mundo com a mesma ilusão e ao mesmo tempo. Mas com o dia-a-dia, esquecemos o fato, afinal não era muito freqüente, não nos fazia mal, e, quem sabe, ainda podia ter algo a ver com a estrutura da casa, alguma fresta escondida projetando sombras. Porém, uma noite, estávamos eu, minha mãe e minha irmã na cozinha e aquilo passou bem rápido por nós. Dessa vez, a gatinha estava do nosso lado. A gata viu o vulto e deu um salto para trás! Ficou muito assustada e agressiva, miando de um jeito muito estranho, da forma que os gatos fazem para se defender. Toda arrepiada! Nessa hora resolvemos o mistério e foi um desespero, ninguém queria ficar dentro da casa mais. Na hora, minha mãe nos reuniu e fomos rezar... Passamos a fazer reuniões de oração e o vulto não mais apareceu. Mas outras coisas ainda mais estranhas ocorreram. Certa noite, eu e minha irmã a sós na sala e, de repente, uma bola de fogo enorme passa pelo teto e some em direção ao nosso quarto. Meu Deus, que susto! A gente ainda conseguiu pronunciar: “Você viu?“. Ah, alguém naquela casa queria brincar conosco! Num outro dia, minha irmã viu um ser estranho sobre o muro do quintal. Não tinha forma humana, grunhia e tinha olhos vermelhos, bem ameaçadores, diabólico mesmo. Ela gritou muito, quando chegamos ao quintal ela dizia: “Olha lá”, mas ninguém via o bicho, mas dava sim para escutar o barulho horrível que ele fazia. Cheguei a comentar com minhas colegas de escola se elas sabiam de histórias sobrenaturais por lá, e uma delas me respondeu: “Sabe, na casa de fulano outro dia o filtro de água apareceu voando.”. Os vizinhos quando perguntados nos responderam que a antiga

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moradora da casa afirmava que ela era mal-assombrada. Descobrimos que o bairro havia sido um engenho no passado. Para quem não sabe a cidade de Escada é região de usinas de açúcar. No século XIX, chegou a ser cercada por 120 engenhos e foi palco das oratórias emocionadas de Tobias Barreto em prol do fim da escravatura e dos direitos humanos. Depois soube que o próprio Tobias Barreto, quando herdou um engenho em Escada, alforriou seus escravos, um escândalo naquela época. Por isso ele foi severamente combatido pelos outros senhores de engenho. Não sei, mas aparentemente acontecimentos não muito bons aconteceram no local onde morávamos. Quem sabe, mortes não esperadas, pode ser que de alguma maneira todo aquele sofrimento da época da escravidão ainda esteja registrado no ambiente. Depois de dois anos de fenômenos nos mudamos para o Recife, mas até hoje lembramos daqueles tempos quando de um tudo acontecia em nossa casa. Testemunho de uma leitora que assina como Campos

O Blecaute O acontecimento que passo dividir a seguir com os leitores e o pessoal do site aconteceu comigo e mais um amigo meu, que aqui vou chamar de Zé, em meados de 1999, na cidade de Jacarezinho, Estado do Paraná. Eu era recém egresso da faculdade de Direito e sempre saía à noite, a pé, com meus amigos para tomar umas cervejas e conversar.

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Certa noite, após uma garoa forte, resolvi retornar sozinho para casa, pois não havia encontrado numa lanchonete os amigos que haviam combinado comigo. Estava descendo por uma das avenidas principais da cidade, que passa em frente à Faculdade de Direito. É uma avenida bem arborizada, com várias construções um tanto antigas, do início do século XX, época da fundação do município. Quando eu estava em frente ao Colégio Rui Barbosa, um prédio grande que tinha um grande gramado à frente, com árvores e uma mureta baixa, encontrei quase na esquina este meu amigo Zé, que retornava da casa de sua então namorada. Resolvemos sentar no muro baixo do colégio, em frente à avenida e ficar conversando, pois estávamos sem sono. Era perto de meia noite e a cidade já estava bem vazia - os ônibus de estudantes das faculdades da cidade já foram embora e quase não passavam carros pela avenida. Subitamente, aconteceu algo muito, mas muito estranho. Quase inverossímil. Percebemos que as luzes dos postes estavam se apagando avenida abaixo, como se um blecaute viesse caminhando em nossa direção. Olhamos acima e o mesmo acontecia, as luzes dos postes vinham se apagando também, dos dois lados da avenida, terminando por ficarem acesas somente a lâmpada de um poste quase à nossa frente, do nosso lado da rua, mais a lâmpada do poste seguinte, também do nosso lado da rua e mais uma lâmpada do poste seguinte, do outro lado da rua. O resto era breu. Uma escuridão macabra cobria onde nossos olhos enxergavam, tanto acima como abaixo desta avenida, estando nós somente iluminados por testes postes descritos. Resolvemos ficar ali mesmo, esperando voltar a energia elétrica, pois para ir embora no escuro não estava nos nossos planos. Não havia mais ninguém na rua. Percebemos, então, que alguém vinha em nossa direção saindo do breu que se instalava nas quadras abaixo de onde estávamos. No

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início, víamos apenas o vulto de uma pessoa andando devagar na escuridão, em nossa direção, do mesmo lado da avenida. Quando a figura foi chegando perto da esquina anterior, do outro lado da rua que cortava a avenida, a uns vinte metros de nós, pudemos perceber um camarada de estatura mediana, todo de preto - calças, sapatos e uma camiseta regata - meio calvo, testa grande, que olhava fixamente em nossa direção - um olhar parado, meio que em transe. Meu amigo Zé, em tom de ironia, me disse baixinho: “Só falta ser um malandro ou um drogado vindo encher o nosso saco”. O estranho é que o sujeito andava devagar, parecendo que andava, andava e não chegava. Até que atravessou a rua e aproximou-se mais em nossa direção. Foi quando aconteceu uma das coisas que mais me surpreenderam até hoje: estava o tal vindo na calçada, e ao passar entre nós - que estávamos sentados no muro - e o poste de energia elétrica quase à nossa frente, a lâmpada deste poste se apagou! Ao mesmo tempo em que isto aconteceu, o sujeito deu um grito, com uma voz bem esquisita, diria estridente, quase grunhindo: “Aaaaaahhh, eu quero trevas, eu quero trevas nesta cidade hoje”. Eu e o Zé, num primeiro momento, ficamos confusos, um olhando pro outro, sem nos mexermos - era uma sensação estranha. A única coisa que me lembro, é que eu usava um crucifixo pequeno, por baixo da camiseta e instintivamente pus a mão direita sobre ele. Não sei bem se foi um susto ou somente uma reação de defesa àquele fato inesperado. Ficamos olhando o cara, que continuava indo em frente, e dizendo coisas desconexas, tipo que “queria ver trevas naquela cidade, etc”. O Zé me disse em tom baixo: “qual é a deste louco?” E eu disse ao meu amigo: “... na boa, pode ser o que for esta criatura aí um doido, um macumbeiro, o cramulhão, o que seja - se ele passar debaixo do outro poste e apagar a luz, é melhor a gente ficar esperto porque vai ficar um breu do cão. Se o cara vier em nossa direção, a gente corre! Vai que tá armado.”

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Nisso, o sujeito esquisito parou debaixo do outro poste, mas ele não apagou. Ele virou em nossa direção e ficou dizendo uns troços que não entendi, virou-se novamente e foi andando. Continuou seu trajeto sempre em frente e nós ficamos lá dissertando o que é que poderia ser aquilo. Um louco, um cara bem sacana e corajoso que se aproveitou de uma coincidência para nos dar um susto ou uma coisa sobrenatural como tantas que eu já ouvira falar na cidade? Logo que o tal homem foi sumindo ao longe, na escuridão, as luzes voltaram, tal como tinham se apagado. E também voltaram a passar carros e pessoas a pé, o que durante todo o tempo em que aquela figura esteve às nossas vistas não acontecera. Só nos dois que presenciamos este fato narrado e esse meu amigo parece que nem foi com ele que aconteceu, pois somente eu recordo os detalhes do acontecimento. Depois do ocorrido, nunca mais vi ninguém parecido com tal sujeito naquela cidade. Morei mais dois anos lá e, sempre que retorno para ver os meus pais e amigos, ao passar em frente ao colégio, fico lembrando para ver se algum detalhe me escapou à compreensão. Testemunho de Alessandro, de Londrina

A Mulher que Virava Porco Em tempos antigos, encontrava-se na Ilha de Itamaracá – litoral norte de Pernambuco, uma figura estranha. Seu nome era Nilda, também chamada de "Mulher-que-vira-porco" pelos nativos. Ela morava em uma antiga casa à beira mar, na praia do Pilar. Vivia pescando, apanhando frutas dos coqueiros e cajueiros, ou revirando latas de lixo

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a procura de restos. O apelido um tanto estranho se devia a um boato: a mãe de Nilda teve uma séria briga com ela. Na confusão, a velha levou uma bofetada da filha. A resposta à agressão veio em forma de praga: "Enquanto você viver, vai roncar e andar de quatro como um porco, porque uma mão de filha não se estende a uma mãe. O mais imundo dos animais será tua imagem e a miséria teu destino!" Muitos afirmavam que tudo não passava de uma lorota que as mães inventavam para assustar os filhos. Mas, em noites de lua, era possível ouvir urros e grunhidos nos arredores da antiga casa. Alguns ligavam esse comportamento de Nilda a um problema mental; outros afirmavam que isso era a paga pelo ato de insulto à mãe. O fenômeno se repetia em todas as noites enluaradas, e o povo do lugar estava começando a ficar preocupado. Os pescadores têm o costume de sair cedo para o mar e, numa dessas madrugadas, quando estavam passando pelo lugar onde Nilda morava, presenciaram uma cena terrível. A mulher estava deitada no meio de um lixeiro e, segundo o relato, aos poucos foi se levantando. Seu corpo tinha assumido uma postura de animal quadrúpede; seu rosto revelava uma expressão de maldade; rugas franziam-lhe a testa enquanto a boca expelia um tipo de espuma; seus olhos estavam revirando. Repentinamente, ela "galopou" sobre os membros superiores e inferiores, produzindo sons ininteligíveis, como um ronco ou rosnado, indo rapidamente para o canto de um muro como um animal acuado. Logo após, em poucos movimentos, Nilda jogouse por cima do muro, que tinha metro e oitenta centímetros - alto demais para uma mulher de quase sessenta anos pular com facilidade. No outro dia, quando a notícia se espalhou, a prefeitura pediu para que ela fosse conduzida ao manicômio. E o que se sabe é que ela, mesmo internada e sob o efeito de remédios fortes o bastante para

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derrubar um homem, ainda passava pelas mesmas crises - fenômeno que os médicos não podiam explicar. Após algum tempo, Nilda adquiriu até o hábito de sempre andar sobre os quatro membros, como um animal. Ela morreu já faz alguns anos, mas fala-se que, ao redor de onde ficava sua antiga casa, ainda se ouvem urros e grunhidos. Seria espírito atormentado de Nilda, preso a este mundo pela praga da mãe. Contado por Sergio Marinho do Nascimento Silva

Companheira de Estudo Atualmente vivo em Guarulhos, São Paulo, mas sou pernambucana e me recordo bem de um fato sobrenatural que se passou em 2002, meu último ano de faculdade no Recife. Morava na casa do estudante, e muitas vezes, as outras meninas falavam que viam espíritos vagando pelo lugar, até mesmo por volta das seis da noite. Eu nunca acreditava. Até que, numa madrugada, me foi provado o contrário. Tinha um teste final para estudar e, na véspera, resolvi passar a noite acordada revisando o assunto. Naquela noite, todas foram dormir mais cedo e apenas eu fiquei debruçada nos livros. De repente, comecei a escutar outra pessoa estudando. Ouvi murmúrios e sons de páginas virando. Vinham da sala de telefone, que estava completamente escura. Saí de onde estava e fui averiguar. A princípio, não tive medo porque sabia que os vigilantes estavam na

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guarita fora do prédio. Mas na sala não havia ninguém, e isso fez congelar a minha alma. Voltei para a mesa e para os meus papéis. Minha "companheira de estudos" também voltou a estudar, e eu lhe disse em voz alta: - Tudo bem, pode estudar…Mas, por favor, não apareça em minha frente! Essa prova é importante, eu sei que você entende, ok? Assim passamos o resto da madrugada. Eu não me atrevi a levantar a cabeça. Ela tão pouco veio me pedir um lápis emprestado. Quando o dia clareou, ela voltou ao seu mundo e eu fui à minha prova. Não comentei com ninguém, até que alguns dias depois outra moradora ficou estudando à noite, e qual não foi sua surpresa ao escutar a voz e as páginas sendo viradas. Ela, porém, não teve a mesma empatia pela estudante fantasma e voltou correndo para o quarto. Tenho a certeza de que a minha “ex-colega fantasmagórica” ainda vai fazer companhia a muitas outras estudantes naquela universidade. Testemunho de Sandra Shirley

Pedras Voadoras I

Este fato aconteceu no bairro de Jardim Atlântico, em Olinda. Numa determinada casa, morava um homem com duas concubinas. E, certo dia, uma das mulheres morreu, dentro da residência, vítima de um disparo acidental de uma arma de fogo.

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Após alguns meses, no local começaram a acontecer fenômenos estranhos: a partir das oito da noite, pedras eram jogadas no telhado da casa e panelas voavam de lado para outro. Numa dessas ocasiões, até uma faca saiu flutuando e, no outro dia, foi encontrada embaixo da cama do dono da casa. Isso era o que me contavam, mas eu não acreditava. Até que uma noite, eu e dois amigos resolvemos tirar a prova dos nove. Às oito horas, estávamos lá conversando com o dono da casa e logo começou a chuva de pedras no telhado. O mais incrível e que uma das pedras veio do nada em direção a mim, parou no ar e caiu no chão! Prontamente, eu e um dos meus amigos saímos e ficamos observando de longe. O meu outro amigo resolveu ficar na casa e, pouco depois, sentiu algo frio tomando o corpo dele. O coitado saiu correndo pela rua, com medo e chorando muito. O que um fantasma faz, hein? Testemunho de Carlos Cezar Cavalcanti de Albuquerque

Pedras Voadoras II Este relato ouvi de minha avó, hoje com 87 anos. Conta ela que, em meados dos anos 40, quando foi morar numa certa fazenda nas proximidades de Presidente Epitácio, interior de São Paulo, deparouse com algumas coisas inexplicáveis na casa para onde se mudou.

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Na cozinha, pedras eram jogadas contra panelas, e até dentro de pratos. E por mais que se procurassem culpados de carne e osso, só eram encontrados indícios contrários a essa explicação: as pedras passavam através do telhado e das paredes! Até um padre, que teria vindo para abençoar a casa, foi expulso pelos "espíritos que ali viviam". Porém, o mais estranho era uma misteriosa luz amarelada que, todos os finais de tarde, atravessava o cafezal, indo em direção às pedras grandes que existiam nas margens do rio que cortava a propriedade. Não tinha que não tivesse medo. Mas minha avó, percebendo que suas crianças já estavam se assustando demais, resolveu tomar uma providência e foi ter com tal assombração. Perguntou o que ela queria e surpreendeu-se com a resposta: tratavase de um capataz assassinado por um peão interessado em roubar o dinheiro do pagamento dos outros empregados da fazenda. Naquelas pedras, o assassino praguejou contra a vítima quando esta agonizava. Para ter descanso, a alma penada do capataz pedia uma novena e também que fossem acessas velas na beira do rio. Minha avó atendeu aos pedidos e nunca mais o capataz pediu luz ou oração. Mesmo assim, vovó teve que se mudar da casa, pois os ataques de pedras nunca cessaram. Relato de Viviane Leão

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Maria do Forró Era noite de quinta-feira em Nossa Senhora do Ó, praia do município de Paulista, em Pernambuco. Antônio tinha saído tarde da oficina, mas ainda assim tinha fôlego para uma boa noite de farra. Foi sozinho a um forró perto ali da entrada da vila. A casa estava cheia, muita música, muita bebida, muita dança. Tomou umas cervejas e dançou com umas conhecidas suas, quando avistou uma moça muito bonita, bem branca, até um pouco pálida, de cabelos castanhos longos. Parecia bem tímida; de vestido branco, encostada sozinha numa pilastra, num canto escuro da festa. Chamou-a pra dançar. Ela resistiu um pouco; parecia assustada, surpresa mesmo com aquele convite, mas ele insistiu e ela acabou por ceder. Dançaram e conversaram bastante. Maria parecia uma moça de família, morava ali perto, um pouco antes da entrada do Ó, quase na rua do cemitério. No meio da conversa, lá pela terceira música, a moça deu um pulo e disse: - Êita; tenho que ir por causa da hora! - É cedo, disse o rapaz, um pouco decepcionado. Afinal, gostara da menina. Ela tinha algo estranho, às vezes parecia distante, mas ainda assim, tinha um jeito especial. Ela insistiu que deveria ir, porque tinha que chegar em casa antes da meia noite, de todo jeito. Para convencê-la a ficar mais, Antônio propôs o seguinte: -Tome aqui o meu relógio. Fique com ele no braço. Você controla a hora de ir. Ela aceitou. Também gostara de Antônio; bom moço, bem apessoado, trabalhador ali no Ó. Dançaram mais, conversaram mais, até que chegou a hora de ir, perto de meia noite. Antônio ainda insistiu um pouco, mas Maria disse que não havia jeito, que tinha que ir e ia

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mesmo. Ele tentou beijá-la, mas ela não deixou. Ele pediu para levá-la em casa. A pé mesmo, ali pertinho. Ela recusou. Ele insistiu, ela continuou negando. Ele acabou desistindo, porque começou a sentir algo estranho nela. Não era uma irritação, mas uma certa angústia, quase agressiva. Parecia que ela estava fazendo algo errado, e que tinha realmente que ir embora. Na saída, chovia bastante. Antônio ofereceu a Maria uma capa de chuva. Na despedida, de propósito, ele deixou que ela levasse o seu relógio, como se tivesse esquecido. Era um motivo pra que ele voltasse a vê-la. Antes de ir, ela tirou do vestido uma pequena foto três por quatro, e deu a ele. O rapaz achou aquele gesto muito bonito, gostou ainda mais da moça e a vontade de revê-la cresceu. Despediram-se. Ela logo sumiu na chuva, coberta com a capa. Na manhã seguinte, apesar de um certo aperto no coração, que acreditava ser saudade, Antônio resolveu ir à casa de Maria. Sabia onde era porque ela lhe dissera na noite anterior. Chegando a casa, bateu e esperou alguns minutos. Apareceu uma senhora com um aspecto muito triste, abatida, sofrida mesmo. - Bom dia, senhora. Vim aqui pra falar com Maria, sua filha. A velha fitou Antônio com um misto de surpresa e repúdio. - Que é isso, moço! Que brincadeira é essa. Isso não se faz com uma mãe. Ele não entendeu, mas se explicou. Disse-lhe que conhecera Maria na noite anterior, num forró, que ela lhe dissera onde morava e até tinha trazido seu relógio e sua capa de chuva. - O senhor está enganado. Não conheceu a minha filha. Antes que ele falasse novamente, ela arrematou:

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- Minha filha morreu no ano passado. Atropelada por um caminhão. Ontem fez um ano da morte dela. O senhor não conheceu a minha filha. Perturbado, Antônio gaguejou um pouco, dizendo que não era possível, que dançara com Maria na noite anterior e tudo mais. A senhora ficou nervosa, ralhou com Antônio e disse que se não acreditava nela, que fosse ao cemitério, ali mesmo no fim da rua, e procurasse por Maria. Transtornada e chorando, entrou em casa e bateu a porta com força, fazendo o sinal da cruz. Antônio ficou perplexo. Não sabia o que fazer. Só podia ser um engano. Era a casa errada? Tratava-se de outra Maria, que deveria morar ali perto. E para mostrar isso a si próprio, resolveu ir ao cemitério. Era perto e nada lhe custava. Em menos de dez minutos, procurava entre jazigos, covas, tumbas, algo com o nome da moça. Passaram-se vinte minutos e nada. Convenceu-se, então, de que havia um engano. De repente, um vento muito frio chegou em suas costas, do nada. Virou-se em direção ao vento e se deparou com algo aterrorizante. Numa lápide, pálida e triste, estava uma foto da moça, igual à foto que ele trazia na mão. Em cima do túmulo, jogados, seu relógio e sua capa de chuva. O nome da morta: Maria. Essa é uma história verídica. Foi contada a mim há cerca de vinte anos, por uma senhora hoje falecida. Relato de Rodrigo Caldas

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Jaqueta Vermelha Tudo ocorreu em Carpina, cidade da zona da mata de Pernambuco, no ano de 1970. Naquela noite, haveria um baile no Clube Lenhadores, às onze da noite. O rapaz, moreno bonito, alto, 23 anos, foi à festa vestido uma jaqueta vermelha. Encontrou com sua turma na frente do clube e entraram. Lá estavam diversas jovens querendo de dançar e. paquerar, é claro. Neste rolo, ele conhece uma tal de Fabiana - 19 anos, loira, mediana, bastante simpática - e começa a puxar papo. Ele fala para os amigos que vai sair com a garota e depois voltaria. O Casal sai do clube e fica passeando por perto. Nessa conversa, ela diz: - Faz tempo que não vou a um baile assim. Eu também tinha minha turma, mas o pessoal já se mudou daqui. Fiquei com pouquíssimas amigas. Adoro à praça todos os sábados. E você? - Não sou de estar em praça, respondeu o rapaz. Gosto de ficar em casa; só saio em festas. É difícil alguém me ver na rua. Ficaram juntos o resto da madruga. Ela pediu que a levasse em casa, e ele foi. O lugar era longe e a madrugada estava ficando fria. O rapaz emprestou à moça sua jaqueta vermelha. Ela morava num bairro bem afastado do centro. Chegaram a uma Casa amarela, de portas brancas, numero 30. Deram um tempo na frente, e ele foi embora. -Amanhã venho buscar a jaqueta. -Está certo. Vem pelas dez da manhã, ok? Bom dia! E na hora marcada: -A Fabiana está? Vim buscar minha jaqueta.

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- Você a conhece de onde, perguntou a mãe da menina. - Do baile de ontem. - Meu filho, tem certeza que estava com ela? - Mas é lógico. Trouxe ela aqui! - Não gostaria que brincasse comigo, pois minha filha Fabiana morreu há cinco anos, atropelada na frente ao Clube Lenhadores. Se não acredita, vá ao cemitério: a catacumba é aquela perto da entrada, ao lado da árvore. E o rapaz foi. Ao chegar, a jaqueta dele estava encima do túmulo e, escrito com sangue na pedra, o seguinte recado: “Obrigada pela linda noite, espero te encontrar novamente. Beijos, Fabi”. Contado por uma leitora que identificada apenas como Andréia

A Fazenda em Garanhuns Esta história que vou contar ocorreu numa fazenda próxima à cidade de Garanhuns, no Agreste de Pernambuco. O lugar pertence à família de um amigo meu. Eu e vários colegas costumamos ir para lá na época do Festival de Inverno, um evento cultural que agita a cidade todo ano, no mês de julho. Num certo ano desse festival, na propriedade estávamos eu, minha namorada, um dos meus irmãos, dois amigos, o dono da casa, a namorada e o avô dele - que mora sozinho na fazenda, há vários anos.

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E, naquele ano, não estavam outros familiares dele. Nós passamos três dias naquela fazenda. Na primeira noite, eu estava numa casa que serve de anexo para o casarão da fazenda quando eu e minha namorada ouvimos passos nas proximidades. Depois ouvimos batidas fortes nas janelas e na porta. A minha namorada ficou apavorada e eu me levantei da cama para ver se a porta estava bem trancada. E graças a Deus estava. E esses barulhos se prolongaram até o sol nascer. Na manhã desse dia, o assunto principal do café da manhã foram esses estranhos barulhos, que todos na casa ouviram. O menos assustado era o avô do meu amigo, que afirmou que já estar acostumado com os passos e as batidas estranhas nas noites daquela localidade. Mas o pior acontecimento foi na última noite. Já estávamos nos quartos e nos preparávamos para dormir e voltar para o Recife no outro dia. Eram mais ou menos onze e meia da noite quando ouvimos novamente os barulhos. No anexo da fazenda, onde eu estava com minha namorada, não ocorreu nada. Entretanto, dentro da casa grande, ocorreram fenômenos arrepiantes. O meu irmão dormia num quarto com mais dois amigos e o dono da casa estava com a namorada em outro aposento. E todos ouviram estranhos passos, não só fora da casa, mas também no seu interior! Os passos foram discretos no começo e se intensificaram com o passar das horas. Deixando todos apavorados. Foi então que meu irmão tomou a decisão de abrir a porta para ver o que era, talvez se confiando no seu 1.87m de altura. Olhou nas duas salas e na cozinha e não havia ninguém. Quando ele retornou ao quarto e acabou de fechar a porta com a chave, o barulho começou de novo, e agora os móveis da sala se moviam e todos ouviram vozes. Mas meu irmão não teve mais coragem de sair do quarto e só fez perguntar de dentro do quarto, em voz alta: “Quem esta aí?” Do corredor, responderam

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com murmúrios incompreensíveis. E, de repente, alguém tentou abrir o quarto dele e dos amigos, mexendo na maçaneta! No dia seguinte, o meu irmão e seus amigos me relataram o ocorrido dentro da casa. Todos foram testemunhas, menos avô do meu colega. Chegamos à conclusão que a casa pode ser assombrada pelos ancestrais da família, que não gostam de visitantes desconhecidos. Entretanto, nós continuamos a freqüentar a casa, todos os anos, no período do Festival de Inverno. Vocês teriam coragem? Testemunho de Fabio Pachec

A Casa em Triunfo No final dos anos 70, o nosso amigo Colau Dantas, então caixa de um banco na cidade de Tabira, foi transferido para agência de Triunfo, município de clima frio no Sertão de Pernambuco. Como a transferência foi às pressas, não deu tempo de escolher uma casa para morar. Ao chegar à cidade, perguntou se existia alguma casa "boa" para alugar. De pronto alguém o informou que, na "rua do centro", existia um casarão que poderia ser alugado. Ele solicitou ao informante que o levasse até o dono para fechar o negócio. Após entendimento com o proprietário do casarão, Colau foi alertado pelo dono que a casa era mal assombrada. Ele agradeceu a informação e ficou com a pulga na orelha. Transferiu-se para a cidade com a família e não avisou nada à mulher e nem aos filhos sobre a tal assombração do casarão. Por garantia

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levou seu velho pai, Seu Gonzaga Dantas, para passar uns dias com ele e o avisou do tal "problema". Na primeira noite, o velho Gonzaga Dantas foi dormir na sala com um rifle calibre 44. Lá pela madrugada, ouviu um barulho na cozinha, como se toda a louça tivesse caído no chão. Já acordou com o rifle na mão e correu para a cozinha. Lá chegando, encontrou tudo no seu devido lugar, nada quebrado. Ele colou o rifle no canto da porta, fez o sinal da cruz e perguntou com uma voz tímida e trôpega: - Quem poderia mais que Jesus? Neste momento, sentiu um bafo quente em seu pescoço e ouviu uma voz grossa dizer bem alto: - Ninguém! Seu Gonzaga ficou mais de uma semana sem falar, em estado de choque, e só depois contou a história. Colau mudou-se da casa. No lugar, hoje funciona uma repartição pública. Detalhe: dizem que o casarão que traz má sorte a quem trabalha nele. Contado por João Veiga Filho

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O Pé de Manga Nos idos de 92, os alunos secundaristas de uma escola da ilha de Itamaracá, no litoral norte de Pernambuco, costumavam jogar bola depois da aula, ao cair da tarde. Era também costume desses adolescentes, após o futebol, "visitar" os quintais de algumas casas que tinham fruteiras para se refrescarem com os cocos e as mangas dos quintais. Em uma dessas casas há uma mangueira muito grande, que produz a manga tipo Primavera, que só existe na ilha. A antiga proprietária da casa era uma senhora muito velha que tinha perdido os movimentos por conta de um derrame. Ela morava com uma empregada. Na época de manga, os meninos costumavam atirar pedras no alto da mangueira para derrubar as frutas, e, às vezes, as pedras iam cair no telhado da casa provocando muito prejuízo e aborrecimento para a velha e sua empregada. Após o falecimento da senhora, a casa foi vendida e seus novos proprietários resolveram demoli-la. Mas o pé de manga foi preservado. Em uma sexta-feira, os garotos da pelada jogaram até mais tarde; já era noite quando tiveram a idéia de ir tirar manga, e foram justamente ao pé de manga primavera. Todo mundo pulou o muro e foi até embaixo da árvore. Nesse momento, um dos rapazes tentou subir na mangueira e, de repente, começou a gritar: "Ai, ai, pare de bater em mim. Alguém está batendo em mim, estão querendo me matar! " Todo mundo saiu correndo, pensando que o rapaz que gritou tinha sido atacado por marimbondos ou abelhas. Quando chegaram embaixo de um poste, notaram, no corpo do rapaz, várias marcas que, com alguns minutos, tomaram forma de vergões provocados por

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algum tipo de correia ou chicote. O pobre garoto estava chorando, dizendo que alguém tinha dado uma surra nele, mas ninguém viu quem ou "o que" foi. A notícia se espalhou por toda a cidade. Alguns falaram que foi “Comadre Florzinha”, outros diziam que era mentira, mesmo vendo as marcas nas costas e nas pernas do jovem. Ninguém até hoje sabe direito o que provocando tantos hematomas no corpo daquele garoto. Isso aconteceu há mais de dez anos, a mangueira ainda permanece no quintal da casa, e dessa casa hoje só existe a fachada - o resto foi demolido e ninguém mais tentou desfrutar desse pé de manga à noite. Algumas pessoas afirmam que ele é assombrado pelo espírito de sua antiga proprietária, que tanto sofreu com as pedradas em seu telhado. Contado por Sérgio Marinho do Nascimento

Vultos do Leprosário Em visita recente à Ilha Grande, que fica em Angra dos Reis - no litoral do Rio de Janeiro - pude constatar a real beleza deste paraíso. Um lugar que já foi visto como temível, pelo presídio que havia ali. o prédio, localizado na Vila de Dois Rios, abrigou os mais perigosos marginais que já passaram pela nossa história. Mas, na praia Preta, ao lado da Vila do Abraão, existem ruínas de uma antiga construção datada de 1871, erguida por ordem do imperador, para que os imigrantes que aqui chegassem ficassem em quarentena, devido às doenças da época. O local era chamado de “leprosário” e, algum tempo depois, se transformou em presídio também. Nessa cadeia ficavam presos

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políticos e marginais de altíssima periculosidade. Após a construção do presídio na Vila de Dois Rios, estes presos foram transferidos para lá e o antigo presídio foi demolido na década de 50 do século passado. Muitos sinais ficaram nas paredes do “leprosário”: existe até uma câmara escondida, de difícil acesso, que ainda guarda as marcas da dor dos detentos. Eu entrei nesse lugar e ainda filmei algumas inscrições nas paredes - pude sentir o ar pesado que reside ali. Fiz esta prévia, para que você - que está lendo este relato - tenha condições de entender o que vou contar. Muitas histórias cercam a Ilha Grande. Em novembro de 2001, fui a passeio com a família para este local. Levei material para pesca, pois pretendia descansar bastante. Durante o dia, passeamos bastante e, quando começou a anoitecer, preparei o meu material e me dirigi à Praia Preta - onde fica o Leprosário. Instalei-me a uns 300 metros o lugar. Acendi o Lampião e preparei todo o material para iniciar a pesca. Pretendia ficar por ali até conseguir fisgar algum peixe merecedor de fotografia. Em torno de meia-noite e meia, ao longe escutei rumores de muitas pessoas caminhando pela trilha que leva à Praia Preta. Imaginei que seriam mais aventureiros em busca de uma boa pesca. Olhei para a direção da trilha e pude perceber alguns vultos no escuro, pois o lampião não rendia muita luminosidade. Falavam muito baixo, quase murmuravam e não dava para distinguir nenhuma palavra. Seguiram caminhando até que sumiram na curva da trilha. Nesse momento até fiquei feliz, pois parecia que este grupo era bastante numeroso e, se resolvessem se instalar ali perto, iriam atrapalhar a minha pescaria. O tempo passou e eu até me esqueci deles. Até que comecei a ouvir ao longe alguns gemidos, parecendo que alguém estava em apuros. Lembrei-me do grupo que havia passado por mim, mas também percebi que não poderiam ser pescadores, pois não via nenhum outro lampião aceso na orla da praia ou qualquer outra fonte de luz.

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Fiquei intrigado com aquilo e resolvi apurar mais a audição. Os gemidos vinham da direção do antigo Leprosário. Acreditei que pudesse ser um grupo de campistas. Mas, apurando também a visão, pude perceber que cinco vultos andavam de um lado para o outro, se abaixando e se levantando. Resolvi “pagar” para ver. Peguei a minha faca de pesca e o lampião e seguir na direção de onde partiam as visões e murmúrios. Comecei a sentir medo durante o caminho, porém estava bastante curioso para saber o que estava acontecendo. Conforme eu me aproximava, os murmúrios ficavam mais audíveis, porém não conseguia mais ver nenhum vulto. Imaginei um milhão de coisas naquele momento! Cheguei a dez metros das ruínas do Leprosário e os murmúrios já haviam se transformado em gritos de dor, palavrões e pedidos de socorro! Algo horrível de se ouvir, ainda mais sozinho no escuro! Não conseguia mais me mover. Foi quando pude ver um homem, branco, alto, com os cabelos desarrumados, barbudo e maltrapilho se aproximar em minha direção! Parou a uma distância de uns três metros, e o lampião iluminou bem a sua face suja e seu olhar perdido e arregalado. Fixou o olhar em mim e disse: - Você pode me ajudar a sair daqui? E eu, atônito, consegui apenas responder: - Como? Em seguida o homem gritou um palavrão bem alto, virou-se de costas e se dirigiu ao Leprosário, juntando-se aos outros vultos que andavam sem rumo. Imediatamente, tentei me mexer e minhas pernas trêmulas, articularam os passos. De costas fui-me afastando e. quando estava a uma boa distância, me virei e corri com a faca e o lampião nas mãos. Deixei todo o material de pesca onde eu o havia instalado. Segui direto para a casa que eu havia alugado e entrei desesperado e

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aterrorizado com o que acabara de acontecer. Não consegui dormir e nada contei aos meus familiares que estavam comigo. No outro dia, saí cedo e fui buscar o material de pesca e arrisquei uma olhada rápida no Leprosário, onde mais tarde buscando informações, descobri uma série de outros acontecimentos sobrenaturais que contarei em outra ocasião. De um leitor que se identifica como Amauri

Fogo no Mar Há muito tempo ouve-se falar que, nas praias da Ilha de Itamaracá – no litoral norte de Pernambuco -, ocorrem coisas estranhas ao anoitecer. Várias pessoas que moram lá afirmam ter visto o "Galafoice", uma espécie de bola de fogo, assombração que vaga entre os arrecifes, as ondas e a faixa de areia quando cai a escuridão. Segundo contam, é a alma de um pescador que atendia pelo apelido de João Gala-Foice, e que desapareceu no mar em meio a um temporal, entre Itamaracá e Goiana. Até então, eu nunca tinha levado a sério essa história. Mas, certa noite, alguns veranistas que estavam numa casa em frente à minha, chegaram da praia gritando e chorando muito. Estavam quase em estado de choque e afirmaram ter sido perseguidos por “uma grande bola de fogo que saiu de dentro do mar”. Pensei que poderiam estar querendo nos pregar uma peça, mas foi preciso até dar calmante a uma moça que estava com o grupo. No dia seguinte, fui conversar com eles. Notei que ainda estavam se refazendo do grande susto.

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Perguntei se já tinham ouvido falar do Galafoice, mas afirmaram que não! Você pode até pensar que essa história é mentira. Contudo, se estiver passeando à noite nas praias de Itamaracá e notar uma grande bola de fogo flutuando junto à água do mar, pode estar vendo algum candeeiro de um barco de pesca ou. o Galafoice! Neste caso, reze para não ser ele: dizem que quem é apanhado pela assombração vai parar num túmulo no fundo do mar. Contado por Sergio Marinho do Nascimento Silva

Menina da Bananeira Este ano, durante o carnaval de Olinda, eu fiquei hospedado na casa de um artista plástico que mora cidade alta. Como em grande parte das casas do lugar, a residência é rodeada de terrenos abertos, cheios de árvores. Por isso, todos os hóspedes ficaram em barracas no lado de fora - até pra facilitar o entra-e-sai característico da turma que brinca pra valer. As pessoas que foram outros anos para essa casa me alertaram para tomar muito cuidado, pois coisas estranhas acontecem lá. Falaram de uma tal “menina da bananeira” que alguns já tinham visto. Eu, mesmo já tendo passado por algumas experiências com o sobrenatural, não me deixei levar pelos avisos da galera. No domingo de carnaval, depois de chegar meio alto, fui perturbar com o povo. Peguei uma boneca de madeira - uma dançarina de frevo do tamanho de uma pessoa -, e coloquei atrás de uma das barracas para brincar com as meninas: “ó a menina da bananeira. ó a menina da bananeira”. Foi uma gritaria só dentro da barraca. Quando elas saíram e viram que era apenas uma boneca de madeira, só faltaram

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me tirar o couro. Esse foi o meu erro nessa noite, porque nunca esperaria que fosse ver as cenas que relatarei a seguir. Depois de tudo se acalmar, tomei um bom banho e fui para a minha barraca dormir, pois ainda seriam mais três dias de pura farra. Eram umas três horas da manhã quando aconteceu o primeiro fato estranho: o meu ventilador foi parado repentinamente. E, dentro da barraca, havia uma folha de bananeira. Eu pensei: “isso são as meninas querendo se vingar”. Levantei esperando mais brincadeiras, mas encontrei todos dormindo no mais profundo sono. Achei estranho e joguei a folha de bananeira perto da porta do banheiro. Nesse momento, me deparei com a coisa mais assombrosa que já vi na minha vida. Uma menina saiu detrás da bananeira. Veio correndo em minha direção e gritando: - Só quero brincar. Você não brincou comigo? Agora quero brincar com você. Eu gritei apavorado. Nesse momento as outras pessoas das barracas levantaram desesperadas por causa de meus urros de terror. Algumas delas ainda conseguiram ver a menina da bananeira rindo correr para trás da bananeira. Alguém correu até a bananeira e a única coisa que achou foi a boneca de madeira da passista. Já acordados, fomos todos beber até amanhecer o dia e levamos a boneca de madeira conosco para que ela não nos assustasse mais. Testemunho de Luciano Conde

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Atropelado Este causo aconteceu com minha namorada que, a pedido dela, chamarei de D. Cás. Aconteceu em junho de 2004, na BR-101, quando ela voltava de Faculdade de Escada, no ônibus da própria entidade de ensino. Como era de se esperar, o transporte estava uma alegria só, bem animado por estudantes universitários ao final de um cansativo dia de aula. D. Cás estava sentada nas primeiras poltronas com suas colegas de período, quando notou algo na estrada à frente. Um homem vestido de branco estava parado no meio da pista com os braços abertos, como que querendo suicidar-se. Minha namorada vê coisas estranhas, desde pequena, e não se sente nem um pouco a vontade com isso, e por essa razão ela imaginava que era uma dessas visões que só ela consegue ver. Mas, para seu espanto, suas amigas também notaram, e disseram: - Que diabos esse cara tá tentando fazer? O motorista também começou a buzinar e desacelerar, mas estava muito rápido para frear. Quando todos da frente já podiam ver nitidamente o sujeito, começaram a gritar. O motorista não conseguiu parar a tempo e passou por cima do infeliz. De acordo com o que D. Cás me disse, o ônibus parou uns vinte metros depois do lugar do atropelamento. O motorista disse aos alunos, sem muita convicção, que achava que ele deveria ter pulado, pois não sentiu, nem ouviu, nenhuma pancada no ônibus. Mas, sentindo-se na obrigação de ajudar, queria descer. Porém antes, olhou para trás, pela janela. Os alunos da faculdade fizeram o mesmo e não havia ninguém lá! Essa foi a deixa para todos no transporte

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limparem a garganta. O motorista berrou "Meu Deus, Meu Deus" e arrancou dali. Os alunos estavam histéricos, alguns até desmaiaram. Quando chegaram ao município do Cabo de Santo Agostinho, o motorista parou e desceu para olhar a frente do ônibus, e embaixo dele. De novo, não havia nada lá. Nem um mísero arranhão ou marca de sangue. Como minha namorada já teve experiências semelhantes, ela não está abatida, mas surpresa e de certa forma aliviada, pois se apenas ela visse, ninguém iria acreditar nela. Relato de Lázaro Júnior

O Pianista Isso aconteceu comigo e mais quatro amigos em março de 2004. Foi em Palmares, um município do interior de Pernambuco. Eu e meus colegas descobrimos que, na cidade, existe uma casa considerada mal assombrada pelos moradores. Gostamos de histórias de fantasmas e decidimos explora-la por dentro à noite. Assumo que, no primeiro momento, tivemos medo de entrar. Mas a curiosidade era maior. Levamos até uma filmadora. Lá dentro, notamos que o lugar estava há muitos anos sem uma limpeza. Havia um piano imundo, um sofá e um espelho na parede. Logo que entramos, a porta misteriosamente fechou. E com o impacto o espelho caiu! Não foi só isso que aconteceu. Quando nós estávamos subindo as escadas para o primeiro andar, o piano começou a tocar e escutamos outras portas baterem. Isso fez nosso sangue "gelar" e três dos cinco saíram daquela casa desesperadamente. Só ficamos eu e o meu amigo

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Freddy. Confesso que tivemos muito medo e seguimos subindo. Quando subíamos, tivemos nitidamente a impressão de ouvir um som de pisadas na escada, como se alguém estivesse ali conosco. Subimos e encontramos uma porta. Eu a abri e vi que era um quarto onde havia uma cama velha. No colchão estava uma grande mancha de sangue ressecado. Vendo aquela cena, saímos imediatamente do quarto. Descendo às escadas, ouvimos mais uma vez o piano tocar. Olhei para aonde estava os estilhaços do espelho e já não havia nada. Sem acreditar no que estava vendo, olhei para o local onde estava o espelho antes de cair e, para surpresa minha, o espelho estava lá, lindo e limpo. Porém estava refletindo a imagem de um velho grisalho que aparentava ter os seus 80 anos! Eu e meu amigo saímos correndo e gritando daquela casa. Não conseguimos dormir e, no outro dia, quando fomos ver o que tínhamos gravado com filmadora, a surpresa: não tinha nada. Conversando com os moradores da vizinhança, descobrimos que imagem no espelho seria de um certo senhor Augusto. O homem residia ali antes de ser brutalmente assassinado pela filha, que fugiu sem deixar nenhum rastro. Ninguém conseguiu explicar o crime. Detalhe: sujeito assassinado era pianista. Contado por Edilson da Paz

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O Carrasco Num Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), onde a famosa “carrocinha” despeja os pobres animais abandonados, trabalhava um senhor de meia idade, todo metido a gostoso, arrogante que só ele! Às vezes matava os cachorros por prazer. Quando alguém telefonava lá perguntando por um cachorro ele dizia que o bicho "já era" - e na verdade, o pobre animal estava ainda na fila da morte. Pois bem: um dia ele se meteu com a pessoa errada. Capturou os gatos de uma bondosa senhora que adotou, cuidou e curou de muitos animais de rua. A pobre mulher sabia da crueldade das pessoas, mas não sabia da maldade do “trabalhador” do CCZ. Como ela não tinha dinheiro, foi até o dito matadouro argumentar com o funcionário sanguinário: - Mas senhor, são meus gatos, cuidei desde pequenos, são castrados, não fazem mal a ninguém, não os mate até eu achar alguém que me ajude! Mas ele bateu a porta na cara dela e mesmo assim os matou. A velhinha, muito espiritualizada rezou a Deus que fizesse justiça e que tirasse o homem daquele serviço e desse a vaga pra alguém com mais compaixão. Como gente ruim atrai coisas ruins. Um dia, o malvado fez o mesmo com outra velhinha, mas esta rezou diferente: - Vou fazer um “vuduzinho” e dar você o tratamento que você gosta de dar aos outros, disse ela ao funcionário. O homem riu, bateu a porta na cara dela e foi assassinar mais uma vítima. Mas, a partir daquela noite, o homem não dormiu: ouvia gatos

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miando na janela, mas não havia gatos, não havia nada. Cochilava um pouco, tinha sonhos terríveis e acordava suando. Após dois anos, depois de muito sofrer com alucinações, morreu de uma doença misteriosa e sentido dores atrozes. Até hoje os funcionários deste CCZ ouvem gritos pelos corredores do prédio, acompanhados de um cheiro de podre que só aquele carrasco tinha. De um leitor que se assina como BB

Mulher no Banheiro Nos anos 80, eu passei um tremendo susto. Certa noite, meu pai me mandaram comprar uma carteira de cigarros e, próximo à venda, localizava-se a escola onde a minha mãe estudava no curso para adultos. Era um colégio público da cidade de Jaboatão do Guararapes, em Pernambuco. Então resolvi ir até lá e, como uma criança trelosa, fui aos banheiros para bagunçar. Primeiro, tentei abrir o banheiro dos professores, mas não consegui. Fui para o dos meninos, mas também estava fechado. Daí, fui até o banheiro das meninas e ao colocar a minha mão na maçaneta da porta, ela se abriu sozinha. O banheiro ficou claro e eu me deparei com uma mulher. Ela estava em pé, próxima à bacia sanitária, com os olhos e o nariz sangrando. No nariz, havia bastante algodão. Ela ficava olhando para mim fixamente e eu fiquei paralisada, também olhando fixamente para ela. A mulher fez um gesto com as mãos para que eu fosse até ela. Eu fiquei tão apavorada que até hoje não sei como foi que eu saí daquele

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local. Só me lembro que encontrei um colega que me perguntou o que tinha havido e porque eu estava tão apavorada. Respondi a ele que tinha visto uma mulher cheia de algodão. Então ele me acalmou e nos dois fomos lá. Mas nós não encontramos nada: os banheiros estavam trancados e tudo estava escuro. Para mim era como se eu tivesse dormido e vivido um pesadelo. Só acreditei que realmente tinha visto aquela mulher cheia de algodão quando, na escola que eu estudava, uma colega me contou que o irmão dela tinha visto a mesma aparição. Tive a certeza de que não era um sonho como eu pensava. Foi uma coisa que nunca esqueci. Testemunho de Joelma Vieira Gomes

A Enforcada de Portugal Esta história se passou há anos, em Portugal. Estava eu em uma casa alugada na rua dos Combatentes, em Alverca, quando ouvi um estrondo na cozinha. Quando lá cheguei, vi uma amiga minha deitada no chão, assustadíssima. E vi uma neblina a vir até mim! Tentei ver de onde vinha e era do banheiro principal. Fiquei assustada e entrei em pânico, mas ganhei coragem e perguntei: - O que é que você quer de mim? De resto só me lembro de acordar na minha cama. No dia seguinte, eu perguntei para Dona Vilma (a minha senhoria) e ela me disse que, há anos, onde era o banheiro principal da casa,

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existia um quarto onde se tinha enforcado uma moça chamada Joana. O detalhe é que e a minha amiga também chama Joana! Minha senhoria me disse ainda que, para quem disser três vezes o nome "Joana" no espelho do banheiro, ela aparecerá! Primeiro em forma de uma neblina. Depois como uma mulher loira com madeixas castanhas e três ganchos com o nome dela. Se você fugir, acaba desmaiando. E se você ficar, tem que dizer ele estas palavras: - Joana, Joana, Joana vai embora que sua mãe tá te chamando. Vai, vai, vai em paz, que eu te perdôo. Vai seguir o caminho da luz, vai Joana. Você vai ver que ela se transformará em uma menina e subirá para o Céu. Pelo menos, foi o que Dona Vilma me disse. Não tive coragem de fazer, apesar de imaginar que, sem isso, Joana não descansará em paz. De uma leitora Portuguesa, que prefere permanecer anônima.

A Cacimba Quem quiser que não acredite que fantasmas existem. Mas, para "acalmar" os que (só) dizem que não acreditam em fantasmas, existem os fantasmas "bons" também. Eu morava no Recife, num resto de sítio na Estação de Rádio do Bongi, pertencente à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, devido a meu pai trabalhar ali. Como fora um sítio, ainda existiam mangueiras, oitizeiros, etc. E, no nosso terreno, além dessas árvores, tínhamos também uma cacimba, cujos muros que a circundavam mediam apenas uns trinta centímetros de altura.

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Numa véspera de São João, as moças da casa, fazendo suas adivinhações, foram até a cacimba, cuja água estava rente à beirinha. A jovens arrastaram a enorme tampa de madeira para verem não sei o quê. Com a minha idade (por volta dos doze anos), o que me movia era a curiosidade de saber o que elas queriam ver. Em suas algazarras, elas pronunciaram algo como "eu vi, eu vi" e correram para contar às outras não sei o quê. Neste caso, a curiosidade quase matou o gato: ao debruçar-me para tentar ver o que elas teriam visto, o que vi foi o reflexo da lua na água. e uma mulher também! Com o susto, caí dentro da cacimba e, como meus braços eram pequenos, minhas mãos não alcançaram as bordas. Eu afundaria de cabeça, já que eu não sabia nadar. não fosse um forte puxão pela gola de minha camisa! Num misto de susto e engasgado pela água, corri disparado para minha casa. Tentei contar o que aconteceu, mas estava aos prantos e quase não me fiz entender. A princípio, pensei que uma amiga de minhas irmãs tinha me puxado. Qual foi a minha surpresa ao vê-la sentada, conversando com uma de minhas irmãs e comendo pamonha. Testemunho de Arlindo Bezerra de Albuquerque Filho

Partida ao Meio Quando eu tinha uns 9 anos, a minha mãe pediu-me para dar um recado na casa dos vizinhos da frente. Esses vizinhos eram espíritas, e o dono da casa era idoso e cego. Ele era conhecido por ser ranzinza e

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muito ligado a assuntos de espíritos. Fui dar o recado com um certo medo de ir lá, mas era o jeito. Nesta casa havia uma árvore enorme na frente, e o chão do jardim era de pedrinhas. Ao bater palmas e chamar pela dona da casa, eu vi uma velha, vestida com uma saia que parecia de roupas do início do século XX. Ela estava embaixo da árvore e veio em minha direção. Mas o que me apavorou foi perceber que ela não tinha tronco! Eu só via a saia longa e a cabeça daquela senhora. O tronco dela era meio transparente, mas, quando aparecia, dava para ver uma blusa branca com mangas de babados. Eu corri de volta para casa, gritando. Fui dizer a meus pais o que aconteceu. Era cerca de 8 horas da noite e minha mãe foi até a casa da vizinha para checar. O fato é que a vizinha disse que não havia ninguém lá com aquela aparência, mas o marido dela disse que a mãe dele costumava usar aquele tipo de roupa. O senhor achou que a descrição era da mãe dele. Ela já havia falecido desde a década de 30. Este fato aconteceu no final da década de 70. Testemunho de um leitor que se assina apenas como Emilio

Oferta do Além Quero contar algo que aconteceu comigo nos anos 70. Estava a caminho da casa de uma amiga para estudar, e, no ônibus que fazia a linha de Jardim São Paulo onde eu viajava, apareceu um cidadão perguntando onde ficava o ponto de retorno do ônibus que ia para Candeias.

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Gentilmente respondi ao cidadão. Ato contínuo o mesmo sentou ao meu lado e entabulou uma conversa. Era um senhor de meia idade: cabelos lisos, paletó cinza, sapatos à moda antiga com solado de borracha. O tecido da roupa era de brim borracha. Na conversa, ele falou para mim que queria me ajudar e achava que eu estava precisando muito perguntou onde eu ia. Respondi-lhe que ia a casa de uma amiga para estudar. Ele pediu o endereço, eu não dei, e continuamos a conversar. De repente, ele me disse que dispunha de uma enorme quantia para me presentear (hoje seria uns R$ 90.000,00). Achei absurdo e disse que não aceitava. Chegamos no ponto de retorno, e foi aí que me escondi por trás de uma árvore. Fiquei espiando para ver se senhor subiria no ônibus de Candeias, mas ele desapareceu no ar! Fiquei apreensiva, porém achei que não era nada demais. Porém, alguns dias depois, estava na casa da colega quando a campainha tocou. E qual não foi a minha surpresa: era Castanha - esse foi o nome que ele me deu quando viajamos no ônibus. Ele falou para mim: - Você não me deu o endereço, porém encontrei. Novamente ele conversou e me ofereceu dinheiro que eu novamente recusei. Ofereceu ainda sacas de açúcar, uma redoma com uma santa, mas não aceitamos. Então ele pediu um café sem açúcar e dei para ele um café bem doce. O sujeito reclamou, dizendo que eu era malvada. Após o café ele nos informou que havia sofrido um acidente na avenida Boa Viagem. Mostrou a guia de internamento no hospital, mas nela não havia a data da alta. Depois de muita conversa, o visitante decidiu por ir embora, porém deixou dois endereços: um em Candeias e outro em Barreiros

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Fomos até o endereço de Candeias - que era na avenida principal, mas não lembro o número - e, para nossa surpresa, o vigia do prédio disse que há muito tempo existiu um sítio no local. Viajamos para Barreios e no endereço que ele nos forneceu, na época, funcionava uma agencia bancária. Acabamos sabendo que o Castanha havia morrido há muitos anos em um acidente de veículo na avenida Boa Viagem. Contado por Miriam Lima do Nascimento

O Cassino Eu moro em Ibirá, São Paulo: uma cidade pequena, embora seja famosa pelo bairro das termas, que possui águas minerais. Nesse bairro existe um hotel muito antigo, que já foi um cassino. Na época, era lá que grandes fazendeiros se divertiam e perdiam tudo em jogo. Muito tempo depois, esse cassino fechou e ficou só como hotel. Minha tia começou a trabalhar lá, como copeira e seu turno era à noite. Certa vez, ela estava terminando de guardar os copos no salão e deu de cara com um sujeito de chapéu e gaita em cima do palco. Ela começou a tremer e a gritar. Quando o dono do hotel chegou lá, minha tia estava em pânico e não conseguia explicar o que tinha acontecido.

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Depois do susto, ela contou a história. Proprietário disse que muita gente já tinha deixado o hotel com medo. Os hóspedes também viram ou escutaram coisas estranhas. Contado por Carolina Modena

Antiga Moradora Quando minha mãe tinha apenas nove anos, ela morava no interior onde aconteciam muitas coisas estranhas. Certa vez, ela acordou no meio da noite com o barulho de uma mulher chorando e soluçando. A menina correu para a sala, pensando que era mãe dela. Mas, quando chegou bem perto, viu aquela imagem assustadora uma mulher sentada no sofá, tricotando uma mantinha de bebê. Ela estava com os olhos vermelhos de tanto chorar! Minha mãe ficou tão assustada que sua língua enrolou na boca e ela não conseguia nem gritar. Até que a mulher sumiu e ela gritou bem alto acordando seu pai e sua mãe. A menina mal conseguia contar a história para eles de tanto medo. Mas depois acalmou-se e conseguiu dormir. No outro dia, a vizinha da minha avó foi mostrar um álbum de fotografias de seu casamento. Uma das fotos mostrava uma senhora que minha mãe reconheceu: era a mesma mulher que ela tinha visto na noite anterior. E antes que minha mãe falasse qualquer coisa, a vizinha disse:

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"Essa aqui é a dona Joana - ela era a dona da casa onde vocês moram hoje! Pobre coitada: tomou veneno de rato quando descobriu que o marido a estava traindo." Minha mãe ficou quieta e só contou o acontecido para minha avó. Essa pediu para que a menina não contasse mais nada para não assustar os quatro irmãos mais novos. Contado por Sabrina Aparecida de Oliveira Mirante

Fantasma Cabeludo Quando era criança, contando cerca de 12 anos de idade, com frequência, visitava uma senhora já bem idosa que morava numa casinha muito simples, à beira de um rio, no final da minha rua. Lá me divertia com os animais que ela criava. Sempre voltava para casas à noitinha. Estava voltando de uma dessas visitas quando, ao passar por uma esquina, avistei um homem, que chamava atenção pela cabeleira cheia. Estava por trás do muro de uma casa e olhava pra mim como se estivesse me observando. A princípio, pensei que fosse o caseiro daquela casa, pois estava muito escuro. No entanto, quando o chamei pelo nome do caseiro, ele não respondeu, permanecendo imóvel a me olhar. Daí corri desesperada e muito assustada. Depois soube que, dias antes, naquele local havia morrido um rapaz: ele caiu de um pé de jambo, ficando pendurado num fio de alta tensão. E seu apelido era Cabeludo. Nunca mais esqueci dessa história.

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Estranho Mascarado Numa noite de carnaval, há uns 30 anos, um amigo de minha família foi brincar num baile com três amigos. Todos eles estavam fantasiados e mascarados. Voltando, já tarde da noite, os quatros passaram em frente ao cemitério, assoviando. De repente, ouviram um assovio diferente e perceberam que havia um mascarado a mais no grupo. Seguiram em frente sem tirar a máscara. Quando estavam longe do cemitério, o mascarado desconhecido simplesmente sumiu, do jeito que veio! Nenhum deles comentou o caso naquela noite. Só anos mais tarde. Mas, nunca mais foram para o baile de carnaval, muito menos passaram em frente ao cemitério tarde da noite. Contado por uma leitora que se assina apenas como Cristina

Velho Parente Quando completei 12 anos de idade, uma amiga de minha mãe me olhou com um olhar muito estranho, e me disse estas palavras: "Você tem um dom, e logo saberás qual é." Logo após este fato, me aconteceu uma coisa muito estranha que irei relatar agora. Certa vez, acordei no meio da madrugada para ir ao banheiro. Meu quarto ficava no final do corredor, e o banheiro ao lado do quarto, mas simplesmente fui para a sala. Como todos estavam dormindo e,

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logicamente, todas as luzes estavam apagadas. Já a sala ficava na entrada da casa; ou seja, se eu acordei para ir ao banheiro, por que fui parar na sala? Chegando à sala, vi um senhor de terno e fumando um cigarro. Ele me olhou, me fez um sinal com a cabeça e desapareceu! Voltei para meu quarto e dormi: para mim aquilo tinha sido um sonho, e não comentei com ninguém. Umas duas semanas depois deste suposto "sonho", minha avó iria se mudar, e eu, como boa neta, fui ajudá-la na mudança. Estávamos nós duas no quarto dela, encaixotando as coisas do guarda-roupa, quando uma caixa escapou de minhas mãos, espalhando várias fotos pelo chão. Quando me abaixei para juntar as fotos, lá estava a foto do senhor que me apareceu no "sonho". Perguntei à minha avó quem era ele. Ela me disse que era meu bisavô e que havia morrido um mês antes de eu nascer. Acabei contado a ela o fato que tinha acontecido um tempo antes - contei como tinha visto ele, sobre o terno e o cigarro. Vovó me contou que ele havia morrido por causa de um câncer no pulmão. Depois disso comecei a ver muitas "coisas". Será que a tal amiga de minha mãe tinha se referido a esse dom? Testemunho de Franci L.

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Tio do Além Minha velha, uma cearense arretada que já viu e ouviu muitas coisas estranhas nesta vida, é quem testemunhou o acontecido, com a coparticipação de meu irmão mais velho. Meu pai já estava no quinto sono e ela acabara de se deitar por volta das onze da noite quando, assustada notou que havia alguém andando no seu quarto, pois vira um vulto entrar no aposento escuro e chegar bem próximo de seu leito. Ela pensou tratar-se de meu irmão solteiro que dormia no outro quarto e ao acender a luz, para sua surpresa não havia ninguém. Foi até o quarto dele e perguntou se havia entrado no quarto dela. Ele, negando, pensou que era ela quem havia entrado às escuras no seu quarto, pois também notara a visita de alguém. Ouvindo barulho de pratos e talheres na cozinha, pensou tratar-se dela ou meu pai que fora tomar água, pois a noite estava abafada. Não era nenhum dos dois! O primeiro temor foi a suspeita de algum ladrão na casa, pois morávamos numa cidade bastante perigosa da Grande São Paulo. Ela correu para a porta que estava trancada. Foram dormir preocupados. Mas, no dia seguinte, até brincaram que era uma alma penada, mas tudo ficou por isso mesmo pois meu irmão era ateu e materialista, totalmente cético. Porém, menos de uma semana depois aparece um primo da cidade de Americana, interior paulista, dando uma triste notícia de que um irmão de minha mãe - que havia muitos anos ela não via - falecera naquela cidade, atropelado por um carro quando andava de bicicleta. Coincidência ou não, era o mesmo dia e hora da estranha visita.

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Sinistro, não?!?!? Isso aconteceu há uns 15 anos e até hoje não entendemos o que pode ter sido aquilo. De um leitor que se assina apenas como Antônio

Aparição do Capeta Quando era criança, passava as férias em um sítio no interior do Estado do Rio de Janeiro. Perto deste sítio, havia uma fazenda com alambique de cachaça. Pertencia a um avô de um primo meu, que morava em uma cidade próxima e que sempre ia passar as férias lá também. Vivíamos juntos. Uma noite, meus pais tinham ido visitar este avô do meu primo na fazenda e eu, ele e mais os moleques do engenho estávamos todos brincando de pique-se-esconde perto do alambique. Convém dizer que por detrás deste alambique havia um córrego de água que descia por sobre uma lage de pedras, formando pequenos lagos onde, inclusive, de dia, íamos pescar peixes (piabas e bagres principalmente). Naquela noite, o que vimos naquele córrego de águas rasas, de pé e de costas para a estrada onde estávamos (que levava da casa-grande até o alambique) foi um sujeito com capa e chapéu. Reparando bem, ao clarão da lua, observamos que possuía um rabo e uns chifres! A criançada toda debandou para perto da casa-grande. Era o capeta fazendo xixi nas águas do córrego. Verdade ou ilusão nossa, o fato é que no dia seguinte, todos os peixes amanheceram mortos! Testemuho de Theotonio Jorge

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O Frade Sem Cabeça Por Giselda Costa S. Ribeiro No Recife, existe um bairro de clima ameno, palco de acontecimentos marcantes no passado, que se chama Casa Forte: na vizinhança fica o Poço da Panela, local onde nasceu o poeta Olegário Mariano; mais adiante, fica Apipucos, onde morava Gilberto Freyre. O bairro teve origem no engenho de Ana Paes, mulher valente que liderou uma batalha contra os holandeses que queriam se apossar das suas terras. Hoje, no bairro, moram médicos, artistas, educadores, funcionários públicos, gente de classe média e muitos estrangeiros. Lá existe uma praça que foi obra do grande artista que era o paisagista Burle Marx. Na época da história que vou contar, o pároco do bairro era o Monsenhor Odilon Lobo, alagoano de Penedo e, como todo alagoano, homem disposto. Na década de 50, quando ocorreram os fatos, o bairro de Casa Forte era uma grande família, onde todos se conheciam; já era realizada uma quermesse da igreja chamada “Festa da Vitória Régia”, ponto de partida para muitos namoros e casamentos; havia piqueniques da turma jovem; havia um clube chamado “17 de Agosto” no local onde hoje existe o quartel do C. P.O.R. e também um cinema no salão paroquial, chamado cinema do Padre. Enfim, não podia haver lugar mais gostoso e simpático do que Casa Forte. A paróquia possuía uma casa de praia lá para os lados de Piedade que, naquela época, era um local sem muitas casas, muito pacato, e preferida dos que não gostavam da agitação de Boa Viagem. A turma do bairro sempre estava “piruando” um convite de Mons. Lobo para um fim de semana ou um feriado na casa. Numa dessas vezes, meu irmão mais moço, Joel, foi convidado, com outros colegas, para passar um fim de semana por lá. Foram ele, Fernando Rocha, Fernando Fonseca, Nosa, que era uma espécie de governanta, Mons. Lobo e

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outros garotos e garotas, dos quais não me recordo no momento. Acho que minha irmã Eliane também foi. A partir daqui, vou contar o que soube por minha mãe e por meu irmão, Joel, e também por minhas irmãs. Depois de se instalarem, todos corriam para a praia para o banho de mar, para o futebol, enfim, havia muita distração. Naquela noite terrível, era lua cheia e, logo depois do jantar, todos, com exceção de Nosa, se não me falha a memória, resolveram dar um passeio na beira da praia, antes de dormir, para fazer a digestão e apreciar a lua. A casa ficava próxima de uma igreja abandonada e da casa dos frades franciscanos, também de veraneio, que se achava vazia, na época. A casa da paróquia de Casa Forte era um pouco afastada da praia e, para lá chegar, tinha de se atravessar um terreno de vegetação rasteira, descer uma espécie de barranco e, dali, atingir o areal sem fim - tão branco que doía na vista - não sem antes vencer algumas depressões do terreno, comumente chamadas “cama de porcos”, que são como uns buracos rasos, onde esses animais às vezes dormem. Pois bem, lá ia a turma conversando e fazendo a maior algazarra, com Monsenhor no meio e participando de tudo. De repente, a uma certa distância, viram o que lhes parecia ser um tronco de coqueiro escuro, dando a impressão de que fora queimado. Aquilo lhes chamou a atenção e eles pararam um pouco, uma vez que o tronco, a que lhes pareceu, estava isolado, longe do coqueiral que margeia a maior parte das praias do nordeste; porém, o mais estranho é que o tronco deu a impressão que estava se mexendo e aí, fixando mais a vista, todos viram o que era: levantou-se devagar a forma exagerada de um frade franciscano, com hábito escuro, o cordão claro na cintura, os pés, os braços e. sem cabeça! Disse-me Joel que ficaram meio paralisados, até que aquilo foi se dirigindo para o lado deles e aí o Monsenhor gritou “corram, meninos!”. As pernas dos meninos e do Monsenhor viraram rodas,

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mas as do “frade sem cabeça” viraram asas. Imaginem a cena: os garotos, o Monsenhor a correrem na frente e atrás, aquela coisa, quase os pegando. Há certa altura, bem na frente, havia um daqueles buracos de que falei antes e, como não dava tempo de atravessarem, acharam por bem despencarem nele e foi a sorte, pois o “frade sem cabeça” passou zunindo, por cima deles, como se estivesse voando, e desapareceu. Depois de alguns minutos, como nada aconteceu, o Monsenhor, cautelosamente, chamou a rapaziada, mandou arrumar as trouxas e se arrancaram, chegando bem antes do combinado, lá em Casa Forte. Todos contaram o acontecido às suas famílias, Monsenhor Lobo nunca desmentiu esses fatos, e, muitas vezes, falou para minha mãe que não podia dar uma explicação para aquela aventura. Até hoje, os que ainda vivem se lembram de tudo. Morreram Monsenhor Lobo, Fernando Rocha, Fernando Fonseca, Eliana; não sei se Nosa ainda está viva, nem se os outros colegas também. Meu irmão, Joel, ainda vive em Recife, hoje é Administrador de Empresas e trabalha na Chesf. NOTA – Soubemos que, naquele local, diante da Igrejinha dos frades franciscanos, um deles morreu ao tomar banho de mar, devorado por tubarões e, realmente, há uma lenda que diz aparecer, em noites de lua cheia, o vulto gigantesco de um “Frade sem Cabeça.”.

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O Lenhador da Pedreira Moro em Belém do Pará e aqui, na Região Norte, existem muitas histórias sobre visagens e assombrações, principalmente nas cidades interioranas daqui. A história que vou contar aconteceu há muitos anos em uma época que Belém ainda estava tomando ares de cidade grande, quando ainda muitos bairros pobres ficavam à margem de matagais e igarapés nesses bairros – logicamente - não havia ainda iluminação pública. No bairro da Pedreira, ao chegar perto das onze e meia ou meia-noite, as pessoas se recolhiam em suas casas e os casais de namorados se despediam apressadamente. Ninguém queria ficar na rua após a meia-noite, pois era nessa hora que se ouvia um grito que sempre começava com um “ooooooiiiiiiiiiiiiii?”. Em seguida, um outro grito, com uma voz diferente terminava dizendo “socorro, socorro”. A seqüência se repetia até altas horas da madrugada, mas paravam antes do amanhecer. Esse fato causava muito assombro aos moradores da Pedreira que já tinham até mesmo reunindo grupos de pessoas para investigar o estranho acontecimento. Contudo, nunca se encontrava nenhuma pista de quem ou do que estaria fazendo aquela estranha brincadeira. A situação chegou a tal ponto que só restou pedir ajuda de uma médium que morava nas imediações. Fizeram uma sessão espírita grande e, para surpresa de todos, em plena evocação das almas apareceu um homem de uma aparência não muito avançada e disse que, quando vivo, tinha sido um lenhador ainda na época da fundação da cidade. Naquela época, os lenhadores trabalhavam duro para conseguir o pão de cada dia. Às vezes, tinham o produto do seu trabalho roubado por

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Histórias Medonhas de um Recife Assombrado por Eddie Souza

ladrões de lenha. Certo dia, o tal lenhador flagrou um desses ladrões que estava lhe roubando e fez justiça com as próprias mãos. Como nunca se arrependeu do que fez, o lenhador era perseguido pelo espectro do ladrão que ele havia matado. Antes que pudessem perguntar como essa maldição podia ser quebrada, todos que estavam na sessão ouviram um estrondoso “oooooiiiiiiiiii?” do lado de fora da casa! Todos foram tomados pelo pânico, inclusive a médium. O espectro do lenhador, por sua vez, gritava lá longe, sempre perseguido pela sua vítima que, ao que parece, nunca o deixaria descansar em paz. Com a chegada da luz elétrica e o desenvolvimento dos bairros, esse fenômeno desapareceu. Mas até hoje moradores mais antigos do bairro da Pedreira lembram das gritarias noturnas do lenhador. Contado por Wilkison Patrik

Visita no Hospital Fiquei em coma durante uma semana no Hospital Osvaldo Cruz, no Recife, e depois, deste período acordei e permaneci dez dias na UTI concluindo o tratamento. No final de minha permanência, no local de recuperação houve o seguinte acontecimento: Estava eu por volta das três da manhã, sem sono e com um tremendo frio. Todos dormiam e alguns há um bom tempo - até as enfermeiras também dormiam. Quando num passe de mágica, abriu-se a porta da UTI sem fazer barulho algum e uma freira passa em frente à minha cama. Percebi que ela não andava, flutuava - não escutei passos de sapatos e comecei a ficar com medo. Não podia falar porque tinha

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arrancado os tubos de respiração e minhas cordas vocais não funcionavam. De repente, a religiosa entrou no quarto do paciente que estava extremamente isolado, com Hepatite C. A porta ficou entreaberta e só dava para ver o pedaço da saia da freira. Passaram-se um minuto e nada da freira se mexer. Nisso as enfermeiras acordaram para dar medicamentos. Foi quando chegou a minha vez de tomar o remédio que apontei e escrevi para a enfermeira o que havia acontecido. Quando olharam, não havia freira, e o paciente que ali estava havia falecido. As máquinas não detectaram a morte dele. Eu acho que a freira veio buscar o paciente. Testemunho de Cristiano Henrique

De quem é esta canela? Certa vez, numa reuniãozinha de família, começamos a falar de assombrações. Então, no decorrer da conversa, minha mãe contou a história de uma tia nossa que morava na roça. Ela tinha o costume que todos os roceiros têm de acordar bem no meio da madrugada para começar as suas tarefas de casa e quintal. Certa madrugada, por volta das quatro da manhã, ela foi até o quintal dar de comer às galinhas. De repente, ouviu um ruído como se fosse algo se arrastando. Quando olhou em volta, viu uma canela rastejando - somente uma parte de uma perna, mas não viu o corpo inteiro por causa da escuridão. Foi aí que ela perguntou: "Mas de quem é esta canela?"

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Então uma voz sinistra e fanhosa respondeu: "É de gente!" Nesse instante o arrepio tomou conta da senhora. Então ela correu desesperada para dentro de casa e só saiu quando raiou o dia. A partir desse dia, ela nunca mais acordou de madrugada. Contado por leitor que se assina apenas como Marcelo

Moça Sem Caixão Conta-se, no interior no Rio Grande do Sul, a história de uma moça que aparece nas funerárias locais durante as horas mortas do dia ou da noite - pois, no interior, do meio dia e pouco até por volta das duas da tarde, quase todo o comércio fecha e as ruas ficam tão desertas quanto nas horas mortas da madrugada. Dizem que a jovem fica um longo tempo admirando os "produtos" expostos nas lojas que atendem às necessidades dos mortos. Quando o desavisado vendedor pergunta o que ela quer, ela diz: "quero um caixão". Ele então começa a discorrer sobre as maravilhas dos produtos da loja: preços, tamanhos, modelos. Até que o comerciante tem que fazer a fatídica pergunta: "é para adulto ou para criança?" ; enfim, a quem se destina o caixão. E a moça, sem olhar para ele responde: "é para mim" E só então a pobre vítima nota que a moça esta toda suja de terra e sangue nos cabelos e no vestido. Ela dá um suspiro e some, deixando o vendedor de olhos arregalados, cabelos arrepiados e cueca suja! Contado por uma leitora que se assina "Pitonisa de Endor"

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Um "Obrigado" Sem Resposta Numa noite de inverno de 96, uma antiga vizinha minha voltava do trabalho por volta das sete horas da noite. A rua que ela percorria estava em obra, cheia de entulhos e areias - só dava para passar pelos cantos. Então, ela avistou um homem vindo na direção contrária. A minha vizinha disse que era um homem alto, esquisito, e com uma camisa cujas mangas cobriam todo o braço deixando à vista somente as mãos. Ela não estava a fim de esbarrar com ele. Por isso andou mais rápido: só assim poderia passar pelo caminho de areia sem passar pelo homem. Mas a figura sinistra andou bem mais rápido que ela, muito mais rápido. Ela acelerou, mas de nada adiantou: os dois se encontraram no meio da rua. Como não havia como passar pelo centro do caminho devido o acúmulo de entulhos, um dos dois teria que liberar a passagem para o outro. Para surpresa dela, o homem se posicionou de lado e se inclinou pra trás, deixando assim o caminho para a minha vizinha passar. Ela então agradeceu o cavalheirismo do homem, dizendo "obrigada, seu moço". Mas estranhou porque não teve a velha resposta "de nada". Quando ela olhou para o homem, teve uma visão que nunca mais esquecerá: o homem não tinha absolutamente nada no rosto! Não tinha sobrancelhas, nem olhos, nem boca e nem nariz. Somente os cabelos que desciam em franjinhas pela testa. Ela disse que parecia até um índio. Eu nunca soube de uma pessoa com esse tipo de aberração morando no meu bairro. Parece que foi mesmo coisa do Outro Mundo. Contado por Marcelo Alves

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A Moça de Vermelho Certo dia, um homem dirigia um carro em uma estrada deserta, quando viu uma moça muito bonita pedindo carona. Ele ficou encantado com aquela moça linda e atendeu ao apelo. A jovem, que usava um vestido vermelho, pediu que ele a deixasse em sua casa e deu o endereço. O rapaz a levou até a porta de casa. Chegando lá, ela agradeceu e o rapaz foi embora. Ao chegar em casa, o motorista percebeu que a moça havia esquecido uma jaqueta dentro carro dele. E decidiu deixar a peça de roupa na residência da jovem no outro dia de manhã. E assim o fez. Na manha seguinte, ele bateu na porta da casa da moça e uma senhora veio atender. Ele perguntou pela bela garota, explicou como ela era, e a senhora disse que aquela jovem de quem ele falava já havia morrido há cinco anos! Aterrorizado, o pobre coitado contou a história: uma moça de vestido vermelho pedira carona na estrada deserta e ele deixou-a naquela casa. A mãe da garota morta disse que, quando a jovem morreu em um acidente de carro na tal estrada, ela estava exatamente com um vestido vermelho e usava também uma jaqueta. Neste instante, o rapaz, meio confuso, pediu licença à senhora e foi ao carro para buscar a jaqueta e provar que falava a verdade. Mas no carro não havia nada! O homem nem retornou para dar uma satisfação à dona da casa. Partiu acelerando o carro e nunca mais passou por ali novamente. De uma leitora que assina como Francineide

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Aviso de morte? Em casa de uma amiga, no aprazível bairro de Apipucos - no Recife -, conhecemos seu caseiro e seu antigo caseiro. O primeiro uma criatura iluminada pelo ser "gente brasileira"; cheio de experiências e de uma bondade impressionante. O segundo, também de aparente simplicidade, gozando da caridade inerente a esta minha amiga que recolhe em seu coração, carinhosamente, todos que consegue ajudar, havia desistido de ser caseiro estando decidido a voltar para sua cidade no sertão pernambucano, por motivos que não sabíamos. Naturalmente, eu, minha namorada, amigos e freqüentadores da casa da amiga comum, desenvolvemos também uma relação de carinho com o caseiro mais novo. Numa noite, em que estava em casa da namorada, ouvimos um ruído forte de coisa caindo na sala. Sai para verificar e fiquei meio confuso com o que vi. Um porta-retratos com a foto do nosso amigo simplesmente foi arremessado da parte de trás de uma prateleira para o chão - estando as janelas fechadas, portanto, sem ocorrência de vento -, derrubando inclusive outros objetos que se encontravam lá. Apesar da estranheza do fato, não comentei muito com a namorada extremamente assustada com "coisas estranhas" - limitando-me a informar que o porta-retratos havia caído. No dia seguinte, soubemos que o antigo caseiro havia assassinado brutalmente o caseiro mais novo, no mesmo horário do estranho fato ocorrido. Será que o doce amigo buscou socorro em nossos braços após o seu desenlace tão abrupto e brutal? Testemunho de Leonardo Leão

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Sexta-feira 13 Este caso é verídico. Aconteceu no município de Morro Redondo, no Rio Grande do sul. Foi em 1998, numa noite de sexta-feira 13. Eu e minha irmã íamos todos os finais de semana para a fazenda cuidar das coisas. Daquela vez, fomos dois dias antes para deixar tudo pronto antes de nossos amigos chegarem. A noite da quinta-feira estava calma e, de repente, os bichos começaram a ficar inquietos. Mas, eu como estava supercansado, falei para minha irmã que me deitaria um pouco no sofá da sala para tirar um cochilo vendo tv. Foi quando uma batida muito forte veio da janela na cozinha. Acordei meio tonto e, quando olhei para minha irmã, vi que ela estava paralisada. Falei que a basculante tinha batido com o vento, mas ela me disse que ela já tinha trancado a janela. Falei que era algum gato ou cachorro. Fomos averiguar: ligamos a luz de fora e olhamos pela janela. Não vimos nadinha. Então, jantamos e fomos deitar. No quarto, como sempre fomos muito apegados, deitamos juntos e rezamos. Não tocamos mais no assunto. Logo após, pegamos no sono. Mas algo fez me acordar de madrugada. O mais estranho de tudo era que a noite estava estrelada e, sem aviso, um temporal se armou e começou a chover, trovejar e relampejar. Eu tentava fechar os olhos com muito medo, mas não conseguia. Os nossos cachorros começaram a correr até um mato nas proximidades e voltavam muito perturbados, como se algo os amedrontasse em meio aquela mata escura. Aquelas horas passaram como se fossem anos. Com o dia quase claro, levantamos e, como de costume, fomos limpar a casa e arrumar as coisas. Fui tirar leite para esperar nossa família, que chegaria no sábado. O dia foi bom. Mas, à noite, para garantir

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chamamos nosso vizinho para ficar lá com a gente, vendo tv. Contamos a historia a ele, que ficou a rir de nós e foi embora. Com a noite caindo, fiquei sozinho na sala. Logo, a tv saiu do ar e comecei a me apavorar. As portas e janelas começaram a bater e nem tinha vento. Quando não agüentei mais aqueles barulhos, fui chamar minha irmã para escutar e ela disse que também estava ouvindo. Além disso, os bichos começaram a agitar de novo, só que dessa vez pareciam estar em pânico. Foi o que faltava para tudo nos apavorar! Rezei milhões de vezes até o dia chegar. Na manhã seguinte, levantei fui tratar dos bichos e tirar leite. Quando sai de casa, vi algo estranho. Chamei minha irmã e o vizinho. Vimos era marcas de patas de cavalo que iam até a parede da casa e sumiam. Esperamos para contar e mostrar tudo para os nossos pais. Mas, quando eles chegaram, as marcas tinham sumido e eles, até hoje, não acreditam. Espero que vocês acreditem em nós. Testemunho de Eder Kobs

A Cumade e o Capataz Acho que o ano era 1982 ou 1983. Eu, ainda criança, estava no engenho Goitá, de propriedade da minha família e localizado no município de Lagoa de Itaenga – na Zona da Mata de Pernambuco quando ocorreu um fato muito estranho. Naquela manhã, o mais bonito e mais caro cavalo do engenho – um

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puro sangue inglês - tinha aparecido com uma trança magnífica, que parecia ter sido feita pelos melhores cabeleireiros. Logo rolou um misto de revolta e admiração. Uns queriam desatar, outros, cortar o rabo do cavalo. Foi aí que os mais antigos moradores da propriedade alertaram: "Esta é uma trança de Cumade Flôzinha; ninguém consegue desatar o nó e não ‘torem’ que ‘ofende’!" Passou-se o tempo e o capataz do engenho, valente que nem ele (toda história da Cumade tem um valentão), resolveu, por conta própria, tomar a decisão, alegando que era uma obra de algum “cabra safado”. Sem avisar a ninguém, o famigerado foi lá e cortou, na base, o rabo do cavalo e ainda o exibiu para alguns como troféu. E o povo dizia: "Tu é doido, é?" A princípio nada aconteceu ao capataz, que passou o dia trabalhando e foi dormir. Mas, no outro dia, ele sumiu do engenho! O sujeito era de outra cidade e trabalhava no local há três anos. Partiu sem pedir um cruzeiro sequer. O motivo da fuga, segundo alguns que o viram saindo, foi a pisa de cipó de goiabeira que ele levou da Cumade. Disseram que estava com o corpo todo marcado quando escapuliu na calada da noite. Estava segurando uma maleta e dizendo que nunca mais voltava naquele lugar. Não falou nada do que tinha acontecido. Porém, tire a sua conclusão. A minha já foi tirada: foi a Cumade! Depoimento de Robert Mocock Neto

Não existe assombração mais pernambucana do que ela. Com suas "brincadeiras", a menina encantada apavora os habitantes da Zona da Mata do estado.

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A Vingança da Cumadre Meus pais nasceram em Rio Tinto, cidade da Paraíba, próxima a João Pessoa. Há mais de 20 anos, vieram para o Recife, e aqui eu e meu irmão nascemos. Mas nós visitávamos a minha avó paterna de vez em quando lá na cidadezinha. E numa dessas visitas, ela me disse houve um caso estranho no local envolvendo a Comadre Fulôzinha. Um certo homem morava num casebre bem próximo da mata, com sua esposa, e passava muita dificuldade. Durante muito tempo ficou sem conseguir caçar nada. Certa vez, estava voltando de uma caçada. Com muita fome e tristeza, chorou, ali na mata mesmo, pedindo ajuda para não passar fome. Ele então ouviu uma voz de menina no mato dizendo: - Vou te ajudar. Mas você só vai caçar de noite e não vai temperar a carne. Principalmente com sal! Dito isso, uma paca apareceu numa moita próxima. Assustadíssimo, porém muito feliz, ele pegou o animal e o levou pra casa. Ao chegar disse para a esposa: - Prepara o bicho, mulher! Mas não tempera com nadinha. Ouviu? Se não eu me lasco! A mulher, sem entender nada, mas feliz com a caça e ávida pela fome, preparou e assou o bicho e comeram assim mesmo. Isso se repetiu por um mês. Com mais disposição, o homem passava o dia procurando trabalho e a noite caçava. E sempre voltava com um bicho. Lebre, preá, paca. Até que a mulher, enjoada de só comer carne insossa, fez um cozido com apenas uma pequena quantidade de sal. O marido, com muita fome após ter procurado serviço o dia inteiro comeu que nem sentiu. Em seguida disse que ia caçar, pegou a arma e se embrenhou no mato. Nem imaginava o que estava por vir.

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Entrou no mato com um candeeiro na mão e a espingarda na outra, e quando foi passando por uma árvore não muito grande, viu estranhos cipós, finos como cabelo: - Desde quando essa árvore tem cipó? Aproximou-se e teve a curiosidade de olhar para a suposta fonte dos cabelos. Foi quando viu que eles vinham de uma menina, de vestidinho branco e com olhos ardendo em brasas, com um pedaço de madeira na mão. Antes que o homem gritasse, ela pulou no cabra e deu-lhe uma surra de pau até ele desmaiar. O sujeito acordou já na alvorada, todo “lapiado”. Pegou a arma jogada ali perto e se arrastou penosamente pra casa, se perguntando “por quê”?!? Entrou de mansinho e viu carne numa bacia em cima da mesa. Passou o dedo na carne crua e sentiu tempero. Em seguida foi para o quarto. Ao entrar a mulher acordou espantada: - Que danado foi isso, homem! - Foi por causa da tua teimosia, mulher! Ele armou a espingarda e danou três tiros na mulher. No mesmo dia, à tarde, ele se entregou à polícia e todo mundo ficou sabendo da história, que ele mesmo revelou.” Contado por Lázaro Júnior

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No Porão A história que eu vou contar aconteceu com a minha mãe. Quando ela tinha uns cinco ou seis anos, ela morava em uma velha casa que tinha um porão. Toda vez que ela descia lá, encontrava um velhinho sentado em uma pedra. Ele a pegava no colo e os dois conversavam por horas, e sempre dizia que ele era seu avô. Como ela era criança, não se assustava com o velho. Minha avó ouvia a voz dela, e achava que ela estava falando sozinha, como é normal as crianças fazerem. Numa tarde chuvosa, minha mãe pediu para ir na casa da vizinha, brincar com sua filha. Como chovia muito, minha avó não deixou. Minha mãe então disse que iria no porão ver o vovô. Minha avó perguntou quem era ele e minha mãe contou toda a história. Minha avó não acreditou em nada daquilo e brigou com minha mãe. Quando meu avô chegou em casa, minha avó contou o que havia acontecido e ele ficou com medo de que fosse algum tarado que tivesse entrado ali, o que era impossível, pois o porão era fechado. Meu avô então chamou minha mãe, que quis logo ir mostrar o vovô no porão. Assim que eles desceram a escada e minha mãe não viu o vovô, ela começou a chorar, pois sempre que ela descia, ele estava ali. Ela foi até a pedra em que ele ficava sentado e, para surpresa de meus avós, lá havia um par de óculos, que o meu avô guarda até hoje. Contado por uma leitora que se assina como Cintia

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O Amigo de Vovô Em 1982, quando estava fazendo curso para oficial da Marinha, fui passar uns dias de folga em São João Del Rei, Minas Gerais. Fiquei hospedado na residência da minha tia, um velho casarão próximo ao Cemitério do Carmo. Achei de dar uma volta pela cidade para curtir a noite, pois estava fria e eu gostava de ver a iluminação das igrejas. Perto das onze da noite, ao voltar para casa, encontrei um senhor de barbas brancas que me perguntou se eu era neto de João de Deus. Achei aquilo estranho, mas - educadamente - lhe respondi que sim, que meu avô tinha falecido em 1973. "Conheci seu avô meu jovem", respondeu-me o senhor. Achei-o meio estranho: a pele muito branca e o tom de voz um pouco gutural. mas deixei prá lá. Na medida em que nos dirigíamos aos nossos destinos, disse-lhe boa noite, e segui o caminho da casa de minha tia. Ele me cumprimentou da mesma forma, e disse que meu avô estava muito orgulhoso de mim, por ter escolhido a carreira militar. Ouvindo aquilo, me arrepiei todo, e resolvi segui-lo de uma certa distância. Para meu espanto, o velhinho entrou pelos portões do Cemitério do Carmo que, àquela hora, estava fechado! Quando amanheceu, perguntei à minha tia se ela conhecia alguma pessoa amiga de meu avô enterrada no tal cemitério. Ela me respondeu que sim, o falecido Viegas, mas que havia morrido há nove anos. Ouvindo isso, fui ao cemitério e achei sua sepultura dele! Orei pela sua alma e acendi-lhe uma vela. Desde então nunca mais o vi, mesmo visitando a cidade várias vezes.

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Visita ao Acampamento Este caso foi verídico e, até hoje, quando me lembro, sinto um arrepio na espinha. Moro em Foz do Iguaçu, e tudo aconteceu em 2000. Meu marido tem um amigo que mora no mato, em uma área de preservação ambiental. Quando tínhamos uma folga do trabalho ou nos feriados, íamos visitá-lo. Sempre iam dois casais: eu, meu marido e seu sócio, Marcos, que levava a esposa, Ana. Para nós, aquilo era pura diversão, já que vivíamos na cidade, acostumados com barulho e o corre-corre do dia-a-dia. O mais interessante é que lá, onde armávamos nossas barracas, não havia ninguém: era uma área restrita e nosso costume era pescar, beber, andar de canoa, colher frutas e nadar. Certa noite, eu, meu marido, Marcos e Ana estávamos bebendo em volta de uma fogueira. Marcos olhou o relógio: já era meia noite. De repente, do nada apareceu uma mulher vestida de preto! Não era bonita e nem feia. Sem dizer uma palavra, entrou na barraca do nosso amigo e ficou lá com ele. Estranhamos, mas achamos que era alguma “paquera” dele. Depois de algum tempo, a mulher saiu da barraca, alegando que ia chamar sua filha. Quando a mulher entrou no mato, ela desapareceu e surgiu uma bola de fogo que iluminou todas as árvores. E, além de nossos olhos terem visto aquilo, ouvimos o choro de uma criança pedindo “mãe, me ajude!”. Quando corremos para dentro do carro, o nosso amigo saiu da barraca e perguntou “o que aconteceu?”. Ele não tinha visto a mulher misteriosa!

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Acreditem ou não, foi real. Nunca mais fui lá à noite. Quando vou, prefiro ir durante o dia. Até hoje, nosso amigo diz que não viu nada: acha que somos loucos e ri da nossa cara. Testemunho de Sandra Lorenzato

O Desafio Numa pequena cidade do interior pernambucano, quatro homens estavam num bar conversando sobre amenidades, política e futebol, quando um deles começou a falar em assombrações. Contou lendas e causos, e - em tom desafiador - disse aos demais: - Eu quero ver qual de vocês tem coragem de entrar no cemitério à noite e ficar lá por pelo menos dez minutos E um dos valentões, já levado pelo efeito das cervejas, disse: - Eu tenho. Desde que eu fique perto do portão. E desatou a rir. Um terceiro completou: -. mas só vale se quem entra provar que o fez! E o quarto homem: - Deus me livre: aquele cemitério é assombrado. Nem pra provar que sou macho, faço isso!

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Foi quando a dona do bar, conhecida por Maria João – tinha um jeito não muito feminino ou delicado de ser, embora usasse saia - gritou de trás do balcão: - Vocês não honram nem as calças que vestem e nem as mulheres com quem dormem! Eu, de saia e tudo, sou mais corajosa que todos vocês juntos. Se eu ganhar algum dinheiro vou até lá, na última tumba e volto. Andando! Os amigos, desafiados na sua própria masculinidade, toparam. Mas propuseram uma condição: ela teria que provar que foi até o fim do cemitério: - Vamos fazer o seguinte: você, Maria João, vai até o muro dos fundos do cemitério e bate três pregos no chão em frente ao último túmulo e no outro dia pela manhã a gente vai lá. Se os pregos tiverem no chão, a gente te dá o dinheiro. Na noite seguinte, acertada a quantia, muito boa por sinal, lá se foi Maria e sua saia florida entrado no “Condomínio da última morada”. Levava o martelo e os três pregos, enquanto que os quatro frouxos ficaram no portão esperando. Menos de quinze minutos depois, ela retornou correndo, vestindo apenas blusa e calcinha e gritando: - Valha-me Minha Nossa Senhora! Esse lugar é assombrado! E os amigos, mais assustados ainda, quiseram saber o que houve e porque ela estava quase nua. Maria, quase sem voz, explicou: - Eu fui até os fundos do cemitério, como a gente combinou. Tava um breu desgraçado e eu me ajoelhei no chão para bater os três pregos. Depois de terminado o serviço, tentei me levantar, mas alguma coisa ou algum fantasma segurou minha saia e eu não tive dúvida: saí correndo e a saia ficou com a desgraçada da assombração.

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Na manhã seguinte, os amigos - tremendo de medo, embora o sol estive a pino -, foram ao local indicado para tentar encontrar os pregos e fazer o pagamento combinado. Encontraram, de fato, a saia de Maria no chão.com três pregos cravados nela. Contado por Rodolfo Lira

Vigia do Apito Para aqueles que não conhecem, os vigias do apito passam a noite fazendo ronda e apitando para que as pessoas do bairro saibam que eles estão vigiando as ruas. E deles é o personagem principal deste estranho episódio que se passou comigo. Eu estava voltando para minha casa, no bairro de San Martin, no Recife. Era exatamente meia-noite e meia quando eu desci do ônibus “bacurau”. Vinha de uma festa na casa de um amigo. Desci na minha parada, como de costume, e segui caminhando pela rua, despreocupado. De repente, me aparece um homem na minha frente. Ele puxou o revólver e me pediu a carteira e o celular. Entreguei as duas peças bastante chateado, pois no celular estavam telefones importantes do meu dia-a-dia. Ele pegou tudo e saiu correndo em direção a praça de San Martin. Fiquei desesperado. Foi quando ouvi um apito perto de mim. Chegou junto de mim um homem alto, com o colete utilizado pelos vigias e um odor muito forte, como se ele guardasse algo em putrefação dentro do colete. Ele perguntou: - O que foi que houve, rapaz?

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- Onde você estava? Eu acabei de ser assaltado, levaram minha carteira e o celular. E vocês, guardas do apito, nunca estão por perto quando a gente precisa. É impressionante! - eu disse com bastante raiva, lembrando que sempre contribuía com R$ 1,00 todo sábado que eles passavam cobrando. Ele falou com convicção: - Você mora na rua do motel, né? Pronto: vá pra casa que eu levo lá seus pertences. Como era esse homem? Eu o descrevi com detalhes, pois tenho uma memória excelente. - Não se preocupe, amigo - disse ele - em dez minutos eu chego na sua casa. Não muito crente do sucesso do resgate dos meus bens, fui para a minha casa. Exatamente dez minutos após a minha chegada, o homem gritou na minha porta: - Amigo, está tudo aqui! Vou deixar na sua caixa de correio. Espantado, eu saí de casa para cumprimentar o homem e entregar algum dinheiro pela recuperação de meus documentos. Quando cheguei na grade da rua, não havia mais ninguém. Mas estavam lá minha carteira e meu celular, todos intactos. Até o dinheiro estava intocado. Fiquei feliz por estar com minha documentação de volta. Na manhã seguinte, lendo as páginas policiais do jornal, me espantei e senti um frio percorrer a minha alma. Estava lá estampada a foto do mesmo guarda do apito que tinha ido me ajudar. E a manchete: “Morto ao pegar ladrão”. Testemunho de Luciano Conde

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Mulher da Praia Isto ocorreu na praia de Toquinho, que fica em frente à ilha de Santo Aleixo, no litoral sul de Pernambuco. No local, nós tínhamos já escutado várias histórias relacionadas a tal "Mulher de branco", mas eu e meus amigos nunca poderíamos imaginar que uma delas teria como personagem um conhecido nosso. Certa noite, esse nosso colega estava bebendo na casa de veraneio de um amigo. Lá pelas duas horas da madrugada e depois de ter tomado várias cervejas, ele resolveu se despedir. Como a casa dele ficava a uns duzentos metros, preferiu recusar os convites de carona e foi andando sozinho pela estrada. Depois de alguns passos, avistou, a uns vinte metros de distância, uma moça muito bonita, toda vestida de branco, que vinha em sua direção. Ele continuou seu caminho e ficou observando a jovem. Em certo momento, o meu amigo baixou a cabeça. Contudo, ao perceber que ela estava bem próxima (a ponto de se chocar de frente com ele) olhou novamente em frente. E - pasmem! – a mulher de branco havia sumido! Nosso amigo voltou correndo para a casa de onde havia saído e estava tão sóbrio que parecia jamais ter colocado uma gota de álcool na boca. Não sabemos se foi verdade ou não o que ele contou. Mas o certo é que já se passaram 13 anos e meu amigo, que está com 57, jamais se arriscou de novo a andar sozinho à noite pela praia de Toquinho. Contado por um internauta que se identifica como Célio

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Na Escuridão O que irei relatar ocorreu há uns cinco anos, quando morava na cidade de São Borja, localizada no Rio Grande do Sul. Costumava, todas as noites, passar algumas horas no pátio de casa para olhar as estrelas. Em uma noite destas, por volta das nove horas, estava com a minha mãe e senti, no local, uma estranha presença que me causava um certo arrepio. O pátio de minha casa ficava junto com o de nossa vizinha, separado apenas por uma baixa cerca de tela. Os terrenos tinham o mesmo tamanho: cerca de 45 metros de comprimento por 40 metros de largura. Havia apenas uma lâmpada que ficava no canto da parede. Naquela noite, foco iluminava onde eu e minha mãe estávamos. E o restante do local ficava em total escuridão. Eu tinha em mãos um flash de câmera fotográfica e resolvi acioná-lo na direção do fundo do terreno. Quando fiz isso a sensação que sentia se intensificou. É como se ouvisse alguém dizer: "Saia imediatamente daí!" Peguei minha mãe pelo braço e disse a ela que deveríamos entrar em casa o mais rápido possível. Tão logo chegamos ao quarto, algo começou a se chocar violentamente conta a porta dos fundos! Voltamos para ver o que era e vimos a porta ser golpeada por algo furioso que "guinchava" como algo que nunca havia ouvido antes. Não conseguíamos ver o que era, pois a luz do pátio estava apagada e não nos animávamos a chegar perto para espiar. Só para esclarecer: havia uma grade de ferro na frente da porta dos fundos. Acho que se não houvesse esta grade, aquela “coisa” - seja lá o que fosse - teria entrado. Não tínhamos telefone para pedir ajuda. Sai pela porta da frente, pulei o muro e fui para a casa de minha vizinha para telefonar para

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meu tio, que morava ali perto. Ele veio, junto com um vigia ver, o que se passava. Mas tudo ficou estranhamente quieto, não se ouvia mais nada. Após vasculharem o local, também nada foi encontrado. No dia seguinte, notamos que havia arranhões na madeira da porta! Após aquela noite, nos recolhíamos assim que escurecia. A sensação de que algo ainda espreitava na escuridão durou por mais quatro noites até começar a desaparecer, mas somente depois de um mês que tomei coragem em sair a pé à noite. Testemunho Alexandre Brugnera

A Senhora de Preto Há muitos anos, quando meus avós eram recém casados, começaram a ocorrer coisas inexplicáveis na casa onde eles moravam, que era alugada e ficava no bairro das Graças, no Recife. Tudo começou quando minha avó ganhou uma garrafa de cristal para por licor. Com a garrafa vieram também com dez pequenas taças. De uma hora para outra, as taças começaram a quebrar-se uma por uma sem que ninguém tocasse nelas. Minha avó apenas ouvia os estalos. Até que um dia, ela guardou a última taça e a garrafa num armário e estes apareceram quebrados dias depois. Vovó ficou com bastante medo, pois não havia explicações para aquilo: ninguém entrava na casa sem o conhecimento dela e não existiam crianças no local. Ela, porém, deixou para lá o caso e continuou a viver na casa normalmente.

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Até que um dia, na hora do jantar, meu avô tirou um prato que estava emborcado na mesa e, debaixo dele, encontrou um tufo de cabelos, com se alguém tivesse se penteado colocado os cabelos da escova perto do prato. Ele perguntou para minha avó: “você se penteou aqui perto da mesa?” Vovó, claro, disse que não. Vovô ficou desconfiado, mas procurou esquecer o episódio. Contudo, aquilo voltou a acontecer várias vezes! E cada vez meu avô ficava mais contrariado, a ponto de não querer mais jantar em casa. E outros casos estranhos aconteceram. Um dia minha avó varia a casa, quando ouviu um estalo e viu que o vidro da moldura do retrato de casamento deles tinha rachado. A princípio não deu importância e pensou: “depois eu tiro ele dai e mando trocar o vidro”. Esse foi apenas o tempo suficiente para ela se baixar para pegar a pá. A moldura caiu no chão e se despedaçou! Vovó achou que aquilo já estava indo longe demais e quis tomar alguma providência. Falou com meu avô, mas ele não acreditava que fosse algo sobrenatural: desde o início pensava que era tudo descuido da minha avó. Quando minha avó engravidou, minha bisavó - mãe do meu avô - foi passar uns tempos na casa para ajudar o casal. Ela sempre comentava que a casa tinha um ar sombrio, desde manhã até ao entardecer, com se alguém tivesse sofrido muito ali. Minha avó concordou plenamente. Mesmo assim, minha bisavó continuou na casa depois do nascimento da criança. Um dia, bem cedinho, minha avó acordou com o choro do bebê e tocou no braço da minha bisavó, que estava na cadeira de balanço ao lado da cama. Pediu para ver o que ocorria no quarto da criança. Mas, quando minha bisavó chegou lá, a menina – hoje, minha tia mais velha - estava num sono profundo e, nem que a casa caísse, ela iria acordar.

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Minha avó achou que a sogra, por estar muito cansada, tinha se enganado. Levantou-se e foi ao quarto da filha. Lá teve uma surpresa: viu uma senhora com um vestido negro e antigo, e que também usava véu na cabeça! A mulher tinha as mãos cruzadas na altura do peito e ficou olhando para vovó por um tempo até desaparecer de repente. Apavorada, minha avó contou tudo à minha bisavó. Esta freqüentava uma federação espírita e, com a ajuda de um médium, descobriu que a casa estava carregada energias bastante “pesadas”: pessoas da família dona da casa lutaram pela posse do imóvel depois que ela morreu. Por sua vez, a “velha senhora”, mesmo depois de “bater as botas”, não queria dividir a casa. Foi essa mulher que minha avó viu! Era a matriarca de uma importante família. Vovó achou melhor se mudar, mas demorou muito para conseguir outra casa para alugar. Disse o médium - o mesmo que fez o primeiro diagnóstico – que o espírito tinha simpatizado com casal, pois novamente sentia o que era conviver com uma família - laços de amor que ela não conheceu nem em vida. E mais: o fantasma adorava a criança da casa. Até hoje minha tia se lembra de uma senhora que vinha brincar com ela pela manhã e à tarde. Várias vezes, minha tia apontava para a porta da cozinha - que dava para o quintal – e indicava a amiga que só ela via. Depois meus avós acabaram se mudando. Anos depois, a casa foi demolida e, no terreno, foi construído um edifício de escritórios. Porém o fantasma da senhora ainda aparece por lá. Dizem que os funcionários que velha senhora está com raiva, pois destruíram a casa onde ela morava. Relato de Hyrtacides Amorim

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A Encantada do Pina O Pina é um bairro riquíssimo em histórias, considerado por alguns escritores como uma das povoações mais antigas do Recife. De fato, situa-se num local quase de inevitável ocupação, dada sua condição de estar entre o mar e o extenso e largo braço do rio Jordão. Neste querido bairro tive uma infância quase perfeita, meus pais inclusive moram ainda na mesma casa, ocupada desde 1972. Ali, também me veio uma fértil adolescência, com minha turma e bagunças. Durante esses anos, minha casa era uma verdadeira festa que não parava. Um “point” para a garotada da rua, como se diz hoje. Nestes encontros, diários, num certo período, o fim da noite normalmente era encaminhado para o “fantástico” e todos se esforçavam para contar a melhor história ou a história mais assustadora. Até que um dia, não recordo exatamente quem, falou: - Roberto, conta agora o que aconteceu estes dias com teu pai. Todos se voltaram e o apontado em questão titubeou, quase engasgou e disse: “acho que todos sabem”. Não nem todos sabiam e eu era inclusive um deles. Será que mais uma assombração estava fazendo das suas aparições pelo bairro? Não era suficiente que bem próximo dali, surgisse em noites de lua pelos mangues, a Encantada, que deu nome inclusive a uma rua ainda hoje existente lá? Não era outra. Ele começou e disse: “não riam. Pai está bem abalado com o que aconteceu”. “Seu” André era muito conhecido naquela região, não apenas por sua habilidade como profissional, mas também por ser um boêmio incorrigível. Quando começava uma farra ao fim de semana, era difícil convence-lo que a segunda não era sábado. Também era um namorador hábil e a esposa fazia absoluta vista grossa. Tinha

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desistido de brigar a tempo e assim a vida daquela família corria. Até que numa noite de sábado, ele conheceu uma garota numa festa de bairro à beira-mar das que aconteciam àquela época, chamadas “feirinhas típicas”. E a praia foi o melhor lugar que encontrou para levar a menina. E depois de namorar, como já estava “calibrado” de uma boa quantidade de cerveja, acabou adormecendo ali mesmo, que ninguém é de ferro. Há trinta anos, podia-se se dar ao luxo de dormir na praia e acordar vivo e com roupa e ainda com relógio e carteira. Foram poucas horas que descansou, mas foi reparador. Despertou só, em plena madrugada. A parceira havia saído e ele nem havia percebido. Uma esplendida lua cheia clareava toda a praia e as pequenas ondas de uma maré crescente, tornavam a cena encantadora e que acredito todos já tivemos o prazer de ver uma cena assim. “Seu” André sentou-se e passou a mão na cabeça para despertar realmente, olhando o mar de onde estava. A cena aparecia congelada. Uma foto de um artista habilidoso. Algo então o fez parar realmente. Um vulto emergiu das águas exatamente diante do ponto de onde estava. Primeiro pelos ombros e em seguida começou a vir em direção à beira mar. O resto de sono que ainda havia, diante do inusitado da situação dissipou-se completamente. O vulto começou lentamente a sair da água. Ah, e aí que o sono se acabou mesmo! Como era curioso, levantou-se e foi em direção àquela pessoa. Começou então a vislumbrar a mais linda mulher morena que poderia imaginar, com cabelos longos que chegavam à cintura e com um detalhe: estava nua. Linda e nua. Com passos graciosos, saiu do mar e começou a caminhar em direção a Boa Viagem. O homem, estupefato e agora, realmente interessado, sem pensar duas vezes, começou a seguir aquela mulher maravilhosa que tomava banho nua em plena madrugada recifense. Como havia perdido em seu sono uma cena tão rara e especial como aquela?

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Apressou o passo; ela por sua vez, caminhava sem virar o rosto, mas não estava apressada. Caminhava tranqüilamente. Ele deslumbrado observava o corpo delineado como nunca havia visto. Os cabelos de um negro absoluto, que desciam pelas costas. Tornozelos. Pés superdelicados. Hum. Lindos. Mas ao observar para aqueles pezinhos, algo faltava. Ela não deixava marcas na areia! Achou que estava vendo demais ou de menos e ao virar para ver a trilha que tinham deixado, só encontrou as suas próprias pegadas! Parou de medo. E teve mais ainda de olhar à sua frente. Mas o fez! E, diante dele, a linda mulher estava o observando, com um leve sorriso nos lábios. Descompassado, o coração do pobre homem pedia para ele que corresse, mas as pernas não obedeciam. Estava colado na areia da praia de tanto pavor. No local onde a rua Tomé Gibson encontra a Av. Boa Viagem, a moça misteriosa tomou novamente o rumo do mar e, com grande agilidade, num único mergulho desapareceu sob as pequenas ondas. Ele lentamente tomou o relógio para ver quanto tempo ela ficaria mergulhada, ainda achando que podia ser uma pessoa entre os viventes. Mas a espera foi em vão. Ela havia retornado ao mar! Estávamos obviamente estáticos e nem piscávamos ao ouvir o relato. E nunca mais esqueci essa história. Segundo pude perceber depois pelo próprio Sr. Marcos, ele nunca escondeu o que havia visto. Ouvindo depois outras tantas vezes o mesmo “causo” - porque história boa é como filme ou livro que se assiste ou lê várias vezes me quedei muitas noites diante do mar do meu bairro, tentando ser o próximo que veria a encantada. Queria encantar-me com seu corpo e seu sorriso. Nunca a vi. Não sei se tive sorte ou azar. Contado por Sergio Paulo de Mello Feitosa

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O Fantasma da escada Nas cidades grandes há muitas histórias que acabam por não serem contadas. Essa é uma delas. Dizem que no final da década de 50 ou início de 60, ninguém sabe a data certa do ocorrido, dois jovens se apaixonaram em São Paulo. Ela uma linda menina de 16 anos e de família abastada. Ele um jovem promissor, mas de origem humilde que deveria ter seus 18 ou 19 anos. A família da garota não aceitava o fato dela namorar o rapaz, pois ele era pobre - um mero auxiliar de um advogado – e, além de tudo, músico nos finais de semana. Mesmo assim a família não conseguia impedir os dois de se amarem. Atrapalhavam como podiam, mas era muito difícil impedir que os jovens se vissem. Eles sempre se encontravam na saída da escola ou em eventos parecidos. Até que o pai da menina começou a vigiá-la o tempo todo, tornado impossível que o namoro fosse pra frente. Passaram-se alguns meses dessa situação horrível, em que os dois apaixonados só podiam se comunicar por bilhetinhos. A situação já era por demais insuportável e os dois resolveram fugir juntos e se casar. O plano começou bem: combinaram tudo por meio de bilhetes entregues por amigos em comum. Contudo, os pais da garota descobriram e a trancaram no quarto na noite que estava planejada a fuga. O garoto chegou e esperou que ela aparecesse, mas isso não ocorreu. Então ele invadiu a casa (que era um desses casarões antigos de São Paulo) e começou a subir as escadas em direção ao quarto de sua amada. A escadaria de madeira era velha e fazia muito barulho, mesmo assim ele continuou. O pai da menina que esperava algo desse tipo daquela noite o emboscou quase no final da escada. Os dois brigaram e o rapaz rolou na escadaria e quebrou o pescoço. O pai da menina

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contou para a polícia que ele era um ladrão e não houve problemas com a lei, mas muitos problemas ocorreram depois. A garota suicidou-se duas semanas depois - desceu até o porão e tomou veneno para ratos. Quando sua mãe a encontrou, já estava morta. Isso foi demais para sua pobre mãe que passou a não comer e mal dormia - acabou por contrair pneumonia e morreu naquele mesmo ano. O pai continuou a morar na casa por mais alguns anos, mas, certo dia, vendeu repentinamente o imóvel e desapareceu. O que as pessoas contam é que o rapaz sempre cantava uma música para a garota, "Stand by me". Dizem que esta casa é assombrada - à noite pode se escutar a escada rangendo e essa música sendo cantada por uma voz doce e fantasmagórica. Contado por Márcio Costa

Alguém em Casa Demorei a escolher o caso a relatar. Tenho mediunidade desde muito pequena, quando era “perseguida” dentro de casa por um homem – na verdade, um espectro que só eu era capaz de ver. Por anos a fio, minha mãe me levou à igreja e a benzedeiras, que me protegiam de qualquer mal. Ao completar 17 anos, me casei e mudei de cidade. Fui morar numa casa muito antiga, de aluguel barato. Morávamos eu, meu ex-marido, a irmã e pais dele. Certa vez, eu faltei à aula noturna para ficar no escritório até tarde. Quando eu cheguei em casa, fui direto ao meu quarto e peguei os apetrechos para o banho. Meus parentes e marido

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tinham saído. Eu nunca tive medo de ficar sozinha e, por mais de 13 anos, não havia visto uma alma sequer. Fui ao banho e já estava quase acabando de me secar quando eu ouvi a porta da frente de casa (que rangia muito alto devido à ferrugem) se abrir. Como de hábito, a porta estava chaveada, o que me fez perguntar por impulso quem era. Ouvi a voz do meu ex-marido dizer "Sou meu bem!". Com isso me apressei a sair do banho, pois tinha sido promovida no emprego e estava aflita para contar a ele. Corri para o nosso quarto (passei pela escuridão da cozinha e do corredor). Entrei rompante no quarto já adiantando a boa nova quando me dou com o quarto na escuridão. Acendi a luz para reparar se existiam marcas de quem sentou na cama (como era hábito dele) e nada. Não estava o relógio no bidê (que ele sempre deixava lá ao chegar) ou mesmo o uniforme no cabide. Pensei que ele tivesse ido aos outros quartos primeiro e me dirigi imediatamente na escuridão do corredor ao quarto da minha cunhada e sogros. Tudo na penumbra. Ainda no escuro, fui até à porta dos fundos e passei novamente pela cozinha. Ao abrir a porta dos fundos, acendi a luz da rua e nada vejo além da nossa cadelinha latindo desesperadamente. Nisso, eu comecei a temer algo ruim. Qual não foi a minha surpresa quando eu fecho a porta e acendo a luz da cozinha? O tempo inteiro ela esteve ali: parada na minha frente estava uma velha alta me observando sobriamente! Tive uma espécie de desmaio e só fui acordar quando meu marido chegou, quase uma hora depois. Quem era aquela velha misteriosa? Não faço a menor ideia. Só espero não vê-la nunca mais! Contado por uma leitora que se identifica apenas como Tamara

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Depois do Baile Tudo começou por volta da meia-noite. Eu estava vindo a pé de um baile tradicional da cidade, quando me deparei na rua com uma linda garota, que deveria ter uns 25 anos. Conversamos por cerca de dez minutos, até que ela me convidou para levá-la em casa. Conversamos mais um pouco e logo já estávamos abraçados e trocando carícias. Em torno das duas da madrugada, ela entrou em sua casa, me deu um grande beijo e disse: "Você ainda vai ter uma grande surpresa comigo, talvez ainda hoje." Fiquei tão maravilhado com ela que resolvi sentar-me calcada em frente à casa e esperar o dia amanhecer para, logo em seguida, acordála e fazer o convite para sairmos novamente. Porém, não resisti ao cansaço e adormeci. Quando acordei, percebi que já não estava mais naquela calçada e sim dentro do cemitério! E ao meu lado estava um túmulo enorme de mármore! Nele estava o retrato daquela linda garota que eu havia conhecido. Contato por um leitor que se identifica apenas como Antônio

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Cinco Dedos Eu tinha uns quinze anos na época em que nos mudamos para uma casa onde, segundo os vizinhos, uma moça tinha se suicidado. Porém, eu e minha família não ligávamos para essa história: achávamos que era tudo conversa. Um belo dia, vinha eu passando pelo corredor grande que havia na casa, quando recebi aquele tapa nas pernas! Na hora, minha mãe, que estava na sala, até escutou o barulho, e logo chamou a atenção de meu irmão, achando que tinha sido mais uma brincadeira dele. Então eu cheguei à sala apavorada e disse que não tinha sido meu irmão. Contei o que havia acontecido. Minha mãe pediu para olhar a minha perna e, impressionada, constatou a marca de cincos dedos no lugar onde eu disse que estava doendo. Foi apavorante! O curioso é que todos os dias, às seis da noite, sentíamos um cheiro forte de café dentro de casa, como se alguém o estivesse preparando naquele momento. E nunca havia ninguém coando ou requentando café naquela hora. Testemunho de Mônica Silva

Meu Pai Prendeu Espíritos Vou aqui contar um caso verdadeiro acontecido com meu pai. Eu tinha cerca de 18 anos (hoje estou com 46), e ele trabalhava como motorista pra um senhor chamado Geraldo Guerra. Certo dia, meu pai teve que levá-lo à cidade de Itamaracá – que fica no litoral norte

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de Pernambuco -, pois o patrão tinha uma casa de praia lá. Por volta das onze da noite, meu pai quis voltar para a casa onde morávamos, no município de Limoeiro, Agreste do Estado. O Sr. Geraldo insistiu para que ele ficasse e dormisse na casa de veraneio, já que era muito tarde. Mas meu velho, caseiro como ele só, decidiu vir para dormir em casa. O carro era um Corcel novíssimo, na época um modelo famoso por ter amortecedores muito macios. Depois de cerca de uma hora e meia de viagem, meu pai sentiu como se várias pessoas, de repente, tivessem entrado no carro e sentado. E lá fora apareceu um nevoeiro denso. Meu velho percebeu que a névoa só envolvia o automóvel. Então não teve mais dúvida de que se tratavam de espíritos. Sendo espírita, meu pai começou a doutriná-los e a reclamar com eles, avisando-os de que não deveriam fazer aquilo porque poderiam causar acidente com pessoas que tivessem medo. A partir daí, meu pai passou a sentir que os espíritos queriam sair. O motorista falou a eles que, em nome de Jesus, todos iriam ficar e ouvir tudo o que é era preciso. Quando ele acabou de evangelizá-los, disse: “Agora vão em paz e que Deus os acompanhe”. E, como se fosse mágica, o carro ficou leve de novo e o nevoeiro desapareceu. Lembro-me, como se fosse hoje, de quando ele nos contou esse fato. Nunca soube de uma mentira que tivesse contado. Meu pai, cujo nome era Renato Correia (famoso escultor em Limoeiro), é falecido, e eu jamais iria brincar com seu nome. Por ironia do destino, papai faleceu em um acidente de carro, nesse no mesmo trecho da estrada onde teve o encontro com os espíritos. Contado por Beto de Pernambuco.

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Paixão de Carnaval Eu ainda era bem criança, talvez tivesse uns seis anos de idade, quando presenciei com um amigo de uma prima em segundo grau um dos fatos mais escabrosos que se pode ter notícia. Era segunda feira de carnaval e meus pais voltavam de um baile no Clube Português – no Recife - com a minha prima em segundo grau Ivonete, a qual tinha um amigo de infância chamado Luizito. Ele era rapaz cheio de bossa, gostava de beber, namorar e dançar. Também conhecera uma moça no Amparo - em Olinda -, perto da sede do Bloco "O Homem da Meia-Noite " e ele sempre pedia para acompanhá-la até em casa quando ficava mais tarde. O interessante é que ela sempre dava uma desculpa qualquer e nunca o deixava ir com ela até onde morava. Assim se passaram duas noites; porém Luizito não resistiu à curiosidade e na última e fatídica noite em que ela foi para casa, ele resolveu segui-la escondido e discretamente. Até que a viu entrando numa casa bem singela perto do sítio de Seu Reis - hoje uma pequena praça em Olinda. Ele não teve dúvidas e bateu à porta e logo atendeu uma senhora bem velhinha. Luizito logo pergunta por Margot, a moça com quem tinha brincado dois dias de Carnaval. Ao ver a fisionomia estranha da senhora, Luizito sente que tem alguma coisa errada no ar; mesmo assim entra quando a velhinha o convida. Já sentado numa poltrona bem antiga, ele vê a senhora mostrar uma foto bem antiga e já meio amarelada de Margot numa petisqueira muito antiga também e perguntar se é aquela moça que ele está procurando. Quando Luizito afirma que é aquela moça realmente, a velhinha, que era de um olhar de tristeza só, diz que ele deve estar enganado porque aquela sua filha - que gostava muito de carnaval -, havia falecido vítima de um acidente de carro perto de casa há quase trinta anos.

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O amigo da minha prima Ivonete apareceu na nossa casa naquela segunda-feira de carnaval horripilante, querendo ajuda da minha prima e dos meus pais para tentar solucionar esta aparição misteriosa. Mas ninguém pode ajudá-lo, já que ele estava muito transtornado. Meu pai ainda hoje acha que foi tudo causado pelo álcool. Tudo o que fizemos foi chamar os pais de Luizito que logo o levaram para casa e, de lá, para uma clínica de repouso, onde ficou vários meses. Ele nunca mais se recuperou desse golpe. Contado por Victória Keller

Sons no Apartamento Não me recordo muito exatamente o ano em que aconteceu, mas devia ter de 10 a 11 anos de idade - entre 1990 e 1991. Algumas vezes, eu e outras crianças do prédio em que morava, brincávamos nos fundos do mesmo, nos corredores onde ficavam as janelas dos moradores do primeiro andar. Eu também morei no primeiro andar e certa vez estava eu e outras crianças brincando de algo que não me recordo bem, quando de repente, no apartamento ao lado do meu, ouvíamos um barulho estranho, como se estivesse alguém murmurando. Achamos estranho, uma vez que sabíamos que todos daquele apartamento não se encontravam no local há alguns dias. Mesmo assustados, insistíamos em colocar os ouvidos perto da janela para escutar. Ouvíamos nitidamente sons (resmungos, sussurros, não dava para entender), e mais perfeito ainda o barulho de copo sendo cheio (quero dizer o som de quando colocamos uma bebida dentro de um

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copo, e o som de garrafa também era muito nítido). Isso foi muito assustador! Chamamos até um dos nossos coleginhas, que era meio birrento e nunca acreditou muito nestas coisas. Ele resolveu ir, e, pra nossa surpresa, até ele se espantou e saiu correndo! Detalhe: o som que ouvíamos era do apartamento dos vizinhos que moravam ao lado, vou trocar os nomes para não identificar os moradores: Yeda (a mãe) os filhos (Ronaldo, Roberto e Cris). O marido de Yeda falecera em 1985. Ele faleceu dentro daquele mesmo apartamento - morrera de tanto beber. E outra curiosidade, é que foi minha mãe que descobriu que ele estava morto: uma vez ela estava lavando as janelas e percebeu um mal cheiro estranho que incensava todo nosso apartamento (cheiro de coisa podre). Até que quando aquilo se tornava cada vez mais insuportável, fazendo com que os outros vizinhos percebessem que o cheiro vinha realmente do apto de Yeda, resolveram chamar a polícia. Eles arrombaram a porta e se depararam com aquele homem (o marido de Yeda) morto no chão - ele já estava apodrecendo, pois fazia alguns dias que ele havia morrido. Outro detalhe: a família havia deixado o apartamento por uns dias, justamente por causa da bebedeira insuportável daquele homem. Quando Yeda chegou em casa, após contatarem ela do ocorrido, lembro-me até hoje, de espiar sob o olho mágico aquela cena horrível, gritos, multidão, os policiais, e Yeda desmaiando. Lembro-me do meu pai a deitando no sofá da sala e passando álcool sob seu corpo para que ela voltasse a si. O corpo foi retirado. Mas acho que o fantasma do nosso vizinho permaneceu lá, naquele apartamento. Isso só os atuais moradores do local podem confirmar. Testemunho de Aline Freitas

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Pedido de Mãe Em meados da década de 80, um casal de aposentados estava indo para o interior de São Paulo, para visitar parentes, já que, próximo à época natalina, a família costumava se reunir para as confraternizações de fim de ano. A estrada estava envolta numa medonha e chuvosa noite. Os faróis do carro, mesmo na sua capacidade máxima, mal davam conta de tanta escuridão. Quando a chuva finalmente estiou, deixou um nevoeiro muito denso na estrada, o que os obrigou a trafegar em uma velocidade bastante inferior à que os motoristas costumam utilizar nas estradas brasileiras. Ao pararem num posto de gasolina, para tomar um café e lanchar, conheceram uma jovem senhora e sua filhinha de cerca de oito ou nove anos, que estavam indo para a mesma cidade. Devido à coincidência, os quatro ficaram conversando por alguns minutos. A jovem moça contou que era viúva, não tinha parente, e que as duas estavam indo para o interior, pois recebera uma proposta de emprego irrecusável: não tinha outra opção, senão transferir a filha para uma escola na cidade e para lá se mudar com tudo o que possuía. “Na verdade, minha filha é tudo o que eu tenho”, disse a jovem. Após alguns minutos, mãe e filha se despediram do casal e partiram. Os aposentados ficaram penalizados com a situação de uma mulher tão jovem e já em estado de viuvez. Não sabiam eles que, em pouco tempo, se reencontrariam. Ao terminar o lanche, o casal voltou à estrada, que ainda estava com a visibilidade ruim, embora um pouco melhor do que antes. Após alguns minutos de viagem, tiveram uma visão terrível: a cerca de dois quilômetros do posto, numa curva bastante fechada, viram marcas de

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pneus imprimidas por uma violenta freada que acabava num desnível da estrada, como uma espécie de barranco. Imediatamente, levados pelo instinto de ajudar, reduziram a velocidade e viram, na beira da estrada, a mesma jovem que haviam conhecido há pouco tempo. Ao parar o carro, foram abordados por ela, que desesperada tentava explicar que, como não conhecia a pista, derrapou o carro na curva. Disse caiu no barranco e que a sua filha estava ainda dentro do carro. O casal deixou a jovem sentada no banco traseiro e descer o barranco onde se encontrava o carro acidentado. Lá eles tiveram uma surpresa ainda maior quando encontraram no veículo o corpo sem vida da jovem que estava há pouco pedindo ajuda! Depois de constatarem que a criança ainda estava viva, retiraram-na do veículo e levaram-na para o carro, onde -logicamente - não se encontrava mais sua mãe. Concluíram, com espanto terrível, que o espírito daquela mulher, levado pelo amor que sentia por sua filha, foi quem lhes pediu ajuda. Contado por Rodolfo Lira

República Assombrada Este caso aconteceu no interior de São Paulo, na cidade de Adamantina no mês de setembro de 2003. Muitas pessoas da cidade sabem da história, mas algumas versões são boatos o que aconteceu de verdade foi o que eu vou contar a seguir. Na cidade há uma faculdade particular que movimenta muito o município, trazendo estudantes de outras cidades, e estes acabam

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formando as famosas repúblicas. Numa dessas moravam quatro meninas que se mudaram para lá depois que a antiga moradora faleceu já bem idosa. As garotas, jovens e cheias de energia, faziam regularmente festas em sua república, curtindo a vida da melhor forma. Assim, dia após dia aprontavam de tudo no local. Certo dia, vasculhando a casa, foram ao porão e descobriram lá alguns pertences da senhora que seus parentes não haviam levado. Acharam até um baú trancado. Acabaram achando melhor não abrir. Mas uma delas ficou com uma curiosidade imensa sobre o velho objeto. Certa vez, a menina curiosa não agüentou e foi até o porão para ver o baú. Chegando lá, ouviu uma voz rouca lhe dizer: “Não mexa nesse baú, não mexa!” Quando ouviu isso, ela saiu correndo e contou para suas amigas que obviamente riram da cara dela, deixando-a envergonhada e com raiva ao mesmo tempo. Os dias se passavam e ela ouvia sempre a voz rouca lhe dizendo para não abrir o baú. Aquela voz parecia que a seguia dentro da casa, fazendo com que ela não conseguisse nem aproveitar as farras que lá aconteciam. Até que uma noite, enquanto alguns meninos estavam lá fazendo uma festinha com suas amigas, ela não suportou mais aquilo e foi para o porão decidida a acabar a abrir o baú. Chegando lá a voz ficou mais forte! Gritava para ela não abrir o baú! Quando a garota tentou forçar a tranca sofreu um baque e voltou correndo para a sala onde estavam os outros. Chegando lá, ela não falava mais com sua voz, mas sim com a voz rouca que ela tinha descrito para suas amigas. Essas naquele momento não sabiam se era uma brincadeira ou se era sério. A menina, totalmente possuída, gritava com a voz cavernosa para elas deixarem aquela casa:

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“Saiam da minha casa ou eu vou matar todas vocês, saiam”! Por fim, a menina em transe desmaiou e foi levada para Santa Casa da cidade. Por idéia de uma das mães das meninas, um padre foi chamado. Ele benzeu a casa e foi ao hospital benzer a menina, que, quando voltou a si, não queria mais voltar até a casa. Uma de suas amigas arrumou a mala da garota e ela saiu do hospital direto para a cidade dos seus pais, trancando a matrícula na faculdade. Até hoje não voltou. As outras meninas alugaram outra casa para morarem juntas e a casa da falecida senhora ainda está lá para alugar. Afinal, o que será que havia naquele baú?

Luzes na Mata Esta história que vou contar se passou em Pernambuco, na zona rural do município de Surubim. Lá, as casas ficavam, no mínimo, a cem metros de distância umas da outras. E, em volta, existiam muitas árvores. Isso sem falar no capim, que chegava a medir quase a altura de uma pessoa adulta. Eram muitas as trilhas por entre os capins e, à noite, nem os mais "machos" da região passavam por elas. E vocês vão saber porque. Minha avó, Maria das Dores, morava no local com seus pais e seus irmãos, numa casa simples como todas as outras. Não havia energia

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elétrica na região e, por isso, só as lamparinas os protegiam da escuridão. Minha avó contava que, na maioria das noites, quem olhava para o horizonte da mata via luzes andando juntas como se fossem beatas em procissão carregando lamparinas. E, de repente, as luzes se apagavam! Muitas vezes alguns homens da região iam juntos tentar descobrir o que era aquilo. Mas nunca encontravam nada! Contudo, contava-se que as pessoas iam sozinhas pelas trilhas viam vultos brancos assustadores por entre os capins e debaixo das árvores! Qual seria a explicação para essas aparições? Acho que ninguém jamais saberá. E esse não era o único mistério que havia ali. Numa fazenda do lugar, morava uma família muito estranha, que não conversava com ninguém. Diziam que o dono da propriedade era uma pessoa ruim e tratava os outros muito mal. Ele ficou muito doente e teve que ser levado para o hospital às pressas. Nesse dia, minha avó estava no quintal de casa com seu pai quando, de repente, um vento passou com tanta força que abaixou a plantação de milho - o que era uma coisa bem estranha de acontecer. O vento fazia um barulho como se fosse o ronco de um porco, era terrível! Mas logo tudo voltou ao normal, como se nada tivesse acontecido. No outro dia, minha avó ficou sabendo que o senhor da fazenda que foi morreu no hospital na hora em que o fenômeno inexplicável ocorreu. Minha avó conta essas histórias várias vezes. E tem muito respeito por esse tipo de coisa. Lembranças de Alexandre Leite de Paula

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Luzes na Mata Esta história que vou contar se passou em Pernambuco, na zona rural do município de Surubim. Lá, as casas ficavam, no mínimo, a cem metros de distância umas da outras. Como a moça resistiu, foi lançada nas águas e se afogou. A partir daquela data, um fantasma começou aparecer no Parque Solon de Lucena - onde existe uma lagoa. Era uma mulher que pedia carona aos rapazes que passavam de carro por ali. Um desses desavisados foi levado ao Cabo Branco, cerca de vinte a trinta metros acima da praia. Quando lá chegaram, o moço encostou o veículo perto do mirante, para terem uma melhor visão do mar. Então, ela saiu primeiro e empurrou o automóvel abismo abaixo! Logo ao amanhecer, a primeira pessoa a tentar socorrer a vítima, ouviu toda a história, antes do último suspiro do rapaz. Não consta que mulher fantasma teria encontrado o causador de sua morte. Dizem que ela continua a aparecer no referido parque. Certa vez, a assombração seduziu outro motorista e pediu a ele para dirigir o carro. Resultado: lançou o automóvel na lagoa! Só encontraram o corpo do rapaz, preso pelo cinto de segurança no assento de passageiro. Por isso, a turma jovem da cidade, que sabe desta história, não dá carona a mulher bonita, principalmente a partir da meia-noite. Contado por Geraldo Lyra

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Uniforme Azul Nunca conheci meu avô, nem por foto: ele morreu quando a minha mãe tinha 12 anos e, na minha casa, pouco se fala dele. Por mera coincidência, ele morreu na data que antecede em dois dias ao meu aniversário; por isso, eu nunca me esqueço. Ultimamente tenho tido dificuldade para dormir, mas, no dia do aniversário de morte de meu avô, consegui dormir bem. Sonhei com a minha mãe dizendo "receba-o, ele só quer o seu bem". Acordei e ainda estava escuro. Devia ser por volta de três da madrugada, estava muito frio, então fui desligar o condicionador de ar. Quando acendi a luz, estava sentado aos pés de minha cama um homem alto de cabelos grisalhos e rosto amigável, usando um fardamento de cor azul. Fiquei assustada a ponto de não conseguir me movimentar. Percebendo minha perturbação, ele disse sorrindo: - Fique calma: eu só queria estar perto de você. Parabéns pelo seu aniversário! E desapareceu. Ao ver sua forma sumir como que por mágica, eu fiquei bastante aliviada e fui dormir no quarto de minha irmã, receando que ele voltasse a aparecer. No outro dia, relatei o fato à minha tia que ficou bastante emocionada quando dei a descrição correta de meu avô, mesmo nunca o tendo visto. Detalhe: ele era da marinha e foi enterrado com o uniforme de festa, um traje azul-marinho. Testemunho de Mariana Tavares

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O Índio do Recife Antigo Esta história aconteceu comigo, mas não lembro se foi no final de 1997 ou início de 1998. Na intenção de preservar as pessoas com as quais eu convivi durante um tempo, contei isso a poucas pessoas, mas nunca me esqueci do fato. Prefiro não citar nomes, para não constranger ninguém. Trabalhei com um ex-namorado em um bar no Bairro do Recife Antigo, e, no imóvel, diziam, habitava um espírito de um Índio, que botava as pessoas para correr. Ele ficava, principalmente, no último andar da casa, um prédio de dois andares. Alguns moradores das redondezas já o tinham visto. Mas eu sempre preferi acreditar que ele era fruto da imaginação daquelas pessoas. De vez em quando, eu dormia no local, esperando o outro dia para voltar para minha casa. Algumas pessoas que trabalhavam lá chegaram a ver estranhos fenômenos no bar, mas eu nunca via nada. Então. estava tudo ótimo. Um certo dia, eu e meu ex-namorado fomos buscar algumas coisas no bar, num dia que não teria movimento e o local estava vazio; ninguém além de nós dois. Ao terminarmos de colocar as coisas no carro, verificamos que a janela do último andar, a do depósito, estava aberta. Detalhe: ainda estávamos sob a luz do dia. Eu, corajosamente e sem imaginar nada (para ninguém dizer que foi fruto de minha imaginação), resolvi ir fechar a janela e verificar se não tinha mais nada aberto lá por cima. Quando deixei tudo fechado, organizado, fui descer as escadas para ir embora. Pois bem: bastou eu descer uns poucos degraus e senti, de verdade, alguém dando passadas bem fortes atrás de mim, na escada! Foram uns três ou quatro passos. Não olhei para trás, e desci em disparada, gritando:

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-Saaaaai!!! Meu ex-namorado, "muito corajoso", correu para o lado de fora para pedir ajuda. Mas ninguém encontrou nada no local. Até hoje, eu não sei de onde vieram aqueles passos assustadores. Mas, de vez em quando, eu os ainda ouço! Como nunca mais dormi sozinha naquele lugar, preferiu acreditar que são passos de gente viva, que está por perto. Contudo, até hoje, me assusto ao descer qualquer escada sozinha. Testemunho de R.V.S

O Toca-fitas Aos dezesseis anos de idade, raramente parava em casa. Numa dessas andanças, passei pela residência do meu amigo de infância, M.H. mais conhecido como "Coió". Ele vivia metido com os policiais militares da delegacia que ficava próxima e "faturava" alguns itens dos veículos roubados, recuperados pelos policiais, antes que os donos viessem reclamá-los. Um desses itens era um toca-fitas azul marinho bem gasto. O aparelho estava com defeito, uma peça solta chacoalhava dentro quando o sacudíamos. Um colega de classe estava fazendo um curso de eletrônica. Sugeri a Coió que me entregasse o toca-fitas para que meu colega desse uma olhada. Trouxe o aparelho para casa e o deixei em cima da cômoda, ao lado da minha cama. Dormi mal naquela noite, sonhei que um homem moreno, magro, usando só uma bermuda

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desbotada, tentava entrar no meu quarto, muito irritado, mas eu não compreendia o que ele dizia. Meu colega abriu o aparelho e não conseguiu resolver nada. Deixei-o mais uma noite na cômoda e, dessa vez, o homem magro voltou, quando eu estava sonolento, e exigiu a devolução do toca-fitas, muito irado. Ele levou muito tempo falando sem parar, querendo levar o aparelho, mas sem conseguir. Convenci-me de que tudo era imaginação, mesmo vendo o quarto iluminado por uma estranha luz amarela que vinha do chão, e dormi tenso. No dia seguinte, contei o caso a minha mãe que estava estudando a filosofia Espírita, sentindo a presença do indignado estranho à minha volta. Minha mãe teorizou que poderia ser alguém que tivesse sido assassinado durante o roubo do próprio veículo e agora estava se sentindo lesado com a dilapidação de seu patrimônio por ter sido uma pessoa materialista. Devolvi o indesejado aparelho e as "visitas" cessaram. Na tarde que entreguei o toca-fitas ao "ilegítimo dono", Coió me mostrou um par de óculos escuros e confessou ter tirado de outro veículo roubado apreendido pelos policiais. Perguntou se queria ficar com eles. Ao tocá-los, senti o mesmo terror que a visita do dono do toca-fitas me causou durante duas noites e o recusei veementemente, agradecendo pela gentileza. Contado por M.M.O.S.

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O Toca-fitas Aos dezesseis anos de idade, raramente parava em casa. Numa dessas andanças, passei pela residência do meu amigo de infância, M.H. mais conhecido como "Coió". Tínhamos acabado de ensaiar. Ele era vigia no porto de Suape, na cidade do Cabo de Santo Agostinho. No caminho, decidimos parar em um posto de gasolina para abastecer o carro e comer alguma coisa. Estávamos parados no posto dentro do carro quando o baixista da banda, que vamos chamar de Max, viu uma mulher com um vestido branco bem longo caminhando pelo acostamento da estrada. E estava estacionada em frente ao posto uma carreta daquelas bem compridas. Então a mulher ficou por trás da carreta e não a vimos mais. Max gritou "olha outra mulher": ficamos todos assustados, pois a mulher caminhava igual à primeira e estava com as mesmas vestes. ela também desapareceu por trás do caminhão! Resolvemos olhar o que havia do outro lado do caminhão. Liguei o carro e peguei a estrada e, quando olhamos, não havia ninguém por trás da carreta! Olhamos mais adiante e só tinha uma estrada de barro com uma casa abandonada. Logo no início da estrada, o outro guitarrista da banda, chamado Fred, ficou muito assustado e pediu para que eu acelerasse o carro e fosse embora. O Fred saiu da banda, mas, sempre que o vejo, comentamos sobre o acontecido. Max está no grupo; e ele também ficou "encucado" com o que viu. Nunca soubemos explicar o aconteceu Relatado por Dinho

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Batidas na Porta Eu tinha oito anos de idade e estava impressionado com a morte de um compadre do meu pai. Nos vimos apenas uma vez, em um Domingo ensolarado de verão do ano de 1982. Ele e meu pai trabalhavam na mesma fábrica. Além do emprego, mantinha também um bar, no qual paramos nesse Domingo e bebemos refrigerantes. Era ótima pessoa e querido por todos. Alguns meses depois desse agradável fim de semana, recebemos a triste notícia de que Antenor, o bom amigo, morrera atropelado numa rua calma, quase sem trânsito. Uma mulher estava aprendendo a dirigir. Engatou a ré por engano e acelerou exageradamente o carro no momento em que Antenor estava atravessando a pista pela traseira do veículo. Minha família ficou abaladíssima com o choque e evitamos falar no assunto devido a meus pais serem extremamente supersticiosos. Cerca de dois dias após recebermos essa péssima notícia, ouvimos batidas insistentes na porta dos fundos. Meu pai abriu e imaginou tratar-se de alguma brincadeira de criança, pois não havia ninguém. Voltamos a assistir televisão, reunidos na sala de estar e as batidas se repetiram mais duas vezes. Meu pai ficou irritado, especulando se meus amigos tinham perdido o respeito e estavam torrando nossa paciência. Mais uma sessão de batidas na porta e meu pai levantou furioso para atender e dar uma lição nos moleques travessos. Para nossa surpresa, era a vizinha quem estava chamando. Tínhamos um gato ótimo caçador de ratos e bem esperto que entrou disparado para dentro de casa com os olhos esbugalhados e atacou a todos os que tentaram removê-lo do esconderijo que conseguiu atrás da geladeira, de onde só saiu na manhã seguinte.

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A vizinha se desculpou pela intromissão e explicou que o filho dela estava aterrorizado. Hugo era meu amigo de brincadeiras e estava pasmado com o que vira. Descreveu um homem batendo insistentemente em nossa porta. Tinha cabelos pretos e curtos, barba espessa, vestia camisa listrada e bermuda jeans. Bateu três vezes em nossa porta e nos intervalos sentava no passeio como se estivesse desesperado por ajuda. Ele mostrou o homem à mãe que disse não estar vendo nada além do nosso gato ouriçando os pelos e grunhindo para o ar. Ao contrário dos meus pais, meu irmão e minha irmã que ressonaram profundamente, não dormi nessa noite ouvindo, aterrorizado, passos pesados pela casa. Meu pai não quis prosseguir com as conclusões, mas todos sabíamos que o homem visto pelo nosso vizinho correspondia exatamente à descrição de Antenor. Passei uma noite inteira alarmado. Não chamei meus pais por temê-los ainda mais que qualquer fenômeno sobrenatural. Eram pessoas duras, meu pai foi criado à moda antiga e sempre dizia que filhos homens tinham que ser muito machos. Entre encarar o fantasma ou o cinturão de couro paterno, escolhi o primeiro. Meses depois, vi meu pai conversando com outro amigo da fábrica, Arnoldo, que declarou ter também ouvido batidas insistentes na porta do seu quarto e passos pela casa. Era conhecido pelo destemor que tinha em relação ao sobrenatural, e disse ter se livrado do incômodo, abrindo a porta e gritando para o espírito que ele não pertencia mais a esse mundo. O melhor era aceitar ajuda de quem estava oferecendo e descansar em paz. Levou dois dias nesse processo, nos ajudando involuntariamente. Testemunho de M.M.O.S.

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Embaixo da Cama São exatamente 1h e 13min da manhã, e eu estou com aquela insônia, por isso lembrei e resolvi contar o que aconteceu com um amigo meu chamado Roberto. Quem nunca sentiu medo de olhar pra baixo da cama durante a noite? Pois é, muitas pessoas acham isso uma tolice infantil, e o Roberto era uma dessas pessoas, até aquele dia, ou melhor, noite. Assim como eu, ele também sofre de insônia, e passa horas tentando conciliar o sono que só chega depois que o corpo enfim é vencido pelo cansaço físico e mental. Para "chamar" o sono, Roberto prefere ler qualquer coisa, desde jornais, revistas, livros e coisas inimagináveis, e foi lendo uma bula de remédio que ele viveu seu maior pesadelo. Numa noite quente de fevereiro, habitualmente como em todas as noites, ligou o ventilador na velocidade máxima e deitou na cama, como não tinha outra coisa à mão para ler, resolveu pegar uma bula de um remédio calmante (que ele tomava) e começou a olhá-la, quando de repente o vento forte do ventilador derrubou a bula no chão, embaixo da cama. Ele curvou-se para apanhá-la e no meio da penumbra debaixo da cama (pois a luz do quarto era bastante fraca) e viu um par de olhos esbranquiçados, meio puxados, que olharam fixamente nos seus. Roberto rapidamente voltou para cima da cama achando que estava louco, que não tinha visto nada, e pensou: "Eu posso ter me confundido com algo, já está tarde e a vista tá meio embaçada, vai ver era poeira ou um pedaço do lençol da cama, e imaginei que fosse outra coisa." Antes fosse! Ele apagou a luz e tentou dormir.

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Detalhe: não olhou novamente embaixo da cama! Tolice heim?! Quando já estava naquela sonolência, sentiu que o lençol que ele adora colocar dobrado em cima da barriga começou a deslizar em direção aos seus pés, não deu a mínima importância, achando que era o vento do ventilador. Dormiu e, quando acordou de manhã, notou que o lençol não estava na cama, subitamente com os raios do sol adentrando ao quarto, olhou para baixo da cama, e lá estava ele (o lençol) ainda quente, como se alguém tivesse dormido nele. "Mas, quem?" Pensou Roberto. Mais uma vez achou tudo aquilo uma bobagem, mas, durante uma semana inteira o fato voltou a ocorrer, do mesmo jeito - todas as manhãs seu lençol encontrava-se embaixo da cama, e quente. Foi então que ele resolveu me contar tudo, e eu lhe disse que nesses casos poderia ser uma reação adversa do calmante que ele tomava, poderia estar causando-lhe alucinações. Disse também que deveria suspender o uso pra ver o que iria acontecer, já que mesmo tomando o remédio ele ainda sentia insônia. A partir daquele dia ele parou com o remédio e esperou ansioso a noite chegar. Mais uma vez deitou-se (sem olhar pra baixo da cama), colocou o lençol na barriga e sentiu um enorme calafrio quando novamente quando ele (o lençol) foi puxado. Roberto permaneceu imóvel até o raiar do sol. E o lençol? Já sabemos onde e como estava. A essa altura o Roberto estava completamente desnorteado, e veio falar comigo de novo. O conselho que eu dei foi o seguinte: - Quando for dormir, olhe para baixo da cama e veja se algo de estranho. Se houver, fique de olhos bem fechados e repita três vezes: "isso não é real”. E, em seguida abria os olhos. Isto sempre funciona, pelo menos em alguns filmes.

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A noite chegou e Roberto foi fazer exatamente o que eu lhe disse. Quando avistou aqueles olhos assustadores, ele imediatamente fechou seus próprios olhos e repetiu três vezes que aquilo não era real. Só que, para desespero dele, o dono do par de olhos respondeulhe com uma voz soturna e macabra dizendo: - Eu sou do fogo, sou quente, e vento nenhum irá me esfriar. Se você continuar me soprando, irei tomar não apenas seu cobertor, mas também o calor do seu corpo. Para sempre! Roberto não pensou duas vezes, levantou correndo e saiu do quarto, não sem antes desligar o ventilador. Dessa noite em diante, Roberto nunca mais ligou ventilador, prefere dormir no calor, e ainda se mudou da casa em que morava. Por precaução, ele prefere dormir num colchão no chão, sem cama nem ventilador. E você, já olhou embaixo da sua cama hoje? Contado por Paula Christina

A Empregada Já há alguns anos trabalhando para nós, a reservada Maria, com seus 62 anos, era literalmente uma pessoa de poucas palavras. Apenas cumpria com suas obrigações de empregada do lar e não dava espaço a qualquer tipo de intimidade, seja conosco, seus patrões, ou qualquer outra pessoa de nossa vizinhança. Ao contrata-la apenas tivemos boas referências sobre seu excelente trabalho e conduta, nada mais que

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isso. Quem poderia imaginar que uma pessoa tão discreta poderia estar relacionada ao estranho episódio que agora passo a relatar. Naquela noite, fomos dormir na mesma hora de sempre, tudo como de rotina. Sempre dividi o quarto com a Maria. Dormíamos numa bicama: eu em cima, ela no colchão de baixo. Daquela vez, a madrugada estava quente. Acordei esbaforido e tive um susto. Vi uma pessoa ajoelhada ao lado da cama de Maria! Ela dormia, como se estivesse a rezar ou algo assim. Bastante assustado, me encobri com o lençol aguardando assim a coragem voltar para que pudesse olhar novamente e desta forma comprovar o que meus olhos haviam visto. Afinal de contas, eu era um garoto de apenas 10 anos de idade. Aquilo era muito estranho para mim, mas a curiosidade superou o medo. Tornei a olhar e, para minha surpresa, Maria, que num primeiro instante estava aparentemente rezando, agora olhava para mim imóvel como se percebesse minha presença ali, a bisbilhotando. Perplexo, votei a me deitar, embora o coração estivesse aos pulos. No dia seguinte, não comentei o assunto com ninguém, nem mesmo com a Maria. E assim foi até o último dia em que Maria nos serviu. Isto mesmo: nunca disse nada sobre o ocorrido. Anos depois, após pouquíssimas notícias sobre a Maria, soubemos que ela agora trabalhava para uma grande amiga de nossa família, que até morava perto de nossa residência. Entre uma conversa e outra, alguns comentários sobre a vida particular da Maria vieram a tona. Soubemos que teve uma vida bastante conturbada. Perdeu seus dois filhos; o primeiro logo ao nascer. O marido, com problemas cardíacos, morreu logo após o nascimento do segundo filho. Este veio a falecer aos 13 anos de idade. Então, pude compreender, aos 17 anos de idade, parte daquela situação ocorrida quando tinha apenas 10 anos. Testemunho de Igor Medeiros

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Vulto no Espelho Estava com meus doze ou treze anos quando morava em São Luís do Maranhão e mudei para um prédio às margens da lagoa da Ana Janssen - o nome é de uma figura mística da cidade. O condomínio era relativamente novo, como a maior parte das construções daquela parte da ilha. Eram quatro edifícios de seis andares cada. O meu não era o mais próximo da lagoa, mas era a última construção da rua e ficava a poucos metros da margem. O bloco vizinho ficava bem à margem da lagoa, local que não costumávamos freqüentar, principalmente durante a noite - e ir lá se tornava um desafio para as crianças. Existiam muitas histórias sobre tribos indígenas que viviam as margens deste lago há alguns séculos. Bem, a verdade é que lá acorriam coisas estranhas: portas se fechavam ou se abriam sozinhas. O pior é que elas algumas vezes travavam. O fenômeno mais impressionante aconteceu numa vez em que eu estava me penteando no espelho do banheiro que ficava em frente a um grande corredor que tinha no apartamento. Era dia, e no momento que levantei o braço para pentear, senti um vulto se deslocando rapidamente pelo corredor e vindo em minha direção, coisa de fração de segundo! A única reação que tive foi jogar o braço em direção ao vulto que parecia me atacar. Isto me deixou bastante impressionado, pois apesar de todas as histórias, eu nunca acreditava. Para confirmar o fenômeno, meu irmão que já tinha em torno de 23 anos, reportou a nossa mãe que vira um vulto em uma noite na mesma semana, o que nos deixou bastante intrigados. O fato é que depois desse "ataque" nunca mais houve fenômeno parecido. O caso é foi verídico: só não me perguntem o que foi aquilo, porque até hoje, 12 anos depois, não tenho resposta. E continuo cético.

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O Fantasma da Caixa Casa Amarela, bairro popular da Zona Norte do Recife, também tem suas fantasminhas. Quem morou em por lá ou arredores durante anos 70 pode confirmar esta história. É só puxar um pouquinho pela memória. Dizem os psicólogos que é comum as crianças, na sua primeira infância, criarem amigos imaginários. Talvez seja um primeiro recurso de socialização. Um ensaio para começar a explorar a sociedade. Amigos imaginários são comuns, mas o que não é comum é que um mesmo amigo imaginário seja compartilhado por diversas crianças. Nos arredores da Rua Padre Lemos, em Casa Amarela, circulava um fantasma de um menino que sempre aparecia com uma caixa presa na cabeça. Parecia um destes meninos de rua. De início, se aproximava pedindo ajuda para retirar a caixa. Esse menino geralmente era conhecido por todas as crianças da rua, e chegava diversas vezes a participar das brincadeiras. Todas as crianças tentavam ajudá-lo a resolver seu problema, mas os adultos sempre pareciam ignorara-lo. Não sabíamos na época que isso acontecia porque os adultos não poderiam vê-lo. Apenas inocentes podiam velo materializado. Era triste, mas amigável; quem sabe uma possível vítima de violência dos adultos e assim só aparecia para crianças de até de três a seis anos. Ninguém notou quando o menino parou de nos visitar. Os anos se passaram, todos cresceram, uns se mudaram e o menino ele virou aquela antiga recordação que guardamos dos nossos primeiros anos onde a fronteira entre o imaginário e o real é mais estreita.

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Infelizmente, não temos como saber se o menino conseguiu se livrar da caixa. Ele não confia mais em nós. Vamos agora ter que perguntar a nossos filhos e netos. Contado por George Santiago

A Vovó das Balas Este fato que ora passo a relatar aconteceu-me no ano de 1976, e, visando a situar geograficamente o leitor, deu-se no município de Crato, cidade localizada no sul do estado do Ceará, quase fazendo fronteira com o estado do Pernambuco. Eu tinha cerca de cinco anos de idade, entretanto consigo lembrar-me com perfeição de tudo que "aconteceu". Todos os dias, no final da tarde, minha mãe dava banho em mim e no meu irmão mais velho e nós ficávamos sentados à porta da nossa casa observando o movimento da rua. Todos os dias, ao terminar a missa numa igreja que havia na nossa rua, uma senhora idosa que saía da igreja passava em frente à nossa casa e nos oferecia balas. Obviamente nós aceitávamos e carinhosamente a chamávamos de vovó. Sucede que, certa vez, ao acordar no meio da noite, vi, em pé, ao lado da minha cama, olhando para mim, esta senhora a que me referi. Embora fosse muito pequeno sabia que estava diante de algo metafísico; lembro-me que senti pavor, e, a única coisa que consegui fazer foi enrolar-me no lençol dos pés à cabeça e arrastar-me por sobre a cama que era envolta em grades para que eu não caísse durante o repouso noturno. O curioso é que eu me arrastava para a outra

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extremidade da cama numa vã tentativa de desvencilhar-me, mas ela dava a volta na cama e cutucava-me com as mãos. Após alguns instantes, rodeando a cama e me cutucando desapareceu, embora eu a procurasse com os olhos não mais a via no quarto. Até hoje não sei se fui vítima da minha imaginação ou se aquilo realmente aconteceu, mas de fato, depois disso, aquela senhora nunca mais apareceu para nos oferecer balas. Testemunho de Fernando Cruz

Mulher das Sombras Irei relatar um fato ocorrido na minha família no final dos anos 70, e que muito me impressiona até os dias de hoje. Para isso, voltarei bastante no tempo, mais precisamente ao ano de 1913, quando minha bisavó materna (que foi criada num Engenho de Cabedelo na Paraíba) foi obrigada a se casar com um homem que ela nem conhecia, já que antigamente era assim: os pais escolhiam os maridos das filhas. Ela, (minha bisavó) que chama-se Elvira, era muito racista, detestava negros, e por vontade do pai, casou-se com um caboclo. Logo após o casamento, vieram morar no Recife, numa casa no bairro de Campo Grande, na rua Santa Cecília, atual Av. Odorico Mendes Mesmo contrariada com o casamento, minha bisavó deu à luz a oito filhos, todos de cor morena, e sempre dizia: "Já que Deus não quis me dar filhos brancos de olhos claros, que pelo menos venha algum neto". Seus filhos casaram e todos os netos também nasceram de cor morena, inclusive minha mãe.

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Passaram-se os anos, e a essa altura, estamos em maio de 1974 e Dona Elvira já havia ultrapassado os oitenta anos, quando enfim nasceu meu irmão mais velho, uma criança branca, de cabelos lisos e olhos castanhos. Ela ficou muito feliz, finalmente alguém para "clarear" a família. Mas, sua felicidade ainda não era completa, pois seu grande sonho era ter um neto ou bisneto que lembrasse sua mãe, branco de olhos azuis. Não realizou seu sonho, pelo menos em vida. Dois meses depois do nascimento do meu irmão, ela faleceu. Um ano depois, em junho de 1975, nasceu minha irmã, de cabelos castanhos claros, olhos verdes e pele alva. Agora sim, começarei o relato do corrido na minha família, pois foi preciso resumir a história da minha bisavó para você leitor, entender o caso. Pois bem, quando minha irmã estava na faixa dos três anos de idade, começou a se queixar para todos que via uma mulher nos cantos do quarto (onde a luz fraca do abajur não alcançava) todas as noites, quando ia dormir, dizia que a "tal mulher" apenas lhe olhava, e que quando começava a chorar chamando alguém ela sumia. Minha mãe, então, procurou uma médium que morava próximo a nossa casa para saber o que estava acontecendo, e ela lhe disse que poderia ser algum espírito tentando se comunicar. Mas quem? O mistério só foi resolvido quando durante uma visita à casa do meu avô materno, minha irmã reconheceu "a mulher". Eis que bem ali na parede, imortalizados por uma moldura de madeira e recobertos por um vidro, havia dois quadros, um ao lado do outro, estavam lá, meu bisavô e ela, Dona Elvira minha bisavó. "A mulher das sombras". Minha mãe assustada procurou novamente a médium que lhe disse: "Dona Elvira está querendo conhecer a bisneta branca de olhos claros que ela tanto desejou em vida, ela é um espírito do bem, por isso apenas aparece para ela". A médium recomendou que todas as noites minha mãe rezasse um Pai-Nosso e uma Ave-Maria com a mão na cabeça da minha irmã, e pedisse a Deus que o espírito da minha

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bisavó ficasse em paz e parasse de aparecer, que permanecesse em outro plano, não no dos vivos. Deste dia em diante, nunca mais minha bisavó veio visitar minha irmã, nem a mim que nasci um ano depois e também sou branca e tenho olhos claros. Mas será que algum dia ela vai querer me conhecer e fazer uma visita? Relato de Paula Cristina

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