REVISTA MOVIMENTO MOVIMENTO,, mobilidade & cidadania
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ano II • número 3 Editora Multiletra Av. Ataulfo de Paiva, 341/302 Leblon • CEP 22.440-030 Rio de Janeiçro • RJ rev_movimento@antp.org.br REDAÇÃO Diretor de redação
Silvio Rabaça Editor
Aziz Filho Editora assistente
Maria Claudia Oliveira Revisora
Tereza da Rocha Estagiária
Maria de Freitas MARKETING
O adjetivo “solar” é usado figurativamente para descrever vitalidade e criatividade. Uma personalidade solar indica iniciativa e capacidade de empreendimento, enquanto o noturnal, notívago ou simplemente noturno é em geral associado a triste e taciturno. O senso comum, porém, não dá conta das sutilezas do coração humano, que insiste em desmentir idéias definitivas. Se a noite rejei-
Suzy Balloussier
ta o brilho solar, nem por isso ela deixa de significar atividade, seja
COORDENADORA DO PROJETO
profissional ou lúdica —quem sabe até sonhos, desejos e realizações.
Cristina Badini Secretária Executiva
Claudia Montero ARTE
Ampersand Comunicação Gráfica (ampersand@amperdesign.com.br)
Os ritmos da noite e do dia se misturam e se impulsionam, desafiando a natureza e modificando o ciclo vital. A humanidade descobre novas necessidades. Em fevereiro de 2002, o Institut pour la Ville em Mouvement
Designers
Raquel Teixeira Claudia Fleury Carlos Henrique Viviane Luiz Baltar PUBLICIDADE
Claudia Montero (claudia@antp.org.br) GRÁFICA
reuniu em Paris os mais diversos profissionais para estudar como as cidades se movimentam quando o sol se põe e propor soluções originais para quem trabalha em horário noturno ou gosta de desfrutar o que a noite oferece de melhor. Desde então várias experiências e iniciativas vêm despontando em todo o mundo. Nova
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Iorque é a eterna “cidade que não dorme”; Roma dá o exemplo com
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sua “Notte Bianca”, na qual promove eventos noturnos nos mais
10.000 exemplares ANTP
Associação Nacional de Transportes Públicos Alameda Santos, 1000 • 7º andar CEP 01418-100 • São Paulo • SP Tel.: (11) 3371-2299 E-mail: antpsp@antp.org.br Site: www.antp.org.br Presidente Jurandir F. R. Fernandes Vice-Presidentes César Cavalcanti de Oliveira Cláudio de Senna Frederico José Antônio Fernandes Martins Luiz Carlos Frayze David Otávio Vieira da Cunha Filho Rogerio Belda Superintendente Nazareno Stanislau Affonso
diversos bairros e distritos, abrindo também seus museus e lugares históricos. E nós brasileiros, o que fazemos? A Movimento se debruça nesta nova edição sobre um assunto cada vez mais caro aos centros urbanos: a mobilidade e a acessibilidade noturnas. Algumas cidades brasileiras já despertam para a sua importância na vida das pessoas e da comunidade e começam a se estruturar para criar mais facilidades de circulação e permitir que as atividades noturnas façam parte de sua rotina, estimulando as trocas, os encontros, a ocupação dos espaços urbanos. Enfim, a própria cidadania.
Coordenadora de Comunicação Cristina Badini
Jurandir F . R. Fernandes
A revista Movimento, mobilidade & cidadania é uma publicação da Associação Nacional de Transportes Públicos - ANTP, editada pela Editora Multiletra. Os artigos e matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores. Todos os direitos reservados.
CASA DA MOBILIDADE CIDADÃ
Presidente da ANTP
NÚMERO 3
movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA
1
Idas e vindas no Orkut Um ponto de encontro virtual com toda liberdade de expressão
Capa: Toni Escalante
MOBILIDADE & CIDADANIA
movimento
4
i n t e r n e t
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p e d a l a n d o
Expresso pedal Empresas adotam a bicicleta em sistema de entregas expressas
10
c i d a d e s A revolução de Bogotá
Know how brasileiro é adotado na capital colombiana, que se tornou modelo no transporte público
e n t r e v i s t a
g a s t r o n o m i a
14
Enrique Peñalosa O ex-prefeito de Bogotá fala sobre a mudança de paradigmas na gestão da cidade
18
Esquinas saborosas Ruas brasileiras também podem ser excelente opção gastronômica
24
i d é i a
Transporte público: acessível para quem? Cidades brasileiras não têm regras claras para facilitar a vida de pessoas com mobilidade reduzida
Um problema de milhões: deficiência
Imobilidade noturna
no transporte público dificulta a vida de quem quer e quem precisa sair à noite e prejudica a economia das cidades
✑
30
c o m p o r t a m e n t o
40
Faixa não é enfeite - Inovações facilitam prevenção de acidentes, mas ainda falta segurança para o pedestre c o m b u s t í v e l
46
GNV: um sonha ainda distantes - Substituição do diesel pelo gás natural veicular nos ônibus brasileiros ainda tem obstáculos a serem vencidos
50
Crônica O ônibus do Bussunda
m ã o
e x p a n s ã o
a t l a s
d u p l a
52
Radares eletrônicos reduzem acidentes de trânsito?
54
A rede cresce - expansão do metrô de São Paulo
58
Berlim - Transporte público ajuda a integrar cidade, que completa 15 anos de reunificação a r q u i v o
60
O transporte no Recife antes das pontes e da poluição
2
movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA
NÚMERO 2
r e s e n h a Livro: O mapa que mudou o mundo/Filme: Uma amizade sem fronteiras
62
OUTUBRO 2004
movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA
3
i n t e r n e t
Idas e vindas no Orkut P O R
S
P I T O M B O
e você se co-
linhas de ônibus favoritas, pi-
zer.” Usuária fiel, Sabrina não
necta à inter-
char a malha ferroviária ou
deixa de apontar problemas.
net, muito pro-
cultuar o metrô.
“O preço das passagens ainda
vavelmente já
Os ônibus são os que mais
é muito salgado. As promessas
foi convidado para se cadastrar
inspiram a criação de comuni-
do bilhete único feitas na cam-
na última coqueluche da re-
dades. Em uma delas, chamada
panha eleitoral foram boas,
de. Criado pelo doutorando de
Ando de ônibus, e daí?, o porto-
mas pelo visto vamos conti-
ciência da computação Orkut
alegrense Luiz Felipe diz que
nuar pagando caro”, reclama.
Buyukkokten, ligado ao Goo-
pegar um T4 às sete da matina
Na comunidade Eu ado-
gle, o Orkut é uma sala de
é uma experiência “essencial”:
ro ônibus, o também carioca
visitas virtual que tem como
“Lá dentro acaba-se fazendo
Wendel Nogueira demonstra
objetivo aumentar o número
parte de uma massa homogê-
sua paixão num de seus posts.
de amigos do usuário e per-
nea. Você não sabe onde co-
Ele lembra que, desde os qua-
mitir o reencontro de gente
meça o seu corpo e onde ter-
tro anos de idade, reparava nos
que não se vê há anos. Mais
mina o da pessoa ao seu lado.
códigos das linhas, nas pin-
do que isso, possibilita a troca
Nem precisa se segurar: nin-
turas dos carros e nos mode-
de idéias em suas diversas co-
guém consegue se mexer lá
los. Indo para a escola, sempre
munidades temáticas, como a
dentro mesmo!”, exagera o
escolhia os tipos nos quais
de transportes públicos. Há
gaúcho. A carioca Sabrina Ca-
queria embarcar. É um aficio-
muita gente discutindo seria-
razza faz parte do grupo e de-
nado: “Lembro que me apai-
mente a logística do setor, o
fine o uso do coletivo como
xonei pelo Thamco Águia
sistema de pedágios e outros
uma terapia. “Gosto de andar
quando foi lançado, em 1987.
temas técnicos e acadêmicos,
de ônibus porque esqueço os
Ficava horas fazendo minha
mas os palpiteiros do Orkut se
meus problemas e literalmente
mãe esperar no ponto para an-
dedicam mais a falar sobre as
relaxo, pois não há nada a fa-
dar nele. Quando vinha um
movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA
NÚMERO 3
MARIO BAG
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H E I T O R
comunidade Metrô de São Paulo, a malha paulista é tida por um dos seus integrantes como “uma das poucas aplicações de impostos que dão certo”. Ela registra episódios pitorescos, como o relato de um passageiro da Linha Azul (nortesul). “Uma vez eu estava dentro do metrô, olhando pela janela, quando vi lá fora um sujeito cabeludo usando óculos escuros e vestindo uma calça bizarra olhando para o nada. O metrô partiu, seguiu para a estação seguinte e, quando parou, o cara estava lá Águia da Volvo, então, era o
sos em comunidades como Eu
também, com a mesma calça
auge!”
odeio baleiro de ônibus, na qual
bizarra, o cabelo e os óculos,
Outras pessoas nutrem
seu impiedoso criador afirma
na mesma posição! Com cer-
fascínio pelos eventos pito-
não agüentar mais ouvir ex-
teza era um fantasma.”
rescos que podem ocorrer na
pressões como “desculpe inco-
Não faltam relatos ou co-
condução. É o caso da curi-
modar a sua viagem”, “não es-
mentários insólitos, mas em
tibana Leticia Diniewicz, cria-
tou traficando nem roubando”
comunidades como Metrô Rio
dora da comunidade Ouvindo
ou “três canetas pelo preço de
(Eu quero um lugar) há muitas
conversas no ônibus, que sem-
uma”. Os personagens mais
reclamações sérias sobre a falta
pre adorou escutar o papo de
citados são, naturalmente, os
de estrutura para dar vazão
desconhecidos. Já ouviu diver-
condutores, atacados em vá-
aos milhares de passageiros.
sas histórias. As mais recor-
rias comunidades chamadas
Com bom ou mau humor, os
rentes, segundo ela, são as
Eu odeio motoristas de ônibus.
brasileiros desejam mesmo é
dos velhinhos que, a cada
O metrô também pode ser
esquina, recordam como era
objeto de adoração e ódio. Na
melhorar a qualidade de suas idas e vindas pela cidade.
■
a cidade antigamente. “O maior número de comentários
O que é? | O Orkut — www.orkut.com — é um site que funciona
é sobre crianças que vomitam
como central de relacionamentos e geralmente conecta grupos de
no ônibus. Há também mui-
amigos ou pessoas com interesse nas comunidades temáticas,
tas histórias de pessoas que
que podem ser abertas por qualquer um dos membros do Orkut.
se apaixonaram por alguém
Para ser membro, o interessado precisa de ser convidado.
num coletivo.”
Como criar uma comunidade? | Entrando no site, clique em
As figuras que freqüentam
“comunities” e, bem no pé da página, em “create”. Preencha um
os lotações também são víti-
pequeno cadastro e, ao clicar novamente em “create”, terá criado
mas de comentários veneno-
mais uma comunidade no Orkut.
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Expresso pedal Cresce a procura por empresas ecologicamente corretas dos ‘bike boys’
POR M A R C O S M A C H A D O
A
s vantagens
ro, como mostram duas em-
foi levada a sério. “Não
para
quem
presas que adotaram o veículo
acreditavam que pudéssemos
adota a bici-
para fazer entregas expressas
superar os motoboys”, lembra
cleta como
em São Paulo e no Rio de Ja-
o sócio Flávio Meireles. Aos
neiro.
poucos, o conceito ganhou
meio de transporte no dia a dia
66
são bem conhecidas. É uma al-
A primeira surgiu em São
espaço e credibilidade, em
ternativa eficiente ao trans-
Paulo em 1998, prometendo
grande parte graças a uma bem
porte motorizado, não polui,
entregas em até uma hora a
sucedida manobra de mar-
faz bem à saúde e estimula a
partir da coleta, mesmo se pre-
keting: os ciclistas passaram
integração social. A novidade
cisasse cruzar a cidade da Ave-
a subsidiar a rádio Eldorado
é que a magrela passou a ser
nida Paulista até Santo Amaro
com informações sobre o
uma forma ambientalmente
no rush. A promessa ambiciosa
trânsito. O fortalecimento da
sustentável de ganhar dinhei-
da Bike Courier, no início, não
consciência ecológica no mer-
movimento movimento, ,MOBILIDADE MOBILIDADE&&CIDANANIA CIDANANIA
NÚMERO NÚMERO33
cado corporativo atraiu clientes como Votorantim, Ig, Bra-
Pedalando para salvar ou matar
silinvest e Forma Academia. O preço também é um forte
O uso da bicicleta em atividades profissionais não se
apelo. As firmas que operam
restringe ao ramo de entregas ou ao policiamento,
com motociclistas, conta Flá-
outra finalidade comum, principalmente na Europa. Em
vio, cobram por hora – no míni-
Londres, ainda em caráter experimental, há um serviço
mo duas – para cada remessa.
de bicicletas-ambulâncias. Seis paramédicos em bikes
Com a entrega em até uma ho-
equipadas com luz de prioridade, sirenes, desfibrilador
ra, o custo cai pelo menos à
cardíaco e máscara de oxigênio vão atuar na área central
metade: R$ 9,00 é o preço ini-
em um quilômetro ao redor de Leicester Square,
cial do serviço na Bike Courier.
Trafalgar Square, Soho e Covent Garden. Prestarão
A empresa, que começou com
atendimento rápido a pacientes em estado crítico, como
três ciclistas e poucos pedidos,
vítimas de ataque cardíaco que estão em vias conges-
dispõe de 35 mensageiros para
tionadas ou ruas de pedestres. Outra equipe com cinco
atender a uma média de 50 cha-
paramédicos está a postos no aeroporto internacional
madas na Grande São Paulo.
de Heathrow para emergências. É o segundo aeroporto
A Cicle surgiu em 2002 no Rio com dez ciclistas e en-fren-
do mundo a contar com o atendimento. O primeiro foi o de Vancouver, no Canadá.
tou menos desconfiança do que
Militares também usam bicicletas profissional-
sua colega paulista por causa
mente. Embora o exército da Suíça tenha anunciado a
da forte cultura ciclística da
extinção de seu batalhão de ciclistas de montanha em
cidade. O Rio tem a segunda
2003, a bicicleta continua tendo uso militar, mais
maior malha de ciclovias da
exatamente pelos paraquedistas dos Estados Unidos
América Latina, com 140 qui-
na guerra do Iraque. Eles saltam do avião com um
lômetros (a maior é de Bogotá,
modelo dobrável da Montague às costas, que pode ser
com o dobro). A empresa já
usado para deslocamentos entre os combates.
atende o centro, a zona Sul e a Tijuca (zona Norte). O número de funcionários dobrou e os pedidos são de pelo menos cem diários, chegando a 2 mil quando há distribuição de convites para grandes eventos. Os preços começam por R$ 5, para
Inspiração na Dinamarca
Peter Neusch, sugeriu a criação da empresa nos moldes
entregas no mesmo bairro. Re-
das existentes na Dinamarca,
centemente, foi instituída uma
Depois de anos trabalhando na
sua terra natal. “O negócio
parceria com a Oi. Em troca do
Espanha como editora e
nos permite interagir com as
equipamento de comunicação,
designer de moda, Denise
pessoas e mostrar que é
os ciclistas estampam a marca
ansiava por um negócio
possível viver melhor nas
da empresa de telefonia celular
próprio com viés social. Seu
cidades”, justifica. A Cicle
em suas camisas.
marido, o artista plástico
nasceu associada ao Instituto
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o
SAIBA MAIS
gtbicicleta@antp.org.br Grupo de Trabalho de Bicicletas da ANTP
www.bikecourier.com.br www.cicle.com.br Página das empresas de ciclistas mensageiros
www.adventureofbike.hpg.com.br Página sobre ciclistas mensageiros de São Paulo
www.bicicletada.org Página oficial do movimento Bicicletada – que promove a discussão sobre o uso de meios de transportes não motorizados
www.uspsprocycling.com Equipe de ciclismo profissional do serviço postal dos EUA. – O pentacampeão da volta da França, Lance Armstrong, é um de seus 25 integrantes.
www.londonambulance.nhs.uk Site oficial do London Ambulance Service
A carioca Cicle dobrou o número de ciclistas desde sua fundação, em 2002, e chega a receber 2 mil pedidos de entregas por mês
www.museuda-bicicleta.com.br Museu em Joinville (SC), conhecida como “cidade das
Ethos de Empresas e Respon-
Oliveira, um dos ciclistas-
sabilidade Social e fez uma
mensageiros da Cicle. Roubos
parceria com a Federação Ca-
aconteceram poucos, geral-
rioca de Bicicross, que rendeu
mente das bicicletas ou partes
emprego para dois atletas e
delas.
um projeto para implantar o
Alguns clientes só des-
Dia Internacional Sem Carro
cobrem que o serviço foi feito
no Rio de Janeiro. A iniciativa
por bicicleta ao ver a roupa do
foi aprovada pela Prefeitura
bikeboy. Os problemas decor-
este ano, mas ainda não saiu
rentes do pioneirismo do ser-
do papel.
viço vão, pouco a pouco, desa-
bicicletas”, que possui 16 mil
O maior problema das em-
guando em soluções criativas.
exemplares - inclusive três da
presas pioneiras é o mesmo
Há prédios que não permitem
que atormenta milhões de ci-
o ingresso de bermuda, ves-
clistas no país: o desrespeito
timenta mais apropriada para
www.militarybikes.com
no trânsito. “Os carros jogam
o esforço. Por isso, uma calça
Site das bicicletas militares
em cima, fazem o ciclista subir
sempre está na mochila. Fábio
a calçada e ainda xingam”,
Rosa conta sobre um local em
conta Flávio. Apesar dos ris-
que ocorre exatamente o
cos, a empresa paulista nunca
inverso. “Há um escritório de
teve um acidente sério; a do
arquitetura em que a maioria
Rio teve um. “Fui atropelado
é de funcionárias. Lá, a calça é
há um mês, mas só luxei o
que foi proibida”, brinca,
braço”, conta Fábio Rosa de
orgulhoso.
bicicleta de montanha do exército suíço.
da Montague
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anúncio Levorin
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c i d a d e s
A revolução de Bogotá P
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A capital da Colômbia está
bem sucedidos e esforços de autoridades e
localizada de forma privilegiada
moradores, muitas vezes em contextos difíceis,
no lado oriental da Cordilheira
em prol da cultura e da harmonia urbana.
dos Andes, a uma hora de vôo dos oceanos Atlântico, Pacífico e do Mar do Caribe. Não tem estações muito
O que mudou
definidas, oferecendo uma agradável temperatura
10
que oscila entre os 9° e os 22°, com períodos de
A violência em Bogotá vem diminuindo, os
seca e de chuva que se alternam durante o ano.
números de mortos e feridos no trânsito tam-
Situada 2.640 m acima do nível do mar, Bogotá
bém caem, a cara da cidade mudou. A partir da
tem 7 milhões de pessoas e conta com bela
implantação do Projeto Trasmilênio, em 1999
arquitetura colonial, que convive com edificações
houve uma mudança no próprio conceito de
modernas e arrojadas. Com tantas qualidades, é
cidade. Corajosamente, o então prefeito, Enri-
mais conhecida pela violência e a visão que
que Peñalosa, resolveu mostrar que o espaço
muitos têm dessa metrópole sul-americana é de
urbano ideal privilegia seus habitantes, não os
desordem, graças à ação do narcotráfico e a
veículos. Deve ser democrático, com acesso ao
mazelas como a falta de ordem no trânsito e o
espaço público de forma igualitária para todos,
transporte de péssima qualidade, com altos
com muito verde, calçadas amplas e locais de
índices de acidentes e mortes.
lazer nos bairros pobres.
O mundo pode não ter prestado muita aten-
Partindo dessa filosofia, foi adotado o sis-
ção, mas as coisas andaram mudando na terra
tema pico & placa, que restringe o tráfego de
de Gabriel García Marques e o velho estereótipo
veículos particulares no centro por duas horas,
da capital colombiana já não se encaixa nos dias
nos períodos mais movimentados da manhã e
de hoje. No dia 6 de setembro do ano passado,
da noite. Carros estacionados sobre as calçadas,
Bogotá fez jus ao prêmio Cidades pela Paz, con-
antigo costume dos motoristas de Bogotá e de
ferido pela Unesco em reconhecimento a projetos
certas cidades de outro conhecido país tropical,
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Transmilenio: um projeto de transporte no centro da transformação que valeu a Bogotá o prêmio Cidades pela Paz, da Unesco
passaram a ser rebocados. Um investimento na casa dos US$ 300 milhões contemplou também iluminação pública, construção de calçadas, parques, bibliotecas e escolas em bairros pobres. Inspirado no sistema de transporte de Curitiba e com participação de técnicos brasileiros, foi criado um projeto utilizando o ônibus como transporte de massa, uma solução questionável em outros contextos mas economicamente pos-
Espaço público passa a privilegiar os habitantes, não os veículos
sível para a realidade de Bogotá. Rodando em faixas segregadas, veículos articulados, com pa-
privilegiar automóveis, criaram-se alternativas
radas em estações modernas equipadas com ca-
para pedestres e ciclistas e procurou-se oferecer
tracas eletrônicas, passaram a operar integra-
um transporte público de qualidade para que
dos a um sistema alimentador, que parte dos
as pessoas pudessem deixar seus carros em
diversos bairros.
casa, deslocando-se, em trajetos rotineiros, no transporte coletivo.
Por que transporte rodoviário?
Uma cidade mais igualitária Um dos conceitos que levou à escolha de um transporte de massa sobre pneus foi a econo-
As pistas de rodagem costumam ser cons-
mia. A construção de um metrô seria uma solu-
truídas nos locais onde os preços dos terrenos
ção muito cara e mais demorada. A idéia de
são mais acessíveis, justamente onde se concen-
buscar caminhos específicos para resolver pro-
tram as pessoas das camadas de menor renda
blemas próprios da cidade também pesou. Os
da população. Essas vias deterioram comple-
técnicos levaram em conta questões reais do
tamente a qualidade de vida das pessoas, expõe
dia-a-dia de um país em desenvolvimento, como
todos a riscos de atropelamentos e à convi-
a minguada renda per capita, os problemas ligados à pobreza e os hábitos mais gregários da população. Evitaram copiar modelos de países desenvolvidos e cidades com perfis diferentes. O diferencial do Transmilênio, hoje apontado como exemplo positivo em todo o mundo, é a concepção de que um sistema de transporte é capaz de gerar toda uma estrutura urbana. Houve a consciência, por parte de seus criadores, de que uma política de transporte não é mera ferramenta para resolver problemas de congestionamentos de veículos, mas fator indutor de qualidade de vida. Ela pode determinar o tipo de cidade em que se pretende viver. Em vez de mais vias e obras de engenharia para
Bogotá: menores índices de violência e valorização urbana
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c i d a d e s
vência com mais ruído, fumaça, menos verde.
bus articulados. O preço da passagem custa
Quanto mais velocidade as pistas permitem,
um pouco mais do que a tarifa anterior, mas dá
maiores os prejuízos ao entorno, ressalta o
direito ao uso integrado.
economista Peñalosa. Com o tempo, tornam-
As transformações de Bogotá não foram ape-
se verdadeiras barreiras para os moradores. No
nas em relação à mobilidade humana. O Transmi-
caso do Transmilênio, as áreas ocupadas pelas
lênio mexeu com a auto-estima e tornou a cidade
comunidades mais pobres foi melhorada, com
mais igualitária. Numa época em que se questiona
a construção de locais de lazer para os mora-
o alcance do acesso ao transporte em países como
dores. Em muitos casos, as ruas – utilizadas
o Brasil – em que as camadas mais baixas da
pelo pequeno percentual que pode ter um carro
população se tornam cada vez mais imóveis por
– permaneceram sem calçamento, mas foram
não terem condições de pagar as tarifas – o cida-
construídas calçadas para os pedestres. Um
dão de Bogotá ganha um transporte de qualidade,
parque de 45 quilômetros lineares surgiu onde
sem agressões ao meio ambiente, e vias seguras e
estava prevista a construção de uma rodovia.
cuidadas para pedestres e ciclistas. Talvez seja a
Os moradores dessas comunidades passaram a
hora de muitas outras cidades do mundo busca-
ter acesso a ônibus novos, alimentadores, que
rem soluções mais humanas para os seus proble-
os levam a estações onde podem tomar os ôni-
mas, sejam eles de transporte ou não.
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eentrevista n t rKATIA e BORN v i s
t
a
ENRIQUE PEÑALOSA
Bogotá chamou a atenção do mundo ao receber, recentemente, o prêmio Cidades pela Paz, da Unesco. A conquista foi resultado não de uma política de segurança pública, mas de um trabalho maior, voltado para aspectos sócio-culturais e econômicos, que começou com a fiscalização de venda de bebidas alcoólicas a menores e a implantação de uma cultura cidadã. Curiosamente, um projeto de transporte – o Transmilênio – esteve no centro da mudança. O ex-prefeito Enrique Peñalosa, que implantou o projeto, falou a Movimento sobre a forma como as medidas elevaram a qualidade de vida, contribuindo para a harmonia urbana.
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Mudando paradigmas O que é o Transmilênio? É um sistema integrado de transporte de massa, com base em ônibus articulados. Foi inspirado em Curitiba, aprimorado por engenheiros brasileiros e adaptado a Bogotá. É muito mais barato que um sistema de metrô, leva hoje mais passageiros por quilômetro do que 90% dos metrôs do mundo. E o transporte alimentador, como funciona? Existem ônibus comuns por toda a cidade, atuando como alimentadores. São operados por empresários contratados, que recebem basicamente por quilômetro percorrido. Como era o transporte em Bogotá? Absolutamente caótico, louco, com um número enorme de operadores travando verdadeira guerra pelos passageiros. Havia muitas mortes no trânsito, principalmente de pedestres e ciclistas. Circulavam ônibus com até 30 anos de existência, outros chegavam a ter 4 milhões de quilômetros rodados. Além da melhoria do trânsito e da redução de acidentes, em que o projeto mudou a vida da cidade? Pelo grande poder simbólico, provocou uma mudança cultural ao mostrar claramente que o interesse geral vem antes do particular. Ao se dar prioridade no uso da via ao transporte público, tornou a cidade mais democrática. No espaço público, todos sentem-se iguais. O ônibus também passou a ser visto como um transporte de qualidade, desvinculado da idéia de pobreza. E a população economizou tempo e dinheiro, pois 45% dos passageiros usam o alimentador e, depois, o Transmilênio, pagando apenas uma tarifa.
JANEIRO/FEVEREIRO 2004
movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA
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entrevista KATIA BORN
Como ocorreu essa mudança de paradigma com relação ao ônibus? Para começar, mudamos a terminologia. Hoje o passageiro diz “vou tomar o transmilênio”, que percebe como um produto distinto. As linhas passam também por áreas nobres, reforçando a idéia de que é um transporte para todos, pobres e ricos. A restrição aos automóveis no centro e a boa qualidade do transporte também contribuíram. O que torna o Transmilênio a contribuir para a paz social? Cerca de 40% dos investimentos foram feitos em alterações do espaço público. As áreas públicas tornaram-se seguras, agradáveis, com vias exclusivas para pedestres, ciclovias, largas calçadas, bibliotecas, parques. Chegamos a eliminar vias para desenvolver um parque linear, com 45 quilômetros de verde, em uma área pobre para a qual estavam projetadas mais pistas de rodagem. Hoje os moradores de Bogotá gostam muito mais da cidade, têm orgulho dela. E os recursos para a implantação? De onde vieram? Houve a implantação, por lei, de uma taxa sobre a gasolina, de 5%. Isso garantiu cerca de 25% dos recursos. O Governo federal assumiu o restante, investindo na infra-estrutura: vias, estações, garagens.
“provocou uma mudança cultural ao mostrar claramente que o interesse geral vem antes do particular”
O projeto humanizou Bogotá? Sim. Tanto que o governo federal está criando mais cinco projetos semelhantes: em Barranquilha, Cartagena, Pereira, Cáli e Bucaramanga. As políticas que privilegiam o automóvel, em países em desenvolvimento como a Colômbia ou o Brasil, são socialmente justas? São muito injustas, pois dirigem recursos que vieram também dos mais pobres, através de tributos, para resolver engarrafamentos criados pelos mais ricos. A qualidade de vida de uma área é diretamente proporcional ao tamanho do espaço dedicado ao pedestre e inversamente proporcional à velocidade em que se movem os carros. Infelizmente, as pistas de alta velocidade são feitas, via de regra, exatamente nos locais mais pobres, onde os terrenos são mais baratos.
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movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA
NÚMERO 3
A classe média costuma reagir negativamente a medidas restritivas ao automóvel. Em Bogotá, o senhor provocou fortes reações com o Transmilênio. Em que momento foi revertido esse impacto negativo? Realmente, chegaram a pedir o meu impeachment. Mas quando os resultados foram aparecendo as pessoas mudaram de opinião. Em março de 2001, eu tinha 85% de aceitação.
“A qualidade de vida de uma área é diretamente proporcional ao tamanho do espaço dedicado ao pedestre e inversamente proporcional à velocidade em que se movem os carros”
O que caracteriza uma boa política de transporte? Em vez de tentar resolver, a curto prazo, problemas de congestionamento, criando mais vias, devemos pensar: como queremos viver? Não podemos falar de uma política de transporte se não sabemos quais cidades queremos, pois os sistemas de transporte criam modelos de cidade. A pergunta não é “que tipo de transporte queremos” , mas “como queremos viver em nossas cidades?” E como podemos ter boas cidades? Qualquer urbanista hoje tem dois desejos principais: prioridade para o transporte público e cidades densas. Nós, de países como Colômbia e Brasil, ainda podemos mudar nossas cidades, fugir dos modelos norte-americanos, criando soluções de acordo com nossas realidades. Como está o Transmilênio hoje? Temos 56 quilômetros em operação, com um grande terminal que conta com espaçoso estacionamento e bicicletário. Estão em construção outros 50 quilômetros, devendo começar a funcionar em um ano. E virão outras etapas, até 2020, quando 85% das moradias de Bogotá estarão a menos de 500 metros de uma estação do Transmilênio. Esta é a meta.
JANEIRO/FEVEREIRO 2004
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Esquinas saborosas As delícias da comida de rua nas cidades P
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brasileiras
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comida do brasileiro está no
hamburger, alface, milho verde, azeitonas,
olho da rua. Mas muito bem
ervilhas, maionese, tomate, ketchup, mostarda,
empregada, seja em Salvador,
queijo ralado, molhos diversos... Tudinho por
onde o acarajé integra a paisa-
R$ 1 a R$ 1,50, com direito a um copo de refri-
gem e o cardápio de todos os
gerante popular grátis para ajudar na condução
santos, ou no prato principal dos campos
do gigante ao leito do estômago. Sem contar a
gaúchos – levado em forma de miniatura para
pipoca, o amendoim, o algodão-doce, o puxa-
o Centro de Porto Alegre, onde os espetinhos
puxa, a cocada, os churros, a papa de milho, o
assados em carrinhos com infra-vermelhos
queijo de coalho assado, o espeto de camarão,
mantêm acesa, mesmo sem brasa, a tradição
o jamelão, o cajá, a carnaúba, a pitomba... ufa!
gaúcha. O gosto de churrasquear, aliás, se
O sal de frutas.
espalhou no braseiro de todo o país: em qual-
Na Bahia, o Acarajé, uma comida-de-santo,
quer porta de botequim, praça, esquina mo-
está disponível em qualquer esquina para os
vimentada, festa de candidato a vereador, lá está
reles mortais. E lá está de prova todos os dias,
o espeto com carnes variadas. De gato, não.
no Largo do Farol da Barra, a legítima baiana
Dele só ficou o apelido do churrasquinho de
de tabuleiro Tânia Bárbara Mary, 39 anos. Tânia
rua no Rio de Janeiro. comidas típicas de todo o Brasil, foi que inventaram a iguaria do x-tudo, inspirada no cheeseburger. Consiste em duas bandas de pão redondo e tudo que couber entre elas: queijo,
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“Nasci dentro do acarajé”, resume Tânia do Farol, artesã do tabuleiro. Ela potencializa a tradição da família baiana e merece o certificado “ISO nove mil e hummm!!!”
LUCIANO MATOS
Nas ruas cariocas, aliás, onde são vendidas
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do Farol, como é conhecida, não é apenas uma
patrocinado, no ano passado, pelo Sebrae, o
cozinheira de quitutes, mas uma artesã do
Sesi, o Senai e a Agência Nacional de Vigilância
tabuleiro, profissão que passa de mãe para filha
Sanitária, idealizadora do projeto Acarajé 10.
desde os tempos de sua avó. A filha de Tânia,
O resultado não podia ser outro: Certificado?
Ana Cássia, 21 anos, aprendeu ainda menina
ISO nove mil e hummm!!!
as técnicas criadas por escravas para trans-
Tânia vende seus quitutes a R$ 2 (o sim-
formar a massa à base de feijão numa delícia
ples), R$ 2,50 (com camarão) e R$ 3 (com
que tem cheiro e gosto da Bahia. “Nasci dentro
camarão, vatapá, caruru), das 17h30m à meia-
do acarajé”, diz Tânia, com todo aquele sorriso
noite. Em dia mais movimentado, vai até uma
de baiana de tabuleiro, mas sem o mesmo peso
da manhã, ajudada pela filha Ana Cassia e o
que essa típica figura das ruas de Salvador tinha
filho Anderson, 18 anos. Eles parecem seus
antigamente: ela mantém a forma praticando
irmãos mais novos, porque Tânia se casou
capoeira e jiu-jitsu. Em dias de santos, que
muito jovem, com 14 anos. Depois, separou-
são muitos, cumpre com seus trabalhos no
se do marido. “O acarajé é a nossa vida. Minha
terreiro. E no dia-a-dia segue rigorosamente
mãe também se casou nova, teve 15 filhos, qua-
as regras de higiene aprendidas num curso
tro morreram logo e 11 foram criados no tabuleiro”, diz, com orgulho. Na panela cheia de Brasil, a iguaria que ganhou gosto em todos os estados foi mesmo o churrasquinho no espeto, até no lugar sagrado do churrasco tradicional, o Rio Grande do Sul. Ainda bem, agradece Jorge Bueno Lucca, 33 anos, um eletricista que ficou desempregado há dois anos e resolveu driblar o fantasma do desemprego num carrinho de churrasco. Casado, três filhos, mulher diarista, Tio Lucca comprou, depois de um ano na rua e com financiamento do Banco do Brasil, um carrinho de três rodas dotado de queimador infra-vermelho e toldo, especialmente projetado pela prefeitura. “Aprendi técnicas de higiene com o pessoal do Senai, do Sebrae e do Senac. Fiquei muito satisfeito com a substituição do carvão pelo infra-vermelho, que evita a fumaça. Aumentei o valor do churrasquinho de R$ 1 para R$ 1,25 e a clientela cresceu também. Vendo até 120
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NÚMERO 3
FERNANDO ANTUNES/COOMUNICA
No coração da capital gaúdha, o ex-eletricista Jorge Lucca vence o desemprego com um carrinho de churrasco e comemora a chegada do infra-vermelho: menos fumaça, mais fregueses
CARLOS MAGNO
Driblando a Guarda Municipal, o carioca Carlos André montou até banquinhos em volta de seu braseiro: até cem churrasquinhos por dia na histórica Rua do Ouvidor
por dia”, conta ele, que faz ponto na esquina
de bar, com banquinhos. “Já temos freguesia
das ruas dos Andradas e Borges de Medeiros,
certa. O melhor dia é sexta-feira, quando isso
no coração da capital, vendendo para muitos
fica cheio e nós trabalhamos até de madrugada.
estudantes universitários e advogados.
Depois, arrumamos tudo e guardamos num
O hábito do brasileiro de comer na rua tam-
depósito perto. Pago um aluguelzinho, mas
bém acabou com o desemprego do carioca Car-
estou ganhando muito mais do que no tempo
los André, 30 anos, casado, dois filhos. Depois
em que era copeiro.”
de perder o emprego de copeiro, há dois anos,
Mais adiante, na altura da Rua São José, há
ele abriu negócio na esquina da Rua do Ouvidor
outras churrascarias de rua pós-Guarda Muni-
com a Avenida Rio Branco, bem no centrão.
cipal. É ali que o casal de mineiros Débora e
Horário de trabalho? Depois que a Guarda
Flávio Belo, pais de um menino de 7 anos e uma
Municipal vai embora, ali por volta das 18h.
menina de 4, instalam a sua superbarraca rebo-
Carlos e sua mulher trabalham enquanto há
cada diariamente da Penha, onde moram, para
freguês. Vendem até cem churrasquinhos por
vender até 600 espetinhos de churrasco, frango
dia, a R$ 1 cada. A cerveja custa R$ 1,50. Em
ou salsichão a R$ 1,50. Flávio Mineiro também
volta da churrasqueira é montado uma espécie
trabalhava como copeiro há dois anos, quando,
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CARLOS MAGNO
Os vascaínos Cléber Lima e Édson Cardoso, moradores de Maricá, batem ponto na “churrascaria” de Flávio e Débora depois do trabalho: “carne de primeira e freguesia fiel”, comemora Débora
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depois de demitido, arranjou emprego melhor
A classe média foi tão contagiada pelo cheiro
na chapa de um churrasqueira. “Demos a volta
do churrasco que, em Niterói, para atender à
por cima e nossa vida ficou bem melhor. Aqui
demanda, Chico e Zacarias Ceará, donos do Bar
só vendemos carne de primeira e, por isso,
Garden’s, em Icaraí, mandaram construir uma
temos uma boa e fiel freguesia”, gaba-se Débora.
churrasqueira bem na beira de uma das portas,
Um dos mais fiéis é o gerente administra-
para atender a clientes como o comerciante de
tivo de uma empresa de informática, Cléber
produtos de informática Flávio Dib. Lá, o
Luiz Correia Lima, 37 anos, que pára na chur-
churrasquinho é vendido a R$ 1,75 e R$ 2,25
rascaria do Flávio depois do expediente, antes
(com molho). “Comer na rua hoje é uma
de voltar para casa, em Maricá. Seu amigo
tendência e, por aqui, isso já virou moda. No
Édson Cardoso, gerente de banco, morador de
caso do churrasquinho, vai muito bem para a
Maricá e vascaíno como Cléber, é figurinha fácil
roda de cerveja com os amigos”, diz Flávio,
por ali às sextas-feiras, enquanto espera o
comprovando que a vida nas ruas não é feita só
ônibus para voltar para casa. Os dois amigos
de pressa, barulho e engarrafamentos, mas
elogiam a qualidade do churrasquinho e o bom
guarda sabores e cheiros muito especiais para
ambiente, que atraem a classe média.
aproximar as pessoas.
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Edison
Passafaro
Transporte Público: Acessível para quem? Se a vida do cidadão co-
transporte exclusivo que não dão conta do
mum que se desloca pelos
recado. O nível de preocupação e investimento
sistemas de transportes pú-
é zero. Outro dia ouvi de um técnico de uma
blicos no Brasil já é um mar-
das maiores empresas de transporte público do
tírio, como ficam os usuários
país que “os deficientes estão mesmo perdidos”.
de cadeira de rodas, os cegos
Infelizmente, ele ainda tem razão. Após tantos
ou as pessoas de muletas? Pois
anos de reivindicações e com tanta tecnologia
é, elas não vão e nem vêm —
disponível, por que ainda encontramos esse
elas “ficam”. São anos e anos
quadro de exclusão? E nem entramos ainda no
de luta pelo direito do acesso
mérito da dificuldade de idosos, gestantes,
das pessoas com deficiência
obesos e todos os que têm sua mobilidade
aos transportes públicos, prin-
reduzida.
cipalmente os urbanos, mas
Em primeiro lugar, nunca houve por parte
até agora o que vemos, de for-
do Estado brasileiro, de fato, uma estratégia
ma geral, são ações isoladas em
de investir em políticas públicas com regras
algumas cidades que imple-
claras e objetivas voltadas à implantação de
mentaram uns poucos ônibus
transportes coletivos eficientes e dignos. Fo-
adaptados – a maioria “mal”
ram décadas de estímulo à aquisição do veículo
adaptada – ou veículos de
particular, baseado no modelo norte-americano,
Edison Passafaro é secretário executivo da Comissão Permanente de Acessibilidade da Prefeitura de São Paulo
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movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA
NÚMERO 3
voltado à elite e à classe média.
Somado o conceito de que transporte pú-
Este comportamento definiu
blico é necessariamente ruim ao preconceito
equivocadamente a política de
de que acessibilidade é só para pessoas com
transportes de todo um país e
deficiência e que estas só freqüentam hospitais
o automóvel se transformou
ou instituições especiais, o resultado é que,
no maior urbanista do século
quando se pensa em elaborar um plano, as pro-
20, além do sonho de consumo
postas são sempre de disponibilizar ônibus mal
dos brasileiros. As cidades e o
adaptados ou veículos exclusivos que irão,
comportamento das pessoas
quando muito, levar uns poucos pobres coi-
foram se moldando às suas
tados a seus locais de tratamento. Custam caro
necessidades. Frente a essa
– para a felicidade das empresas concessioná-
cultura nacional, o transporte
rias – e a conta é subsidiada, como caridade
público passou a ser sinônimo
política. Assim os idealizadores se sentem livres
de transporte ruim, de uso
de investir na melhoria do transporte como um
quase que exclusivo dos me-
todo e orgulhosos de sua própria “bondade”.
nos favorecidos, impossibili-
Tendem a achar que fizeram o máximo e que as
tados de financiar seus sonhos.
pessoas com deficiência não têm do que recla-
O que restou para a esmaga-
mar. Vivem felizes para sempre, sem querer
dora maioria – incluindo as
enxergar que, para quem precisa sobreviver
pessoas com mobilidade re-
no mundo dos mortais, a vida continua uma
duzida – foi ser transportada
guerra.
como gado pelos falidos sistemas de transporte públicos, sucateados, caros e ineficientes, com raras exceções. Em segundo lugar, a socie-
O que restou para a
dade sempre enxergou as pessoas com deficiência como doentes, incapazes, dependentes, improdutivas e confinadas. Mesmo representando 25
esmagadora maioria – incluindo as pessoas com mobilidade
milhões que contribuem com impostos, consomem, votam e
reduzida – foi ser transportada
contam com uma ampla legislação de garantia de seus direitos, inclusive ao transporte público, essas pessoas não são respeitadas como cidadãs e
como gado pelos falidos sistemas de transporte públicos
muito menos incluídas prioritariamente nas políticas públicas.
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Depois de 25 anos combatendo essas
espaço público, otimizando
posturas demagogas, politiqueiras e clientelis-
seus elementos em função de
tas, percebo que uma semente de lucidez co-
todos. Desconsiderar a diver-
meça a germinar na mente de alguns profissio-
sidade no planejamento de
nais da gestão pública. Talvez porque passaram
edificações, vias, equipamen-
a perceber que a população está ficando idosa,
tos, mobiliários urbanos e veí-
que as pessoas estão cada vez mais obesas e
culos públicos se torna inacei-
que a política do carro só aumenta o número
tável. Começamos a intro-
de acidentes com seqüelas irreversíveis. Podem
duzir o conceito do Desenho
ter percebido que resgatar o respeito não é mais
Universal como ferramenta
questão de consciência, mas de sobrevivência.
básica na construção de po-
O que importa é que resistências estão sendo
líticas públicas de acessibi-
vencidas.
lidade às pessoas com mobili-
De uns anos para cá, passamos pelo menos
dade reduzida (deficientes,
a repensar a prioridade do ser humano em re-
gestantes, obesos, idosos, aci-
lação ao automóvel na reurbanização das ci-
dentados temporários etc) e
dades. Tentamos incluir na pauta o conceito
percebemos a adesão de urba-
de mobilidade urbana a fim de reordenar o
nistas ao conceito da “mobilidade urbana acessível”. Para o transporte urbano em São Paulo, apresentamos propostas de “sistemas de
A realidade do transporte
transporte acessíveis”, contrapondo-as à visão calcificada e desgastada de “ônibus adap-
acessível é uma questão de
tado”. Este novo olhar visa harmonizar e integrar todas as
tempo. Cabe aos gestores públicos decidirem por caminhar
ações que garantam acessibilidade total ao sistema. Isso significa rebaixamento de guias, comunicação tátil, visual e sonora, rampas e equipamentos
em sua direção por livre e
eletromecânicos e auxiliares instalados nos terminais de
espontânea vontade ou por livre e espontânea “pressão”
embarque e desembarque, nos pontos de parada, nas calçadas, travessias e mobiliários urbanos ao longo dos corredores estruturais de transporte, bem como a implemen-
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tação prioritária de veículos
acordo com a demanda, sem comprometer o
que garantam embarque em
sistema. Hoje outros municípios articulam sis-
nível (sem degraus) a todos,
temas semelhantes, sinal de que estamos no
inclusive aos com mobilidade
caminho certo.
reduzida, nas linhas estru-
Em 2004, participamos em Brasília de várias
turais. Além disso, a adoção
reuniões promovidas pela Secretaria de
de veículos de pequeno porte
Transporte e Mobilidade Urbana do Ministé-
acessíveis, tipo van, dotados
rio das Cidades com setores representati-
de rádio comunicador e GPS,
vos das pessoas com deficiência, órgãos e
operados para circular regio-
administrações públicas, fabricantes de
nalmente e coletar os usuários
veículos e empresas de transportes, entre ou-
com mobilidade reduzida em
tros, visando o consenso para a elaboração de
seus locais de origem, trans-
um plano nacional de acessibilidade nos trans-
portando-os dentro das re-
portes públicos. No fim do ano, por ocasião
giões ou alimentando as linhas
do seminário de transporte acessível do Minis-
estruturais, certamente ser-
tério das Cidades, conhecemos experiências e
virão para diminuir o drama
propostas regionais. Pela primeira vez, acho
dessas pessoas. Elas estão
que estamos próximos de depositar esperan-
impedidas de se locomover
ças em uma linha de ações exeqüíveis. Na
pelas calçadas, em função da
mesma semana, o presidente Luís Inácio Lula
péssima conservação, da
da Silva assinou o decreto regulamentador
topografia ou de ambas. Outra
das leis federais 10.048 e 10.098, de 2000, que
possibilidade seriam os con-
estabelecem regras nacionais para a acessi-
vênios com cooperativas de
bilidade às edificações, vias públicas, comu-
táxis com veículos acessíveis
nicação e transportes. O Ministério Público
para o trabalho regional porta
ganha uma importantíssima arma na fiscali-
a porta. Provavelmente o custo
zação junto aos governos federal, estaduais e
operacional seria menor. Pena
municipais.
que as propostas não foram
A realidade do transporte acessível é uma
postas totalmente em fun-
questão de tempo. Cabe aos gestores públicos
cionamento. Acho que faltou
decidirem por caminhar em sua direção por livre
empenho e um pouco de co-
e espontânea vontade ou por livre e espontânea
ragem, por parte da secretaria
“pressão”. Para os homens de boa vontade, é a
responsável, para assimilar
grande oportunidade de construir uma política
possíveis críticas dos acomo-
coerente, sólida e democrática para que, num
dados com o sistema cliente-
futuro bem próximo, tenhamos um modelo de
lista. Mas acredito que avan-
transporte público sustentável, eficiente, com
çamos e estabelecemos uma
qualidade e acessível a todos os brasileiros,
estrutura lógica que poderá
independentemente de suas características
ser ampliada ou reduzida, de
físicas ou econômicas.
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Imobilidade Imobilidad 30
movimento,, MOBILIDADE MOBILIDADE & & CIDANANIA CIDANANIA movimento
NÚMERO 33 NÚMERO
Um problema de milhões: deficiência do transporte público à noite prejudica os moradores e a economia das cidades
arçons apressando-se em bai-
G
xar as portas para tentar pegar o último trem, boêmios pedindo mais saideiras à espera do primeiro metrô, pessoas
sonolentas tremendo de frio na madrugada em um abrigo de ônibus são cenas comuns às metrópoles. Circular à noite para quem não tem carro é sempre difícil. Não há trens, os coletivos circulam com intervalos maiores e os táxis, bem mais caros, são a única opção — quando existem. Mesmo nas cidades com sistemas eficientes os usuários reclamam do tempo de espera após determinada hora. “É inevitável. Como trens e ônibus não podem ficar rodando vazios a noite inteira, o número de viagens acaba reduzido”, explica Ronaldo Balassiano, 49 anos, professor de Engenharia dos Transportes da Coppe, da UFRJ. O problema passa despercebido pela grande parte da
e noturna NÚMERO33 NÚMERO
movimento,, MOBILIDADE MOBILIDADE & CIDANANIA CIDANANIA movimento
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população que à noite descansa em casa, mas
te, mas a rotina no entorno é difícil. “As cidades
muita gente trabalha nesses horários ingratos,
dormitórios têm bom transporte só para levar
vai às ruas em busca de diversão, visitar parentes
as pessoas ao trabalho. Para circular dentro de-
e amigos, ou se desespera em casos de emer-
las, só com as vans”, diz o engenheiro florestal
gência sem ter como chegar ao pronto-socorro.
Silvio de Sá, 35 anos, morador da capital.
Isso sem falar na violência, que quando escurece
Quanto maior e mais pobre a cidade, pior a
ganha contornos de síndrome do pânico. A cir-
situação. E quanto mais longe do centro mora
culação vira privilégio exclusivo de quem possui
o cidadão, mais grave ainda. “Em alguns lugares,
automóvel e a imobilidade noturna acaba agra-
após determinado horário, há apenas táxis. Em
vando a exclusão social. A solução do trans-
cidades pequenas com motorização grande, ao
porte solidário, a carona com os amigos, acaba
nível de 50 carros para 100 habitantes, o
sendo a única alternativa, evidentemente res-
problema é menor, mas no Brasil o índice está
trita a setores da classe média.
entre 25 e 30 automóveis por 100 habitantes.
A volência, quando escurece, ganha contornos de síndrome do pânico. A circulação vira privilégio exclusivo de quem possui automóvel e a imobilidade noturna acaba agravando a exclusão social
32
O desperdício do potencial da economia
Quem não tem automóvel continua dançando
urbana e a paralisia da vida das pessoas à noite
na história”, diz Balassiano. Os bairros afastados
não têm produzido, como era de se esperar na
das regiões metropolitanas são particularmente
era do conhecimento, muitos estudos espe-
prejudicados pela redução e interrupção de
cíficos sobre o tema. Poucos projetos miram o
linhas menores ou complementares.
transporte coletivo noturno como prioridade.
As tentativas de solucionar o problema ge-
Brasília é um exemplo típico da insustenta-
ralmente passam pela alteração do itinerário
bilidade de um modelo que precisa ser repen-
de algumas linhas. Recife, com mais de 1,5 mi-
sado. Concebida na modernidade dos anos
lhão de habitantes, recorreu à idéia dos bacu-
1950, nossa capital, hoje na casa dos 2 mi-
raus, ônibus noturnos apelidados em home-
lhões de habitantes, sempre valorizou o auto-
nagem a um pássaro da caatinga que canta à
móvel, complicando a vida de quem não tem
noite. “Mas o tempo das viagens acaba aumen-
carro. O metrô fecha às 20h e depois das 22h a
tando e o intervalo entre elas fica maior, às
freqüência dos ônibus cai muito. Dentro do
vezes de até duas horas. E ainda há grande risco
Plano Piloto a situação é menos sentida por
de assalto”, lamenta Inácio França, 39 anos,
quem tem poder aquisitivo e se agarra ao volan-
diretor de vídeo no Recife.
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NÚMERO 3
No metrô de São Paulo, a circulação dos trens é interrompida entre meia-noite e 5h, quando só restam os ônibus para quem não pode pagar os caríssimos táxis paulistanos. “Eles passam, mas com intervalos de mais de uma hora. Eu mesmo dormi várias vezes em pontos de ônibus”, conta Francisco Mastrochirico, 38 anos, gerente comercial. A força do turismo e a beleza de seus monumentos e praias iluminados não mudam a situação no Rio de Janeiro. A menor quantidade de ônibus e a interrupção dos serviços de trem e metrô, aliadas à crônica sensação de insegurança, impõem limites aos hábitos cariocas. “Hoje trabalho apenas de dia. Antes, quando ia até a madrugada, tinha de esperar mais de uma hora pelo ônibus”, conta Afrânio Luiz Gomes, 32 anos, garçom de um restaurante em Copacabana, na zona sul. A realidade é comum a várias capitais da América Latina. Com grandes populações muito pobres e índices altos de violência, a noite latina é, definitivamente, um desafio. Na Cidade do México, com quase 20 milhões de habitantes, as dificuldades são proporcionais ao gigantismo. “O metrô funciona relativamente bem, mas não chega a todos os bairros nem circula à noite. Os ônibus são pequenos, desconfortáveis e raramente rodam depois das 23h, assim mesmo sem muita segurança”, reclama o editor César Gutierrez, 35 anos. “Nos anos 90 fui a um show do Guns & Roses, a dez quilômetros do centro. Terminou quando o metrô já estava
No metrô de São Paulo, a circulação dos trens é interrompida entre meia-noite e 5h, quando só restam os ônibus para quem não pode pagar os caríssimos táxis paulistanos. “Eles passam, mas com intervalos de mais de uma hora. Eu mesmo dormi várias vezes em pontos de ônibus”, conta Francisco Mastrochirico, 38 anos, gerente comercial
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fechado e, como só havia táxis, cobrando US$
A noite dos moradores e dos turistas que
40 por uma viagem que deveria custar US$ 4,
gastam milhões de dólares nas capitais euro-
voltamos a pé”, lembra, com um toque de
péias é mais fácil. Projetos criativos, ainda que
nostalgia.
imperfeitos, tornam possível circular à noite,
No centro e nos bairros de maior poder
principalmente nos centros e em bairros movi-
aquisitivo, o problema é menor. Em Buenos
mentados. Amsterdã, com apenas 800 mil habi-
Aires, com 12 milhões de moradores, há trens
tantes, é uma das mais cosmopolitas capitais
e algumas linhas de ônibus à noite ligando o
européias. É também um exemplo de raciona-
centro à periferia, mas nada circulando entre
lização dos transportes públicos, com ciclovias
os bairros afastados. Essa deficiência aumenta
e transportes integrados. À noite há 12 linhas
a desigualdade social na Argentina. “Moro em
especiais de ônibus com tarifas diferenciadas
um lugar onde o transporte é bom. Mas para
ligando o centro aos bairros. “Elas chegam a
quem está afastado dessa região, em alguns
todas as partes. Nunca tive problemas”,
horários, só de táxi, que hoje poucos podem
garante Rob Tuin, 39 anos, editor de uma
pagar”, lamenta Deborah Lapidus, 27 anos,
revista holandesa. Essas linhas saem em
professora de literatura.
horários calculados para que os passageiros
O problema passa despercebido pela grande parte da população que à noite descansa em casa, mas muita gente trabalha nesses horários ingratos, vai às ruas em busca de diversão
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NÚMERO 3
possam fazer conexões entre elas e com os trens noturnos. Todos os ônibus têm câmeras de
A DJ e baterista brasileira, Marie Leão, 35 anos, usa a bicicleta quando está “sem paciência para esperar o ônibus” em Berlim, onde mora. No Rio de Janeiro, onde passou as férias, a violência desperdiça o potencial da maior rede de ciclovias do país
vídeo para reforçar a segurança. Na capital espanhola, a solução encontrada é similar. Madri tem 26 linhas noturnas diferentes das que operam durante o dia para aten-
de bicicleta mesmo”, diz a DJ e baterista
der a quase 4 milhões de pessoas. Seus trajetos
brasileira, Marie Leão, 35 anos, radicada na
integram a maior parte da cidade à noite. “Os
Alemanha. Para quem gosta de pedalar, Marie
ricos andam de táxi, mas não é necessário. De
escolheu a cidade certa para passar suas últimas
1h30m às 6h, as linhas sempre nos deixam
férias no Brasil: o Rio de Janeiro, com a maior
perto de casa. Nunca fiquei sem conseguir
rede de ciclovias do país interligando pratica-
chegar a algum lugar”, elogia o biólogo Gus-
mente todos os bairros da zona sul. A falta de
tavo Tomás Gutiérrez, 26 anos. Berlim, capital
segurança, no entanto, inibe o uso da bike nas
alemã com 4 milhões de habitantes, segue o
noites cariocas.
mesmo caminho (leia seção Atlas, p. 58). Hoje
Com mais de 10 milhões de habitantes, Pa-
conta com linhas especiais noturnas que
ris se esforça na busca por soluções inéditas.
cobrem os horários nos quais o metrô não
O serviço de metrô, responsável por quase 50%
circula. Elas funcionam mesmo nos fins de
do transporte urbano, com 1,3 bilhão de passa-
semana, quando os trens urbanos rodam 24
geiros em 2002, é interrompido entre 1h e 5h,
horas. O resultado disso é uma vida noturna
quando só os Noctambus, linhas especiais, cir-
efervescente, com bares abertos de madrugada
culam de hora em hora. “Eles são cheios demais
e muita gente nas ruas. Desnecessário dizer o
e os parisienses não estão familiarizados com o
que isso significa para a economia da cidade.
itinerário”, diz Antonia Martineau, divulgadora,
“As pessoas usam muito os ônibus na madru-
40 anos. Quem mora na Paris “intramuros” ainda
gada, mesmo porque os táxis são caros demais.
consegue voltar a pé para casa, mas o subúrbio
E quando estou sem paciência para esperar vou
sofre com a falta de ligação com o centro exu-
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a
Europa busca soluções Nos países mais desenvolvidos, a questão da mobilidade noturna já está em um estágio bem mais avançado que no Terceiro Mundo. Algumas cidades e comunidades européias fazem estudos e apresentam soluções inovadoras para facilitar a mobilidade noturna. “Como muitas vezes a administração pública não se interessa pelo assunto, é fundamental a participação de ONGs, institutos independentes, universidades e associações comunitárias, que podem começar a envolver os governos”, conta Tomás Moreira, 40 anos, coordenador executivo do Institut Pour La Ville en Mouvement no Brasil, um organismo dedicado a estimular o debate e a apresentar soluções para a mobilidade e o transporte.
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Fundado há cinco anos, o Ville en Mouvement é um dos institutos mais respeitados do mundo no estudo de mobilidade e transportes. “Se a administração pública muitas vezes não se interessa, as ONGs, institutos independentes e as comunidades têm de tomar as iniciativas e apresentar idéias”, diz Tomás Moreira. O instituto foi responsável, junto com a prefeitura de Roma, pela realização do primeiro Fórum Internacional de Mobilidade Noturna nas Cidades, realizado na capital da Itália no ano passado, que reuniu representantes de cidades européias, operadoras de transportes,
arquitetos,
urbanistas,
pesquisadores, estudantes e representantes de associações que debateram diversas soluções para o problema.
berante. “Os ônibus que ligam as estações de
explica Tomás Moreira, representante do
trem aos bairros residenciais param às 23h.
instituto no Brasil.
Depois, só de táxi para chegar ao banlieu”, diz o
O transporte sob demanda antecipada pode
quadrinista Jano, 47 anos, morador de Arcueil,
ser uma boa solução por aqui. “Com o rastrea-
subúrbio dos mais próximos do centro, onde a
mento de veículos, comunicação com os moto-
segurança também é um problema. “O metrô à
ristas e softwares para registrar a demanda, é
noite parece assustador, mas é seguro. Já nos
possível prestar um serviço eficiente e diferen-
trens de subúrbios há muitos marginais e ne-
ciado. A possibilidade de reservas pode atrair
nhuma segurança”, reclama o desenhista, que
para o transporte público pessoas que só usam
em seu álbum Paname, sobre a cidade-luz, dedica
o automóvel”, diz Balassiano, que vê aí uma
algumas obras ao tema.
possível saída para nossas metrópoles, nas quais
A atuação e as pesquisas do Institut pour la
segurança e mobilidade são temas indisso-
Ville en Mouvement (ver quadro) geraram inicia-
ciáveis. “É necessário ter boa iluminação, fisca-
tivas originais e eficazes que começam a fun-
lização nos pontos e no acesso aos pontos”, diz
cionar em Paris. “Temos serviços de veículos
Moreira. O cuidado com os pontos e estações
para buscar jovens em festas de madrugada,
é mesmo fundamental. “O maior risco em São
que apanham pessoas em casa com um pequeno
Paulo não é o de ser assaltado dentro dos ôni-
custo adicional. São serviços de demanda
bus, mas enquanto os passageiros esperam”, diz
antecipada, nos quais o usuário pode fazer sua
Francisco Masdtrochirico. Na maior cidade bra-
reserva com algumas horas de antecedência”,
sileira, a simples troca de lâmpadas nas áreas
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I wanna wake up in the City that Doesn’t Sleep Em New York, New York, clássico mundial,
de trabalha à noite”, brinca Kristofferson.
Frank Sinatra dizia querer acordar na cidade
Um humor desses para falar de trans-
que não dorme. E é verdade. Nova York, com
portes públicos é inequívoco bom sinal. “Somos
um dos mais eficientes sistemas de trans-
a cidade que nunca dorme porque contamos
porte no mundo, funciona 24 horas. A mais
com bom transporte a noite inteira”, confirma
importante metrópole do planeta não pára.
Steve Williams. E, com mais opções, menos
“Isso permite que o indivíduo vá a qualquer
gente tira o carro da garagem, fazendo o
lugar quando quiser. E fique na rua até a hora
trânsito fluir. Os táxis também se tornam boa
em que tiver vontade”, diz Steve Williams, 35
opção. “Não é caro para nossos padrões e, à
anos, motorista da transportadora UPS em
noite, são muito rápidos, sem os engarrafa-
Nova York.
mentos”, diz Kristofferson. O metrô é comple-
O metrô não é o único, mas o mais eficien-
mentado pelos ônibus, que transportam
te dos meios de circulação urbana noturna
anualmente 700 milhões de pessoas por rotas
em Nova York. “Os ônibus demoram mais
não servidas pelos trens. Sua eficiência, porém,
para passar”, explica o agente literário Brett
na visão dos novaiorquinos, não é a mesma.
Kristofferson, 33 anos. O sistema novaior-
“Eles demoram demais. À noite, a única opção
quino é utilizado por 4,3 milhões de passa-
real são os trens”, diz Maya.
geiros por dia, mais de 1 bilhão por ano, e
Quem tiver a oportunidade de conferir,
sofreu melhorias que o deixaram muito se-
em férias ou a trabalho, vai ver a diferença
guro. Além disso, é integrado a outros sis-
que um sistema de transporte noturno eficien-
temas de trem, que levam a bairros e cida-
te faz em uma metrópole. É algo tão demo-
des da periferia, como Jersey City, Newark e
crático e marcante que transforma para
Hoboken. Todos funcionam 24 horas. Isso
melhor a personalidade da cidade. Nova York
permite que muita gente não apenas se
consagrou-se como a capital da vida noturna,
divirta, mas trabalhe à noite. “Vários serviços
com teatros, clubes, boates, restaurantes e
funcionam 24h, sete dias por semana. A cidade
bares abertos até tarde. Uma vida excitante
não pára, tem sempre gente trabalhando para
imortalizada na voz de um dos maiores
atender às necessidades de outras pessoas”,
cantores de todos os tempos, fascinado, ele
diz Maya, 23 anos, produtora musical. “Meta-
também, com o burburinho na Big Apple
de dos novaiorquinos é insone e a outra meta-
quando as lâmpadas de néon se acendem.
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O serviço de metrô em Paris, responsável por quase 50% do transporte urbano, com 1,3 bilhão de passageiros em 2002, é interrompido entre 1h e 5h, quando só os
Noctambus, linhas especiais, circulam de hora em hora de transporte público já melhorou a sensação de segurança.
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subsídios governamentais. Isso geraria o aumento do número de passageiros. Com
As soluções começam a aparecer, mas não
demanda maior, numa segunda etapa, esses
são simples como parecem. Todos sonham com
subsídios podem cair”, projeta. Assim, haveria
metrô 24 horas, mas poucos se lembram que
mais gente trabalhando, circulando e se
é necessário parar a linha para manutenção.
divertindo nas ruas, aumentando a circulação
“Operar 24 horas é muito difícil”, descarta
de dinheiro e a geração de empregos — no
Balassiano. Para ele, qualquer solução para o
horizonte, a redução dos terríveis efeitos da
transporte urbano no Brasil, num primeiro
desigualdade social. A luz no fim do túnel
momento, pressupõe a adoção de subsídios.
pode ser de um ônibus ou trem se apro-
“Com poucos passageiros, o sistema precisa
ximando para pegar um passageiro perdido na
de bilhetes mais caros para dar lucro ou de
madrugada.
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Faixa não é enfeite nas ruas Nas ruas do planeta, garantir a travessia segura do pedestre é um desafio
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m 1968, quando os Beatles
E
ilustraram a capa do álbum Abbey Road com os quatro ídolos cruzando uma faixa de pedestre, as metrópoles já
tinham seus motivos para se preocupar com o assunto. É verdade que os carros não eram tão velozes e a fúria do trânsito não matava tanto.
Os quatro beatles cruzam faixa de pedestre na capa do histórico álbum Abbey Road
Mas o mundo mudou e os administradores das cidades hoje se desdobram em busca de idéias
tres no confronto diário com os motores, o
para humanizar as esquinas. Para se ter uma
comediante japonês Kenji Kawakami radicalizou
idéia da tragédia que o singelo ato de atravessar
e lançou uma faixa de pedestre portátil. É um
a rua pode causar, no Brasil os atropelamentos
rolo carregado debaixo do braço pelas ruas para
vitimam sete pessoas por hora. No mundo todo
ser aberto onde não houver travessia certa e
aumenta a cotação da criatividade no trata-
segura. Exageros à parte, o avanço da consciên-
mento da velha faixa de pedestre: cruzamentos
cia garante aos moradores das cidades européias
de zebras, de pelicanos, linhas de zigue-zague
e norte-americanas uma tranqüilidade bem
ou simplesmente faixas à moda antiga.
maior do que no Terceiro Mundo.
Palco do eterno conflito entre motoristas e
Nos Estados Unidos e Canadá, a preferência
pedestres, o trânsito é a expressão, no sistema
é sempre do pedestre onde há faixas sem
viário, da disputa pelos espaços públicos,
semáforos. Na Inglaterra, Austrália, Alemanha,
acirrada pela falta de ordem e equilíbrio. A es-
França, Holanda e Suécia, também há duas ma-
cassez de policiamento, sinalização e cons-
neiras de se atravessar a rua. A primeira é con-
ciência agrava o problema nos países com es-
trolada pelos sinais. Nos cruzamentos onde
trutura educacional deficitária e cidadania em
não há semáforos, basta pôr os pés na faixa e
fase de amadurecimento. Nas cidades brasi-
os carros são obrigados a parar. Em algumas
leiras, basta sair às ruas para flagrar duas es-
cidades, a simples localização do pedestre ainda
pécies arredias às regras que a civilização já deveria ter tornado universais: motoristas que não param nas faixas e pedestres que resistem em usá-las adequadaCARLOS MAGNO
mente. Na busca por idéias para reforçar a segurança dos pedes-
O japonês Kenji Kawakami radicaliza e lança a faixa portátil
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na calçada, diante da faixa, é
da moeda que regula as
suficiente para interromper o
relações no trânsito dentro do
trânsito.
princípio universal de que
Acostumados à selvageria
direitos pressupõem deveres.
dos nossos cruzamentos, bra-
Certa vez ele esperava o sinal
sileiros que vão morar no ex-
fechar para os carros na
terior têm a tendência de es-
esquina. Estava “louco de pres-
tranhar tanta civilidade e cos-
sa” e teria atravessado antes se
tumam ficar literalmente com
não houvesse dois policiais
o pé atrás, apegados ao ditado
próximos. “Assim que o sinal
de que o seguro morreu de ve-
fechou para os carros, eu atra-
lho. “As faixas aqui são res-
vessei antes de abrir o verde
peitadas, a penalidade é grave
para mim. Quase fui multado
e dá até cadeia, mas não posso
em 60 euros”, conta Gerson.
garantir se alguém vai ou não
“O trânsito aqui é bem or-
ser atingido por um carro ao
ganizado e em muitos sinais há
atravessar”, diz Clívia Cara-
câmaras instaladas.”
Mulheres seguram os veículos na entrada e saída das escolas de Genebra
cciolo, jornalista brasileira da
“Aqui na Suíça a preferência
rádio Nederland, na pacata
é do pedestre. Quando uma
muito em cima e fica difícil”,
cidade holandesa de Hilver-
pessoa atravessa a rua, os carros
pondera a brasileira Cláudia
sum. Em Hamburgo, na Ale-
são obrigados a parar, mas é
Vittet, gerente de pessoal do
manha, o gaúcho Gerson
claro que é preciso ter bom
Museu do Rath, em Genebra.
Flebbe conheceu o outro lado
senso porque às vezes estão
“Não precisa ninguém ficar tomando conta, mas perto das escolas, na entrada e na saída, ficam umas mulheres pagas pela prefeitura”, conta Cláudia. No Cairo, com seus quase 16 milhões de habitantes, é difícil encontrar semáforo. Em alguns locais a polícia egípcia ajuda as pessoas a atravessarem, mas sem a intervenção da força policial o confronto entre máquina e homem é iminente e os motoristas enterram a mão na buzina a cada investida do pedestre, quando não ameaçam
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passar por cima. Em Nova Deli, Índia, os pedestres sem
DIVULGAÇÃO
Cena comum em Nova York: Nas cidades americanas e canadenses, a preferência é sempre do pedestre onde há faixas sem semáforos
condições físicas para correr
pelo fato de nossa capital ser
Ele lembra como o uso exem-
na travessia são aconselhados
jovem, planejada e construída
plar das faixas reduziu os atro-
pela polícia a carregar bengalas
quando o País já tinha noção
pelamentos e parabeniza a ca-
fluorescentes para atrair a
nítida dos prejuízos provo-
pital pelos sete anos de Educa-
atenção dos motoristas.
cados pelos engarrafamentos.
ção de Trânsito. Em 1997 havia
As faixas no Brasil quase
Uma ampla campanha de
300 faixas no Distrito Federal
sempre ficam perto de esqui-
conscientização e o combate
e hoje chegam a 3.300. Já o en-
nas, muitas delas com semá-
aos excessos dos veículos in-
genheiro Paulo Guerra, mestre
foros, mas os especialistas
dividuais, iniciados no go-
em Transporte pela UnB, acha
chamam a atenção para seu
verno Cristóvam Buarque,
que a mudança começou a de-
mau estado de conservação.
criaram um comportamento
sandar quando as multas foram
Faltam pintura, iluminação,
invejável. “Faixa de pedestre
reduzidas. O temor de que a
tachinhas luminosas, sinais
é o nosso acarajé”, brincou o
chamada “indústria das mul-
adequados, policiais e guar-
jornalista e escritor Rogério
tas” pareça impopular a uma
das. O jeito é apelar para amea-
Menezes em uma crônica no
parcela do eleitorado costuma
ças mais explícitas, como as
Correio Braziliense, referin-
levar os governantes à flexibi-
câmeras fotográficas nos cru-
do-se ao orgulho dos brasi-
lidade, como se a perda de vidas
zamentos, providência cara
lienses pela fama de cidade
decorrente de uma fiscalização
mas necessária para econo-
civilizada.
frouxa não justificasse a rigi-
mizar vidas.
Segundo o chefe da Divisão
dez.
Em vigor desde 1998, o
de Processamento de Dados do
O Brasil prevê a aplicação
Código Brasileiro de Trânsito
Detran da Paraíba, João Eduar-
de multas também para os
traz um capítulo inteiro para
do Moraes de Melo, Brasília é
pedestres. O Contran (Con-
pedestres e condutores de veí-
o modelo nacional de obediên-
selho Nacional de Trânsito) se
culos não-motorizados. Negar
cia ao direito do uso da faixa.
inspirou em experiências bem
preferência aos que atravessam na faixa pode custar R$ 172,99, valor irrisório para grande parte dos apressadinhos no volante. Não tirar o pé do acelerador em frente a escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque e locais de intensa movimentação de pessoas pode resultar no recolhimento da carteira e na retenção do veículo, além de multas. As capitais costumam sin-
CARLOS MAGNO
tetizar a história e a cultura dos países. Para os moradores de Brasília, felizmente esse
Flagrante no centro do Rio de Janeiro: “Estou atrasado”, “não deu tempo de frear” e “o sinal fechou muito rápido” são as principais desculpas
conceito não se aplica, não só
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pronunciar sobre o assunto lembrando sempre que a responsabilidade pela convivência harmônica e saudável no trânsito é de cada ser humano. Prevenir acidentes requer ações tão simples como eficazes: basta que todos se comportem com respeito mútuo e obediência às leis. A preoO ministro das Cidades, Olívio Dutra, durante a campanha “Eu quero a faixa da vida”, coordenada pela ANTP
cupação com a estética na pintura das faixas em muitas cidades é louvável por mani-
44
sucedidas em países como a
viços comunitários e à fre-
festar uma preocupação com a
Suíça e o Japão para criar nor-
qüência compulsória em cur-
boa aparência dos espaços
mas que vão de simples multas
sos de educação para o trân-
públicos, mas a faixa, decidi-
(25 Ufirs) à prestação de ser-
sito. A OMS (Organização
damente, não é enfeite. ■
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NÚMERO 2
DIVULGAÇÃO
Mundial da Saúde) costuma se
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GNV, um sonho ainda distante idades com ar menos poluído,
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P
A
U
transporte mais barato e até melhora nas contas externas do país são resultados esperados da substituição do diesel
Projeto de substituição do diesel pelo gás natural
pelo gás natural veicular (GNV) como combustível para os cerca de 100 mil ônibus que rodam nas cidades brasileiras. A expectativa de tantos benefícios, contudo, não tem sido suficiente para ultrapassar os obstáculos no caminho do projeto. A primeira barreira é o preço. Empresários do setor são favoráveis à mudança pela vantagem ambiental e possibilidade de redução da tarifa, mas reivindicam da Petrobras e dos governantes a responsabilidade pelos pesados investimentos que o uso do gás natural exige, como a mudança da frota com aquisição de ônibus 30% mais caros. Defendem também a garantia de competitividade do GNV em relação ao diesel por não menos do que três décadas. “Programa de gás para vingar deve ser pelo menos de 30 anos: dez para trocar a frota, dez para recuperar o investimento e mais dez para consolidar o programa. A gente quer garantia clara de uma política de preço especial e vantajosa em relação ao diesel”, reivindica Marcos Bicalho dos Santos, diretor-superintendente da
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NÚMERO 3
veicular na frota de ônibus urbanos esbarra em entraves operacionais e financeiros
L
A
Associação Nacional de Transporte de Passa-
pressão mundial em favor de medidas ambien-
geiros (NTU). Segundo Bicalho, o combustível
tais — a troca reduz em cerca de 60 % a emissão
representava 10% do custo operacional do setor
de gases tóxicos — há ainda ganhos importan-
e passou para 25% nos últimos três anos devi-
tes nas contas externas. Segundo a NTU, o
do à disparada do preço do diesel no mercado
uso do gás natural dispensaria a importação
internacional. Ele calcula que a fixação da tarifa
de 55 milhões de barris de petróleo por ano,
do gás natural em 50% do preço do diesel
volume necessário à produção do diesel usado
possibilitaria uma redução imediata de 12,5%
pelos ônibus urbanos, reduzindo as importa-
no valor pago pelo passageiro.
ções em US$ 2 bilhões anuais. De quebra, aju-
A pressão dos empresários não é sem mo-
daria a escoar parte do gás que o país é contra-
tivo. Experiências anteriores em São Paulo e
tualmente obrigado a pagar à Bolívia, mesmo
Natal acabaram frustradas. A capital do Rio
sem consumo, e aumentaria a viabilidade eco-
Grande do Norte abrigou o projeto pioneiro do
nômica das reservas de gás descobertas nas Ba-
país, chegando a ter 15% dos ônibus movidos a
cias de Santos, Campos e Espírito Santo.
GNV. O programa foi para o espaço no início
A conversão da frota está entre as medidas
dos anos 90, sufocado por problemas de todos
previstas no relatório final que o grupo de estu-
os lados. “No início, a a Petrobras e a Mercedes
dos para barateamento de transportes públicos
Benz, fabricante dos ônibus, bancavam tudo.
– montado pela Casa Civil e hoje sob coorde-
Com o tempo a manutenção da Mercedes foi
nação do Ministério das Cidades – está prepa-
tirada, a Petrobras começou a cobrar pelo gás,
rando. Também deve ser assinado um convênio
primeiro 70%, depois 80% do preço do diesel, e
entre a Petrobras e os ministérios das Cidades
houve problemas por causa do cilindro de gás,
e de Minas e Energia para estabelecer uma polí-
responsável por uma tonelada a mais de peso”,
tica nacional para o uso do gás em transporte
conta Eldo Laranjeiras, presidente da Federação
de passageiros. “É o primeiro passo de um
das Empresas de Transportes de Passageiros do
processo que só avança se for empurrado pelo
Nordeste (Fetranor).
governo federal. As perspectivas são boas:
O governo federal tem razões de sobra para
temos gás sobrando, vantagens ambientais,
se empenhar na mudança. Não bastasse uma
tecnologia experimentada e nossa indústria já
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cc oo m m bb uu ss tt íí vv ee ll
A empresa tem um projeto piloto no Rio com um ônibus a gás da viação Rubanil, na linha 350 Irajá-Passeio, e roda cerca de 300 quilômetros por dia.
exporta motores a gás. O presidente Lula, em
ruas de São Paulo. A empresa tem um projeto
reunião com a Frente Nacional de Prefeitos,
piloto no Rio com um ônibus a gás da viação
se disse interessado na mudança. Mas não se
Rubanil, na linha 350 Irajá-Passeio, e roda cerca
troca uma frota do dia para noite. É um pro-
de 300 quilômetros por dia.
cesso de longo prazo, que não ocorre sem
Maior consumidor de GNV do país, o Rio
vontade política do governo federal e o
conta com cerca de 290 mil veículos a gás,
comprometimento dos municípios”, diz Luiz
incluindo praticamente toda a frota de táxis.
Carlos Bertodo, diretor de Cidadania e Inclusão
Nos últimos cinco anos, o número de postos
Social do Ministério das Cidades e coordenador
de abastecimento pulou de 19 para 300. “Há
do grupo de estudos.
um ganho ambiental, valorização do combus-
A Petrobras estimula a troca do combustível.
tível produzido no Rio e projeto social de re-
Ildo Sauer, diretor de Gás e Energia da empresa,
dução do custo. Aceleramos o licenciamento
considera que problemas em programas passa-
ambiental e fixamos o ICMS em 12%, contra
dos, como o de Natal, fazem parte de “outra
30% da gasolina”, explica o secretário estadual
história”, porque hoje a qualidade do gás é
de Energia, Indústria Naval e Petróleo, Wagner
muito melhor e os novos ônibus têm desem-
Victer. Quem já usa o GNV aprova o desem-
penho, manutenção e tecnologia mais avança-
penho e a economia. “É um excelente negócio
dos. “Já existe uma proposta de incentivo da
e permite uma boa economia. Só espero que o
Petrobras, com ourtoga de contratos especiais
aumento do consumo não faça o preço subir”,
para as distribuidoras garantindo que o gás não
torce o taxista Luiz Augusto Marinho, 37 anos
ultrapassará 55% do preço do diesel durante
de idade e oito na praça do Rio.
dez anos”, explica.
Para o Movimento Nacional pelo Direito ao
O prazo fica longe dos 30 anos reivindicados
Transporte, o gás é uma alternativa para a
pelos empresários. “Um ônibus dura no má-
redução de tarifa e a inclusão social via trans-
ximo cinco anos, estamos garantindo o preço
portes. O MDT também se preocupa em esti-
por dez. Já dá para ver se é bom e se quer manter.
mular estados e municípios a usarem energia
Não há ônibus que dure 30 anos”, rebate Sauer.
renovável, seguindo os critérios do Protocolo
Para o executivo, o maior obstáculo ao progra-
de Kioto, para se beneficiarem com a venda de
ma é a dificuldade de financiamento para a re-
crédito carbono e aplicar esses recursos em
novação da frota. É isso, diz, que está blo-
infra-estrutura de transportes. O engenheiro
queando um projeto da Petrobras em parceria
Antônio Mauricio Ferreira Neto, ex-diretor de
com a USP para colocar 500 ônibus a gás nas
Regulação do Ministério das Cidades e con-
48 48 movimento movimento,, MOBILIDADE MOBILIDADE && CIDANANIA CIDANANIA
NÚMERO NÚMERO 33
sultor da ANTP, vê na substituição do diesel
porte urbano. O empresário de ônibus é um
por GNV um problema complexo de mudança
revendedor de veículo, processo que começa
na matriz energética do país, que passa necessa-
depois de cerca de três anos de uso. Se tentarem
riamente pelos municípios. “O mercado não
fazer um programa que impeça a utilização da
se viabiliza se o projeto não estiver no plano
frota num canto que não tem gás, pode esque-
diretor dos municípios, que devem ser indu-
cer. Ninguém vai comprar um ônibus 25% mais
zidos a isso, mas não obrigados, porque senão
caro e que não pode ser revendido”, diz o
deixam de concorrer ao crédito carbono previsto
engenheiro. Segundo ele, só há chance de o
no Protocolo de Kioto”, diz. Outro impasse é a
programa dar certo se a conversão para o gás
cadeia de reaproveitamento dos ônibus no Bra-
puder ser revertida. O argumento da revenda
sil. Depois de rodarem nas capitais, eles vão
não é bem recebido pelas autoridades públicas,
sendo vendidos para cidades pequenas do in-
como o ex-presidente do Fórum Nacional dos
terior até encerrarem a vida útil transportando
Secretários de Transportes, Gilmar Tatto. Por
bóias-frias. O uso do gás interrompe essa tra-
ser uma concessão, segundo ele, o transporte
jetória pela dificuldade de abastecimento de
público não deveria ser pensado em termos de
GNV fora dos grandes centros.
revenda de ônibus, “mas de qualidade dos ser-
“Essa é uma das grandes questões do trans-
Experiência e tecnologia movimentando pessoas.
viços prestados à população”.
■
Clima de conforto
Completa linha de ar condicionado. Para vans, ambulâncias, cabines e veículos especiais, ônibus rodoviário, urbano e microônibus.
CC 350
Webasto Climatização do Brasil S.A. - Av. Rio Branco, 4688 NÚMERO - Bairro São Cristovão - CEP: 95060-650 3 movimento , MOBILIDADE & CIDANANIA 49 Caxias do Sul - RS - Brasil - Fone: + 55 (54) 2101.5700 - Fax: + 55 (54) 2101.5747 - webasto@webasto.com.br
c
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O ônibus do Bussunda
OSVALDO PAVANELLI
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H E N R I Q U E S
N E T O
O Bussunda tinha vinte anos menos
cos ficariam na deles. Nada mais natural, por-
e aquele hábito adolescente de
tanto, do que sair da faculdade, ir até o Palácio
andar desleixado e desarru-
Guanabara e pedir um ônibus para ir a um con-
mado. Era esse o sujeito que
gresso de universitários — oba, farra! – no Ceará
nos liderava em uma audiên-
– oba, praia!
movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA
cia no Palácio Guanabara. Pa-
Para nossa consternação e incredulidade,
ra pedir um ônibus ao Bri-
deram o ônibus. Não um de estrada, infeliz-
zola.
mente não tinham como consegui-lo, mas um
Assim falando pode pare-
de rua, desses que se pega nas calçadas. O es-
cer estranho, mas depois de
panto e o medo nos confundiam, apesar de nos
dez anos de ditadura e mais
assegurarem de que seriam os novíssimos Volvo
outros tantos de nem tão du-
Padron, recém-lançados, grandes, amplos, con-
ra assim, a gente tinha de
fortáveis e modernosos.
usufruir toda a liberdade en-
Partimos a bordo de nossa espaçonave en-
quanto durasse – ninguém
vidraçada rumo ao desconhecido. Desconhecido
sabia quanto tempo os mili-
mesmo, porque os motoristas também não eram
NÚMERO 3
de estrada, nunca tinham saído do Rio de
Também não havia bagageiro. O ônibus era
Janeiro e não faziam a menor idéia de on-
um imenso pau-de-arara, com pessoas deita-
de ficava o Ceará. Enquanto houvesse placas
das no chão entre trouxas e mais trouxas de
indicando o caminho, eles se virariam. A estrada
roupas. Alguns fizeram questão de levar para o
parecia ser uma entediante e imensa reta até
Ceará objetos muito úteis como um saxofo-
Fortaleza e ainda assim eles conseguiram se
ne. Ficávamos ali, deitados sobre e sob aquelas
perder várias vezes. A mais bizarra foi em Vi-
bagagens todas e invejando profundamente o
tória, quando o condutor parou aquele veículo
Torreão, que numa parada teve a brilhante idéia
empanturrado de pessoas – cantando, tocando
de comprar uma rede. Pendurou-a no corrimão
violão e embebedando-se – junto a um bêbado
junto ao teto e conseguiu o leito mais confor-
comendo um cachorro-quente às quatro da
tável, perene e imune à movimentação nos ban-
manhã e perguntou, naturalmente: “ei, amigo,
cos e corredores. Além da rede, ele se lembrou
qual o caminho para Fortaleza?”
de levar a namorada, o que era mais um motivo
Talvez se perder várias vezes e levar três dias
de inveja.
e meio para alcançar o Ceará não fosse tão duro
Chegamos ao destino após quase quatro
assim se tivéssemos banheiro, poltronas-leito,
dias. Oba, farra! Oba, praia! Oba, mais farra!
suspensão especial, ar-condicionado ou pelo
Oba, mais praia! Epa, Volvo Padron de novo!
menos cortinas. Se bem que com elas não
Hora de voltar.
acordaríamos com os primeiros sinais da aurora
Por sorte, estávamos exaustos demais, uma
para descobrir que o sertão do Nordeste, em
semana de Ceará e festa, para nos irritarmos
julho, é gelado de manhãzinha. Evidentemen-
com a viagem, mesmo com o toque de sadismo
te não tínhamos agasalhos. Sorte que o frio
de Noites e Manhães. Quando calculávamos
não durava muito e o sol causticante logo trans-
cinco horas para chegar em casa, eles pegaram
formava tudo em um forno. Parecia ser im-
uma estrada errada. Após horas e horas de via-
possível dormir ali dentro. Exceto para o mo-
gem, na próxima parada, quando achamos que
torista ao volante.
já estávamos quase na Avenida Brasil, desco-
Sendo dois os pilotos, para o rodízio, um
brimos que faltavam oito horas para o Rio.
branco e um negro, e chamando-se Manhães o
Como não há bem que sempre dure nem
branco, logo o negro foi apelidado de Noites.
mal que nunca acabe, finalmente chegamos ao
Os dois se revezavam entre nossa cachaça e o
campus, em pleno dia de aula. Saltamos, aque-
volante naquela estrada com uma sinuosidade
les que podiam andar ajudando aos outros,
de top model. Assim como eles faziam o seu
alguns beijando o solo, incrédulos, outros
rodízio, nós fazíamos o nosso, para conversar
observando a universidade e os universitá-
com eles e mantê-los acordados.
rios com o olhar vazio, cheios de histórias e
Seria injusto atribuir a Noites e Manhães
cicatrizes (ora, bolas, o coração partido não
todo o atraso da jornada. Lembrem-se que não
conta?). Não trocaria aquela viagem por nada.
havia banheiro e é um longo caminho até For-
Foi uma aventura do começo ao fim, coeren-
taleza. A facção que bebia demais puxava o coro
te com sua época. Começávamos, nós e o país,
“Rá, rá, rá, parada pra mijar” e os mais contidos
a descobrir a liberdade. E para desfrutar da
respondiam “rá, rá, rá, só no Ceará”, até que
liberdade de ir e vir, na cabeça de garotada
uma moça apertada, com expressão compu-
que só anda em bando, nada melhor do que
ngida, decidia a parada.
um Volvo.
■
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movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA
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sim não
ACIDENTES NO TRÂNSITO: JAIR LEAL
A fiscalização eletrônica, com o advento do
Advogado tributarista e presidente da Aprovesp – Associação dos Proprietários de Veículos Automotores no Estado de São Paulo, fundada em julho de 1991
municípios para fiscalizar o trânsito, tornouse um dos alicerces da chamada “indústria da multa”, beneficiando apenas prefeituras e
Com mais de 13 anos de militância na área e
empresas particulares, responsáveis por sua
tendo me especializado no novo Código de
instalação e operacionalização.
Trânsito Brasileiro (CTB), tenho de ser taxativo
Não é mais do que uma modalidade de
a esse respeito: fiscalização eletrônica não acaba
arrecadação, sem nenhum custo para a
com a mortalidade no trânsito.
municipalidade, pois o percentual cobrado pelas
JOÃO GONÇALO EUGÊNIO
a frota nas ruas e os riscos de acidentes muitas
Arquiteto e urbanista, é ex-assessor executivo da Presidência da Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas - EMDEC
vezes resultantes da imprudência e do excesso
PREVENIR É O MELHOR REMÉDIO • O cres-
falta de sinalização, uso do álcool; mas é inegável
cimento
a contribuição da velocidade e do avanço sobre
exagerado
das
cidades,
sem
planejamento, somado às necessidades do
de velocidade. É claro que existem muitos outras causas: vias mal projetadas ou mal conservadas,
o sinal vermelho para o número de mortos.
homem moderno, exige um número cada vez
Cabe a municípios e estados investir em
maior de deslocamentos. Eles precisam ser
políticas permanentes de vigilância e fiscaliza-
rápidos. No Brasil, o transporte individual
ção para coibir tais infrações. E a adoção dos
historicamente simbolizou essa rapidez com o
radares tem se mostrado eficiente na ampliação
automóvel. Ele sempre foi incentivado pelos
da segurança no trânsito. Quando o motorista
governos, com redução de impostos ou
sabe da existência desses equipamentos em
investimentos em rodovias. O poder da
determinado ponto, fica mais atento, não excede
propaganda também contribuiu para seduzir o
a velocidade, e, conseqüentemente, os aciden-
consumidor de todas as classes, dando aos
tes diminuem.
veículos um valor agregado para além de seu significado e das necessidades da população. Como conseqüência dessa política, crescem
52
novo CTB, que conferiu competência aos
movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA
NÚMERO 3
A adoção dos radares, no entanto, não é tão simples. Em que pesem a aprovação pública e sua incontestável eficiência na redução dos
<
Radares eletrônicos reduzem acidentes de trânsito?
empresas particulares contratadas - e detentoras
O antídoto poderia ser outro, mas este
do sistema - acaba saindo do bolso dos
não parece interessante. Considerando que
proprietários de veículos.
92% dos acidentes fatais se devem a atro-
Quando ainda se discutia o anteprojeto do
pelamentos, além de buscar uma maior cons-
CTB, em 1994, foi apresentada uma emenda
cientização dos motoristas, seria necessária
criando um juizado especial de trânsito, opção
uma política pública, com base em pena al-
que, à época, foi considerada muito cara pelo
ternativa, fazendo com que o infrator tenha
relator da proposta. Afinal, um juizado especial
de pagar, possivelmente até com trabalhos
de trânsito certamente acabaria com a receita
civis na área de trânsito, já que o objetivo
das multas.
seria educá-lo.
acidentes, a política de fiscalização eletrônica
registrados na cidade não receberam sequer
é alvo rotineiro da crítica de infratores contu-
uma multa e 13% foram penalizados com uma
mazes. Sabe-se lá por que motivação, ganha
única notificação ano passado.
espaço na mídia. Não é sem razão que os mu-
O grupo de infratores é cada vez menor. Uma
nicípios precisam adotar total transparência,
parcela pequena que produz a “barbárie”, apos-
embasada em laudos técnicos para escolha da
tando numa cultura na qual o carro é instru-
via, a confiabilidade dos equipamentos e ampla
mento de poder e guerra, põe em risco a popu-
sinalização, derrubando qualquer argumen-
lação e ainda exige sair impune. Não há dúvida
tação contrária.
que a prevenção é o melhor remédio contra os
Em Campinas, os resultados da fiscalização
acidentes. A visão sobre os radares deve partir
eletrônica, aliada às políticas de educação de
do ângulo da prevenção – e ser encarada como
trânsito, são significativos na redução dos
punição só a partir da decisão do motorista em
acidentes e mortes. Antes dos radares, a cidade
exceder os limites.
chegou a registrar 181 vítimas fatais/ano no
No Brasil, onde o trânsito promove resul-
trânsito. Hoje, mesmo com o crescimento da
tados de uma guerrilha urbana, com mais de
frota, o índice é 51,39% inferior ao de dez anos
trinta mil mortos/ano, as autoridades devem
atrás. Em 2003, foram 88 mortes. É essa política
imprimir esforços em defesa da vida. Não
em defesa da vida que fragiliza o discurso da
podem abrir mão desses equipamentos, que
“indústria da multa”. Afinal, 80% dos carros
tantas vidas salvam cotidianamente.
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A expansão do metrô
A rede cresce
em São Paulo: mais mobilidade, integração e inclusão social
P O R: I N E S G A R Ç O N I E
Q
uando foi inaugurado, em
México, por exemplo, são 191 quilômetros. Por
1974, o metrô paulistano ligava
isso, a Companhia do Metropolitano de São
apenas bairros da zona sul.
Paulo quer mais.
Depois partiu rumo ao centro
O sonho é antigo. Novas linhas e estações
e só na década de 80 é que se
são eternas promessas de campanha. Talvez por
democratizou como meio de transporte, che-
isso, para que funcionem sempre como armas
gando às zonas norte, leste e oeste. Seus 57,6
do jogo eleitoral, é que demoram a se tornar
quilômetros de trilhos se transformaram em
realidade. Mesmo que tudo corra nos trilhos,
referência de “tudo de bom” no transporte de
o atual plano de expansão só deve se tornar
massas, venerado pelos usuários, mas conti-
realidade em 2008. Desta vez, a promessa –
nuam insuficientes para os 11 milhões de ha-
mais uma delas – é fazer, até lá, a entrega de
bitantes de São Paulo. O sistema tem capa-
uma nova linha, a ampliação de outra e a aber-
cidade para transportar 2,5 milhões de passa-
tura de mais sete estações. Resultado: mais
geiros diariamente, mas, para se ter uma idéia,
15,7 quilômetros, ou um aumento de 27% da
os 8 milhões de moradores da grande Paris
malha. Antes disso, em 2006, serão inaugu-
dispõem de 567 quilômetros. Até capitais de
radas duas estações da Linha Verde (que
países com situação semelhante à brasileira
interliga os nobres bairros da região da Avenida
possuem redes mais extensas. Na Cidade do
Paulista). E quando tudo estiver pronto, outro
A Linha Amarela está planejada desde os anos 80 e o início de sua construção foi prometido para 1994. Só agora, dez anos depois, está saindo das pranchetas
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IVAN FERNANDES
movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA
NÚMERO 3
PAULO GIANDALIA
sonho dos passageiros poderá se tornar realidade: a baldeação, ainda escassa, entre as próprias linhas do metrô e destas com os trens. Alguns bairros viraram verdadeiros canteiros e, a julgar pelo andamento das obras, tudo indica que as linhas serão de fato entregues no prazo. Os usuários, que têm no metrô um símbolo de excelência no tratamento, já se antecipam nas comemorações. Na Chácara Klabin, bairro de classe média da zona sul que entrará na rota do metrô, a vizinhança nem liga para o barulho das britadeiras até as oito da noite. Nem mesmo o pequeno espaço que sobrou para
Na Chácara Klabin, bairro de classe média na rota do metrô, a moradora Teresina Conte não está nem aí para as britadeiras: “Ah, vai melhorar muito.”
os pedestres parece incomodar. “Para passar pela rua atrapalha um pouco, mas tudo bem. Eu uso o metrô todo dia, poderei descer em frente ao
natural que a melhora do trânsito seja, para
meu estágio”, anima-se a estudante Graziele
muitos, a principal expectativa em relação ao
Dias, de 21 anos. Já a aposentada Teresina Conte,
poder público. Expectativa capaz de se manter
de 58 anos, há 29 moradora da região, quer
intacta por anos a fio.
menos carros nas ruas: “Ah, vai melhorar muito. O trânsito vai diminuir”, espera.
A Linha Amarela está planejada desde os anos 80 e o início de sua construção foi pro-
O professor Robinson Henriques Alves, 36
metido para 1994. Só agora, dez anos depois,
anos, vizinho da futura estação Klabin,
está saindo das pranchetas, como se não fosse
também espera. E jura esquecer o transtorno
de fundamental importância para a cidade: será
e a poeira de hoje. “Com a estação na porta,
a primeira a permitir conexão com outras três
vou usar muito mais o metrô. O transporte
linhas de metrô e uma de trem. O ato de
no bairro vai melhorar.” Em São Paulo, é
“baldear” – pular de uma linha para outra, do
NÚMERO 33 NÚMERO
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metrô para o trem e vice-versa – faz qualquer
inauguração – que farão ligações entre bairros
paulistano feliz da vida. Tal alegria só será
pobres como a Vila Sônia e áreas de alto padrão
possível graças aos empréstimos do Banco
como Higienópolis, onde residem celebridades
Mundial e do JBIC (Japan Bank Internacional
como o ex-presidente Fernando Henrique
Corporation). São R$ 500 milhões do Estado e
Cardoso. Uma região de nome parecido mas
US$ 418 milhões dos órgãos internacionais
condição social inversa também está nos planos
para as obras. As 12 estações da Linha Amarela
do metrô: Heliópolis, uma das favelas mais
vão beneficiar 900 mil, um aumento de quase
populosas, vai ganhar a estação Sacomã. As
um terço nos números atuais.
obras desta fase, no entanto, ainda dependem de parcerias com a iniciativa privada. A idéia é
Inclusão
repassar os direitos de operação da linha por
Além de melhorar a vida de passageiros e
até 30 anos.
motoristas e dar um alívio à cidade, o metrô
Outra parceria que promete festa será
integra classes sociais. A Linha Amarela, além
firmada entre os governos estadual e municipal.
da inauguração prometida para 2008, prevê
Quem garante é Sergio Salvadori, diretor de En-
mais sete estações – sem data prevista para a
genharia e Construções da Companhia do Metropolitano. “Um acerto com a Prefeitura pode fazer a estação Faria Lima nascer já em 2008. No passado, foi na parceria entre os dois governos que a Linha Verde foi ampliada em duas estações, alcançou outros bairros e facilitou a vida de milhares de paulistanos”, explica. Idéias não faltam às cabeças que planejam o metrô. Algumas parecem irrealizáveis. Quem imagina, por exemplo, o metrô chegando à cidade vizinha de Taboão da Serra? É difícil, principalmente porque a malha ainda não alcançou sequer os bairros paulistanos necessários, mas está lá, nos planos dos técnicos. Outro passo, este mais perto de virar realidade, será ampliar em 2,2 quilômetros a Linha 2, até Tamanduateí e Vila Prudente, regiões pobres, distantes do centro e de grande densidade demográfica. “A Vila Prudente é um pólo importantíssimo pela população que poderá ser atendida”, diz Salvadori. Não há data para essa etapa começar. Se não demorar muito, a cidade da garoa ficará eternamente grata.
■
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movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA
NÚMERO 3
PAULO GIANDALIA
O professor Robinson Henriques Alves com os filhos, vizinhos de uma estação em construção: “Vou usar muito mais o metrô. O transporte no bairro vai melhorar.”
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movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA
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a t l a s
Berlim
Uma cidade reunida P O R
E D M U N D O
E
B A R R E I R O S
m 2005, a Alemanha come-
seus 3,5 milhões de moradores se movimentam
mora 15 anos de reunificação.
livremente entre as duas ex-metades, bene-
Por quase cinco décadas, de-
ficiados por um dos sistemas de transporte mais
pois da Segunda Guerra, o país
eficientes do mundo. As antigas redes inde-
foi dividido em dois. Berlim, a
pendentes, cheias de particularidades, foram
atual capital, foi cortada ao meio por uma parede
interligadas em um processo que culminará na
que impedia a circulação. Hoje, sem o Muro,
Copa do Mundo do ano que vem, com a inauguração da nova estação central berlinense. Nas ruas largas não se vêem engarrafamentos. Os automóveis são minoria na cidade com a maior área verde por habitante da Europa. Executivos pedalam para o trabalho de terno e as mães levam
seus
bebês
em
carrinhos- reboque. Quem não vai de bicicleta pode usar os super eficientes bondes elétricos. Nas principais paradas, letreiros luminosos avisam
58
movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA
NÚMERO 3
MESSE-BERLIN
Com transporte 24 horas no fim de semana, os berlinenses circulam à vontade
FICHA TÉCNICA • Área de berlim: 892 km2 com precisão germânica os minutos para o
• População: 3,39 milhões
próximo carro. Integrados aos trens e ônibus,
• Metrô
os Strassbahn são tão presentes na paisagem urbana como a altíssima torre de TV que coroa Alexanderplatz, glória dos tempos de domínio soviético. Nas noites de sexta e sábado, as ruas ficam cheias como se fosse dia. Com transporte 24 horas no fim de semana, os berlinenses circu-
Número de linhas: 9 Extensão total: 144,2 km Estações: 170 Distância média entre estações: 0,79 km Velocidade média: 30,9 km/h • Bondes
lam à vontade. O resultado é uma das noites
Número de linhas: 27
mais agitadas do planeta. O lazer é socializado
Extensão total: 187,7 km
e, sem precisar dirigir para lugar algum, todos
Paradas: 377
podem saborear a famosa cerveja alemã.
Distância média entre as paradas: 0,491 km
A antiga divisão ainda é percebida nas duas estações centrais, a de Zoologischer Garten,
Velocidade média: 19,4 km/h • Ônibus
na parte ocidental, e a de Alexanderplatz, na
Número de linhas: 161
oriental. A arquitetura é bem distinta, mais
Extensão total: 1.271 km
moderna no “Ocidente”, mas o tempo vem redu-
Paradas: 2.730
zindo as diferenças. A Lehrter Hauptbanhoff, com sua estrutura futurista de aço, será inaugurada no centro da capital este ano, inte-
Distância média entre as paradas: 0,52 km Velocidade média: 19,56 km/h
grando todo o sistema. Hoje só os trens param em suas plataformas, em fase de acabamento. Em 2006 será conectada às nove linhas de metrô e outras nove de trem, interligadas por
centrais, são 2 euros (pouco mais de R$ 7),
ônibus e bondes elétricos.
com direito a qualquer tipo de transporte por
A empresa BVG, Berliner Verkehrsbetriebe,
duas horas. Para trajetos curtos, de até três
controla todo o sistema que serve a Berlim e a
estações de metrô ou trem ou seis de ônibus
Potsdam, na periferia. Divide a região metro-
ou bonde, E$ 1,20, pouco mais de R$ 4. Há
politana em três áreas e, para garantir o acesso a
reduções para estudantes e idosos e bilhetes
todos os cantos, integra até táxis e bicicletas. É
diários, semanais e mensais, os mais vantajo-
permitido levar as bikes dentro dos trens pagando
sos: E$ 56 para as duas áreas centrais, ou R$ 6
uma passagem extra, assim como alugá-las da
por dia — menos do que boa parte dos mora-
própria BVG. Os táxis, em certos pontos, têm
dores das periferias brasileiras gasta para tra-
tarifas reduzidas para cobrir percursos curtos não
balhar. E com a vantagem de livre acesso aos
servidos por ônibus ou bondes.
fins de semana. Mesmo com o bom fluxo do
O preço de uma passagem, à primeira vista, parece caro. Para circular entre as duas áreas
trânsito e as excelentes estradas alemãs, faltam motivos para tirar o carro da garagem.
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A Veneza pernambucana
O Aspecto do porto do recife segundo uma gravura de Hagedorn. Litografia de A. Guesdon
60
O transporte no Recife antes das pontes e da poluição
fato de ter nascido às margens
deira, deixando a cidade e arra-
rodeavam a cidade, transpor-
dos rios Capibaribe e Beberibe
baldes acessíveis apenas por
tando pessoas, objetos e mer-
exerceu profunda influência
barcos. Mesmo quando passa-
cadorias pelos mais diversos
no desenvolvimento da cidade
va o período das enchentes, a
percursos. As mais comuns
e seus subúrbios. Antes da
população dava preferência aos
eram as jangadas, canoas e
construção das pontes que li-
barcos, temerosa da manu-
barcaças, todas classificadas, à
gam os vários pontos da capital
tenção precária das pontes.
época, como transporte flu-
pernambucana, os recifenses
Não é à toa que o Recife ficou
vial, mesmo trafegando tam-
dependiam totalmente do
conhecido como a Veneza
bém pelo mar.
transporte fluvial. Já no século
Brasileira.
As pequenas canoas, em
XVI, quando o Recife não pas-
“Foi no século XIX, entre
muitos modelos e tamanhos,
sava de um ancoradouro da
os anos de 1835 e 1860, que
eram as preferidas pelos passa-
vila de Olinda, a população
esse tipo de transporte sofreu
geiros, por conseguirem trans-
dependia dos rios para escoar
grandes mudanças na opera-
por trechos de difícil acesso e
a cana-de-açúcar – parte dos
ção e organização”, relata a
ancorar em bancos de areia e
engenhos ficava às margens do
historiadora Magna Milfont,
mangues. As barcaças, que va-
Capibaribe – e sobretudo para
que estudou o tema para dis-
riavam de 7,5 a 21 metros, na-
se abastecer de água. O trans-
sertação de mestrado em ur-
vegavam em pequenas pro-
porte fluvial reinava absoluto
banismo pela Universidade
fundidades, aproveitando en-
em meio às violentas e suces-
Federal de Pernambuco. Se-
chentes das marés, e dispu-
sivas enchentes, que inunda-
gundo a pesquisa, uma enor-
tavam passageiros com as ca-
vam estradas e abalavam as
me variedade de embarcações
noas. As jangadas menores,
estruturas das pontes de ma-
deslizava pelas águas que
denominadas ximbelos, botes,
movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA
NÚMERO 3
ACERVO DA FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO
catraias ou burrinhas, tinham só uma vela, quando muito. Já as maiores, com mais velas, chegavam a ter 20 paus, bastante usadas na descarga de navios. Barcos estrangeiros operavam lado a lado com os nativos e dominavam a navegação na grande cabotagem, especialmente a partir de 1839, quando surgiram os barcos a vapor. Alguns eram verdadeiras lojas flutuantes, onde se vendiam até pequenos barcos. Escravos e negros libertos
“Parte da paisagem da Madagdalena”, do álbum de Luís Schlapiz, 1863
atuavam como manobreiros na maioria das embarcações,
ACERVO DO MUSEU DA CIDADE DO RECIFE
mas também se viam mestiços
bicas dos outeiros de Olinda,
as pessoas buscavam mais hi-
e brancos no serviço, muito
de onde saíam nos lombos dos
giene, maior facilidade de des-
lucrativo. Jangadeiros, canoei-
burros até chegar ao trajeto
locamento e melhor acesso ao
ros e barcaceiros se organiza-
fluvial. O capim também de-
abastecimento de água. Ca-
vam em associações hierarqui-
pendia desse tipo de transpor-
sarões e chácaras localizados
zadas. As mais rígidas eram
te para chegar às fazendas dis-
às margens dos rios eram
as dos canoeiros, que se divi-
tantes e alimentar os animais.
usados para veraneio.
diam em títulos como gover-
As embarcações ainda eram
De 1835 a 1842, missões
nador do porto das canoas (admi-
muito usadas no transporte do
hidrográficas francesas inicia-
nistrador do porto), coronel
açúcar e na pesca. Inúmeros
ram mudanças na operação e
dos canoeiros (administrador
ancoradouros, portos fluviais
organização do transporte
das rendas do transporte flu-
e marítimos, praias e ribeiras
fluvial na cabotagem, com en-
vial), major dos canoeiros (ca-
próximos aos centros urbanos
genheiros estrangeiros com-
pataz do porto) e capitão dos
de Pernambuco eram palco de
batendo o uso das embarca-
canoeiros (chefe das embar-
intenso comércio de merca-
ções nativas na pequena cabo-
cações). Tais organizações
dorias e movimentação de pas-
tagem. Ao fim da década de
previam severas punições para
sageiros. Nos trechos mais
1860, os pequenos barcos co-
quem fugisse às normas.
movimentados havia a cobran-
meçaram a se restringir aos
ça de pedágio.
rios, rompendo a estrutura do
Diversos percursos importantes foram firmados nos rios
A deficiência de serviços
transporte fluvial. Com as
e no mar. As regiões mais iso-
urbanos valorizava o transpor-
pontes, Recife passou a ter no
ladas, como Monteiro e Apipu-
te fluvial. A partir da década
transporte rodoviário, como
cos, eram procuradas para
de 1840, toda a região da cha-
qualquer metrópole, um de
abastecimento de água, cons-
mada Várzea do Capibaribe foi
seus maiores problemas, com
tantemente transportada das
objeto de loteamento porque
trânsito intenso e poluição.
NÚMERO 3
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movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA
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FICHA TÉCNICA
UMA AMIZADE
n
h
a
f i l m e
Viagem através dos sentidos
SEM FRONTEIRAS Direção: François Dupeyron.
São raras as
Negligenciado pelos pais – foi
como Uma amizade sem fron-
adaptações
abandonado pela mãe e é tra-
teiras descreve os diferentes
para o cinema
tado como um fardo pelo tris-
lugares por onde passam e
tão fiéis como
tonho pai – Momô (como o ve-
brinca com os sentidos: seu
Uma amizade
lho turco o chama, “menos im-
Ibrahim veda os olhos de Mo-
sem fronteiras. Mas o diretor
ponente do que Moisés”) des-
mô para que ele sinta o cheiro
francês François Dupeyron
cobre, entre as prateleiras da
do ambiente e assim descubra
confiou no pendor cinemato-
deli, um homem generoso e
onde estão.
gráfico do romance Seu Ibrahim
sábio.
Com: Omar Sharif e Pierre Boulanger França/2003
S
96 minutos
Na viagem eles passam por
e as flores do Corão, o segundo
O filme acompanha duas
vários países, como a rica Suí-
da Trilogia do Invisível, do
viagens: primeiro, a travessia
ça e a paupérrima Albânia, até
também francês Eric-Emma-
de Momô rumo ao mundo dos
que atingem seu destino. Uma
nuel Schmitt, e alterou pouca
adultos, rito que inclui a perda
amizade sem fronteiras é uma
coisa do livro – reproduz até
da virgindade com prostitutas
delicada ode à tolerância, flui
muitos diálogos contidos na
da vizinhança, a descoberta de
com enorme facilidade, no que
obra literária. Fez bem em não
técnicas de sedução (a impor-
a ótima química entre o es-
tentar imprimir sua marca
tância do sorriso é a mais inte-
treante Pierre Boulanger e o
numa história já muito bem
ressante delas), feita com a
veterano Omar Sharif muito
narrada por Schmitt.
ajuda de seu Ibrahim, e outras
contribui.
O livro conta os meandros
passagens contadas com muita
da amizade entre Moisés
delicadeza por Dupeyron e
(Pierre Boulanger), um me-
Schmitt. Depois há uma via-
nino judeu, e seu Ibrahim
gem física mesmo, quando seu
(Omar Sharif), turco dono de
Ibrahim e Momô vão, de carro,
uma delicatessen num bairro
de Paris até a Turquia natal do
judeu na Paris dos anos 60.
velho. É cativante a maneira
EROS RAMOS DE ALMEIDA
DIVULGAÇÃO
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movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA
NÚMERO 3
50 anos garantindo a mobilidade da população fluminense A Fetranspor está completando 50 anos. Meio século de atuação no transporte coletivo por ônibus no Estado do Rio de Janeiro. Hoje, reúne 10 sindicatos, aos quais se associam 227 empresas, que atendem 135 milhões de passageiros/mês. Isso significa garantir o direito de ir e vir de 80% da população do Estado. Sem dúvida, temos muito orgulho de assumir tanta responsabilidade, conseguindo gerar 95 mil empregos diretos, o que significa ter cerca de 1 milhão de pessoas dependendo do funcionamento de nossas empresas e sindicatos. Sobreviver é uma tarefa difícil, e atingir meio século é para os fortes e vitoriosos. Mas não é prova que se ganhe de forma solitária, e, por termos consciência disso, queremos compartilhar, com todas as organizações que consideramos parceiras, a grande alegria que nos proporciona a comemoração deste cinqüentenário.
Melhor transporte, melhor qualidade de vida
JANEIRO/FEVEREIRO 2005
movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA
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FICHA TÉCNICA
n
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l i v r o
A humanidade na pedra O MAPA QUE MUDOU O MUNDO Simon Winchester Tradução de Suyan Marcondes Orsbon 416 páginas R$ 64,90
Em O mapa
terra para desenhar o traçado
Winchester é especialista
que mudou o
de canais, muito populares na
em dar humanidade a temas
mundo (Ed.
Revolução Industrial para o
aparentemente pouco seduto-
Record),
o
escoamento de carvão para
res, como a feitura do Dicio-
jornalista inglês Simon Win-
os centros consumidores, que
nário Oxford, sobre a qual
chester consegue tirar leite de
Smith pôde observar o com-
escreveu em O professor e o
pedra. A expressão é quase
portamento das camadas do
demente. Em suas obras, não
literal, pois a pedra em questão
solo. Numa época em que o
costuma esconder seu orgulho
é pedra mesmo: as formações
senso comum policiado pela
britânico, mas isso não chega
rochosas do subsolo britânico.
religião acreditava que a terra
a depor contra O mapa que mu-
Do tema em princípio tão ári-
tinha sido criada por Deus em
dou o mundo, ao contrário do
do, o autor extraiu a história
seis dias, ele estabeleceu as
uso um tanto indiscriminado
profundamente humana do
diferentes idades de cada fatia
de termos como “oólito”, “ar-
também inglês William Smith,
do solo pela correlação com os
gilito” e “marga”, que exigem
autor do primeiro mapa geo-
fósseis nela encontrados.
um tanto de paciência e con-
E
Editora Record
64
lógico do mundo em 1815,
A genialidade do homem
sultas ao glossário anexo. O
fundando uma ciência (a geo-
que criou sozinho o mapa geo-
livro inclui ainda uma lista de
logia) na qual se apóiam pes-
lógico de um país inteiro,
leituras indicadas e um índice
quisas que vão da exploração
depois de 20 anos de pesquisa,
onomástico, além da capa,
de minas até o traçado de uma
não é o único fator da tra-
que, quando desdobrada,
linha de metrô – não por acaso,
jetória de Smith ressaltado no
revela uma réplica do mapa de
o metrô de Londres foi o pri-
livro de Winchester. Sem se
Smith
meiro do mundo, inaugurado
derramar em excesso, o autor
na segunda metade do século
destaca os dramas e desgostos
XIX.
vividos pelo personagem, en-
Se o metrô é um dos prin-
tre eles o plágio, a passagem
cipais reflexos das pesquisas
pela prisão, dificuldades finan-
de Smith na vida contem-
ceiras e o preconceito de ou-
porânea, outro sistema de
tros acadêmicos por sua ori-
transporte esteve na origem de
gem pobre e sua falta de refi-
seu trabalho. Foi escavando a
namento.
movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA
NÚMERO 3
LEONARDO LICHOTE