Revista Movimento 3

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REVISTA MOVIMENTO MOVIMENTO,, mobilidade & cidadania

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ano II • número 3 Editora Multiletra Av. Ataulfo de Paiva, 341/302 Leblon • CEP 22.440-030 Rio de Janeiçro • RJ rev_movimento@antp.org.br REDAÇÃO Diretor de redação

Silvio Rabaça Editor

Aziz Filho Editora assistente

Maria Claudia Oliveira Revisora

Tereza da Rocha Estagiária

Maria de Freitas MARKETING

O adjetivo “solar” é usado figurativamente para descrever vitalidade e criatividade. Uma personalidade solar indica iniciativa e capacidade de empreendimento, enquanto o noturnal, notívago ou simplemente noturno é em geral associado a triste e taciturno. O senso comum, porém, não dá conta das sutilezas do coração humano, que insiste em desmentir idéias definitivas. Se a noite rejei-

Suzy Balloussier

ta o brilho solar, nem por isso ela deixa de significar atividade, seja

COORDENADORA DO PROJETO

profissional ou lúdica —quem sabe até sonhos, desejos e realizações.

Cristina Badini Secretária Executiva

Claudia Montero ARTE

Ampersand Comunicação Gráfica (ampersand@amperdesign.com.br)

Os ritmos da noite e do dia se misturam e se impulsionam, desafiando a natureza e modificando o ciclo vital. A humanidade descobre novas necessidades. Em fevereiro de 2002, o Institut pour la Ville em Mouvement

Designers

Raquel Teixeira Claudia Fleury Carlos Henrique Viviane Luiz Baltar PUBLICIDADE

Claudia Montero (claudia@antp.org.br) GRÁFICA

reuniu em Paris os mais diversos profissionais para estudar como as cidades se movimentam quando o sol se põe e propor soluções originais para quem trabalha em horário noturno ou gosta de desfrutar o que a noite oferece de melhor. Desde então várias experiências e iniciativas vêm despontando em todo o mundo. Nova

KITMais Comércio & Serviços

Iorque é a eterna “cidade que não dorme”; Roma dá o exemplo com

TIRAGEM

sua “Notte Bianca”, na qual promove eventos noturnos nos mais

10.000 exemplares ANTP

Associação Nacional de Transportes Públicos Alameda Santos, 1000 • 7º andar CEP 01418-100 • São Paulo • SP Tel.: (11) 3371-2299 E-mail: antpsp@antp.org.br Site: www.antp.org.br Presidente Jurandir F. R. Fernandes Vice-Presidentes César Cavalcanti de Oliveira Cláudio de Senna Frederico José Antônio Fernandes Martins Luiz Carlos Frayze David Otávio Vieira da Cunha Filho Rogerio Belda Superintendente Nazareno Stanislau Affonso

diversos bairros e distritos, abrindo também seus museus e lugares históricos. E nós brasileiros, o que fazemos? A Movimento se debruça nesta nova edição sobre um assunto cada vez mais caro aos centros urbanos: a mobilidade e a acessibilidade noturnas. Algumas cidades brasileiras já despertam para a sua importância na vida das pessoas e da comunidade e começam a se estruturar para criar mais facilidades de circulação e permitir que as atividades noturnas façam parte de sua rotina, estimulando as trocas, os encontros, a ocupação dos espaços urbanos. Enfim, a própria cidadania.

Coordenadora de Comunicação Cristina Badini

Jurandir F . R. Fernandes

A revista Movimento, mobilidade & cidadania é uma publicação da Associação Nacional de Transportes Públicos - ANTP, editada pela Editora Multiletra. Os artigos e matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores. Todos os direitos reservados.

CASA DA MOBILIDADE CIDADÃ

Presidente da ANTP

NÚMERO 3

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

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Idas e vindas no Orkut Um ponto de encontro virtual com toda liberdade de expressão

Capa: Toni Escalante

MOBILIDADE & CIDADANIA

movimento

4

i n t e r n e t

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p e d a l a n d o

Expresso pedal Empresas adotam a bicicleta em sistema de entregas expressas

10

c i d a d e s A revolução de Bogotá

Know how brasileiro é adotado na capital colombiana, que se tornou modelo no transporte público

e n t r e v i s t a

g a s t r o n o m i a

14

Enrique Peñalosa O ex-prefeito de Bogotá fala sobre a mudança de paradigmas na gestão da cidade

18

Esquinas saborosas Ruas brasileiras também podem ser excelente opção gastronômica

24

i d é i a

Transporte público: acessível para quem? Cidades brasileiras não têm regras claras para facilitar a vida de pessoas com mobilidade reduzida

Um problema de milhões: deficiência

Imobilidade noturna

no transporte público dificulta a vida de quem quer e quem precisa sair à noite e prejudica a economia das cidades

30

c o m p o r t a m e n t o

40

Faixa não é enfeite - Inovações facilitam prevenção de acidentes, mas ainda falta segurança para o pedestre c o m b u s t í v e l

46

GNV: um sonha ainda distantes - Substituição do diesel pelo gás natural veicular nos ônibus brasileiros ainda tem obstáculos a serem vencidos

50

Crônica O ônibus do Bussunda

m ã o

e x p a n s ã o

a t l a s

d u p l a

52

Radares eletrônicos reduzem acidentes de trânsito?

54

A rede cresce - expansão do metrô de São Paulo

58

Berlim - Transporte público ajuda a integrar cidade, que completa 15 anos de reunificação a r q u i v o

60

O transporte no Recife antes das pontes e da poluição

2

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 2

r e s e n h a Livro: O mapa que mudou o mundo/Filme: Uma amizade sem fronteiras

62


OUTUBRO 2004

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

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i n t e r n e t

Idas e vindas no Orkut P O R

S

P I T O M B O

e você se co-

linhas de ônibus favoritas, pi-

zer.” Usuária fiel, Sabrina não

necta à inter-

char a malha ferroviária ou

deixa de apontar problemas.

net, muito pro-

cultuar o metrô.

“O preço das passagens ainda

vavelmente já

Os ônibus são os que mais

é muito salgado. As promessas

foi convidado para se cadastrar

inspiram a criação de comuni-

do bilhete único feitas na cam-

na última coqueluche da re-

dades. Em uma delas, chamada

panha eleitoral foram boas,

de. Criado pelo doutorando de

Ando de ônibus, e daí?, o porto-

mas pelo visto vamos conti-

ciência da computação Orkut

alegrense Luiz Felipe diz que

nuar pagando caro”, reclama.

Buyukkokten, ligado ao Goo-

pegar um T4 às sete da matina

Na comunidade Eu ado-

gle, o Orkut é uma sala de

é uma experiência “essencial”:

ro ônibus, o também carioca

visitas virtual que tem como

“Lá dentro acaba-se fazendo

Wendel Nogueira demonstra

objetivo aumentar o número

parte de uma massa homogê-

sua paixão num de seus posts.

de amigos do usuário e per-

nea. Você não sabe onde co-

Ele lembra que, desde os qua-

mitir o reencontro de gente

meça o seu corpo e onde ter-

tro anos de idade, reparava nos

que não se vê há anos. Mais

mina o da pessoa ao seu lado.

códigos das linhas, nas pin-

do que isso, possibilita a troca

Nem precisa se segurar: nin-

turas dos carros e nos mode-

de idéias em suas diversas co-

guém consegue se mexer lá

los. Indo para a escola, sempre

munidades temáticas, como a

dentro mesmo!”, exagera o

escolhia os tipos nos quais

de transportes públicos. Há

gaúcho. A carioca Sabrina Ca-

queria embarcar. É um aficio-

muita gente discutindo seria-

razza faz parte do grupo e de-

nado: “Lembro que me apai-

mente a logística do setor, o

fine o uso do coletivo como

xonei pelo Thamco Águia

sistema de pedágios e outros

uma terapia. “Gosto de andar

quando foi lançado, em 1987.

temas técnicos e acadêmicos,

de ônibus porque esqueço os

Ficava horas fazendo minha

mas os palpiteiros do Orkut se

meus problemas e literalmente

mãe esperar no ponto para an-

dedicam mais a falar sobre as

relaxo, pois não há nada a fa-

dar nele. Quando vinha um

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MARIO BAG

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H E I T O R


comunidade Metrô de São Paulo, a malha paulista é tida por um dos seus integrantes como “uma das poucas aplicações de impostos que dão certo”. Ela registra episódios pitorescos, como o relato de um passageiro da Linha Azul (nortesul). “Uma vez eu estava dentro do metrô, olhando pela janela, quando vi lá fora um sujeito cabeludo usando óculos escuros e vestindo uma calça bizarra olhando para o nada. O metrô partiu, seguiu para a estação seguinte e, quando parou, o cara estava lá Águia da Volvo, então, era o

sos em comunidades como Eu

também, com a mesma calça

auge!”

odeio baleiro de ônibus, na qual

bizarra, o cabelo e os óculos,

Outras pessoas nutrem

seu impiedoso criador afirma

na mesma posição! Com cer-

fascínio pelos eventos pito-

não agüentar mais ouvir ex-

teza era um fantasma.”

rescos que podem ocorrer na

pressões como “desculpe inco-

Não faltam relatos ou co-

condução. É o caso da curi-

modar a sua viagem”, “não es-

mentários insólitos, mas em

tibana Leticia Diniewicz, cria-

tou traficando nem roubando”

comunidades como Metrô Rio

dora da comunidade Ouvindo

ou “três canetas pelo preço de

(Eu quero um lugar) há muitas

conversas no ônibus, que sem-

uma”. Os personagens mais

reclamações sérias sobre a falta

pre adorou escutar o papo de

citados são, naturalmente, os

de estrutura para dar vazão

desconhecidos. Já ouviu diver-

condutores, atacados em vá-

aos milhares de passageiros.

sas histórias. As mais recor-

rias comunidades chamadas

Com bom ou mau humor, os

rentes, segundo ela, são as

Eu odeio motoristas de ônibus.

brasileiros desejam mesmo é

dos velhinhos que, a cada

O metrô também pode ser

esquina, recordam como era

objeto de adoração e ódio. Na

melhorar a qualidade de suas idas e vindas pela cidade.

a cidade antigamente. “O maior número de comentários

O que é? | O Orkut — www.orkut.com — é um site que funciona

é sobre crianças que vomitam

como central de relacionamentos e geralmente conecta grupos de

no ônibus. Há também mui-

amigos ou pessoas com interesse nas comunidades temáticas,

tas histórias de pessoas que

que podem ser abertas por qualquer um dos membros do Orkut.

se apaixonaram por alguém

Para ser membro, o interessado precisa de ser convidado.

num coletivo.”

Como criar uma comunidade? | Entrando no site, clique em

As figuras que freqüentam

“comunities” e, bem no pé da página, em “create”. Preencha um

os lotações também são víti-

pequeno cadastro e, ao clicar novamente em “create”, terá criado

mas de comentários veneno-

mais uma comunidade no Orkut.

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Expresso pedal Cresce a procura por empresas ecologicamente corretas dos ‘bike boys’

POR M A R C O S M A C H A D O

A

s vantagens

ro, como mostram duas em-

foi levada a sério. “Não

para

quem

presas que adotaram o veículo

acreditavam que pudéssemos

adota a bici-

para fazer entregas expressas

superar os motoboys”, lembra

cleta como

em São Paulo e no Rio de Ja-

o sócio Flávio Meireles. Aos

neiro.

poucos, o conceito ganhou

meio de transporte no dia a dia

66

são bem conhecidas. É uma al-

A primeira surgiu em São

espaço e credibilidade, em

ternativa eficiente ao trans-

Paulo em 1998, prometendo

grande parte graças a uma bem

porte motorizado, não polui,

entregas em até uma hora a

sucedida manobra de mar-

faz bem à saúde e estimula a

partir da coleta, mesmo se pre-

keting: os ciclistas passaram

integração social. A novidade

cisasse cruzar a cidade da Ave-

a subsidiar a rádio Eldorado

é que a magrela passou a ser

nida Paulista até Santo Amaro

com informações sobre o

uma forma ambientalmente

no rush. A promessa ambiciosa

trânsito. O fortalecimento da

sustentável de ganhar dinhei-

da Bike Courier, no início, não

consciência ecológica no mer-

movimento movimento, ,MOBILIDADE MOBILIDADE&&CIDANANIA CIDANANIA

NÚMERO NÚMERO33


cado corporativo atraiu clientes como Votorantim, Ig, Bra-

Pedalando para salvar ou matar

silinvest e Forma Academia. O preço também é um forte

O uso da bicicleta em atividades profissionais não se

apelo. As firmas que operam

restringe ao ramo de entregas ou ao policiamento,

com motociclistas, conta Flá-

outra finalidade comum, principalmente na Europa. Em

vio, cobram por hora – no míni-

Londres, ainda em caráter experimental, há um serviço

mo duas – para cada remessa.

de bicicletas-ambulâncias. Seis paramédicos em bikes

Com a entrega em até uma ho-

equipadas com luz de prioridade, sirenes, desfibrilador

ra, o custo cai pelo menos à

cardíaco e máscara de oxigênio vão atuar na área central

metade: R$ 9,00 é o preço ini-

em um quilômetro ao redor de Leicester Square,

cial do serviço na Bike Courier.

Trafalgar Square, Soho e Covent Garden. Prestarão

A empresa, que começou com

atendimento rápido a pacientes em estado crítico, como

três ciclistas e poucos pedidos,

vítimas de ataque cardíaco que estão em vias conges-

dispõe de 35 mensageiros para

tionadas ou ruas de pedestres. Outra equipe com cinco

atender a uma média de 50 cha-

paramédicos está a postos no aeroporto internacional

madas na Grande São Paulo.

de Heathrow para emergências. É o segundo aeroporto

A Cicle surgiu em 2002 no Rio com dez ciclistas e en-fren-

do mundo a contar com o atendimento. O primeiro foi o de Vancouver, no Canadá.

tou menos desconfiança do que

Militares também usam bicicletas profissional-

sua colega paulista por causa

mente. Embora o exército da Suíça tenha anunciado a

da forte cultura ciclística da

extinção de seu batalhão de ciclistas de montanha em

cidade. O Rio tem a segunda

2003, a bicicleta continua tendo uso militar, mais

maior malha de ciclovias da

exatamente pelos paraquedistas dos Estados Unidos

América Latina, com 140 qui-

na guerra do Iraque. Eles saltam do avião com um

lômetros (a maior é de Bogotá,

modelo dobrável da Montague às costas, que pode ser

com o dobro). A empresa já

usado para deslocamentos entre os combates.

atende o centro, a zona Sul e a Tijuca (zona Norte). O número de funcionários dobrou e os pedidos são de pelo menos cem diários, chegando a 2 mil quando há distribuição de convites para grandes eventos. Os preços começam por R$ 5, para

Inspiração na Dinamarca

Peter Neusch, sugeriu a criação da empresa nos moldes

entregas no mesmo bairro. Re-

das existentes na Dinamarca,

centemente, foi instituída uma

Depois de anos trabalhando na

sua terra natal. “O negócio

parceria com a Oi. Em troca do

Espanha como editora e

nos permite interagir com as

equipamento de comunicação,

designer de moda, Denise

pessoas e mostrar que é

os ciclistas estampam a marca

ansiava por um negócio

possível viver melhor nas

da empresa de telefonia celular

próprio com viés social. Seu

cidades”, justifica. A Cicle

em suas camisas.

marido, o artista plástico

nasceu associada ao Instituto

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SAIBA MAIS

gtbicicleta@antp.org.br Grupo de Trabalho de Bicicletas da ANTP

www.bikecourier.com.br www.cicle.com.br Página das empresas de ciclistas mensageiros

www.adventureofbike.hpg.com.br Página sobre ciclistas mensageiros de São Paulo

www.bicicletada.org Página oficial do movimento Bicicletada – que promove a discussão sobre o uso de meios de transportes não motorizados

www.uspsprocycling.com Equipe de ciclismo profissional do serviço postal dos EUA. – O pentacampeão da volta da França, Lance Armstrong, é um de seus 25 integrantes.

www.londonambulance.nhs.uk Site oficial do London Ambulance Service

A carioca Cicle dobrou o número de ciclistas desde sua fundação, em 2002, e chega a receber 2 mil pedidos de entregas por mês

www.museuda-bicicleta.com.br Museu em Joinville (SC), conhecida como “cidade das

Ethos de Empresas e Respon-

Oliveira, um dos ciclistas-

sabilidade Social e fez uma

mensageiros da Cicle. Roubos

parceria com a Federação Ca-

aconteceram poucos, geral-

rioca de Bicicross, que rendeu

mente das bicicletas ou partes

emprego para dois atletas e

delas.

um projeto para implantar o

Alguns clientes só des-

Dia Internacional Sem Carro

cobrem que o serviço foi feito

no Rio de Janeiro. A iniciativa

por bicicleta ao ver a roupa do

foi aprovada pela Prefeitura

bikeboy. Os problemas decor-

este ano, mas ainda não saiu

rentes do pioneirismo do ser-

do papel.

viço vão, pouco a pouco, desa-

bicicletas”, que possui 16 mil

O maior problema das em-

guando em soluções criativas.

exemplares - inclusive três da

presas pioneiras é o mesmo

Há prédios que não permitem

que atormenta milhões de ci-

o ingresso de bermuda, ves-

clistas no país: o desrespeito

timenta mais apropriada para

www.militarybikes.com

no trânsito. “Os carros jogam

o esforço. Por isso, uma calça

Site das bicicletas militares

em cima, fazem o ciclista subir

sempre está na mochila. Fábio

a calçada e ainda xingam”,

Rosa conta sobre um local em

conta Flávio. Apesar dos ris-

que ocorre exatamente o

cos, a empresa paulista nunca

inverso. “Há um escritório de

teve um acidente sério; a do

arquitetura em que a maioria

Rio teve um. “Fui atropelado

é de funcionárias. Lá, a calça é

há um mês, mas só luxei o

que foi proibida”, brinca,

braço”, conta Fábio Rosa de

orgulhoso.

bicicleta de montanha do exército suíço.

da Montague

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anúncio Levorin

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c i d a d e s

A revolução de Bogotá P

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A capital da Colômbia está

bem sucedidos e esforços de autoridades e

localizada de forma privilegiada

moradores, muitas vezes em contextos difíceis,

no lado oriental da Cordilheira

em prol da cultura e da harmonia urbana.

dos Andes, a uma hora de vôo dos oceanos Atlântico, Pacífico e do Mar do Caribe. Não tem estações muito

O que mudou

definidas, oferecendo uma agradável temperatura

10

que oscila entre os 9° e os 22°, com períodos de

A violência em Bogotá vem diminuindo, os

seca e de chuva que se alternam durante o ano.

números de mortos e feridos no trânsito tam-

Situada 2.640 m acima do nível do mar, Bogotá

bém caem, a cara da cidade mudou. A partir da

tem 7 milhões de pessoas e conta com bela

implantação do Projeto Trasmilênio, em 1999

arquitetura colonial, que convive com edificações

houve uma mudança no próprio conceito de

modernas e arrojadas. Com tantas qualidades, é

cidade. Corajosamente, o então prefeito, Enri-

mais conhecida pela violência e a visão que

que Peñalosa, resolveu mostrar que o espaço

muitos têm dessa metrópole sul-americana é de

urbano ideal privilegia seus habitantes, não os

desordem, graças à ação do narcotráfico e a

veículos. Deve ser democrático, com acesso ao

mazelas como a falta de ordem no trânsito e o

espaço público de forma igualitária para todos,

transporte de péssima qualidade, com altos

com muito verde, calçadas amplas e locais de

índices de acidentes e mortes.

lazer nos bairros pobres.

O mundo pode não ter prestado muita aten-

Partindo dessa filosofia, foi adotado o sis-

ção, mas as coisas andaram mudando na terra

tema pico & placa, que restringe o tráfego de

de Gabriel García Marques e o velho estereótipo

veículos particulares no centro por duas horas,

da capital colombiana já não se encaixa nos dias

nos períodos mais movimentados da manhã e

de hoje. No dia 6 de setembro do ano passado,

da noite. Carros estacionados sobre as calçadas,

Bogotá fez jus ao prêmio Cidades pela Paz, con-

antigo costume dos motoristas de Bogotá e de

ferido pela Unesco em reconhecimento a projetos

certas cidades de outro conhecido país tropical,

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Transmilenio: um projeto de transporte no centro da transformação que valeu a Bogotá o prêmio Cidades pela Paz, da Unesco


passaram a ser rebocados. Um investimento na casa dos US$ 300 milhões contemplou também iluminação pública, construção de calçadas, parques, bibliotecas e escolas em bairros pobres. Inspirado no sistema de transporte de Curitiba e com participação de técnicos brasileiros, foi criado um projeto utilizando o ônibus como transporte de massa, uma solução questionável em outros contextos mas economicamente pos-

Espaço público passa a privilegiar os habitantes, não os veículos

sível para a realidade de Bogotá. Rodando em faixas segregadas, veículos articulados, com pa-

privilegiar automóveis, criaram-se alternativas

radas em estações modernas equipadas com ca-

para pedestres e ciclistas e procurou-se oferecer

tracas eletrônicas, passaram a operar integra-

um transporte público de qualidade para que

dos a um sistema alimentador, que parte dos

as pessoas pudessem deixar seus carros em

diversos bairros.

casa, deslocando-se, em trajetos rotineiros, no transporte coletivo.

Por que transporte rodoviário?

Uma cidade mais igualitária Um dos conceitos que levou à escolha de um transporte de massa sobre pneus foi a econo-

As pistas de rodagem costumam ser cons-

mia. A construção de um metrô seria uma solu-

truídas nos locais onde os preços dos terrenos

ção muito cara e mais demorada. A idéia de

são mais acessíveis, justamente onde se concen-

buscar caminhos específicos para resolver pro-

tram as pessoas das camadas de menor renda

blemas próprios da cidade também pesou. Os

da população. Essas vias deterioram comple-

técnicos levaram em conta questões reais do

tamente a qualidade de vida das pessoas, expõe

dia-a-dia de um país em desenvolvimento, como

todos a riscos de atropelamentos e à convi-

a minguada renda per capita, os problemas ligados à pobreza e os hábitos mais gregários da população. Evitaram copiar modelos de países desenvolvidos e cidades com perfis diferentes. O diferencial do Transmilênio, hoje apontado como exemplo positivo em todo o mundo, é a concepção de que um sistema de transporte é capaz de gerar toda uma estrutura urbana. Houve a consciência, por parte de seus criadores, de que uma política de transporte não é mera ferramenta para resolver problemas de congestionamentos de veículos, mas fator indutor de qualidade de vida. Ela pode determinar o tipo de cidade em que se pretende viver. Em vez de mais vias e obras de engenharia para

Bogotá: menores índices de violência e valorização urbana

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vência com mais ruído, fumaça, menos verde.

bus articulados. O preço da passagem custa

Quanto mais velocidade as pistas permitem,

um pouco mais do que a tarifa anterior, mas dá

maiores os prejuízos ao entorno, ressalta o

direito ao uso integrado.

economista Peñalosa. Com o tempo, tornam-

As transformações de Bogotá não foram ape-

se verdadeiras barreiras para os moradores. No

nas em relação à mobilidade humana. O Transmi-

caso do Transmilênio, as áreas ocupadas pelas

lênio mexeu com a auto-estima e tornou a cidade

comunidades mais pobres foi melhorada, com

mais igualitária. Numa época em que se questiona

a construção de locais de lazer para os mora-

o alcance do acesso ao transporte em países como

dores. Em muitos casos, as ruas – utilizadas

o Brasil – em que as camadas mais baixas da

pelo pequeno percentual que pode ter um carro

população se tornam cada vez mais imóveis por

– permaneceram sem calçamento, mas foram

não terem condições de pagar as tarifas – o cida-

construídas calçadas para os pedestres. Um

dão de Bogotá ganha um transporte de qualidade,

parque de 45 quilômetros lineares surgiu onde

sem agressões ao meio ambiente, e vias seguras e

estava prevista a construção de uma rodovia.

cuidadas para pedestres e ciclistas. Talvez seja a

Os moradores dessas comunidades passaram a

hora de muitas outras cidades do mundo busca-

ter acesso a ônibus novos, alimentadores, que

rem soluções mais humanas para os seus proble-

os levam a estações onde podem tomar os ôni-

mas, sejam eles de transporte ou não.

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eentrevista n t rKATIA e BORN v i s

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ENRIQUE PEÑALOSA

Bogotá chamou a atenção do mundo ao receber, recentemente, o prêmio Cidades pela Paz, da Unesco. A conquista foi resultado não de uma política de segurança pública, mas de um trabalho maior, voltado para aspectos sócio-culturais e econômicos, que começou com a fiscalização de venda de bebidas alcoólicas a menores e a implantação de uma cultura cidadã. Curiosamente, um projeto de transporte – o Transmilênio – esteve no centro da mudança. O ex-prefeito Enrique Peñalosa, que implantou o projeto, falou a Movimento sobre a forma como as medidas elevaram a qualidade de vida, contribuindo para a harmonia urbana.

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Mudando paradigmas O que é o Transmilênio? É um sistema integrado de transporte de massa, com base em ônibus articulados. Foi inspirado em Curitiba, aprimorado por engenheiros brasileiros e adaptado a Bogotá. É muito mais barato que um sistema de metrô, leva hoje mais passageiros por quilômetro do que 90% dos metrôs do mundo. E o transporte alimentador, como funciona? Existem ônibus comuns por toda a cidade, atuando como alimentadores. São operados por empresários contratados, que recebem basicamente por quilômetro percorrido. Como era o transporte em Bogotá? Absolutamente caótico, louco, com um número enorme de operadores travando verdadeira guerra pelos passageiros. Havia muitas mortes no trânsito, principalmente de pedestres e ciclistas. Circulavam ônibus com até 30 anos de existência, outros chegavam a ter 4 milhões de quilômetros rodados. Além da melhoria do trânsito e da redução de acidentes, em que o projeto mudou a vida da cidade? Pelo grande poder simbólico, provocou uma mudança cultural ao mostrar claramente que o interesse geral vem antes do particular. Ao se dar prioridade no uso da via ao transporte público, tornou a cidade mais democrática. No espaço público, todos sentem-se iguais. O ônibus também passou a ser visto como um transporte de qualidade, desvinculado da idéia de pobreza. E a população economizou tempo e dinheiro, pois 45% dos passageiros usam o alimentador e, depois, o Transmilênio, pagando apenas uma tarifa.

JANEIRO/FEVEREIRO 2004

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entrevista KATIA BORN

Como ocorreu essa mudança de paradigma com relação ao ônibus? Para começar, mudamos a terminologia. Hoje o passageiro diz “vou tomar o transmilênio”, que percebe como um produto distinto. As linhas passam também por áreas nobres, reforçando a idéia de que é um transporte para todos, pobres e ricos. A restrição aos automóveis no centro e a boa qualidade do transporte também contribuíram. O que torna o Transmilênio a contribuir para a paz social? Cerca de 40% dos investimentos foram feitos em alterações do espaço público. As áreas públicas tornaram-se seguras, agradáveis, com vias exclusivas para pedestres, ciclovias, largas calçadas, bibliotecas, parques. Chegamos a eliminar vias para desenvolver um parque linear, com 45 quilômetros de verde, em uma área pobre para a qual estavam projetadas mais pistas de rodagem. Hoje os moradores de Bogotá gostam muito mais da cidade, têm orgulho dela. E os recursos para a implantação? De onde vieram? Houve a implantação, por lei, de uma taxa sobre a gasolina, de 5%. Isso garantiu cerca de 25% dos recursos. O Governo federal assumiu o restante, investindo na infra-estrutura: vias, estações, garagens.

“provocou uma mudança cultural ao mostrar claramente que o interesse geral vem antes do particular”

O projeto humanizou Bogotá? Sim. Tanto que o governo federal está criando mais cinco projetos semelhantes: em Barranquilha, Cartagena, Pereira, Cáli e Bucaramanga. As políticas que privilegiam o automóvel, em países em desenvolvimento como a Colômbia ou o Brasil, são socialmente justas? São muito injustas, pois dirigem recursos que vieram também dos mais pobres, através de tributos, para resolver engarrafamentos criados pelos mais ricos. A qualidade de vida de uma área é diretamente proporcional ao tamanho do espaço dedicado ao pedestre e inversamente proporcional à velocidade em que se movem os carros. Infelizmente, as pistas de alta velocidade são feitas, via de regra, exatamente nos locais mais pobres, onde os terrenos são mais baratos.

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movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

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A classe média costuma reagir negativamente a medidas restritivas ao automóvel. Em Bogotá, o senhor provocou fortes reações com o Transmilênio. Em que momento foi revertido esse impacto negativo? Realmente, chegaram a pedir o meu impeachment. Mas quando os resultados foram aparecendo as pessoas mudaram de opinião. Em março de 2001, eu tinha 85% de aceitação.

“A qualidade de vida de uma área é diretamente proporcional ao tamanho do espaço dedicado ao pedestre e inversamente proporcional à velocidade em que se movem os carros”

O que caracteriza uma boa política de transporte? Em vez de tentar resolver, a curto prazo, problemas de congestionamento, criando mais vias, devemos pensar: como queremos viver? Não podemos falar de uma política de transporte se não sabemos quais cidades queremos, pois os sistemas de transporte criam modelos de cidade. A pergunta não é “que tipo de transporte queremos” , mas “como queremos viver em nossas cidades?” E como podemos ter boas cidades? Qualquer urbanista hoje tem dois desejos principais: prioridade para o transporte público e cidades densas. Nós, de países como Colômbia e Brasil, ainda podemos mudar nossas cidades, fugir dos modelos norte-americanos, criando soluções de acordo com nossas realidades. Como está o Transmilênio hoje? Temos 56 quilômetros em operação, com um grande terminal que conta com espaçoso estacionamento e bicicletário. Estão em construção outros 50 quilômetros, devendo começar a funcionar em um ano. E virão outras etapas, até 2020, quando 85% das moradias de Bogotá estarão a menos de 500 metros de uma estação do Transmilênio. Esta é a meta.

JANEIRO/FEVEREIRO 2004

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Esquinas saborosas As delícias da comida de rua nas cidades P

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brasileiras

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comida do brasileiro está no

hamburger, alface, milho verde, azeitonas,

olho da rua. Mas muito bem

ervilhas, maionese, tomate, ketchup, mostarda,

empregada, seja em Salvador,

queijo ralado, molhos diversos... Tudinho por

onde o acarajé integra a paisa-

R$ 1 a R$ 1,50, com direito a um copo de refri-

gem e o cardápio de todos os

gerante popular grátis para ajudar na condução

santos, ou no prato principal dos campos

do gigante ao leito do estômago. Sem contar a

gaúchos – levado em forma de miniatura para

pipoca, o amendoim, o algodão-doce, o puxa-

o Centro de Porto Alegre, onde os espetinhos

puxa, a cocada, os churros, a papa de milho, o

assados em carrinhos com infra-vermelhos

queijo de coalho assado, o espeto de camarão,

mantêm acesa, mesmo sem brasa, a tradição

o jamelão, o cajá, a carnaúba, a pitomba... ufa!

gaúcha. O gosto de churrasquear, aliás, se

O sal de frutas.

espalhou no braseiro de todo o país: em qual-

Na Bahia, o Acarajé, uma comida-de-santo,

quer porta de botequim, praça, esquina mo-

está disponível em qualquer esquina para os

vimentada, festa de candidato a vereador, lá está

reles mortais. E lá está de prova todos os dias,

o espeto com carnes variadas. De gato, não.

no Largo do Farol da Barra, a legítima baiana

Dele só ficou o apelido do churrasquinho de

de tabuleiro Tânia Bárbara Mary, 39 anos. Tânia

rua no Rio de Janeiro. comidas típicas de todo o Brasil, foi que inventaram a iguaria do x-tudo, inspirada no cheeseburger. Consiste em duas bandas de pão redondo e tudo que couber entre elas: queijo,

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movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 3

“Nasci dentro do acarajé”, resume Tânia do Farol, artesã do tabuleiro. Ela potencializa a tradição da família baiana e merece o certificado “ISO nove mil e hummm!!!”

LUCIANO MATOS

Nas ruas cariocas, aliás, onde são vendidas


NÚMERO 33 NÚMERO

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do Farol, como é conhecida, não é apenas uma

patrocinado, no ano passado, pelo Sebrae, o

cozinheira de quitutes, mas uma artesã do

Sesi, o Senai e a Agência Nacional de Vigilância

tabuleiro, profissão que passa de mãe para filha

Sanitária, idealizadora do projeto Acarajé 10.

desde os tempos de sua avó. A filha de Tânia,

O resultado não podia ser outro: Certificado?

Ana Cássia, 21 anos, aprendeu ainda menina

ISO nove mil e hummm!!!

as técnicas criadas por escravas para trans-

Tânia vende seus quitutes a R$ 2 (o sim-

formar a massa à base de feijão numa delícia

ples), R$ 2,50 (com camarão) e R$ 3 (com

que tem cheiro e gosto da Bahia. “Nasci dentro

camarão, vatapá, caruru), das 17h30m à meia-

do acarajé”, diz Tânia, com todo aquele sorriso

noite. Em dia mais movimentado, vai até uma

de baiana de tabuleiro, mas sem o mesmo peso

da manhã, ajudada pela filha Ana Cassia e o

que essa típica figura das ruas de Salvador tinha

filho Anderson, 18 anos. Eles parecem seus

antigamente: ela mantém a forma praticando

irmãos mais novos, porque Tânia se casou

capoeira e jiu-jitsu. Em dias de santos, que

muito jovem, com 14 anos. Depois, separou-

são muitos, cumpre com seus trabalhos no

se do marido. “O acarajé é a nossa vida. Minha

terreiro. E no dia-a-dia segue rigorosamente

mãe também se casou nova, teve 15 filhos, qua-

as regras de higiene aprendidas num curso

tro morreram logo e 11 foram criados no tabuleiro”, diz, com orgulho. Na panela cheia de Brasil, a iguaria que ganhou gosto em todos os estados foi mesmo o churrasquinho no espeto, até no lugar sagrado do churrasco tradicional, o Rio Grande do Sul. Ainda bem, agradece Jorge Bueno Lucca, 33 anos, um eletricista que ficou desempregado há dois anos e resolveu driblar o fantasma do desemprego num carrinho de churrasco. Casado, três filhos, mulher diarista, Tio Lucca comprou, depois de um ano na rua e com financiamento do Banco do Brasil, um carrinho de três rodas dotado de queimador infra-vermelho e toldo, especialmente projetado pela prefeitura. “Aprendi técnicas de higiene com o pessoal do Senai, do Sebrae e do Senac. Fiquei muito satisfeito com a substituição do carvão pelo infra-vermelho, que evita a fumaça. Aumentei o valor do churrasquinho de R$ 1 para R$ 1,25 e a clientela cresceu também. Vendo até 120

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movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 3

FERNANDO ANTUNES/COOMUNICA

No coração da capital gaúdha, o ex-eletricista Jorge Lucca vence o desemprego com um carrinho de churrasco e comemora a chegada do infra-vermelho: menos fumaça, mais fregueses


CARLOS MAGNO

Driblando a Guarda Municipal, o carioca Carlos André montou até banquinhos em volta de seu braseiro: até cem churrasquinhos por dia na histórica Rua do Ouvidor

por dia”, conta ele, que faz ponto na esquina

de bar, com banquinhos. “Já temos freguesia

das ruas dos Andradas e Borges de Medeiros,

certa. O melhor dia é sexta-feira, quando isso

no coração da capital, vendendo para muitos

fica cheio e nós trabalhamos até de madrugada.

estudantes universitários e advogados.

Depois, arrumamos tudo e guardamos num

O hábito do brasileiro de comer na rua tam-

depósito perto. Pago um aluguelzinho, mas

bém acabou com o desemprego do carioca Car-

estou ganhando muito mais do que no tempo

los André, 30 anos, casado, dois filhos. Depois

em que era copeiro.”

de perder o emprego de copeiro, há dois anos,

Mais adiante, na altura da Rua São José, há

ele abriu negócio na esquina da Rua do Ouvidor

outras churrascarias de rua pós-Guarda Muni-

com a Avenida Rio Branco, bem no centrão.

cipal. É ali que o casal de mineiros Débora e

Horário de trabalho? Depois que a Guarda

Flávio Belo, pais de um menino de 7 anos e uma

Municipal vai embora, ali por volta das 18h.

menina de 4, instalam a sua superbarraca rebo-

Carlos e sua mulher trabalham enquanto há

cada diariamente da Penha, onde moram, para

freguês. Vendem até cem churrasquinhos por

vender até 600 espetinhos de churrasco, frango

dia, a R$ 1 cada. A cerveja custa R$ 1,50. Em

ou salsichão a R$ 1,50. Flávio Mineiro também

volta da churrasqueira é montado uma espécie

trabalhava como copeiro há dois anos, quando,

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CARLOS MAGNO

Os vascaínos Cléber Lima e Édson Cardoso, moradores de Maricá, batem ponto na “churrascaria” de Flávio e Débora depois do trabalho: “carne de primeira e freguesia fiel”, comemora Débora

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depois de demitido, arranjou emprego melhor

A classe média foi tão contagiada pelo cheiro

na chapa de um churrasqueira. “Demos a volta

do churrasco que, em Niterói, para atender à

por cima e nossa vida ficou bem melhor. Aqui

demanda, Chico e Zacarias Ceará, donos do Bar

só vendemos carne de primeira e, por isso,

Garden’s, em Icaraí, mandaram construir uma

temos uma boa e fiel freguesia”, gaba-se Débora.

churrasqueira bem na beira de uma das portas,

Um dos mais fiéis é o gerente administra-

para atender a clientes como o comerciante de

tivo de uma empresa de informática, Cléber

produtos de informática Flávio Dib. Lá, o

Luiz Correia Lima, 37 anos, que pára na chur-

churrasquinho é vendido a R$ 1,75 e R$ 2,25

rascaria do Flávio depois do expediente, antes

(com molho). “Comer na rua hoje é uma

de voltar para casa, em Maricá. Seu amigo

tendência e, por aqui, isso já virou moda. No

Édson Cardoso, gerente de banco, morador de

caso do churrasquinho, vai muito bem para a

Maricá e vascaíno como Cléber, é figurinha fácil

roda de cerveja com os amigos”, diz Flávio,

por ali às sextas-feiras, enquanto espera o

comprovando que a vida nas ruas não é feita só

ônibus para voltar para casa. Os dois amigos

de pressa, barulho e engarrafamentos, mas

elogiam a qualidade do churrasquinho e o bom

guarda sabores e cheiros muito especiais para

ambiente, que atraem a classe média.

aproximar as pessoas.

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Mercedes-Benz, marca registrada do Grupo DaimlerChrysler.

Aqui tem confiança de geração em geração. Chassis urbanos Mercedes-Benz. Durabilidade, economia e tecnologia. Aqui também tem uma ótima relação durabilidade–benefício. Resultado? Um chassi resistente. Porque sabemos que essa qualidade é indispensável para a sua frota. 䉴 Relação opção–benefício? Não importa qual modelo da mais completa linha de chassis de ônibus você escolher, vai sempre contar com muita rentabilidade e facilidade de manutenção. 䉴 E como não poderia deixar de ser, aqui tem a melhor relação custo–benefício–cliente– satisfeito. É que os chassis Mercedes-Benz apresentam o desempenho que você sempre quis para a sua frota. 䉴 É, ficou fácil perceber por que a confiança na marca Mercedes-Benz passa de pai para 䉴

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Edison

Passafaro

Transporte Público: Acessível para quem? Se a vida do cidadão co-

transporte exclusivo que não dão conta do

mum que se desloca pelos

recado. O nível de preocupação e investimento

sistemas de transportes pú-

é zero. Outro dia ouvi de um técnico de uma

blicos no Brasil já é um mar-

das maiores empresas de transporte público do

tírio, como ficam os usuários

país que “os deficientes estão mesmo perdidos”.

de cadeira de rodas, os cegos

Infelizmente, ele ainda tem razão. Após tantos

ou as pessoas de muletas? Pois

anos de reivindicações e com tanta tecnologia

é, elas não vão e nem vêm —

disponível, por que ainda encontramos esse

elas “ficam”. São anos e anos

quadro de exclusão? E nem entramos ainda no

de luta pelo direito do acesso

mérito da dificuldade de idosos, gestantes,

das pessoas com deficiência

obesos e todos os que têm sua mobilidade

aos transportes públicos, prin-

reduzida.

cipalmente os urbanos, mas

Em primeiro lugar, nunca houve por parte

até agora o que vemos, de for-

do Estado brasileiro, de fato, uma estratégia

ma geral, são ações isoladas em

de investir em políticas públicas com regras

algumas cidades que imple-

claras e objetivas voltadas à implantação de

mentaram uns poucos ônibus

transportes coletivos eficientes e dignos. Fo-

adaptados – a maioria “mal”

ram décadas de estímulo à aquisição do veículo

adaptada – ou veículos de

particular, baseado no modelo norte-americano,

Edison Passafaro é secretário executivo da Comissão Permanente de Acessibilidade da Prefeitura de São Paulo

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movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 3


voltado à elite e à classe média.

Somado o conceito de que transporte pú-

Este comportamento definiu

blico é necessariamente ruim ao preconceito

equivocadamente a política de

de que acessibilidade é só para pessoas com

transportes de todo um país e

deficiência e que estas só freqüentam hospitais

o automóvel se transformou

ou instituições especiais, o resultado é que,

no maior urbanista do século

quando se pensa em elaborar um plano, as pro-

20, além do sonho de consumo

postas são sempre de disponibilizar ônibus mal

dos brasileiros. As cidades e o

adaptados ou veículos exclusivos que irão,

comportamento das pessoas

quando muito, levar uns poucos pobres coi-

foram se moldando às suas

tados a seus locais de tratamento. Custam caro

necessidades. Frente a essa

– para a felicidade das empresas concessioná-

cultura nacional, o transporte

rias – e a conta é subsidiada, como caridade

público passou a ser sinônimo

política. Assim os idealizadores se sentem livres

de transporte ruim, de uso

de investir na melhoria do transporte como um

quase que exclusivo dos me-

todo e orgulhosos de sua própria “bondade”.

nos favorecidos, impossibili-

Tendem a achar que fizeram o máximo e que as

tados de financiar seus sonhos.

pessoas com deficiência não têm do que recla-

O que restou para a esmaga-

mar. Vivem felizes para sempre, sem querer

dora maioria – incluindo as

enxergar que, para quem precisa sobreviver

pessoas com mobilidade re-

no mundo dos mortais, a vida continua uma

duzida – foi ser transportada

guerra.

como gado pelos falidos sistemas de transporte públicos, sucateados, caros e ineficientes, com raras exceções. Em segundo lugar, a socie-

O que restou para a

dade sempre enxergou as pessoas com deficiência como doentes, incapazes, dependentes, improdutivas e confinadas. Mesmo representando 25

esmagadora maioria – incluindo as pessoas com mobilidade

milhões que contribuem com impostos, consomem, votam e

reduzida – foi ser transportada

contam com uma ampla legislação de garantia de seus direitos, inclusive ao transporte público, essas pessoas não são respeitadas como cidadãs e

como gado pelos falidos sistemas de transporte públicos

muito menos incluídas prioritariamente nas políticas públicas.

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Depois de 25 anos combatendo essas

espaço público, otimizando

posturas demagogas, politiqueiras e clientelis-

seus elementos em função de

tas, percebo que uma semente de lucidez co-

todos. Desconsiderar a diver-

meça a germinar na mente de alguns profissio-

sidade no planejamento de

nais da gestão pública. Talvez porque passaram

edificações, vias, equipamen-

a perceber que a população está ficando idosa,

tos, mobiliários urbanos e veí-

que as pessoas estão cada vez mais obesas e

culos públicos se torna inacei-

que a política do carro só aumenta o número

tável. Começamos a intro-

de acidentes com seqüelas irreversíveis. Podem

duzir o conceito do Desenho

ter percebido que resgatar o respeito não é mais

Universal como ferramenta

questão de consciência, mas de sobrevivência.

básica na construção de po-

O que importa é que resistências estão sendo

líticas públicas de acessibi-

vencidas.

lidade às pessoas com mobili-

De uns anos para cá, passamos pelo menos

dade reduzida (deficientes,

a repensar a prioridade do ser humano em re-

gestantes, obesos, idosos, aci-

lação ao automóvel na reurbanização das ci-

dentados temporários etc) e

dades. Tentamos incluir na pauta o conceito

percebemos a adesão de urba-

de mobilidade urbana a fim de reordenar o

nistas ao conceito da “mobilidade urbana acessível”. Para o transporte urbano em São Paulo, apresentamos propostas de “sistemas de

A realidade do transporte

transporte acessíveis”, contrapondo-as à visão calcificada e desgastada de “ônibus adap-

acessível é uma questão de

tado”. Este novo olhar visa harmonizar e integrar todas as

tempo. Cabe aos gestores públicos decidirem por caminhar

ações que garantam acessibilidade total ao sistema. Isso significa rebaixamento de guias, comunicação tátil, visual e sonora, rampas e equipamentos

em sua direção por livre e

eletromecânicos e auxiliares instalados nos terminais de

espontânea vontade ou por livre e espontânea “pressão”

embarque e desembarque, nos pontos de parada, nas calçadas, travessias e mobiliários urbanos ao longo dos corredores estruturais de transporte, bem como a implemen-

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tação prioritária de veículos

acordo com a demanda, sem comprometer o

que garantam embarque em

sistema. Hoje outros municípios articulam sis-

nível (sem degraus) a todos,

temas semelhantes, sinal de que estamos no

inclusive aos com mobilidade

caminho certo.

reduzida, nas linhas estru-

Em 2004, participamos em Brasília de várias

turais. Além disso, a adoção

reuniões promovidas pela Secretaria de

de veículos de pequeno porte

Transporte e Mobilidade Urbana do Ministé-

acessíveis, tipo van, dotados

rio das Cidades com setores representati-

de rádio comunicador e GPS,

vos das pessoas com deficiência, órgãos e

operados para circular regio-

administrações públicas, fabricantes de

nalmente e coletar os usuários

veículos e empresas de transportes, entre ou-

com mobilidade reduzida em

tros, visando o consenso para a elaboração de

seus locais de origem, trans-

um plano nacional de acessibilidade nos trans-

portando-os dentro das re-

portes públicos. No fim do ano, por ocasião

giões ou alimentando as linhas

do seminário de transporte acessível do Minis-

estruturais, certamente ser-

tério das Cidades, conhecemos experiências e

virão para diminuir o drama

propostas regionais. Pela primeira vez, acho

dessas pessoas. Elas estão

que estamos próximos de depositar esperan-

impedidas de se locomover

ças em uma linha de ações exeqüíveis. Na

pelas calçadas, em função da

mesma semana, o presidente Luís Inácio Lula

péssima conservação, da

da Silva assinou o decreto regulamentador

topografia ou de ambas. Outra

das leis federais 10.048 e 10.098, de 2000, que

possibilidade seriam os con-

estabelecem regras nacionais para a acessi-

vênios com cooperativas de

bilidade às edificações, vias públicas, comu-

táxis com veículos acessíveis

nicação e transportes. O Ministério Público

para o trabalho regional porta

ganha uma importantíssima arma na fiscali-

a porta. Provavelmente o custo

zação junto aos governos federal, estaduais e

operacional seria menor. Pena

municipais.

que as propostas não foram

A realidade do transporte acessível é uma

postas totalmente em fun-

questão de tempo. Cabe aos gestores públicos

cionamento. Acho que faltou

decidirem por caminhar em sua direção por livre

empenho e um pouco de co-

e espontânea vontade ou por livre e espontânea

ragem, por parte da secretaria

“pressão”. Para os homens de boa vontade, é a

responsável, para assimilar

grande oportunidade de construir uma política

possíveis críticas dos acomo-

coerente, sólida e democrática para que, num

dados com o sistema cliente-

futuro bem próximo, tenhamos um modelo de

lista. Mas acredito que avan-

transporte público sustentável, eficiente, com

çamos e estabelecemos uma

qualidade e acessível a todos os brasileiros,

estrutura lógica que poderá

independentemente de suas características

ser ampliada ou reduzida, de

físicas ou econômicas.

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Imobilidade Imobilidad 30

movimento,, MOBILIDADE MOBILIDADE & & CIDANANIA CIDANANIA movimento

NÚMERO 33 NÚMERO


Um problema de milhões: deficiência do transporte público à noite prejudica os moradores e a economia das cidades

arçons apressando-se em bai-

G

xar as portas para tentar pegar o último trem, boêmios pedindo mais saideiras à espera do primeiro metrô, pessoas

sonolentas tremendo de frio na madrugada em um abrigo de ônibus são cenas comuns às metrópoles. Circular à noite para quem não tem carro é sempre difícil. Não há trens, os coletivos circulam com intervalos maiores e os táxis, bem mais caros, são a única opção — quando existem. Mesmo nas cidades com sistemas eficientes os usuários reclamam do tempo de espera após determinada hora. “É inevitável. Como trens e ônibus não podem ficar rodando vazios a noite inteira, o número de viagens acaba reduzido”, explica Ronaldo Balassiano, 49 anos, professor de Engenharia dos Transportes da Coppe, da UFRJ. O problema passa despercebido pela grande parte da

e noturna NÚMERO33 NÚMERO

movimento,, MOBILIDADE MOBILIDADE & CIDANANIA CIDANANIA movimento

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população que à noite descansa em casa, mas

te, mas a rotina no entorno é difícil. “As cidades

muita gente trabalha nesses horários ingratos,

dormitórios têm bom transporte só para levar

vai às ruas em busca de diversão, visitar parentes

as pessoas ao trabalho. Para circular dentro de-

e amigos, ou se desespera em casos de emer-

las, só com as vans”, diz o engenheiro florestal

gência sem ter como chegar ao pronto-socorro.

Silvio de Sá, 35 anos, morador da capital.

Isso sem falar na violência, que quando escurece

Quanto maior e mais pobre a cidade, pior a

ganha contornos de síndrome do pânico. A cir-

situação. E quanto mais longe do centro mora

culação vira privilégio exclusivo de quem possui

o cidadão, mais grave ainda. “Em alguns lugares,

automóvel e a imobilidade noturna acaba agra-

após determinado horário, há apenas táxis. Em

vando a exclusão social. A solução do trans-

cidades pequenas com motorização grande, ao

porte solidário, a carona com os amigos, acaba

nível de 50 carros para 100 habitantes, o

sendo a única alternativa, evidentemente res-

problema é menor, mas no Brasil o índice está

trita a setores da classe média.

entre 25 e 30 automóveis por 100 habitantes.

A volência, quando escurece, ganha contornos de síndrome do pânico. A circulação vira privilégio exclusivo de quem possui automóvel e a imobilidade noturna acaba agravando a exclusão social

32

O desperdício do potencial da economia

Quem não tem automóvel continua dançando

urbana e a paralisia da vida das pessoas à noite

na história”, diz Balassiano. Os bairros afastados

não têm produzido, como era de se esperar na

das regiões metropolitanas são particularmente

era do conhecimento, muitos estudos espe-

prejudicados pela redução e interrupção de

cíficos sobre o tema. Poucos projetos miram o

linhas menores ou complementares.

transporte coletivo noturno como prioridade.

As tentativas de solucionar o problema ge-

Brasília é um exemplo típico da insustenta-

ralmente passam pela alteração do itinerário

bilidade de um modelo que precisa ser repen-

de algumas linhas. Recife, com mais de 1,5 mi-

sado. Concebida na modernidade dos anos

lhão de habitantes, recorreu à idéia dos bacu-

1950, nossa capital, hoje na casa dos 2 mi-

raus, ônibus noturnos apelidados em home-

lhões de habitantes, sempre valorizou o auto-

nagem a um pássaro da caatinga que canta à

móvel, complicando a vida de quem não tem

noite. “Mas o tempo das viagens acaba aumen-

carro. O metrô fecha às 20h e depois das 22h a

tando e o intervalo entre elas fica maior, às

freqüência dos ônibus cai muito. Dentro do

vezes de até duas horas. E ainda há grande risco

Plano Piloto a situação é menos sentida por

de assalto”, lamenta Inácio França, 39 anos,

quem tem poder aquisitivo e se agarra ao volan-

diretor de vídeo no Recife.

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

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No metrô de São Paulo, a circulação dos trens é interrompida entre meia-noite e 5h, quando só restam os ônibus para quem não pode pagar os caríssimos táxis paulistanos. “Eles passam, mas com intervalos de mais de uma hora. Eu mesmo dormi várias vezes em pontos de ônibus”, conta Francisco Mastrochirico, 38 anos, gerente comercial. A força do turismo e a beleza de seus monumentos e praias iluminados não mudam a situação no Rio de Janeiro. A menor quantidade de ônibus e a interrupção dos serviços de trem e metrô, aliadas à crônica sensação de insegurança, impõem limites aos hábitos cariocas. “Hoje trabalho apenas de dia. Antes, quando ia até a madrugada, tinha de esperar mais de uma hora pelo ônibus”, conta Afrânio Luiz Gomes, 32 anos, garçom de um restaurante em Copacabana, na zona sul. A realidade é comum a várias capitais da América Latina. Com grandes populações muito pobres e índices altos de violência, a noite latina é, definitivamente, um desafio. Na Cidade do México, com quase 20 milhões de habitantes, as dificuldades são proporcionais ao gigantismo. “O metrô funciona relativamente bem, mas não chega a todos os bairros nem circula à noite. Os ônibus são pequenos, desconfortáveis e raramente rodam depois das 23h, assim mesmo sem muita segurança”, reclama o editor César Gutierrez, 35 anos. “Nos anos 90 fui a um show do Guns & Roses, a dez quilômetros do centro. Terminou quando o metrô já estava

No metrô de São Paulo, a circulação dos trens é interrompida entre meia-noite e 5h, quando só restam os ônibus para quem não pode pagar os caríssimos táxis paulistanos. “Eles passam, mas com intervalos de mais de uma hora. Eu mesmo dormi várias vezes em pontos de ônibus”, conta Francisco Mastrochirico, 38 anos, gerente comercial

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fechado e, como só havia táxis, cobrando US$

A noite dos moradores e dos turistas que

40 por uma viagem que deveria custar US$ 4,

gastam milhões de dólares nas capitais euro-

voltamos a pé”, lembra, com um toque de

péias é mais fácil. Projetos criativos, ainda que

nostalgia.

imperfeitos, tornam possível circular à noite,

No centro e nos bairros de maior poder

principalmente nos centros e em bairros movi-

aquisitivo, o problema é menor. Em Buenos

mentados. Amsterdã, com apenas 800 mil habi-

Aires, com 12 milhões de moradores, há trens

tantes, é uma das mais cosmopolitas capitais

e algumas linhas de ônibus à noite ligando o

européias. É também um exemplo de raciona-

centro à periferia, mas nada circulando entre

lização dos transportes públicos, com ciclovias

os bairros afastados. Essa deficiência aumenta

e transportes integrados. À noite há 12 linhas

a desigualdade social na Argentina. “Moro em

especiais de ônibus com tarifas diferenciadas

um lugar onde o transporte é bom. Mas para

ligando o centro aos bairros. “Elas chegam a

quem está afastado dessa região, em alguns

todas as partes. Nunca tive problemas”,

horários, só de táxi, que hoje poucos podem

garante Rob Tuin, 39 anos, editor de uma

pagar”, lamenta Deborah Lapidus, 27 anos,

revista holandesa. Essas linhas saem em

professora de literatura.

horários calculados para que os passageiros

O problema passa despercebido pela grande parte da população que à noite descansa em casa, mas muita gente trabalha nesses horários ingratos, vai às ruas em busca de diversão

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possam fazer conexões entre elas e com os trens noturnos. Todos os ônibus têm câmeras de

A DJ e baterista brasileira, Marie Leão, 35 anos, usa a bicicleta quando está “sem paciência para esperar o ônibus” em Berlim, onde mora. No Rio de Janeiro, onde passou as férias, a violência desperdiça o potencial da maior rede de ciclovias do país

vídeo para reforçar a segurança. Na capital espanhola, a solução encontrada é similar. Madri tem 26 linhas noturnas diferentes das que operam durante o dia para aten-

de bicicleta mesmo”, diz a DJ e baterista

der a quase 4 milhões de pessoas. Seus trajetos

brasileira, Marie Leão, 35 anos, radicada na

integram a maior parte da cidade à noite. “Os

Alemanha. Para quem gosta de pedalar, Marie

ricos andam de táxi, mas não é necessário. De

escolheu a cidade certa para passar suas últimas

1h30m às 6h, as linhas sempre nos deixam

férias no Brasil: o Rio de Janeiro, com a maior

perto de casa. Nunca fiquei sem conseguir

rede de ciclovias do país interligando pratica-

chegar a algum lugar”, elogia o biólogo Gus-

mente todos os bairros da zona sul. A falta de

tavo Tomás Gutiérrez, 26 anos. Berlim, capital

segurança, no entanto, inibe o uso da bike nas

alemã com 4 milhões de habitantes, segue o

noites cariocas.

mesmo caminho (leia seção Atlas, p. 58). Hoje

Com mais de 10 milhões de habitantes, Pa-

conta com linhas especiais noturnas que

ris se esforça na busca por soluções inéditas.

cobrem os horários nos quais o metrô não

O serviço de metrô, responsável por quase 50%

circula. Elas funcionam mesmo nos fins de

do transporte urbano, com 1,3 bilhão de passa-

semana, quando os trens urbanos rodam 24

geiros em 2002, é interrompido entre 1h e 5h,

horas. O resultado disso é uma vida noturna

quando só os Noctambus, linhas especiais, cir-

efervescente, com bares abertos de madrugada

culam de hora em hora. “Eles são cheios demais

e muita gente nas ruas. Desnecessário dizer o

e os parisienses não estão familiarizados com o

que isso significa para a economia da cidade.

itinerário”, diz Antonia Martineau, divulgadora,

“As pessoas usam muito os ônibus na madru-

40 anos. Quem mora na Paris “intramuros” ainda

gada, mesmo porque os táxis são caros demais.

consegue voltar a pé para casa, mas o subúrbio

E quando estou sem paciência para esperar vou

sofre com a falta de ligação com o centro exu-

NÚMERO 3

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

35


c

a

p

a

Europa busca soluções Nos países mais desenvolvidos, a questão da mobilidade noturna já está em um estágio bem mais avançado que no Terceiro Mundo. Algumas cidades e comunidades européias fazem estudos e apresentam soluções inovadoras para facilitar a mobilidade noturna. “Como muitas vezes a administração pública não se interessa pelo assunto, é fundamental a participação de ONGs, institutos independentes, universidades e associações comunitárias, que podem começar a envolver os governos”, conta Tomás Moreira, 40 anos, coordenador executivo do Institut Pour La Ville en Mouvement no Brasil, um organismo dedicado a estimular o debate e a apresentar soluções para a mobilidade e o transporte.

36

Fundado há cinco anos, o Ville en Mouvement é um dos institutos mais respeitados do mundo no estudo de mobilidade e transportes. “Se a administração pública muitas vezes não se interessa, as ONGs, institutos independentes e as comunidades têm de tomar as iniciativas e apresentar idéias”, diz Tomás Moreira. O instituto foi responsável, junto com a prefeitura de Roma, pela realização do primeiro Fórum Internacional de Mobilidade Noturna nas Cidades, realizado na capital da Itália no ano passado, que reuniu representantes de cidades européias, operadoras de transportes,

arquitetos,

urbanistas,

pesquisadores, estudantes e representantes de associações que debateram diversas soluções para o problema.

berante. “Os ônibus que ligam as estações de

explica Tomás Moreira, representante do

trem aos bairros residenciais param às 23h.

instituto no Brasil.

Depois, só de táxi para chegar ao banlieu”, diz o

O transporte sob demanda antecipada pode

quadrinista Jano, 47 anos, morador de Arcueil,

ser uma boa solução por aqui. “Com o rastrea-

subúrbio dos mais próximos do centro, onde a

mento de veículos, comunicação com os moto-

segurança também é um problema. “O metrô à

ristas e softwares para registrar a demanda, é

noite parece assustador, mas é seguro. Já nos

possível prestar um serviço eficiente e diferen-

trens de subúrbios há muitos marginais e ne-

ciado. A possibilidade de reservas pode atrair

nhuma segurança”, reclama o desenhista, que

para o transporte público pessoas que só usam

em seu álbum Paname, sobre a cidade-luz, dedica

o automóvel”, diz Balassiano, que vê aí uma

algumas obras ao tema.

possível saída para nossas metrópoles, nas quais

A atuação e as pesquisas do Institut pour la

segurança e mobilidade são temas indisso-

Ville en Mouvement (ver quadro) geraram inicia-

ciáveis. “É necessário ter boa iluminação, fisca-

tivas originais e eficazes que começam a fun-

lização nos pontos e no acesso aos pontos”, diz

cionar em Paris. “Temos serviços de veículos

Moreira. O cuidado com os pontos e estações

para buscar jovens em festas de madrugada,

é mesmo fundamental. “O maior risco em São

que apanham pessoas em casa com um pequeno

Paulo não é o de ser assaltado dentro dos ôni-

custo adicional. São serviços de demanda

bus, mas enquanto os passageiros esperam”, diz

antecipada, nos quais o usuário pode fazer sua

Francisco Masdtrochirico. Na maior cidade bra-

reserva com algumas horas de antecedência”,

sileira, a simples troca de lâmpadas nas áreas

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 3


I wanna wake up in the City that Doesn’t Sleep Em New York, New York, clássico mundial,

de trabalha à noite”, brinca Kristofferson.

Frank Sinatra dizia querer acordar na cidade

Um humor desses para falar de trans-

que não dorme. E é verdade. Nova York, com

portes públicos é inequívoco bom sinal. “Somos

um dos mais eficientes sistemas de trans-

a cidade que nunca dorme porque contamos

porte no mundo, funciona 24 horas. A mais

com bom transporte a noite inteira”, confirma

importante metrópole do planeta não pára.

Steve Williams. E, com mais opções, menos

“Isso permite que o indivíduo vá a qualquer

gente tira o carro da garagem, fazendo o

lugar quando quiser. E fique na rua até a hora

trânsito fluir. Os táxis também se tornam boa

em que tiver vontade”, diz Steve Williams, 35

opção. “Não é caro para nossos padrões e, à

anos, motorista da transportadora UPS em

noite, são muito rápidos, sem os engarrafa-

Nova York.

mentos”, diz Kristofferson. O metrô é comple-

O metrô não é o único, mas o mais eficien-

mentado pelos ônibus, que transportam

te dos meios de circulação urbana noturna

anualmente 700 milhões de pessoas por rotas

em Nova York. “Os ônibus demoram mais

não servidas pelos trens. Sua eficiência, porém,

para passar”, explica o agente literário Brett

na visão dos novaiorquinos, não é a mesma.

Kristofferson, 33 anos. O sistema novaior-

“Eles demoram demais. À noite, a única opção

quino é utilizado por 4,3 milhões de passa-

real são os trens”, diz Maya.

geiros por dia, mais de 1 bilhão por ano, e

Quem tiver a oportunidade de conferir,

sofreu melhorias que o deixaram muito se-

em férias ou a trabalho, vai ver a diferença

guro. Além disso, é integrado a outros sis-

que um sistema de transporte noturno eficien-

temas de trem, que levam a bairros e cida-

te faz em uma metrópole. É algo tão demo-

des da periferia, como Jersey City, Newark e

crático e marcante que transforma para

Hoboken. Todos funcionam 24 horas. Isso

melhor a personalidade da cidade. Nova York

permite que muita gente não apenas se

consagrou-se como a capital da vida noturna,

divirta, mas trabalhe à noite. “Vários serviços

com teatros, clubes, boates, restaurantes e

funcionam 24h, sete dias por semana. A cidade

bares abertos até tarde. Uma vida excitante

não pára, tem sempre gente trabalhando para

imortalizada na voz de um dos maiores

atender às necessidades de outras pessoas”,

cantores de todos os tempos, fascinado, ele

diz Maya, 23 anos, produtora musical. “Meta-

também, com o burburinho na Big Apple

de dos novaiorquinos é insone e a outra meta-

quando as lâmpadas de néon se acendem.

NÚMERO 3

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

37


c

a

p

a

O serviço de metrô em Paris, responsável por quase 50% do transporte urbano, com 1,3 bilhão de passageiros em 2002, é interrompido entre 1h e 5h, quando só os

Noctambus, linhas especiais, circulam de hora em hora de transporte público já melhorou a sensação de segurança.

38

subsídios governamentais. Isso geraria o aumento do número de passageiros. Com

As soluções começam a aparecer, mas não

demanda maior, numa segunda etapa, esses

são simples como parecem. Todos sonham com

subsídios podem cair”, projeta. Assim, haveria

metrô 24 horas, mas poucos se lembram que

mais gente trabalhando, circulando e se

é necessário parar a linha para manutenção.

divertindo nas ruas, aumentando a circulação

“Operar 24 horas é muito difícil”, descarta

de dinheiro e a geração de empregos — no

Balassiano. Para ele, qualquer solução para o

horizonte, a redução dos terríveis efeitos da

transporte urbano no Brasil, num primeiro

desigualdade social. A luz no fim do túnel

momento, pressupõe a adoção de subsídios.

pode ser de um ônibus ou trem se apro-

“Com poucos passageiros, o sistema precisa

ximando para pegar um passageiro perdido na

de bilhetes mais caros para dar lucro ou de

madrugada.

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

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movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

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c o m p o r t a m e n t o

P O R:

T E R E S A

B U C H E R

Faixa não é enfeite nas ruas Nas ruas do planeta, garantir a travessia segura do pedestre é um desafio

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movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 2


m 1968, quando os Beatles

E

ilustraram a capa do álbum Abbey Road com os quatro ídolos cruzando uma faixa de pedestre, as metrópoles já

tinham seus motivos para se preocupar com o assunto. É verdade que os carros não eram tão velozes e a fúria do trânsito não matava tanto.

Os quatro beatles cruzam faixa de pedestre na capa do histórico álbum Abbey Road

Mas o mundo mudou e os administradores das cidades hoje se desdobram em busca de idéias

tres no confronto diário com os motores, o

para humanizar as esquinas. Para se ter uma

comediante japonês Kenji Kawakami radicalizou

idéia da tragédia que o singelo ato de atravessar

e lançou uma faixa de pedestre portátil. É um

a rua pode causar, no Brasil os atropelamentos

rolo carregado debaixo do braço pelas ruas para

vitimam sete pessoas por hora. No mundo todo

ser aberto onde não houver travessia certa e

aumenta a cotação da criatividade no trata-

segura. Exageros à parte, o avanço da consciên-

mento da velha faixa de pedestre: cruzamentos

cia garante aos moradores das cidades européias

de zebras, de pelicanos, linhas de zigue-zague

e norte-americanas uma tranqüilidade bem

ou simplesmente faixas à moda antiga.

maior do que no Terceiro Mundo.

Palco do eterno conflito entre motoristas e

Nos Estados Unidos e Canadá, a preferência

pedestres, o trânsito é a expressão, no sistema

é sempre do pedestre onde há faixas sem

viário, da disputa pelos espaços públicos,

semáforos. Na Inglaterra, Austrália, Alemanha,

acirrada pela falta de ordem e equilíbrio. A es-

França, Holanda e Suécia, também há duas ma-

cassez de policiamento, sinalização e cons-

neiras de se atravessar a rua. A primeira é con-

ciência agrava o problema nos países com es-

trolada pelos sinais. Nos cruzamentos onde

trutura educacional deficitária e cidadania em

não há semáforos, basta pôr os pés na faixa e

fase de amadurecimento. Nas cidades brasi-

os carros são obrigados a parar. Em algumas

leiras, basta sair às ruas para flagrar duas es-

cidades, a simples localização do pedestre ainda

pécies arredias às regras que a civilização já deveria ter tornado universais: motoristas que não param nas faixas e pedestres que resistem em usá-las adequadaCARLOS MAGNO

mente. Na busca por idéias para reforçar a segurança dos pedes-

O japonês Kenji Kawakami radicaliza e lança a faixa portátil

NÚMERO 3

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

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c o m p o r t a m e n t o

na calçada, diante da faixa, é

da moeda que regula as

suficiente para interromper o

relações no trânsito dentro do

trânsito.

princípio universal de que

Acostumados à selvageria

direitos pressupõem deveres.

dos nossos cruzamentos, bra-

Certa vez ele esperava o sinal

sileiros que vão morar no ex-

fechar para os carros na

terior têm a tendência de es-

esquina. Estava “louco de pres-

tranhar tanta civilidade e cos-

sa” e teria atravessado antes se

tumam ficar literalmente com

não houvesse dois policiais

o pé atrás, apegados ao ditado

próximos. “Assim que o sinal

de que o seguro morreu de ve-

fechou para os carros, eu atra-

lho. “As faixas aqui são res-

vessei antes de abrir o verde

peitadas, a penalidade é grave

para mim. Quase fui multado

e dá até cadeia, mas não posso

em 60 euros”, conta Gerson.

garantir se alguém vai ou não

“O trânsito aqui é bem or-

ser atingido por um carro ao

ganizado e em muitos sinais há

atravessar”, diz Clívia Cara-

câmaras instaladas.”

Mulheres seguram os veículos na entrada e saída das escolas de Genebra

cciolo, jornalista brasileira da

“Aqui na Suíça a preferência

rádio Nederland, na pacata

é do pedestre. Quando uma

muito em cima e fica difícil”,

cidade holandesa de Hilver-

pessoa atravessa a rua, os carros

pondera a brasileira Cláudia

sum. Em Hamburgo, na Ale-

são obrigados a parar, mas é

Vittet, gerente de pessoal do

manha, o gaúcho Gerson

claro que é preciso ter bom

Museu do Rath, em Genebra.

Flebbe conheceu o outro lado

senso porque às vezes estão

“Não precisa ninguém ficar tomando conta, mas perto das escolas, na entrada e na saída, ficam umas mulheres pagas pela prefeitura”, conta Cláudia. No Cairo, com seus quase 16 milhões de habitantes, é difícil encontrar semáforo. Em alguns locais a polícia egípcia ajuda as pessoas a atravessarem, mas sem a intervenção da força policial o confronto entre máquina e homem é iminente e os motoristas enterram a mão na buzina a cada investida do pedestre, quando não ameaçam

42

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 2

passar por cima. Em Nova Deli, Índia, os pedestres sem

DIVULGAÇÃO

Cena comum em Nova York: Nas cidades americanas e canadenses, a preferência é sempre do pedestre onde há faixas sem semáforos


condições físicas para correr

pelo fato de nossa capital ser

Ele lembra como o uso exem-

na travessia são aconselhados

jovem, planejada e construída

plar das faixas reduziu os atro-

pela polícia a carregar bengalas

quando o País já tinha noção

pelamentos e parabeniza a ca-

fluorescentes para atrair a

nítida dos prejuízos provo-

pital pelos sete anos de Educa-

atenção dos motoristas.

cados pelos engarrafamentos.

ção de Trânsito. Em 1997 havia

As faixas no Brasil quase

Uma ampla campanha de

300 faixas no Distrito Federal

sempre ficam perto de esqui-

conscientização e o combate

e hoje chegam a 3.300. Já o en-

nas, muitas delas com semá-

aos excessos dos veículos in-

genheiro Paulo Guerra, mestre

foros, mas os especialistas

dividuais, iniciados no go-

em Transporte pela UnB, acha

chamam a atenção para seu

verno Cristóvam Buarque,

que a mudança começou a de-

mau estado de conservação.

criaram um comportamento

sandar quando as multas foram

Faltam pintura, iluminação,

invejável. “Faixa de pedestre

reduzidas. O temor de que a

tachinhas luminosas, sinais

é o nosso acarajé”, brincou o

chamada “indústria das mul-

adequados, policiais e guar-

jornalista e escritor Rogério

tas” pareça impopular a uma

das. O jeito é apelar para amea-

Menezes em uma crônica no

parcela do eleitorado costuma

ças mais explícitas, como as

Correio Braziliense, referin-

levar os governantes à flexibi-

câmeras fotográficas nos cru-

do-se ao orgulho dos brasi-

lidade, como se a perda de vidas

zamentos, providência cara

lienses pela fama de cidade

decorrente de uma fiscalização

mas necessária para econo-

civilizada.

frouxa não justificasse a rigi-

mizar vidas.

Segundo o chefe da Divisão

dez.

Em vigor desde 1998, o

de Processamento de Dados do

O Brasil prevê a aplicação

Código Brasileiro de Trânsito

Detran da Paraíba, João Eduar-

de multas também para os

traz um capítulo inteiro para

do Moraes de Melo, Brasília é

pedestres. O Contran (Con-

pedestres e condutores de veí-

o modelo nacional de obediên-

selho Nacional de Trânsito) se

culos não-motorizados. Negar

cia ao direito do uso da faixa.

inspirou em experiências bem

preferência aos que atravessam na faixa pode custar R$ 172,99, valor irrisório para grande parte dos apressadinhos no volante. Não tirar o pé do acelerador em frente a escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque e locais de intensa movimentação de pessoas pode resultar no recolhimento da carteira e na retenção do veículo, além de multas. As capitais costumam sin-

CARLOS MAGNO

tetizar a história e a cultura dos países. Para os moradores de Brasília, felizmente esse

Flagrante no centro do Rio de Janeiro: “Estou atrasado”, “não deu tempo de frear” e “o sinal fechou muito rápido” são as principais desculpas

conceito não se aplica, não só

NÚMERO 3

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

43


c o m p o r t a m e n t o

pronunciar sobre o assunto lembrando sempre que a responsabilidade pela convivência harmônica e saudável no trânsito é de cada ser humano. Prevenir acidentes requer ações tão simples como eficazes: basta que todos se comportem com respeito mútuo e obediência às leis. A preoO ministro das Cidades, Olívio Dutra, durante a campanha “Eu quero a faixa da vida”, coordenada pela ANTP

cupação com a estética na pintura das faixas em muitas cidades é louvável por mani-

44

sucedidas em países como a

viços comunitários e à fre-

festar uma preocupação com a

Suíça e o Japão para criar nor-

qüência compulsória em cur-

boa aparência dos espaços

mas que vão de simples multas

sos de educação para o trân-

públicos, mas a faixa, decidi-

(25 Ufirs) à prestação de ser-

sito. A OMS (Organização

damente, não é enfeite. ■

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 2

DIVULGAÇÃO

Mundial da Saúde) costuma se


NÚMERO 3

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45


c o m b u s t í v e l

GNV, um sonho ainda distante idades com ar menos poluído,

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P O R:

N

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D

E

P

A

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transporte mais barato e até melhora nas contas externas do país são resultados esperados da substituição do diesel

Projeto de substituição do diesel pelo gás natural

pelo gás natural veicular (GNV) como combustível para os cerca de 100 mil ônibus que rodam nas cidades brasileiras. A expectativa de tantos benefícios, contudo, não tem sido suficiente para ultrapassar os obstáculos no caminho do projeto. A primeira barreira é o preço. Empresários do setor são favoráveis à mudança pela vantagem ambiental e possibilidade de redução da tarifa, mas reivindicam da Petrobras e dos governantes a responsabilidade pelos pesados investimentos que o uso do gás natural exige, como a mudança da frota com aquisição de ônibus 30% mais caros. Defendem também a garantia de competitividade do GNV em relação ao diesel por não menos do que três décadas. “Programa de gás para vingar deve ser pelo menos de 30 anos: dez para trocar a frota, dez para recuperar o investimento e mais dez para consolidar o programa. A gente quer garantia clara de uma política de preço especial e vantajosa em relação ao diesel”, reivindica Marcos Bicalho dos Santos, diretor-superintendente da

46

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 3

veicular na frota de ônibus urbanos esbarra em entraves operacionais e financeiros

L

A


Associação Nacional de Transporte de Passa-

pressão mundial em favor de medidas ambien-

geiros (NTU). Segundo Bicalho, o combustível

tais — a troca reduz em cerca de 60 % a emissão

representava 10% do custo operacional do setor

de gases tóxicos — há ainda ganhos importan-

e passou para 25% nos últimos três anos devi-

tes nas contas externas. Segundo a NTU, o

do à disparada do preço do diesel no mercado

uso do gás natural dispensaria a importação

internacional. Ele calcula que a fixação da tarifa

de 55 milhões de barris de petróleo por ano,

do gás natural em 50% do preço do diesel

volume necessário à produção do diesel usado

possibilitaria uma redução imediata de 12,5%

pelos ônibus urbanos, reduzindo as importa-

no valor pago pelo passageiro.

ções em US$ 2 bilhões anuais. De quebra, aju-

A pressão dos empresários não é sem mo-

daria a escoar parte do gás que o país é contra-

tivo. Experiências anteriores em São Paulo e

tualmente obrigado a pagar à Bolívia, mesmo

Natal acabaram frustradas. A capital do Rio

sem consumo, e aumentaria a viabilidade eco-

Grande do Norte abrigou o projeto pioneiro do

nômica das reservas de gás descobertas nas Ba-

país, chegando a ter 15% dos ônibus movidos a

cias de Santos, Campos e Espírito Santo.

GNV. O programa foi para o espaço no início

A conversão da frota está entre as medidas

dos anos 90, sufocado por problemas de todos

previstas no relatório final que o grupo de estu-

os lados. “No início, a a Petrobras e a Mercedes

dos para barateamento de transportes públicos

Benz, fabricante dos ônibus, bancavam tudo.

– montado pela Casa Civil e hoje sob coorde-

Com o tempo a manutenção da Mercedes foi

nação do Ministério das Cidades – está prepa-

tirada, a Petrobras começou a cobrar pelo gás,

rando. Também deve ser assinado um convênio

primeiro 70%, depois 80% do preço do diesel, e

entre a Petrobras e os ministérios das Cidades

houve problemas por causa do cilindro de gás,

e de Minas e Energia para estabelecer uma polí-

responsável por uma tonelada a mais de peso”,

tica nacional para o uso do gás em transporte

conta Eldo Laranjeiras, presidente da Federação

de passageiros. “É o primeiro passo de um

das Empresas de Transportes de Passageiros do

processo que só avança se for empurrado pelo

Nordeste (Fetranor).

governo federal. As perspectivas são boas:

O governo federal tem razões de sobra para

temos gás sobrando, vantagens ambientais,

se empenhar na mudança. Não bastasse uma

tecnologia experimentada e nossa indústria já

NÚMERO 3

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

47


cc oo m m bb uu ss tt íí vv ee ll

A empresa tem um projeto piloto no Rio com um ônibus a gás da viação Rubanil, na linha 350 Irajá-Passeio, e roda cerca de 300 quilômetros por dia.

exporta motores a gás. O presidente Lula, em

ruas de São Paulo. A empresa tem um projeto

reunião com a Frente Nacional de Prefeitos,

piloto no Rio com um ônibus a gás da viação

se disse interessado na mudança. Mas não se

Rubanil, na linha 350 Irajá-Passeio, e roda cerca

troca uma frota do dia para noite. É um pro-

de 300 quilômetros por dia.

cesso de longo prazo, que não ocorre sem

Maior consumidor de GNV do país, o Rio

vontade política do governo federal e o

conta com cerca de 290 mil veículos a gás,

comprometimento dos municípios”, diz Luiz

incluindo praticamente toda a frota de táxis.

Carlos Bertodo, diretor de Cidadania e Inclusão

Nos últimos cinco anos, o número de postos

Social do Ministério das Cidades e coordenador

de abastecimento pulou de 19 para 300. “Há

do grupo de estudos.

um ganho ambiental, valorização do combus-

A Petrobras estimula a troca do combustível.

tível produzido no Rio e projeto social de re-

Ildo Sauer, diretor de Gás e Energia da empresa,

dução do custo. Aceleramos o licenciamento

considera que problemas em programas passa-

ambiental e fixamos o ICMS em 12%, contra

dos, como o de Natal, fazem parte de “outra

30% da gasolina”, explica o secretário estadual

história”, porque hoje a qualidade do gás é

de Energia, Indústria Naval e Petróleo, Wagner

muito melhor e os novos ônibus têm desem-

Victer. Quem já usa o GNV aprova o desem-

penho, manutenção e tecnologia mais avança-

penho e a economia. “É um excelente negócio

dos. “Já existe uma proposta de incentivo da

e permite uma boa economia. Só espero que o

Petrobras, com ourtoga de contratos especiais

aumento do consumo não faça o preço subir”,

para as distribuidoras garantindo que o gás não

torce o taxista Luiz Augusto Marinho, 37 anos

ultrapassará 55% do preço do diesel durante

de idade e oito na praça do Rio.

dez anos”, explica.

Para o Movimento Nacional pelo Direito ao

O prazo fica longe dos 30 anos reivindicados

Transporte, o gás é uma alternativa para a

pelos empresários. “Um ônibus dura no má-

redução de tarifa e a inclusão social via trans-

ximo cinco anos, estamos garantindo o preço

portes. O MDT também se preocupa em esti-

por dez. Já dá para ver se é bom e se quer manter.

mular estados e municípios a usarem energia

Não há ônibus que dure 30 anos”, rebate Sauer.

renovável, seguindo os critérios do Protocolo

Para o executivo, o maior obstáculo ao progra-

de Kioto, para se beneficiarem com a venda de

ma é a dificuldade de financiamento para a re-

crédito carbono e aplicar esses recursos em

novação da frota. É isso, diz, que está blo-

infra-estrutura de transportes. O engenheiro

queando um projeto da Petrobras em parceria

Antônio Mauricio Ferreira Neto, ex-diretor de

com a USP para colocar 500 ônibus a gás nas

Regulação do Ministério das Cidades e con-

48 48 movimento movimento,, MOBILIDADE MOBILIDADE && CIDANANIA CIDANANIA

NÚMERO NÚMERO 33


sultor da ANTP, vê na substituição do diesel

porte urbano. O empresário de ônibus é um

por GNV um problema complexo de mudança

revendedor de veículo, processo que começa

na matriz energética do país, que passa necessa-

depois de cerca de três anos de uso. Se tentarem

riamente pelos municípios. “O mercado não

fazer um programa que impeça a utilização da

se viabiliza se o projeto não estiver no plano

frota num canto que não tem gás, pode esque-

diretor dos municípios, que devem ser indu-

cer. Ninguém vai comprar um ônibus 25% mais

zidos a isso, mas não obrigados, porque senão

caro e que não pode ser revendido”, diz o

deixam de concorrer ao crédito carbono previsto

engenheiro. Segundo ele, só há chance de o

no Protocolo de Kioto”, diz. Outro impasse é a

programa dar certo se a conversão para o gás

cadeia de reaproveitamento dos ônibus no Bra-

puder ser revertida. O argumento da revenda

sil. Depois de rodarem nas capitais, eles vão

não é bem recebido pelas autoridades públicas,

sendo vendidos para cidades pequenas do in-

como o ex-presidente do Fórum Nacional dos

terior até encerrarem a vida útil transportando

Secretários de Transportes, Gilmar Tatto. Por

bóias-frias. O uso do gás interrompe essa tra-

ser uma concessão, segundo ele, o transporte

jetória pela dificuldade de abastecimento de

público não deveria ser pensado em termos de

GNV fora dos grandes centros.

revenda de ônibus, “mas de qualidade dos ser-

“Essa é uma das grandes questões do trans-

Experiência e tecnologia movimentando pessoas.

viços prestados à população”.

Clima de conforto

Completa linha de ar condicionado. Para vans, ambulâncias, cabines e veículos especiais, ônibus rodoviário, urbano e microônibus.

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ô

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a

O ônibus do Bussunda

OSVALDO PAVANELLI

P O R

50

L U I Z

H E N R I Q U E S

N E T O

O Bussunda tinha vinte anos menos

cos ficariam na deles. Nada mais natural, por-

e aquele hábito adolescente de

tanto, do que sair da faculdade, ir até o Palácio

andar desleixado e desarru-

Guanabara e pedir um ônibus para ir a um con-

mado. Era esse o sujeito que

gresso de universitários — oba, farra! – no Ceará

nos liderava em uma audiên-

– oba, praia!

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

cia no Palácio Guanabara. Pa-

Para nossa consternação e incredulidade,

ra pedir um ônibus ao Bri-

deram o ônibus. Não um de estrada, infeliz-

zola.

mente não tinham como consegui-lo, mas um

Assim falando pode pare-

de rua, desses que se pega nas calçadas. O es-

cer estranho, mas depois de

panto e o medo nos confundiam, apesar de nos

dez anos de ditadura e mais

assegurarem de que seriam os novíssimos Volvo

outros tantos de nem tão du-

Padron, recém-lançados, grandes, amplos, con-

ra assim, a gente tinha de

fortáveis e modernosos.

usufruir toda a liberdade en-

Partimos a bordo de nossa espaçonave en-

quanto durasse – ninguém

vidraçada rumo ao desconhecido. Desconhecido

sabia quanto tempo os mili-

mesmo, porque os motoristas também não eram

NÚMERO 3


de estrada, nunca tinham saído do Rio de

Também não havia bagageiro. O ônibus era

Janeiro e não faziam a menor idéia de on-

um imenso pau-de-arara, com pessoas deita-

de ficava o Ceará. Enquanto houvesse placas

das no chão entre trouxas e mais trouxas de

indicando o caminho, eles se virariam. A estrada

roupas. Alguns fizeram questão de levar para o

parecia ser uma entediante e imensa reta até

Ceará objetos muito úteis como um saxofo-

Fortaleza e ainda assim eles conseguiram se

ne. Ficávamos ali, deitados sobre e sob aquelas

perder várias vezes. A mais bizarra foi em Vi-

bagagens todas e invejando profundamente o

tória, quando o condutor parou aquele veículo

Torreão, que numa parada teve a brilhante idéia

empanturrado de pessoas – cantando, tocando

de comprar uma rede. Pendurou-a no corrimão

violão e embebedando-se – junto a um bêbado

junto ao teto e conseguiu o leito mais confor-

comendo um cachorro-quente às quatro da

tável, perene e imune à movimentação nos ban-

manhã e perguntou, naturalmente: “ei, amigo,

cos e corredores. Além da rede, ele se lembrou

qual o caminho para Fortaleza?”

de levar a namorada, o que era mais um motivo

Talvez se perder várias vezes e levar três dias

de inveja.

e meio para alcançar o Ceará não fosse tão duro

Chegamos ao destino após quase quatro

assim se tivéssemos banheiro, poltronas-leito,

dias. Oba, farra! Oba, praia! Oba, mais farra!

suspensão especial, ar-condicionado ou pelo

Oba, mais praia! Epa, Volvo Padron de novo!

menos cortinas. Se bem que com elas não

Hora de voltar.

acordaríamos com os primeiros sinais da aurora

Por sorte, estávamos exaustos demais, uma

para descobrir que o sertão do Nordeste, em

semana de Ceará e festa, para nos irritarmos

julho, é gelado de manhãzinha. Evidentemen-

com a viagem, mesmo com o toque de sadismo

te não tínhamos agasalhos. Sorte que o frio

de Noites e Manhães. Quando calculávamos

não durava muito e o sol causticante logo trans-

cinco horas para chegar em casa, eles pegaram

formava tudo em um forno. Parecia ser im-

uma estrada errada. Após horas e horas de via-

possível dormir ali dentro. Exceto para o mo-

gem, na próxima parada, quando achamos que

torista ao volante.

já estávamos quase na Avenida Brasil, desco-

Sendo dois os pilotos, para o rodízio, um

brimos que faltavam oito horas para o Rio.

branco e um negro, e chamando-se Manhães o

Como não há bem que sempre dure nem

branco, logo o negro foi apelidado de Noites.

mal que nunca acabe, finalmente chegamos ao

Os dois se revezavam entre nossa cachaça e o

campus, em pleno dia de aula. Saltamos, aque-

volante naquela estrada com uma sinuosidade

les que podiam andar ajudando aos outros,

de top model. Assim como eles faziam o seu

alguns beijando o solo, incrédulos, outros

rodízio, nós fazíamos o nosso, para conversar

observando a universidade e os universitá-

com eles e mantê-los acordados.

rios com o olhar vazio, cheios de histórias e

Seria injusto atribuir a Noites e Manhães

cicatrizes (ora, bolas, o coração partido não

todo o atraso da jornada. Lembrem-se que não

conta?). Não trocaria aquela viagem por nada.

havia banheiro e é um longo caminho até For-

Foi uma aventura do começo ao fim, coeren-

taleza. A facção que bebia demais puxava o coro

te com sua época. Começávamos, nós e o país,

“Rá, rá, rá, parada pra mijar” e os mais contidos

a descobrir a liberdade. E para desfrutar da

respondiam “rá, rá, rá, só no Ceará”, até que

liberdade de ir e vir, na cabeça de garotada

uma moça apertada, com expressão compu-

que só anda em bando, nada melhor do que

ngida, decidia a parada.

um Volvo.

NÚMERO 3

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

51


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a

sim não

ACIDENTES NO TRÂNSITO: JAIR LEAL

A fiscalização eletrônica, com o advento do

Advogado tributarista e presidente da Aprovesp – Associação dos Proprietários de Veículos Automotores no Estado de São Paulo, fundada em julho de 1991

municípios para fiscalizar o trânsito, tornouse um dos alicerces da chamada “indústria da multa”, beneficiando apenas prefeituras e

Com mais de 13 anos de militância na área e

empresas particulares, responsáveis por sua

tendo me especializado no novo Código de

instalação e operacionalização.

Trânsito Brasileiro (CTB), tenho de ser taxativo

Não é mais do que uma modalidade de

a esse respeito: fiscalização eletrônica não acaba

arrecadação, sem nenhum custo para a

com a mortalidade no trânsito.

municipalidade, pois o percentual cobrado pelas

JOÃO GONÇALO EUGÊNIO

a frota nas ruas e os riscos de acidentes muitas

Arquiteto e urbanista, é ex-assessor executivo da Presidência da Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas - EMDEC

vezes resultantes da imprudência e do excesso

PREVENIR É O MELHOR REMÉDIO • O cres-

falta de sinalização, uso do álcool; mas é inegável

cimento

a contribuição da velocidade e do avanço sobre

exagerado

das

cidades,

sem

planejamento, somado às necessidades do

de velocidade. É claro que existem muitos outras causas: vias mal projetadas ou mal conservadas,

o sinal vermelho para o número de mortos.

homem moderno, exige um número cada vez

Cabe a municípios e estados investir em

maior de deslocamentos. Eles precisam ser

políticas permanentes de vigilância e fiscaliza-

rápidos. No Brasil, o transporte individual

ção para coibir tais infrações. E a adoção dos

historicamente simbolizou essa rapidez com o

radares tem se mostrado eficiente na ampliação

automóvel. Ele sempre foi incentivado pelos

da segurança no trânsito. Quando o motorista

governos, com redução de impostos ou

sabe da existência desses equipamentos em

investimentos em rodovias. O poder da

determinado ponto, fica mais atento, não excede

propaganda também contribuiu para seduzir o

a velocidade, e, conseqüentemente, os aciden-

consumidor de todas as classes, dando aos

tes diminuem.

veículos um valor agregado para além de seu significado e das necessidades da população. Como conseqüência dessa política, crescem

52

novo CTB, que conferiu competência aos

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 3

A adoção dos radares, no entanto, não é tão simples. Em que pesem a aprovação pública e sua incontestável eficiência na redução dos


<

Radares eletrônicos reduzem acidentes de trânsito?

empresas particulares contratadas - e detentoras

O antídoto poderia ser outro, mas este

do sistema - acaba saindo do bolso dos

não parece interessante. Considerando que

proprietários de veículos.

92% dos acidentes fatais se devem a atro-

Quando ainda se discutia o anteprojeto do

pelamentos, além de buscar uma maior cons-

CTB, em 1994, foi apresentada uma emenda

cientização dos motoristas, seria necessária

criando um juizado especial de trânsito, opção

uma política pública, com base em pena al-

que, à época, foi considerada muito cara pelo

ternativa, fazendo com que o infrator tenha

relator da proposta. Afinal, um juizado especial

de pagar, possivelmente até com trabalhos

de trânsito certamente acabaria com a receita

civis na área de trânsito, já que o objetivo

das multas.

seria educá-lo.

acidentes, a política de fiscalização eletrônica

registrados na cidade não receberam sequer

é alvo rotineiro da crítica de infratores contu-

uma multa e 13% foram penalizados com uma

mazes. Sabe-se lá por que motivação, ganha

única notificação ano passado.

espaço na mídia. Não é sem razão que os mu-

O grupo de infratores é cada vez menor. Uma

nicípios precisam adotar total transparência,

parcela pequena que produz a “barbárie”, apos-

embasada em laudos técnicos para escolha da

tando numa cultura na qual o carro é instru-

via, a confiabilidade dos equipamentos e ampla

mento de poder e guerra, põe em risco a popu-

sinalização, derrubando qualquer argumen-

lação e ainda exige sair impune. Não há dúvida

tação contrária.

que a prevenção é o melhor remédio contra os

Em Campinas, os resultados da fiscalização

acidentes. A visão sobre os radares deve partir

eletrônica, aliada às políticas de educação de

do ângulo da prevenção – e ser encarada como

trânsito, são significativos na redução dos

punição só a partir da decisão do motorista em

acidentes e mortes. Antes dos radares, a cidade

exceder os limites.

chegou a registrar 181 vítimas fatais/ano no

No Brasil, onde o trânsito promove resul-

trânsito. Hoje, mesmo com o crescimento da

tados de uma guerrilha urbana, com mais de

frota, o índice é 51,39% inferior ao de dez anos

trinta mil mortos/ano, as autoridades devem

atrás. Em 2003, foram 88 mortes. É essa política

imprimir esforços em defesa da vida. Não

em defesa da vida que fragiliza o discurso da

podem abrir mão desses equipamentos, que

“indústria da multa”. Afinal, 80% dos carros

tantas vidas salvam cotidianamente.

NÚMERO 3

>

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

53


e

x

p

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o

A expansão do metrô

A rede cresce

em São Paulo: mais mobilidade, integração e inclusão social

P O R: I N E S G A R Ç O N I E

Q

uando foi inaugurado, em

México, por exemplo, são 191 quilômetros. Por

1974, o metrô paulistano ligava

isso, a Companhia do Metropolitano de São

apenas bairros da zona sul.

Paulo quer mais.

Depois partiu rumo ao centro

O sonho é antigo. Novas linhas e estações

e só na década de 80 é que se

são eternas promessas de campanha. Talvez por

democratizou como meio de transporte, che-

isso, para que funcionem sempre como armas

gando às zonas norte, leste e oeste. Seus 57,6

do jogo eleitoral, é que demoram a se tornar

quilômetros de trilhos se transformaram em

realidade. Mesmo que tudo corra nos trilhos,

referência de “tudo de bom” no transporte de

o atual plano de expansão só deve se tornar

massas, venerado pelos usuários, mas conti-

realidade em 2008. Desta vez, a promessa –

nuam insuficientes para os 11 milhões de ha-

mais uma delas – é fazer, até lá, a entrega de

bitantes de São Paulo. O sistema tem capa-

uma nova linha, a ampliação de outra e a aber-

cidade para transportar 2,5 milhões de passa-

tura de mais sete estações. Resultado: mais

geiros diariamente, mas, para se ter uma idéia,

15,7 quilômetros, ou um aumento de 27% da

os 8 milhões de moradores da grande Paris

malha. Antes disso, em 2006, serão inaugu-

dispõem de 567 quilômetros. Até capitais de

radas duas estações da Linha Verde (que

países com situação semelhante à brasileira

interliga os nobres bairros da região da Avenida

possuem redes mais extensas. Na Cidade do

Paulista). E quando tudo estiver pronto, outro

A Linha Amarela está planejada desde os anos 80 e o início de sua construção foi prometido para 1994. Só agora, dez anos depois, está saindo das pranchetas

54

IVAN FERNANDES

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 3


PAULO GIANDALIA

sonho dos passageiros poderá se tornar realidade: a baldeação, ainda escassa, entre as próprias linhas do metrô e destas com os trens. Alguns bairros viraram verdadeiros canteiros e, a julgar pelo andamento das obras, tudo indica que as linhas serão de fato entregues no prazo. Os usuários, que têm no metrô um símbolo de excelência no tratamento, já se antecipam nas comemorações. Na Chácara Klabin, bairro de classe média da zona sul que entrará na rota do metrô, a vizinhança nem liga para o barulho das britadeiras até as oito da noite. Nem mesmo o pequeno espaço que sobrou para

Na Chácara Klabin, bairro de classe média na rota do metrô, a moradora Teresina Conte não está nem aí para as britadeiras: “Ah, vai melhorar muito.”

os pedestres parece incomodar. “Para passar pela rua atrapalha um pouco, mas tudo bem. Eu uso o metrô todo dia, poderei descer em frente ao

natural que a melhora do trânsito seja, para

meu estágio”, anima-se a estudante Graziele

muitos, a principal expectativa em relação ao

Dias, de 21 anos. Já a aposentada Teresina Conte,

poder público. Expectativa capaz de se manter

de 58 anos, há 29 moradora da região, quer

intacta por anos a fio.

menos carros nas ruas: “Ah, vai melhorar muito. O trânsito vai diminuir”, espera.

A Linha Amarela está planejada desde os anos 80 e o início de sua construção foi pro-

O professor Robinson Henriques Alves, 36

metido para 1994. Só agora, dez anos depois,

anos, vizinho da futura estação Klabin,

está saindo das pranchetas, como se não fosse

também espera. E jura esquecer o transtorno

de fundamental importância para a cidade: será

e a poeira de hoje. “Com a estação na porta,

a primeira a permitir conexão com outras três

vou usar muito mais o metrô. O transporte

linhas de metrô e uma de trem. O ato de

no bairro vai melhorar.” Em São Paulo, é

“baldear” – pular de uma linha para outra, do

NÚMERO 33 NÚMERO

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

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e

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metrô para o trem e vice-versa – faz qualquer

inauguração – que farão ligações entre bairros

paulistano feliz da vida. Tal alegria só será

pobres como a Vila Sônia e áreas de alto padrão

possível graças aos empréstimos do Banco

como Higienópolis, onde residem celebridades

Mundial e do JBIC (Japan Bank Internacional

como o ex-presidente Fernando Henrique

Corporation). São R$ 500 milhões do Estado e

Cardoso. Uma região de nome parecido mas

US$ 418 milhões dos órgãos internacionais

condição social inversa também está nos planos

para as obras. As 12 estações da Linha Amarela

do metrô: Heliópolis, uma das favelas mais

vão beneficiar 900 mil, um aumento de quase

populosas, vai ganhar a estação Sacomã. As

um terço nos números atuais.

obras desta fase, no entanto, ainda dependem de parcerias com a iniciativa privada. A idéia é

Inclusão

repassar os direitos de operação da linha por

Além de melhorar a vida de passageiros e

até 30 anos.

motoristas e dar um alívio à cidade, o metrô

Outra parceria que promete festa será

integra classes sociais. A Linha Amarela, além

firmada entre os governos estadual e municipal.

da inauguração prometida para 2008, prevê

Quem garante é Sergio Salvadori, diretor de En-

mais sete estações – sem data prevista para a

genharia e Construções da Companhia do Metropolitano. “Um acerto com a Prefeitura pode fazer a estação Faria Lima nascer já em 2008. No passado, foi na parceria entre os dois governos que a Linha Verde foi ampliada em duas estações, alcançou outros bairros e facilitou a vida de milhares de paulistanos”, explica. Idéias não faltam às cabeças que planejam o metrô. Algumas parecem irrealizáveis. Quem imagina, por exemplo, o metrô chegando à cidade vizinha de Taboão da Serra? É difícil, principalmente porque a malha ainda não alcançou sequer os bairros paulistanos necessários, mas está lá, nos planos dos técnicos. Outro passo, este mais perto de virar realidade, será ampliar em 2,2 quilômetros a Linha 2, até Tamanduateí e Vila Prudente, regiões pobres, distantes do centro e de grande densidade demográfica. “A Vila Prudente é um pólo importantíssimo pela população que poderá ser atendida”, diz Salvadori. Não há data para essa etapa começar. Se não demorar muito, a cidade da garoa ficará eternamente grata.

56

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 3

PAULO GIANDALIA

O professor Robinson Henriques Alves com os filhos, vizinhos de uma estação em construção: “Vou usar muito mais o metrô. O transporte no bairro vai melhorar.”


NÚMERO 3

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

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a t l a s

Berlim

Uma cidade reunida P O R

E D M U N D O

E

B A R R E I R O S

m 2005, a Alemanha come-

seus 3,5 milhões de moradores se movimentam

mora 15 anos de reunificação.

livremente entre as duas ex-metades, bene-

Por quase cinco décadas, de-

ficiados por um dos sistemas de transporte mais

pois da Segunda Guerra, o país

eficientes do mundo. As antigas redes inde-

foi dividido em dois. Berlim, a

pendentes, cheias de particularidades, foram

atual capital, foi cortada ao meio por uma parede

interligadas em um processo que culminará na

que impedia a circulação. Hoje, sem o Muro,

Copa do Mundo do ano que vem, com a inauguração da nova estação central berlinense. Nas ruas largas não se vêem engarrafamentos. Os automóveis são minoria na cidade com a maior área verde por habitante da Europa. Executivos pedalam para o trabalho de terno e as mães levam

seus

bebês

em

carrinhos- reboque. Quem não vai de bicicleta pode usar os super eficientes bondes elétricos. Nas principais paradas, letreiros luminosos avisam

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movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 3

MESSE-BERLIN

Com transporte 24 horas no fim de semana, os berlinenses circulam à vontade


FICHA TÉCNICA • Área de berlim: 892 km2 com precisão germânica os minutos para o

• População: 3,39 milhões

próximo carro. Integrados aos trens e ônibus,

• Metrô

os Strassbahn são tão presentes na paisagem urbana como a altíssima torre de TV que coroa Alexanderplatz, glória dos tempos de domínio soviético. Nas noites de sexta e sábado, as ruas ficam cheias como se fosse dia. Com transporte 24 horas no fim de semana, os berlinenses circu-

Número de linhas: 9 Extensão total: 144,2 km Estações: 170 Distância média entre estações: 0,79 km Velocidade média: 30,9 km/h • Bondes

lam à vontade. O resultado é uma das noites

Número de linhas: 27

mais agitadas do planeta. O lazer é socializado

Extensão total: 187,7 km

e, sem precisar dirigir para lugar algum, todos

Paradas: 377

podem saborear a famosa cerveja alemã.

Distância média entre as paradas: 0,491 km

A antiga divisão ainda é percebida nas duas estações centrais, a de Zoologischer Garten,

Velocidade média: 19,4 km/h • Ônibus

na parte ocidental, e a de Alexanderplatz, na

Número de linhas: 161

oriental. A arquitetura é bem distinta, mais

Extensão total: 1.271 km

moderna no “Ocidente”, mas o tempo vem redu-

Paradas: 2.730

zindo as diferenças. A Lehrter Hauptbanhoff, com sua estrutura futurista de aço, será inaugurada no centro da capital este ano, inte-

Distância média entre as paradas: 0,52 km Velocidade média: 19,56 km/h

grando todo o sistema. Hoje só os trens param em suas plataformas, em fase de acabamento. Em 2006 será conectada às nove linhas de metrô e outras nove de trem, interligadas por

centrais, são 2 euros (pouco mais de R$ 7),

ônibus e bondes elétricos.

com direito a qualquer tipo de transporte por

A empresa BVG, Berliner Verkehrsbetriebe,

duas horas. Para trajetos curtos, de até três

controla todo o sistema que serve a Berlim e a

estações de metrô ou trem ou seis de ônibus

Potsdam, na periferia. Divide a região metro-

ou bonde, E$ 1,20, pouco mais de R$ 4. Há

politana em três áreas e, para garantir o acesso a

reduções para estudantes e idosos e bilhetes

todos os cantos, integra até táxis e bicicletas. É

diários, semanais e mensais, os mais vantajo-

permitido levar as bikes dentro dos trens pagando

sos: E$ 56 para as duas áreas centrais, ou R$ 6

uma passagem extra, assim como alugá-las da

por dia — menos do que boa parte dos mora-

própria BVG. Os táxis, em certos pontos, têm

dores das periferias brasileiras gasta para tra-

tarifas reduzidas para cobrir percursos curtos não

balhar. E com a vantagem de livre acesso aos

servidos por ônibus ou bondes.

fins de semana. Mesmo com o bom fluxo do

O preço de uma passagem, à primeira vista, parece caro. Para circular entre as duas áreas

trânsito e as excelentes estradas alemãs, faltam motivos para tirar o carro da garagem.

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movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

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A Veneza pernambucana

O Aspecto do porto do recife segundo uma gravura de Hagedorn. Litografia de A. Guesdon

60

O transporte no Recife antes das pontes e da poluição

fato de ter nascido às margens

deira, deixando a cidade e arra-

rodeavam a cidade, transpor-

dos rios Capibaribe e Beberibe

baldes acessíveis apenas por

tando pessoas, objetos e mer-

exerceu profunda influência

barcos. Mesmo quando passa-

cadorias pelos mais diversos

no desenvolvimento da cidade

va o período das enchentes, a

percursos. As mais comuns

e seus subúrbios. Antes da

população dava preferência aos

eram as jangadas, canoas e

construção das pontes que li-

barcos, temerosa da manu-

barcaças, todas classificadas, à

gam os vários pontos da capital

tenção precária das pontes.

época, como transporte flu-

pernambucana, os recifenses

Não é à toa que o Recife ficou

vial, mesmo trafegando tam-

dependiam totalmente do

conhecido como a Veneza

bém pelo mar.

transporte fluvial. Já no século

Brasileira.

As pequenas canoas, em

XVI, quando o Recife não pas-

“Foi no século XIX, entre

muitos modelos e tamanhos,

sava de um ancoradouro da

os anos de 1835 e 1860, que

eram as preferidas pelos passa-

vila de Olinda, a população

esse tipo de transporte sofreu

geiros, por conseguirem trans-

dependia dos rios para escoar

grandes mudanças na opera-

por trechos de difícil acesso e

a cana-de-açúcar – parte dos

ção e organização”, relata a

ancorar em bancos de areia e

engenhos ficava às margens do

historiadora Magna Milfont,

mangues. As barcaças, que va-

Capibaribe – e sobretudo para

que estudou o tema para dis-

riavam de 7,5 a 21 metros, na-

se abastecer de água. O trans-

sertação de mestrado em ur-

vegavam em pequenas pro-

porte fluvial reinava absoluto

banismo pela Universidade

fundidades, aproveitando en-

em meio às violentas e suces-

Federal de Pernambuco. Se-

chentes das marés, e dispu-

sivas enchentes, que inunda-

gundo a pesquisa, uma enor-

tavam passageiros com as ca-

vam estradas e abalavam as

me variedade de embarcações

noas. As jangadas menores,

estruturas das pontes de ma-

deslizava pelas águas que

denominadas ximbelos, botes,

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 3


ACERVO DA FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO

catraias ou burrinhas, tinham só uma vela, quando muito. Já as maiores, com mais velas, chegavam a ter 20 paus, bastante usadas na descarga de navios. Barcos estrangeiros operavam lado a lado com os nativos e dominavam a navegação na grande cabotagem, especialmente a partir de 1839, quando surgiram os barcos a vapor. Alguns eram verdadeiras lojas flutuantes, onde se vendiam até pequenos barcos. Escravos e negros libertos

“Parte da paisagem da Madagdalena”, do álbum de Luís Schlapiz, 1863

atuavam como manobreiros na maioria das embarcações,

ACERVO DO MUSEU DA CIDADE DO RECIFE

mas também se viam mestiços

bicas dos outeiros de Olinda,

as pessoas buscavam mais hi-

e brancos no serviço, muito

de onde saíam nos lombos dos

giene, maior facilidade de des-

lucrativo. Jangadeiros, canoei-

burros até chegar ao trajeto

locamento e melhor acesso ao

ros e barcaceiros se organiza-

fluvial. O capim também de-

abastecimento de água. Ca-

vam em associações hierarqui-

pendia desse tipo de transpor-

sarões e chácaras localizados

zadas. As mais rígidas eram

te para chegar às fazendas dis-

às margens dos rios eram

as dos canoeiros, que se divi-

tantes e alimentar os animais.

usados para veraneio.

diam em títulos como gover-

As embarcações ainda eram

De 1835 a 1842, missões

nador do porto das canoas (admi-

muito usadas no transporte do

hidrográficas francesas inicia-

nistrador do porto), coronel

açúcar e na pesca. Inúmeros

ram mudanças na operação e

dos canoeiros (administrador

ancoradouros, portos fluviais

organização do transporte

das rendas do transporte flu-

e marítimos, praias e ribeiras

fluvial na cabotagem, com en-

vial), major dos canoeiros (ca-

próximos aos centros urbanos

genheiros estrangeiros com-

pataz do porto) e capitão dos

de Pernambuco eram palco de

batendo o uso das embarca-

canoeiros (chefe das embar-

intenso comércio de merca-

ções nativas na pequena cabo-

cações). Tais organizações

dorias e movimentação de pas-

tagem. Ao fim da década de

previam severas punições para

sageiros. Nos trechos mais

1860, os pequenos barcos co-

quem fugisse às normas.

movimentados havia a cobran-

meçaram a se restringir aos

ça de pedágio.

rios, rompendo a estrutura do

Diversos percursos importantes foram firmados nos rios

A deficiência de serviços

transporte fluvial. Com as

e no mar. As regiões mais iso-

urbanos valorizava o transpor-

pontes, Recife passou a ter no

ladas, como Monteiro e Apipu-

te fluvial. A partir da década

transporte rodoviário, como

cos, eram procuradas para

de 1840, toda a região da cha-

qualquer metrópole, um de

abastecimento de água, cons-

mada Várzea do Capibaribe foi

seus maiores problemas, com

tantemente transportada das

objeto de loteamento porque

trânsito intenso e poluição.

NÚMERO 3

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

61


r

e

s

e

FICHA TÉCNICA

UMA AMIZADE

n

h

a

f i l m e

Viagem através dos sentidos

SEM FRONTEIRAS Direção: François Dupeyron.

São raras as

Negligenciado pelos pais – foi

como Uma amizade sem fron-

adaptações

abandonado pela mãe e é tra-

teiras descreve os diferentes

para o cinema

tado como um fardo pelo tris-

lugares por onde passam e

tão fiéis como

tonho pai – Momô (como o ve-

brinca com os sentidos: seu

Uma amizade

lho turco o chama, “menos im-

Ibrahim veda os olhos de Mo-

sem fronteiras. Mas o diretor

ponente do que Moisés”) des-

mô para que ele sinta o cheiro

francês François Dupeyron

cobre, entre as prateleiras da

do ambiente e assim descubra

confiou no pendor cinemato-

deli, um homem generoso e

onde estão.

gráfico do romance Seu Ibrahim

sábio.

Com: Omar Sharif e Pierre Boulanger França/2003

S

96 minutos

Na viagem eles passam por

e as flores do Corão, o segundo

O filme acompanha duas

vários países, como a rica Suí-

da Trilogia do Invisível, do

viagens: primeiro, a travessia

ça e a paupérrima Albânia, até

também francês Eric-Emma-

de Momô rumo ao mundo dos

que atingem seu destino. Uma

nuel Schmitt, e alterou pouca

adultos, rito que inclui a perda

amizade sem fronteiras é uma

coisa do livro – reproduz até

da virgindade com prostitutas

delicada ode à tolerância, flui

muitos diálogos contidos na

da vizinhança, a descoberta de

com enorme facilidade, no que

obra literária. Fez bem em não

técnicas de sedução (a impor-

a ótima química entre o es-

tentar imprimir sua marca

tância do sorriso é a mais inte-

treante Pierre Boulanger e o

numa história já muito bem

ressante delas), feita com a

veterano Omar Sharif muito

narrada por Schmitt.

ajuda de seu Ibrahim, e outras

contribui.

O livro conta os meandros

passagens contadas com muita

da amizade entre Moisés

delicadeza por Dupeyron e

(Pierre Boulanger), um me-

Schmitt. Depois há uma via-

nino judeu, e seu Ibrahim

gem física mesmo, quando seu

(Omar Sharif), turco dono de

Ibrahim e Momô vão, de carro,

uma delicatessen num bairro

de Paris até a Turquia natal do

judeu na Paris dos anos 60.

velho. É cativante a maneira

EROS RAMOS DE ALMEIDA

DIVULGAÇÃO

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movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 3


50 anos garantindo a mobilidade da população fluminense A Fetranspor está completando 50 anos. Meio século de atuação no transporte coletivo por ônibus no Estado do Rio de Janeiro. Hoje, reúne 10 sindicatos, aos quais se associam 227 empresas, que atendem 135 milhões de passageiros/mês. Isso significa garantir o direito de ir e vir de 80% da população do Estado. Sem dúvida, temos muito orgulho de assumir tanta responsabilidade, conseguindo gerar 95 mil empregos diretos, o que significa ter cerca de 1 milhão de pessoas dependendo do funcionamento de nossas empresas e sindicatos. Sobreviver é uma tarefa difícil, e atingir meio século é para os fortes e vitoriosos. Mas não é prova que se ganhe de forma solitária, e, por termos consciência disso, queremos compartilhar, com todas as organizações que consideramos parceiras, a grande alegria que nos proporciona a comemoração deste cinqüentenário.

Melhor transporte, melhor qualidade de vida

JANEIRO/FEVEREIRO 2005

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

63


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FICHA TÉCNICA

n

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l i v r o

A humanidade na pedra O MAPA QUE MUDOU O MUNDO Simon Winchester Tradução de Suyan Marcondes Orsbon 416 páginas R$ 64,90

Em O mapa

terra para desenhar o traçado

Winchester é especialista

que mudou o

de canais, muito populares na

em dar humanidade a temas

mundo (Ed.

Revolução Industrial para o

aparentemente pouco seduto-

Record),

o

escoamento de carvão para

res, como a feitura do Dicio-

jornalista inglês Simon Win-

os centros consumidores, que

nário Oxford, sobre a qual

chester consegue tirar leite de

Smith pôde observar o com-

escreveu em O professor e o

pedra. A expressão é quase

portamento das camadas do

demente. Em suas obras, não

literal, pois a pedra em questão

solo. Numa época em que o

costuma esconder seu orgulho

é pedra mesmo: as formações

senso comum policiado pela

britânico, mas isso não chega

rochosas do subsolo britânico.

religião acreditava que a terra

a depor contra O mapa que mu-

Do tema em princípio tão ári-

tinha sido criada por Deus em

dou o mundo, ao contrário do

do, o autor extraiu a história

seis dias, ele estabeleceu as

uso um tanto indiscriminado

profundamente humana do

diferentes idades de cada fatia

de termos como “oólito”, “ar-

também inglês William Smith,

do solo pela correlação com os

gilito” e “marga”, que exigem

autor do primeiro mapa geo-

fósseis nela encontrados.

um tanto de paciência e con-

E

Editora Record

64

lógico do mundo em 1815,

A genialidade do homem

sultas ao glossário anexo. O

fundando uma ciência (a geo-

que criou sozinho o mapa geo-

livro inclui ainda uma lista de

logia) na qual se apóiam pes-

lógico de um país inteiro,

leituras indicadas e um índice

quisas que vão da exploração

depois de 20 anos de pesquisa,

onomástico, além da capa,

de minas até o traçado de uma

não é o único fator da tra-

que, quando desdobrada,

linha de metrô – não por acaso,

jetória de Smith ressaltado no

revela uma réplica do mapa de

o metrô de Londres foi o pri-

livro de Winchester. Sem se

Smith

meiro do mundo, inaugurado

derramar em excesso, o autor

na segunda metade do século

destaca os dramas e desgostos

XIX.

vividos pelo personagem, en-

Se o metrô é um dos prin-

tre eles o plágio, a passagem

cipais reflexos das pesquisas

pela prisão, dificuldades finan-

de Smith na vida contem-

ceiras e o preconceito de ou-

porânea, outro sistema de

tros acadêmicos por sua ori-

transporte esteve na origem de

gem pobre e sua falta de refi-

seu trabalho. Foi escavando a

namento.

movimento, MOBILIDADE & CIDANANIA

NÚMERO 3

LEONARDO LICHOTE


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