Políticas de transporte
AN P
Aspectos da mobilidade urbana em cidades do Baixo Amazonas: indicadores para elaboração de políticas públicas Maisa Sales Gama Tobias Nírvia Ravena
Universidade da Amazônia e Universidade Federal do Pará E-mail: maisatobias@unama.br;maisa@ufpa.br E-mail: niravena@uol.com.br
Rui António Rodrigues Ramos Daniel Souto Rodrigues Universidade do Minho E-mail: rui.ramos@civil.uminho.pt E-mail: dsr@civil.uminho.pt
A necessidade de movimentação urbana é ao mesmo tempo causa e efeito do desenvolvimento (Affonso, 2002), devendo ser integrada às ações dos principais agentes que afetam a forma como uma cidade se desenvolve. A mobilidade urbana pode ser vista como um atributo associado às pessoas e aos bens, que corresponde às diferentes respostas dadas por indivíduos e agentes econômicos às suas necessidades de deslocamento. Neste contexto, devem ainda ser consideradas as dimensões do espaço urbano e a complexidade de atividades nele desenvolvidas, como também a capacidade das pessoas de se deslocarem no meio urbano para realizar as mesmas. Sob este aspecto, as políticas públicas têm um fator determinante na elaboração de programas que englobam várias dimensões relativas à vida do indivíduo. Destacam-se aquelas ligadas aos problemas de transportes, que se tornam de mais fácil solução quando a União, estados e municípios interagem de forma negociada junto com a participação popular. A Constituição brasileira de 1988 (título III, cap. IV, art. 30) ressaltou a responsabilidade dos municípios como principais atores na implementação das políticas de transporte e de ordenamento territorial. No Brasil, a política relativa à mobilidade urbana ainda está centrada fortemente no uso do automóvel, mas essa realidade vem sendo modificada em função dos impactos negativos provocados pelo seu uso (econômicos e ambientais). Somam-se a esses impactos negativos demandas configuradas pela realidade complexa e diferenciada dos níveis regionais do país. Este artigo apresenta caminhos para a formulação de políticas de transporte no nível local, utilizando o conceito de mobilidade como uma 71
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medida de equidade social e como um indicador para subsidiar propostas de (re)direcionamento de políticas de transporte urbano em cinco cidades do Baixo Amazonas (Santarém, Alenquer, Monte Alegre, Óbidos e Oriximiná). As situações são de vulnerabilidade e segregação socioespacial, que podem ser explicadas tanto pelas condições de vida da população quanto pelas relações que a mesma estabelece com os espaços urbanos em termos de mobilidade. Dados secundários e de pesquisa de campo, empreendida na região, revelaram que a circulação de pessoas e mercadorias transcende o espaço inter-regional, apresentando essas cidades insuficiência de infraestrutura e de políticas de transporte para o desempenho de todas as suas funções sociais. Na análise, a mobilidade é uma medida de equidade social e um indicador no (re)direcionamento de políticas de transporte urbano. A REGIÃO DO BAIXO AMAZONAS O Baixo Amazonas é uma meso-região do Estado do Pará, no norte do Brasil, numa área de 315.856,73 km2 (IBGE, 2003), população absoluta de 638.582 habitantes (IBGE, 2007), produto interno bruto PIB de R$ 3.283.945,24 e PIB per capita de R$ 5.048,76 (IBGE, 2008). As cidades da região são: Alenquer, Belterra, Curuá, Faro, Juruti, Monte Alegre, Santarém, Almeirim, Óbidos, Oriximiná, Prainha e Terra Santa. Na tabela 1 e figuras 1 e 2 tem-se os dados territoriais e de localização regional, respectivamente. Tabela 1 Dados territoriais das cidades sob estudo Município Santarém Óbidos Oriximiná Monte Alegre Alenquer Total
Fundação(*) 1661 1755 1877 1755 1881
População 294.774 49.254 62.963 55.459 52.714 515.164 (72% da região)
Área (km2) 22.887 28.021 107.603 18.153 23.645 200.309 (63% da região)
Fonte: IBGE, 2010. Nota: (*) Dados obtidos de fontes diversas, havendo algumas contradições, podendo ser aceitos como indicativo aproximado da data de fundação destas cidades.
Aspectos do desenvolvimento territorial do Baixo Amazonas A região é formada, em sua maioria, por cidades de colonização antiga, ligadas às primeiras expedições de colonizadores ao rio Amazonas, com povoados que deram origem a Santarém, Alenquer, Almeirim, Monte Alegre e Óbidos. Por seu lado, Faro, cidade mais recente que as anteriores, 72
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tornou-se município em 1768. A partir de 1970, tem-se na região importantes empreendimentos: a construção da BR-163 (rodovia Cuiabá-Santarém) e do porto de Santarém e a exploração de bauxita no rio Trombetas. Figura 1 Território das cidades sob estudo
Figura 2 Localização ribeirinha das cidades sob estudo
Atualmente, a região vem sendo dinamizada pela produção da soja, no eixo da BR-163, havendo, também, destaque econômico para a fruticultura, o turismo, como uma das atividades econômicas de maior potencialidade na região e, ainda, as atividades tradicionais ligadas à extração da madeira, culturas da mandioca e arroz, a pecuária, a pesca etc. 73
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Cidades sob estudo As cinco cidades foram selecionadas pela proximidade geográfica e por serem de porte médio, em torno da maior cidade da região, Santarém. Juntas representam praticamente 72% da população e 68% da extensão territorial do Baixo Amazonas (tabela 1). Com base em dados secundários, nas tabelas 2 e 3, tem-se algumas variáveis que demonstram a superioridade hierárquica de Santarém. Para complementar, nas visitas in loco, foram feitas 500 entrevistas a residentes dessas cidades, obtendo-se uma descrição geral das condições sociais, econômicas, de transporte e de uso e ocupação do solo. Pode-se observar, por exemplo, que a população é essencialmente jovem, de escolaridade média e de baixa renda (figura 3) e, particularmente, na relação ocupação versus renda, percebeu-se uma predominância nas principais ocupações da população das cidades de pessoas com renda entre um e dois salários mínimos (figura 4). O trânsito e o transporte público Como instrumento básico de orientação do desenvolvimento urbano, pode-se dizer que todas essas cidades possuem algum tipo de marco regulatório em relação ao trânsito e ao transporte. No quadro 1, temse a caracterização urbana das cidades, a partir de visitas in loco e, no quadro 2, a síntese das situações levantadas in loco junto aos órgãos municipais e, outros, obtidos em consulta direta a cidadãos comuns e técnicos dessas cidades. Tabela 2 Índice de Desenvolvimento Humano – IDH e PIB per capita Cidades Alenquer Monte Alegre Óbidos Oriximiná Santarém
IDH2000 0,673 0,690 0,681 0,717 0,746
PIB per capita (preços correntes - R$) 3.016,77 4.235,01 3.905,04 16.982,09 6.004,42
Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano/PNUD (2000) - Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, 2000.
Tabela 3 Frota veicular registrada em cada cidade, % Cidades Alenquer Monte Alegre Óbidos Oriximiná Santarém
Automóveis 14,3 12,4 24,5 32,9 37,9
Ônibus 1,0 1,0 1,0 0,69 1,18
Motos 71,0 73,0 68,6 48,0 46,0
Fonte: Ministério da Justiça, Departamento Nacional de Trânsito - Denatran, 2009.
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Total 3.013 5.579 2.406 3.442 43.334
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O trânsito Apenas na cidade de Santarém o trânsito é municipalizado desde 1995, sendo gerenciado pela Secretaria Municipal de Transporte Público e Trânsito - SMT. Este município já apresenta um centro comercial bastante congestionado e situações de trânsito no sentido periferia-centro com grandes congestionamentos em horários de pico. Quadro 1 Caracterização urbana das cidades Cidades Alenquer: a cidade fica situada na margem esquerda do rio Amazonas. A morfologia urbana é radial, com o centro comercial na beira do rio. A base econômica está no comércio, na agricultura, pesca e pecuária, com raízes na economia familiar.
Localização/acesso/imagens O acesso usual é via fluvial à partir de Santarém, em lanchas, barcos ou por balsa, com travessia hidroviária e seguindo por 150 km de estradas (PA 254) até esta cidade, com duração de 3h até 6h de viagem.
Monte Alegre: a cidade está situada na margem esquerda do rio Amazonas, com relevo constituído de terras firmes e alagáveis. A morfologia urbana é radial, com o centro comercial na beira do rio. A economia é baseada na pecuária, extração de pedras para construção, produção, pesca, agricultura e turismo. Óbidos: situada na margem esquerda do rio Amazonas, com relevo constituído de terras firmes e alagáveis. A sede está no ponto mais estreito do rio Amazonas (1.890 metros no leito normal). A morfologia urbana é radial, com o centro comercial na beira do rio. A base da economia: fibra de juta, a castanha do Pará e a pesca.
O acesso se dá via aérea (vôos privados); via fluvial, através de lanchas e barcos e, ainda, por balsa, com travessia hidroviária a partir de Santarém, seguido de rodovia (PA 254).
O acesso se dá via aérea (vôos privados); via fluvial, através de lanchas e barcos e, ainda, por balsa, com travessia hidroviária a partir de Santarém, seguido de rodovia (PA 254). A partir de Santarém o tempo médio de viagem é de 2,5h a 6h.
Continua
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Quadro 1 - continuação Cidades Santarém: situada na margem direita do rio Amazonas, no encontro das águas com o rio Tapajós. O relevo é constituído de terras firmes e alagáveis. É a cidade mais importante da região, com economia predominante de comércio e serviços no sítio urbano e, na parte rural, de agricultura e pesca. Como as demais cidades ribeirinhas, a morfologia urbana é radial, com o centro comercial na beira do rio. Oriximiná: A cidade situase na margem esquerda do rio Trombetas, com relevo constituído de terras firmes e alagáveis. É uma das cidades mais importantes da região, com a extração de bauxita em porto Trombetas sendo considerada uma referência a nível mundial. A morfologia urbana é radial, com o centro comercial na beira do rio. A base da economia é voltada para a área rural, com destaque para a agropecuária e a extração de minério e, no sítio urbano, a parte de comércio e serviços. Oriximiná apresenta situações típicas do transporte nas cidades sob estudo: o transporte hidroviário, e a predominância do transporte individual, sejam motos ou bicicletas.
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Localização/acesso/imagens Tem acesso por via aérea (vôos comerciais e privados) a Belém, capital do Estado, e a Manaus (distando 1,5h de Belém e 45 minutos de Manaus). Contudo, o mais importante acesso é por via fluvial, através de lanchas e barcos (com ligações diretas às demais cidades sob estudo). Possui, ainda, acesso rodoviário pela Transamazônica. Nas imagens abaixo, pode-se observar a principal atração turística da região e, ainda, a orla da cidade.
O acesso se dá via aérea (vôos privados); via fluvial, através de lanchas e barcos e, ainda, por balsa, com travessia hidroviária a partir de Santarém, seguido de rodovia até a sede do município (PA 254). A duração média de viagem, em relação às demais cidades sob estudo, varia de 3h a 9h, porém, dentro do território da cidade há lugares que são alcançados após 16h de barco.
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Figura 3 Faixa etária e escolaridade dos residentes nas cinco cidades sob estudo
A sinalização de trânsito está presente principalmente na parte comercial da cidade de Santarém. A preferência dos motoristas pelas vias asfaltadas contribui para o congestionamento, seguido dos ônibus e do fato da cidade ter grande parte do seu sistema viário ainda não asfaltado. As demais cidades são conveniadas com o Detran-PA para os serviços de engenharia, educação e policiamento do trânsito, com deficiências no planejamento para a complementaridade entre modos de transporte. Figura 4 Relação ocupação versus renda nas cinco cidades sob estudo
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De maneira geral, nessas cidades, apenas na parte comercial, em geral na orla do rio, se observam situações de trânsito mais congestionado, como também são esses locais os mais sinalizados. Geralmente, no sentido centro-periferia há crescente aumento de vias não asfaltadas e sem sinalização. No quadro 3, tem-se uma síntese dos principais modos de transporte e o resultado da pesquisa em campo sobre a utilização dos modos de transporte disponíveis. Quadro 2 Síntese dos instrumentos de gestão urbana das cidades Cidades Alenquer
Monte Alegre
Óbidos
Instrumento legal Plano Diretor (Lei nº 044/2006), Código de Postura e Código de Obras. Lei de uso do solo e de cobrança de renda imobiliária (Lei nº 033/2007), Regulamento de Trânsito (Lei nº 678/2006) que institui a municipalização.
Situação de implantação Os códigos encontram-se desatualizados (tanto o Código de Postura como o de Obras são de 1964) e o Plano Diretor não contempla o macrozoneamento das áreas onde se pretende induzir a expansão urbana, prejudicando a sua aplicação. Além desses aspectos, a legislação não é conhecida pelos próprios gestores e, ainda, a descontinuidade administrativa dificulta a gestão do espaço urbano. O cadastro fundiário existe apenas para fins de controle de ocupação de áreas urbanas, consideradas prioritárias e para a cobrança do IPTU. O trânsito ainda não é municipalizado, apesar de haver dispositivo legal sobre o assunto. A Prefeitura necessita do apoio do Detran-PA e da Polícia Militar Estadual. Os códigos encontram-se desatualizados, Plano Diretor (Lei nº 4.664/2006), Zoneamento prejudicando inclusive a aplicação do Plano Agroecológico, Código de Diretor que precisa de regulamentação Postura, Código de Obras específica de seus dispositivos. O cadastro fundiário existe apenas para fins de controle e Código Tributário. Regulamento de Trânsito de ocupação de áreas urbanas, consideradas (Lei nº 4.690/2007) que prioritárias e para a cobrança do IPTU. Há um institui a municipalização. Departamento de Trânsito Municipal, porém, o trânsito não é municipalizado por completo, ou seja, a Prefeitura não assumiu plenamente a gestão, necessitando de apoio do DetranPA e da Polícia Militar Estadual. Plano Diretor Participativo Os instrumentos encontram-se atualizados e (Lei nº 3.408/2006, alterada pode-se observar que o Plano Diretor aplica-se pela Lei nº 3.443/2007), no centro principal do núcleo urbano, porém, Lei Orgânica, Código de em áreas periféricas é sentida a sua ausência. Postura, Código de O cadastro fundiário existe para fins de Obras (Lei nº 3.762/2009) controle de ocupação de áreas urbanas e para e Código Tributário a cobrança do IPTU. Há um Departamento de (Lei nº 3.866/2010). Trânsito Municipal atuante, o trânsito é Regimento de Mototáxi municipalizado por completo, porém, a cidade (Lei nº 3.445/2008). ainda necessita de apoio do Detran-PA e da Regulamento de Trânsito Polícia Militar Estadual. Também, tem-se a (Lei nº 3.389/2005). regulamentação do mototáxi que é o um dos mais importantes modos de transporte público. Continua
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Quadro 2 - continuação Cidades Oriximiná
Santarém
Instrumento legal Plano Diretor (Lei nº 6.720/2006), Macrozoneamento, Código de Postura (Lei nº 7.233/2009), Código de Obras, Código Tributário, Código do Meio Ambiente (Lei nº 7.302/2010). Decreto sobre a passagem de transporte de carga na área urbana (Decreto nº 098/2010). Lei do Mototáxi nº 7.232/2009. Plano Diretor Participativo (Lei nº 18.051/2006); Lei Orgânica, Código de Postura, Código de Obras e Código Tributário (Lei nº 16.229/1998). Lei do perímetro urbano. Encontra-se em tramitação projeto de zoneamento econômico-ecológico com base no Decreto Federal 622. Lei Municipal de Meio Ambiente (Lei nº 17.894 de 15/12/2004). Plano Municipal de Habitação de Interesse Social (PMHIS). Regulamentos de Transporte Coletivo, de Taxi e de Mototáxi.
Situação de implantação Alguns instrumentos de gestão encontramse desatualizados. O Plano Diretor não tem absolutamente aplicação prática, assim como o Código de Postura. O cadastro fundiário existe apenas para fins de controle de ocupação de áreas urbanas e para a cobrança do IPTU. Não foi observada municipalização do trânsito, dependendo a cidade exclusivamente do Detran-PA e da Polícia Militar Estadual. O mototáxi e o táxi são os principais modos de transporte público. O Plano Diretor tem sua aplicação prejudicada pela falta de regulamentação dos seus dispositivos. O Código de Postura, o Código Obras e a Lei do perímetro urbano estão desatualizados. Na realização do Plano Diretor houve a execução do cadastro multifinalitário, o que possibilitou regular pelo menos metade dos bairros. O cadastro fundiário existe para fins efetivos de controle de ocupação de áreas urbanas. O trânsito é municipalizado e gerenciado pela Secretaria Municipal de Transportes, existindo regulamentações básicas de transporte público. Também, a cidade possui uma Secretaria Municipal de Organização Portuária - Semop, criada pela Lei nº 18.237 de dezembro de 2008, um avanço no reconhecimento da importância do transporte fluvial na região. Sob esta Secretaria está a responsabilidade de gestão do transporte fluvial na orla e dos portos municipais.
O transporte público Em geral, em todas as cidades, o transporte carece de regulamentação e de planos complementares para efetivamente funcionar e a maioria das viagens é feita por transporte informal. Apenas em Santarém o transporte público é regulamentado: ônibus, táxi e mototáxi, concedidos mediante permissão. Nas demais cidades, a exploração dos transportes é precária, mediante autorizações do executivo, para fins específicos. Como pode ser percebido no quadro 3, a preferência é geral por transporte de barco, seguido de motos, bicicletas e o transporte a pé. No caso do transporte individual, com exceção do mototáxi, que existe em todas as cidades, tem-se geralmente o automóvel, a moto e a bicicleta como os 79
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modos mais utilizados. Sendo transporte motorizado, o barco é o mais utilizado, para viagens entre as áreas urbanas e rurais, explorado por particulares ou empresas sem qualquer regulação, apenas algumas linhas são reguladas de forma precária pela Agência Estadual de Regulação do Estado do Pará ou mesmo pela Agência Nacional de Transporte Aquaviário. No meio urbano e intraurbano, o barco se mantém na preferência de utilização, porém, é reconhecido pela população como um modo de transporte inseguro e carente de conforto, tanto no que diz respeito à embarcação quanto à infraestrutura nos terminais hidroviários na região. A constatação da insegurança apontada pelos usuários demonstra que a inexistência de um marco regulatório para transporte fluvial nos níveis municipais coexiste com a insuficiência da regulação desse transporte pelo Estado e pela União. Esse fenômeno interfere na execução de políticas baseadas na complementaridade modal, demonstrando que nesses municípios a mobilidade não se apresenta como medida de equidade social. Na figura 5 tem-se uma imagem de embarque em Santarém, no mesmo lugar, em 1995 e em 2010, respectivamente, capturada por um dos autores deste trabalho, mostrando que a situação se perpetua com poucos avanços na qualidade do serviço do transporte de passageiros. Quadro 3 Modos de transporte predominantes e percentual de utilização Modos Alenquer Modos públicos de transporte Ônibus √ Taxi √ Mototaxi √ Barco √ Van/Kombi Modos individuais de transporte √ Autos √ Bicicleta √ A pé (+1km) √ Barco
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Monte Alegre
Óbidos
Oriximiná Santarém
√ √ √ √
√ √ √ √
√ √ √ √
√ √ √ √ √
√ √ √ √
√ √ √ √
√ √ √ √
√ √ √ √
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Figura 5 Situações de embarque na orla da Santarém em 1995 e 2010, respectivamente
INDICADORES PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS A política de transporte na Amazônia é resultado de um modelo proposto para todo o território nacional em que o planejamento de transportes, atrelado às diretrizes de desenvolvimento, foi uma estratégia promovida pelos governos militares, associando-o à integração regional. As políticas atuais de desenvolvimento regional mantêm esta lógica, presente no projeto de Lei Federal nº 1.687, aprovado em 2007, em que o transporte é elemento estratégico das ações de planejamento e de desenvolvimento na Amazônia e no país. Nesta perspectiva, a informação e participação são apontadas como elementos fundamentais para que instrumentos de planejamento, tais como os planos diretores urbanos, sejam incluídos na formulação das estratégias de implementação das políticas de transporte (Sucena et al, 2005; Andrade et al, 2006; Gomide, 2008). No entanto, mesmo com essas recomendações, a regulação do transporte no Brasil tem padronizado as políticas desse setor. Assim como as políticas de transporte, os planos diretores na Amazônia enfrentam dificuldades na sua implementação, pois se originam também de políticas urbanas padronizadas, centradas em contextos socioambientais que não correspondem às especificidades toponímicas, sociais e ambientais da Amazônia. As cidades de Alenquer, Monte Alegre, Óbidos, Oriximiná e Santarém estão inseridas formalmente no contexto de planejamento de transporte na Amazônia, ou seja, uma complementaridade modal baseada na dominância do uso de barcos, com trajetos que unem o rural e o urbano. A análise associada das figuras 3 e 4, da tabela 3 e do quadro 3 revela que a mobilidade urbana nessas cidades não se apresenta como medida de equidade e que as políticas de transporte elaboradas nos níveis federativos da União e do Estado não conseguem atingir os níveis locais, sendo a composição de modos de transporte um desafio para a formulação de políticas públicas de transporte para a região. Os resultados da pesquisa permitiram apontar um conjunto de cinco condicionantes que definem a 81
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dinâmica dos transportes nesses municípios do Baixo Amazonas. Estes condicionantes caracterizam, de forma específica, a mobilidade na região e devem ser considerados na formulação das políticas de transporte nos níveis estaduais e da União para que a política de transporte possa ser implementada com êxito nos níveis locais. São eles: Condicionante 1 - Histórico: as cidades do Baixo Amazonas, até a metade do século XX, dependiam exclusivamente do transporte hidroviário, com territórios extensos e sedes à beira do rio e grande vazio habitacional na área rural. A partir da segunda metade do século XX, no regime militar e nos períodos posteriores, a região foi incluída em políticas de desenvolvimento que priorizaram a construção de rodovias, alterando o vetor dos fluxos de transporte para o interior, promovendo a redistribuição entre rodovias e rios. As alterações econômicas e demográficas promovidas por essas políticas resultaram numa alteração espacial em que o sistema viário dos centros históricos desses municípios, com ruas e calçadas estreitas, não comporta estas alterações drásticas. Nesses municípios, são comuns problemas de acessibilidade para os pedestres e ciclistas e espaço viário escasso para os veículos (ver figura 6). Condicionante 2 - Concentração de infraestrutura social urbana nos centros comerciais: exceto em Santarém, observa-se in loco a concentração de escolas, unidades de saúde, órgãos públicos e demais unidades de serviço urbano nos centros comerciais, o que condiciona a que toda a população se dirija ao centro para o atendimento de suas atividade diárias. Há inoperância de complementaridade modal, sendo a mobilidade precária. Na periferia, a falta de saneamento dificulta a pavimentação das vias que, de maneira geral, é deficiente, com calçadas em desnível. A ausência de terminais para o transporte é outro aspecto crítico, o que dificulta o acesso aos modos coletivos de transporte. Figura 6 Centro comercial de Santarém
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Condicionante 3 - Características socioeconômicas da população: a população é essencialmente de baixa renda. Na análise da escala de indicadores (tabela 2), pode-se afirmar que Santarém e Oriximiná estão acima das demais, tendo Óbidos uma posição intermediária e Monte Alegre e Alenquer as condições mais desfavoráveis. Oriximiná tem seus dados socioeconômicos mistificados em virtude do projeto mineral existente em seu território que não reflete a realidade dessas cidades que apresentam incidência de pobreza atingindo parte significativa da população. Condicionante 4 - O transporte e o trânsito: o barco é o modo de transporte mais utilizado nas mobilidades interurbanas, intraurbanas e regional, mas é dentro do espaço urbano que as situações de mobilidade se deterioram. Exceto Santarém, o transporte público urbano nas demais cidades praticamente não existe, ficando a população refém do transporte individual e privado. O trânsito é municipalizado somente em Santarém e parcialmente em Óbidos, dependendo as demais cidades do Estado. Condicionante 5 - Insuficiência de marcos regulatórios: observou-se in loco que, apesar de todos as cidades possuírem instrumentos de gestão, há dificuldades para a implantação, seja por questões burocráticas ou de articulação ou até mesmo incapacidade institucional para colocá-los em prática. Em particular, em relação aos planos diretores, foram verificados diversos óbices de ordem jurídica, institucional, de planejamento e mesmo operacional para a prática de tais planos diretores. É necessário, também, destacar que mesmo que a mobilidade seja majoritariamente realizada através do modo de transporte fluvial, há carência de regulação deste modo de transporte nos níveis municipais e insuficiência de fiscalização dos dispositivos de regulação que operam nas instâncias federativas do Estado e da União. Há, também, necessidade de atualização de instrumentos de gestão e a criação de outros, além da municipalização do trânsito na maioria das cidades. CONCLUSÕES A mobilidade, como medida de equidade e indicador para a formulação de políticas de transporte associada a condicionantes socioeconômicos, permite que as especificidades socioeconômicas, ambientais e toponímicas da região do Baixo Amazonas sejam inseridas nos desenhos das políticas integradas de transporte. O desenvolvimento regional do Baixo Amazonas está comprometido, uma vez que a qualidade de vida das populações locais e a capacidade de captar novos investimentos relacionados às atividades transformadoras estão limitadas pelo modelo de transporte assentado na predominância da informalidade. A incapacidade das instâncias municipais em implementar políticas de transporte da União e do Estado como os planos 83
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diretores e também de desenhar políticas de transporte municipalizadas para as cidades do Baixo Amazonas pode ser apontada como causa e, ao mesmo tempo, consequência da carência da população do Baixo Amazonas. A saída apontada é a municipalização do trânsito na maioria das cidades e a montagem de um conjunto de regulamentação municipal do modo de transporte fluvial. Em síntese, nos indicadores apresentados, viu-se urgência política de intervenção no sistema de transporte público, no ordenamento dos centros comerciais para tráfego de pessoas e cargas e, ainda, na ampliação das redes de ensino e saúde para torná-las mais acessíveis à população. Dessa forma, a mobilidade na região não será um fator de exclusão social da população aos direitos mais fundamentais do homem, mas sim um elemento dinamizador do desenvolvimento dessa região. Este primeiro estudo se insere num projeto de pesquisa mais abrangente que os autores estão desenvolvendo para avaliar a operação dos diversos modos (hidroviário e terrestre) e a importância das conexões entre as cidades sob estudo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AFFONSO, N. S. Mobilidade e qualidade de vida. Revista dos Transportes Públicos, nº 96, 2002. ANDRADE, A. R.; BALASSIANO, R.; SANTOS, M. P. S. Planejamento de transportes: Informação e participação como fundamentos para o seu desenvolvimento. REGE Revista de Gestão, vol. 13, nº 3, 2006. DENATRAN. Frota de veículos em 2009. Disponível em: <http://www.denatran.gov.br/ frota.htm>. Acesso em: 13/05/2010. GOMIDE, A. A. Agenda governamental e formulação de políticas públicas: o projeto de lei de diretrizes da política nacional de mobilidade urbana. 2008. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/eventos/982.pdf>. Acesso em: 13/05/2010. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Contagem da população. Rio de Janeiro. (Censos de 2000; 2003; 2007 e 2010). MINISTÉRIO DAS CIDADES. Política de Mobilidade Urbana (PL 1687/2007). Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/transporte-e-mobilidade.....>. Acesso em: 13/05/2010. PNUD. Atlas de Desenvolvimento Humano/Índice de Desenvolvimento Humano - Municipal 1991 e 2000. Disponível em: <http://www.fjp.gov.br/index.php/servicos/82servicos-cepp/72-indicadores-e-analises-de-desenvolvimento-humano>. Acesso em: 13/05/2010. SUCENA, M. P.; SILVA, V. L.; PEREIRA, A. L.; PORTUGAL, L. S. Uma aplicação da lógica Fuzzy para a melhoria da mobilidade urbana focada no usuário. In: XII SIMPEP - Simpósio de Engenharia de Produção. Anais. Bauru, SP, Brasil, 7 a 9 de novembro de 2005.
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