MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA PROJETO HISTÓRIA ORAL MEMÓRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ENTREVISTADO: Dr. Luiz Francisco Fernandes de Souza ENTREVISTADOR: Prof. Dr. José Walter Nunes TRANSCRIÇÃO: Virginia Litwinczik REVISÃO: Juliana de Almeida Nunes DATA: 24 de março de 2005 LOCAL: Brasília/ DF NÚMERO DE PÁGINAS: 46
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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO DR. LUIZ FRANCISCO FERNANDES DE SOUZA .................. 3 LEMBRANÇAS DA INFÂNCIA, VILA PLANALTO .................................................. 3 A ORIGEM DOS PAIS ............................................................................................ 5 FORMAÇÃO BÁSICA, ESTUDOS SUPERIORES E FORMAÇÃO JESUÍTICA ..... 7 TRABALHO DURANTE A FORMAÇÃO JESUÍTICA.............................................. 9 ESTUDOS SUPERIORES, BRASÍLIA.................................................................. 11 TRABALHO COMO ADVOGADO DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL .............. 12 TRABALHO COMO PROMOTOR DE JUSTIÇA .................................................. 15 CASO HILDEBRANDO PASCOAL, ACRE ........................................................... 18 A ORGANIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ANTES E DEPOIS DE 1988 .......... 37 FORMAÇÃO DE LISTA TRÍPLICE E USO DE MEDIDA PARA OVISÓRIA ......... 40 PARA OCESSO CONTRA O PARA OCURADOR-GERAL DR. BRINDEIRO ...... 42 A MISSÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E SEUS PROMOTORES....................... 46 RAZÃO, PAIXÃO E FALTA DE AUTONOMIA, NO MINISTÉRIO PÚBLICO ........ 49
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APRESENTAÇÃO DR. LUIZ FRANCISCO FERNANDES DE SOUZA Hoje é dia 24 de março de 2005, e estamos aqui na casa do procurador da República Dr. Luiz Francisco Fernandes de Souza. Dr. Luiz Francisco, o senhor poderia dizer o seu nome completo, por favor? Luiz, com zê, Francisco Fernandes de Souza. E hoje eu sou, na verdade, procurador regional. Mas é besteira. É o que atua na 2ª instância do Tribunal. Procurador da República é o primeiro grau que atua na 1ª instância. Ah! Quer dizer que o senhor é procurador ... Regional, hoje. Procurador regional da República. Isso. E aí o 3º grau seria o Subprocurador-Geral. Só tem três graus a carreira. Eu estou no meio. Por favor, onde você nasceu? Eu nasci em Brasília, em 1º de outubro de 1961. LEMBRANÇAS DA INFÂNCIA, VILA PLANALTO E você foi criado aqui em Brasília? A sua infância, você passou aqui em Brasília? Como foi? Bom, eu sempre vivi aqui, exceto um pequeno período. Então eu vivi aqui em Brasília de 61 a 83. De 83 a 85, eu vivi no Rio Grande do Sul e no Paraná. Depois, voltei para Brasília no final de 85, aí permaneço aqui em Brasília. De 95 a 96, por um ano, porque é de junho a julho, eu fico no Acre. O resto do tempo eu sempre vivi aqui. Quais são suas lembranças da infância aqui em Brasília? A maior parte das minhas lembranças é Vila Planalto, onde eu ... Porque em 64, quando eu tinha 3 anos e pouco, eu fui viver lá na Vila Planalto. A maior parte das imagens da infância, assim, que eu tenho ou são imagens mais escolares dentro das escolas que eu freqüentei, ou são da Vila Planalto, porque lá eu vivi de 64 até 76. 3
Como era viver na Vila Planalto? Era muito bom! Especialmente porque era uma casa. Aí tinha um quintal tranqüilo, bom, tinha um campinho até_ coisinha pequena_ para jogar bola, tinham árvores para subir, tinha lugar para, é, mato, pequenas plantaçãozinhas pequenas de milho, coisa assim direito, bananeira... Então era muito melhor. Para ler um livro, por exemplo, lia em cima da caixa d’água, que tem aquelas caixas d’água, assim, que subia, tranqüilo, ou lia em cima de uma boa de uma árvore, fixo, né? Então era extremamente bom. E ficava em que era o acampamento? Lá na antiga DFL, que é abaixo da Rabelo. Tem a Rabelo, tinha a DFL, tinha uma estrada que ia lá para aquele campo de futebol. Era aquela estrada ali onde tem hoje um supermercado, restaurante lá. Acho que é supermercado Coelho, parece. Uma coisa dessa. O seu pai foi morar lá na Vila Planalto por quê? Foi uma escolha? Como é que foi? O meu pai sempre foi servidor público, a vida inteira dele. Ele foi para lá, porque antes ele estava morando na altura ali das setecentos e pouco, em casas funcionais que tinha. Sul? Sul, isso. Depois ele ia, parece que, para 109. Aí um general, Henrique L., foi e tomou o apartamento dele, né? No bojo do golpe militar. Ele, apesar de cometer equívocos, ter apoiado aquele maldito daquele golpe _ apoiou assim, como cidadão, graças a Deus _ ainda assim ele teve a coragem de peitar o general. Teve briga mesmo, quase física dos dois, ações de queixa e crime de um contra o outro. E meu pai brigou na Justiça contra esse general, derrotou ele na Justiça, mas o problema que a derrota na Justiça é muito relativa, né? Uma vitória na Justiça leva, ó. [estala os dedos] Aí, resultado, ele só conseguiu ir para 109 em 76. Mas aí ele obteve esse mesmo apartamento? Ele conseguiu esse apartamento? Eu não tenho certeza se foi o mesmo ou foi um outro. Mas, assim, de qualquer jeito, antes ele iria para 109. Só muitos anos depois, depois de vencer um bocado de briga é que ele conseguiu ir para lá. Tenho a impressão que foi o mesmo apartamento, porque é o bloco “E” lá. Primeiro a gente foi morar lá na 102. Não, 116. Aí, depois mudou para 402, onde meu pai mora ainda. Meu pai mora ali. Ele fica dois, três dias por semana e fica lá no sítio 4
com minha avó, que é o sítio da minha avó que foi comparado com a desapropriação da Fazenda Lages. A ORIGEM DOS PAIS O seu pai ele é de que região do Brasil? Meu pai é baiano. Ele é lá de perto de Salvador. Eu acho que não é Bom Jesus da Lapa, é não sei o que lá da Lapa, ou então Bom Jesus, alguma coisa assim. É bem parecido o nome. É bem perto de Salvador. Mas ele ficou lá até os dezoito anos. Depois ele foi para Paulo Afonso, quando foi construída aquela usina hidrelétrica. Ele trabalhou lá, né? Na usina. Aí ficou lá, foi o primeiro emprego dele. Ficou lá, vários anos. Com dezoito, dezenove anos ou vinte, ele foi trabalhar lá na área da contabilidade, mais ou menos. Depois ele foi trabalhar no Paraná, depois ficou um pouco em São Paulo. Aí ele veio para Brasília, em 57, de novo para trabalhar na Companhia de Força e Luz [inaudível]. No Paraná, também, ele ... No Paraná, ele trabalhou na KLABIN [Empresa produtora integrada de celulose, papel e produtos de papel] também. Em São Paulo que parece que ele trabalhou na Companhia de Força e Luz também. Aí veio para Brasília. Ah, tá. E a sua mãe? Minha mãe, ela só trabalhou como costureira para ajudar meu pai para gerar renda. Mas, assim, ela só formou... Minha mãe, ela foi concebida na Fazenda Lajes, que fica aqui dentro do Distrito Federal, em 41 (1941). Minha avó casou bem novinha, acho que com quatorze, quinze. Aí engravidou logo em seguida. E o Simplício, que era o marido dela, morreu. Ela estava grávida da minha mãe, teve a criança, mas quando foi nascer para questão do parto e etc, ela teve que ir para Unaí. Porque é só pegar no mapa, tem um caminho certo, tranqüilo, foi lá para Unaí. Então minha mãe nasceu, viu a luz, assim, no dia em Unaí. Depois, ela volta e fica morando dentro da Fazenda Lajes. Ali ela fica. Um pouco depois, quando ela fica com mais idade, ela fica com meu avô Francisco_ que depois da minha avó ficar viúva, ela fica uns três anos viúva e, depois, ela casa com o Francisco, Francisco Guimarães. Aí ela vai e, é ... E esse é meu avô. Por isso que eu tirei meu nome dele. Minha mãe sai de Unaí e vai viver lá na Fazenda Lajes com meu avô 5
Francisco e minha avó. Um pouco depois, ela entra numa escola de internato lá de Formosa, quase Dominicana. Fica um pouquinho estudando no interior de São Paulo numa escola interna. Também depois ela, com 18 anos, casa com meu pai, em 59. E vocês são, você tem mais irmãos? Tem a Vera, que nasceu, foi a primeira. Os meus pais se casam em 59 e já têm a Vera, em 60, que nasceu aqui dentro do DF. Depois têm eu, 61, e, depois, têm meu irmão de 63. Vera, Luiz e Ernesto. São os três. E aqui em Brasília seu pai exerceu que atividades? Ele foi administrador de Taguatinga, acho que foi o segundo ou o primeiro. Acho que deve ter sido o segundo administrador, porque antes tinha a Prefeitura do DF. Aí era uma prefeitura só. Depois criou as Administrações. Aí tinha os administradores nas satélites, tinha o prefeito que era o Paulo de Tarso. Acho que foi na gestão do prefeito Paulo de Tarso que, inclusive, deixou excelentes obras que eu até tenho aí sobre socialismo, sobre o cristianismo. Um dos melhores do PDC (Partido Democrata Cristão), de esquerda, foi Paulo de Tarso, que depois até foi ministro da Educação. Aí meu pai foi administrador. Mas depois ele volta a trabalhar em várias... Na Companhia de Força e Luz aqui do DF. Aí mais tarde, anos depois, ele vai também para a Secretaria da Fazenda; depois para Secretaria de Segurança na Divisão Financeira da Secretaria de Segurança, depois Secretaria de Serviço Social e acho que na Secretaria de Serviço Social ele se aposenta em 89, porque ele não gostava do Roriz. Aí quando Roriz vai, parece que, ou ele vai ser a primeira vez governador, eu acho que foi a primeira gestão dele, uma coisa assim, aí meu pai se aposenta. Saiu. E dali em diante ele está aposentado. Qual o nome da sua mãe e do seu pai, por favor? Silvino Fernandes Souza e Heloína Maria Freire de Souza. Eles moram, hoje, na 109, ficam dois ou três dias, e num sítio, que é da minha avó, porque esse sítio é fruto da indenização da desapropriação da Fazenda Lajes. Porque meu avô Francisco morreu em 66, e aí minha avó ficou morando com a gente. A partir daí, a gente, por isso que eu tenho, eu sempre entendi que eu tinha até duas mães, era a minha mãe e minha avó, né? Porque ela sempre me criou também. Aí ela vai e, um pouco depois, a Fazenda Lajes é desapropriada. Com o dinheiro da desapropriação comprou aquele sítio lá onde mora 6
minha avó, ainda hoje. Lá um pouco depois de Sobradinho, ali na área rural de Sobradinho, área titulada velha até. É cerca de setenta e poucos hectares. FORMAÇÃO BÁSICA, ESTUDOS SUPERIORES E FORMAÇÃO JESUÍTICA E as escolas por onde você passou, onde você estudou? O ensino fundamental, o 2º grau... Primeiro eu estudei, acho que foi o pré-primário, na 108. Aí eu me lembro até quando eu era pequenininho, eu me lembro de estar caminhando lá. Eu acho, eu tenho quase certeza, que eu recebi a alfabetização foi lá, lá naquela escolinha. Uma das escolas mais antigas do DF é a 108 lá. Aí eu me lembro lá. Depois, mais tarde, eu vou para 305. Na 305, eu fico até a 6ª série acho, ou não, 5ª série. Depois a 6ª e a 7ª, na 103 Sul, colégio público lá na 103 Sul. A sétima e a oitava, eu fiz no Pio XII. E o terceiro grau, eu fiz numa escola chamada Laser, que já acabou, que funcionava lá no La Salle, ali da 506 Sul. Ali que eu fiz o 2º grau. Depois eu vou, eu entro na UnB, em 80 (1980) para Química. Estudo lá um ano e meio. Já queria ser padre. Desde 79, eu estava conversando com os Jesuítas. Eu vou e vi também porque a Universidade estava fervilhando em debates interessantes e eu lá só com aquelas fórmulas químicas, né? Eu até gostava da química orgânica, mas não tinha nem comparação dos dois assuntos. Eu achava, né? A química industrial dentro do contexto do desenvolvimento químico do Brasil, até que me interessava um tiquinho as coisinhas, mas os grandes debates ficavam fora da minha área, né? Eu já queria... Fiquei mais lendo no período em que eu estive lá, lendo livros na Biblioteca da UnB. Qualquer coisa! Aí, tranquei a UnB em 81, no meio de 81, voltei para o Banco do Brasil, que eu tinha sido menor, em 77 no Banco do Brasil. Voltei como contínuo para o Banco do Brasil. Fiquei como contínuo no Banco do Brasil de 81 a 84. Em 83, eu fui lá na Administração e tinham quatro cidades no Brasil que me permitiria entrar nos Jesuítas. Era Montes Claros, São Leopoldo, uma lá em São Paulo parece, e uma lá no Nordeste que eu esqueci. Aí eu pedi transferência para qualquer uma daquelas quatro. Calhou de ter vaga em São Leopoldo. Eu fui para São Leopoldo, porque os Jesuítas têm quatro províncias no Brasil. Tendo quatro províncias, você tem quatro unidades que se chamam preparatório para o noviciado. Que a ordem dos Jesuítas é diferente de todas as outras, porque após o noviciado você faz os votos. Então para entrar no noviciado era uma pedreira. Você precisa de anos de acompanhamento e etc. Eu tive que ir para uma dessas quatro cidades para depois ir para o 7
noviciado. Eu consegui ir para São Leopoldo. Eu chego em São Leopoldo em 83 e passo a morar com eles lá, a estudar com eles e tudo o mais. Em 84, eu passo a ter aula, à noite, na UNISINOS (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), né? Que é a Universidade deles mesmo. Fica em São Leopoldo. Acho que é a quarta maior, grande [inaudível] a universidade. Eu adorava porque tinha uma biblioteca velha para burro e muito antiga e linda lá com um acervo gigantesco e bom. Eu estudava à noite, trabalhava à tarde e tinha aula com os jesuítas de manhã, morando lá no Colégio Cristo Rei. O Colégio Cristo Rei foi onde o Frei Beto esteve, em 68, se escondendo também dos militares antes de ser preso. Depois eu saio, em 83, e vou para o noviciado. Em 85, no começo, vou para o noviciado em Cascavel, que é o noviciado da província do Sul dos Jesuítas. Fiquei lá o ano de 85 inteiro até sofrer um acidente que foi lá para setembro. Fiquei lá mais um mês e meio até recuperar, mas era impossível ficar porque o braço estava totalmente aleijado. Ele mal fazia isso aqui. [mostra no corpo] Até aqui ele parava. Aí eu saio, voltei para cá e retomei o estudo de História no CEUB por transferência, e passei por vestibular, no meio de 86, para Direito. Formei em 91. Depois eu fiz uma pós-graduação na Escola Superior do Ministério Público, né? Que é latu sensu. E depois já passei, antes, por advogado da Caixa, passei para promotor e depois para procurador. Então, só para gente pegar alguns detalhes. Quando você vai para São Leopoldo, lá, com os Jesuítas, o que você estuda? Qual o conteúdo? Lá tinha aula de tudo! De tudo! Porque o método deles, por incrível que pareça, o método deles é muito parecido com o da Escola Superior do MP (Ministério Público), onde eu estudei. O método deles como é que é? Eles chamam exímios padres especialistas, porque os jesuítas têm 12, 13 anos de formação. Aí eles chamam essas pessoas para dar palestras, porque aí a pessoa que está se preparando para ser vai ter como que um apanhado do futuro trabalho que vai fazer. Por exemplo, vinha um especialista em Psicologia, vinha um especialista em História, especialista em como é que é? Filosofia? Filosofia. Também até aquele [inaudível] Friederich, que é especialista em... Aquele negócio de telepatia, aqueles negócios. Até coisa... Vinha um cara, por exemplo...
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Parapsicologia. Parapsicologia. Que escreveu vários livros. Vinha um especialista em rádio, por exemplo, e dava palestra para gente, porque tinha uns irmãos que trabalham nessa área. Tinha gente ... E daí uma porção de gente. Tinha um, por exemplo, que vivia com os índios, depois ele foi até assassinado, porque ele vivia enculturado lá com os índios. Ele tinha a orelha furada, tinha o vestuário todo. Ele ia e dava aula para gente como jesuíta. Não eram bem... Tinha também aulas de francês, tinha aulas de alemão, tinha um pouco de inglês também, tinha aula de etiqueta, tinha aula de escrita também, português e outras coisas. Era bem mesclado. A mesma coisa que eu tive depois na Escola Superior do MP, onde foram mais de cinqüenta ou sessenta. Por exemplo, vinha o promotor de falências, o juiz de família, o promotor de família, o de entorpecentes, o juiz lá da VEC (Vara de Execuções Criminais), ia e dava aula para gente. TRABALHO DURANTE A FORMAÇÃO JESUÍTICA E nesse período que você estava lá, você trabalhou também? Trabalhava de manhã fazendo faxina da casa e trabalhava no sábado. No sábado de manhã, a gente trabalhava até duas horas. Aí tinha trabalho. Era inclusive trabalho braçal. Plantar coisa, fazer buraco, uma porção de coisas. Eles eram, só tinha ... O período em que eu tive com eles, eu trabalhei como contínuo no Banco do Brasil, lá na agência. Até liderei greve. Uma das melhores greves que teve lá eu participei. A primeira greve geral de oitenta... Foi em 84, 83 acho, foi a primeira greve geral. Quase que eu fui até para o congresso da criação da CUT (Central Única dos Trabalhadores), porque eu participava do movimento sindical e trabalha à tarde no banco. Você fez concurso para contínuo? Como é que é? Não. Eu fiz como que um testezinho, que em 77 tinha isso para menor no Banco do Brasil. O Banco do Brasil ia nas escolas e avisava: “Quem quer trabalhar como menor no Banco do Brasil, pode fazer uma provinha simples lá, direito, um processo de seleção simplificada, e aí vai”. Aí, em 77, eu fui e trabalhei uns sete ou oito meses como contínuo no Banco do Brasil lá na agência central. Depois, os ex-menores podiam, naquele tempo, entrar sem concurso para contínuo. Não escriturário, e sim contínuo. Então eu passei, sem concurso, voltando para contínuo. Aí fiquei como contínuo lá. Fiquei de 81 a 84 como 9
contínuo. No final de 84, eu ia para o noviciado, eu fui lá e pedi demissão. E pedi demissão e... Aí, já em São Leopoldo. É. Quando eu fui aprovado para o seminário, para o noviciado, porque lá já era seminário, pelo menos preparatório, quando eu fui aprovado para noviciado, eu pedi demissão. Até eu cheguei lá, expliquei. Aí, eu pedi, saí e fui. Depois eu entrei na Caixa, em 89, por concurso, né? Fiquei na Caixa de 89 até 93. Esse estágio de noviciado, como é que é? É um estágio dos mais intensos. São dois anos. Você é um tipo, é provação e aulas. Você tem aula o dia inteiro. Você tem aula de manhã, à tarde e à noite. E nos finais de semana, ainda não pára de trabalhar, porque, no final de semana, é de meio-dia de sábado até umas oito horas de sábado, da noite; e, no domingo inteiro, a partir já das seis da manhã até umas oito, nove da noite, é trabalhar em comunidades de base. O seminário dos Jesuítas, o noviciado, ficava em Cascavel, inserido no bairro de bóia fria, Tarumã. Tarumã, Interlagos. É inserido mesmo. Aí a gente trabalhava com o pessoal dos bóia fria. Aí eles iam quatro da manhã. Era com esse pessoal que a gente trabalhava. Naquele momento, a gente, porque os Jesuítas é uma ordem bem inserida no movimento social tinha o MASTRO – Movimento dos Agricultores Sem-Terra da Região Oeste do Paraná, que é o precursor do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra)_ a gente tentava recrutar, fazer o pessoal. Claro que a gente fazia Comunidade Eclesial de Base, que é cada noviço tinha dois, três grupos que era de oração, de debates, assim, direito, que era feito entre famílias. Você ia lá nas casinhas de madeirinha, reunia quatro, cinco, oito famílias e fazia reuniões. Pegava um texto bíblico, debatia e debatia os problemas. Tentava, também, incitava, animava eles a filiar-se no Sindicato dos Trabalhadores Rurais e no MASTRO. O MASTRO fazia ocupações dentro de latifúndio para forçar o processo de reforma agrária. Aí a gente participou. O noviciado da gente era bem esquerda! Ele participou, foi feita a Carta dos Trabalhadores lá da coisa. Eu fui um dos que participou, porque teve um grande congresso lá, numa grande, numa coisa esportiva, e todas as principais entidades de esquerda da cidade, de Cascavel, participaram para tirar uma carta, de um tipo de um programa mínimo, assim que unificasse. Era isso!
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ESTUDOS SUPERIORES, BRASÍLIA E aí quando você retorna, então, para Brasília depois do acidente? Foi em 85 que você retorna? Final de 85. Final de 85. Final de 85? Aí você retorna e, então, você retoma seus estudos no curso de História. Eu voltei, acho que foi em outubro ou novembro. Quando eu voltei, eu fui para o Sarah Kubitschek. Eu corri lá. Eu fui nas universidades que tinham. Não podia ir para a UnB, porque o meu projeto era passar num concurso e trabalhar. A UnB (Universidade de Brasília) não tinha aula à noite, só tinha aula de manhã. Direito, só de manhã. Uma coisa absurda que até está errado. Depois foi consertado isso. Aí eu fui e tentei nas universidades privadas. Eu fui lá no CEUB (Centro Universitário de Brasília) e pedi transferência, porque eu tinha os documentos do curso de História, que eu tinha feito um ano na UNISINOS. O ano de 84 inteiro eu fiz lá. Fui aluno do Raul Ponte, que deu aula para mim, lá e etc. Aí eu fui e consegui transferência para UnB. Não, para o CEUB, para continuar História. O primeiro semestre de 86 foi História. Depois, eu fiz o vestibular, na metade de 86, para Direito. Passei para Direito e comecei o curso de Direito na metade de 86. Foram cinco anos. Foi até a metade de 91. E aí concluindo seu curso de Direito, você vai trabalhar onde? Concluí o curso e... Eu estava trabalhando desde 89 na Caixa Econômica. Quando eu voltei para cá, eu fiz inscrição para concurso. Aí o Sarney suspendeu os concursos por um ano e meio! Foi uma loucura até. Só depois, de repente, é que ele disse: “Vamos fazer como estava”. Aí fez a prova e eu passei. Eu entrei em 89 para Caixa. Eu estava como escriturário da Caixa. Quando eu concluí o curso eu estava estudando e trabalhando, né? À noite, estudava e, à tarde, trabalhava. Quando eu me formei, eu fiz de manhã, eu usei a manhã para fazer a pós-graduação, a Escola Superior do MP, que é a Escola do Ministério Público do DF e Territórios. Foi até 92. Foi de 92 a 93. Quando eu estava terminando, eu passei para promotor de Justiça. Fui também um ano advogado da Caixa.
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TRABALHO COMO ADVOGADO DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Como advogado da Caixa, qual era o seu trabalho? Defender a Caixa. Defender a Caixa! Sendo que eu defendia muito mal assim. Quando era um mutuário pobre, as defesas eram só formais. Pah! Aquele mundo de besteiras, direito. Porque ele não tinha muito o que fazer. Tanto que os melhores, os advogados da Caixa, que é a chamada ADVOCEF (Associação dos Advogados da Caixa Econômica Federal), são tidos como exímios processualistas, porque na matéria de fato mesmo, em geral, a Caixa não tem defesa, né? Eu não vou também fantasiar que tem defesa, quando não tem. Então eu faço aquelas defesas formaizinhas e, pronto, acabou, né? Agora, o que eu fiz de bom como advogado da Caixa, foi enfrentar o Sebastião Curió, que é o carrasco lá do Araguaia, dos colonos de Ronda Alta, que prendeu os dois padres: Francisco, Camiolo. Eu até visitei eles lá, em 83, na Superintendência da Polícia Federal. O Curió, ele era do SNI (Serviço Nacional de Informação). Ele foi para o Araguaia, em 68, e ficou lá. Destruiu, matou mais de oitenta pessoas, comandou aquelas equipes de extermínio, lá, da guerrilha do Araguaia. Depois ele continuou operando dentro do Exército, dentro do SNI, contra os colonos de Ronda Alta, contra aqueles outros colonos lá, do Amapá, do Pará e outros. Só que em 1980 foi achado ouro em Serra Pelada. O maior garimpo a céu aberto do planeta, né? Foram extraídas quase quarenta toneladas de ouro lá. Isso tornou-se o reduto do SNI. Tanto é que até o Figueiredo, foi lá e tudo o mais. Aí o Curió foi para lá para controlar toda aquela área. Foi designado pelo SNI para controlar. A ilusão dos milicos era que pegariam ouro o bastante para pagar significativa parte da dívida externa. Então era um verdadeiro campo de concentração, mesmo assim, contra a profissão de garimpeiro que foi até ressuscitada com aquela desgraça lá. Só que o Curió chegou em 84 e traiu os militares! Ele fez uns acordos com umas empresas grandes americanas compradoras de ouro, rompeu com os militares e entrou em atrito com o próprio Governo Militar. Aí ele ficou presidente da cooperativa de crédito, da cooperativa de garimpeiros, e inventou que tinha um resíduo para receber da cooperativa. Ele queria receber cerca de, era bem assim, se brincar, uns cento e vinte milhões da Caixa, uma quantia imensa, assim, de dinheiro. Aí quando eu era advogado, eu fui, estava em final. Ele entrou com uma pequena ação, lá no interior, pedindo para declarar que o direito de todos os garimpeiros, no caso de nenhum deles contestar, citados todos por edital e não, nominalmente, e, sim, garimpeiros, se ninguém contestasse, estaria declarada a doação presumida de todos os direitos deles à cooperativa, 12
que é uma ação teratológica, assim, que não existe. Uma ação maluca. Aí depois de entrar com aquela ação, com um juiz que era ligado à cooperativa, ele entrou, aqui em Brasília, com uma ação lá na 7ª Vara. E ganhou a ação! Ele ia receber! Aí a gente teve que fazer uma ação chamada Querela Nulitatis Insanabilis, que é uma ação dificílima, quase que não existe no ordenamento. E aí conseguimos anular tudinho. Foi até o Supremo. Foi o que eu fiz de melhor quando eu era advogado da Caixa, foi isso. E no Banco do Brasil? [interrupção técnica na entrevista] Uma coisa que eu me orgulho é no período da Universidade, mas é ... Posso falar uma coisa? Sim, claro. Sobre o seu período na universidade? É. Tem uma coisa que eu também tenho muito orgulho que é do meu passado, coisa assim, é o que eu fiz também na universidade, no CEUB, né? Eu passei lá cinco anos e meio. Desses, foram quatro anos e meio, mais ou menos, enquanto diretor do DCE. Eu fui três vezes diretor jurídico e uma vez secretário geral. Ainda deixei uma gestão lá, uma chapa que eu que ajudei a formar. Eu me orgulho muito, especialmente, porque, em 1988, a gente conseguiu o melhor acordo de todos aqui, da Universidade de Brasília, porque a gente colocou a mensalidade do CEUB, por mês, em oitenta por cento de um salário. Coisa que hoje acho que está uns três salários ou coisa assim. Naquele momento, também a Universidade foi quase toda depredada, foi toda pixada, o homem teve uma despesa imensa, o [João] Herculino, né? Quer dizer, me expulsou. Eu consegui voltar com mandado de segurança. Entrou com queixa-crime contra mim, me citando por edital. Entrar com queixa-crime citado por edital é a máxima covardia que pode ser feita com uma pessoa, porque ele tinha a minha ficha e tinha meu endereço e, no entanto, entrou com queixa-crime, porque eu teria falado que ele era um lacaio do imperialismo_ coisa que eu acho que sempre foi mesmo_ aí ele entrou e eu fui inocentado sem nem precisar me defender, né? Por crítica. Disso aí eu tenho muito orgulho, porque, naquele momento, eu que legalizei o DCE (Diretório Central dos Estudantes) do CEUB, legalizei o DCE da UDF, eu acho, da UPIS, e eu ainda participei do Movimento Estudantil da UnB, na gestão Sancho Pança, que eu ajudei a fazer a campanha, fazer material e tive que fazer o trabalho. Era com a filha, o Sancho Pança era liderado pela filha de um professor Luis não sei o que lá, lá da UnB, de cabelos brancos. Luis, professor de História. Luis não sei o que lá. Eu 13
achei uma coisa boa, marcante para mim, que me marcou muito e onde eu aprendi muita coisa foi nisso. E apesar de ter a maior parte das notas_ foi quase tudo S, MS, e a média acho que foi nove_ ainda assim, ou seja, além de estudar direito, correto, aprender; participei intensamente com todas as tendências de esquerda. Tinha de tudo, até ala vermelha, convergências, tudo! [inaudível]. Todos os movimentos eu conheci e fiz amizades, que eu me orgulho também até hoje. Excelentes amigos vieram, são daquele momento da minha vida, né? Bem, da Caixa Econômica, você trabalha na Caixa Econômica como advogado até mil... Foi de 92 até agosto de 93. Agosto de 93. Eu fazia greves. Aí quando o Collor caiu, e eu até fui lá para assistir, estava tendo um concurso para advogado. Foi Deus, até! Eu assumi depois do Collor cair, em outubro de 92. Aí eu entrei para advogado. Da Caixa? Da Caixa. Ok. E em 1993 ... Era até, só um detalhe, era até gozado. Eu era sindicalista na Caixa. Os principais comandos de greve, em todos eu estava. E lá na Superintendência, basicamente, eu é que coordenava a maior parte da coisa. E aí eu estava fazendo coisa para ser caixa. E alguns engraçados lá, até me reprovaram para ser caixa, né? Quer dizer, eu era nível 18 e 19. Para caixa, eu iria para vinte e dois, vinte e três. Aí tinha um concurso para advogado da Caixa. Quem passasse iria para 81, né? Eu fui e passei em primeiro lugar. Foi pah! Depois até eu agradeci ao cara que me reprovou, né? Eu falei: “_Muito obrigado! Graças ao bom Deus.” Porque se não me reprovasse, eu estaria como caixa, ralando, enquanto eu vou estar lá, trabalhando no Direito, ganhando acho que três ou quatro vezes mais. Muito bom.
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E aí como advogado você ficou um ano, mais ou menos? Menos de um ano! Ainda deu tempo de eu ir lá em Marabá. Eu fiz, mandei um plano, uma estratégia processual para o presidente da Caixa, falando como que poderia ser feito. Aí ele me designou, eu e Diocleciano Batista, para fazer isso. Diocleciano fez até um livro sobre essa ação, decorrente desse trabalho que a gente fez junto. É um dos melhores advogados lá da Caixa. Eu fui para Marabá, fiquei lá quase uma semana só reunindo provas. Depois eu voltei. Aí fizemos a ação e ganhamos a ação. Foi até o Supremo e sepultou de vez o pleito do senhor Sebastião Curió, né? E daí você foi para onde, saindo da Caixa? Ah! Eu saí da Caixa em agosto de 93. Aí eu assumi para promotor de Justiça no DF. Fui ser promotor de Justiça. TRABALHO COMO PROMOTOR DE JUSTIÇA Concurso? Concurso, né? Fui promotor de Justiça por dois anos. Atuei lá em que área? Eu estou em Vara da Família, a pior das Varas da Família do DF. Acho que é a 1ª ou 2ª Vara de Família, lá de Taguatinga. Por mês, às vezes, tinha que dar quinhentos pareceres. Era uma maluquice sem tamanho. Quer dizer, a média de pareceres na Procuradoria da República, às vezes, é cinqüenta, trinta. Lá, eram quinhentos por mês. E além de ter quinhentos pareceres por mês, ainda tinha que ir em audiência, que eram catorze audiências por dia. Quer dizer, uma atrás da outra, né? Atuei, especialmente, em investigação de paternidade, porque eu era muito bom, inclusive. Era bom mesmo! Eu e uma juíza, a gente cercava as presas, assim, o coitado do cara tinha que reconhecer, porque não tinha outra escapatória. A gente botava o cara ao lado da criança, assim, do bebê, via a forma da orelha, a forma do sangue, a forma do nariz, bolava jeito de fazer teste. Tem quatro ou cinco testes. Se a mãe não podia pagar esses testes, que não tinha uma lei, porque foi um juiz que é o Leôncio, até um amigo meu, que fez, que é a Lei do DNA de graça. Naquela época não era de graça. Mas tinha teste do RH, uns três teste de sangue que dão um grau de probabilidade muito bom. Porque o problema é que, às vezes, tinha, primeiro que tinha sem-vergonha que gerava a criança e não queria nem saber. Mas tinha cara também que namorava com a moça, só um mês, uma coisa assim, e ela ficava grávida e ele mesmo, às vezes, tinha 15
alguma dúvida. Ele dizia, né? Para gente levar a pessoa a assumir, que no fundo eu acho que ele não nem tinha dúvida, no fundo ele tinha alguma convicção de que ele era o pai, porque se ele tivesse tanta dúvida, ele pagaria o DNA, né? Mas se ele fizesse um pequeno testinho de sangue, aí já dava para ter alguma certeza. Fazia aquilo por cem reais, duzentos reais, e ele ficava com mais convicção. Porque tem teste que exclui. Porque um pai que é A e casa com sangue B, não pode ter um filho que tenha sangue acho que é O, ou AB, uma coisa assim. Então tem coisas que excluem na hora. Depois eu também trabalhei na VEC. Trabalhei na Vara de Entorpecentes. Na Vara de Entorpecentes foi uma excelente experiência com o Juiz Enos. Era um velhinho, quase no final da magistratura dele. Aquele velhinho era gente boa. Chegava, às vezes, o cara, o usuário, coisa assim, aí tinha, por exemplo, um ou outro aidético. O bicho doente, doente, você via ele morrendo, quase, porque estava começando esse negócio. Aí o juiz: “_Ah, promotor, vamos absolver esse aí porque ele tem aquele direito de coisar”. Aí, eu: “_Ah! Abro mão de todas as provas”. Os policiais que estavam para depor, não deporiam, não formava prova. Aí o juiz tinha que absolver, né? E absolvia, tranqüilo. O advogado é que, às vezes, era burro, porque o advogado nem entendia como é que estava acontecendo aquilo e falava: “_Não, mas ele abre mão das provas, mas eu insisto que as testemunhas de defesa terão que ser ouvidas!”. Aí o Juiz: “_Doutor, se não tem prova de acusação, não tem acusação. Eu vou absolver! O que é isso?”. Aí eu: “_Ah!”. Foi bom! Eu atuei muito na VEC também. A VEC é a vara que acompanha os presos na penitenciária. Eu era o que mais visitava. Ficava na penitenciária direto, né? A primeira vez que eu pisei naquela penitenciária da Papuda, foi em 83. Eu tinha vinte e dois anos. Eu já queria ser padre. Eu pensei: “Visitar os presos. É uma coisa boa, né?”. Está até lá na Bíblia. E ao mesmo tempo era interessante para ver. Aí eu fui lá para ver. Eu fui a primeira vez fazer visita para eles, em 83, depois, quando eu era promotor da VEC. Antes, quando eu era da universidade, eu fui militante do Movimento Negro Unificado. Fui até secretário do GT Ouro Africano, do MNU, né? Participei do Congresso Nacional do MNU, falei lá na frente. Aí nós fizemos um trabalho sobre segurança pública, mostrando como tem um viés racista que leva só pessoas que sejam mais negras, que são aprisionadas, ou seja, tanto a polícia aplica esse prisma, como promotoria e como Justiça. Os branquelos se dão bem, são absolvidos fácil, enquanto que as pessoas negras, como que gera quase que por parte de alguns branquelos uma cargazinha de ódio, que eles descontam e levam a pessoa à prisão. A gente até mostrou aí... Bom, como promotor da VEC eu visitei para burro os presos e me orgulho de conhecer 16
bem para burro os pátios da prisão, como é que é a estrutura toda lá. As oficinas e tudo o mais, área de teatro, a biblioteca. E depois eu também atuei muito com os menores lá no CAJE (Centro de Atendimento Juvenil Especializado). É outra área que gosto e tenho excelentes recordações. Quando eu fui para lá, tinham cento e quarenta menores presos no CAJE. Quando eu saí, depois de uns seis meses que eu trabalhei nessa área, tinham uns oitenta e poucos. Eu liberei, era o campeão de liberação de menor, né? Porque quem for trabalhar no CAJE e ver aqueles menores... Aí tu vai, conversa com um menorzinho de 15 anos, de 16, 17: “_Tu roubou o cara com arma?”. “_Roubei, porque estava passando necessidade, tio. Mas eu não vou fazer mais isso não”. É criança! Ia para casa tranqüilamente. Aí eu também me orgulho muito, porque hoje tem de quatrocentos a quinhentos menores, porque ... E também participei, lá, de coisas que levaram a um dos primeiros pedidos de impeachment contra o Roriz. Foi em 94, por causa desse trabalho. O Roriz, ao invés de fazer as unidades de semi-liberdade, onde o menor, por exemplo, faz uma coisa errada, ele passa o dia lá e, à noite, vai ficar com a família dele, que é muito mais sadio, não fazia esse tipo de unidade. Ele insistia só em fazer um verdadeiro campo de concentração. Ao invés de fazer em cada cidade satélite, pequenas unidades de trinta, quarenta menores que não é, não tem aquele universo carcerário, ele fazia aquela unidade gigantesca querendo atulhar menores. Porque aí tudo o que tem de mais bestial floresce num ambiente desse, enquanto que num pequeno ambiente, não. Você pode ter um convívio muito maior, principalmente, se o menor ... Se a família dele é lá do Gama, onde é que ele devia estar encarcerado? No Gama! E, se possível, devia sair durante o dia, e ir na escola e depois voltar, né? Se é meio complicado, ele pode até dormir lá. Mas numa unidade pertinho de sua família, onde o pai, o irmão, o tio, o primo e a mãe possam visitar ele. Aí ele recupera. O Roriz não fazia isso, e aí gerou um dos primeiros pedidos de impeachment contra o Roriz, em 94, porque ele não fazia essas unidades. E se ele não faz essas unidades, e não faz até hoje, porque a gente tem um verdadeiro campo de concentração naquele CAJE, a solução é mesmo soltar os menores, a maior parte. Eu trabalhei em outras também. Trabalhei em Falências, trabalhei em Vara Cível, trabalhei em Vara Pública, porque o promotor que está no início, ele pipoca. Onde tem um problema ele, vai substituir. Você não efetiva numa Vara. Aí tem esse problema. Aí a gente ficava circulando. Eu aprendi muita coisa, porque eu atuei em várias áreas, né?
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E depois? Aí, em 95, eu passei para procurador da República em junho. Outro concurso. Fiz outro concurso e entrei para procurador da República, em junho. Eu tinha passado para assessor legislativo da Câmara Distrital, na área de Direitos Humanos, em oitavo lugar, uma coisa assim. Não quis ir para lá, porque eu passei para lá e passei para promotor. Para mim, era mais interessante Direito, né? Dentro da Promotoria. Aí eu fui. E passei em outros concursos também. Para Polícia Federal, para papiloscopista, para outras coisas. Eu preferi aí, depois, em 95, eu fui para procurador da República. Aí procurador da República, eu ia para Goiânia pela colocação que eu tinha, porque quando a gente entra para Procuradoria, você, em geral, não fica nas grandes cidades, porque não tem vaga. Você tem que ir para outro lugar. Se você está numa colocação mais ou menos, aí você pode ir, às vezes, para um lugar assim próximo. Se não, você tem que ir lá para as fronteiras. Um Subprocurador, chamado Gurgel, que é um especialista da gente em área ambiental, quando soube que eu passei, porque eu já tinha até um certo nome_ militante em Direitos Humanos e coisa assim_ ele foi e falou: “_Luiz, você vai para o Acre! Tem que ir para o Acre!”. Desse jeito. Cantando loas para o Acre. Lembro dele dando saltinhos assim. Ele é meio forte, assim, direito, ele todo alegre, me empurrando para o Acre. Aí eu: “_Bom, eu posso ir para Goiânia ou posso ir para o Acre”. Aí ele: “_Não, tem que ser Acre. No máximo você fica lá um ano”. Aí eu fui para o Acre. Fui para o Acre em 95. Cheguei lá no Acre, em um mês lá, eu já estava fazendo, fiz um relatório, acho que foi cento e oitenta páginas, parece, mostrando os crimes do Governador. Num mês só. CASO HILDEBRANDO PASCOAL, ACRE Quem era o Governador? O Orlei Cameri. Foi em um mês. Depois, um pouco depois, caiu um avião dele, com um traficante dentro. Ele comprou um Boeing. O cara era tão rico, que ele comprou uma frotinha de Boeings. Comprou um Boeing. Imagina o preço de um Boeing! Ele foi e comprou um Boeing, e aí o Boeing veio dos Estados Unidos, e o motorista era ligado ao cartel. Para você ver, né? E aí o Boeing foi introduzido no Brasil de forma ilícita, aí o Boeing foi apreendido pela Receita (Receita Federal). Ele perdeu o Boeing. O Boeing foi 18
apreendido, em 95, e ficou preso, principalmente, por causa da minha atuação. Depois eu processei Everaldo Maciel, porque ele liberou. Durante uns seis anos, mais ou menos, o Boeing ficou preso. Aí, foi. Depois teve brigas com o Governador durante todo o tempo lá. Aí esbarrei no Hildebrando. E teve ameaça de morte também: duas. Mais tarde, julho de 96, eu volto para Brasília. Sim, mas, e o caso Hildebrando, como é que foi? O caso Hildebrando era, na verdade, o caso Orlei Cameri. Orlei Cameri era, acho que a maior fortuna do Acre deve ser dele. A segunda deve ser do Narciso Mendes, né? Narciso Mendes é aquele “Senhor X”, que fez aquela escuta dos deputados e etc. Cada um deles era extremamente rico. O Hildebrando tem postos, uma rede de postos de gasolina, tem uma das maiores construtoras, controla boa parte de balsas e tudo o mais. É uma fortuna imensa! O outro tem emissora de televisão, emissora de rádio, cerâmicas, uma porção de firma, e coisa para vender remédio. Tudo eles mordem em tudo que é lugar. Aí esse cara aqui, [mostra a mão fechada], ele era daqueles caras latifundiários, seringalista, invasor inclusive. Só para você ver quem era o Orlei Cameri. Ele foi indiciado por trabalho escravo de seringueiro. Em 91, ele foi indiciado, porque reduzia trabalhador a coisa. Ele invadiu áreas indígenas dos Kampas. Eu que processei ele por isso. Ganhei o processo em primeira e segunda instância. Processo pesado mesmo contra ele. Deu uns quarenta milhões de indenização para os índios. Acho que, se brincar, é a maior sentença de indenização indígena, eu acho, ainda é essa aí. Orlei Cameri, ele botou para chefiar a área de segurança um coronel da PM, chamado Hildebrando Pascoal, que era coronel da PM, e começou a carreira de matança dele em 81. Lá atrás, ele e o irmão dele foram e mataram um major do Exército. Foi a primeira morte. Assim, o irmão dele foi deixado, perdeu a patente e tudo o mais. Ele [Hildebrando]conseguiu manter e ficou afastado vários anos. Ele era coronel da PM e chefiava. E tinha o primo dele, chamado Aureliano Pascoal, que era também coronel e que tornou-se, na gestão do Orlei Cameri, o comandante da PM. Ao mesmo tempo, ele tinha um outro irmão chamado Pedro Pascoal, que era casado com Vanda Pascoal, que era Procuradora-Geral de Justiça, que chefiava todo o MP acreano. Então, de um lado, a família do Hildebrando controlava o MP acreano, do outro lado, ele controla a PM. E ele era deputado estadual em 94, depois, em 98, deputado federal, o mais votado de todos do PFL (Partido da Frente Liberal). Ao mesmo tempo, com vários delegados no bolso dele, especialmente o delegado Baima, que depois quando eu estive lá em 99, na CPI do 19
Narcotráfico, aí o Baima confessou tudinho. Baima era usuário de cocaína, né? Ficou preso um tanto. Aí desequilibrou, totalmente, emocionalmente, e tudo o mais, a gente apertou, e ele foi e confessou tudinho. Ele entregou o Hildebrando. Aí resultado: várias áreas da cidade eram controladas, que eles são distritos policiais, né? Delegacias circunscricionais. Hildebrando é que mandava. E mandava na PM inteira e mandava também no MP. Eu esbarrei com ele, porque foi antes dele ficar louco. Porque foi criado uma Companhia de Operações Especiais chamado COE, onde ele botou um capitão chefiando, e essa unidade de elite da PM que concentrava quase tudo de poderio, de arma, de equipamento, era uma unidade dentro da PM. Um bocado de coisa, miséria, e essa unidade rica. E o pessoal dizia: “_Um bando de psicopata que tomava cocaína e o diabo a quatro, ficava sem parar, sem dormir nem nada, só para atacar e matar gente”. Aí quando eu estava lá, começou a aparecer corpos, vários corpos. O Esquadrão da Morte existe desde 87, lá. Foi criado durante o Governo Flaviano de Melo, que foi o Governo também em que o Chico Mendes teve embates. E depois um outro. Assim, então, foi naquele momento que foi criado o Esquadrão. Foi em 86. Esse esquadrão, ele subsiste dentro da PM e depois subsistiu, também, dentro da Polícia Civil. E os dois ramos até brigaram. Aqui era o delegado Enoque Pessoa, [mostra com as mãos] que foi depois morto pelo grupo do Hildebrando. Inclusive a filha dele trabalhava depois com o Jorge. A filha dele foi uma das que mais ajudava a gente, porque ela mesma, ficou alegríssima, porque o assassino do pai dela depois caiu, né? Foi preso o Hildebrando Pascoal, né? Responsável pela morte. Esse Jorge, era quem? O Governador do Acre. Ah, tá. Que é um homem de bem, né? Muito correto, certinho. De mal ele só tem o fato de ser engenheiro florestal. Ele devia ser agrônomo, que era melhor ainda, né? Porque os engenheiros florestais do Acre são muito ligados, um pouco, aos madeireiros. Mas ele insiste na tal da técnica lá do manejo, tirar a madeira com manejo. Que é meio complicado. O pessoal diz, né? A área dos agrônomos é que é a boa. Aí eu atuava com o pessoal de direitos humanos, com o Comitê Chico Mendes. O Comitê Chico Mendes foi decorrente da morte do Chico. Foi criada uma grande entidade, que nem sequer é legalizado, que chama Comitê Chico Mendes. Que não passa de um tipo de parlamento, assim. Uma das maiores 20
organizações de esquerda ligada aos trabalhadores do Acre. Aí eles se reúnem, fazem um círculo grandão assim, bonito. Aí tem coisa indígena, tem tudo é que é entidade. Aí eu participava das reuniões. Ali é que é onde eu aprendi muita coisa. Eu atuei até atendendo pleito do Movimento das Prostitutas. Até isso eu atendi. Eu falava para elas: “_Olha, no que tange a prostíbulos, a gente vai brigar para fechar. Mas em um ponto a gente pode atuar junto. O ponto que a gente pode atuar junto, que dá para atuar junto”, porque era o ponto, assim... que elas também tinham aversão a que meninas se prostituíssem. Então elas não aceitavam até por instinto maternal e o pessoal ainda brincava, pelo negócio da concorrência, sei lá. Isso é maldade! Agora também tinha muito instinto maternal. Elas não aceitavam que menina e adolescente se prostituíssem lá. Elas acabaram dando para o Ministério Público Federal_ que o Ministério Público Estadual não fazia nada neste momento_ a lista dos prostíbulos que atuavam com criança. Aí a gente achou lá uma tese maluca que era verídica também. Tinha fundamento. Um pouco. Era assim: era um tráfico que tinha esquisito lá no Acre de pegar menina e aí trocava. Por incrível que pareça! Primeiro era assim. Meninas iam para o garimpo, daí ia ouro, e o ouro migrava, ia para Colômbia, ia principalmente para Bolívia e Peru, especialmente, e, dali, era trocado por cocaína. Então tinha um fluxo passando pelos prostíbulos que envolvia o tráfico internacional, ou seja, tinha essa relação macabra, mesmo. E não só garimpo de ouro. Também tinha garimpo ali, em Rondônia, de duas substâncias que eu esqueci o nome. Aí as meninas, mesmo, iam para lá, para os garimpos, recebiam em ouro, o ouro era depois trocado e usado para comprar droga. Por isso, arrastava a competência da Polícia Federal. A gente jogou a Polícia Federal inteira para fechar o prostíbulo. E deu certo. Vários prostíbulos foram fechados e diminuiu um pouco o negócio, né? A briga com o Hildebrando começou contra o COE (Centro de Operações Especiais). Que ele já matava. E aí com o COE começou a aparecer mais mortes ainda. Eu fui e requisitei a lista dos integrantes do COE, inteira. Acho que era duzentos ou trezentos policiais, ou menos um pouco, sei lá. Eu sei que a gente pegou a lista e fez a comparação com os policiais que estavam respondendo inquérito, processo, o número de morte que cada policial tinha feito. E descobrimos que, literalmente, era o Esquadrão! Ou seja, o COE foi quase uma estrutura onde o Hildebrando trouxe os principais matadores dentro da PM para lá. Aí quando a gente estava nesse auge para bater, e a gente conseguiu até que o COE fosse desmantelado, quando estava na briga já, aí de repente o Hildebrando Pascoal fica louco. Por quê? Porque o irmão dele foi morto. O irmão dele é aquele quem em 81, a mãe dele tinha ficado doente, 21
e aí um major, um tenente do Exército que era médico, foi tratar dela e ou tratou mal, ou tentou de tudo. Por uma das duas razões, não sei, eu sei que a mãe morreu. Para quê, né? O Hildebrando Pascoal era tenente, o irmão dele era tenente. Foi feita a tocaia lá na principal ponte, assim, no caminho do aeroporto. O cara ficou apavorado com as ameaças. Tentou fugir. No regime militar, matar um milico! Aí o cara tentou fugir, eles fizeram um cerco aqui ó, quando chegou no final da ponte o carro, botaram um carro aqui na frente, o cara saiu, foi metralhado no meio da rua. O irmão do Hildebrando respondeu a pena, foi expulso da PM. E esse irmão do Hildebrando, que era exímio pára-quedista_ por isso que a gente tem depoimento que a droga vinha da Bolívia num monomotor e pequenos aviõezinhos, aí jogava por caixa ou, então, pulava por pára-quedas com cocaína nas terras do Hildebrando_ esse irmão foi assassinado. Ele pegou um traficante na penitenciária... A penitenciária era um buraco. A penitenciária não tem água nas celas. Aí tem um buraco aqui no centro e era totalmente desprotegido. Não tinha muros. Então os presos do Acre não podiam ficar, porque os muros tinham quebrado. Então os presos não podiam ficar onde eles sempre ficam, que são os pátios, que é o lugar mais sadio que ficam, né? Porque pega sol e etc. É o pior lugar. Só que tem uma unidade lá que é dos policiais, que é separada. Aí tinha o Obion, que era matador. E, literalmente, os policiais saíam um pouco, ficavam lá fora, depois voltavam. Lá, eles saíam à noite, volta e meia, para fazer tráfico, para matar. E, aí, tinha o álibi que estavam presos. Entendeu a lógica, né? Aí esse cara traficante era o Baiano e o Zé Hugo. Ele estava preso dentro da penitenciária. Mantinham o traficante preso lá. O que aconteceu? O irmão do Hildebrando pegou esse traficante e levou ele para fora. Os dois estavam num posto de gasolina. Na certa para fazer uma operação, né? Estavam num posto. Tiveram uma briga, uma desavença. Aí o irmão do Hildebrando, que era mais ou menos um metro e noventa, coisa assim, vai e dá tapa na cara do cara. Só que ele não sabia em quem ele estava batendo, porque o Zé Hugo também era da PM do Piauí, e também matador, com vários crimes nas costas. Aí quando bateu na cara dele, foi só o irmão do Hildebrando dar as costas assim _arrogante para burro, né? Bate e ainda dá as costas e vai _o outro pegou a arma assim, avançou dois passos e pá! Deu um tiro na cabeça, nas costas, aqui. Matou o irmão do Hildebrando. O Hildebrando ficou louco. Perdeu totalmente o controle. Já era doido antes, aí ficou louco total. O que é que ele fez? Ele tem o Zé Hugo e tem o Baiano, que é o segurança do Zé Hugo. Ele pega o Baiano, serra a perna, o braço, os braços, as pernas, tudo, castra, queima o peito inteiro, depois ele pega o toco aqui do corpo, amarra numa caminhonete e sai puxando, arrastando. E antes, 22
acho que foi antes um pouco, ele enfiou três pregos assim na cabeça e depois deu um tiro. Quer dizer, bastava os corte para esvair um pouco de sangue para morrer. Não precisava, né? Agora, o louco fez tudo isso! E deixou o coto, aquele resto do corpo, lá na frente de uma TV, TV Gazeta, para amedrontar a imprensa. Foi lá na imprensa e falou: “_Jornalista que abrir a boca eu mato! Promotor que se meter eu mato! Juiz que coisa eu mato!”. Em voz alta. Doido, doido de pedra. Depois ele pegou o filho de Baiano, treze anos, torturou, matou. Usou de um ácido para fazer ele revelar onde estava o Zé Hugo, que era o outro. Ele terminou por matar o menino de treze anos, quebrando a coluna vertebral da criança. Depois ele pegou a esposa do Zé Hugo. Dizem que estuprou, ou coisa assim. O que eu sei é que depois ele manda dois caras dele levar a mulher para São Paulo para guardar ela lá em São Paulo. Num momento lá, ela conseguiu dar um telefonema, revelou onde estava, a gente fez toda uma macroperação_ foi bem complicado_ com o Ministério Público de São Paulo, e conseguiu resgatar a mulher. Essa ficou viva. O Baiano foi morto, o filho do Baiano foi morto, que era o segurança [o Baiano]. O Baiano era o segurança do Zé Hugo, e o Zé Hugo ficou dois ou três anos foragido. Até o momento que ele vai para o Piauí, é descoberto, vendem ele e ele é morto lá e cortam a cabeça dele. É morto. Aí o Hildebrando pirou. Ficou doido mesmo, e aí teve o embate da gente com ele. A gente expôs as fotos e conseguiu abrir um caso contra ele no CDDPH, na Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. É uma sigla até esquisita. Foi um órgão que foi criado em 63, pelo João Goulart, mas que durante o período militar ficou morto. Depois, só lá na década de 90, reviveu, né? Mas com uma estrutura pífia ainda. A gente conseguiu usar aquela estrutura para abrir um inquérito. Aí federalizamos. Depois teve uma escuta. Aí ficou dois anos de escuta. Eu até ouvi as escutas. As escutas eram grotescas, as escutas do Hildebrando. O meu motorista, que era o Boaventura, era espião do Hildebrando. O que salva a gente é que ele era burro, né? O seu motorista? Que eu era o procurador-chefe no Acre. Aí tinha o motorista que era o Boaventura, que era servidor federal da casa. E era espião do Hildebrando? Espião! Não, e agora, o mais divertido é que, graças a Deus, ele era burro. Ô, lá pelas tantas, ele ficou sabendo da escuta. Ele vai, pega o telefone e liga para o celular do 23
Hildebrando e diz: “_Coronel, eu quero falar para o senhor que os telefones do senhor está tudo grampeado!”. No telefone do Hildebrando, né? Resultado, ficou a escuta, ou seja, a própria escuta pegou o cara que entregou a escuta. Entendi! Ficou a escuta dele avisando. Aí o Hildebrando ficou sabendo da escuta, mas isso foi já em 96. Ok. Então, você estava concluindo sobre o caso Hildebrando. O caso Hildebrando foi isso. O caso Hildebrando explodiu a um mês de eu sair da Procuradoria. Antes, eu fui ameaçado de morte, em novembro de 85. Quando eu fui ameaçado, me irritou para burro. Eu já estava saindo do Acre. Aí eu fui e liguei para o Brindeiro, na época, e falei: “_Olha, se brincaram de ameaçar eu vou ficar aqui mais seis meses, pelo menos, né?”. Inclusive porque estava tendo um movimento para derrubar o Orlei Cameri. Teve uma CPI, teve um processo de impeachment e eu entrei com vários processos contra o Orlei. Aí quando eu estava saindo, em junho de 95, estava assim no final, ia acabar o governo mesmo. O Orlei Cameri ia ser derrubado. Mas foi só eu dar as costas e vir para cá, aí o PMDB roeu o campo oposicionista, fez um acordo, estava em 96, o Orlei Cameri não lançou candidato para a Prefeitura de Rio Branco e apoiou o candidato do PMDB. Num acordo, então, eles votaram contra o impeachment, né? E Orlei Cameri não caiu. Entende, né? Porque senão, teria caído. Agora eu fiquei muito irritado! Eu fui ameaçado, em novembro de 95, duas vezes por telefone. O último foi o pior porque o último era onze horas da noite de domingo... O primeiro eu não me recordo que foi meio fraco. Inclusive porque eu até aprendi uma coisa técnica assim: se a gente, ao ouvir a ameaça, fica ouvindo quieto, aí afeta o animo mesmo. O processo para gente não ficar afetado é berrar mais do que eles, né? É dizer: “_Olha, vocês vão pegar o raio que os parta! Vocês vão ver! Vocês é que vão para o sal, vocês esperem, direito!”. É abrir a boca, né? Aí não afeta muito o ânimo, né? Isso eu aprendi da primeira e segunda vez. Especialmente na segunda. O cara mal começou_ aí deu um certo medo mesmo_ porque era onze da noite, tudo escuro. Basicamente, eu sozinho na Procuradoria, um prediozinho simples lá. E aí o cara diz: “_De hoje você não passa”. Eu já pensava logo que o cara estava a vinte metros, ali, né? Aí eu já comecei a altear também o tom de voz, [inaudível] até, xinguei falando
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que eles iam ver o que era bom para tosse. Daqui a pouco, bato o telefone. Acabou, né? Aí o medo acaba. É o único jeito. E qual foi o destino do Hildebrando? O Hildebrando está preso. Está com 69 anos de cadeia, uma coisa assim, e ainda vai pegar mais, porque vai ter vários júris. Vai ter o júri do menino, do [inaudível], do Zé Hugo. Vai ter uma porção de júri. Vai ter o do Baiano, vai ter o do outro lá. Teve várias mortes. Os principais matadores do Hildebrando chegaram a cooperar com a Procuradoria. Tinha um lá que confessou catorze mortes. Ele era exímio atirador. Vários a gente deu perdão, por exemplo, o Palito. O Palito estava com vinte e oito anos de prisão e era traficante. Gerente de um dos principais tráficos. Um rapaz de vinte e seis anos e com duas mortes nas costas. A gente deu dois terços de diminuição da pena dele. Ele já tinha cumprido três anos e meio a quatro e caiu já. Foi para liberdade condicional e está no Programa [Programa de Apoio e Proteção às Testemunhas, Vítimas e Familiares de Vítimas da Violência] até hoje com a mãe dele. Escreveu até um livro bonitinho, um livrinho bem bonitinho. Hildebrando está preso e o Orlei Cameri saiu da política. Foi lá para o interior. Disse que vai ser só empresário, Não quer mais saber de política, não chamem ele para isso, não falem, ele não tem nada mais a ver com política. Em parte, eu até acho que se ele vai viver como empresário lá, com certeza, ele vai viver da espoliação dos seus trabalhadores, mas pelo menos não vai viver como parasita do Estado. Porque a grande fortuna do Acre é o Estado. A mina de ouro acreano é o Estado. Quem controla o Estado, controla contrato, às vezes, que vai até cem milhões. Por exemplo, dos contratos das estradas, acho que era cento e setenta milhões, sendo que cento e poucos milhões era tudo com a empresa do próprio Cameri, porque ele contratou a EMZA, que é uma empresa aqui de Goiás. Sabe o que tinha a EMZA, que pegou os filés dos maiores contratos? O que é que tinha dela lá no Acre? A única coisa da EMZA que tinha era um plástico assim: “EMZA”. Todos os maquinários da construtora do Orlei, todos os maquinários, engenheiros, a sede, tudo foi cedido e emprestado, locado para EMZA. A EMZA pega todos aqueles tratores e bota um plástico: “EMZA, EMZA, EMZA”. E está lá trabalhando. É claro que a EMZA só vai ganhar nesse contrato três, dois, por ser testa de ferro. E o grande beneficiário é a empresa do próprio governador, que é também do pai dele e do filho dele. Então ele está contratando. O que é ilícito, né? Por conta disso e por conta do risco de devastação, a gente bloqueou todas as estradas com ajuda da Alegreti. A Alegreti auxiliou no processo. Ela visitou lá, viu, aí a 25
gente fez uma grande petição_ umas cento e cinqüenta páginas, bem extensa_ e ela que levou para o presidente do IBAMA. A Mary Alegreti? É. Aí foi feita uma reunião, o Congresso Nacional do Meio Ambiente, e aí estava o presidente do IBAMA. Eu fui com uma porção de procuradores, uns cinqüenta. Aí a gente interpelou publicamente o presidente do IBAMA. E aí eu falei lá: “_Olha, o senhor vai ser processado se não bloquear essa estrada até segunda”. Era terça-feira, uma coisa assim. “_O senhor tem então até sexta-feira para se decidir: ou o senhor é réu, ou o senhor atende o MP, ou então o senhor vai ser co-réu na devastação. Não tem nenhum problema, não. É réu em crime e improbidade”. Aí na sexta-feira à noite ele foi e liga para gente lá paras cinco da tarde, dizendo: “_Doutor, a gente vai atender a recomendação”. A gente de coração na mão. Aí bloqueou. Aí quando bloqueou a estrada, o Cameri botou o povo, o pessoal da construtora, que estava lá trabalhando, para invadir a Procuradoria. Na semana posterior ao bloqueio, eles fizeram uma missa, coisa lá, direito, caravana com os trabalhadores que estavam trabalhando. Tiveram prejuízo. Foram usados como instrumento. Aí invadiram a Procuradoria. Aí eu fui e falei: “_Vocês podem me matar, eu estou pouco ligando, mas as estradas vão ficar bloqueadas. Agora, como prova de boa vontade, a gente vai liberar um trecho de uns dez quilômetros. Agora, a estrada não será bloqueada, exceto se as empresa do Cameri saírem do contrato. Aí a gente pode ver. E desde que façam o EIA/ RIMA (Estudo de Impacto Ambiental/ Relatório de Impacto Ambiental) antes”. Porque EIA/ RIMA era imprescindível para garantir que, ao longo da estrada, tivesse pesagens, tivesse fiscalização, escolas, postos de saúde para garantir e também tivesse regularização fundiária dos pequenos proprietários, dos posseiros para evitar que eles fossem varridos com a estrada. Que aí viriam os caminhões grandes e invadiriam, devastariam tudo, como foi feito na 364. Aí a gente conseguiu isso aí. Eu processei o Cameri várias vezes. Vários processos de improbidade. Consegui dezoito milhões contra o Cameri de auditor-tributo, que eu requisitei auditoria fiscal. Só não consegui mais de dezoito milhões, porque o Brindeiro se recusou a pedir a quebra do sigilo bancário. Mas no caso do Narciso, eu consegui acho que setenta e dois milhões. Naquela época foi o meu recorde. Mais tarde, eu consegui novecentos e trinta milhões de autos da Receita contra o Luiz Estevão. Aí foi quase um bi, os autos, porque a contadora do Luiz Estevão prestou depoimento para mim e ela entregou o Luiz Estevão. 26
Ah, tá. Quer dizer que aí você deixa o Acre e vem para Brasília? É. Eu saio do Acre em 96, e venho para cá em julho. E aqui, em Brasília, você chegando ... Eu processo várias vezes o Roriz. Uma porção de vezes processo o Secretário de Saúde dele, reiteradas vezes. Acho que para cada Secretário de Saúde dele, especialmente o Frejat e outros, para cada um deles deve ter umas sete ações minha, para mais. Eu processei eles e processei outros. Processo ... Outros Grupos. Aquele que é o dono da Rádio Atividade, o Vigão. O Luiz Estevão eu processei várias vezes. Processos criminais, né? E vai. E depois processo uns vinte ministros, processei o Fernando Henrique, processei o filho do Fernando Henrique duas vezes, ajudei a descobrir umas coisas da filha do Fernando Henrique, que depois saiu na imprensa. Pedi uma auditoria fiscal também contra a filha do Fernando Henrique e vai. Processei o Ricardo Sérgio e uma porção de outros caras. Processei Malan, processei os presidentes do Banco Central_ foi várias vezes_ e a diretoria do Banco do Brasil também umas doze vezes. E desses processos, quais os que você, quer dizer, todos são importantes, mas quais que te marcaram mais? Quais que te deram, vamos dizer assim ... O que eu mais gostei foi o do ACM [Antônio Carlos Magalhães]. Não, o que eu mais gostei foi a briga com o Luiz Estevão, que eu ajudei a acabar, suspender os direitos eleitorais dele e pegar ele, porque a contadora dele é uma senhora, de sessenta e dois anos, que tem vinte meninos adotados, vinte, sendo que dois ou mais são deficientes. Essa senhora foi humilhada pelo Luís Estevão dúzias de vezes, até o ponto que ela não agüentou. Aí ela foi e entregou todo o esquema da sonegação. Quer dizer, o Luiz Estevão tem cinqüenta e poucas firmas, sendo que a principal firma é construtora, é Grupo OK Construções. Qual é a matéria prima? É terrenos, porque ele tem cerca de mil terrenos aqui no DF, que eu tenho a lista inteira. Adivinhe quantos desses terrenos que ele comprava para estocar, para depois revender, ou então edificava e depois revendia, ou então locava também. Que locação dá dinheiro que não acaba mais. São os três ramos centrais. Essa que era o ativo financeiro circulante, não estava nada declarado! Nos livros contáveis do Luiz Estevão você não acha um terreno. Eu requisitei na Secretaria da Fazenda a lista dos 27
terrenos dele porque você não foge do IPTU (Imposto Predial Território Urbano) e se não pagar o IPTU, a coisa fica meio ruim, porque isso vai sumindo. Então o IPTU ele tinha que pagar. Aí eu peguei a lista do IPTU e vi a contabilidade da empresa dele, do balanço. Não tinha nada! Foi só pegar aquela listona da Secretaria da Fazenda, a listona dos Cartórios de Imóveis e comparar aqui e descobrir que mais de mil terrenos nunca foram declarados. Então foi feita uma mega auditoria da Receita e do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), e pegou ele em quase um bilhão. O outro auto, que foi mais do que esse, era o auto da OAS que era a empresa ligada a Antônio Carlos, porque quando Antônio Carlos foi para o governo, aí o auto da OAS, você sabe com é que é que? Acabou com o auto da OAS. Foi durante a gestão Itamar [ex-presidente Itamar Franco], quando o Itamar entrou em choque com o ACM, aí foi feito o auto da OAS de um bi. Esse auto, no Governo do Fernando Henrique, virou cento e poucos mil reais. Assim, quase tudo acabou. Por que? Porque a OAS contratou dois caras para fazer um parecerzinho de dez páginas. Eram os dois, a mão direita e a mão esquerda do Everaldo Maciel. Eram chamados anfíbios: Paulo Baltazar e Sandro. Aí olha como era o esquema da Receita: eles ficavam em altos cargos da Receita, de repente eles pediam uma licença sem vencimento e iam trabalhar paras empresas. Aí faziam as defesas e depois voltavam para lá. Ficavam, assim, navegando nas duas águas. Por isso que são anfíbios, né? Era assim. Eles fizeram uma defesa da OAS que foi dezoito milhões de reais. Uma defesa. Dezoito milhões de reais. Uma peça dá umas quatorze páginas, ou seja, cada página, mais de um milhão, né? Na época, a gente até se divertiu falando que se o Sheakspare, por exemplo, revivesse, nem ele, Sheakspare, escreveria um texto, assim, para uma página, um milhão. Porque não dá! Quer dizer, o que é que vai ter numa página que valha um milhão? Numa página! Não é um texto, uma peça. É uma página. É uma coisa que ... Qual é o nome dessa empresa? OAS. Aquela construtora, OAS. O que significa OAS? O pessoal diz, é brincadeira, é que são Obras Arranjadas para o Sogro, que é parente do ACM, mas, na verdade, é uma construtora que é ligada à família do Antônio Carlos, o sogro dele, a filha dele e tudo o mais, né?
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Esses embates, porque o Mistério Público ele tem realmente essa atribuição, não é? Essas atividades suas estão dentro, estão respaldadas pelas atribuições dessa Instituição em que você ocupa o cargo. E há muita tensão nessa relação do Ministério Público com o Estado? Tem tensão interna também. Interna e externa. Como é que é isso? Eu só vou dar um exemplo. Enquanto eu fui e estava, eu chamei dois procuradores. Primeiro foi assim: Antônio Carlos entrou em atrito com o Fernando Henrique. Atrito mesmo. Estava tendo atrito. Aí, de repente, no meio daquele atrito, era sexta-feira à noite, onze da noite, liga o Guilherme para mim e diz: “_Luiz, o Antonio Carlos ligou para mim e diz que quer dar informações vitais sobre Eduardo Jorge. Então ele quer uma reunião com a gente”. Aí eu vou e falo para o Guilherme, onze da noite de sexta-feira: “_Guilherme, eu acho excelente. Só que eu não me encontro com pessoas iguais a Antonio Carlos Magalhães, exceto no meu local de trabalho, à luz do dia, e com belas testemunhas, e se possível gravando”. Porque eu, simplesmente, eu não vou fazer reunião às escuras com aquela criatura. Não vou mesmo! Aí, assim, eu falei para ele que não. Aí depois, no sábado, ele torna a ligar dizendo que o Antônio Carlos insistia para fazer reunião lá na casa dele sábado. Eu digo: “_De jeito nenhum”. Domingo, a mesma coisa. Aí, eu vou para Procuradoria, esse dia eu cheguei mais atrasado, eu cheguei era onze horas, parece, onze e treze. O Guilherme vai e corre lá e diz: “_O homem está vindo para cá. Acho que é onze e trinta ou meio-dia e pouco ele está aqui. Ele insistiu de vim e disse que, já que não era na casa dele: “_Eu vou fazer reunião aí”. Eu falei: “_Está bom, então. Vamos chamar a procuradora-chefe”, que era a Eliane. Aí eu sentei com Eliane, com o Guilherme e disse: “_A gente vai gravar, porque tem que ter uma segurança para esse cara não sair daqui dizendo que falou sabe Deus o quê e ele tem muito mais acesso à imprensa que a gente. A versão dele fica e a nossa não fica, né?”. Era como se a gente tivesse jogando de faixa com o cara, ou sei lá o quê, porque joguinho que ele estava querendo, né? Então eu insisti para que tivesse um gravador. E tinha um gravador velho, que tinha problema de rotação. Passou meia hora e eu penso: “_Essa droga desse gravador vai me deixar na mão, né?”. Eu ligo para o Tales e pergunto: “_Tales”, porque o Tales tinha sido ofendido, até a mãe do Tales, numa cartinha que o ACM fez, saiu na capa da Isto É. Há um mês atrás ele tinha feito isso, chamando até a mãe do Tales de palavrão, de forma mais grosseira do mundo. O 29
Tales, quando ficou sabendo, mandou [inaudível]. Aí eu falei: “_Eu quero, eu só preciso do gravador emprestado”. Peguei um gravador dele e falei: “_Vocês não se metam, porque é uma coisa do MP, não de vocês”. Eles ficaram fora do prédio e não se meteram. Aí eu fui e entrei lá na sala, seria na sala da Eliane, que era na sala dela que seria feita reunião. Acontece que eu demorei um pouco. Aí o gravador, o principal ficou aqui no meu bolso, e o outro gravador era para dentro da sala. Só que quando eu demorei, o ACM chegou mais cedo e entrou lá na sala e estava lá. Como é que botava um gravador com ele lá? Ele e aquele outro que era o presidente da TV Senado, um jornalista antigo, que eu me esqueci o nome agora. Eu não podia fazer! Aí eu fui na minha sala do lado e pensei: “Vou botar pela janela”. Sexto andar, né? Aí eu olho e pensei: “Que coisa ridícula. Eu vou cair daqui!”. Porque tinha que fazer... As duas janelas eram assim, né? Acontece que tinha que dar um pulinho. Sexto andar, né? Quer dizer, se eu errasse o pulinho, era lá embaixo! Eu pensei: “Não”. Ah! E outra coisa, havia o risco também de eu passar para cá e o ACM ouvir. Coisa ridícula, né? O ACM levantando e vendo na janela o procurador oculto lá. Eu fui e pensei: “Não vou fazer uma coisa dessa!”. Já que não posso botar na janela e já que não tem outro jeito, eu botei rente à parede do meu gabinete_ que estava pregado_ porque dava para ouvir um pouco a voz. Eu pensei: “Pelo menos vou pegar um pouco por aqui”. Botei e entrei com o outro aqui. Foi feita a reunião. No final da reunião, o ACM até levanta, foi uma hora e pouco de reunião, o ACM até levanta e chega no Guilherme assim, bate aqui no Guilherme, apalpa o Guilherme assim direito, apalpando mesmo, como se: “Tem uma escuta”. Ficou até uma cena meio grotesca. O Guilherme depois até falou: “_Foi Deus! Que ele fez isso comigo e não com contigo, né Luiz?”. Porque se chegasse aqui ia ver o negócio, aqui. Aí a gente gravou. Ele falou uma hora e vinte. Falou como o SNI (Serviço Nacional de Inteligência) fazia escuta. Tem toda a gravação que foi degravada pelo Molina [Ricardo Molina de Figueiredo, perito foneticista]. Está lá no Senado, né? Também lá ele disse, num momento lá, o ACM, parece que fica maluco também, vai e fala: “_Tenho a lista completa de todos que votaram na cassação do Luiz Estevão”. Porque o Luiz Estevão e o ACM eram inimigos, ó. [bate os punhos fechados, um contra o outro] A inimizade deles era tamanha, que o Luiz Estevão pegou uma testemunha que estava no Programa, tirou ela e ia botar ela para depor. Era uma mulher. Essa mesma mulher ia depor contra o ACM lá na CPI do Narcotráfico. Essa mesma mulher depois que estava na mão do Luiz Estevão, essa mulher chegou a ligar para mim várias vezes, depois à noite, para tentar fazer que eu fizesse um encontro, para aí tentar me beijar, esses trem tudo, para tentar fazer um 30
tipo de coisa armada para o Estevão me golpear. Depois ela confessou tudo isso aí. Ele vai e diz que eu tinha toda a fita. Ele tinha? O ACM tinha a lista completa. Aí a gente disse: “_Uai! Não é votação secreta?”. “_Sim, mas a gente tem a lista completa”. Falou da Heloísa: “_Ela votou nele”. Aí, eu falei: “_Mas como que a Heloísa Helena, que é uma pessoa boníssima, uma pessoa excepcional, uma pessoa assim que recebeu tiro na casa dela, vai votar no Luiz Estevão, né?. É um absurdo essa versão, né?” Olha o que o ACM falou. Me recordo até hoje o jeito que ele falou, que o ACM fala pausado. Ele falou: “_Ela votou nele porque ela queria que o Luiz Estevão permanecesse no Senado, porque aí ele me destruiria e eu o destruiria”. Ou seja, morreria os dois no conflito, né? Ainda assim eu não acredito, como até declarei, que a Heloísa Helena tenha votado nele, porque a tal da lista nunca apareceu, né? Agora, ele vai e fala lá que o Eduardo Jorge fez coisa errada e que poderia ser pego através da escuta, da lista dos telefonemas, que a gente nunca conseguiu completo. Nem do banco também. Principalmente do banco, porque nunca forneceu os dados completos do Eduardo Jorge. Eu peguei a fita e saí. Foi na segunda-feira. Terça-feira, eu deixei o pessoal da Isto É ouvir e eles anotaram os trechos principais. Terminou. Eles anotaram tudinho. Os trechos principais e adiantaram a edição para quinta-feira. Mas quando meus colegas souberam que eu passei para Isto É, aí fizeram o maior escândalo. Eu tive que entregar uma fita para eles dois, chorando. Entreguei uma fita para eles. Tinha duas, né? Eu não falei para eles que tinha duas. Entreguei uma para eles. Fiz besteira também. Trinquei só, coisa assim. Falei: “_Ah! Está aí. Fica aí! Basta que você confirme o que falou, a gente tem prova testemunhal Não precisa ter”. Depois eles mesmos falaram lá no Senado que um queimou. Não, um picotou. Abriram a fita assim, cortaram e o outro queimou. Agora a outra fita que me salvou, porque a outra fita foi para o Molina. Era véspera de Carnaval. Aí o ACM ficava doido, porque os outros procuradores também falaram e os outros informantes dele falaram que a fita já não existia. E aí parece... tem fita, não tem fita, a fita era a fita. Até a Veja fez a matéria. Enquanto isso o Molina degravando no bojo do Carnaval. O ACM se descontrola e vai para Miami lá com amante dele e fica lá em Miami com aquela moça lá, Adriana. Ele fica lá. Ficou por lá o Carnaval inteiro sem saber o que estava acontecendo. O Fernando Henrique perde a paciência, derrubou acho que três ministros do ACM nessa semana, depois, graças a Deus, a fita foi degravada e eu pude apresentar ela. Aí depois do 31
Carnaval, quando terminou o Carnaval, era quinta-feira, uma coisa assim, eu fui lá e entreguei para o Brindeiro. Porque o Brindeiro me cutucando dizendo que queria a fita. Mas eu só passei para o Brindeiro, depois de ter cópia e depois de mandar para o Molina para me cercar de toda precaução. E essa fita que te salvou foi a que você tinha colocado pela janela? Foi. Não na janela, porque eu não pude ir na janela, porque eu mesmo teria caído. Foi a que eu botei rente à parede. Por isso é que o campeão na fita é a minha secretária. Porque ela é meio faladeira que nem a atual que eu tenho. Ela é gente boa para burro. Ela fala para burro. Aí Molina teve que ter toda uma ginástica. [ele pede para interromper a entrevista] A fita que acabou sendo dada, porque a fita boa, audível, que foi ouvida pela Isto É e que os três principais [inaudível] que estava aqui, foi destruída pelos dois procuradores: pelo Guilherme e pela Eliane. A outra fita foi recuperada pelo Molina e tem todos os trechos. Tem pequenas coisinhas, assim, uma ou duas palavras “imprecisão”, mas tem também a palavra: “Eu tenho uma lista”. Tem lá também. Até porque eu orientei. Tem lá. Eu orientei assim: que ele se concentrasse naquele pequeno trecho e ele depurasse mais, até ficar audível de novo. Porque tem jeito de fazer. Ele é especialista em fonoaudiologia, né? Aí apareceu. Aí eu fui lá no Senado, fiz um depoimento extenso para burro, acho que de foi oito horas ou mais. Até foi mais. Com isso o ACM foi cassado. E depois ele foi processado também por improbidade e por crime. Nesse caso aí, a questão da ... E nesse caso pegou o Arruda. O Arruda. O Arruda, a gente até brincou, era o bala perdida. Porque ninguém estava mirando nele, e de repente o Arruda, pah! Cai, né? Porque ninguém estava nem somando com o Arruda. De repente, ele vai e caiu para o lado, porque também a gente nem estava nem somando. Porque a fita, quando eu deixei o pessoal ouvir, eu nem estava preocupado com o painel. A preocupação era com o Eduardo Jorge. Foi o pessoal da Isto É que teve mais percepção e que viu: “_Não, o negócio do painel aqui é dez vezes mais importante!”.
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Porque houve uma violação do painel de votação. O painel violado, o ACM é que deu, ajudou, porque ele era meio bronco porque se ele fosse lá no mesmo dia, no dia que saiu a reportagem, e tirasse o chip, sumisse com o chip, acabou a prova. Ele é que não teve a cautela de ira lá e tirar o chip. Quando fez o chip, foi feita a perícia, aí mostrou claramente que o mecanismo lá estava burlado, permitindo não só a extração de listas com o teor da votação, dita secreta, mas também a alteração de voto. Você imagina, as votações mais importantes do Senado, que têm a ver com a democracia do país, com a formação de tomada de decisões vitais, que deveria ser pelos representantes do povo, não seria pelos representantes do povo, seria pelo burlador que estava aqui. E nem os senadores iam saber, porque eles não iam saber como cada um votou. Aí eles iam pensar: “Ah, teve traição na certa”. E viria o resultado e eles podiam torcer. O painel do Senado estava... Podia ser alterado as votações... Bastava que quando estava correndo a votação, o cara ficasse lá do lado do equipamento com um pequeno fiozinho e botasse lá o voto que ele queria. Ele podia simplesmente colocar. Ao invés de ser cinqüenta e três a coisa, ele podia botar trinta e sete a quarenta e dois e alterar. E mesmo os senadores não iam saber, porque cada senador não sabe como o outro vota, né? Por isso que eu acho que foi o caso mais gostoso que teve por causa disso. Por causa também do descontrole do ACM também. Foi divertido. Quer dizer, que existiria então essa tensão, né? Ah! A tensão é por causa do Brindeiro. Olha, eu peguei uma gravação que apontava um crime que era adulteração da lista do Senado lá. Que é crime! E passei para imprensa. E o Brindeiro teve a coragem de ir na Drª. Isabel Gallotti, que era a procuradora-chefe, e dizer: “_Denuncia o rapaz”. Aí ela falou: “_Não, porque não é crime! Ele não fez nada de errado. Não fez crime, não”. Ele foi no outro lá e falou: “_Denuncia o rapaz”, que foi o Antônio Carneiro. O outro falou: “_O Luiz não cometeu nenhum crime. Não vou denunciar”. Vai aparecer na filmagem, sai para lá! [um gato entra no plano da filmagem, caminhando sobre a mesa] Aí foi num terceiro [procurador]. Deixa, deixa ela entrar! Tá, deixa ela fazer parte da filmagem. Aí foi num terceiro e o terceiro disse: “_Não vou denunciar”. Aí foi na Maria Célia e num outro procurador, e esses dois procuradores aceitaram o negócio de denunciar. A Maria Célia, dizem, que era porque ela queria ser 33
promovida. Ela foi e me denunciou! Por qual crime que ela me denunciou? O crime de eu revelar fato sigiloso. Qual fato sigiloso? Um crime que tinha sido feito lá no Senado! Aí eu até coloquei: “_Então, o Estado agora tem o dever de manter crimes em segredo?”. Não tem! Óbvio, né? Crimes não devem ser mantidos em segredo. “Logo, se o Estado não tem que acobertar crimes, o que eu fiz não é crime, porque o que eu fiz foi não acobertar crimes. Então se vocês entendem que manter um crime em sigilo é dever jurídico, então o que eu fiz foi crime. Mas é evidente que não é dever jurídico, porque senão o Estado seria uma máfia, né? Fazendo aumentar assim, não falar, não dizer”. Eu fiz uma bonita defesa lá no TRF (Tribunal Regional Federal). O TRF, acho que foi de forma quase unânime, não recebeu a denúncia. A denúncia não foi sequer recebida. Por isso é que foi coisa. O Dr. Brindeiro, ele é... o tópico “arquivador-geral” é bem aplicado a ele. Por quê? Porque, de fato, o que ele arquivou_ foi feito uma matéria especial da Veja, fazendo um levantamento de tudo o que ele arquivou_ foram assim centenas de coisas. Mesmo o caso do Jader Barbalho. Ele simplesmente tinha as provas e arquivou da forma mais louca possível. Ele simplesmente arquivou colocando debaixo lá de uma gaveta. Nem para o Judiciário ele mandou! Ele guardou lá, o caso do Banco Pará. Fui eu que entrei em contato com o Ministério Público, consegui um técnico do Banco Central que veio escondido para cá, para Brasília, para fazer o trabalho. A gente teve que botar ele num hotel, levando um servidor da Procuradoria que foi um meu amigo lá. Foi lá e fez a inscrição do hotel, aí depois passou a chave e o outro foi lá, dizendo que era primo, coisa assim, e ele ficou lá, entende? Para não fazer crime também, né? De falsa identidade. Agora o Brindeiro sempre arquivava, sistematicamente. Nunca entrava com AUDINs (Auditoria Interna) contra o Estado. Nunca. Tudo o que é lei, ele deixava, conestava tudo. Exceto, nesse ponto. Agora o Brindeiro, ele é a pecha de “arquivador”, eu acho que é bem aplicada pela prática reiterada dele de arquivar. Porque aí tem até o ditado que eu usei até numa apresentação lá na Corregedoria. Eu falei: “_Quem pesca muito é pescador, quem grita muito é gritador, quem corre muito é corredor, que arquiva muito é arquivador”. Então o termo vai da prática dele. Nasce de uma série de verbos que faz o que é arquivar. Agora assim, ele também tem uma coisa boa na personalidade do Brindeiro e que eu tenho que reconhecer. É que ele é um cara paciente. Quer dizer, mesmo sofrendo ataques, críticas duríssimas na rede, inclusive minhas, ele nunca perdia a cabeça, não tentava punir a gente, não tentava abrir processo disciplinar por isso. Ele tem isso na personalidade dele de ser, nesse ponto, uma pessoa
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tolerante a críticas. Também porque se deixou, achou que devidas, né? Agora exceto neste momento, que ele fez... Você já o processou? Duas vezes, né? O Brindeiro. Então você louva a paciência dele e contesta o arquivamento. A tolerância e a paciência dele. São virtudes que ele tem, que quem dera todos os ocupantes de cargos públicos tivessem. Mas recrimino e critico, de forma muito correta, de forma muito serena, a maluquice de fazer centenas e milhares de arquivamentos e não fazer nada para defender a sociedade. Porque o papel do MP não é uma extensão do Governo. O papel do MP é uma extensão da sociedade. A gente é uma instituição que funciona como um escritório de advocacia pública, ligados aos interesses populares, ligado às necessidades, ao sofrimento dos injustiçados, às injustiças da sociedade. Então, o papel nosso é levantar os sofrimentos, as injustiças, os problemas da sociedade e levar ao Judiciário. E nesse papel, e nesse ponto ... [Ele ri, pois o gato está brincando com o microfone de lapela] Não está afetando o som, não, né? Ah, tá! E nesse ponto, um dos pontos centrais da gente, é fazer o papel de crítico do Estado. Então nós somos críticos do Estado, por excelência. O papel do MP não é o papel de cortesão, de palaciano. É o papel de ser eterno crítico, porque a gente sempre está ligado à sociedade. Então, é uma instituição, ainda que do Executivo, independente do Executivo, sem vínculo hierárquico dentro dela, onde ninguém dá ordem a ninguém. E devemos estar unicamente vinculados ao quê? Aos injustiçados. Por quê? O promotor de Justiça Federal para se promover a Justiça tem que estar ao lado do pleito, da angústia dos injustiçados. E o Brindeiro não está. O Brindeiro era da ala cortesã, da ala assim mais ligado ao Governo. Ele conestava tudo o que o Governo fazia. Era o papel do Brindeiro. E o período dele já é pós-88. Oito anos de tragédia! Oito anos onde a cabeça do nosso Órgão foi totalmente omissa, foi totalmente servil, foi totalmente cúmplice. Enquanto o Fernando Henrique fazia as privatizações... Por exemplo, privatização do sistema de telefonia, da TELEBRÁS, foi feito 35
segunda-feira. Eu entrei com várias ações e consegui retardar por dois, três meses, e, por um pouquinho, embolava com a eleição. Porque era para ser feita a desgraça lá, no começo do 98, e eles só conseguiram fazer acho que foi em junho de 98. Se eu conseguisse segurar mais um mês, geraria um caos dentro do negócio. Aquela privatização espúria, como todas as outras foram, quase cem. Na segunda-feira o pessoal da imprensa liga para mim e diz: “_O TCU acabou de dizer que está tudo bem. O Dr. Brindeiro acabou de dar a declaração dizendo que está tudo bem. O que o senhor acha, doutor?”. Eu falei: “_A minha declaração é muito simples. Está tudo ruim, está tudo ilícito e a gente está entrando hoje com um processo de improbidade administrativa contra o Fernando Henrique por isso, pedindo uma liminar para bloquear”. E consegui a liminar. O problema é que enquanto a gente conseguia as liminares, era rezando para conseguir as minhas liminares, eles tinham oito oportunidades para acabar com as minhas liminares. Sendo que, por exemplo, no caso acho que foi do BANESPA, o Governo ampliou. Sabe o que é um jogo de xadrez? O Governo está perdendo o jogo... Porque eu também participei da privatização do BANESPA. Quando a gente conseguiu a liminar... Por exemplo, eu consegui a liminar aqui no pleno do TRF e o Piza [João Roberto Egydio Piza Fontes] conseguiu no pleno do TRF de São Paulo. Aí quando o Governo não tinha mais saída, aí o jogador está acuado, aí ele fala: “_Espera lá, minha gente! [estala os dedos] Medida provisória. Mudei a regra do jogo!”. E criou duas ocasiões de recursos a mais. Quer dizer, como é que pode? Quer dizer, é a mesma coisa dos jogadores de xadrez. Você está para dar o cheque e o cara fala: “_Um minuto! Eu também sou dono da coisa e vou mudar! Agora aqui, o meu rei pode agora fazer esses dois pulinhos que não podia fazer”. E aí fez a privatização do BANESPA. E foi uma espúria também. Eu entrei para combater a privatização do BANESPA, da Vale do Rio Doce, e aí foi uma das ações melhores que eu já fiz, recebendo a representação do próprio Barbosa Lima Sobrinho. O Vale do Rio Doce, o Governo pega a maior mineradora do planeta, que deve valer um trilhão, e ele entrega por três bi, enquanto que com a outra mão, ele governaliza, torna governamental através da PREVI (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil), que é uma extensão do Governo, a Paranapanema, que é uma mineradora. Só que a Paranapanema é uma mineradora deficitária, que dá só prejuízo. Todo ano gerava quatrocentos milhões de prejuízo, trezentos, e tinha que ter aporte. Aí o Governo gastou quase o mesmo tanto para tornar a Paranapanema como mineradora da PREVI. Gastou dois bilhões e meio para tornar aquele trem que era de um empresário amigo do Governo. Aí eles vão e compraram o mico. Era uma vaca que não dava leite, que 36
não dava cria, enquanto que a Vale é a maior mineradora do planeta, uma das maiores jazidas do planeta. A maior empresa que tem mais minas é a Vale do Rio Doce. E foi entregue, de mão beijada, para o Oportunity, para o Bradesco, que está hoje na mão do Bradesco, por três bilhões. Foi um crime, né? Eu também intervi na privatização da Furnas. Para você vê o grau de psicose, de maluquice do Governo Fernando Henrique. Furnas produz quarenta e sete por cento da energia elétrica do Brasil. Aí o Governo ia entregar Furnas, ó. [inaudível], né? Acontece que ele esqueceu que em Furnas estavam as duas usinas nucleares. E ele não fez a cisão, fazendo uma empresa autônoma. Aí tem um artigozinho da Constituição que diz “Não pode privatizar empresas que têm atividade de monopólio exclusivo da União”. Que é a atividade nuclear. Graças a Deus, né? No dia que privatizar energia nuclear para poder o cara ter acesso a urânio, aí também seria acintoso demais, né? Então porque eles não fizeram a cisão a tempo, não puderam privatizar Furnas. E eu não precisei entrar com ações. Eu dei pareceres nas ações populares que o movimento da sociedade entrou contestando. Aí Furnas não foi privatizada. Essa a gente segurou. É estatal, graças a Deus. Como deveria ser o sistema de telefonia, como deveria se o BANESPA, como deveria ser vários outros. A ORGANIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ANTES E DEPOIS DE 1988 Como se organizava o Ministério Público antes de 88 e como se passou a organizar o Ministério depois de 88? Nessa comparação que você poderia fazer, eu gostaria que você colocasse as dificuldades de atuação de investigação que um procurador da República tem, um procurador regional, como é o seu caso. Eu vou fazer uma pequena coisinha histórica e aí eu caio nesse negócio. Tranqüilo, né? No regime militar era o fim do mundo, quer dizer, não tinha nem habeas corpus, nem nada. Para várias coisas não podia ter mandado de segurança. Vários atos estatais sequer podiam ser analisados pelo Judiciário. Então, era a pior desgraça que teve. Depois do regime militar, já no Governo do Geisel, começou a ter uma abertura. Aí já vem a Lei dos Crimes Contra o Sistema Financeiro, que amplia um pouco o poder do MP. Que antes, basicamente, o que era o MP, nesse período de 1981 para cá? Era o que é hoje a AGU – Advocacia Geral da União, a advocacia pública. A advocacia pública, assim, advocacia do Estado, o advogado do Estado, da União. Era isso. Só teve a cisão em 83. Antes, era tudo o MP que fazia. Então assim, neste momento, era um pouquinho de crime e advogado da 37
União. Com o Governo do Geisel, foi criada essa oportunidade de a gente pegar criminoso do colarinho branco. Que foi uma coisa boa, mas, ao mesmo tempo, o Procurador-Geral Dr. Henrique, na época, proibiu os membros do MP de darem parecer contra a União. O que é um absurdo total. Foi um momento daqueles que está na história do MP como horrível. Um pouco depois teve o caso do Pedro Jorge, que foi em 82, eu acho, né? Acho que foi em 82, foi. Pedro Jorge é um procurador que está oficiando contra_ justamente nestes casos_ crimes contra o sistema financeiro por empréstimos para mandioca que eram desviados. Ele estava atuando contra uma quadrilha envolvendo pessoas políticas, majores da PM e tudo o mais, envolvendo vinte e tantos milhões. Quando ele está atuando, aí o Procurador-Geral Dr. Inocêncio vai e, na sexta-feira, [estala os dedos] tira ele do caso. Desautoriza ele, enfraquece ele. Ou seja, ao invés de ele ter o apoio de sua instituição... porque quando você tem apoio da instituição ninguém é morto, não. Porque, por exemplo, é igual fizeram, há pouco tempo atrás, com membros da Receita. Matou um cara dos auditores e mataram trinta para o Estado. Aí você vê que não adianta matar um, porque vem uma horda inteira. Então quando a pessoa não está isolada ela não é morta. É a verdade pura! Funciona assim! Então no caso, lá, Inocêncio deixou desamparado o colega. Desautorizou, humilhou ele publicamente. E aí ele foi morto na sexta, quando estava extremamente enfraquecido. Foi assassinado. Foi uma coisa que marcou toda nossa instituição. Tanto que a gente tem a Fundação Pedro Jorge. E toda a ameaça a procurador, a gente lembra sempre por causa do caso do Pedro Jorge. É o chamado proto-mártir do MP. Foi um cara que deu a vida para defender a sociedade e foi morto cumprindo o dever dele. É um exemplo, né? Então é um mártir que a gente tem e um nome muito bonito que a gente tem dentro da casa. Ficou essa pecha na gestão do Inocêncio inclusive. Depois disso aí, vem a abertura, 85. Já vem umas leis que nos dá poderes de ações civis públicas, a Lei de Ação Civil Pública, que é o que torna o MP já mais forte. Essa lei, que existe até hoje, Lei de Ação Civil Pública de 85, nos dá vários poderes e é um marco. Ao mesmo tempo, um ano antes em 84, teve a Lei Orgânica do MP, que também organizou um pouco mais o MP. Também nos tornou mais forte. Depois vem 88, por causa acima de tudo do Sepúlveda. Com a Constituição de 88, o MP ganhou os artigos 127 e 129, um capítulo, e se torna bem forte. É uma das melhores constituições que a gente já teve. A melhor constituição que o Brasil já teve foi aquela, inspirada na Constituição de Portugal, da Espanha, um pouco da Itália, um pouco da França e também inspirado no melhor das nossas constituições anteriores. É um marco. Aí o MP se torna a instituição que é hoje, 38
porque para muitos países_ tem duzentos e quarenta países no mundo_ o Brasil tem o orgulho de ser um dos países que tem uma das melhores organizações jurídicas do Ministério Público. Não é o que deve ser. Não é o Ministério Público italiano, ou mesmo o Ministério Público americano. Apesar de que o Ministério Público americano é muito vinculado ao Governo. O Procurador-Geral de Justiça é o ministro da Justiça e é nomeado pelo Governo, demissível ad nutum, coisa que o nosso não é. Porque o nosso é nomeado, mas não é demissível ad nutum. Tem que ter, parece que dois terços, não, a maioria absoluta do Senado para tirar. Depois a gente vem para 93, quando vem a Lei Orgânica do MP. Foi acima de tudo o Dr. Álvaro, mas também o Dr. Aristides que trabalharam, Santoro e outros. E também, é claro, Fonteles, que um dos marcos da gente é ele mesmo. Aí gerou a Lei Complementar 75 de 93. Essa lei é a lei que nos rege até hoje. É uma lei linda que tem muita coisa importante. A partir daí, consolida. A gente deixa de ser advogado da União e se torna, unicamente, promotor federal. É a função nossa. E aí cria a Advocacia da União. Agora, os problemas que tem: problemas que todos os outros Ministérios Públicos tem. Tem vinte e seis Ministérios Público e vinte e sete com o Ministério do DF. Ainda tem vinte e poucos que são os Ministérios Públicos ligados aos Tribunais de Contas. Que está errado! Deveria ser a gente oficiando no Tribunal de Contas da União e o Ministério Público de São Paulo oficiando no Tribunal de Contas de São Paulo. Mas para fazer uma cisão entre a gente e o acesso à informação de crimes dos administradores, para dificultar e proteger os corruptos, criaram esse outro Ministério Público anômalo. Claro que eu sou amicíssimo de muita gente. Do Dr. Lucas, que é o Procurador-Geral do Ministério Público do Tribunal de Contas, ele é amigo meu, ele sempre me ajuda, atende tudo que é pedido meu. Agora, ainda assim, seria melhor se ele fosse um de nós, oficiando lá. A verdade pura é essa. E se ele tivesse o poder de processar pessoas. Porque ele não tem. Ele tem o poder de abrir investigações e dar pareceres. Só. E ele deveria ter mais poderes. [pede para interromper a gravação para atender a chamada do telefone] O que eu estava falando? Já ligou? Já. Está ligado. Nós, do MP, não podemos fazer lista tríplice. A gente tem que aceitar ...
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FORMAÇÃO DE LISTA TRÍPLICE E USO DE MEDIDA PARA OVISÓRIA O que é a lista tríplice? A lista tríplice é assim... É o que o Ministério Público do DF, de São Paulo, do Piauí, de Sergipe, do Rio Grande do Sul podem fazer. Eles fazem uma eleição entre eles, inclusive promotores entram, escolhem três nomes, e o Governador tem que escolher um desses três. Para... Para ser o Procurador-Geral de Justiça, para chefiar o MP, por exemplo, paulista, goiano, acreano. A gente não pode fazer isso. A gente não pode fazer lista tríplice. É importante a lista tríplice porque aí você tira a interferência política. Tem que ser alguém da casa, muito respeitado, com nome dentro da casa, com nome na área jurídica, com trabalho jurídico exímio, com livros, professor que já ocupou vários cargos, várias promotorias, que nunca teve nenhum problema. Então escolhido dentro da casa, você sabe que é um nome técnico que surge. É igual como se fosse numa redação ou numa universidade para os professores escolherem o reitor. É muito mais sábia a escolha do que ter um teleguiado. Uns páraquedistas vindo lá de cima, né? Então, nesse caso, é igual um diretor da escola. Qual o melhor diretor da escola? Um diretor escolhido pelos professores e, se possível também, até com os alunos e com pais de alunos, eu acho, e com os trabalhadores também do ensino. Agora, aqui, a gente não pode fazer lista tríplice. Então, o Palácio do Planalto pode escolher qualquer um de nós para ser o Procurador-Geral. Tem que ser da casa. Antes, no período militar, podia ser gente de fora. A gente, pelo menos, conseguiu que seja um de nós. Agora não tem uma lista tríplice. Agora a gente conseguiu um mandato. Então ele é Procurador-Geral da República por dois anos, e ele só pode ser perdido o cargo com maioria absoluta do Senado. O que é muito difícil conseguir, né? Então o presidente escolhe. Mas o procurador, tipo o Dr. Fonteles, pode em alguns ponto ir contra o presidente. Por isso que ele mandou aquelas recomendações, processou alguns caras, porque ele tem umas estabilidade. Mas é indicado. E está errado ser indicado. O certo era ou escolha total nossa ou lista tríplice e aí o presidente escolhe um. É bom, porque a gente pode escolher três nomes profissionais bons, exímios e qualquer um desses três vai satisfazer a gente. Então, há interferência política. A outra interferência política que tem, maluca, é através de medida provisória. Por exemplo, na briga contra o Hildebrando Pascoal, a gente conseguiu que o parlamento, no bojo da CPI, fizesse a Lei de Proteção à 40
Testemunha. E conseguirmos que o Supremo fizesse uma lei, uma súmula, que revogasse uma súmula anterior, para que os ex-ocupantes de cargos públicos não levassem consigo, perpetuamente, mesmo perdendo o cargo, a prerrogativa do foro. Porque senão a gente não pegaria o Hildebrando. Isso foi feito para pegar o Hildebrando. O Supremo atendeu a pedidos, etc, a CPI e tudo o mais, e mudou! Porque aí, quando ele perdesse o cargo, ele não responderia no Supremo. Ele cairia para 1ª instância e a gente podia prendê-lo. E a gente fez a mesma operação. E assim que foi feito. A gente mudou a súmula, consegui a Lei de Proteção, os asseclas do Hildebrando falaram, aí a gente conseguiu que ele perdesse o cargo, e perdido o cargo, a gente pediu, no mesmo dia, uma ordem de prisão do juiz e prendemos ele. Ele saiu preso. Por que deu certo? Agora, do mesmo jeito que, às vezes, essa convergência política é favorável, volta e meia, a convergência política é contrária. O Governo do Fernando Henrique, no último dia dele, quase no dia vinte e seis, faltando cinco dias para terminar dia 31, um dia após o Natal de 2002, ele fez uma medida provisória recriando a prerrogativa de foro. Isso atrapalha! Imagina. Nós somos quarenta e seis procuradores regionais, que eu sou agora Regional. Vinte e seis oficiam no crime. Esses vinte e seis têm a tarefa de vigiar os crimes praticados por todos os prefeitos da Região Centro-Oeste, Norte, de Minas e Bahia. Só Minas e Bahia juntando, Minas e da Bahia, olha só, juntando só isso aqui, já dá uns mil e duzentos, mil e trezentos prefeitos. E mais Maranhão e Piauí. Então vinte e seis procuradores regionais vão ter vigiar o crime praticado por cerca de dois mil e quinhentos a três mil prefeitos, e a gente tem que vigiar também os secretários de Estado e tem que vigiar os deputados estaduais. Não dá para fazer nada! Por isso é que tem uma impunidade total. Não deveria ter prerrogativa de foro. O que seria então prerrogativa de foro? Prerrogativa de foro é você ter um foro privilegiado. Aí o deputado federal só pode ser processado no Supremo, o governador só no STJ, o prefeito só no Tribunal de Justiça ou no TRF. Se ele mexer com o curso federal, no TRF. E mesmo o procurador tem prerrogativa de foro no TRF. Para que tem prerrogativa de foro? Só para dar imunidade, para dar imunidade para o corrupto. Só para isso. Então, o certo era a gente aplicar. Por exemplo, nos Estados Unidos não tem prerrogativa de foro. O Bill Clinton, no processo de impeachment dele, por assédio sexual contra a estagiária dele, respondeu perante um grande júri, aberto, crime sexual com detalhes assim, sórdidos, até sendo relatado por testemunha, para os olhos inteiros da nação ouvirem e acompanharem. E quem é que 41
julgou ele? Pessoas do júri popular, pessoas escolhidas num processo de sorteio do povão. E quem é que atuava contra ele? Não era o Procurador-Geral de Justiça. Era um promotor que era instado promotor especial, designado para aquilo. Mas um promotor de 1ª instância. Então para que diabos ter prerrogativa de foro? Não deveria ter, né? E tem! PARA OCESSO CONTRA O PARA OCURADOR-GERAL DR. BRINDEIRO Você chegou a processar o último procurador? Olha, só para falar. Eu processei todo esse povo, porque eu processei eles antes do Natal de 2002. Pois, depois do Natal de 2002, eu já não poderia processar o presidente, nem senador, nem governador, nem deputado federal, nem nada. O que o Fernando Henrique fez, no final do seu governo, foi retirar quase todos os poderes do Ministério Público. Detonou com a gente! É interferência política. Primeira água, em alto grau, dentro da atividade ministerial. Eu processei o Brindeiro duas vezes. Uma por causa que ele, nas férias dele, ele pediu jatinhos da FAB [Força Aérea Brasileira], que deveriam estar defendendo o espaço aéreo, especialmente de que? De contrabando e de tráfico de armas, de entrada daqueles fuzilzão FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e diabo a quatro, que vai depois para os traficantes das favelas. Eles entram por onde? Pelas fronteiras! É por onde entra a cocaína. Porque não tem aviãozinho da FAB lá! E onde é que estão os aviaozinhos da FAB (Força Aérea Brasileira), que são em pequeno número? Utilizado pelos ministros para irem para casa! É utilizado pelos ministros nas férias! Aí o Brindeiro entrou na brincadeira! Durante quatro vezes, em quatro feriados, férias, que ele teve, ele foi com a família inteira, até namorado da filha, ele vai para Fernando de Noronha com o jatinho da FAB. Aí não contente de ir com jatinho da FAB_ tudo de graça, né?_ chega lá, primeiro vai até Recife, depois pega o outro coisa e vai até lá. Tudo da FAB. E também não fica em hotel. Tem um hotel de trânsito, onde era a sede, porque Fernando de Noronha já foi, por incrível que pareça, um Estado. Primeiro foi arrendado dos americanos, na Segunda Guerra, e depois se converteu num tipo Estado, durante o Governo parece que do Sarney. Que era até aquele Luiz não sei o que lá. Aquele cara que estava com o ACM era até o governador, governador de Fernando de Noronha. Lá tem a sede, bem rica assim, onde era o governador. Aí converteu-se em local da Aeronáutica. Você é militar da aeronáutica, coronel, tenente, major, você está em um canto lá, você está em um canto lá inóspito do país, e, de repente, você é transferido, o que é muito comum numa carreira 42
policial. Toda hora tem transferência. Acontece que para preparar a sua casa, tem um certo tempo. E você tem um tal de trânsito. Aí você fica lá, às vezes, um mês, um mês e pouco. Aí eles vão para lá! Bonito, né? Os oficiais da Aeronáutica trabalham, por exemplo, em Manaus, e aí, de repente, vão ter transferência para Brasília ou São Paulo. Até arrumar a casa deles aqui, que podia ser rapidinho. Mas eles demoram, eles vão e ficam um mês ou dois de trânsito e vão para Fernando de Noronha. E ficam lá numa casarona gigantesca. Lá que, na verdade, é um hotel de luxo. E vão para praia, divertem-se... Tranqüilo, né? Alguns ministros de Estado e o Brindeiro resolveram que isso também era muito bom para oficial “Também a gente tem direito!”. E eles foram para lá. Simplesmente, ou seja, ele para vai lá de graça e fica lá de graça. Tem uma pequena estadia, uma pequena coisinha que paga, menos do que um hotel. Aí ele pagava aquela coisinha e ficava. Eu fui e processei ele por improbidade para que ele devolvesse tudo isso aqui. O processo está no Supremo. Esse foi o primeiro processo que eu entrei contra o Brindeiro. Entrei contra o Malan, entrei contra uma porção de ministro e também contra o Brindeiro. O outro processo contra o Brindeiro foi porque a gente tem dentro da casa, é, assim: o TCU (Tribunal de Contas da União) examina as contas do MP, os contratos que são feitos, as compras, as licitações, construções, tudo o que é feito dentro da casa. Mas para o TCU examinar, primeiro ele tem o controle interno, depois, o externo. O TCU é externo. É o controle externo das contas. O controle interno é AUDIN, Auditoria Interna. Acontece que esse AUDIN tem que ser, na verdade, deveria ser um cara até com mandato também e, se possível, escolhido pelos membros. Porque é tipo um conselho fiscal de uma empresa. Ele tem que ser independente: Aí, o Brindeiro vai e chama ... AUDIN é o nome? AUDIN. Ele chama para ser chefe da AUDIN um senhor chamado Francisco Barros. Que ao invés de ser um velho servidor público, que trabalhou nisso vida inteira e conhece tudo e que tem um patrimônio condizente e tudo o mais, é um senhor que trabalhou em banco a vida inteira, em cargos fortes de bancos particulares. Vinte e oito anos ele ali trabalha. Ele vai para lá e fica lá dois anos, chefe da AUDIN. Depois, quando dá mais de dois anos, aí intera trinta anos trabalhados. Aí, o Brindeiro vai e fala: “_Bom, meu filho, você está tão bom nesse cargo, mas tão bom, mas tão bom, que aqui está uma aposentadoria estatutária para ti”. A diferença da aposentadoria estatutária é que você tem que ter trabalhado no setor público quinze a vinte anos, pelo menos! Porque a aposentadoria estatutária é pelo 43
pico. Por exemplo, ele se aposenta como chefe da AUDIN, a aposentadoria dele deveria ser pelo esquema celetista, ele ganharia quanto? Dois mil e quatrocentos. Exceto se ele tivesse um fundo de pensão complementar. Por que também? Porque aqui, [ele mostra na ponta dos dedos] ele só paga cerca de onze por cento do que ele ganha, até dois mil e quatrocentos. Aqui, o servidor paga onze por cento de tudo o que ele ganha. Ele paga muito mais então. É uma injustiça a diferença entre as duas previdências. Mas é injustiça também o cara ficar vinte e oito anos aqui e depois vir para cá, trabalhar dois, e pegar uma aposentadoria estatutária. Porque é ilícito isso. Por quê? Porque se fosse lícito isso, todas as pessoas celetistas que trabalhassem a vida inteira, no final assim, quando se aproximasse de trinta anos, faria um concurso, ficava lá um ano e pegava uma aposentadoria estatutária. É ilícito isso. Não pode. Aí o Brindeiro dá para ele uma aposentadoria de mais de dez mil, uns doze mil para ele, e ainda vira para ele e fala: “_Barros, você está um cara tão bom como auditor, mas tão bom, que eu te convido para você, aposentado, ocupar o mesmo cargo”. Porque o PFL fez uma emenda complementar. Foi principalmente por coisa do PFL em 98. [inaudível] que mudou a Constituição, que permite aos aposentados, os servidores aposentados ou celetistas aposentados ocuparem cargo no Estado e somarem os proventos. Mas não por concurso e sim para o cargo com comissão. O que é uma injustiça. O certo seria permitir que os idosos aposentados fizessem concurso e ganhassem a aposentadoria, e o cargo que eles ganharam por concurso, por mérito. Isso eles baniram. Agora eles permitem que o cara, aposentado, fique no Estado somando proventos. Então ele passará a ganhar a aposentadoria, mais o cargo efetivo, entendeu? Aí o Barros ganhou a aposentadoria ilícita e, depois, não contente com a aposentadoria ilícita, permaneceu no cargo agora, somando as rendas, ganhando vinte mil! Eu botei na ação, a partir daí, o quanto o xerife interno seria um cabra valente, árduo para vigiar os atos do beneficiário, do papai dele? Não seria nada, né? É a mesma coisa de você, o prefeito aí, e tem o xerife. E você dizer para o xerife: “_Olha, está aqui uma aposentadoria ilícita, e, ainda mais, você pode ficar no cargo somando”. O xerife vai ser um cara muito duro com você? Não! Ele não pode ser duro com você, né? Ele está ganhando vinte mil graças a você, de forma espúria! Aí eu processei o Brindeiro e o Barros para cassar a aposentadoria indevida dele, porque ele tem direito sim a uma aposentadoria celetista, mas não uma estatutária. E olha que eu fui contra a reforma da Previdência, como eu sou contra. Porque eu, na verdade, acho que o celetista tem que ser igual ao estatutário. Ele tem que pagar para a Previdência, de tudo o que ganha, onze por cento, e quando se aposentar tem que ganhar o que eles 44
ganhavam na ativa. Esse é o sistema certo que devia ser implantado no país. Agora, não pode é..., tem hoje duplo regime, porque o cara é amigo do poderoso, poder dar esse saltinho direito. E mais ainda! Deu aposentadoria para ele, ilícita, e ainda permitiu a ele, manteve ele no cargo. A partir daí, você acha que os atos do Brindeiro foram auditados de forma muito severa? Não, né? Porque o cara que ganha um presente desse, perde toda a liberdade. Então por isso eu processei ele de novo. E esse processo está onde? Está no Supremo? Aí que está a questão. Ele deveria estar na mão de um bom juiz da 1ª instância que julgaria, às vezes, o caso talvez em um ano. Foi para o Supremo depois da medida provisória doida do Fernando Henrique, e o PT (Partido dos Trabalhadores) manteve. Porque o Fernando Henrique fez a medida e o PT, ao invés de fazer outra desfazendo, ele manteve. Essa prerrogativa de ... O PT manteve aquela desgraçada daquela medida provisória e não contente de manter – um dos meus últimos casos foi a abertura da investigação contra o Meireles_ não contente, o PT ainda bate uma outra medida, no tempo dele, foi ano passado, dando ao Meireles, que é um cara que ganha, por mês, cerca de duzentos mil do Banco de Boston_ ele trabalha muito mais para o Banco de Boston do que para o país eu acho_ dando a ele prerrogativa de foro. Porque o presidente do Banco Central nunca teve prerrogativa de foro. O PT deu por medida provisória. Que foi um ato espúrio também, né? Ao colocar o presidente do Banco Central como ministro? Ao dar a ele o cargo, quer dizer, o status de ministro, deu a ele também a prerrogativa de foro para ação de improbidade e de crime, e tirou o caso do procurador de 1ª instância, no caso, eu e o Lauro, e passou para o Fonteles. O Fonteles é que agiu bem, tenho até que dizer isso também. Ele foi e deu total apoio para gente, concordou com o nosso entendimento que a medida provisória do PT é inconstitucional e disse que a investigação deveria continuar na 1ª instância. Só que ele participaria, até para dar proteção para investigação. E ele agiu bem. Mas foi uma manobra! Isso aí é daqueles atritos da gente com o Palácio. Você investiga o presidente do Banco Central e o Palácio faz uma medida provisória tirando a investigação da 1ª instância e jogando para 2ª [instância]. A última manobra foi o Conselho do MP. Porque eles estão criando um conselho palaciano aí, para 45
permitir que o Palácio do Planalto possa golpear os procuradores que investigam. O que é um ato espúrio também. [a entrevista e interrompida devido ao fim da fita de gravação. Quando retorna, o assunto é sobre o gato que o procurador encontrou] Estava lá indo embora. Eu a vi direito. Aí tentei pegar e não consegui. Tudo isso aqui estava em obras, isso aqui, e ela ficava oculta no meio desses negócios. Quase morreu! Entrou dentro de um cano ali embaixo, se vocês virem o cano, entrou dentro de um cano assim debaixo do negócio. Um caninho fino! Não sei como é que está viva. Aí quando terminou a obra, estava no final, eu estava comendo ali perto da biblioteca, eu vi ela morta de fome e aí a peguei, e ainda levei duas unhadas bem duras, dela. Botei ela num quarto ali, e ela amansou. Aí eu adotei ela. Aí fui, peguei essa aqui de companhia. Ah, legal! Pronto? É porque eu estou falando assim, porque eu não vejo nenhum de vocês! É tudo mancha [risos] por causa dessas luzes aí. A gente fica meio esquisito para conversar. A MISSÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E SEUS PROMOTORES Procurador, o que você deixaria na sua entrevista, assim, como mensagem para os futuros procuradores, aqueles que sonham em também entrar para carreira? Que tipo de mensagem você deixaria? Assim, porque o sonho da gente é a Operação Mãos Limpas no Brasil. A Operação Mãos Limpas na Itália prendeu acho que foi oitocentos e tantos grandes empresários. Parece que prendeu seis ou mais ministros, uma porção de deputados, primeiros-ministros, o que equivale a Presidente da República, porque lá é parlamentarismo. Esse é o sonho nosso. É fazer um Ministério Público igual ao da Itália. Na verdade, os nossos modelos são a Itália, a Alemanha e os Estados Unidos. Mas, especialmente, Itália e Alemanha. São os melhores Ministérios Públicos do mundo, porque têm mais poderes, porque são mais aguerridos. E o membro do MP tem que ser feito aqueles profetas bíblicos ou feito aqueles tribunos romanos, por exemplo, um Caio Graco, etc. Eles têm que fazer o quê? Estar atrelados aos interesses dos humilhados, dos perseguidos, dos índios, dos negros, de todos os setores, dos que estão pisados, das vítimas dos crimes, de tudo e, especialmente, da sociedade, do pessoal que sofre dano ambiental e luta contra o grande capital, o latifúndio e etc, e o Governo controlado por esses. Até o momento em que, se Deus quiser, e eu espero que seja 46
o quanto antes, no Brasil não exista mais nem latifúndio, nem exista também grande empresa particular. Que o Brasil tenha, assim, milhões e milhões de pequenas firmas e pequenas propriedades rurais e muitas cooperativas e muitas lindas e belas estatais autogeridas com gestões participativas, participação nos lucros e tudo o mais e excelente legislação trabalhista. Ou seja, que os direitos humanos estejam atendidos. A sociedade brasileira é a mais injusta do planeta. É a que tem maior desigualdade social do planeta. É a que tem mais índice Gini, diferença de rico e pobre é maior aqui, concentração de riqueza e miséria_ é a que tem os maiores latifúndios, a maior taxa de juros do planeta! E a taxa de juros mede também o teor, a taxa da mais valia, ou seja, o capital, aqui no Brasil, o empresariado é o que pega a fração mais gorda que tem no mundo inteiro. Enquanto, por exemplo, nos Estado Unidos, o capital fica com trinta e setenta com o trabalhador, aqui o capital fica com setenta e o trabalhador com trinta. Então, assim, enquanto perdurar essa situação, e mesmo depois, que não mais perdurar, os membros do MP têm que ser uma instituição em pé de guerra, uma instituição inteiramente em conflito com os latifúndios, porque os latifúndios são fraudadores de tributos. Só de tributo que tem aqui no Brasil, sonegado por ano, dá cerca, parece que é duzentos bilhões de tributo da Receita e cento e poucos de bilhões de tributo do INSS. A começar porque mais da metade dos trabalhadores nem carteira de trabalho tem. Então eles não recolhem quase nada para Previdência. E os patrões também não recolhem nada. Por exemplo, o Luiz Estevão, eu o denunciei duas vezes, no time do Brasiliense, porque não recolhia nada. Tem duas denúncias contra ele, sonegador de Previdência Social também. Então só sonegação, se tivesse aplicação das leis tributárias, que são uma droga também porque não tem progressividade quase... Enquanto nos outros países você paga sessenta por cento, aqui é índice quase de paraíso fiscal, porque o ganho de capital, que é principal que os empresários deveriam pagar, parece que é quinze por cento. No mundo inteiro, quando é menos de vinte, é paraíso fiscal. Mas mesmo essa droga da legislação tributária que a gente tem, que é uma desgraça absoluta, não é aplicada! E a maior parte do empresariado é sonegador tributário. E se não fosse sonegador, a gente teria trezentos bilhões a mais. Fora isso, se pegar a dívida pública, é totalmente espúria. Está na Constituição Brasileira, nos Atos e Disposições Transitórias, está lá, claramente, no seu artigo 18 ou quarenta e poucos, que diz que um ano depois da Constituição de 88, teria que ser feito uma comissão mista de Senado e Câmara para fazer a auditagem dos títulos da dívida pública. O Dom Paulo Evaristo Aires, em 85, fez um estudo e mostrou que essa dívida estava paga várias vezes. [estala os dedos] Se fizesse a 47
auditoria da dívida pública, mostraria que a gente já pagou aquela dívida, ó, múltiplas vezes e que a gente é credor! Aí também aliviava, teria mais de cem bilhões. Então, os membros do MP têm que trabalhar é com isso. Inimigos mortais da sonegação. E aí é bom lembrar o que os Governos fizeram. O do Governo Fernando Henrique, eles fizeram Refis (Programa de Recuperação Fiscal), dando, às vezes, dois mil anos para o sonegador pagar. A gente pensa: “Como é que é dois mil anos?”. Dois mil anos por quê? Porque o cara que sonega, ele fica pagando 0,5% do faturamento. Volta e meia ele esvazia o faturamento e fazendo uma projeção, ele só pagará aquela dívida em dois mil anos. É tipo do Clube de Tênis, aqui de Brasília, Academia de Tênis. Está devendo, entrou no Refis, vai pagar em mil e seiscentos anos, no percentual que paga. Então, a gente é inimigo, tem que ser inimigos ferrenhos, mortais mesmo, do sonegador, do traficante. Ao mesmo tempo o Estado brasileiro não dá nenhum apoio para o usuário, para o dependente que é vítima do tráfico. Então a gente tem que se bater sim, para que o Estado crie clínicas e expanda a Previdência, expanda o SUS (Sistema Único de Saúde) para dar total apoio, acima de tudo, psicológico e psiquiátrico para os usuários, que essa é a forma de tirar o cara e também atacar o traficante, claro. Eles têm que ir preso até mais tempo. Agora, assim, e outro itens. Latifúndio, todos eles são grileiros de terra e todos eles não pagam nada de ITR (Imposto sobre Propriedade Territorial Rural). A briga do MP é, no fundo, uma briga social. A gente não é um partido político. Mas acontece que a gente pega o melhor dos princípios constitucionais, o melhor dos princípios gerais de Direito e o melhor de legislação e temos o dever de tentar aplicar. E por incrível que pareça, aqui no Brasil, se aplicasse o ordenamento jurídico tacanho, estúpido e injusto que a gente tem, que é totalmente esburacado, ainda assim, se aplicasse ele, não teria tanta injustiça. Esses que cometem a injustiça, que violam as leis, reiteradamente, são justamente esses grandes ricos, milionários_ que tem, cento e cinqüenta e poucos mil milionários_ que tem no país, e bilionários que saqueiam o país e fazem ter uma horda de trabalho escravo aqui no Brasil até hoje. O membro do MP tem que ser um cidadão, acima de tudo, um tipo de milícia cidadã, de instituição cidadã a serviço da cidadania, a serviço dos direitos humanos, a serviço do melhor do ordenamento jurídico para fazer Justiça. Coisa que não tem no Brasil. O espírito que eu gostaria de passar é que o membro do MP seja um militante. Seja uma pessoa em guerra contra determinados interesses e que leve isso a sério e encare o cargo como um grande serviço que presta à sociedade, desde que ele enfrente os poderosos, enfrente os governadores espúrios, os administradores espúrios e processe esses caras. E 48
tente, também, levar a população, etc, a pressionar aquele parlamento para mudar a legislação, para acabar com privilégios, foro privilegiado, com prisão especial e com uma porção de coisa que tem aí, que é Refis. É isso! RAZÃO, PAIXÃO E FALTA DE AUTONOMIA, NO MINISTÉRIO PÚBLICO Sabe, Dr. Luiz, a gente pode dizer que você atua com razão e paixão pelo que faz? É, porque é impossível você não agir com paixão. Claro que, acima de tudo com razão. Mas o afeto da gente, às emoções, elas caminham num mesmo sentido. Graças a Deus até! São as duas coisas. Agora, o ruim é que ... O senhor tem paixão por aquilo que você faz? Tenho. Apesar das minhas asas, das minhas garras, dos meus modos de ataque estarem quase todos cortados! Um procurador regional não pode quase entrar na guerra. Ele é quase reduzido a um parecerista no tribunal! E a gente tenta mudar isso, e para mudar isso vai ser uma verdadeira briga também. Por exemplo, o certo é a gente estar... O Supremo não nos deixa investigar por ora, porque não decide logo e fica vários anos, sete, oito, dez anos para decidir se eu posso, ou não investigar um pilantra! “Ah, o MP não pode investigar!”. Quer dizer, a gente deveria estar em campo, deveria estar visitando prefeituras, devia estar colhendo reclamações de pessoas, devia estar preparando processos contra prefeitos corruptos, contra secretários de estados, deputado estadual. Essa era a tarefa para um procurador regional. Pergunta se os procuradores regionais, dos vinte e seis que cuidam de mais da metade do território nacional, fazem isso? Não fazem. Pergunta quantos prefeitos estão presos? Nenhum! Não tem nenhum prefeito preso. Nenhumzinho! Aí pergunta quem é que está preso. Aqui na penitenciária tinham 800 presos até uns sete ou oito anos. Tem sete mil presos, e é tudo gente pobre. É negros, pobres, gente extremamente. Por exemplo, no pavilhão das presas, que é um tiquinho, é menos de ... É quase tudo sabe o que é que é? É moças que tinham um laço afetivo com um traficante e que foram induzidas ou usuárias. É isso que a gente tem nas penitenciárias. Quer dizer, nas penitenciárias, a gente tem pessoas que deveriam ter tratamento previdenciário, deveriam ter renda mínima, porque já tem o Projeto da Renda Mínima legalizado. Agora pergunta qual é a renda mínima? Passou o projeto do Suplicy. Só que precisa de um ato do Lula para assinar. Aí todo cidadão brasileiro deveria estar ganhando, por exemplo, uns cem, cento e cinqüenta, duzentos por 49
mês, do Estado. Porque é cidadão. Esse é o projeto da Renda Mínima. É um projeto lindo e existe em outros países. Tem isso? Não, porque o Lula, a mão dele não consegue assinar, porque ele tem que dar todo ano cento e cinqüenta bi quase, acho que é cento e vinte e oito, para os banqueiros. Na verdade, os banqueiros são só os mediadores. É para aqueles milionários que aplicam no banco e que aplicam em títulos da dívida pública. Por exemplo, o cara ganha na loteria, ganha três milhões e não precisa mais trabalhar. Ele, simplesmente, vai aplicar na ciranda que está viva até hoje. Ele multiplica o rendimento todo o ano, quinze por cento mais ou menos. O que basta. Ele nunca mais vai precisar trabalhar, porque ele não consegue nem gastar a renda do dinheiro dele. E o dinheiro dele amplia. E se ele resolver assalariar trabalhadores, o pagamento aos trabalhadores é tão pífio, que o dinheiro dele multiplica mais ainda. E se ele pega o monopólio do mercado que está cheio de cartel e truste_ e o Estado nada faz_ então ele multiplica aquilo por mais outras vezes. E aqui no Brasil também, a gente tem uma das economias das mais internacionalizadas e mais trustificadas e cartelizadas, e o Estado brasileiro não faz nada, e os membros do MP não têm ainda as leis necessárias para poder atacar isso. A gente tem uma economia totalmente regida por trustes e por cartéis e ninguém faz nada. Tá bom? Ok! Mais alguma coisa? Não. Acabou. Ok! Muito obrigado, então.
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