A Pel e do Caçã o Cartografia de amor, (beleza) e fúria na cidade de Belém.
Temporada de Projetos 2012 / Paço das Artes
Elaine Arruda Artista Proponente
Uma mulher com uma marreta na mão desfere um golpe numa placa de zinco, pregada na parede. O som abafado do ferro esmagando o corpo do metal: o corpo dos sonhos (gravando todas as tempestades vistas no Guajará) se expande pelo ateliê e alerta os seus vizinhos. A sereia está em pé. Cada pancada, cada mordida no metal, é uma escrita (pesada?) na superfície prateada, opaca, irregular, fina e áspera como a pele de um cação, pendurada no mercado de peixe. A pele de um esqualo cheio de cicatrizes. E o que este peixe viu nas profundezas do oceano (do rio escuro) Elaine Arruda transmite para fora com violência, direto para as matrizes de metal. Um verdadeiro cardume de sentimentos que se movimentam na massa forte das incisões, utilizando instrumentos de batalha que, no dia a dia, despertam os mortos e são apropriadas para as visões incomuns que afundam, rasgando e distorcendo a realidade, abrindo sulcos como rios num deserto de cinzas; abalando a superfície delicada de um espelho e destruindo o retrato visto, no primeiro encontro. Há um embate de forças e desejos diante da gravura em metal. A matriz em pé mostra a nudez de um corpo olhando para a sua própria imagem no mundo. Do outro lado, entre o silêncio do sangue e a música do ferro, as figuras (as projeções de conquista) surgem contornando a sua juventude, como as algas dos Sargaços que antigamente prendiam o espírito dos marinheiros, deixando-os submersos num caldo difícil de figurar. [...] Temos em Belém esta dupla via de acesso ao trabalho da artista, flagrante nos depoimentos incisos em grande escala. Observem como as linhas, unidas no acidente, compõe um cenário portuário no levante das ferramentas. Mas, não é só isso. Temos as florestas, as árvores enormes que caminham para beber no leito, essa mistura salobra, na cor do papel alemão. Temos o corte como um signo geográfico maior. [...] A escuridão da ponta seca fragmenta a realidade e deixa a viagem dos fantasmas do tempo, em suspensão, nos olhos das pessoas. Elaine Arruda promove uma cartografia do amor bruto e sólido, ao conduzir a imaginação para os telhados das casas que cercam o porto, onde pousam os carniceiros e os poetas. Amassando, afundando, conduzindo a luz de uma linha de vida tão forte como aquelas deixadas nas mãos dos pescadores de Fortalezinha ou do Ver-o Peso, a artista constrói o seu leque de escamas: o personagem de suas memórias, livre das grades e dos quartos fechados da pequena forma, do Pequeno Príncipe, para se expressar na paisagem natal, a vontade de respirar a atmosfera além da linha do Equador.
A Pele do Cação: Cartografia de amor, (beleza) e fúria na cidade de Belém. Texto de Ulysses Bôscolo, 2011.
Obj etiv os
O projeto “A pele do cação” deriva da relação com o lugar : da paisagem natural amazônica, seu gigantismo e reflexos nos sentidos ; da apropriação de novos recursos para a gravura em metal advindos das oficinas dos barqueiros da cidade de Belém. As gravuras em grandes formatos são resultado de um longo percurso, no qual o corpo e a paisagem constituíram-se como diretrizes da minha investigação poética. A escala entra nesse cenário como efeito da minha inserção em metalúrgicas navais – fábricas plenas de máquinas e ferramentas próprias deste universo – quando me aproprio de equipamentos industriais para a produção de gravuras em grandes dimensões. Incorporando aos procedimentos consagrados da ponta-seca e do carborundum as experiências vivenciadas nas metalúrgicas e funilarias da cidade de Belém. Este projeto representa a continuidade da incursão realizada em 2010, com o projeto ‘Elucubrações’, aprovado no Edital de Pesquisa e Experimentação Artística do Instituto de Artes do Pará (ver imagens das obras no portifólio em anexo). As gravuras serão produzidas em três meses de intenso intercâmbio nas metalúrgicas Santa Terezinha e A Reconstrutora. Além das estampas, apresentarei também um vídeo documental sobre o meu cotidiano nas fábricas, as relações de troca que estabeleço com os operários, e sobre o Porto do Sal, região peculiar onde as mesmas estão localizadas. Em 2010, realizei um piloto desse audiovisual – cujo DVD compõe o portifólio em anexo – onde enfoquei o meu processo de pesquisa. Pretendo, nesse novo projeto, dar maior visibilidade ao contexto portuário e à depoimentos dos operários sobre as metalúrgicas. Dessa forma, os objetivos do projeto destacam os seguintes pontos: - Realizar uma exposição no Paço das Artes, com uma série de vinte gravuras inéditas, cujas medidas variem entre 1m x 1m e 2m x 1m; - Produzir um vídeo (15 min) sobre os processos de trabalho e contextos específicos da pesquisa ; - Pensar as relações de recepção e circulação da produção artística ; - Produzir diálogos entre o campo artístico e o universo das metalúrgicas, criando uma rede de trocas e saberes diversos ;
Justificativa Contexto, a cena local Nos últimos dez anos, a produção gráfica se intensificou no cenário artístico amazônico, movimento incentivado por ações contínuas que fortaleceram essa prática em instituições culturais públicas do estado do Pará. O fortalecimento e o restabelecimento da tradição da gravura na região propiciou a vinda de exposições até então ausentes no contexto local, além de nomes representativos da gravura contemporânea brasileira em programas de aperfeiçoamento e intercâmbios com diversos eixos culturais, como São Paulo, Santo André, Rio de Janeiro, Québec e Amsterdã. Este projeto se constitui, portanto, como elemento fortalecedor do movimento vivenciado na última década. Período no qual intensos investimentos foram feitos na formação de artistas que utilizam a gravura como linguagem no cenário amazônico. Além do caráter histórico, a própria natureza do projeto justifica sua relevância, visto que o mesmo desloca a gravura de espaços que não possuem relação direta com o universo artístico e aponta novas formas de produção, diálogo e circulação . Investiga, em consequência das grandes escalas, possibilidades de apresentação e integração da obra no espaço. Fundamenta-se em procedimentos tradicionais da linguagem gráfica, mas a partir da inserção no cotidiano das fábricas metalúrgicas, busca referências no conhecimento técnico dos seus operários, equipamentos e procedimentos. Por fim, produz reflexões sobre o controle e a reinvenção da técnica como condição indispensável para a liberdade poética.
Antecedentes:
Oficina Santa Terezinha – atelier de gravação e ferramentas.
Minha aproximação com a gravura vem sendo marcada por uma intensa investigação procedimental que incorpora novas condições de produção e procura pensar os seus limites. O interesse em expandir a escala das gravuras surgiu como um passo à frente na pesquisa que desenvolvia com procedimentos de cortes diretos sobre o metal, a ponta seca; técnica que devolve à estampa qualidades físicas e intensidades gráficas de grande força expressiva. O caminho aberto pela pesquisa com os processos diretos levou a um repertório ferramental mais amplo – machados, marretas e ponteiras – fazendo incidir sobre a imagem impressa um corpo residual de tinta cada vez mais espesso. O contato com as metalúrgicas navais da Cidade Velha, região portuária de Belém, me possibilitou desenvolver um trabalho que partisse desse encontro de estruturas e saberes diversos. São oficinas que possuem equipamentos adaptáveis à impressão de gravuras em metal, com medidas que ultrapassam os limites das prensas encontradas nos ateliês de gravura em
Belém. Portanto, foram criadas as condições para que o trabalho se redimensionasse, não somente quanto à sua escala, mas, fundamentalmente, à suas possibilidades de produção e circulação.
Deslocamentos e os novos territórios
A oficina Santa Terezinha (fotos acima) é um imenso galpão com máquinas usadas na fabricação de peças de metal para navios, um espaço de trabalho pleno de elementos instigantes à pesquisa gráfica. A experiência na oficina me permitiu conhecer os equipamentos que as metalúrgicas possuem, assim como as ferramentas, os ácidos e o conhecimento técnico que circula naquele meio. Das inúmeras contribuições proporcionadas pelo intercâmbio com essas fábricas, destaca-se o emprego da calandra1 como prensa de gravura em metal, após sofrer algumas adaptações. Fato que solucionou o principal obstáculo à realização das gravuras 1
A calandra é uma prensa que possui três rolos, as chapas de metal são torneadas ao passarem entre esses rolos, assim são produzidos alguns tipos de tubos. Para que a calandra funcionasse como prensa de gravura em metal, foi colocada uma chapa de 2cm entre os rolos – expessura que a permitiu passar entre os eles sem sofrer torneamento – que funcionou como mesa de impressão.
em grandes formatos.
A oficina A Reconstrutora, localizada no Bairro do Reduto, possui uma calandra inglesa do início do século XIX (ver foto acima), de medidas aproximadas à das chapas de zinco de 2 x 1 metros. Por esse motivo, aquele espaço tornou-se a oficina de impressão. As novas condições de produção importaram novos desafios: feltros com as medidas da matriz; soluções para umedecer um papel com tais proporções; pesquisa de chapas de metal que pudessem servir como mesa de impressão; logística de transporte; entre outros.
Memorial Descritivo Técnico A pele do cação é um projeto de exposição cujo conteúdo poético foi impecavelmente abordado pelo artista Ulysses Bôscolo, quem me presenteou com o texto de mesmo nome e findou por nomear a nova série de trabalhos que porponho apresentar no Paço das Artes. O texto pode ser lido na íntegra no meu portifólio, que envio em anexo. Pela natureza bidimensional das obras, a exposição ocupará os painéis verticais do espaço. Os trabalhos serão apresentados diretamente sobre as paredes (sem moldura) e o suporte para prendê-las serão pregos de aço e grampos, colocados nas suas extremidades superiores, de forma que as obras flutuem levemente no espaço. Para apresentar o vídeo, utilizarei uma TV LCD, também disposta em uma das paredes da sala. De acordo com as indicações fornecidas no edital, irei utilizar 80 m2, evitando quaisquer intervenções que comprometam o funcionamento e a integridade física do prédio. Como disse nos objetivos, a exposição será composta por vinte gravuras sobre zinco, em grandes formatos (1m x 1m /2m x 1m), além de um vídeo documentário sobre o processo de produção e o contexto onde a mesma será realizada. Este terá um formato digital de curtametragem, com tempo aproximado de quinze minutos. No intuito de proporcionar ao público uma leitura mais íntima da obra pelos caminhos abertos da criação artística, o ‘Caderno de Artista’, com registros do processo criativo em diferentes momentos, como desenhos, textos e notas, poderá ser também um produto a ser exposto. Por fim, o projeto produzirá farto material documental de todo o processo de trabalho – fotografias, documentação em vídeo e textos.
Currículo Artístico Resumido
Elaine Arruda – Belém – PA, 1985. Artista Visual e Agente Cultural. Co-Fundadora do Atelier do Porto (Belém, PA). Psicóloga formada pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professora de gravura na Fundação Curro Velho (2003 a 2011). Foi técnica em Gestão Cultural da Gerência de Artes Visuais do Instituto de Artes do Pará, entre os anos de 2008 e 2009. Foi contemplada com a Bolsa de Pesquisa e Experimentação Artística Edição 2010, concedida pelo Instituto de Artes do Pará (IAP). Coordenou o projeto Grafias, aprovado pelo Edital Espaço Cultural Banco da Amazônia 2010. Realizou Residências Artísticas no Centre d’artiste Engramme (Méduse). Québec – Canadá, 2009; no Centro de Estudos da Imagem impressa Press Papier, em Trois-Rivières. Québec – Canadá, 2009; assim como nos ateliês Piratininga e Espaço Coringa. São Paulo, 2007. Participou de diversas exposições em Belém, São Paulo, Canadá e França. Dentre elas destacam-se: "Biennale Internacionale de la Gravure de Sarcelles", França 2011 ; SP Estampa, SP 2011 ; Arte Pará 2011, duo “very well”. Belém, 2011; “Estampe amazonienne”, exposição coletiva realizada no Centro Artístico Engramme. Québec, Canadá, 2010. Possui obras documentadas nas seguintes Publicações: Jornal de Resenhas da Folha de São Paulo, 2010. Publicação do livro Impressões , editado pelo SESC Pompéia. São Paulo, 2008. Catálogo Acervo Onze Janelas, Gravura no Pará , 2008.
Cronograma de Execução
. Produção das obras : dezembro de 2011 a fevereiro de 2012
. Março: Finalização do vídeo e transporte das obras Belém – São Paulo . Exposição: Data a ser definida pelo Paço das Artes
Dezembro 2011
· Produção das gravuras
Janeiro 2012
· Produção das gravuras
Fevereiro 2012
· Produção das gravuras
Março 2012
Abril 2012
· Finalização do · Possível data para vídeo a abertura da exposição e para o · Transporte das “Projeto Portifólio” obras Belém - SP (A ser definida pela comissão organizadora do evento)
ORÇAMENTO
D escriçã o I) E xp osiç ão
Transporte das obras por Sedex Belém – São Paulo (ida e volta)
Va l or R$ 1. 2 00
R$ 1000
Montagem da exposição Materiais necessários: 1 pacote de pregos de aço; 1 caixa de grampos de papel (pretos); 1 rolo de fita banana; martelo; nível laser; despesas extras com imprevistos.
R$ 200
I.2) Equ ipa mentos n ecess ári os par a a exp osiçã o Televisão LCD
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Aparelho reprodutor de DVD
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Fone de ouvido
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TOTAL DO S C UST OS PRE VIST OS
R$ 1. 2 00
*O orçamento acima não envolve o cachê e a ajuda de custo para o artista residente em outra cidade, previstos no Edital.