ANTICORPOS

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Dados Internacionais de catalogação na Fonte – CIP

Bianca Sizini Faller – CRB 915/ES

MAES. Museu de Arte do Espírito Santo.

Anticorpos: Juliana Pessoa e Luciano Feijão = Antibodies: Juliana Pessoa and Luciano Feijão. [curadoria de Fernado Pessoa ; tradução de Gabriel Pessoa]. – Vitória, ES : Museu de Arte do Espírito Santo, 2023. 39 p. ; 22 cm. ; il. : color.

Edição bilíngue: português / inglês Catálogo de exposição realizada no Museu de Arte do Espírito Santo, Vitória/ES, de 24/01/2023 a 23/04/2023.

1. Arte contemporânea – América do Sul. 2. Exposição de Arte - Brasil       3. Desenhos – Espírito Santo (Estado). I. Título. II. Pessoa, Juliana. III.       Feijão, Luciano.

CDD: 709.8152

Eu vou tirar você de mim assim que descobrir com quantos nãos se faz um sim.

1. Os desenhos de Anticorpos

Anticorpos é o nome da exposição de desenhos que Juliana Pessoa e Luciano Feijão apresentam no Museu de Arte do Espírito Santo. O prefixo “anti” do título indica uma oposição, uma força contrária, que combate, neste caso, o corpo doente: os anticorpos se opõem aos antígenos que causam doenças, eles negam uma negação da vida, a fim de restituir ao corpo a força e o vigor de sua saúde. O anti é um não que recusa uma negação para afirmar o que foi por ela negado, o seu propósito é revelar o que estava velado, descobrindo o que, de maneira latente, permanecia encoberto. De modo análogo, os desenhos desta exposição também mostram nãos, para viabilizar outros sins:

Diante dos mais variados recursos que o desenvolvimento atual dos meios artísticos oferecem, o desenho resgata a ancestralidade atávica de homens e mulheres que, desde remotas épocas, sempre configuraram imagens com traços. O desenho é a mais antiga e originária das artes, sua revelação elementar, presente em todos os lugares de todos os tempos – desenhar é uma manifestação espontânea da própria linguagem, emana da essência do humano, sendo a sua mais arcaica expressão. Assim, anti os diversos engenhos artísticos contemporâneos, a exposição apresenta 44 desenhos, em pequenos e grandes formatos, feitos à mão sobre papel.

Um outro não destes desenhos é o que afirma a simplicidade de seus materiais: carvão, giz, grafite, borracha, pigmentos, papel –bem como a parcimônia das suas cores: preto e branco, vermelho

e azul. Sem a demanda de sofisticados materiais e de diversas cores, os desenhos desta exposição mostram a força do elementar, a opulência de estar satisfeito com o pouco. A complexidade dos desenhos da exposição Anticorpos consiste em sua simplicidade.

O anti aparece também nas imagens dos desenhos tanto da Juliana, quanto do Feijão. Ambos desenham corpos excluídos dos padrões tradicionais, dando a ver a sua diversidade de formas, cores e tamanhos, no esplendor de si mesmos, encantados com a dor e a delícia de serem como são. Em Anticorpos, através da ancestralidade do desenho sobre papel, da simplicidade de seus materiais, do comedimento das cores e do extraordinário de suas imagens, os dois artistas celebram corpos que foram negados pela dominação colonialista dos valores tradicionais, subvertendo os projetos de exclusão do Brasil oficial, para fazer aparecer “a força espantosa das brasilidades encantadas”. Na exposição Anticorpos, Juliana Pessoa e Luciano Feijão apresentam desenhos que mostram com quantos nãos se faz um sim.

2. Os artistas e seus desenhos

... todavia, embora ambos artistas desenhem anticorpos, os seus trabalhos, por se distinguirem em diversos aspectos, possuem uma oposição radical: enquanto os desenhos de Luciano Feijão se caracterizam pelo discernimento da forma, os de Juliana Pessoa se distinguem pela sua indeterminação – no sentido de que o desenho dele é construído minuciosamente em cada detalhe, configurando as imagens nos seus limites específicos para, assim, diferenciar com nitidez os seus perímetros individuais, já o dela descobre as minúcias dos detalhes no próprio processo de fazer, desfazer e refazer o desenho inteiro, o que acaba desvanecendo as delimitações dos contornos e fundindo os elementos da imagem na unidade indiferenciada de seu todo. Ainda que haja a identidade de ambos

desenharem anticorpos, a diferença desta oposição que complementa e intensifica o encontro dos desenhos de Juliana e Feijão na exposição Anticorpos, pois “o contrário em tensão é convergente, da divergência dos contrários, a mais perfeita harmonia”.

LUCIANO FEIJÃO é um artesão da imagem. Estudioso do desenho e conhecedor de diversas técnicas, ele trabalha como um mestre de ofícios que, de modo paciente e ponderado, labora suas imagens com perícia, utilizando os mais variados meios e recursos que domina: grafite, carvão, nanquim, pigmentos, borracha; pincel, pente, escova de dente, esponja, palha de aço, lâmina. A composição de seus desenhos possui um grande rigor formal. Sua imagem é construída das partes para o todo, com a reprodução de elementos de diferentes fotos, combinados por sua imaginação, que configura “realisticamente” insólitas figuras, distorcendo a realidade para mostrar o seu avesso, as suas entranhas, o seu estranho. Esta torção reflete o sentido político de seu trabalho, a sua luta contra o projeto eugenista de supremacia racial branca, e a favor do resgate de uma identidade negra brasileira: “A luta da população negra será sempre torcida, desmembrada e antianatômica.”

Antianatomia é como o artista caracteriza esta sua proposta poético-política de desenhar anticorpos negros, torcidos e desmembrados, com o intuito de promover uma reflexão crítica acerca de questões raciais: “Precisamos destruir toda a lógica que define a ‘lição de anatomia’ clássica como medida do mundo, para dar lugar a uma dissecação que faça transbordar o sentido das lutas étnico-raciais locais”: “Antianatomia é o contraponto radical sobre a oficialização da branquitude enquanto norma”. Na antianatomia de seus desenhos, os corpos abrem fissuras que expõem as suas entranhas, mostrando os seus músculos, nervos, ossos, sangue, a fim de dar a ver o espírito de sua ancestralidade negra.

JULIANA PESSOA é uma descobridora da imagem. Discípula do desenho, ela aprende a desenhar desenhando, na labuta diária de desenhar, desenhar, desenhar, fazendo, desfazendo, refazendo, sempre o desenho inteiro. A composição da sua imagem é elaborada do todo para a parte. Neste processo de sempre desconstruir todo o desenho, as imagens vão surgindo lentamente nos resquícios das camadas de linhas e pigmentos sobrepostos em veladuras que, simultaneamente, ocultam e fazem aparecer os contornos, os detalhes das partes, a figura, o fundo. Lentamente, tudo vai surgindo ao mesmo tempo, de forma indiferenciada e integrada na unidade de seu todo. Por descobrir o desenho desenhando, percebe-se em sua obra diferentes tratamentos da imagem, que aparece ora configurada em traços nervosos, ora insinuada em suaves manchas, umas com contornos, outras sem, às vezes em diversas camadas, outras no limpo do papel... – depende do que o desenho ensina.

Juliana Pessoa encontra os seus modelos na literatura e na fotografia. Sempre pessoas estranhas aos padrões oficiais, homens e mulheres do Brasil real, tanto em sua indigência e sofrimento, quanto em sua fortuna e contentamento. Em papel de grandes ou pequenas medidas, nas páginas de livros ou de partituras de música, os desenhos de Juliana dispõem de intensa expressividade, manifestam emoções e afetos, a dor e a alegria de pessoas que, satisfeitas consigo mesmas, exaltam a fartura do pouco e se regozijam com a exuberância do simples.

* * *

I will remove you from myself

As soon as I find out

How many noes can make a yes.

1. Antibodies’ Drawings

Antibodies is the name of Juliana Pessoa and Luciano Feijão’s drawings exhibition in Espírito Santo’s Museum of Art (MAES). In its title, the prefix ‘anti’ indicates an opposition, a counter force which combats a sick body: the antibodies oppose the antigens which cause disease. They deny a denial of life, aiming to restore the body’s health and strength. ‘Anti’ is a ‘no’ that refutes a negation of life to affirm that which has been denied. Its purpose is to reveal what has been concealed, discovering what had remained covered and latent. In an analogous way, the drawings in this exhibit also showcase ‘noes’ to enable other ‘yeses’.

Facing the most variant resources that current artistical development offers, drawing recovers the atavistic ancestrality of men and women who, from the most remote times, have always configured images with traces. Drawing is the most ancient and original form of art, its elementary revelation, which is present in all times and places – drawing is a spontaneous manifestation of language itself, emanating from the essence of humanity as its most archaic exhibit expression. Thus, ‘anti’ the diverse contemporary artistic means, the expo presents forty-four drawings, in various sizes, handmade over paper.

Another ‘no’ in these drawings is their simplicity of materials: charcoal, chalk, pencil, rubber, pigments, paper – as well as the parsimony of their colors: black, white, red, and blue. Not demanding complex materials and diverse colors, this drawings showcase the

power of the elementary, the opulence of being satisfied with little. Antibodies demonstrates how its drawings’ complexity consists in their simplicity.

‘Anti’ also appears in the images composed by Juliana and Feijão. Both depict bodies which are excluded from traditional standards, making visible their diversity of shapes, colors and sizes in their own splendour, enchanted by the pain and delight of being who they are. In Antibodies, through the ancestrality of drawing over paper, the simplicity of materials, economy of colors, and the extraordinary of their images, both artists celebrate bodies which have been denied by colonialist domination of traditional values, subverting Brazil’s official project of exclusion to manifest “the astonishing beauty of enchanted braziliannesses. In this exposition, Juliana Pessoa and Luciano Feijão present drawings that demonstrate how many ‘noes’ a ‘yes’ is made of.

2. The artists and their draws

... however, although both artist draw antibodies, their works, differing in various aspects, present a radical opposition: while Luciano Feijão’s drawings are characterized by the definition of shapes, Juliana Pessoa’s are marked by their indetermination –in the sense that his drawings are minutely constructed in every detail, configuring images in their specific limits to differentiate their individual boundaries; while she discovers the minuteness of details in the very process of making, unmaking and remaking of the whole drawing, which leads to a fading of delimitations and contours and a fusion of the elements of images in the undifferentiated unity of their totalities. However, there is an identity in the fact that both draw antibodies. The difference expressed in this opposition complements and intensifies the encounter of Juliana and Feijão’s drawings in Antibodies exposition, as “the contrary is convergent

in tension, from the divergence of contraries [comes] the most perfect harmony”.

LUCIANO FEIJÃO is an image artisan. A student of drawing and expert in diverse techniques, he works as a master of his craft, who, in a patient and thoughtful way, composes his images with acuteness, utilizing the most various means and resources in which he excels: graffiti, charcoal, nankin, pigments, rubber; brush, pencil, toothbrush, steel wool, razor blades. The composition of his drawings has an high formal strictness. His images are constructed from the parts towards the whole, with the reproduction of elements of different photographs, combined through his imagination, configuring “realistically” unusual figures, distorting reality to show its reverse, its entrails, its strangeness. This twist reflects the political meaning of his work, his struggle against eugenic projects of white supremacy, and his favoring of a black Brazilian identity: “The struggle of the black population will always be twisted, dismembered and anti-anatomical”.

Anti-anatomy is how the artist characterizes his poetical-political proposal of drawing black antibodies, twisted and dismembered, with the intention of promoting a critical reflection over racial issues: “We need to destroy all the logic that defines the classical ‘anatomy lesson’ as a measure of the world, to make space for a dissection which allows the meaning of local ethnic-racial struggles to overflow”: “Anti-anatomy is the racial counterpoint to the officialization of whiteness as a norm”. In his drawings’ anti-anatomy, bodies open fissures which expose their entrails, showing their muscles, nerves, bones, blood, to make visible the spirit of their black ancestrality.

JULIANA PESSOA is an image discoverer. A disciple of drawing, she learns to draw by drawing, in the daily toil of drawing, drawing, drawing, always making, unmaking, remaking the whole drawing. Her image composition is elaborated from the whole to its parts. In this process of always deconstructing her entire drawing, images slowly arise in the remains of layers and lines which overlap in thin glazes that simultaneously hide and make visible the contours and details of parts, figure, and background. Slowly, everything appears at once, in an undifferentiated and integrated manner. Because she discovers her drawings by drawing, one can perceive different treatments of the image in her work, which appears at times configured in nervous traces, at others insinuated in soft stains, some with contours and others without, sometimes in multiple layers, at other times in a clean paper... depending on what drawing teaches.

Juliana Pessoa finds her models in literature and photography. Always people deemed weird by official standards, men and women of a real Brazil, in their indigence and suffering as well as in their fortune and contentment. In large or small papers, in the pages of books or music sheets, Juliana’s drawings carry intense expressiveness, manifesting emotions and affections, the pain and joy of people who, satisfied with themselves, exalt the richness of having little and rejoice in the exuberance of simplicity.

* * *

ANTICORPOS/ ANTIBODIES

Juliana Pessoa e Luciano Feijão

EXPOSIÇÃO/ Exhibition

ARTISTAS/ ARTISTS

Juliana Pessoa e Luciano Feijão

CURADORIA E EXPOGRAFIA/ CURATION & EXHIBITION DESIGN

Fernando Pessoa

PROGRAMA EDUCATIVO/ LEARNING PROGRAM

Luciano Feijão

PRODUÇÃO EXECUTIVA/ EXECUTIVE PRODUCTION

Elaine Pinheiro e Juliana Pessoa

DESIGN GRÁFICO/ GRAPHIC DESIGN

Jarbas Gomes e Thiago Gomes

FOTOGRAFIA/ PHOTOGRAPHY

Bruno Zorzal e Tom Boechat

COMUNICAÇÃO VISUAL/ VISUAL COMMUNICATION

Arte na Vitrine

MOLDURAS/ FRAMING

Vitória Fine Art

PINTURA/ PAINTING

Márcio de Barcellos

MONTAGEM/ SET-UP

André Magnago e Danilo Porphirio

ILUMINAÇÃO/ LIGHTING SET-UP

Vitor Lorenção

TRADUÇÃO/ TRANSLATION

Gabriel Pessoa

GOVERNO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

Government of Espírito Santo State

GOVERNADOR DO ESTADO/ GOVERNOR

Renato Casagrande

VICE-GOVERNADOR DO ESTADO/ VICE GOVERNOR

Ricardo Ferraço

SECRETÁRIO DE ESTADO DA CULTURA/ STATE SECRETARY OF CULTURE

Fabricio Noronha

SUBSECRETÁRIA DE ESTADO DE POLÍTICAS CULTURAIS/ STATE UNDERSECRETARY OF CULTURAL POLICIES

Carolina Ruas Palomares

SUBSECRETÁRIO DE ESTADO DE GESTÃO ADMINISTRATIVA/ UNDERSECRETARY OF ADMINISTRATION MANAGEMENT

Joemar Bruno F. Zagoto

SUBSECRETÁRIA DE ESTADO DE FOMENTO E INCENTIVO À CULTURA/ STATE UNDERSECRETARY OF PROMOTION AND INCENTIVE TO CULTURE

Maria Thereza Bosi de Magalhães

GERÊNCIA DE ESPAÇOS E ARTICULAÇÃO CULTURAL/ CULTURAL SPACES AND ARTICULATION MANAGEMENT

Vinicius Fabio Ferreira Silva

GERÊNCIA DE MEMÓRIA E PATRIMÔNIO/ HERITAGE AND MEMORY MANAGEMENT

MUSEOLOGIA/ MUSEOLOGY

Paula Nunes Costa

ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO/ PRESS OFFICE

Danilo Ferraz

Juliana Santos Nobre

Tiago Zanoli

MUSEU DE ARTE DO ESPÍRITO SANTO DIONÍSIO DEL SANTO

Dionísio Del Santo Art Museum of Espírito Santo

DIRETORIA/ DIRECTOR

Nicolas Soares

NÚCLEO ADMINISTRATIVO/ ADMINISTRATION MANAGEMENT ASSESSORIA/ SUPPORT

Rosane Baptista

SUPERVISÃO DE ESPAÇO CULTURAL/ CULTURAL SPACE SUPERVISION

Rafane Fernanda de Andrade

NÚCLEO DE ACERVO/ COLLECTION CENTER

Rafaella Soares Silva

NÚCLEO DE AÇÃO CULTURAL E EDUCATIVA/ CULTURAL AND LEARNING ACTION CENTER MEDIAÇÃO/ MEDIATION

Emilly Nascimento Cabral

Kleiton Rosa Cavêdo

APOIO TÉCNICO/ TECHNICAL SUPPORT

Edson da Silva

EQUIPE DE APOIO/ SUPPORT TEAM

Jefferson Barros dos Santos

John Lucas Alves Macedo

José Luiz C. Macedo

Jussara Rodrigues Vianna

Rita de Cássia Lima

Sandra Maria Campista

EQUIPE DE VIGILÂNCIA/ SECURITY TEAM

Erasmo Vasconcelos

Jaider Ferreira de Souza

Jeovane Andrade dos Santos

Maikon Cardoso dos Anjos

AGRADECIMENTOS

Acknowledgments

Arildo Christóvão Ramos

Bianca Sizini Faller

Daniele Bernabé

Elaine Pinheiro

Felipe Gomes

Franquilândia Raft

Gabriel Albuquerque

Karenn Amorim

LEM Coletivo

Lobo Pasolini

Lucas Corteletti

Marcos Roberto Andrade

Maria da Penha Barreto

Marianne Azevedo

Nicolas Soares

Rafane Andrade

Ramon Wadry

Rayan Casagrande

Renato Lopes

Rita de Cássia Lima

Ronaldo Barbosa

Sandra Maria Campista

Vitor Lorenção

Werllen Castro

Em memória de In memory of

Nadir Firme Nascimento Bernabé

17/09/1937 † 24/01/2023

Impresso no outono de 2023 por ocasião da exposição ANTICORPOS, projeto selecionado pelo Edital Setorial de Artes Visuais 020/2020 do Funcultura, que marca a centésima mostra do Museu de Arte do Espírito Santo. Printed in the Autumn 2023 in connection with the art exhibition ANTICORPOS, one of the projects selected by Funcultura's grants programme 20/2020, marking the 100th exhibition at Espírito Santo's Art Museum (MAES).

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